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A Cultura do Cinema

Prof. Dânia Araújo

HISTÓRIA DA MÚSICA

MODERNISMO

Índice

1) Características gerais da música do século XX ........................................................ 2

2) Igor Stravinsky .......................................................................................................... 4

3) Neoclassicismo, Nacionalismo e Nova Objetividade ................................................. 9

3.1 O Grupo dos Seis ................................................................................................ 9

3.2 Alemanha .......................................................................................................... 11

3.3 Inglaterra ........................................................................................................... 12

3.4 Hungria.............................................................................................................. 14

3.5 Rússia ............................................................................................................... 16

4) Segunda Escola de Viena....................................................................................... 19

4.1 Arnold Schoenberg ............................................................................................ 20

4.2 Alban Berg ........................................................................................................ 21

4.2 Anton Webern ................................................................................................... 22

5) Futurismo................................................................................................................ 24

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1) Características gerais da música do século XX

• Forte rutura com a tradição: o século XX como o século da nova música, da


música moderna, contemporânea ou de vanguarda, que procura novas
possibilidades de caminhar para além dos princípios que até então regiam a
tonalidade, o ritmo, a melodia, a harmonia e a forma musical. Surgem muitos
desdobramentos da tradição musical (futurismo, expressionismo, neoclassicismo,
serialismo, etc.) na intenção de criar algo novo na música erudita. No entanto foi
visível em alguns compositores a dualidade entre a inovação e a tradição e entre a
irreverência da linguagem musical e a acessibilidade das obras para os ouvintes.
• O século XX foi o século da pluralidade de estilos (música erudita, música
popular, música folclórica, música comercial e publicitária, entre outros estilos),
como nunca antes aconteceu na História da Música.
• Diversidade no panorama musical: uma série de movimentos que se sobrepõem
no tempo – cultivam-se linguagens musicais diferentes, muitas vezes tendências
diferentes num mesmo compositor ou então numa única composição.
• Maior difusão da música – a rádio, a televisão e a fidelidade das gravações
permitiram uma ampla difusão do reportório musical, assim como um interesse e
um conhecimento da música de outros períodos da História.
• Complexidade rítmica – na música do século XX ocorreu a revitalização do ritmo.
Os compositores enriqueceram os padrões métricos, explorando as possibilidades
de padrões assimétricos, utilizaram a polirritmia, assim como mudanças constantes
de métrica, por vezes no mesmo compasso. Alguns compositores foram também
influenciados pelos padrões rítmicos de estilos musicais não eruditos, como as
síncopas do ragtime e a liberdade rítmica do jazz.
• A conceção melódica também se alterou na música do século XX, valorizando-se
os grandes saltos e os intervalos dissonantes. Os compositores expandiram a
noção de melodia, rejeitando as repetições de frases e qualquer tipo de simetria ou
de proporção.
• Novas concepções de harmonia – As tríades da harmonia tradicional deram
lugar a acordes com muitas notas sobrepostas, formando muitas vezes acordes
dissonantes. Estas novas sonoridades questionaram o sistema tonal tradicional,
que regia a música ocidental desde o século XVII. O rompimento das barreiras
tonais foi sentido por muitos compositores (por exemplo, Richard Strauss nas suas
óperas Salomé e Elektra, Jean Sibelius na Sinfonia nº4, Gustav Mahler na Sinfonia
nº10) como uma consequência inevitável, mas a revolução foi desencadeada pela
Segunda Escola de Viena: Arnold Schoenberg (1874-1951), seguido pelos seus
alunos Alban Berg (1885-1935) e Anton Webern (1883-1945). No então, poucos
compositores aderiram à atonalidade nesta fase inicial e embora as partituras de
Schoenberg fossem em geral publicadas dois ou três anos depois de compostas, a
maior parte das obras de Berg e Webern permaneceu em forma manuscrita até
aos anos 20. Além disso, as execuções destas obras eram raras e no caso de
Schoenberg geralmente mal recebidas. Gravações comerciais praticamente
inexistiam até à década de 50. Em 1913, Schoenberg dirigiu em Viena um
concerto em cujo programa figuravam duas obras atonais, as Seis Peças
Orquestrais de Webern e as recentes canções de Berg para soprano e orquestra,

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sobre poemas de Peter Altenberg. Foi tal o clamor que as canções não puderam
ser concluídas e a polícia teve de intervir.
• Relativamente à orquestração, os compositores muitas vezes privilegiaram as
orquestras menores, explorando a “cor” dos instrumentos. A percussão adquiriu
uma proeminência maior e o piano ocupou um lugar no conjunto orquestral.
• Em suma, em poucos anos a tradição musical de séculos foi questionada,
nomeadamente os princípios da tonalidade, do equilíbrio formal, da continuidade
temática, da estabilidade rítmica e da homogeneidade orquestral.

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2) Igor Stravinsky

“Acho que foi um erro considerarem-me revolucionário. Se alguém só precisa de quebrar o


tradicional para ser rotulado de revolucionário, então todo artista que tem algo a dizer e que,
para dizê-lo, sai dos limites da convenção estabelecida podia ser considerado revolucionário” –
IGOR STRAVINSKY.

Igor Stravinsky (1882-1971) nasceu em São Petersburgo e morreu em Nova


Iorque. No decurso da sua longa e diversificada vida criativa contribuiu para a criação
e exploração de muitos dos mais importantes movimentos musicais do século XX.
Viveu na Rússia, em França, na Suíça e, a partir da Segunda Guerra Mundial, nos
Estados Unidos da América, em Hollywood. Nenhum outro compositor atravessou a
gama completa dos estilos modernistas, ou pelo menos com tanto sucesso: desde o
nacionalismo dos seus bailados russos ao neoclassicismo de meados do século,
passando pela sua surpreendente adoção do dodecafonismo num período tardio.
Autor de óperas, bailados, oratórias, concertos, sinfonias, nelas se revela um artesão
“genial” que subverteu toda a música do passado.

Período Russo (até 1920)

Igor Stravinsky nasceu na Rússia, filho de um contrabaixista da Ópera de São


Petersburgo. A cidade era palco de uma cultura musical enérgica e Stravinsky teve
oportunidade de escutar as mais recentes composições da Europa Ocidental. Estudou
Direito na Universidade de São Petersburgo, de 1901 a 1905, mas dedicou a maior
parte da sua atenção à composição musical, recebendo lições particulares de Rimsky-
Korsakov.
Em 1909, Stravinsky despertou a atenção do empresário russo Sergei Diaghilev
(1872-1929), diretor de uma companhia de bailado russa sediada em Paris, os Ballets

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Russes. Sob a sua direcção, o bailado, a música, a cenografia e os figurinos foram


integrados num espetáculo inovador. Assim, Diaghilev contribuiu para o lançamento da
carreira internacional de vários artistas, servindo os seus espetáculos de espaço de
experimentação modernista nas diversas artes.

Figura 1 – Ballet Russes, Tamara Karsavina (1885-1978) e Vaslav Nijinsky (1889-1950)

Diaghilev encomendou um bailado a Stravinsky, um jovem com vinte e sete anos


de idade. Surge assim O Pássaro de Fogo (L'oiseau de feu), o primeiro bailado de
Stravinsky, cuja estreia se realizou na Ópera de Paris a 25 de junho de 1910. O
argumento é inspirado em contos tradicionais russos, com referências ao mundo
eslavo. A história conta a viagem do Príncipe Ivan Tsarevich num reino enfeitiçado.
Por entre princesas e um rei maléfico, o príncipe encontra o Pássaro de Fogo, com
penas douradas e poderes mágicos que o ajudam a libertar-se. Musicalmente, o jovem
Stravinsky misturou técnicas de compositores como Rimsky-Korsakov, Debussy e
Scriabin, utilizando também o ostinato, o cromatismo e a fragmentação de motivos,
elementos que apontam para uma expansão da retórica musical da época.
Juntamente com a coreografia de Mikhail Fokine reuniam-se assim os elementos
necessários para um espetáculo de grande sucesso, que concedeu ao compositor
fama internacional e também ocasionou mais encomendas.
No ano de 1911, também em Paris, surgiu Petrushka (Petrouchka). A sua criação
estendeu-se entre o verão de 1910 e a primavera do ano seguinte, tendo a estreia
acontecido em junho no Théâtre du Châtelet. A ação passa-se na década de 1830 em
São Petersburgo durante as celebrações da Maslenitsa, a antiga festa popular que
antecedia a Quaresma. À semelhança do Carnaval, celebrava a chegada da primavera
com atividades lúdicas e símbolos rituais. A primeira e a quarta cena decorrem no
cenário de uma praça pública povoada por foliões, vendedores ambulantes, ciganos,
camponeses, artistas de rua, mágicos e um marionetista. A multidão aplaude, e no
final da primeira cena as luzes apagam-se. As três marionetas (Petrushka, Mouro e
Bailarina) tomam vida e comportam-se como humanos. As outras duas cenas passam-
se nos aposentos de Petrushka e do Mouro. Na primeira, Petrushka desespera por
não conseguir conquistar o coração da Bailarina. Na segunda assiste-se ao encontro
amoroso entre o Mouro e a Bailarina, ficando Petrushka cheio de ciúmes. Por fim, de

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regresso ao espaço público, Petrushka é perseguido pelo Mouro e ferido de morte.


