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HISTÓRIA E
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NO BRASIL
]OSÉ GERALDO VINCI DE MORAES ,.,._ y"'~ ~

ELIAS THOMÉ SALIBA ( orgs.)

SÃO PAULO, 2010


Imagens da escuta:
F traduções sonoras de Phdnguinha
Virgínia de Almeida Bessa 1

Ao CONTRÁRIO DO QUE OCORRE com os documentos escritos ou visuais, que per-


mitem ao historiador investigar os discursos por meio dos quais dadas sociedades
ou épocas se dão a ler ou a ver, não se consolidou ainda, no campo da História
Cultural, uma preocupação em desvendar as formas pelas quais determinada re-
alidade social é escutada - ou se dá a ouvir. Embora datem dos anos r 9 3o as
primeiras considerações sociológicas sobre a escuta,' o reconhecimento de que
ela não se reduz a mera capacidade fisiológica, tampouco se origina num vácuo
social, intensificou-se com as primeiras experimentações no campo da música
concreta e da eletroacústica, na década de 19 50. O surgimento de novas possibi-
lidades de exploração do som e do ruído e o consequente alargamento do campo
da audição desafiaram o ouvinte a dirigir sua atenção a sons que antes não lhe

Mestre em História Social pela FFLCHi USP, onde atualmente realiza seu douroramento.

2 O crítico Theodor W. Adorno foi um dos primeiros autores a problematizar a escma


moderna, em trabalhos como "Sobre o jazz" (1936), "Sobre o caráter fetichista da música
e a regressão da audição" (1938), e "Sobre música popular" (1940-1941).
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pareciam escutáveis, pondo a nu os limites (ou ampliações) que uma determina- intensamente do universo musical urbano das décadas de I 9 20 e I 9 3 o, atuan-
da época impõe à forma de ouvir dos indivíduos e grupos sociais. Nesse sentido, do como instrumentista, compositor, arranjador e regente em diversos espa-
3
o que Murray Schafer denominou paisagem sonora poderia ser compreendido ços de produção e divulgação da música popular. Por meio da análise de sua
pelo historiador, a um só tempo, como o substrato a partir do qual se desenvol- trajetória artística, pretende-se apontar alguns dos discursos, das escolhas e,
vem os imaginários sonoros 4 de diferentes épocas e sociedades e como criação na sobretudo, das escutas que marcaram a sociedade brasileira daquelas décadas,
qual esses imaginários se refletem. A partir de quais fontes o historiador poderia período de proliferação dos meios de difusão de massa, notadamente o disco
trazê-los à tona? Quais as relações possíveis entre a(s) escuta(s) e seu tempo? e o rádio, e de ascensão da música popular- processos em que Pixinguinha
Este capítulo, que apresenta em linhas gerais as conclusões de minha dis- esteve diretamente envolvido.
sertação de mestrado, 5 procura situar no tempo uma escuta singular, de modo Privilegiaram-se como fontes documentais seus arranjos produzidos para
a desvendar as formas através das quais Pixinguinha percebeu, construiu e ex- a indústria fonográ.fica, embora fontes escr.itas (a imprensa em especial) e me-
pressou o universo sonoro em que esteve inserido, nele se fez ouvir e por ele mórias também tenham sido utilizadas. Quase sempre concebidos como a relei-
se viu calar. Nascido na virada do século :xx, no Rio de Janeiro, Alfredo da tura de peças de outros compositores, os arranjos revelam não apenas as idios-
Rocha Vianna Filho (I897-I973), seu nome de batismo, participou ativa e sincrasias auditivas do arranjador- que, ao selecionar e organizar materiais e
sonoridades, permite-nos escutar sua escuta 6 -, mas também as preferências
Preocupado em estudar o ambiente acústico de maneira sistemática, Schafer cunhou dos ouvintes e as escolhas das instâncias de produção e de poder (a indústria
o termo "paisagem sonora" (soundscape) para designar "qualquer porção do ambiente fonográ.fica, o complexo radiofônico, o Estado), que por meio deles fabricam
sonoro visto como um campo de estudos". (ScHAFER, Murray. A afinação do mundo. e direcionam a escuta do público. Embora as composições e interpretações de
Tradução de Marisa Fonterrada. São Paulo: Ed. Unesp, zoor, p. 366) A expressão pode Pixinguinha também sejam representativas desse universo, elas não integram o
se referir tanto a ambientes acústicos como a criações sonoras (por exemplo, uma com- escopo deste capítulo.'
posição musical, um programa de rádio etc.). Aqui, ela é entendida como o "ambiente
Serão analisados três momentos da trajetória do artista, a começar pela fase
acústico geral de uma sociedade".
regionalista (I9I9-1928), quando integrou a orquestra típica "Oito Batutas", pri-
4 Emende-se por imaginário o conjunto de percepções, práticas, ideias e anseios que são
meiro conjunto musical popular a obter repercussão nacional. Embora o gru-
concebíveis num dado contexto histórico. Trata-se em última instância dos limites que
po não produzisse arranjos (ao menos não no sentido estrito da palavra), sua
uma determinada época ou realidade social impõe ao modo de pensar e de agir dos
indivíduos. "Todas as épocas têm as suas modalidades específicas de imaginar, reprodu- 6 Valho-me, aqui, de uma ideia do compositor e musicólogo francês Peter Szendy, para quem
zir e renovar o imaginário, assim como possuem modalidades específicas de acreditar, o arranjador "não é somente um virtuoso dos estilos: é um músico que sabe escrever uma
sentir e pensar" - e, por que não, também de ver e de escutar. (BACZKO, Bronislaw. escura; que consegne, com qualquer obra, fazê-la soar como". (SzENDY, Peter. Écoute. Une
"Imaginação social". In: Enciclopédia Einaudi, vol. 5· Lisboa: Imprensa Nacional/Casa histoire de nos oreif!es. Paris: Les Éditions de Minuir, 2001, p. 23- grifos meus).
da Moeda, 1985, p. 309). 7 Sobre a relação emre a escuta de Pixinguinha e sua atuaçáo como compositor e imér-
BESSA, Virgínia de Almeida. "Um bocadinho de cada coisa: trajetória e obra de Pixin- prete, ver BESSA, Virgínia de A. "À escuta da cidade: Pixinguinha e a paisagem sonora
guinha". História e Música Popular no Brasil dos anos 20 e 30. Dissertação de Mesuado, carioca da Primeira RepCtblica". R.!. T..~. Revue Interdiscip!inaire de Travaux sur les Améri-
Departamento de História, FFLCHiusP, 2005. ques. Paris: IHEAL, n° r, inverno de 2008. Disponível em: www.revue-rita.com.
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trajetória possibilita escutar a escuta de seus membros, que incorporaram indis- IJE ORQUESTRA TÍPICA A JAZZ BANO
tintamente em seu repertório gêneros sertanejos 8 e sonoridades do jazz. Em se-
guida, será abordado o período da plena inserção profissional de Pixinguinha no Embora atuasse profissionalmente desde I 9 I r, gravando discos, apresen-
seio da indústria fonográfica (1928-1937), quando atUOU como arranjador e re- tando-se em casas de chope e tocando em blocos carnavalescos e orquestras de
gente das principais orquestras de disco do país, ajudando a criar um imaginário teatro e cinema, Pixinguinha só conquistaria o reconhecimento do público ca-
sonoro do Brasil nos anos 3o. Finalmente, será examinado o processo de subs- rioca no ano de 1919, à frente dos "Oito Batutas", conjunto musical integrado
tituição de seus arranjos pelas orquestrações "sinfonizantes" e "jazzificadas" dos por figuras que seriam, mais tarde, glorificadas pela bibliografia da música po-
maestros do rádio, sobretudo as de Radamés Gnattali, período em que o músico pular brasileira. 10
se afastou do mercado do entretenimento e começou a figurar no seleto rol dos A participação de Pixinguinha na trupe interessa-nos por diversas razões.
"autênticos representantes de nossa música popular" (1937-1952). A partir de Primeiro, porque o prestígio alcançado pelo octeto incentivaria a formação de
então, o autor de Carinhoso passou a ser cultuado - não mais como um músico outros grupos similares ao longo dos anos 1920, ajudando a criar e a divulgar
ativo, mas como um museu vivo, um depositário das tradições populares do país, o repertório da chamada música nacional (que, naquela época, correspondia à
transformando-se, assim, em um dos principais símbolos musicais da brasilidade. soma das diversas manifestações regionais do país). Depois, porque revela a inci-
Desde então sua obra, sua trajetória e sua imagem pessoal permanecem vincula- pieme profissionalização dos músicos populares, que dependiam do mecenato e
das, definitiva e naturalizadamente, à memória da música popular. do apadrinhamento político para trabalhar e enfrentavam, dentre outros obstácu-
Se por um lado a eleição do artista como símbolo nacional rendeu-lhe os los, o preconceito racial e a discriminação generalizada de que eram alvos a mú-
louros do reconhecimento e fez jus à sua profícua carreira, por outro o impediu, sica popular e seus praticantes. Finalmente, porque a trajetória dos Batutas revela
em plena maturidade artística, de seguir criando, bem como encobriu os con- a escut2. aberta dos músicos populares cariocas do início do século xx, que incor-
9
Bitos que permearam a construção da chamada música popular brasileira - os poravam em seu repertório ramo as tradições folclóricas como as novas sonori-
quais se pretende, aqui, iluminar. Em cada um desses momentos, a brasilidade dades oriundas do contexto urbano e da música popular estrangeira, divulgada
atribuída a Pixinguinha adquiriu novas conotações, sendo re-construída e re-sig- no Brasil através do disco e das partituras para piano. Vale lembrar que, à época
nificada pelos diferentes agentes inventores da tradição musical popular, aí inclu- de seu surgimento, os "Oito Batutas" autodenominavam-se orquestra típica e se
ídos os próprios artistas. apresentavam em trajes característicos de sertanejos nordestinos, conforme ditava

r o Além de Pixinguinha na flauta e Donga no violão, a formação original do grupo contava


8 Vale lembrar que, nas décadas de 1910 e 1920, o termo "sertanejo" não tinha a mesma com China (Otávio Vianna, irmão de Pixinguinha) na voz, violão e piano, Raul Palmieri
conocação dos dias de hoje, referindo-se aos diferentes gêneros rurais que eram divulga- no violão, Nelson Alves no cavaquinho, José Alves no bandolim e ganzá, Jacó Palmieri no
dos nas cidades. pandeiro e Luís de Oliveira na bandoia ' reco-reco. João Pernambuco (violão) inregrou
Emende-se por música popular brasileira um conjunto de obras, gêneros e esülos mu- o grupo durante duas exCLtrsóes da trupe pelo Brasil. Com exceçáo de Donga e Pixin-
9
sicais identificados com certa tradição, inventada por músicos, produtores, intelectuais e guinha, que permaneceram emre os "Batutas" até o desaparecimento do conjLwto, em
memorialistas ligados ao universo do entretenimento. 1928, os demais membros do grupo foram substituídos ao longo do tempo.
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a moda da época. A partir de 1923, contudo, passaram a se exibir no formato de público carioca. As discussões acerca da autoria das peças - que foram registra-
jazz band e a inserir novos gêneros e sonoridades em seu repertório. A mudança das sob o nome de Catulo, apenas, dado que as melodias fornecidas ao poeta por
, ocorreu após uma turnê pela França, onde os músicos entraram em contato com João Pernambuco foram consideradas de domínio público - são bastante conhe-
o efervescente mundo do jazz. Tal maleabilidade para se adequar tanto às novi- cidas, e não cabe, aqui, rememorá-las. ' 2 O fato é que a associação entre esses dois
dades do mercado como às "autênticas tradições musicais" insiste em aparecer artistas e as polêmicas envolvendo as composições citadas põem em evidência a
na bibliografia memorialística como um paradoxo: como entender que artistas problemática da autoria e da autenticidade na música popular.
"tão brasileiros" cedessem ao modismo da música estrangeira, tocando e com- Quanto à origem folclórica das peças, é quase impossível que, após sete anos
pondo shimmys e foxtrotes? A trajetória do conjunto pode iluminar essa apa- frequentando as reuniões musicais da Lapa, os bailes carnavalescos e as festas po-
rente contradição. pulares comunitárias, como as da Penha, João Pernambuco não tenha sido in-
fluenciado pela música popular urbana, incorporando-a em suas composições. 'l
Entre o folclórico e o popularesco Aliás, muitos dos temas hoje tidos como folclóricos não são senão recriações, ou
até mesmo composições originais, feitas por músicos populares urbanos- e vice-
A partir dos anos 1910, e até a década seguinte, a moda regionalista to- versa. Na década de 1920, a canção Luar do sul, de Zeca Ivo, foi difundida nas
mou conta da sociedade brasileira. Nesse período, valsas, mazurcas e cançonetas escolas primárias e secundárias brasileiras "como o exemplo mais característico
francesas conviviam lado a lado, nos salões das elites e nos bailes populares, com da música sulina" .' 4 Seu autor, apesar de carioca, era considerado um autêntico
toadas, canções sertanejas e outros gêneros regionais. Trata-se daquilo que José músico gaúcho, apresentando-se em espetáculos de variedades por todo o Brasil
Ramos Tinhorão denominou o "gosto pelo exótico nacional", 11 que pôs em moda com roupas típicas do sul. O compositor e radialista carioca Almirante, autor de
o folclore e trouxe novos atores para o proscénio do mundo do entretenimento. diversas emboladas do norte da década de 1920, afirmava que, na época, muita
Catulo da Paixão Cearense (1863-1946) foi um dos que melhor souberam gente o confundia com um legítimo nordestino, devido à sua enorme habilidade
explorar esse ambiente. Maranhense criado no interior do Ceará, aos 17 anos mi- em compor e executar peças do gênero. ' 5
grou com a família para a capital federal, onde ganhou fama como poeta, orna-
mentando com versos rebuscados melodias de conhecidos compositores urbanos.
12 Sobre esse assunto, ver ALMIRANTE. No tempo de Noel Rosa. São Paulo: Francisco A!-
Por volta de 1904, conheceu o violonista João Teixeira Guimarães (r883-1947),
ves, 1977.
o João Pernambuco, que recém-chegado do Recife trazia na memória temas po-
13 Essa opinião é referendada pelo musicólogo Mozart de Araújo, para quem a melodia de
pulares do sertão nordestino. Nasceria, então, uma frutífera parceria entre o mú-
Luar do sertão, fornecida a Catulo, "era criação própria de João Pernambuco, como eram
sico e o letrista, selada em I9II com a toada Engenho do Humaitá (posteriormen- as roadas Vancê, Tia de junqueira, Biro-biro-yaiá, Siricóia, Ajueia Chiquinha e tantas
te publicada como Luar do sertão) e reforçada dois anos mais tarde por Caboca outras" (apud ALMIRANTE, op. cit., p. 19).
de Caxangá, uma embolada - gênero que a partir de então cairia nas graças do 14 EsTEVES, Eulícia. Acordes e acordos. A História do Sindicato dos Músicos do Rio de janeiro.
I907-1941. Rio de Janeiro: Multiletra, 1996, p. 74·
II TrNHORÃO, José Ramos. Pequena história da música popular. São Paulo: Círculo do Li- 15 ALENCAR, Edigar de. Claridade e Sombra na música do povo. Rio de Janeiro: Francisco
vro, s/d, p. 33. Alves, 1984, p. r65.
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Imagens da escuta: traduções sonoras de Pixinguinha I7I

