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MODALIDADE: COMUNICAÇÃO
Resumo: Esse trabalho, parte integrante de uma pesquisa maior em andamento, que visa no seu
cômputo mais amplo o estudo do texto e da organização sonora de canções selecionadas no
universo da música caipira da década de 1940, tem como objetivo pontual analisar e interpretar a
poesia de algumas dessas canções, percebidas na sua capacidade de evidenciar representações
sociais ligadas à cultura do homem do campo em um dos seus primeiros momentos de interação
com circunstâncias midiáticas. Chega a considerações de que essas canções são capazes de
evidenciar essas representações.
At the hoe to the gramophone: representations of country man in the lyrics of the 1940’s hick music
decade
Abstract: This research, member part of a biggest research, that aims in your widest work the
study of song’s text and sound organization selected in the universe of hick music of 1940 decade,
has as precise objective to analyze and interpret the lyrics of a few of that songs, realized on your
capacity to evidence social representations connected to a country man’s culture in one of their
first moments of interaction with media circumstances. This research gets considerations of that
songs are capable to evidence those representations.
Esse mesmo autor, validando a pressuposição de que a obra musical pode ser
percebida como um dos campos do representacional, observa que a representação expressa-se
“por meio de uma pintura, de uma fotografia, de um filme, de um texto, de uma expressão
oral. A representação não é, nessa concepção, nunca, representação mental ou interior. A
representação é, aqui, sempre marca ou traço visível, exterior” (SILVA, 2000, p. 90).
Essa primeira abordagem conceitual encontra consonância também na noção de
gênero discursivo de Mikhail Bakhtin (2003), que remete a uma “matriz cultural” inerente a
um campo específico de atuação na trama sócio-cultural, constituída na sua base de uma
polifonia de vozes marcada pelo entrecruzar de diferentes dimensões temporais e culturais
(diferentes representações sociais, enunciados, portanto). Uma “matriz cultural” que se
caracteriza pela sua capacidade de atualização constante em cada situação concreta e imediata
de relações que efetiva, em que evidencia uma nova polifonia de vozes na sua base, uma
trama peculiar de diferentes representações, embora prevaleça sempre a autoria de quem a
propôs (Ibidem). Nessa pesquisa abordo, portanto, uma matriz cultural inerente ao campo de
XXIII Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música –Natal – 2013
Foi desse contexto que surgiram palavras como cabôco, acupá, agardecê, caipira,
cutucar, petecar, catira e pangaré. Concordo com Nepomuceno (1999) que, discordando da
expressão“exígua necessidade de se expressar”, afirma que o caipira possui um universo de
significados e linguagem extremamente ricos, evidenciados na música.
Quanto aos instrumentos, não se sabe ao certo como a viola e o violão chegaram
às mãos do sertanejo, nem por que razão foram por ele apropriados. Acredita-se que a viola
veio de Portugal, trazida pelos colonizadores, sendo muito utilizada pelos jesuítas na
catequização dos índios, ficou depois nas mãos dos colonos. Weizmann (2008) defende que o
violão ganhou esse nome tipicamente brasileiro por meio do homem popular, foi por ele
apropriado pela portabilidade e características harmônicas. No contexto da música caipira não
é comum esse instrumento ser reconhecido como um dos principais instrumentos
acompanhadores, porém, sua importância é evidenciada pela forte presença tanto nos grupos
XXIII Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música –Natal – 2013
que continuam a fazer a música que tenta manter suas origens nas “raízes”, quanto nos grupos
que investem na transformada “música sertaneja”. Aqui começa a se delinear uma das
questões atuais relacionadas a esse campo de produção musical: “música caipira” ou “música
sertaneja”? Caldas (1999), Catelan, Ladislau (2005) e Soboll(2007) defendem que a primeira
se difere da segunda pelas seguintes características:
1. A música caipira tem seu campo de produção encerrado nas relações sociais rurais,
enquanto a música sertaneja está ligada às interações desse campo com a indústria
cultural, o que dificulta a difusão da primeira e incrementa a difusão da segunda.
2. A música caipira tem acompanhamento vocal, devido às suas interações com
manifestações religiosas e com o processo de criação coletiva;
3. A música sertaneja tem o incremento das novidades tecnológicas do meio musical,
enquanto a caipira mantém seus velhos instrumentos.