Quando o marionetista nos lembra que se trata apenas de um boneco, é surpreendido
com a aparição do fantasma de Petrushka no alto de um telhado. O bailado obteve
novamente um enorme sucesso, sendo de destacar os acordes mais amplos, o
cromatismo, os breves desenhos melódicos anti-românticos, os ritmos abruptos, assim
como a bitonalidade sobre o trítono Dó e Fá# no tema de Petrushka.
Entretanto, Stravinsky tinha estado a trabalhar com o pintor russo Nikolai Roerich
em torno de uma ideia para um bailado passado na Rússia pagã. Compõe então A
Sagração da Primavera (Le sacre du printemps), com o subtítulo “Cenas da Rússia
pagã”, que retrata o sacrifício de uma jovem mulher em benefício da Terra. Foi
estreada no Théâtre des Champs-Elysées a 28 de Maio de 1913, onde despoletou um
motim. A polícia teve que intervir para acalmar os ânimos. As opiniões dividem-se
sobre se a causa de tal rebelião foi a coreografia do bailarino de Diaghilev, Vaslav
Nizhinsky (1889-1950), ou a música de Stravinsky. A obra divide-se em duas partes. A
primeira, A Adoração da Terra, subdivide-se em sete partes: Introdução; Augúrios
Primaveris e Dança dos Adolescentes; Jogo do Rapto; Danças Primaveris; Jogo das
tribos rivais; Cortejo do Sábio; Dança da Terra. A segunda, O Sacrifício, subdivide-se
em seis partes: Introdução; Círculo místico dos adolescentes; Glorificação da eleita;
Evocação dos antepassados; Ritual dos antepassados; Dança sacrificial. O momento
mais fantástico e misterioso de toda a obra ocorre na parte final, a Dança sacrificial,
onde uma jovem dança até à morte. Começa lentamente numa dramaturgia rítmica e
vai crescendo progressivamente para uma maior complexidade melódica e harmónica
juntando diferentes instrumentos. Ao tomar consciência do estado em que a jovem se
encontra, os antepassados aproximam-se do centro do círculo e erguem-na antes que
ela sucumba. Ouve-se um arpejo nas flautas, ecoado nas cordas e no piccolo, e tudo
termina. A Primavera foi consagrada.

Figura 2 – Esboços da Dança Sacrificial

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A Sagração da Primavera é sem dúvida uma das obras mais importantes e


incontornáveis do século XX. Incorpora não só o culto do primitivismo como também
estabelece uma nova linguagem musical, caracterizada pelo uso da dissonância, pela
polirritmia e politonalidade, pelos ostinatos, notas pedal e pelo material melódico em
fragmentos curtos. Contudo, o elemento mais inovador e influente da obra é o ritmo,
com os acentos imprevisíveis, as métricas irregulares e interrupções aparentemente
aleatórias. Com este bailado, Stravinsky libertou a música ocidental das restrições
tradicionais da regularidade métrica.
Com a deflagração da Primeira Guerra Mundial em 1914, Stravinsky começou a
procurar novas ideias. Exilado na Suíça começou a trabalhar em duas obras: Renard
(Raposa) e Les Noces (As Núpcias), que ainda evidenciam a inspiração da música
tradicional russa. Mas a obra que demonstra a direção que estava prestes a seguir é
A História do Soldado (L´Histoire du soldat), ou, um entretenimento “para ser lido,
representado e dançado”. A estreia teve lugar no Teatro Municipal de Lausanne, em
1918, e resultava de uma pequena produção, com uma logística modesta que traduzia
as dificuldades financeiras daquele período. A história, baseada em contos populares
russos, é contada por um narrador, ao qual se juntam em palco dois atores, um
bailarino e sete músicos (clarinete, fagote, trompete, trombone, violino, contrabaixo e
percussão). Do ponto de vista musical, esta obra ocupa um lugar importante na
produção de Stravinsky, destacando-se a instrumentação, uma miniatura de orquestra,
organizada por pares agudo/grave de madeiras, metais e cordas, juntamente com um
percussionista, para além da importância do ritmo e das paródias musicais (marcha,
dança russa, tango, valsa, ragtime).
A história foi emprestada de um livro de contos populares russos recolhidos pelo
folclorista Alexander Afanasiev, que viveu no século XIX. Tinha como base histórias de
soldados que viveram a guerra da Rússia contra a Turquia entre 1827 e 1829.
Aparece aqui dividida em várias cenas e com um enredo relativamente simples. Um
soldado, cansado de caminhar e consolado pelo seu regresso a casa, adormece junto
a um ribeiro. Ao despertar depara-se com um velho homem trajado de caçador de
borboletas – o Diabo disfarçado. Este propõe-lhe a troca do velho violino que carrega
no saco (alegoria da sua alma) por um livro mágico que, pretensamente, lhe permitiria
alcançar riqueza material e ter quantas mulheres quisesse. Seduzido com a oferta, o
soldado passa três dias com o diabo, que na verdade são três anos. Quando chega a
casa, a sua mãe e a sua noiva já não o conhecem. É então que descobre que tinha
passado três anos com o diabo. Decide rejeitar tudo o que o livro lhe concedera e
tenta recuperar o seu violino (ou seja, a sua “alma”). Depois de voltar a encontrar-se
com o diabo e de não ter conseguido reaver o violino, o soldado dirige-se a um palácio
cujo rei oferecia a mão da sua filha a quem a curasse de uma estranha doença. O
soldado decide tentar a sua sorte. Encontra-se novamente com o diabo e consegue
embebedá-lo (no decorrer de um jogo de cartas), reavendo assim o violino. Dirige-se
ao palácio e toca para a princesa, conseguindo curá-la. O diabo, finalmente na sua
figura, tenta intervir, mas é forçado a dançar ao som do violino do soldado até cair.
Passado algum tempo, o soldado regressa à sua terra natal com a princesa, mas
descobre que afinal o diabo ainda mantém o seu poder. Então, o soldado é agarrado e
levado para sempre.
Depois da guerra, Diaghilev idealizou a produção de um espetáculo de dança
sobre a história de Pulcinella, um dos personagens típicos da commedia dell´arte
italiana, baseado na música do compositor barroco G. B. Pergolesi (1710-1736), com

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cenários e figurinos de Pablo Picasso. O entusiasmo do compositor neste projeto fez


surgir não só o bailado Pulcinella (1919-20), como também iniciou um longo período
de obras neoclássicas, que revitalizaram modelos do passado. Esta obra marca
efetivamente o início de alterações marcantes no estilo de Stravinsky, que viria a
influenciar outros compositores. Pulcinella não é uma mera orquestração de música do
século XVIII, mas a invenção de uma linguagem alternativa, criada a partir de
elementos melódicos e harmónicos dessa música.

Período Neoclássico (1920-50)

Entre 1920 e 1939, Stravinsky viveu em França, estando preparado para assumir
uma posição mais ideológica em relação às suas novas ideias. Decidiu que a música
deveria empenhar-se na procura de uma elegância e de uma objetividade da forma e
da linguagem, com uma estética de antiexpressão, rejeitando explicitamente o ideal
romântico. A primeira obra em que esta posição se projetou foi a ópera Mavra (1922),
com base num texto do poeta russo Alexander Pushkin (1799-1837) e cheia de
referências estilísticas a Mozart, Gluck, Verdi e Gounod, entre outros. Entretanto, o
progresso das carreiras de Stravinsky como maestro e pianista refletia-se em obras
como o Concerto para Piano e Instrumentos de Sopro (1924) e o Capricho para Piano
e Orquestra (1929), ambos escritos para serem tocados por ele próprio. Segue-se uma
produção imensa, destacando-se a ópera-oratória Oedipus Rex (1917), com libreto de
Jean Cocteau (1889-1963), assim como o bailado Apollon Musagète (1928), em que
Stravinsky colaborou com o coreógrafo George Balanchine (1904-83).
Stravinsky, no ano de 1939, quando estalou a Segunda Guerra Mundial e após a
morte da mulher e da mãe, deixou França para se instalar nos Estados Unidos da
América. Na década de 1940, Stravinsky compõe a Sinfonia em Três Andamentos
(1942-5), o Ebony Concerto (1945) para o músico de jazz Woody Herman (1913-87),
seguidos de duas obras do Neoclassicismo tardio, o bailado Orpheus (1947) e a ópera
The Rake's Progress (1947-51).