É nesse contexto que despontam no cenário musical carioca (e, mais tar- escritor Coelho Neto. rs O episódio é obscuro, e as informações contidas na bi-
···'I de, nacional) os "Oito Batutas". O grupo fora criado a pedido de Isaac Frankel, bliografia são divergentes. De acordo com os biógrafos de Pixinguinha e a im-
gerente do Cine Palais, localizado na avenida Rio Branco, para tocar na sala de prensa da época, os Batutas excursionaram por São Paulo e Minas Gerais (entre
espera da casa. Todos os seus integrantes eram remanescentes do antigo "Bloco outubro de I919 e maio de 1920) e, mais tarde, pela Bahia e Pernambuco (entre
do Caxangá", trupe carnavalesca surgida na esteira do sucesso da famosa em- junho e julho de 192r). E, em ambas as viagens, contaram com a participação
bolada de Catulo e Pernambuco, tendo desfilado no Rio de Janeiro entre 1914 de João Pernambuco, que além de músico era funcionário de Arnaldo Guinle. '9
e 1919' 6 com lenço no pescoço, chapéu de palha e pseudônimos nordestinos. Com relação ao material recolhido, dado como perdido durante muito tempo,
Mesmo substituindo os trajes típicos por terno e gravata, os Batutas mantiveram sabe-se hoje que parte dele se encontra Fundo Villa-Lobos, acervo pertencente ao
o caráter sertanejo do bloco carnavalesco no epíteto adotado pelo conjunto (or- Instituto de Estudos Brasileiros da USP. 20
questra típica), bem como no repertório, composto por maxixes, lundus, canções Paralelamente à colheita das canções folclóricas, os Batutas fizeram apre-
sertanejas, corta-jacas, batuques e cateretês. sentações públicas em teatros e casas de espetáculo, as quais projetaram o gru-
Vale lembrar que, até então, a presença de músicos populares nos espaços po nacionalmente. Em São Paulo, como nenhum cinema acolhesse o grupo, os
elitistas de divertimento se restringia à orquestra da sala de projeção (nos cine- Batutas apresentaram-se no salão do Conservatório Dramático e Musical, reduto
mas) ou ao fosso do teatro (nas revistas musicadas), sempre escondidos da vista da sisuda elite paulistana, conforme noticiou o jornal do Commercio às vésperas
do público. No caso dos "Oito Batutas", a discriminação era dupla, pois além de da estreia:
executar música popular, o grupo era composto majoritariamente por negros,
despertando uma intensa polêmica na imprensa carioca, que questionava a pre- r8 CR!VELLARO, Débora. "O baú sertanejo de Villa-Lobos". Revista Pesquisa Fapesp.
sença de um grupo "de cor" na Avenida Central. São Paulo: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, n° 84, fevereiro
Em outubro de 1919, após vários meses em cartaz no Rio de Janeiro, os de 2003, p. 8o.

Batutas iniciaram uma excursão por diversos estados brasileiros. As viagens fo- 19 Uma outra versão atesta que Pixinguinha, Donga e João Pernambuco teriam viajado ao
ram patrocinadas pelos irmãos Carlos e Arnaldo Guinle, ' 7 que incumbiram os nordeste por ordem de Arnaldo Guinle já em 1913- ames, portamo, do surgimento dos
músicos de recolher material folclórico para integrar uma antologia de música "Oito Batutas". A informação foi dada por João Elpídio Mendes, irmão de João Pernam-

popular, projeto que vinha sendo preparado desde 1905, com a participação do buco, em depoimento ao biógrafo do artista (LEAL, op. cit.). O depoimento de Donga ao
Museu da Imagem e do Som, segundo o qual os Batutas teriam ido primeiro ao nordeste
r6 CABRAL, Sérgio. Pixinguinha: vida e obra. Rio de Janeiro: Lumiar, 1997; SILVA e OLI-
e só depois a São Paulo e Minas Gerais, para finalmente regressar à Bahia e Pernambuco,
VEIRA FILHO, Pixinguinha: filho de Ogum bexiguento. Rio de Janeiro: Gryphus, 1998. parece confirmar essa versão.
O biógrafo de João Pernambuco, no entanto, afirma que o grupo teria surgido em 1912
20 Em 1927, o material encomendado pelos irmãos Guinle foi entregue a Villa-Lobos
- antes, portanto, do lançamento da embolada (LEAL, José de Souza. ]odo Pernambuco.
para a elaboração de uma publicação sobre cultura popular. Envolvido com outros
A arte de um povo. Rio de Janeiro: Funarte, 1982).
projetos, o maestro repassou a tarefa a Mário de Andrade, que pretendia reunir as
17 Ricos industriais cariocas, os irmãos Guinle ficaram conhecidos por sua atuação como
transcrições cedidas por Villa-Lobos ao material colhido por ele mesmo em suas an-
mecenas no mundo das artes e do esporte, tendo patrocinado as viagens de Villa-Lobos
danças pelo Nordeste no livro Na pancada do ganzá. Este, contudo, não chegou a ser
à França na década de 1920. publicado (CRIVELLARO, op. cit.).
;~l

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Noticia a Gazeta de hontem, que os cinemas da Capital se do que é popularesco, feito à feição do popular, ou influenciado pelas modas
recusaram a aceitar as propostas que lhe fez o grupo de can- internacionais"."
tores e instrumentistas nacionais - "Os Batutas" - que ha A estreia da trupe na capital paulista se deu com o espetáculo Uma noite no
poucas noites, se exhibio na redacção desre jornal.· sertão- um estrondoso sucesso, segundo as notas publicadas na imprensa da épo-
É de lastimar que tal acontecesse, tratando-se, como se
ca. A apresentação foi considerada urna "verdadeira noite no sertão", com os seus
trata, de rapazes que se impõem pela distincção e pela mo-
"lundus, canteis regionaes, sambas, sapateados sertanejos etc., em que são exímios
destia com que se apresentam, e, sobretudo, pela nota inedita
as oito figuras de que se compõem a interessante tmupe". 13 Os membros do gru-
que dariam aos frequentadores desses cinemas com a exhibi-
çáo de um repertorio em que palpitam tradições brasileiras, po foram considerados "authenticos sertanejos (... ) com os seus característicos

toucadas de muita poesia, traductoras da nossa alma simples e uajes"; 24 "festejados trovadores, que são de verdade 'batutas', na interpretação da

de costumes que vão desapparecendo. música sertaneja''. 2 í Sua música foi qualificada corno alegre, sadia, espontânea,
Fossem esses rapazes imitadores de caipirices, desvirtu- inspirada, "despretenciosa e simples, mas verdadeiramente nacional"; 26 "ingênuas
ados ao talento de quem as explora; inculcassem-se musicas e bizarras, estuantes de vida e de melancolia" ! 7 Donde se conclui que a presen-
excenuicos; trouxessem bonecos de mola; dessem-se a exer- ça daqueles artistas na capital paulistana era recebida como urna transposição da
cícios de funambullismo, propuzessem-se a desmanchas de música e da dança executadas nos rincões apartados da civilização diretamente
maxixe, a saracoteios de samba, a esgares e palhaçadas, e esses para os palcos, sem mediações.
cinemas se afoitariam em contratai-os.
O curioso é que, com exceção de João Pernambuco, todos os membros do
Não desanimem com isso os "Batutas". Se os repel-
grupo eram cariocas e, vivendo na capital federal, também altamente urbaniza-
lem os cinemas, nós não o repellimos, nem os repellirá o
dos- dado ignorado (ou omitido) pelos jornais. A imprensa paulista parece ter
publico de São Paulo, que vai ouvil-os, brevemente, no
se esquecido, também, de que esses "autênticos sertanejos" gravavam discos, re-
salão do Conservatorio!'
gistravam sambas para lucrar com os direitos autorais, exibiam-se nos cabarés da

É importante ressaltar a distinção feita pelo jornalista entre o popular falso Lapa e tocavam (maxixe[) nos cinemas da cidade. O fato é que a identificação do
e o autêntico, ao diferenciar os "Os Batutas" (verdadeiros representantes das "tra- conjunto com a autenticidade brasileira era forjada pelos próprios Batutas, do re-

dições brasileiras" e de "costumes que vão desaparecendo") dos "imitadores de pertório ao figurino: abahdonaram o terno e gravata usados na sala de espera do

caipirices" e dos praticantes de "desmanchas de maxixe" e "saracoteios de samba",


22 ANDRADE, Mário de. Ensaio sobre a música brasileira, 4a ed. Belo horizonte: Itatiaia,
que então proliferavam nos meios populares de divertimento. Visão muito seme-
20o6, p. 134.
lhante à que seria defendida, alguns anos mais tarde, por Mário de Andrade, que
23 O Estado de São Paulo, 2).10.1919.
ressaltaria a necessidade de "discernir, no folclore urbano, o que é virtualmente
24 Correio Paulistano, 28.10.1919.
autóctone, tradicionalmente nacional, o que é essencialmente popular, enfim,
25 O Estado de São Paulo, 23.10.1919.
26 Idem, ibidem.

21 jornal do Commercio. São Paulo, 24.10.1919 (grifas meus). 27 Idem, 28.ro.1919.


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Palais e resgataram o chapéu de cangaceiro e lenço no pescoço da época do Bloco Rio de Janeiro em maio de 1920. No ano seguinte, o grupo excursionou pelo
de Caxangá, de forma a reforçar seu caráter típico. Nordeste. Sua repercussão foi tamanha que logo inspirou a formação de conjun-
Nesse sentido, vale destacar a diferença na recepção dos Batutas pelos públi- tos locais, como os "Turunas Pernambucanos", criado em 1921, e os "Turunas
cos paulista e carioca. Os periódicos do Rio, quando se referiam elogiosamente da Mauricéia'', em 1927. No Rio de Janeüo, também inspirado no sucesso dos
ao conjunto, destacavam a diversidade de seu repertório, "onde figuram todos os Batutas, aparece o "Bando de Tangarás", grupo formado em 1929 por João de
cantos e generos nacionaes, onde se ouve desde a modinha à canção da 'embo- Barro, Almirante e Noel Rosa, entre outros. No mesmo ano, surgem em São
lada', desde a polka saltitante ao 'batuque'" .' 8 Os jornalistas cariocas, possivel- Paulo os "Turunas Paulistas" e os "Chorões Sertanejos". 33 Vale notar a enorme ve-
mente porque conhecessem os músicos de perto, não se referiam aos Batutas locidade com que o modismo sertanejo se espalhou por todo o país, e a frutífera
como "autênticos sertanejos" ou "músicos espontâneos", a exemplo de seus troca operada entre os músicos populares.

colegas paulistas, mas sim como "modestos obreiros", "músicos dos mais ca- O ponto alto da trajetória do conjunto ocorreria em 1922. No início da-

prichosos", "esforçados rapazes", 29 reforçando, pois, seu caráter profissional. quele ano, durante uma temporada no cabaré Assírio, Pixinguinha e sua trupe
travaram contato com Duque,H principal divulgador do maxixe no exterior.
Essa visão positiva do grupo, no entanto, não era unânime na capital
O dançarino acabara de se tornar diretor artístico do dancing Shéhérazade, em
federal. A imprensa carioca logo se dividiu em duas facções: de um lado, os
Paris. Impressionado com a qualidade dos músicos, não demorou a convidá-los
detratores do conjunto, segundo os quais a presença dos Batutas em "qual-
para que o acompanhassem à Cidade-Luz. Assim, em janeiro de 1922, patroci-
quer cinema da Avenidà' era ofensiva aos "ouvidos educados" da aristocracia
nados mais uma vez por Arnaldo Guinle (amigo pessoal de Duque e frequen-
carioca; 30 de outro, seus defensores, críticos do esnobismo de certa elite que
tador do cabaré parisiense), sete dos oito Batutas embarcaram para Paris, onde
"se empanturrava de classicismo, sem o comprehender, as bellezas do nosso
permaneceram em cartaz por vários meses, denominando-se "Les Batutas".
característico sambà' Y A polêmica racista veiculada na imprensa carioca, tão
bem retratada pelos biógrafos de Pixinguinha, teve repercussões em outros es-
"Primitivo, selvagJem e desregrado"
tados brasileiros, inclusive em Pernambuco, 32 mas não em São Paulo- onde a
cor dos Batutas parece ter sido, antes, um atrativo.
A ida dos Bamtas a Paris suscitou diversas leituras e problematizações. Para
Terminada a temporada na capital paulista, os Batutas percorreram Santos
os biógrafos de Pixinguinha, o episódio revelou mais urna vez o racismo enfren-
e cidades do interior do estado de São Paulo e Minas Gerais, só retornando ao
tado pelo grupo, despertando certa polêmica acerca das representações ("negras"

