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Gritos e sussurros
Dos primeiros instantes de vida, até a morte, a voz perpassa toda a existência huma-
na: através do pneuma, um complexo sistema – o sistema fonador – põe-se em funcio-
A voz é uma coisa, isto é, que ela possui, além das qualidades simbó-
licas, que tudo mundo reconhece, qualidades, materiais não menos
significantes, e que se definem em termos de tom, timbre, amplitu-
de, altura, registro. (...) A língua é mediatizada, levada pela voz. Mas
a voz ultrapassa a língua. É mais ampla do que ela, mais rica. É evi-
dente, qualquer um constata em sua prática pessoal que, em alcance
de registro, em envergadura sonora, a voz ultrapassa em muito a
gama extremamente estreita dos efeitos gráficos que a língua utiliza.
Assim, a voz, utilizando a linguagem para dizer alguma coisa, se diz
a si própria, se coloca como uma presença. (Zumthor, 2005, p. 62-3)
E ainda:
Tais observações parecem coerentes para o lied, já que seu universo singelo
não comporta distinções sexuais, de idade, de nacionalidade. Por essa razão é que
o lied pode ser cantado por qualquer voz, masculina ou feminina; voz esta que se
conforme ao limite modesto do corpo do cantor. O lied é música para ser pronuncia-
da, insiste Barthes (1984, p. 228). Some-se a isso o fato de que os textos literários,
geralmente confiados a poetas que trabalham em parceria com os compositores,
são de importância capital, e têm na voz o seu meio de expressão e no piano o seu
comentador ideal. Já a ópera, em contrapartida, é de outra natureza: para cobrir
um extenso espaço acústico, pede que a voz seja projetada (Barthes, 1984, p. 228).
Ademais, a voz operística tem como pressuposto inicial cobrir um espaço acústico
bastante amplo.
No entanto, tais prerrogativas apontadas por Barthes não seriam válidas para
16 Aqui se inclua toda a carga simbólica atribuída a uma gama de signos de origem francesa, portadores da
ideia de requinte, luxo, atenção ao pormenor.