Período Dodecafónico (1950-71)

Na década de 1950, o estilo de Stravinsky sofreu uma transformação final, após a


redescoberta da música de A. Webern e das técnicas de A. Schoenberg. Na verdade,
Stravinsky e Schoenberg tinham vivido na Califórnia, muito próximos, mas nunca se
encontraram pois ambos consideravam que a estética do outro era a antítese da sua e
pensavam que não tinham nada em comum. Quando Stravinsky começou a escrever
música dodecafónica, o seu inventor já tinha morrido. Nesta última fase destacam-se
as obras Canticum Sacrum (1955), Agon (1957), Threni (1958), Movements para piano
e orquestra (1958-59), A Sermon, a Narrative and a Prayer (1960-61), The Flood
(1962) e Requiem Canticles (1966).
Entretanto, o estado de saúde de Stravinsky foi-se deteriorando, tendo falecido
em Nova Iorque em 1971. De acordo com os seus desejos, o corpo foi levado para
Itália e enterrado na ilha veneziana de San Michele, perto do seu amigo e colaborador
Diaghilev, falecido em 1929.

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3) Neoclassicismo, Nacionalismo e Nova Objetividade

Durante a Primeira Guerra Mundial, uma nova geração de compositores começou


a emergir em França. Procuravam absorver as novas descobertas sem perderem o
contacto com a tradição. Por isso, mantiveram-se fiéis a alguns elementos familiares
do passado, ao mesmo tempo que adotavam elementos novos e desconhecidos.
Surge assim o Neoclassicismo, uma espécie de novo Classicismo, na década de
1920, como reação ao Romantismo tardio, terminando por volta de 1950-60. Procede-
se a um regresso à estética clássica, às formas e géneros antigos, a processos e
técnicas de composição do passado, que assim ganham uma nova vida. Em suma,
utilizou-se como material toda a história da música, com os seus diferentes estilos,
assim como a música de culturas extra-europeias e o jazz.

3.1 O Grupo dos Seis

Entre os compositores do movimento neoclássico encontra-se o grupo conhecido


por Les Six (Os Seis), identificados assim pelo crítico Henri Collet num artigo
intitulado “Les cinq russes, les six français et M. Satie” (“Os cinco russos, os seis
franceses e o Sr. Satie”). A designação pretendia estabelecer um paralelo entre os
compositores russos do final do século XIX, o Grupo dos Cinco, e Les Six, que se
tinham inspirado na música de Erik Satie (1866-1925) e na poesia de Jean Cocteau
(1889-1963), os seus mentores estéticos.
Os compositores deste grupo francês eram: Louis Durey (1888-1979), Germaine
Tailleferre (1892-1983), Georges Auric (1899-1983), Arthur Honegger (1892-1955),
Darius Milhaud (1892-1974) e Francis Poulenc (1899-1963). A sua música representa
uma forte reação ao Romantismo alemão de Richard Wagner e Richard Strauss, bem
como ao estilo musical de Claude Debussy.

Figura 3 – Les Six, Paris, 1920

Havia, no seio do grupo, uma grande diversidade de métodos e de ideias, o que


fez com que o grupo acabasse por se separar. No entanto, permaneceram amigos
para o resto das suas vidas. Antes de se terem dispersado, os seis compositores

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apresentaram-se juntos em vários concertos, promovendo a sua música, mas também


a de outros compositores. Colaboraram também na composição de um conjunto de
seis peças para piano (Album des Six, 1919) e (sem Durey) do bailado Les mariés de
la tour Eiffel (1921), com libreto de Jean Cocteau.
Dos seis membros originais, Georges Auric dedicou-se à composição de música
para filmes, Louis Durey começou a envolver-se em causas políticas, escrevendo
peças para coros e bandas, trabalhando também como crítico musical, e Germaine
Tailleferre, o único membro feminino do Grupo dos Seis, continuou a compor num
estilo neoclássico. Talvez os três nomes mais conhecidos do grupo sejam Honegger,
Milhaud e Poulenc.
Arthur Honneger foi um compositor prolífico em muitos géneros, escrevendo para
o teatro e para as salas de concertos, bem como para o cinema. Um dos seus
primeiros êxitos parisienses foi a oratória Le Roi David (1921), sobre o libreto do poeta
e dramaturgo René Morax. O enredo, baseado na narração bíblica, conta a história do
Rei David. Seguiram-se os três Mouvements symphoniques: Pacific 231, em 1923,
uma descrição programática de uma locomotiva a vapor; Rugby, em 1928, onde o
compositor usou o seu desporto favorito como tema; e o terceiro com o simples título
Mouvement symphonique, em 1932-33. Em 1935, Honneger conclui a oratória Jeanne
d'Arc au bûcher (Joana d´Arc na Fogueira), descrita como uma “oratória para palco”.
Composta para dois narradores, coro e orquestra, com libreto de Paul Claudel, é uma
obra-prima da música clássica do século XX. Honegger usa na partitura uma série de
caricaturas musicais ao serviço de um certo humor negro que atravessa toda a obra,
incluindo canções medievais, o ritornello Barroco, canções populares e o jazz. Nos
últimos anos de vida, Honneger estabeleceu relações com a Suíça e os Estados
Unidos. Ensinou também durante vários anos em Paris, onde faleceu de uma doença
cardíaca, em 1955.
Darius Milhaud estudou no Conservatório de Paris. Teve uma íntima relação com
o poeta-diplomata Paul Claudel, acompanhando-o ao Brasil como secretário quando
Claudel foi nomeado embaixador da delegação francesa no Rio de Janeiro. No seu
regresso a Paris em 1918, Milhaud tornou-se membro de Les Six. Passou os anos da
Segunda Guerra Mundial nos Estados Unidos da América, onde lecionou no Mills
College de Oakland, combinando esta posição com o cargo de professor de
composição no Conservatório de Paris. Passou então a dividir o seu tempo entre a
Califórnia e a França. Morreu em Genebra, em 1874. A sua obra, que ilustra todos os
géneros, é absolutamente gigantesca, destacando-se os bailados Le Bœuf sur le toit
(1920) e La Création du monde (1923), em colaboração com Jean Cocteau, para
além da peça Scaramouche (1937) e da suite para piano Saudades do Brasil,
baseada em músicas ouvidas no Brasil durante a permanência do compositor entre
1916 e 1918.
Francis Poulenc viria a seguir um caminho igualmente independente. Depois de
uma formação mais formal compôs o bailado Les Biches (1924), escrito para
Diaghilev, obra que firmou a sua reputação internacional. Em 1935, o amigo de
Poulenc, Pierre-Octave Ferroud, morreu num acidente de viação. Em consequência
disso, redescobriu a fé católica e compôs uma longa série de obras sacras. Também
em 1935 deu o seu primeiro recital de piano com o barítono Pierre Bearnac (1899-
1979), uma parceria artística que durou até ao final da sua vida, tendo Poulenc
composto para este cantor um grande número de canções. A sua competência em
termos de composição para voz também pode ser vista nas suas óperas, incluindo Les

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mamelles de Tirésias (1939-44), Les Dialogues des Carmélites (1953-6), vista como a
sua obra-prima, e La voix humaine (1958). Estava a trabalhar na quarta ópera quando
faleceu de um ataque cardíaco, em 1963. Como o próprio compositor referiu em 1977:
“Acima de tudo, não analisem a minha música. Apreciem-na”. Apesar de não ter sido
um compositor revolucionário, a sua música figura entre a mais notável do século.
Um outro compositor francês deste período, embora não pertencendo ao Grupo
dos Seis, é Jacques Ibert (1890-1962). Os seus estudos musicais tiveram lugar no
Conservatório de Paris, de 1910 a 1914, em companhia dos seus condiscípulos
Honegger e Milhaud. Obteve o Grande Prémio de Roma em 1919, com a obra Le Poète
et la fée. Tornou-se um dos compositores de referência da jovem geração. Em 1927, foi
nomeado diretor da Academia Francesa em Roma (Villa Médicis) e, após a Segunda
Guerra Mundial, ocupou durante um ano as funções de administrador da Réunion des
Théâtres Lyriques Nationaux, em Paris. Versátil e prolífico, escreveu várias peças para
orquestra (Escales, Divertissement pour orchestre de chambre), óperas (Persée et
Androméde, Angélique), música de câmara e música para filmes.