28 "Os Oito Batutas. A sua próxima tournée artística. Para o sul!" A Notícia, 15.IO.I919.
33 MORAES, José G. Vinci de. lvfetrópole em sinfonia. História, cultura e música popular na
29 Idem. São Paulo dos anos 30. São Paulo: Estação Liberdade, 2000, p. 238.
30 Coluna de Júlio Reis no jornal A Rua (s/d), apud CABRAL, op. cit., p. 46.
34 Pseudônimo de Antônio Lopes de Amorim Diniz (r884-1953), ex-dentista baiano que
31 A Noticia, 15.10.1919. se profissionalizara bailarino e, desde 1909, vinha levando para os salões europeus e
32 A polêmica registrada na imprensa pernambucana, bem como na carioca, foi narrada . americanos a dança que fora "excomungada" no Brasil (EFEGÊ, Jota. Maxixe, a dança
por SrLVA e 0LIVE1RA FILHO, op. cít. excomungada. Rio de Janeiro: Conquista, 1974).
q6 VIRGÍNIA DE ALMEIDA BESSA Imagens da escuta: traduções sonoras de Pixinguinha I77

e "bárbaras") do Brasil no estrangeiro. 31 Para os memorialistas da música popular No campo da música popular, todas essas significações, sobrepostas, se con-
(jornalistas, músicos e produtores ligados ao mundo do entretenimento), signifi- densavam nos novos gêneros dançantes que se difundiam nos bailes públicos e
cou a aclamação internacional da música brasileira, bem como o reconhecimento particulares da cidade, tais como o fox, o shimmy, o charleston e o ragtime. Esses
do valor de nossos jovens artistas. 36 Para os Batutas, a viagem representou, sobre- ritmos estavam associados, a um só tempo, às ~ais avarrçadas tecnologias (já que
tudo, um passo à frente rumo à profissionalização e ao reconhecimento público. sua principal forma de difusão eram os novíssimos gramofones), à emancipação
'~pós o sucesso na Europa'', afirmou Pi.xinguinha, "a nossa música começou a ser dos corpos (afastando-se das complexas e bem-comportadas danças de pares en-

aceita e começamos a receber convites para trabalhar" .J7 laçados) e ao primitivismo da música dos negros norte-americanos, com seus
Para os objetivos aqui propostos, cabe ressaltar que a viagem provocou uma instrumentos "exóticos" e suas sonoridades "bárbaras". O espaço dessa mistura
guinada na trajetória do grupo, que passou a forjar uma nova identidade, mais explosiva eram, certamente, as cidades.

afinada com as noções (confusas e contraditórias) que então se estabeleciam em Vimos que, no início de sua trajetória, os Batutas se identificavam não com
torno da ideia de modernidade. Segundo o historiador Nicolau Sevcenko, no o homem contemporâneo das metrópoles, tampouco com o negro que aí vivia,
Brasil dos anos 1920, a palavra moderno "adquire conotações simbólicas que mas com o caboclo, o sertanejo, o homem do campo, representantes de um tem-
8
vão do exótico ao mágico, passando pelo revolucionário" .3 Não é à toa que o po "que vai desaparecendo". Não havia qualquer tentativa de aproximar sua mú-

vocábulo era reiteradamente empregado na publicidade da época, conotando sica da modernidade- ainda que, para a tristeza dos puristas, o choro, o samba
não só novidade, mas também liberdade, ousadia iniciativa, eficiência. A pala- e mesmo a música sertaneja (que não era senão uma releitura urbana do folclore
vra carregava também um sentido de emancipação e ruptura, podendo, assim, rural) já portassem muito do moderno.

ser interpretada negativamente, sobretudo pelos setores mais conservadores da Contudo, após a turnê parisiense, os Batutas buscaram explicitar aquela
sociedade, como perda de controle, indisciplina e promiscuidade. Estava asso- proximidade, forjando uma outra imagem, representativa de um novo tempo
~·.:
ciada, ainda, ao primitivo, ao exótico, ao bárbaro, ao incivilizado, noções que marcado pelo ruído, pela valorização do primitivo, pela ruptura com os amigos

podiam adquirir conotações positivas ou negativas, dependendo de como (e por valores. Em Paris, os brasileiros notaram que sua música era consumida como
exótica - e, portanto, também como moderna. Essa percepção se refletiu, por
quem) fossem empregadas.
exemplo, no repertório do grupo, que passou a incluir gêneros estrangeiros em
suas apresentações, tais como o foxtrote, o shimmy e o ragtime. A mudança trans-
35 A esse respeito, ver CABRAL, op. cit., cap. 5; SILVA e OLIVEIRA FILHO, op. cit., p. 59-64.
pareceu, ainda, na vestimenta dos músicos, que abandonaram definitivamente os
36 RANGEL, Lúcio. Sambistas e Chorões. Aspectos e figuras da música popular brasileira. Rio
trajes nordestinos, aderindo ao terno escuro ou ao smoking. Novos instrumentos
de Janeiro: Francisco Alves, 1962; ALENCAR, Edigar de. O fabuloso e harmonioso Pixin-
foram adicionados ao antigo regional, entre eles a bateria de João Tomás, o ban-
guinha. Rio de Janeiro: Cátedra-INL, 1979·
jo de China e o saxofone de Pixinguinha, todos provenientes da música de jazz
37 PEREIRA, João Batista B. "O negro e a comerd1lização da música popular brasileira".
In: PEREIRA, ]. B. B. e QuEIROZ, M. I. P. Comunicação e cultura popular. São Paulo, ouvida em Paris. A performance também foi alterada, os músicos se posicionando
mais descontraída e informalmente no palco.
ECA!USP, 1971, P· 13.
38 SEVCENKO, Nicolau. Orfeu extático na metrópole. São Paulo, sociedade e cultura nos fre-
Na bibliografia tradicional, a principal questão suscitada pela viagem a Paris

mentes anos 20. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 227-8. foi se os músicos brasileiros teriam ou não sofrido influência do jazz. José Ramos
I 78 VIRGÍNIA DE ALMEIDA BESSA
Imagens da escuta: traduções sonoras de Pixinguinha 179
Tinhorão lidera o grupo dos que acreditam que sim, alegando, ainda, que tal in-
gravação de r o discos, todos com repertório brasileiro e formação muito próxima
fluência teria descaracterizado a música brasileira. 39 Uma parcela rriais numerosa
à da antiga orquestra típicaY Após alguns desentendimentos entre os membros
defende incondicionalmente a autenticidade de nossos músicos, numa tentativa
do grupo, Donga, João Tomás e Nelson Alves voltaram ao Brasil, compondo em
quase xenófoba de comprovar a superioridade e o pioneirismo da música brasi-
abril de 1923 o jazz band "Oito Cotubas". A outra parte da trupe, liderada por
leira em relação à norte-americana, com base em uma argumentação cronológi~
Pixinguinha, só retornaria aos palcos brasileiros em junho, fundindo o velho
ca (o que veio antes- choro- teria mais legitimidade do que aquilo que veio de-
nome dos "Oito Batutas" ao novo formato de jazz band. O conjunto contava,
pois- jazz) e evolutiva (o choro, "mais elaborado", não poderia serinfluenciado
então, com um pianista (J. Ribas), um pistonista (Bonfiglio de Oliveira), um
pelo jazz "rudimentar"). 40 Mas o que não se pode negar é que o contato com o
trombonista (Euclides Galdino), um baterista (Eugênio de Almeida Gomes, o
mundo do jazz transformou o modo de inserção dos "Oito Batutas" no circuito
Submarino) e um segundo saxofonista (Luiz Americano). É com essa formação
do divertimento, ainda que temporariamente. Para sobreviver no universo do
que o grupo aparece na famosa foto de pose jazzística. Em agosto daquele mesmo
entretenimento musical, os músicos populares circulavam por diferentes gêne-
ano, Batutas e Cotubas voltariam a se reunir, compondo a "Bi-Orquestra Oito
ros, estilos e performances, adaptando-se às demandas e aos limites impostos
·Batutas", que executava tanto o repertório dos jazz bands como os gêneros tradi-
pelo público. cionais da música brasileira.
Durante a turnê pela França, o conjunto teve pouco espaço na imprensa lo-
Diferentemente do que se possa imaginar, a mistura de jazz com gêneros na-
cal, restrito aos anúncios pagos ou a pequenas notas, em geral elogiosas- donde
cionais não era recebida pelo público como aberração. Ao contrário, era prática
se conclui que, embora bem-recebidos, os Batutas eram apenas uma curiosidade a
bastante comum. No carnaval de 1925, o jornal A Noite publica a seguinte nota
mais entre tantas outras em cartaz pela cidadeY Além disso, não há nesses textos sobre os Batutas:
informações precisas sobre o repertório executado pela trupe, tampouco sobre os
possÍveis contatos mantidos com outros conjuntos musicais atuantes na cidade.
Para avaliar as influências e trocas culturais ocorridas na capital francesa é preciso É digno de registro o retumbante sucesso que, no pre-
medir seus reflexos após o retorno do grupo ao Brasil. sente carnaval, vem coroando a fama que goza a orquestra
característica dos Batutas._No lindo salão superior do High
A mudança definitiva no conjunto só ocorreu em 1923, depois de uma
Life, cheio de fina gente, o prazer da dança é aumentado
nova excursão internacional, desta vez à Argentina. Lá os Batutas realizaram a
sempre pelo prazer da música. Ali é que os Batutas estão.
Ali é que o popular Pixinguinha se levanta para chamar
39 TrNHORÃO, José Ramos. "Influência americana vem do tempo do jazz band". In: Música
os seus companheiros à barulheira dos sambas, dos foxtro-
Popular: urn terna ern.debate. São Paulo: Ed. 34, 1997·
tes e das marchas. Os números são repetidos várias vezes,
40 SILVA e OLIVEIRA FILHO, op. cit., P· n-85. por entre palmas e aclamações. (... ) Pixinguinha e seus
41 Sobre os anúncios e notícias publicados na imprensa parisiense, ver BAsTos, Rafael Me-
nezes. "Les Batutas, 1922: uma antropologia da noite parisiense". Revista Brasileh·a de
Ciências Sociais, vol. zo, n° 58, junho de 2.005. Já o dançarino Duque recebia um espaço
42 O conjunto compreendia, então, violões, cavaquinho, piano, flauta, saxofone e banjo. Os 20
muito maior na imprensa francesa, sendo, por vezes, objeto de longas matérias.
fonogramas foram reeditadas pelo selo Revivendo, no cn No tempo dos 'Oito Batutas'.
I 8o ViRGÍNIA DE ALMEIDA BESSA Imagens da escuta: traduções sonoras de Pixinguinha r8r

companheiros têm para si grande parte do sucesso desse Prossegue o autor:


carnaval. 43
É um absurdo dizer que o jazz é immoral. Será, no máximo
A proximidade dos Batutas com a música norte-americana era atestada não ammoral por ser primitivo, selvagem e desregrado. Não é
só pela presença de foxtrotes no repertório da orquestra (que ainda assim conti- musica, pois musica é harmonia e rythmo, ao passo que o jazz é
desacorde e syncopaçáo. 45
nuou se autodenominando "característica''), mas também pela "barulheira'' exe-
cutada pelo conjunto -termo em geral associado a instrumentos "de pancadaria"
do jazz band, sobretudo a bateria. Em r 9 24, num artigo intitulado "jazz band', Em janeiro daquele ano, a revista já havia publicado um artigo de mesmo

um articulista da Revista Musical44 comentava justamente seu caráter ruidoso, re- nome, deixando claro seu posicionamento sobre a chamada música moderna:

flexo, segundo o autor, dos horrores da guerra:


Responsabilisam-n'o ainda [o jazz-band] pelas deformações
que sofrem os trechos célebres (Chopin, Schuberr etc.) nas
Qualquer um de nós, em uma ou ourra crise em nossa
mãos de interpretes sem escrúpulos ... Assim, entre nós, o
vida, tem experimentado o desejo, mui1:9 natural e aca- chefe de orquestra de um cinema da Avenida, (o qual, di-
brunhador, de ... gritar. (... ) O mundo parece ter experi- gamos de passagem, é diplomado pelo Instituto) foi além,
mentado, em consequência da guerra, esse mesmo desejo, substituindo a prima do violino por uma corda meralica... e
e deu-lhe expansão em uma orgia de jazz. E como se sen- tocando-o por vezes como ... cavaquinho! ... Já é demais!4 6
tiu muito melhor berrando (como nós) continuou ber-
rando ... até hoje.
Mais do que o repertório, portanto, o que os músicos brasileiros absorveram
dos jazz bands foram as "deformações", a incorporação do ruído, o modo de to-
car, a instrumentaçáo, a apropriação e a mistura, elementos que permaneceriam
na produção musical brasileira até, pelo menos, o início da década de 1930, so-
bretudo nas orquestras de disco que proliferaram a partir de 1927, com o advento
da gravação elétrica.
43 A Noite, apud CABRAL, op. cit.; p. 103 (grifas meus).
Um outro elemento trazido pelo jazz foi a proeminência do negro no mun-
44 Publicaçáo quinzenal carioca lançada em 1923 que apresentava os últimos sucessos dan-
do do entretenimento. No final daquele ano de 1924, a mesma Revista musical
çantes da capital, nacionais e estrangeiros. Além de foxtrotes, tangos argentinos, val-
lamentava a presença de artistas negros nos palcos brasileiros, um modismo im-
sas, ragtimes, maxixes, sambas, canções, modinhas, peças de saláo para piano e piano e
portado de Paris:
canto, a revista publicava ainda músicas de repertório Ba-ta-clan e de outros music halls
de Paris e Nova York. A partir de 1924, a revista também passa a publicar partituras
eruditas, além de artigos técnicos sobre música. É nesse contexto que surgem as críticas
ao jazz. Embora defendesse só a música erudita ser verdadeiramente "culta" e "boa", a 45 Re-vista Musical, n° 13, 15.02.1924 (grifas meus).

revista cominuava a publicar partituras de música para dançar. 46 Re-vista Musical, n° II, 15.0I.1924.
I 82 VIRGÍNIA DE ALMEIDA BESSA Imagens da escuta: traduções sonoras de Pixinguinha 183

Volrando ao jazz-band, este tem ainda um outro aspecto que Foi inspirada na congênere francesa que a Companhia Negra de Revistas
desagrada, além do fonhosismo que é característico: é a pre- montou os espetáculos Tudo preto e Preto e branco, que, apesar das polêmicas,4 8
ocupação em salientar, de exibir o negro que, para a Europa, tiveram relativo sucesso. 49 Após três meses em cartaz no Rio de Janeiro, a trupe
era ao tempo da guerra, com as chegadas de tropas coloniaes, cindiu-se. Os remanescentes, liderados por Jaime Silva, excursionararn por São
uma curiosidade, mas para nós uma cousa trivialissima.. Y Paulo e Minas Gerais utilizando, ainda, o nome da "Companhia Negra". Os
dissidentes, dentre os quais se destacavam Pixinguinha e De Chocolat, funda-
Nesse sentido, é digna de nota a participação de Pixinguinha na "Companhia
ram urna nova companhia, a "Ba-Ta-Clan Preta", com a qual se apresentaram
Negra de Revistas", composta unicamente por artistas "de cor". Fundada em
na capital e no interior paulistas. Ambas procuraram se aproximar da estética
1926, no Rio de Janeiro, pelo cenógrafo português Jaime Silva e pelo composi-
inaugurada pela Revue Negre, ressaltando a excentricidade do elenco e do reper-
tor e cançonetista João Cândido Ferreira, mais conhecido como De Chocolat, a
tório. A comparação com o teatro moderno francês e norte-americano era, aliás,
companhia reunia nomes conhecidos do público carioca, tais como o compositor
inevitável: "As grandes capitais apreciam muito as excentricidades no palco. O
e pistonista Sebastião Cirino (membro da "Bi-Orquestra dos Batutas"), o próprio
Rio de Janeiro, que é uma grande capital, não há de fugir à regra",5o anunciava o
De Chocolat, que também atuava como ator, e o já renomado Pixinguinha, res-
jornal O Globo, por ocasião da estreia da primeira Companhia Negra, no Rio de
ponsável pelos arranjos e pela regência da orquestra, que reunia "2o professores
Janeiro. A mesma percepção se repetiria em São Paulo. Após as primeiras apre-
pretos do Centro Musical", conforme os anúncios da época.
sentações da trupe, já cindida, a imprensa paulista destacou a natureza "bizarra" e
Vale lembrar que a década de 1920, tanto na Europa como nos Estados
o caráter "original e divertido" da peça, 51 encenada por um "excêntrico e interes-
Unidos, foi marcada pela emergência da cultura negra no mundo das artes e do
sante elenco". 52 E se é verdade que entre os números musicais da peça figuravam
show business, estando presente tanto na produção artística e literária de vanguar-
gêneros brasileiros - como o grande sucesso de Sebastião Cirino, o samba Cristo
da como nas revistas do Folies Bergere e nas casas de jazz de Paris e Nova York. Em
nasceu na Bahia -, não menos relevante era a presença das danças estrangeiras,
1921, estreou em Nova York o primeiro musical all-b!ack da Broadway, Shuffie
aclamadas pelo público e destacadas pela imprensa. Já na Ba-Ta-Clan Preta, a
along, cuja enorme popularidade ecoou na Europa. Naquele mesmo ano, Blaise
Cendrars publicava na França sua Anthologie negre, uma coleção de lendas cos-
48 Assim como os Batutas, e a despeito de sua boa acolhida pelo público, a "Negra de Revistas"
mogônicas, fetichismos, fábulas, poesias e modernos contos africanos compilados
foi alvo de críticas racistas, sustentadas por figuras renomadas no meio teatral e veiculadas
pelo escritor a partir de relatos colhidos por missionários e exploradores euro-
na imprensa da época. A esse respeito, ver: BA..lillOS, Orlando de. "Pixinguinha contra os
peus. As narrativas ali reunidas inspirariam a montagem, dois anos mais tarde, do foros da civilização". In: MoTA, Maria Aparecida Rezende (coord.). Pixinguinha. Série De-
balé negro La création du monde, que propunha um .retorno às origens primitivas poimentos. Rio de Janeiro: UERJ, Departamento Cultural, 1997, p. 27-3 8.
da arte e da humanidade, identificadas com o continente africano. Finalmente,
49 A respeito do êxiro da trupe, ver BARROS, Orlando de. Corações De Chocoiat: a história
entre a vanguarda e o entretenimento, a dançarina e performer norte-americana da Companhia Negra de Revistas. Rio de Janeiro: Livre Expressão, 2005.
Josephine Balcer se tornaria a grande musa negra da Europa ao estrelar, em 1925, 50 O Globo, 03.08.I926.
La revue negre, no Théatre des Champs Élisées. 5I Folha da Manhã, ZI.IO.I916.

47 Revista Musical, n° 30, OI.II.I924 (grifas meus). 52 Folha da Manhã, z8.ro.1926.


184 VrRGÍNV\. DE .ALMEIDA BESSA Imagens da escuta: traduções sonoras de Pixinguinha 185

principal atração ficava por conta de Pixinguinha e seu jazz band, que sonoridades, Pixinguinha e alguns de seus colegas músicos se viram obrigados a
tavarn, indistintamente, choros e gêneros estrangeiros. As danças modernas retroceder em suas investidas, identificando-se novamente com o que havia de
bém fizeram enorme sucesso na temporada paulista, entre elas um "puro e mais genuíno e nacional na música popular. Fechadas as portas para o tradicional
têntico charleston" ,53 além de uma "dansa fantasia de pretos a quatro figuras". universo dos palcos, o músico encontraria espaço num novo mercado, ainda não
Nenhuma das duas companhias, contudo, durou muito tempo, encerrando dominado pelos brancos: a indústria fonográfica.

curta trajetória no ano de 1927.

Tanto no jazz band "Os Batutas" como na Companhia Negra de PIXINGUINHA E AS IMAGENS SONORAS DO BRASil

Pixinguinha e outros artistas negros brasileiros procuraram atuar no registro


moderno, reproduzindo, em solo brasileiro, a última moda de Paris, A estreia em disco de Pixinguinha se deu em 191 r, quando, ainda menino,
do novos sons (e ruídos) em suas criações e ao propondo, em sua performance, integrou o grupo "Choro Cariocà', gravando uma série de chapas para a Casa
outro lugar para o "homem de cor", mais próximo daquele ocupado pelos Edson do Rio de Janeiro. A partir de então, o Bautísta encontraria no mercado
;;:\' na França e nos Estados Unidos. Essa rápida incursão pelo moderno se fonográfico um importante (embora modesto) ramo de atuação, tendo realizado,
ainda nos anos 1920, quando os artistas negros se viam obrigados a retro até 1927, 3 5 gravações, todas por meios mecânicos: Em 1928, com a chegada ao
em suas investidas. Brasil do sistema elétrico, a participação de Pixinguinha na indústria fonográfica
se modificaria profundamente, pois além de intérprete e compositor, ele passaria
haver espaço para os negros que buscassem se inserir ou intervir na conll::mpura- a atuar como orquestrado r e maestro.
neidade. A eles caberia, apenas, o mérito de ter formado o cadinho racial do Vale ressaltar que, na fase mecânica, as gravações eram feitas, preferencialmen-
resultara o povo brasileiro, bem como a missão de reavivar as "cantigas e te, com instrumentos de sopro, cordas dedilhadas e vozes empastadas, que pos-
da "escravaria africana", conforme propunham os folcloristas da época. Daí, tal- suíam a intensidade necessária para mover a agulha gravadora e sulcar a cera
vez, a distância entre o new negro, que começava a despontar nos Estados Unidos em que se registrava o fonograma. O advento da gravação elétrica, contudo,
e na Europa, e o "homem de cor" brasileiro, cuja inserção social se respalda- ampliou enormemente a gama de timbres que podiam ser registrados, incluin-
va, principalmente, em suas produções culturais, identificadas não como negras do cordas friccionadas, vozes pequenas (no estilo, por exemplo, de Carmen
ou mestiças, mas, acima de tudo, brasileiras. 55 Assim, depois de transitarem por Miranda e Mário Reis) e instrumentos percussivos que antes não eram captados
regiões mais dissonantes em relação aos discursos dominantes, buscando novas com precisão. As bandas militares e os conjuntos regionais, predominantes nos
primeiros discos de música popular, foram aos poucos sendo substituídos pelas
orquestras - nome genérico sob o qual se agrupavam diferentes formações ins-
53 Folha da Manhã, 2.2.ro.1926.
trumentais. O acompanhamento da linha melódica, geralmente improvisado a
54 O Estado de Sáo Paulo, II.ILI926.
partir de uma harmonia dada, passou a ser escrito. Nesse contexto, ganhou desta-
55 Sobre as diferenças entre o movimento negro brasileiro dos anos 1920 e o norte-ameri-
que um novo profissional, responsável pela sonoridade final da música: o arranja-
cano, ver GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo. "Intelectuais negros e modernidade no
Brasil". Working paper number CBS-52-04. Oxford: Centre for Brazilian Studies, 2004,

P· q-8.
I 86 VIRGÍNIA DE ALMEIDA BESSA Imagens da escuta: traduções sonoras de Pixinguinha
~:
I87
;;~,
dor. 56 Ele não só criava e transcrevia as partes instrumentais da orquestra, escolhia e maestro exclusivo da RCA Victor, assumindo a direção das orquestras "Victor
os timbres e decidia o andamento, mas também selecionava e regia os músicos que Brasileira" (I929-I934) 59
, "Diabos do Céu" (1932-1945) e "Grupo da Guarda
participariam da gravação. Velha" (193I-I933) além de gravar, esporadicamente, com a Orquestra Típica e
Uma outra consequência do sistema elétrico de gravação foi o surgimento o Conjunto Regional "Victor". A partir de I9 34, quando deixou de ser maestro
de uma sonoridade própria do disco, que se pode denominar linguagem fonogê- exclusivo da RCA, "Pixinguinha e sua Orquestra Columbia" acompanharam di-
nica. Trata-se de "um padrão de organização de timbres, dinâmicas (de intensi- versos cantores na gravadora de mesmo nome.
dade e tempo), combinações e modulações harmônicas e acentuações e divisões Como todos esses conjuntos musicais contavam com uma importante se-
rítmicas, permeadas pelos processos de industrialização e comercialização da mú- ção de metais, diversos autores identificaram Pixinguinha como um continuador
sica gravada", sendo o arranjo sua principal ferramentaY da linguagem das bandas. No entanto, se escutarmos algumas gravações feitas
Pixinguinha desempenhou um papel fundamental no estabelecimento de pela Banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro para a Casa Edison, uma
uma linguagem fonogênica no Brasil, atuando como maestro e arranjador em das mais representativas do início do século, notaremos que os arranjos de seu
quase todas as gravadoras instaladas no paÍs no final dos anos r920 e ao longo diretor, Anaclero de Medeiros, reproduziam, basicamente, a escrita para piano:
dos anos r930Y Em r928, esteve à frente das orquestras típicas "Oito Batutas", acompanhamento nos instrumentos mais graves, reproduzindo a mão esquerda
na Odeon, e "Pixinguinha-.Donga", na Parlophon, ambas formadas por remanes- do piano, e linha melódica nos instrumentos agudos, fazendo as vezes da mão
centes do antigo conjunto do Cine Palais. A partir de 1929, tornou-se arranjador direita. O resultado é uma textura homofônica, em bloco, que trabalha com gru-
pos de timbres. Já em Pixinguinha predomina a textura polifônica, além de uma
56 Embora o termo "arranjo" designe qualquer peça musical que tenha tomado como riqueza rítmica e tímbrística inéditas nos arranjos para disco até então, num estilo
base ou incorporado um material pré-existente (podendo, por isso, ser aplicado a "toda característico que marcou época.
a música ocidental, de Hucbald a Hindemich"), a .figura do arranjador moderno surge
O maestro conhecia a fundo a linguagem musical popular, tanto em suas
apenas no século XIX, fruto, de um lado, da valorização dos diferentes timbres instru-
manifestações étnicas e comunitárias- além de alabê (tocador de atabaque em
mentais, e, de outro, da popularização do piano- e, mais tarde, do disco. Trata-se de
rituais de candomblé), ele era frequentador de rodas de samba e chegou a ser di-
um profissional especializado responsável por realizar a transposição de uma compo-
sição para um meio diferente do original, ou ainda a elaboração ou simpli.ficaçáo de
retor de orquestra de blocos carnavalescos - como em sua vertente semi-erudita,

uma peça sem alteração do meio, de modo que se reconheça o material com posicional praticada por chorões, planelros e bandas militares. Vale lembrar que o músico
original (harmonia, melodia) e a aucoria da peça. BoYD, Malcom. "Arrangement". In: passou a infância em meio a rodas de choro, organizadas em casa por seu pai,
SAD!E, Stanley. (ed.). Grove Dictionary of music and nzusicians. Londres: Macmillan Alfredo Vianna, funcionário da Companhia de Telégrafos do Rio de Janeiro e,
Publishers Limited, r98o, p. 627-32. nas horas vagas, flautista amador. Foi ele quem incentivou o filho, ainda criança,
57 TEIXEiRA, Maurício. "Música em conserva". Al7·anjadores e modernistas na criação de uma a estudar cavaquinho (seu primeiro instrumento, trocado mais tarde pela flauta)
sonoridade brasileira. São Paulo: FFLCH/usp (Dissertação de mestrado), 2001, p. 63.