3.2 Alemanha

Uma forma de neoclassicismo estabeleceu-se também na Alemanha, na década


de 1920. O seu mais proeminente representante foi Paul Hindemith (1895-1963), que,
depois de procurar um estilo pós-romântico, repudiou este excesso de expressão e
dedicou-se aos propósitos do movimento Neue Sachlichkeit (“Nova Objetividade”).
Tal como nas artes visuais, este movimento recusou na música o sentimentalismo e o
exagero do Romantismo Tardio, assim como a agitação emocional do expressionismo.
Para além de Hindemith também os compositores Ernst Toch (1887-1964) e Kurt Weill
(1900-1950) compuseram música da Nova Objetividade, durante a década de 1920.
Kurt Weill nasceu em Dresden, frequentando desde cedo o teatro de ópera local.
Entre 1918 e 1923 estudou em Berlim. Na sua primeira ópera, Der Protagonist,
colaborou com o dramaturgo expressionista Georg Kaiser, e a estreia em Dresden, em
1926, granjeou-lhe grande fama. Esta aumentou ainda mais com a ópera Die
Dreigroschenoper (A Ópera dos Três Vinténs), estreada em Berlim em 1928. Com
libreto de Berlot Brecht, constitui uma crítica à sociedade burguesa que tolera a
existência de um mundo marginalizado e corrupto, inspirada em The Beggar's Opera
(Ópera do Mendigo) de John Gay. Weill incluiu nas melodias desta obra o jazz e a
música de cabaret. Outras colaborações com Brecht incluíram, em 1930, Aufstieg und
Fall der Stadt Mahagonny (Ascensão e Queda da Cidade de Mahagonny), e Die
sieben Todsünden (Os Sete Pecados Mortais), em 1933. Entretanto, as tendências
para um estilo de música mais ligeiro levaram-no até Nova Iorque, onde se fixou em
1935. Começou a colaborar com um novo libretista, Maxwell Anderson, e juntos
produziram, em 1938, a sátira política Knickerbocker Holiday, cuja canção September
Song, obteve um grande êxito junto do público. A partir de 1939, Weill dedicou-se aos
musicais da Broadway, considerando que esta era a forma correta de se dirigir à
sociedade. Foi de facto um compositor inovador para o teatro, mas a sua carreira foi
muito diversa, compondo também obras sérias para concerto.
Paul Hindemith, respeitado como um dos mais distintos violetistas do seu tempo,
dedicou uma parte da sua vida artística à performance, sobretudo como violetista no
Quarteto Amar. Ao mesmo tempo desenvolveu as suas capacidades como compositor

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e começou a preocupar-se com o lugar do compositor na sociedade. O seu nome é


particularmente associado ao conceito de Gebrauchsmusik (“música para uso”), uma
música utilitária que, em virtude da sua simplicidade de técnica e de estilo, se destina
à execução do talentoso amador e não do virtuoso. Hindemith foi prolífico em vários
géneros musicais. Atacado pelos Nazis, viu-se forçado a abandonar a Alemanha. Em
1940 estabelecesse nos Estados Unidos da América, lecionando na Universidade de
Yale. Tornou-se cidadão americano. Em 1953 regressaria à Europa, vivendo em Zurique
e lecionando na Universidade local. Morreu na sua cidade natal, Frankfurt, em 1963.
Ao longo da sua vida, Hindemith foi um músico multifacetado: intérprete, professor,
administrador e maestro, para além de compositor. Era reconhecido pela sua habilidade
em escrever para uma ampla variedade de instrumentos. Em algumas obras, Hindemith
usou modelos barrocos. Entre elas, Kammermusik (“Música de Câmara”), na realidade
são sete obras, cada uma reunindo uma combinação instrumental diferente, sendo as
diferentes partes instrumentais sempre tratadas de forma individualizada. Atingia com
esta obra a primeira maturidade artística, num momento em que se questionavam os
excessos expressivos do passado recente e se valorizava a maior clareza discursiva
do período clássico e barroco. Contudo, foi durante a década de 1930 que escreveu
uma das suas maiores obras, a ópera Mathis der Maler (Mathis, o pintor) sobre a vida
do pintor Mathias Grünewald, um artista medieval, mas com grande consciência social.
No ano seguinte o partido Nazi empreendeu uma campanha para discriminar as obras
do compositor e a ópera foi banida. Foi depois revertida numa sinfonia.
No entanto foi nos Estados Unidos que Hindemith compôs as suas obras mais
conhecidas, entre elas Metamorfose Sinfónica sobre Temas de Carl Maria von Weber
(1943) e When Lilacs Last in the Dooryard Bloom'd (1946). Como o próprio compositor
proferiu quando recebeu o Prémio Balzan, em 1963: “Para expressar o que nunca foi
dito antes, o músico tem que entrar noutra dimensão. Deve explorar os horizontes e as
profundezas, os horizontes espirituais e as profundezas da alma humana”.

3.3 Inglaterra

Um estilo próximo do dos neoclassicistas franceses foi inicialmente adotado por


alguns compositores ingleses. O exemplo de Edward Elgar (1857-1934) anunciou
uma nova era de atividade musical em Inglaterra. Depois da morte do compositor
barroco Henry Purcell (1659-1695), a Inglaterra não teve compositores com uma
verdadeira importância internacional até ao aparecimento de Elgar. Durante muito
tempo, Elgar foi um bem-sucedido compositor de obras corais, mas foi através da
música orquestral que atingiu maior notoriedade, de que é exemplo as suas Enigma
Variations (1898-99), as Marchas de Pompa e Circunstância (1901), as duas Sinfonias
(1908 e 1911), assim como o Concerto para Violino (1909-10) e o Concerto para
Violoncelo (1918-19).
Após Elgar nasceram notáveis figuras internacionais em Inglaterra, para além de
outras menos conhecidas nos dias de hoje. Entre estas, Ralph Vaughan Williams
(1872-1958), Gustav Holst (1874-1934), William Walton (1902-1983), Benjamin Britten
(1913-1976) e Michael Tippett (1905-1998).
Com as obras de Ralph Vaughan Williams, a Inglaterra adquiriu a base de um
repertório nacional. Foi o principal artesão da renovação da música inglesa do século
XX. Como o próprio compositor afirmou: “O que queremos em Inglaterra é música

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autêntica, mesmo que seja apenas uma canção. Desde que possua realmente
sensibilidade e vida, vale tanto como os refugos dos clássicos do mundo” (1902).
Estudou no Trinity College, em Cambridge, e no Royal College of Music, em Londres,
sob duas importantes figuras do renascimento da música inglesa do final do século
XIX, Charles Stanford e Hubert Parry. Depois foi aluno de Max Bruch em Berlim e de
Maurice Ravel em Paris. No seu trabalho como compositor foi criando um idioma
musical especificamente inglês, muito influenciado pelo seu interesse pelas canções
populares do seu país e pela música isabelina e jacobina dos séculos XVI e XVII, mas
com uma visão e uma linguagem pessoal, marcadas pelas perspetivas internacionais.
Colaborando com o seu amigo Cecil Sharp, um dos membros mais importantes da
Folk Song Society fundada em 1898, reuniu mais de oitocentas canções populares e
harmonizou muitas delas. Compôs em quase todos os géneros musicais, desde obras
orquestrais e de música de câmara, a uma grande quantidade de música coral e de
canções, para além de óperas, bailados e música para filmes.
Gustav Holst foi outra figura que se deixou fascinar pelo movimento da música
popular, acompanhando muitas vezes Vaughan Williams nas suas viagens de recolha
de canções. Estudou no Royal College of Music, em Londres. Interessou-se nesta fase
pela música de Richard Wagner, cujo estilo influenciou as suas obras de estudante, e
começou a interessar-se pelo hinduísmo, visível na sua ópera Savitri (1908), baseada
numa história do Mahabharata, uma antiga epopeia indiana. Depois de alguns anos a
tocar trombone numa orquestra, tornou-se diretor de música da St. Paul's Girls´
School. Entre 1914 e 1916, Holst compõe a famosa suite orquestral The planets, com
sete andamentos, cada um explorando o caráter astrológico dos planetas do sistema
solar então conhecidos. A estreia pública integral ocorreu, após algumas execuções
privadas ou parciais, em 1920, com a Orquestra Sinfónica de Londres. A receção foi
positiva desde o início, obtendo rapidamente um nível de popularidade que nunca
mais perderia. Seguiram-se outras obras, com uma receção variável. Contudo, durante
os últimos anos da sua vida Holst foi galardoado com inúmeros prémios. Faleceu em
Maio de 1934.
William Walton representa um período da música inglesa entre Vaughan Williams
e Benjamin Britten. Nasceu numa família ligada à música e teve a sua formação
musical na Christ Church Cathedral School de Oxford. Apesar de ter estudado piano e
violino, foi no campo da composição musical que se destacou. O seu contacto com
Hugh Allen, uma figura importante da música inglesa da primeira metade do século
XX, permitiu-lhe encontrar o modernismo musical, em particular as obras de
Stravisnky, Debussy, Ravel, Sibelius, entre outros. Os conhecimentos que travou no
meio literário, em particular com Sacheverell Sitwell, foram centrais para a continuação
do seu desenvolvimento musical, possibilitando que estudasse com nomes como
Ansermet e Busoni, circulando entre a elite musical europeia. Passou os últimos anos
na ilha de Ischia, em Nápoles. A sua linguagem musical, apesar de ter sido
considerada provocadora no início, situa‐se no seguimento do lirismo romântico. Entre
as suas obras destacam-se as duas Sinfonias, os Concertos para Viola (1929), Violino
(1938-39) e Violoncelo (1957), Façade (1922, obra para recitativo e seis instrumentos
sobre poemas de Edith Stiwell), a oratória Belshazzar's Feast (1931), para além das
bandas sonoras para filmes, sobretudo de Laurence Olivier: Henrique V (1944),
Hamlet (1947) e Ricardo III (1955).
Benjamin Britten, incontestavelmente o maior compositor inglês da sua geração.
Obteve uma grande reputação internacional, mas permaneceu completamente inglês