58 A Odeon, primeira gravadora a se instalar no Brasil, em 1912, permaneceu sozinha no 59 A Orquestra Victor Brasileira realizou gravações até o início da década de r940. A partir
mercado brasileiro até 1928, quando se instala no país uma fábrica da "Parlophon", per- de 1934, porém, Pixinguinha passou a dividir o posto de arranjador da gravadora com
tencente ao mesmo grupo. Em 1929, chegam a Columbia e a Brunswick, e a Victor. outros maestros (emre eles Radamés Gnartali).
~:' "'

188 VIRGÍNIA DE .ALMEIDA BESSA Imagens da escuta: traduções sonoras de Pixinguinha 189

e teoria musical. De modo que Pixinguinha, além da escuta, também dominava Os sambas dos compositores do bairro do Estácio de Sá, que

alguns recursos técnicos e teóricos, tais corno a grafia musical, a harmonia (que renovaram o gênero, recebiam das orquestras o mesmo trata-
mento dado aos sambas anteriores. PL"Xinguinha abrasileirou as
chegou a estudar formalmente, no Instituto Nacional de Música) e o contrapon-
orquestrações de forma tão nítida e radical que se pode dizer,
to (praticado intuitivamente nas rodas de choro).
sem qualquer medo de errar, que foi ele o grande pioneiro da
Corno arranjador, foi responsável por grandes êxitos que perduraram no
orquestração para a música popular brasileira. 63
tempo, tais como Eu fiz tudo pra você gostar de mim (Tal), marcha de Joubert de
Carvalho gravada em 1930 por Carmen Miranda, ou O teu cabelo não nega, mar-
Essa opinião foi compartilhada por críticos e músicos que, em diferentes
cha de Lamartine Babo e Irmãos Valença gravada por Castro Barbosa e Orquestra
momentos da história, defenderam um projeto de brasilidade na música. Em en-
da Guarda Velha em I 9 3 I. Qualquer cantor que almejasse o sucesso deveria gra-
trevista ao jornal paulistano O Tempo, em março de I 9 52, o compositor Guerra-
var ao menos uma música orquestrada por Pixinguinha. A atuação nessa área,
Peixe afirmou que
aliás, veio reforçar sua identificação corno um músico autenticamente brasileiro.
Com efeito, por ocasião da estreia em disco da "Orquestra Victor Brasileira", uma esse artista [Pixinguinha] deve ser encarado como um dos
crítica publicada na revista especializada Phono Arte afirmava que a orquestra es- pontos de partida e ser seguido pelos orquestradores bra-
tava "bem ensaiada, bem organizada e perfeitamente apta para qualquer tradução sileiros. Seus trabalhos nessa especialidade, ainda quando
da nossa música typica". 6o Desde seu 1lançamento, em 1928, a revista vinha assi- realizados com orquestras de jazz, deixam transparecer va-
nalando a carência de artistas nacionais capazes de traduzir para o disco a música lores típicos de nossa musica popular, seja em harmonia,
brasileira. 6 ' O elogio à orquestra de Pixinguinha sinalizava, pois, a esperança de contraponto, ritmo e feição regional. Tanto é assim que,
apesar do menosprezo daqueles mais modernistas, que o
se ter em disco, finalmente, uma orquestra apta para a gravação de nossos gêneros
acham passadista, Pixinguinha é considerado, e com mui-
típicos. 62 Sérgio Cabral, biógrafo do artista, valeu-se dessa ideia para defender a
ta ra2áo, o único orquestrador que dá força regional à nos-
brasilidade de Pixinguinha:
sa música. 64

6o PhonoArte. Rio de Janeiro, 30.10.1929, n° 31, p. 24 (grifas meus). Segundo o maestro Júlio Medaglia,
6r Na edição de 28.02.1929, a revisca acusava a "Orquestra Columbia de]azz" de não pos-
suir "grande entendimento entre os seus componentes, sacrificando até mesmo o bello em Pixinguinha, nota-se claramente a escrita orquestral da
compasso desses generos [samba e maxixe] tão typicos de nossa música popular" (p. 29). época, presente em óperas e operetas e que capicali20u para
Em outra ocasião, reprovou a "falta de souplesse" da orquestra Ghiraldini ao acompanhar
o cantor Humberto Marsicano em dois gêneros nacionais, uma embolada e um samba.
damente elogiado pelo crítico Cruz Cordeiro, tanto na gravação de gêneros brasileiros
Reprovava, ainda, o saxofone da orquestra, que, "no samba, logo no início, por pouco
quanto na de estrangeiros.
não compromete a affinação do conjuncto" (Phono Arte, 15.09.1929, p. 22).
63 CABRAL, op. cit., p. 127 (grifo meu).
62 Vale ressaltar, contudo, que Pixinguinha não era o único maestro aplaudido pela revista
nesse quesito. O maestro russo Simon Bountman, arranjador da Odeon, era reitera- 64 Apud CABRAL, op. cit., p. 167-8
Imagens da escuta: traduções sonoras de Pixinguinha I9I
I 90 VIRGÍNIA DE .ALMEIDA BESSA

a sua técnica e forneceu os dados básicos para a formação de uma tonalidade a outra). A transcrição das notas no pentagrama, mesmo para os
6
uma linguagem musical caracteristicamente brasileira. j leigos em música, ajuda a visualizar esse procedimento:

cadência final da parte B'


Por que seus arranjos eram (e continuam sendo) tão valorizados? Que aspectos
() --•~-
da escuta musical da época eles revelam? E o que possuem de tão "brasileiro"?

Imagens sonoras

Entre outras qualidades que lhe eram atribuídas, Pixinguinha ficou conhe- :& ,,fJ]éjD i~J:õst;iô i EJJ#Etf ICJt ,fJ JJ id 1

Bb7 Eb
cido pela enorme habilidade de criar imagens em seus arranjos. Em crítica ao
jornal A Hora, de 9 de agosto de 1933, o jornalista e compositor Orestes Barbosa
Por cromatismo (intervalos de semitom), os instrumentos de sopro vão as-
chamou atenção para o efeito criado pelo arranjador na orquestração da marcha
cendendo lentamente, até chegarem a um acorde de dominante (si bemol maior
Chegou a hora da fogueira, de Lamartine Babo, gravada naquele mesmo ano por
Carmen Miranda e Mário Reis, acompanhados pela orquestra "Diabos do Céu". com sétima), para cadenciarem na nova tonalidade (mi bemol maior). A subida,
além de lenta, é gradual, evocada pela figura rítmica JTI, que indica pequenas
Pixinguinha é hoje o orquestrador mais perfeito dos discos da paradas do balão a cada semitom. Trata-se de uma iconizaçáo, recurso bastante
cidade. O Chegou a hora da fogueira tem um pedaço em que recorrente nos arranjos de Pixinguínha e também em suas composições. 67
a música sobe e o povo sente mesmo o balão subindo, na sua Talvez não fosse intenção do orquestrador associar tal passagem cromática
vertigem pomposa. O balão e os foguetes. Não precisa de li-
da música - presente, aliás, nas pontes modulatórias de vários outros arranjos
breto para explicar. Sabendo música de pagode, Pixinguinha
66
seus- à ascensão do balão. O interessante, contudo, é notar a relação estabelecida
tem contra si a falta de cabeleira do Villa-Lobos.
pelo crírico entre um elemento da letra (o balão de papel fino que não sobe mais)
e o desenho feito pelas alturas sonoras (que, contrariando os versos da canção, faz
Nas gravações da época, era comum haver uma repetição instrumental das
o balão subir). A música não precisava de libreto: era auto-explicativa.
partes cantadas (refrão e segunda parte). Nos arranjos de Pixinguinha, essa reex-
Vale lembrar que, antes do advento do fonógrafo, a prática e a escuta musi-
posição (inserida no meio da peç;:t) era apresentada em tonalidade diferente da do
cais estiveram diretamente atreladas à presença física dos intérpretes e seus instru-
cantor - em geral, numa distância de terça, acima ou abaixo. O procedimento,
mentos. Os gestos corporais, as expressões faciais e a disposição dos músicos no
muito comum no jazz, tornou-se urna das marcas registradas do arranjador. Pois
espaço, tudo contribuía para a comunicação de mensagens das quais os sons ex-
bem, a passagem da marcha junina que fazia o povo sentir o balão subindo era
pressavam apenas uma parte. Para exemplificar a força dessa ligação entre o som
justamente a ponte modulatória da peça (trecho em que se realiza a passagem de

65 MEDAGLIA, Júlio. "Uma linguagem brasileira". Encarte do LP Pixinguinha. Coleção His- 67 É o caso do choro Um a Zero, em que o autor incorpora o som de uma corneta usada por
toria da Música Popular Brasileira. São Paulo, abril de I970, p. 12. um torcedor num estádio de futebol para comemorar o gol, transformando esse pequeno
66 Apud SILVA e OLIVEIRA FILHO, op. cit., p. I33· elemento melódico em célula motívica da peça.
t-:-,

192 VIRGÍNIA DE ALMEIDA BESSA


Imagens da escuta: traduções sonoras de Pixinguinha
1 93

e os corpos que o produzem, o musicólogo Fernando Iazzetta cita o recurso do


introduzida pelo arranjo fonográfico é que ele deveria fazer tudo isso sem a pre-
músico fora de cena, de grande poder expressivo, usado desde os dramas sacros
sença física do artista, e por meio de convenções que foram se estabelecendo em
da Idade Média até as sinfonias de Mahler ou as óperas de Wagner. Ao desvincu- conjunto com outros veículos de comunicação.
lar o som das imagens que normalmente o acompanham (no caso, a presença do-s
Nesse sentido, é importante ressaltar a enorme difusão, nessa mesma época,
músicos), esse artifício reforçava "o caráter mágico da ligação entre aquilo que se
do cinema mudo - que, assim como o gramofone, também promovia a descone-
ouve e aquilo que se vê". 68
xão entre imagem e som. Para suprir a ausência da fala havia, além dos letreiros,
Pois bem, um dos efeitos do disco foi, justamente, o de desconectar, no pla-
uma série de indicações verbais e gestuais dos atores, isso sem contar a própria
no das sensações, visão e audição. O que não significa que as imagens tenham
música, que nunca esteve ausente dos filmes/ 1 É verdade que, nos primórdios
sido totalmente abolidas do processo de escuta. O mais provável é que a invisi- .
da atividade cinematográfica, ao menos no Brasil, a trilha sonora não tinha re-
bilidade da música gravada fosse compensada pela imagin:fção do ouvinte. No··--
lação direta com as cenas, sendo executada apenas para quebrar a monotonia
caso das gravações mecânicas, é possível que elas trouxessem à memória as ima-
do filme. Em depoimento a Lourival Marques, o baterista Luciano Perrone,
gens da própria performance ao vivo, que era o que se temava reproduzir em
que iniciou sua carreira como músico de cinema, ressaltou a desconexão entre
disco. 69 Com a vulgarização das gravações elétricas, que passariam a utilizar, cada
música e filme, muito comum na época:
vez mais, recursos exógenos à música performática, nota-se, pouco a pouco, um
I
esforço de oferecer imagens aos ouvintes. Essa demanda seria, em parte,
Qualquer pessoa mais ou menos da minha idade
pelo arranjo.
(eu já estou com 68 anos!), deve se lembrar: a geme ou-
É cerro que, muito antes do advento do fonógrafo, a chamada música p
via até o barulho da máquina [de projeção], um negócio
gramática70 já procurava atribuir características imagéticas aos sons, por meio
assim ó: frfrfrfrfr [imitando o som com a boca] e o pia-
mimetização de ruídos da natureza ou da composição de paisagens. A dife
no tocando, té-tatatiti ... era um negócio que não tinha

68 lAZZETTA, Fernando. "A música, o corpo e as máquinas". Opus. Rio de Janeiro: nada a ver com a cena. (.. ;) Contavam até umas anedotas
(Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música), n° 4, 1997, p. 29. dizendo que o Cristo estava sendo crucificado e estava
tocando Trttu subiu no pau. Quer dizer, isso é uma falta
69 Uma propaganda publicada numa revista semanal carioca, logo após o advento da
de respeito.7'
vação elétrica, é bastante representativa desse contexto. Um grupo de jovens de
aha eslá reunido em torno de uma "moderna victrola ortophonica", para a qual
dirigem fixamente seus olhares, como se estivessem a "assistir" à música
pelo aparelho. O texto do anúncio sugere ao leitor que "cerre os olhos, e poderá
sem vacillação alguma que todos esses artistas tocam ou camam pessoalmeme em sagens contidas num programa, a relação entre imagem e som sempre esteve presente na
presença". (Careta, 18.02.1928, p. 39) música ocidental e nas mais diversas tradições musicais.
70 Composição insuumemal que apresenta conteúdos extramusicais, elaborados a partir 71 VALENTE, Heloísa de Araújo Duarte. As vozes da canção na mídia. São Paulo: Via Lettera/
um programa (em geral, um poema). Embora a música programática tenha rep Fapesp: 2003, p. rq.
o primeiro esforço sistemático no sentido de traduzir em sons as ideias, emoções e
72 Depoimento de Luciano Perrone a Lourival Marques. Col!ector's, série Depoimentos.
I94 VIRGÍNIA DE ALMEIDA BESSA Imagens da escuta:. traduções sonoras de Pixinguinha 195