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na sua inspiração. Começou a escrever música ainda na infância e, depois de estudar


com Frank Bridge e no Royal College of Music em Londres, depressa causou impacto
na cena musical britânica com música para a rádio, o cinema e o teatro, assim como
para as salas de concerto. Passou os primeiros anos da Segunda Guerra Mundial na
América do Norte, juntamente com o poeta W. H. Auden, regressando a Inglaterra em
1942. A sua primeira ópera, Peter Grimes (1945), foi um sucesso imediato, seguindo-
se-lhe outras óperas, grandes e pequenas, a maior parte das quais se firmaram no
repertório. Estas, juntamente com a sua música orquestral, coral e vocal, incluindo
várias peças para jovens artistas muito apreciadas, fizeram dele uma figura célebre
internacionalmente. Britten foi ainda co-fundador do English Opera Group e do Festival
de Aldeburgh, um pianista dotado, muitas vezes em recitais com o tenor Peter Pears,
para além de maestro. Fora do universo da ópera, a maior composição de Britten foi
o War Requiem (1962). A obra foi encomendada para um festival em Coventry, no
coração da Inglaterra, celebrando a consagração da nova catedral da cidade. Desde o
início, Britten concebeu o War Requiem como uma expressão do seu próprio pacifismo
e um símbolo da reconciliação do pós-guerra: “Uma vez que acredito que habita em
cada homem o espírito de Deus, não posso destruir. Acredito que é meu dever ajudar
a evitar a destruição humana. Toda a minha vida tem sido dedicada a atos de criação,
sendo eu um compositor profissional, pelo que não posso participar em atos de
destruição”. Britten intercala com o texto latino da missa de requiem nove poemas que
narram a história do poeta inglês Wilfred Owen, morto na Primeira Guerra Mundial. No
último ano da sua vida tornou-se o primeiro músico britânico a receber o título de par
do reino, como forma de reconhecimento pela sua atividade.
Michael Tippett, embora menos celebrado que o compositor Benjamin Britten,
emergiu como uma figura de incomparável importância. Frequentou o Royal College of
Music, tornou-se diretor musical (1940-1951) no Morley College, em Londres, e depois
orador de rádio e de televisão para a BBC, atuando também como maestro. A sua
primeira obra-prima, a oratória A child of our time (1939-1941), foi inspirada pelo
assassínio em Paris, em 1938, de um diplomata nazi por um rapaz judeu, Herschel
Grynspan, um acto que desencadeou uma nova onda de perseguições anti-semitas na
Alemanha. Os princípios pacifistas de Tippet resultaram numa sentença de prisão de
três meses em Wormwood Scrubs, em 1943. Entretanto compõe a sua primeira ópera,
The midsummer mariage (1947-1952), à qual se seguiram outras óperas, para as
quais escreveu os seus próprios libretos. Os seus trabalhos instrumentais incluem
quatro sinfonias, concertos, quartetos de cordas e sonatas para piano. O seu
reconhecimento público surgiu com o título de cavaleiro em 1966. Recebeu Ordem de
Mérito em 1983 e foi galardoado com inúmeros prémios internacionais.

3.4 Hungria

O movimento nacionalista na música surgiu no século XIX. Alguns compositores,


inspirados na música tradicional e na cultura do seu país, criaram obras nacionalistas.
No século XX, o nacionalismo musical continuou a desenvolver-se. A pesquisa de
música popular floresceu, procedendo-se a um estudo mais científico e sistemático,
sobretudo com a utilização do fonógrafo e do gravador. Estas tradições serviram então
de inspiração a vários compositores, como é o caso do compositor espanhol Manuel
de Falla (1876-1946) e do compositor checo Leoš Janáček (1854-1928).

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Na Hungria, Béla Bartók (1881-1945) e Zoltán Kodály (1882-1967) empreenderam


em conjunto uma ampla pesquisa sobre a música popular húngara, assim como de
regiões vizinhas, que teve um profundo efeito na sua própria música. Esta influência é
visível em várias obras de Kodály, por exemplo na ópera Háry János (1926), e na suite
dela derivada, onde o compositor introduziu o zimbalão (instrumento húngaro), e nas
Danças de Galánta (1933), que evocam os sons dos grupos de ciganos. Considerando
o canto a chave da musicalidade, mais do que a execução instrumental, Kodály
compôs também inúmeras obras corais baseadas em canções tradicionais, para além
de ter introduzido o ensino elementar da música nas escolas, segundo os seus
princípios (“método Kodály”).
Béla Bartók, um dos principais compositores húngaros e europeus do século XX,
desenvolveu uma linguagem musical muito própria. A sua música realiza uma síntese
perfeita entre a tradição clássica ocidental e a música tradicional da Europa Central.
Estudou na Academia de Budapeste, onde foi considerado um pianista virtuoso com
potencialidades excecionais. Como compositor, ficou inicialmente muito impressionado
por Brahms, depois pelos poemas sinfónicos de Richard Strauss e pelo estilo musical
de Debussy. A par da sua atividade como compositor e absorvido pela vaga crescente
do nacionalismo musical, começa a partir de 1905 a fazer, juntamente com Kodály,
inúmeras viagens, a fim de recolher canções não apenas na Hungria, mas também na
Roménia, na Eslováquia e na Transilvânia. Em 1907 é nomeado professor de piano na
Academia de Música de Budapeste e na década de 1920 assiste-se à consolidação da
sua reputação internacional, quer como compositor quer como pianista. Em 1940, os
Bártok mudaram-se para Nova Iorque, a fim de escapar à situação política na Hungria.
Os problemas de saúde, os períodos de depressão e as preocupações de caráter
económico marcaram os anos passados na América. Acabou por falecer em 1945, em
Nova Iorque, sendo os seus restos mortais repatriados para a Hungria.

Figura 4 – Bártok fazendo gravações de música popular

Bartók publicou perto de duas mil melodias populares, escreveu livros e artigos
sobre a música popular, fazendo arranjos ou composições baseadas nessas melodias.
Mas sobretudo conseguiu criar um estilo que combinou elementos populares com um
estilo de música mais erudito. Entre as suas obras, destacam-se: a ópera O Castelo
do Barba-Azul (1911), em um ato com libreto de Bela Balazs (1884-1949), inspirado
num conto de Charles Perrault, que descreve a história do duque Barba-Azul, que no
seu castelo esconde todas as mulheres com quem se casava e que tinha assassinado;

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o bailado O Mandarim Miraculoso (1918-1919), baseado num texto de Menyhért


Lengyel, cuja ação decorre numa casa decrépita, antro de três vagabundos, que
obrigam uma rapariga a seduzir homens que passem na rua, para depois os roubarem
e violentarem, destacando-se musicalmente pela influência de Stravinsky, visível na
forte exuberância rítmica, e de Schoenberg, pelo colorido orquestral invulgar; o
Mikrokosmos (1926-1939) para piano; a Música para Cordas, Percussão e Celesta
(1936), encomendada pelo maestro suíço Paul Sacher; a Sonata para Dois Pianos e
Percussão (1937), escrita para ser tocada pelo próprio compositor e pela sua segunda
mulher, Ditta Pásztory; e o Concerto para Orquestra (1943), uma das suas últimas
obras-primas, encomendado por Sergei Kussevitzki, regente da Orquestra Sinfónica
de Boston, uma obra que se caracteriza pela concessão de papéis destacados, quase
solísticos, a diferentes instrumentos ou naipes da orquestra, daí a sua designação.

3.5 Rússia

Quando chegaram ao poder na Rússia, em Novembro de 1917, os Bolcheviques


reconheceram que a música era um meio potencialmente poderoso, capaz de os
ajudar a educar nos princípios do marxismo um povo em geral analfabeto. Começaram
a rever o reportório musical e assumiram o controlo das mais importantes instituições
artísticas, como os teatros Bolshoi e Mariinsky. Esta política de censura provocou um
grande mal-estar no seio da comunidade artística. Alguns compositores, como Igor
Stravinsky, viriam a permanecer fora do país.
No fim da guerra civil russa, em 1921, a censura abrandou, mas com a morte de
Lenine e a subida ao poder de Estaline em 1924, o controlo estatal sobre as artes
tornou-se novamente apertado. Muitos intelectuais e artistas chegaram mesmo a ser
deportados e executados, pelas suas ideias e obras artísticas “inapropriadas”.
O que as autoridades pretendiam dos compositores eram sinfonias elevadas, com
melodias populares patrióticas e canções revolucionárias, a fim de inspirar nas massas
sentimentos de lealdade. Existiram muitos compositores que se curvaram perante as
autoridades, como Vladimir Zakharov (1901-1956) e Vano Muradeli (1908-1970), mas
que acabaram por cair no esquecimento. Pelo contrário, os compositores que ficaram
lembrados até hoje e que haviam regressado do exílio na década de 1930 foram
Sergei Prokofiev (1891-1953) e Dmitri Shostakovitch (1906-1975).
Após a morte de Estaline em 1953, houve um período de cerca de dez anos em
que o Estado diminuiu a opressão à criatividade. Porém, quando Leonid Brezhnev se
tornou líder da União Soviética em 1964, a repressão cultural voltou. Muitos artistas
foram levados a tribunal e alguns sujeitos a tratamento psiquiátrico. Só mais tarde, em
1985, quando Mikhail Gorbachev assumiu o poder, é que os artistas russos puderam
finalmente voltar a usufruir da liberdade criativa.

Sergei Prokofiev, desde cedo um pianista talentoso, ingressou no Conservatório


de São Petersburgo, em 1904. Considerando as aulas aborrecidas e desatualizadas,
as relações de amizade com os compositores Nikolai Myaskovsky e Boris Asafyev
foram muito mais estimulantes. Ficou conhecido entre os professores como um enfant
terrible. Depois de obter o diploma do Conservatório, em 1914, visitou Londres, onde
conheceu Sergei Diaghilev, o empresário dos Ballet Russes, ficando impressionado
com os bailados de Igor Stravinsky. Ao regressar à Rússia, passou a maior parte do

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período da Primeira Guerra Mundial em São Petersburgo. Mas depois da Revolução


Russa de 1917, Prokofiev recebeu permissão para viajar para o exterior e permaneceu
intermitentemente fora da Rússia. Chegou a Nova Iorque em Setembro de 1918. Mas,
insatisfeito com a receção das suas obras, regressou à Europa, vivendo na França e
na Alemanha. Acabou por se instalar em Paris. A atmosfera parisiense era inspiradora,
o público não receava os sons difíceis, e o compositor sentia maior liberdade para
compor. Uma vez na Europa, Prokofiev começou a estabelecer novamente contacto
com a Rússia, já que a sua obra começava também a ser divulgada na então União
Soviética. Em 1936, Prokofiev, a mulher e os dois filhos, fixaram residência em
Moscovo. Nesta altura, o panorama artístico do país encontrava-se num período de
transição. Após a Revolução Soviética, o novo poder promoveu algumas tendências
modernistas, como forma de associar uma arte de vanguarda a uma sociedade
moderna. Contudo, desenvolveu-se outra linha de ação em que o que era valorizado
era uma arte mais compreensível para as pessoas, inspirada na música popular e nos
cânticos revolucionários. Com a afirmação de Estaline no poder, este último ramo foi
favorecido e desenvolvido. Assim, a valorização de uma arte compreensível, inspirada
em temas revolucionários e musicalmente devedora do tardo-romantismo russo
tornou-se a cartilha oficial do regime. Isto trouxe dissabores a alguns compositores,
sendo que algumas das suas obras foram oficialmente denunciadas como
“formalistas”. Assim, a 10 de fevereiro de 1948, uma resolução do Partido Comunista
condenou supostas tendências antidemocráticas na música de Prokofiev, que era
então vista como um perigoso exemplo de distorções do formalismo russo. Entretanto,
o seu estado de saúde foi-se debilitando e de espírito destroçado faleceu em 1953,
ironicamente no mesmo dia em que faleceu Estaline. Vivia próximo da Praça
Vermelha, e durante três dias, a multidão que se despedia de Estaline impediu que o
corpo de Prokofiev fosse retirado. Quando finalmente seguiu para o cemitério, não
houve flores nem músicos.
Prolífico em muitos géneros musicais, é hoje conhecido pelas óperas O Amor das
Três Laranjas (1919), encomendada pela Ópera de Chicago, e Guerra e Paz (1946),
pelos concertos, em particular o Concerto para Piano nº3 (1921), pelas sinfonias, entre
elas a Primeira Sinfonia (Sinfonia Clássica, 1916-17), pela música de câmara e pela
música para filmes, mas sobretudo pelo bailado Romeu e Julieta (1936) e pelo conto
de fadas sinfónico Pedro e o Lobo (1936), para narrador e orquestra.
Prokofiev escreveu em 1936 a música e o texto para Pedro e o Lobo, designando
a obra como um “conto musical para crianças”. Para além das suas qualidades
musicais e narrativas, fornece aos jovens um meio atraente de aproximação musical
aos instrumentos da orquestra, aos quais atribui personagens de uma história: a flauta,
com os seus floreados agudos, é o pássaro; o oboé e o seu som nasalado é o pato; o
clarinete, com a sua melodia astuta, é o gato; o fagote, com a sua voz grave, é o avô;
as ferozes trompas representam o lobo; os caçadores são apresentados pelas
madeiras e os sons das suas espingardas soam nos tímpanos e no bombo; o naipe
das cordas tem a honra de representar o herói, Pedro. Desde a data da sua estreia,
em Moscovo, a adesão foi imediata.
O percurso de Romeu e Julieta, baseado na tragédia de William Shakespeare,
não foi simples. Composto entre 1935 e 1936, o bailado foi rejeitado pelo Ballet
Bolshoi e pela Escola de Coreografia de Leninegrado. A sua complexidade musical
pode ter estado na origem desta recusa. Entretanto, Prokofiev extraiu duas suites
orquestrais da obra e um conjunto de peças para piano, que apresentou antes da

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estreia do bailado. A sua primeira apresentação deu-se em Brno, a 30 de Dezembro


de 1938. O facto de a obra de um proeminente compositor soviético ter sido estreada
na então Checoslováquia por uma companhia local é revelador das questões com as
quais Prokofiev se debatia na altura. A primeira apresentação soviética de Romeu e
Julieta deu-se em Leninegrado, a 11 de Janeiro de 1940. Após algumas alterações à
partitura sugeridas pelo coreógrafo Leonid Lavrovski e devido à excelente prestação
de Galina Ulanova, no papel de Julieta, o bailado transformou-se num emblema da
dança clássica soviética.

Dmitri Shostakovitch é hoje lembrado sobretudo pelo seu ciclo de 15 sinfonias,


embora os seus 15 quartetos para cordas sejam amplamente interpretados e as suas
óperas, tais como O Nariz (1927-1928) e Lady Macbeth do Distrito de Mtsensk (1930-
1932), comecem a receber um maior reconhecimento. Aberto a todas as influências da
sua época, foi um músico de vanguarda da jovem União Soviética. Quando chegou à
maturidade simpatizava com muitos dos princípios do novo regime comunista. Mas,
embora desejasse servir o Estado como compositor, os objetivos governamentais, em
constante mudança, quanto à música considerada aceitável impossibilitaram-no de
permanecer sempre do mesmo lado.
O jovem Shostakovitch estudou no Conservatório de São Petersburgo, roubando
tempo aos estudos para tocar piano nos cinemas, a fim de sustentar a família. Foi
notável quer como pianista quer como compositor e, em 1927, ganhou um prémio de
interpretação no Concurso Chopin de Varsóvia. A sua música para filmes e a música
para teatro começou a alcançar muito sucesso. Em 1932, a ópera Lady Macbeth do
Distrito de Mtsensk foi inicialmente muito bem recebida pela crítica e pelo público,
tendo sido representada inúmeras vezes em Leninegrado e em Moscovo. No entanto,
quando Estaline assistiu a um espectáculo, detestou a obra. Pouco depois, em 1936,
um artigo no Pravdra, jornal oficial do partido, intitulado “Caos em vez de Música”, fez
um ataque violento às tendências modernistas do compositor, atacando a imoralidade
da ópera. A Sinfonia nº5, em 1937, com o subtítulo “a réplica de um artista soviético a
críticas justas”, trouxe uma reabilitação parcial, tendo voltado às boas graças das
autoridades. Seguiu-se a Sinfonia nº7, em 1941, completada e estreada em
Leninegrado durante a fase mais crítica do cerco das tropas nazis à cidade russa.
Uma nova condenação da sua música, juntamente com a de Prokofiev, surge em
1948, com a sua Sinfonia nº9, que foi proibida. Nos anos seguintes, Shostakovitch
pouco escreveu, para além de músicas para filmes e algumas obras vocais patrióticas,
que não pusessem em risco a sua segurança pessoal. Contudo, após a morte de
Estaline em 1953, o compositor desfrutou de uma relativa liberdade criativa. A Sinfonia
nº10, desse ano, funciona como uma declaração pessoal, inspirando-se nas letras
DSCH, as iniciais do seu próprio nome. Durante a sua última década de vida,
Shostakovitch sofreu de uma saúde debilitada e muita da música deste período tem
como tema a morte, como é o caso da sua Sinfonia nº14, composta por um ciclo de
canções para soprano, baixo e orquestra de cordas, com poemas sobre a morte. Após
um ataque cardíaco em 1971, o seu ritmo de trabalho abrandou consideravelmente,
tendo falecido em 1976. Em suma, Shostakovitch ocupa uma posição significativa na
música do século XX, sobretudo pelo seu contributo na composição de sinfonias e no
domínio da música de câmara.