É provável que, nessa época, não tivessem se difundido ainda no Brasil os Barro gravada em 1934 por Almirante e "Diabos do céu"), ou introduz o som
álbuns de cue sheets, pequenas peças musicais para cinema concebidas para um de uma risada, executada pelo trompete em surdina, no arranjo de Passarinho ...
determinado ripo de cena ou situação específicas da narrativa (amor, despedida, passarinho... (samba de Lamartine Babo gravado em r 9 3 2 por Castro Barbosa e
mistério etc.). Com o tempo, porém, a música foi adquirindo papel central nas "Grupo da Guarda Velhà'). Essa prática também pode ser notada nos arranjos
exibições cinematográficas, compondo com a imagem uma unidade semântica. de outros orquestradores da época. Em Minha pombinha (marcha de Kid Pepe e
O pai do depoente, maestro Luís Perrone, que na segunda década do século xx Germano Augusto gravada em 1936 por Araci de Almeida e "Reis do Ritmo"),
dirigiu as principais orquestras de cinema do Rio de Janeiro, foi um dos pioneiros ela aparece na imitação do arrulho da pomba, feito provavelmente por urna cuí-
no Brasil a sincronizar música e fita e a utilizar efeitos sonoros e repertório especí- ca, que funciona corno um pano de fundo do arranjo, marcando o tempo forte
ficos para cada tipo de cena. O maestro usou trechos da ópera Carmen, de Bizet, do compasso. Em Cena caipira (toada de Eduardo Somo gravada em 1931 por
para acompanhar o filme de mesmo nome, recurso que, na época, fez muito su- Francisco Alves e "Orquestra Copacabana"), a introdução do arranjo é pontua-
cesso. Outro importante músico a atuar nesse contexto foi Ernesto Nazareth. da pela imitação do som de pássaros, evocando uma cena bucólica e nostálgica
Segundo Aloysio Pinto, muitos dos elementos descritivos utilizados pelo compo- do sertão.
sitor em suas peças devem ~r sido estimulados pelo ritmo cinematográfico, que Além da mirnetização de sons da paisagem, outro recurso recorrente nos ar-
ele tinha de acompanhar como "pianeiro" de cinema. ranjos de Pixinguinha era a citação. Ela está presente, por exemplo, no arranjo de
Ninguém fora o balão (marcha junina de Bide e Armando Marçal interpretada por
Ainda hoje não posso ouvir o Escorregando sem pensar no Almirante e "Diabos do Céu"), que cita a cantiga infantil Cai cai balão, executada
pastelão, nas quedas engraçadas, nas situações perigosas, pelos trompetes em surdina:
nos grandes bigodes dos guardas da Keystone. E, quando
a música chega aos acordes finais, tenho sempre a impres- Trompete: (cai cai ba-lão cai cai ba-lão)

são de encontrar aquele velho letreiro convidativo, que


aparecia ao término de cada sessão: FIM. Voltem na pró-
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Voz: O-lha lá o ba-lão_ Vem de gás a-pa-ga-


xima semana/ 3

Algumas vezes, o orquestrador citava suas próprias composições. As notas


Tanto o "pianeiro" quanto o diretor de orquestra faziam os espectadores
iniciais do tema de Carinhoso, por exemplo, foram reutilizadas em diferentes ar-
escutar as imagens, papel semelhante- mas em sentido inverso- daquele desem-
ranjos de Pixinguinha. Outras vezes, sobretudo nas marchinhas, ele fazia uso
penhado, alguns anos mais tarde, pelos arranjadores fonográficos, que levavam
de toques militares, utilizando nos metais células rítmico-melódicas associadas a
os ouvintes a ver os sons por meio de iconizações, como aquela do balão. É com
bandas marciais. É o caso, por exemplo, da introdução de O teu cabelo não nega,
essa intenção que Pixinguinha mimetiza o ruído de urna locomotiva inician-
criada por Pixinguinha e até hoje presente nas execuções da peça.
do o movimento na introdução do arranjo de Trem azul (marcha de João de

73 PINTO, Aloysio Alencar. "Ernesto Nazarerh/Flagrantes." Revista Brasileira de Música.


Rio de Janeiro, no 6, p. 38-46, 1963, p. 45-6.
196 VIRGÍNIA DE ALMEIDA BESSA Imagens da escuta: traduções sonoras de Pixinguinha 197

o rótulo de "músicas de meio-do-ano", que passaram a complementar as vendas


de músicas carnavalescas.
Nesse comexro, o samba-canção foi um dos adquiriu maior visibilidade.
Além dos. compositores, os arranjadores desempenharam um papel decisivo na
Trata-se de um sinal sonoro presente no imaginário auditivo do público fixação do gênero, abusando das frases melódica.s de notas longas, executadas em
que, introduzido num novo contexto, adquire novas significações. comracanto pelos sopros e arcos, e transferindo o paradigma rítmico da percus-
Embora soem ingênuas para os padrões de escuta atuais, a mimetização de são (normalmente associada aos gêneros carnavalescos) para os metais e para as
sons da paisagem e a incorporação de melodias ou trechos conhecidos do pú- cordas dedilhadas. Pixinguinha, que se destacou mais na orquestração de músi-
blico causavam sensação entre os ouvintes da época. Talvez porque a linguagem cas típicas e de carnaval, não trouxe grandes contribuições para o gênero, tendo,
fonogênica ainda não tivesse se estruturado plenamente, era necessário exage- contudo, assinado os primeiros arranjos de Na batucada da vida, gravado na voz
rar alguns de seus recursos expressivos, numa atitude quase didática. Nesse de Carmen Miranda, e Tu, um dos poucos sambas-canções de Ary Barroso, gra-
sentido, a procura por efeitos e o apelo ao repertório conhecido do público vado por Silvio Caldas.
eram recursos certeiros, e explicam, em parte, o reconhecimento alcançado por Outro gênero inventado pela indústria fonográfica foram as marchas de São

Pixinguinha na época. João, consumidas nas festividades do mês de junho- época do ano mais distante
do carnaval, se considerarmos que a promoção e venda de música carnavalesca
se iniciava já em dezembro. Musicalmente, o gênero não se distanciava muito da
Gêneros musicais e brasilidade
marcha carnavalesca, caracterizando-se pelo compasso binário com acento no
l\s figuras e paisagens sonoras presentes nos arranjos fonográficos dos anos primeiro tempo e pela forma A-B-X. O diferencial se dava no arranjo, que criava
zo e 3o foram responsáveis pela produção e divulgação de um imaginário sonoro uma ambientação toda especial, e, como já vimos, fortemente imagética. Embora
do Brasil. Vale lembrar que o disco, ao circular por todo o país, possibilitou que com visibilidade menor que as marchas de São João, as canções natalinas também
se criasse um repertório musical comum, composto não só por marchas e sam7 marcariam presença no catálogo de boa parte das gravadoras.
bas - carros-chefe das vendas fonográficas -mas também por uma série de outros Incluíam-se ainda entre as canções de meio-do-ano os chamados gêneros
gêneros nacionais surgidos (ou resgatados) naquelas décadas. típicos ou regionais, como a toada, o cateretê, o maracatu e o frevo (ou mar-
Uma das consequências da racionalização capitalista do mercado fonográfi- cha pernambucana). Se, durante a década de 1910, a ·moda regionalista buscava
co, impulsionada pela entrada maciça de gravadoras estrangeiras no Brasil após o transportar para os discos e para os salões do Rio de Janeiro a música do nosso
advento da gravação elétrica, foi o estabelecimento de repertórios específicos vol- "caboclo autêntico", interiorano ou nordestino, com o advemo da diversificação
tados para cada fase do ano e para cada segmento do público. Vale lembrar que o e especialização fonográfica inicia-se o processo inverso: o de levar os discos pren-
carnaval, principal chamariz das vendas de discos, ocorria uma única vez no ano, sados no Rio de Janeiro e em São Paulo para o público mais afastado das grandes
implicando uma longa entressafra no comércio fonográfico. A solução para este cidades, respeitando-se o gosto do público regional e os gêneros específicos de
problema foi a criação de novos gêneros musicais, indistintamente agrupados sob cada região.
Imagens da escuta: traduções sonoras de Pixinguinha 199
I98 VIRGÍNIA DE ALMEIDA BESSA

Finalmente, vale destacar os padrões rítmicos afro-brasileiros, como o para disco. No arranjo feito por Pixinguinha para seu choro Lamento, gravado

batuque, a macumba, o lundu, a chula raiada e o partido alto, entre outros. pela "Orquestra Típica Pi.;.,::inguinha-Donga" em 1928, predominam os padrões

Considerados· por alguns críticos da época o correspondente tupiniquim do rítmicos e harmônicos do maxixe, tal qual executados pelas bandas do início do

jazz norte-americano, esses gêneros despertariam grande interesse do público século. A surpresa aparece nos primeiros compassos da seção B, quando os saxo-

urbano, ao associar os ruídos bárbaros dos "nossos negros" às noções de tra- fones e o clarinete executam uma passagem melódica em quartas e sextas parale-
las, produzindo um efeito curioso e dissonante para a época:
dição e brasilidade.
Pois bem, aos arranjadores cabia criar uma ambientação sonora que repre-
sentasse os espaços em que esses gêneros- urbanos ou rurais- eram produzidos,
fixando na escuta dos ouvintes um imaginário acerca do caipira, do nortista, do
carioca, do negro, da baiana. Não é à toa que os arranjos carnavalescos preserva-
riam por muito tempo a sonoridade .das bandas, .veículo por excelência dos gê-
neros dançantes nas ruas da cidade (e, portanto, sua principal referência sonora).
Já nas gravações de música regional - cujos gêneros, muiras vezes, eram desco-
/
nhecidos dos arranjadores -, nota-se uma mistura de elementos oriundos de tra- Essa permeabilidade de Pixinguinha às diversas influências musicais de seu
dições diversas, algumas delas totalmente estranhas ao ambiente que se desejava entorno, sobretudo da música estrangeira, foi alvo de duras crÍticas na época. Até
representar. É o caso do cateretê De papo pro á, de Joubert de Carvalho e Olegário mesmo a versão instrumental de Carinhoso, gravada em 1929 pela "Orquestra
Mariano, gravado em r 9 3I por Gastão Formenti e "Orquestra Típica Victor". Típica Pixinguinha-Donga", teria sofrido influência do jazz, segundo Cruz
O arranjo, assinado por Pixinguinha, se inicia com uma espécie de toque mili- Cordeiro, crítico da revista Phono-Arte:
tar apresentado pelo pistom e pela clarineta- recurso, como já vimos, bastante
comum nas introduções de Pixinguinha. Em seguida, entram a clave (que ten- No complemento, vamos encontrar um choro do
ta, desajeitadamente, executar o ritmo cubano, amaxixando-o) e o contrabaixo Pexinguinha [sic], Carinhoso. Parece que o nosso popular
(que executa o paradigma rítmico-melódico do maxixe), complementado pelos compositor, anda sendo influenciado pelos rythmos e me-
acordes do violão. Inicia-se, então, o solo do pistom, cujas inBexões melódicas se lodias da m{tsica de jazz. É o que temos notado, mais de
assemelham às de uma rumba. Somente quando se apresenta o material original uma vez, neste seu choro, cuja introdução é um verdadei-
da composição, na voz do cantor, é que o gênero (cateretê) se afirma. Ele se carac- ro foxtrote e que, no seu decorrer, apresenta combinações
teriza pelas frases melódicas descendentes, que procuram mimetizar as inBexões ~ de pura música popular yankee. Não nos agradou.?+
da fala sertaneja. Essa junção de elementos diversos (maxixe, batucada, rumba e
cateretê), que hoje soa disparatada, fez enorme sucesso na época e ajudou a cons-
truir o imaginário acerca do pescador matuto e da vida no campo.
A maneira peculiar com que Pixinguinha incorporava as sonoridades
gêneros estrangeiros, aliás, pode ser notada já nas suas primeiras orq 74 Phono Arte, n° II, janeiro de 1929, p. 26.
200 VIRGÍNIA DE AlMEIDA BESSA Imagens da escuta: traduções sonoras de Pixinguinha 201

Ao comentar o lançamento de Gavião calçudo, samba de Pixinguinha gra-


vado por Benício Barbosa e "Orquestra Típica Pixinguinha-Donga", em 1929, o ~~~,,,; rgl iFrr1 rrrrl Cfill Jj}TI1 rrrri EErfl fiTI1 J 1
crítico da Phono-Arte foi novamente categórico:
Pixinguinha realiza aqui uma espécie de colagem de diferentes influências,
procedimento bastante comum em seus arranios. Várias de suas introduções,
Repetimos para o samba, o que já temos dito em compo-
por exemplo, eram verdadeiros foxtrotes, que muitas vezes contrastavam com a
sições anteriores do popular músico; Pexinguinha parece
se deixar influenciar extraordinariamente pelas melodias e composição original, apresentada alguns compassos depois - é o caso da marcha
rythmos do jazz. Ouçam Gavião calçudo. Mais parece um Você pensa que eu não vi, de Hervé Clodovil e Roberto Matins, gravada por Luiz
foxtrote que um samba. fu suas melodias, os seus contra- Barboza e "Diabos do Céu", ou do samba Deve ser o meu amor, de Ary Barroso,
cantos e mesmo quase que o seu rythmo, tudo respira músi- gravado pela mesma orquestra, que acompanhava Sônia Carvalho. Outras vezes,
ca dos "yankees" _75 como no arranjo de Iconstítucionalissimamente (marcha de Assis Valente gravada
por Carmen Miranda e "Orquestra Victor Brasileira" em I 9 3 3) o acompanha-
De fato, Gavião calçudo apresenta algumas inflexões rítmicas e melódicas mento vinha no contratempo, imitando um ragtíme- ou, mais especificamente,
características do jazz (ou dos gênero&-híbridos que, naquela época, recebiam esse seu acompanhamento, executado pelo banjo nos conjuntos de dixieland, recur-
nome). A começar pelo ritmo da introdução, que remete a um foxtrote. Além so que também pode ser notado no arranjo de Tão grande, tão bobo, marcha de
disso, na parte A, a alternância do solista com os sopros, que constitui uma espé- Hervé Cordovil gravada por Carmen Miranda e "Orquestra Victor Brasileirà'.
cie de pergunta e resposta, lembra o procedimento então utilizado pelas orques- Como entender, então, a brasilidade associada ao compositor e relacionada,
tras de hot jazz. A influência das sonoridades jazzísticas fica ainda mais evidente justamente, à sua capacidade ímpar de traduzir para a linguagem orquestral os
ao final dos quatro primeiros versos, na frase entoada pelo saxofone, que faz uso gêneros brasileiros? Em parte, essa característica lhe foi atribuída por seus con-
da escala blues (escala maior com terça e quinta menores adicionadas): temporâneos, que esperavam dele, assim como o haviam feito com os Batutas,
a transposição para o disco da "autêntica música brasileira" - expectativa par-
cialmente frustrada, como se pôde notar nas críticas da Phono Arte às gravações
de Carinhoso e Gavião calçudo. Nesses arranjos, a escuta aberta de Pixinguinha
se sobrepunha, ainda, à busca pelo nacional. Talvez para se redimir e atender à
A parte B de Gavião calçudo, entretamo, apresenta elementos identificados demanda pelo típico é que Pixinguinha tenha fundado, em 1932, as orquestras
como brasileiros, tais como a predominância de graus conjuntos e descendentes da "Guarda Velha" e "Diabos do Céu". Embora tenham iniciado suas atividades
na linha melódica (possivelmente, de origem folclórica) e ritmo mais regular, como orquestras de metais, com o tempo esses conjuntos substituíram a lingua-
com síncopas restritas ao interior do compasso: gem de banda pela batucada, na qual os sopros ocupam papel cada vez menos
preponderante. Com seus vastoõ'naipes de percussão compostos por instrumen-
tos associados ao morro, tais como o prato-e-faca, a cabaça, o afoxé e o agogô, es-