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4) Segunda Escola de Viena

O rótulo atribuído à música de Arnold Schoenberg (1874-1951) e dos seus dois


alunos, Alban Berg (1885-1935) e Anton Webern (1883-1945), foi o de uma música
da “Segunda Escola de Viena”, por oposição a uma suposta Primeira Escola de Viena
(Classicismo) que compreendia J. Haydn, W. A. Mozart e Ludwig van Beethoven.

Figura 5 – Segunda Escola de Viena (Schoenberg, Berg, Webern)

Estes três compositores foram os atores de um novo estilo nas décadas de 1920 e
de 1930. Arnold Schoenberg inventou um novo método de composição, chamado de
serialismo ou de dodecafonismo. Este método possibilitou uma maneira inteiramente
nova de pensar, sendo uma das inovações musicais mais influentes do século XX.
Neste método de composição atribuiu-se um estatuto igual a todas as 12 notas da
escala cromática. O compositor usa as dozes notas, dispondo-as em sequências ou
séries. As notas, contudo, têm de ser ouvidas na mesma ordem ao longo da obra. No
entanto, a sequência base pode depois ser manipulada: transposta (cada uma das 12
notas é movimentada para cima ou para baixo pelo mesmo intervalo), tocada de trás
para a frente (em movimento “retrógrado”), invertida (onde aos intervalos é dado o seu
reflexo, isto é, se um intervalo sobe por uma 3ª menor na sequência original, então
desce por uma 3ª menor na inversão), ou tocada em inversão retrógrada (a inversão
tocada de trás para a frente), e cada uma destas versões da sequência original pode
ser transposta conferindo um vasto número de permutações aos elementos básicos.
Assim, são possíveis 48 formas da série. Contudo, os compositores não as utilizam
todas, privilegiam certas configurações de acordo com as suas intenções expressivas.
As possibilidades são enormes, mas o princípio serial funciona como garantia de
que a composição terá um certo grau de coerência harmónica, já que os intervalos de
base não variam. Segundo Schoenberg, o objetivo deste método era “usar a série e
em seguida compor como antes”, ou seja, compor serialmente com liberdade. Como o
próprio compositor afirmou: “As minhas obras são composições dodecafónicas e não
composições dodecafónicas”.
A “emancipação da dissonância” a que Schoenberg chegou deu origem àquilo que
ficou conhecido por obras expressionistas. Enquanto os artistas franceses exploravam

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as impressões do mundo exterior através do impressionismo, os artistas alemães


procuravam expor as camadas emocionais e psicológicas escondidas por baixo da
imagem de superfície num movimento designado por expressionismo. Artistas como
o pintor Edvard Munch (1863-1944) influenciaram os compositores da Segunda Escola
de Viena. Como Schoenberg afirmou: “uma vez que a arte é o grito de socorro dos que
sofrem na sua pele o destino da humanidade… interiormente, neles se concentra o
movimento do mundo; para o seu exterior reflete-se apenas o eco; a obra de arte”. Em
termos musicais, o expressionismo favorecia harmonias extremamente expressivas,
saltos extraordinariamente amplos na melodia, assim como o uso de instrumentos nos
seus registos extremos. A música expressionista logo alcançou os limites do que era
possível dentro do sistema tonal. Neste sentido, Schoenberg defendeu a eliminação
da tonalidade, dando aos doze tons da escala cromática igual importância, criando
assim a música atonal.

4.1 Arnold Schoenberg

O compositor austríaco Arnold Schoenberg (naturalizado cidadão americano em


1941) foi uma das figuras mais importantes e influentes da música do século XX. Foi o
criador e grande impulsionador do dodecafonismo. Schoenberg encarou esta nova
organização sonora como uma consequência inevitável da desagregação do sistema
tonal, já iniciada por Liszt (últimas peças) mas sobretudo por Wagner, e que conduziu
ao que ele designou por “emancipação da dissonância”. Como o próprio afirmou: “sou
um conservador que foi forçado a tornar-se revolucionário”.
De formação essencialmente autodidata, para além de intérprete (tocou violino e
violoncelo) e compositor, Schoenberg foi um teórico e um pedagogo notável. Deixou
trabalhos e escritos fundamentais sobre as bases da composição e da análise musical
(Tratado de Harmonia, 1911). Dedicou-se também à pintura na linha do movimento
artístico expressionista. A partir de 1907, Schoenberg trabalhou com Richard Gerstl
(1883-1908), um dos expoentes máximos do expressionismo austríaco, e chegou
mesmo a pertencer ao grupo Blauer Reiter (O Cavaleiro Azul), fundado por Wassily
Kandinsky (1866-1944).

Figura 6 – Schoenberg, autorretrato, 1910

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Nascido em Viena em 1874, no seio de uma família de judeus ortodoxos,


Schoenberg passou o início da sua carreira em Berlim, até que a subida ao poder do
Partido Nazi, em 1933, o forçou a abandonar a Alemanha. Emigrou para os Estados
Unidos da América e fixou-se em Los Angeles, onde passou o resto da sua vida,
falecendo em 1951. A sua produção musical pode ser dividida em quatro períodos. O
primeiro período é tonal, assumidamente na esteira da tradição romântica alemã, de
que são exemplo o seu primeiro Quarteto de Cordas, em Ré Maior (1897), o sexteto
Noite Transfigurada (1899), inspirado no poema com o mesmo nome de Richard
Dehmel (1863-1920), a cantata profana Gurrelieder (1900-1911) para coro, solistas e
grande orquestra, e o poema sinfónico Pelleas und Melisande (1903).
A partir de 1908 inicia-se o segundo período, atonal, onde se destaca Erwartung
(Expetativa, 1909), um monodrama para soprano e orquestra que descreve, de uma
maneira altamente expressiva, a busca de uma mulher pelo seu amado falecido, as 6
Peças para Piano Op.19 (1911), assim como Pierrot Lunaire (1912), que ao contrário
das suas outras obras atonais seria executada várias vezes, encontrando um relativo
sucesso junto do público e atraindo a atenção de Debussy, Stravinsky e Ravel. Foi
composta com base em 21 poemas, para narrador e música de câmara. Nesta obra,
uma obra-chave do século XX, o compositor recorreu a poemas surrealistas de Albert
Giraud (1860-1929), com tradução alemã de Otto Erich Hartleben, que exprimem os
mundos subconscientes da violência, loucura e nostalgia desesperada. A obra introduz
o sprechgesang (“canto falado”), um tipo de interpretação vocal entre o canto e a fala.
Schoenberg é explícito no prefácio de Pierrot Lunaire, onde pede que a voz deve “dar
o tom exato, mas depois deixá-lo imediatamente numa queda ou ascensão”.
O terceiro período, de 1920 a 1936, é o período do dodecafonismo. Entre as obras
compostas nestes anos destacam-se a Suite para Piano Op.25 (1921-24), o Quarteto
de Cordas nº3 Op.30 (1927), as Variações para Orquestra Op.31 (1928) e a ópera
Moisés e Aarão (1931, inacabada).
No quarto período de composição ocorre um enriquecimento do seu estilo musical,
com o reaparecimento intermitente da tonalidade. Schoenberg tenta uma síntese entre
tonalidade e o dodecafonismo, visível na Sinfonia de Câmara nº2 (1909-1939), assim
como no arranjo da oração judaica Kol nidre (1938) e no Concerto para Piano (1942).

4.2 Alban Berg

Foi deixada aos dois grandes pupilos de Arnold Schoenberg a responsabilidade de


colocarem em prática os princípios gerais da atonalidade e da técnica dodecafónica.
No caso de Alban Berg (1885-1935), embora tenha adotado esta técnica, conseguiu
combiná-la com o romantismo tardio e, em alguns casos, com a tonalidade.
Alban Berg viveu toda a vida em Viena. Não tinha praticamente qualquer formação
musical formal quando começou as lições com Schoenberg, em 1904. Considerava o
compositor mais velho uma figura paternal e um amigo, para além de ser o seu ídolo
em termos musicais. As primeiras obras de Berg, compostas sob a orientação de
Schoenberg, demonstram uma compreensão firme da ambígua linguagem musical
pós-romântica que conduziu à eventual quebra da tonalidade, mas foi depois de se ter
libertado do compositor mais velho, mesmo antes da Primeira Guerra Mundial, que
começou a encontrar a sua própria voz. Isto foi pela primeira vez visto no ciclo de
canções Altenberg Lieder (1911-1912), notável pela sua orquestração, mas foi em Drei

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Orchesterstucke (1914-1915) que o seu génio organizacional se destacou, centrado


nas variações de pequenas células ou motivos. Entre 1915 e 1917, Berg serviu no
exército austríaco e, imediatamente a seguir, começou a compor a ópera Wozzeck
(1917-1922). O compositor escreveu pessoalmente o libreto desta ópera a partir do
drama Woyzeck (1837) de Georg Büchner. Wozzeck é um soldado disciplinado e
respeitoso, mas os seus superiores (um médico militar e um capitão de muito baixa
categoria moral e intelectual) abusam da sua superioridade hierárquica, explorando-o
como cobaia de uma ridícula experiência científica ou humilhando-o com discursos
morais. Por outro lado, o mundo familiar de Wozzeck, formado por Maria e pelo filho,
desmorona-se completamente quando se dá conta que Maria o traiu. A vingança de
Wozzeck, com o assassinato de Maria, e o seu suicídio acabam por ser, num clima
mórbido, uma fatalidade inevitável. A comovedora cena final mostra o filho de Maria e
Wozzeck a brincar com outras crianças, indiferente à tragédia. A ópera encontra-se
estruturada em três atos, contendo cada um cinco cenas, separadas por um interlúdio
musical. Berg organiza as cenas a partir de determinadas formas típicas da música
instrumental (marcha, rapsódia, passacaglia, rondó, sinfonia, sonata ou fuga).
Seguiram-se outras obras que exploram a técnica dodecafónica, entre elas o
Kammerkonzert (1923-19255) e a Lyrische Suite (1925-1926). À parte da sua ópera
inacabada Lulu (a orquestração foi completada por Friedrich Cerha), o trabalho mais
persistente de Berg é o seu Concerto para Violino e Orquestra, à memória de um
anjo (1935). O concerto resultou de uma encomenda do jovem violinista americano
Louis Krasner. Vivendo um período de dificuldades financeiras, o compositor viu-se
forçado a aceitar a encomenda. Pouco tempo após a aceitação, Berg recebeu a
notícia da morte de Manon Gropius, aos 18 anos, filha do arquitecto Walter Gropius e
de Alma Mahler. A obra transformou-se então num tributo à memória da adolescente.
O concerto foi escrito de acordo com a técnica dodecafónica e na sua conclusão Berg
inclui uma citação do coral Es ist genug de J. S. Bach. O seu texto é uma reflexão que
associa a morte à libertação do sofrimento terreno. Berg funde assim estilos, períodos
e géneros com mestria, numa das obras mais expressivas do Modernismo. Contudo,
Berg viria a morrer pouco tempo depois, em dezembro de 1935, sem escutar a obra,
que permanece como uma elegia apropriada ao próprio compositor.
Considerado o mais lírico dos três compositores da Segunda Escola de Viena, Berg
soube também impor-se pela sua modernidade.

4.2 Anton Webern

Entre os compositores da Segunda Escola de Viena, Anton Webern (1883-1945)


é habitualmente considerado como o que mais radicalmente entendeu as implicações
profundas da ideia de “série”, levando-a a um extremo de concisão e intensidade. Se
para Schoenberg a “série” estava ainda próxima da noção de “tema”, e se para Berg
mais não era do que um pretexto para justificar certos desenvolvimentos livres que a
sua fantasia ditava, para Webern coincide com a própria obra, determinando-a de um
modo muito mais profundo. Foi o primeiro compositor a dedicar-se exclusivamente à
técnica dos doze tons, e no seu quase obsessivo controlo de todos os aspetos da
obra, incluindo o ritmo, a dinâmica e a cor orquestral, viria a preparar o terreno para o
“serialismo total ou integral” pós-Segunda Guerra Mundial. No entanto, apesar de ser
governada por sistemas rígidos, a sua música possuía uma expressividade que revela

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o seu lado profundamente espiritual e o seu amor pela natureza. Como o próprio
compositor afirmou: “A música é uma lei natural no que respeita ao sentido da
audição”.
Depois das obras pós-românticas iniciais, tonais (por exemplo, Passacalhe Op.1,
1908) e das canções atonais em que havia trabalhado durante o período de 1908 a
1920, Webern adotou a técnica dodecafónica no início da década de 1920. Entre 1924
e 1926 produziu uma série de canções (Op.17-19) utilizando este método, refinando a
sua abordagem à medida que as trabalhava. Foi, todavia, com o Trio para Cordas
(1926-1927) que se voltou para um estilo puramente instrumental que viria a dominar
as obras dos anos seguintes, com destaque para a Sinfonia Op.21 (1927-1928), para
o Quarteto Op.22 (1928-1930) e para o Concerto para nove instrumentos Op.24
(1934). Durante a década de 1930, Webern regressou às composições para voz,
incorporando para o efeito as explorações das suas obras instrumentais, mas também
incluindo cânones e estruturas simétricas que são proezas intensas em termos de
competência técnica, preservando uma fidelidade ao método dodecafónico.
Trabalha num isolamento quase completo após a partida de Schoenberg para os
Estados Unidos da América e da morte de Berg. Numa visita à filha, em Mittersill, a 15
de setembro de 1945, foi alvejado e morto acidentalmente por um soldado americano.
Webern deixou muito poucas obras, sendo o menos famoso dos compositores da
Segunda Escola de Viena. Contudo, pouco depois da sua morte, a sua utilização
imaginativa da técnica dodecafónica levou Pierre Boulez (1925-2016) a descrevê-lo
como o verdadeiro patamar para o futuro da música.

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5) Futurismo

Movimento do início do século XX, que nasceu em Itália. Foi desencadeado pela
publicação, pelo poeta e dramaturgo italiano Filippo Tomaso Marinetti (1876-1944), do
manifesto “Fundação e Manifesto do Futurismo”, na primeira página do jornal
parisiense Le Figaro, a 20 de fevereiro de 1909, seguido de outros manifestos que se
irão propagar nos anos seguintes por toda a Europa, estendendo-se também às artes
plásticas, à música e ao cinema.
Proclamando uma nova poética, Marinetti exaltou a civilização industrial, o
movimento da máquina e da velocidade. Desta forma, o futurismo valoriza o
dinamismo, a exaltação da técnica, a simultaneidade de espaços, de tempos e de
sensações, a fusão de expressões artísticas, a dessacralização das poéticas
convencionais. Os poemas futuristas são facilmente identificáveis por uma série de
recursos destinados a abalar o leitor: profusão de exclamações, de apelos, de
neologismos criados pela associação inédita de palavras, pelo emprego de termos
insultuosos, pela exploração dos efeitos fónicos das palavras, pela introdução de
grafismos no poema, por longas enumerações, pela utilização dos verbos no infinitivo,
pelo uso aleatório da pontuação e de maiúsculas.
Esta visão está intimamente relacionada com a vida moderna, onde palavras
como energia, movimento, ação, dinâmica, liberdade, aceleração, força, ritmo
substituíam outras palavras de uma visão romântica (inspiração, sentimento,
perceção, sensação, imaginário). Era importante quebrar formas estáticas e romper
com a contenção de elementos expressivos provenientes de causas emotivas.
Pretendiam criar uma arte centrada no movimento.
Em 1910, surge o Manifesto dos Pintores Futuristas, subscrito pelos pintores
Umberto Boccioni, Carlo Carrá, Gino Severini, Giacomo Balla e Luigi Russolo. Na
música, Francesco Balilla Pratella (1880-1955) redigiu artigos nos quais manifestava
as possibilidades da nova estética: Manifesto del Musicisti Futuristi (1910), Manifesto
Tecnico della Música Futurista (1911), Distruzione della Quadratura (1912), entre
outros. Também o compositor Luigi Russolo (1885-1947) descreveu a nova estética
na obra L´Arte dei Rumori (1913) e criou instrumentos musicais designados por
Intonarumori (Entoadores de Ruído), com a intenção de produzir uma considerável
variedade de ruídos numa gama de escalas cromática e/ou diatónica. Apesar de ainda
não serem elétricos, as invenções de Russolo contribuíram para um desenvolvimento
do pensamento musical da era moderna.
Compositores como Edgar Varèse (1883-1965) foram influenciados por estas
ideias, apesar de utilizarem instrumentos acústicos. Ionisation insere-se, por exemplo,
nesta desmultiplicação “som-ruído”. Varèse compôs esta obra entre 1929 e 1931,
durante uma estadia prolongada em Paris. A obra, escrita para um ensemble de
percussões, em que 13 músicos tocam um total de 37 instrumentos, foi inicialmente
acolhida com total incompreensão. Cada um dos instrumentos assume uma identidade
muito própria, como se fosse uma verdadeira personagem. O compositor utiliza
elementos referenciais externos no discurso interno da peça, nomeadamente através
da inclusão de sons realistas da vida quotidiana, como o som das sirenes, tão
característico desta obra.

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