75 Phono-Arte, n° 14, fevereiro de 1929, p. 32. sas orquestras se aproximavam mais de um Brasil arcaico, primitivo, onde o negro
202 VIRGÍNIA DE kMEIDA BESSA Imagens da escuta: traduções sonoras de Pixinguinha 203

figurava como paisagem, ao lado de coqueiros e sabiás. Atento, a um só tempo, ao fonográfica e em sua aproximação, até certo ponto involuntária, da ideia de uma
universo sonoro que o rodeava e às aspirações de sua época, Pixinguinha oscilava tradição já perdida, que precisava ser resgatada e preservada.
entre aquilo que escutava e o que dele que esperavam ouvir.
Por outro lado, é possível que a atribuição de brasilidade a seus arranjos te- Consagração e esquecimento
nha se dado, em grande parte, a posteriori, justamente por aqueles autores res-
ponsáveis pela construção da memória musical popular brasileira. Tal construção O ano de I 9 37 foi um marco na trajetória de Pixinguinha, iniciando, simul-
se inicia já nos anos I 940, quando Pixinguinha, antes mesmo de completar 5o taneamente, o processo de consagração do artista e seu afastamento das atividades
anos de idade, foi eleito um dos maiores depositários de nossa tradição musical. na indústria fonográfica. Naquele ano, foi registrado em disco o maior de todos
Paralelamente, o caráter ingênuo e aberto de suas orquestrações foi substituído os sucessos do compositor, que o tornaria conhecido em todo o Brasil não só por
por outro, mais próximo da linguagem orquestral da música de concerto. O prin- seus contemporâneos, mas também pelas futuras gerações: o choro Carinhoso, re-
cipal expoente desse novo estilo foi Radamés Gnattali. gistrado na voz de Orlando Sllva.76
Vimos que um arranjo instrumental da peça já havia sido gravado, nove
RUMO AO "BRASIL MODERNo": PIXINGUINHA E RADAMÉS GNATTALI anos antes, pela "Orquestra Típica Pixinguinha-Donga", sob direção do próprio
compositor, mas sem alcançar o êxito que obteria na voz do cantor das multidões.
As imagens sonoras criadas por Pixinguinha e por outros orquestradores nas Uma das razões para o sucesso da versão cantada, além do timbre aveludado e do
décadas de 1920 e 1930 só começaram a perder espaço ao longo dos anos 40, carisma do intérprete, talvez tenha sido o arranjo dessa gravação (também atribu-
quando o cenário "tipicamente brasileiro" presente nos arranjos ingênuos, prosai- ído a Pixinguinha), 77 mais lento e adocicado que o anterior. Ao substituir a ins-
cos, quase didáticos, que viemos analisando, foi paulatinamente substituído por trumentação da primeira gravação, escrita para banda, pela formação camerística
um imaginário "moderno", representado pelos arranjos sinfonizantes e grandilo- de regional (flauta, dois clarinetes, violãO, cavaquinho, bateria e contrabaixo), o
quentes do rádio e do cinema hollywoodiano, e que no Brasil eram produzidos, arranjador atribuiu uma aura singela e sentimental à peça, mais condizente com
sobretudo, por orquestradores de formação erudita, como Radamés Gnattali, Leo a letra composta por João de Barro. A interpretação de Orlando Silva também
Peracchi, Lyrio Panicali, Alberto Lazoli, entre outros. Esses jovens maestros se- foi de fundamental importância para atribuir esse novo caráter à composição. O
riam os responsáveis por conferir uma nova aura à música popular, criando um cantor imprime seu estilO já nos primeiros versos, entoados com grande liberda-
idioma que fundia sotaque de jazz, timbres de orquestra sinfônica e caracterís- de rítmica, estendendo ou encurtando estrategicamente a duração de algumas
ticas de regional. Vale lembrar que, no início dos anos I 940, a formação de jazz
band, predominante desde a década de 1920, foi substituída, nos bailes, pelas big
76 Desde então, a canção recebeu mais de 200 gravações em disco. MELLO, Zuza Homem
bands, e nas rádios, pelas orquestras de formação sinfônica, que muitas vezes agre- de e SEVERIANO, Jairo. A canção no tempo. 85 anos de músicas brasileiras. São Paulo: Ed.
gavam instrumentos característicos (como o acordeão, o cavaquinho, o pandeiro, 34, 1997, p. 154·
o ganzá etc.). Na trajetória de Pixinguinha,.essa passagem de um imaginário a ou- 77 Existe certa divergência quanto à autoria do arranjo de 1937, atribuído por alguns au-
tro se reflete num relativo afasta:me·nto do músico de suas atividades na indústria tores a Radamés Gnatrali. A gravação, contudo, apresenta inúmeras semelhanças com a
versão instrumental anterior, dirimindo as dúvidas acerca de sua autoria.
204 VIRGÍNIA DE ALMEIDA BESSA Imagens da escuta: traduções sonoras de Pixinguinha 205

sílabas. Esse recurso interpretativo seria reproduzido em praticamente todas as temática sentimental e a incorporação de harmonias características do jazz nos
gravações posteriores de Carinhoso, o que revela seu profundo impacto sobre arranjos das canções populares. O paradoxo é que estes aspectos provocariam o
a composição. afastamento de Pixinguinha (considerado antiquado, por ser tÍpico) do cenário
Outra novidade apresentada no arranjo de r 9 37 foi a introdução, executada artístico-musical da época (que aspirava à modernidade).
em solo de piano e flauta. É provável que ela tenha sido escrita especialmente para Vale lembrar que outro grande sucesso daquele mesmo ano de r 9 37 foi
a gravação de Orlando Silva, já que não aparece em nenhuma das versões anterio- Lábios que beijei, valsa de J. Cascata e Leonel Azevedo, também gravada na voz
res.78 O fato é que ela se tornou tão conhecida que acabou sendo agregada à peça, de Orlando Silva. O arranjo, escrito por Radamés Gnattali para piano, clarinete,
estando presente em praticamente todas as partituras editadas a partir de então. flauta, dois violinos, contrabaixo e bateria, distanciava-se bastante daqueles que
O que chama atenção nessa passagem, além do caráter a um só tempo singelo e vinham sendo compostos na Victor por Pixinguinha, sobretudo pelo destaque
grandioso, é o encadeamento harmônico: a passagem começa em ré bemol maior, dado aos violinos. Nas seções cantadas, eles realizavam um contraponto à linha
para logo em seguida migrar para fá maior, uma tonalidade distanteJ9 melódica do cantor, alternando-se nessa tarefa com a flauta e o clarinete. Já na

solo piano seção instrumental, executavam a melodia principal, com solo do primeiro vio-
lino. Outros recursos pouco característicos da linguagem instrumental brasileira
foram empregados, tais como os trinados executados pela flauta, além do uso do
piano para executar o acompanhamento rítmico-harmônico, no lugar do violão
e cavaquinho. Em suas entrevistas, Radamés sempre ressaltava o caráter pioneiro
desse tipo de arranjo:
Esse procedimento, característico do jazz, jamais figurara antes nos arran-
jos de Pixinguinha. Eis, portanto, um recurso novo- e, considerando os critérios Até aquele tempo, música brasileira só se tocava com regio-
adotados na época, também moderno. Nota-se, assim, que a escuta do arranja- nal: dois violões, cavaquinho, pandeiro e flauta ou bando-
lim. Quando eu comecei a fazer os arranjos para o Orlando
dor permanecia aberta às novas sonoridades que se impunham na época. A gra-
Silva, usava violinos nas músicas românticas e metais nos
vação apresentava, em germe, algumas das caracrerísticas que predominariam na
sambóes. Aí começaram a reclamar, até por cartas, dizendo
canção brasileira ao longo de toda a década seguinte, tais como a valorização da
que eu estava deturpando o samba com os violinos e que
música brasileira só podia ter violão e cavaquinho. 80
78 Além da gravação de 1928, duas outras gravações instrumentais da peça seriam realiza-
das antes da versão de Orlando Silva: uma em 1929, pela "Orquestra Victor Brasileira", Há certo exagero na fala de Radamés. Os arcos já esravam presentes nos
no mesmo arranjo da "Orquesua Típica Pixinguinha-Donga", outra em 1934, por Lu- arranjos fonográficos de música brasileira desde o final da década de 1920. A
perce Miranda ao bandolim. Em ambas as gravações, a música inicia-se já na primeira "Orquestra Victor Brasileir:l', por exemplo, já contava desde seus primórdios
parte, sem nenhum tipo de introdução.
79 Trata-se de uma relação cromática mediante, bastante comum na música erudita do final 8o "Uma história que conta como os violinos chegaram aos arranjos do samba". jornal da
do século XIX e no jazz do século xx, mas pouco usual na música brasileira até então. Tarde, I9.03.1979, p. 25.
206 VIRGÍNIA DE ALMEIDA BESSA Imagens da escuta: traduções sonoras de Pixinguinha 20~

com pelo menos um violinista no seu quadro permanente. Simon Bountman, orquestras, que dariam início ao processo de "sinfonização" da música brasileira
arranjador da Odeon, também incluía cordas em algumas de suas orquestrações. A partir de então, Pixinguinha e Radamés Gnattali passariam a representar dua
Nessas primeiras gravações, contudo, os arcos eram sobrepujados pelos sopros, vertentes distintas e complementares da música popular brasileira. O primein
sempre em maior número. Além disso, não se levava em consideração a especifici- seria associado ao antigo, ao típico, ao tradicional; o segundo, ao novo, ao sofis.
. dade timbrística, ou mesmo técnica, dos violinos, que em geral eram usados para ticado, ao moderno, e, cada qual, a uma trilha sonora do Brasil.
dobrar a melodia principal ou algum outro instrumento. O que chama atenção
na versão de Radamés para Lábios que beijei é a habilidade com que o arranja- Volta aos "tempos imemoriais"
dor manejou as cordas. Nem mesmo as críticas de que estas estariam deturpando
a música brasileira atrapalharam o sucesso da canção - que, segundo Radamés Um dos principais responsáveis pela polarização entre o "típico" Pixinguinha
81
Gnattali vendeu toneladas de discos. e o "moderno" Radamés Gnattali foi Henrique Foreis Dorningues. Conhecido
O maestro passaria então a orquestrar praticamente todos os arranjos do re- como Almirante, o radialista foi o fundador de um discurso e de uma prá1:ica de
pertório romântico da Victor, em geral escritos para cordas, bem como os de sam- preservação e resgate do passado musical popular brasileiro. 83 Nascido no Rio de
ba-exaltação, gravados com orquestra de metais. Para Pixinguinha, restariam os Janeiro, em 1908, iniciou sua carreira artística em 1928 como pandeirista do
arranjos para músicas carnavalescas, os quais, no entanto, começavam a escassear.
conjunto amador "Flor do Tempo", que reunia jovens da classe média carioca,
Entre 1937 e 1941, "Orquestra Diabos do Céu" gravou apenas 58 fonogramas,
entre eles o cantor, compositor e violonista Carlos Braga (o Braguinha) e o jo-
número irrisório se comparados aos 304 gravados entre 1932 e 1936. Entre 1942
vem Noel Rosa. Pouco tempo mais tarde, deixaria o amadorismo de lado e se
e 1945, o número de gravações dessa orquestra reduziu-se ainda mais, totalizan-
profissionalizaria como músico, atuando na indústria fonográfica e, principal-
do apenas 12 (seis discos de face dupla). Nesse último período, já eram raras, na
mente, no rádio, onde iniciaria suas atividades como coletor e d.ivulgador do
Victor, as gravações de sambas e marchas acompanhados por orquestra: somados,
folclore nacional. Atendendo a seus apelos, os ouvintes enviavam-lhe por car-
não chegavam a 40. Em contraste, aumentava o número de valsas, canções, fo-
tas descrições sobre usos e costumes regionais, lendas, rezas e cantigas folcló-
xes e sambas-canções gravados com acompanhamento orquestral. Foram raros os
ricas, "causos" e pregões, os quais eram orquestrados e devolvidos ao público
sucessos orquestrados por Pixinguinha a partir de então, entre eles a marcha Alá-
em seus programas radiofônicos da Rádio Nacional, tais como o Curiosidades
lá-ô, um arranjo tardio de 1941.
A gravação de Lábios que beijei marcou ainda o início de uma longa e fru- musicais, o Instantâneos sonoros do Brasil (uma versão mais curta, de apenas r 2
tífera parceria entre Radamés Gnattali e Orlando Silva. Devido aoêxito fono- minutos, do Curiosidades) e o Aquarelas do Brasil. Boa parte do material reco-

gráfico, o cantor passou a exigir que seus programas da Rádio Nacional também lhido nessas pesquisas compõe hoje o vasto Arquivo Almirante que pertence

contassem com os arranjos do maestro da Victor. 82 Na Rádio, porém, as pequenas ao Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro.
formações camerísticas, disponíveis na gravadora, foram substituídas por grandes

8r Idem, ibidem.

82 Depoimento de Luciano Perrone a Lourival Marques. Collector's, série Depoimentos. 83 A esse respeito, ver o capítulo 6 desse livro ("Entre a memória e a história da música popular").
208 VIRGÍNIA DE ALMEIDA BESSA Imagens da escuta: traduções sonoras de Pixingulnha 209

8
Tendo como lema "educ.ar divertindo e divertir educando" 4, o radialista vendeu ao flautista Benedito Lacerda a parceria de inúmeros choros de sua au-
imbuía-se de um propósito instrutivo, visando apresentar ao grande público al- toria, que foram gravados pela dupla- Benedito na flauta, Pixinguinha ao saxo-
gumas das "tradições esquecidas de nosso povo". Por meio de seus programas, fone- numa série de discos editados pela Victor entre r 946 e I 9 5 I. A parceria,
Almirante não apenas instituiu uma narrativa acerca da musica brasileira, mas encerrada apenas com a morte de Lacerda, foi tão frutífera que Almirante teve
também forjou uma memória sonora do Brasil, criando paisagens e quadros que a ideia de juntar os dois músicos em uma única atração radiofônica, exclusi-
seriam representativos de nosso povo e de nossa História: vamente dedicada à música brasileira de "tempos imemoriais". Surge, assim, o
Pessoal da Velha Guarda, um programa que foi ao ar pela Rádio Tupi entre 1947
e I 9 52, oferecendo
Com a ajuda de cantores, narradores, orquestras, conjuntos
e ruídos adequados, consigo reproduzir quadros sonoros so-
bre cosmmes, tradições, festas e cantigas populares de nosso músicas do Brasil de ontem e de hoje em arranjos especiais

país. Temas legítimos de folclore apresentados em suas for- de Pixinguinha para a orquestra exclusiva do Pessoal da
mas originais, em arranjos orquestrais, altamente descriti~os. Velha Guarda. Polcas, xotes, valsas, modinhas, choros, en-
(... ) Revivi, através do microfone, quadros sonoros de enge- fim, as músicas tradicionais das serenaras aqui aparecerão to-
nhos e usinas ... As cantigas de engenho, nos salões da casa- cadas também por um legítimo grupo de chorões, formado
grande e na rudeza negra das senzalas, adquirem sua verda- de bombardino, flautas, saxofones, violões, cavaquinhos,
deira expressão quando enquadradas na narração evocativa e entoadas por autênticos seresteiros. ( ... ) Quando essas
8
daquelas épocas distantes. j melodias nos chegam, chegam-nos também lembranças
deliciosas de um tempo que já vai longe, de um tempo que
Embora se conhecessem de longa data, Almirante e Pixinguinha só começa- pertence à juventude do pessoal da Velha Guarda. 86
riam a trabalhar juntos, sistematicamente, em meados dos anos 40. O radialista
acabara de romper seu contrato com a Rádio Nacional, transferindo-se para a Tupi, Os seresteiros em questão eram o próprio Pixinguinha, "maestro e instru-
onde dava continuidade aos programas de caráter memorialístico. Pixinguinha, por mentador rooo/o brasileiro!", tocando saxofone e confeccionando os arranjos
sua vez, estava afastado havia um ano do cargo de arranjador e instrumentista da da orquestra do "Pessoal da Velha Guardà', composta por sopros e percussão;
rádio Mayrink Veiga, onde atuara como artista contratado a partir de I937· Desde Benedito Lacerda com seu regional; o rrombonista Raul de Barros e o "Grupo
que diminuíra suas atividades como orquestrador de discos, Pixinguinha, es- dos Chorões" (não identificado), além de cantores convidados. O radialista recu-
quecido do público, vinha passando por dificuldades financeiras. Por isso, pera, nessa vinheta, o mesmo vocabulário ("legítimo grupo de chorões", "autênti-
cos seresteiros") utilizado pela imprensa brasileira na década de I920 para exaltar
84 Prefácio de Hermínio Belo de Carvalho a CABRAL, Sérgio. No tempo de Almirante. Uma a música divulgada pelos "Batutas". Com a diferença de que, aqui, não era apenas
história do rádio e da MPB. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990. a música que pertencia ao passado: os músicos também.
85 AcQUARONE, Francisco. "'Almirante', as canções de engenho e os pregões". In: História
da música brasileira. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves; São Paulo/Belo Horizonte: 86 Nora de abertura do programa O pessoal da Velha Guarda. Collector's, série Assim era

Paulo de Azevedo Lrda., s/d, p. 285 (grifas meus). o rádio.



2I o VIRGÍNIA DE ALMEIDA BESSA /
Imagens da escuta: traduções sonoras de Pixinguinha 2I1

Nesse sentido, vale a pena chamar atenção para o precoce envelhecimen- arranjadores modernos. Entre 1938 e 1940, por exemplo, compôs cinco dos
to de Pixinguinha. Antes mesmo de completar 50 anos, o artista já era identifi- oito arranjos sinfônicos inéditos que foram encontrados no arquivo pessoal
cado com o passado esquecido da música brasileira, com as canções "do tempo do músico. 88 Um deles, para o choro Carinhoso, foi levado ao ar pela rádio
de nossos avós". É verdade que essa associação já era realizada havia tempo. O Mayrink Veiga durante as comemorações do quinto aniversário da direção ar-
próprio nome da orquestra (e do programa), "Velha Guarda", era inversão de tística de César Ladeira na emissora, em r 9 3 8. Nele, Pixinguinha dava grande
"Guarda Velha", como ficou conhecido um dos mais famosos conjuntos dirigidos destaque aos arcos (violinos, violas e violoncelos), numa resposta aos boatos
por Pixinguinha na Victor no início da década de 1930. Mas enquanto na pro- que corriam na época de que ele havia "perdido a vez" para Radamés Gnattali
dução fonográfica a orquestra se auto-identificava como estilizadora dos ritmos porque não sabia escrever para cordas. Segundo Hermínio Belo de Carvalho,
brasileiros, no programa de Almirante seus componentes eram apresentados, se- que redescobriu a partitura do arranjo na década de 1970 e o gravou no LP
não como a própria personificação da música em questão, ao menos como seus Som Pixinguinha, de 1971, o orquestrador teria manejado "nobremente com
últimos representantes. O curioso é que grande parte do repertório exibido pelo
timbres audaciosos", proposto modulações "com uma graça e malícia ini-
programa não pertencia à juventude do Pessoal da Guarda Velha como sugeria a
gualáveis", e realizado "alternações rítmicas um pouco raras para a época",
vinheta de abertura; eram muito anteriores, remontando, às vezes, ao século XIX.
além de utilizar "sétimas diminutas e nonas aumentadas", consideradas "es-
É o caso, por exemplo, da polca Eugênia, de Belisário de Santana, música que fez
tranhas ao processo da época". 89 Independentemente dos recursos utilizados por
sucesso no Brasil do início dos oitocentos, ou de Atraente, polca de Chiquinha
Pixinguinha na orquestração, só o fato de tê-la denominado arranjo sinfônico já
Gonzaga, datada de 1877, entre tantas outras.
revela o desejo do músico de se integrar à nova linguagem, de seguir atuando no
Além de inaugurar um método de recolhimento, seleção e preservação da
núcleo vivo da produção musical brasileira- e não no espaço fossilizado da me-
música popular e do folclore urbano, Almirante também impôs um modelo de
mória, que lhe seria reservado a partir da década de 1940.
autenticidade na interpretação da música brasileira, do qual Pixinguinha setor-
Alguns autores, como Sérgio Cabral, procuram atribuir seu afastamento do
naria o principal representante. Essa visão foi perpetuada pela bibliografia me-
mundo musical ao alcoolismo. De fato, Pixinguinha nunca escondeu sua relação
morialística da música popular. 87 Ao ser museificado, contudo, o músico viu-
com a bebida, iniciada ainda na infância. É provável, também, que o consumo
se impedido de seguir criando, restrito ao repertório do passado. Atento às
de álcool tivesse aumentado nessa fase da trajetória do artista. Contudo, em vez
transformações do universo sonoro e do gosto musical, Pixlnguinha chegou
de apontá-lo como a causa das dificuldades enfrentadas pelo músico, seria mais
a se aproximar daquela nova linguagem que se impunha, representada pelos prudente compreendê-lo como parte da complexa conjuntura que se desenhava
no cenário artístico-musical do Brasil naquele momento.
87 "Se você tem 15 volumes para falar de roda a música popular brasileira, fique certo de
que é pouco. Mas se dispõe apenas do espaço de uma palavra, nem tudo está perdi-
88 SILVA e OLIVEIRA FILHO. Op. cit., p. r 35. O arquivo de Pixinguinha, organizado pelo filho,
do; escreva depressa: Pixinguinha." (VASCONCELOS, Ary Panorama da música brasileira.
encontra-se, atualmente, depositado no Instituto Moreira Salles do Rio de J aneíro.
São Paulo: Martins, 1964, p. 84). Incansavelmente reproduz1d:a pbr estudiosos, jorna-
listas e críticos da música popular, a frase de Ary Vasconcelos é bastante representativa. 89 Encane do CD Som Pixinguinha. Rio de Janeiro: EMI, 2003 (lançado originalmente pela

desse processo. Odeon em 1971).


2I2 VIRGÍNIA DE ALMEIDA BESSA Imagens da escuta: traduções sonoras de Pixinguinha 21}

CADÊNCIA FINAL intelectuais pelos artistas populares, destes pelo público, e vice-versa. Noções
como típico, autêntico, exótico, mestiço, negro e moderno eram incorporadas
Os discursos sobre a história da música popular no Brasil, sobretudo aqueles ou descartadas pelos músicos populares em função de sua receptividade pelo
produzidos por jornalistas e produtores musicais, têm sido marcados pela ideia público -sempre heterogênea- e de sua demanda pela indústria do entreteni-
de continuidade, de transmissão linear das heranças musicais brasileiras, como mento, sobretudo a fonográfica.
se cada geração de intérpretes e compositores "passasse o bastão" a seus descen- Curiosamente, esse aspecto foi praticamente esquecido pelos que narra-
dentes, que continuariam, por sua vez, a tradição inaugurada pelos antecessores. ram a trajetória de Pixinguinha. Essa memória, como vimos, começou a ser
As vicissitudes e rupturas presentes na trajetória de Pixinguinha, entretanto, vêm construída nas décadas de 1940 e 1950, reorientando não apenas sua obra, mas
desmentir essa ideia, mostrando a multiplicidade de caminhos possíveis e explici- também o modo corno o artista passou a ser escutado. A partir de então, ele se
tando as escolhas feitas pelos agentes construtores dessa tradição. tornaria um museu vivo, reconhecido antes como representante e guardião de
Como muitos outros músicos populares brasileiros do início do século XX, uma tradição esquecida do que como sujeito atuante e criativo. Ao reconstruir
Pixinguinha desenvolveu uma escuta aberta, incorporando em seu repertório os no- esse passado ruidoso silenciado pela memória, procurou-se lançar luz sobre al-
vos ritmos e timbres que marcaram apaisagem sonora brasileira do início do século. guns dos conflitos que marcaram a construção da música popular brasileira,
Tal escuta fazia parte de uma estratégia de sobrevivência- uma vez que possibilitava cindida entre o folclórico e o popularesco, o típico e o moderno, o popular e o
sua participação num novo nicho profissional - e de inserção social - na medida erudito, e o nacional e o estrangeiro.
em que, ao produzirem um discurso sobre os "sons da nação", os músicos populares
também participavam, mesmo que modo singular e indiretamente, das discussões Indicações de escuta
sobre a identidade nacional e a cultura brasileira. Ao mesmo tempo, ela deu origem
a uma nova linguagem musical, que se pôde observar nos arranjos orquestrais pro- Benedito Lacerda e Píxinguinha.
duzidos por Pixinguinha para a indústria fonográfica. Rio de Janeiro: Sony/BMG, 2004.
Outro aspecto relevante de sua trajetória é o fato de ter vivenciado diferentes Trata-se da reedição de um álbum lançado em LP pela RCA Victor em 1966, conten-
fases de desenvolvimento do entretenimento público no Brasil, desde suas formas do algumas das gravações da dupla Benedito Lacerda e Pixinguinha realizadas entre
mais incipientes até seu gerenciamento capitalista. Em cada um desses contextos, 1946 e 19 50.

Pixinguinha encontrou novas soluções para atender às demandas que se impu-


No tempo dos 'Oito Batutas:
nham ao músico popular. Da incorporação de elementos folclóricos à mimetiza-
Curitiba: Revivendo, 1994-
ção da música de jazz, da atuação no cerne da indústria fonográfica à construção
0 CD Traz todas as 20 gravações realizadas pelos Oito Batutas em 1923, na Victor de
de um discurso sobre o passado musical brasileiro, Pixinguinha soube se valer dos
Buenos Aires.
diversos espaços abertos pela nascente cultura de massa.
O Brasil dos anos 1920 e 1930, palco e plateia dessa audição, foi um país
ruidoso, em diversos sentidos. Para além dos espaços da cidade, o ruído inva-
diu os discursos, que eram continuamente apropriados e reinterpretados: dos
214 VIRGÍNIA DE ALMEIDA BESSA
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Píxinguínha
Álbum: Memórias Musicais.
Rio de Janeiro: Biscoito Fino/Sarapuí/Petrobrás, 2003. cD's 4, 9e 14.

Os volumes r e 2 contêm composições e interpretações de Pixinguinha gravados


em discos de 7 8 rotações nas décadas de r 9 I o e I 9 3o. O volume 3 traz arranjos
de Pixinguinha para as orquestras Victor Brasileira e Diabos do Céu.

S... Antônio, Pedro e João.


Curitiba: Revivendo, s/ d.
O CD traz diversas canções juninas lançadas pela Victor, Odeon, Columbia
e Continental nos anos 1930 e 1940. Das 24 faixas, r 5 têm arranjos de
Pixinguinha.

Som Pixinguínha- Odeon 100 anos.


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~:t,~Çi)ilú"~~~\1)
Rio de Janeiro: EMI, 2003.

Reedição do álbum lançado em LP pela Odeon em 1971. Contém o arranjo sin-


fônico de Carinhoso, escrito por Pixinguinha, em r 9 3 8. ---- _
_\ _._

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