Já Nepomuceno (1999) e Severiano (2008) acreditam que a música caipira e a
música sertaneja estão profundamente ligadas, como se a última fosse uma “consequência”
natural da primeira. Consideram que a música sertaneja é resultante não só das exigências e
transformações ocorridas na sociedade, na tecnologia, e nos meios de comunicação, mas
também das novas maneiras do brasileiro se relacionar com outros produtos culturais. Sob
essa perspectiva, portanto, pode ser abordada também como a atualização de uma matriz
cultural, percebida nas suas interações com novos elementos que ajudam a instituir a
sociedade contemporânea, o que permite observar na sua base a polifonia de vozes de que fala
Bakhtin (2003), o cruzamento de diferentes representações sociais relacionadas a diferentes
dimensões culturais e temporais. O reconhecimento da atualização de um gênero discursivo,
dos processos de ressignificação desse gênero em cada situação concreta que efetiva, deixa
claro a inevitabilidade da saída da música caipira da roça, tendo em vista a profusão do rádio
e da TV, alguns dos elementos fundamentais para a difusão do artista popular brasileiro e para
a solidificação da indústria cultural no Brasil. A música caipira, nesse novo contexto, foi
inventando cada vez mais novas e diferentes fórmulas rentáveis e rapidamente assimiláveis
por um contingente maior de receptores, perdendo muito de suas características que, até a
primeira metade do século XX, ainda se consistiam em importantes traços daquela música
“isolada” do sertão brasileiro. As conhecidas e tradicionais duplas Tonico e Tinoco,
Alvarenga e Ranchinho, Cascatinha e Inhana e Jararaca e Ratinho, embora não tenham se
afastado de forma radical de suas raízes, foram muito ouvidas nas cidades, interessadas cada
vez mais no “jeca-tatu”, no caipira que agora tinha um aparelho de rádio na sala da casa de
sapé. Alguns dos maiores defensores dessas manifestações musicais mais próximas da
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“música caipira de raiz” foram Inezita Barroso e Rolando Boldrin, que não deixaram de
receber em seus programas de TV aquelas canções e cantores que foram grandes sucessos e
sinônimo de vendas astronômicas em meados do século XX. Trato aqui de algumas dessas
primeiras atualizações do gênero, que não se consistiam ainda nas atualizações que se
efetivaram no final do século XX e início do século XXI, as quais lançaram protótipos
musicais e “modelos de cantores” que têm se distanciado cada vez mais da matriz cultural.
Há tempo eu fiz um ranchinho, pra minha caboca morá [...], bem longe deste
lugá, no arto lá da montanha, perto da luz do lua (Versos de Cabocla Teresa).
Virei meu cavalo a galope, risquei de espora e chicote, sangrei a anca do ta,
desci a montanha abaixo, e galopeando meu macho...(Versos de Cabocla
Teresa)
Eu sou inguar o sabiá, quando canto é só tristeza, desde o gaio onde ele tá.
(Versos de Tristeza do Jeca).
Resultados alcançados
A letra da música caipira da década de 1940, música essa tomada como matriz
cultural carregada de significados, imbricada com uma polifonia de vozes estruturada na
transversalidade de culturas e espaços presentes em seu bojo, que marca um dos primeiros
momentos de sua atualização em termos temporais, teve condições de continuar evidenciando
as representações sociais do homem do campo. Representações partilhadas nas práticas e
obras musicais deste caipira, entendidas como um campo forjador de processos identitários.
Assim, as canções selecionadas confirmaram a hipótese de que a letra da música caipira desse
período foi capaz de evidenciar uma maneira de ser e de estar no mundo caipira, suas
representações. Essas representações, mesmo que entrecruzadas com as representações
ligadas a outras dimensões temporais e culturais, como aquelas inerentes ao tempo e espaço
que incrementaram a relação com a cidade, com a mídia, com gravadoras e produtores
culturais, ajudaram a constituir de forma peculiar a polifonia de vozes presente na atualização
dessa matriz cultural na década de 1940, ajudaram a reafirmara sua condição de parte
integrante da articulação simbólica que instituiu essa trama cultural.
Referências
AMARAL, Amadeu. O Dialeto Caipira: gramática e vocabulário. 4 ed. São Paulo: HUCITEC, 1981.
BAKHTIN, Mikhail. Estética da comunicação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
CALDAS, Waldenyr. O Que é Música Sertaneja. São Paulo: Brasilliense, 1999.
CATELAN, Álvaro; COUTO, Ladislau. De Repente, a Viola: os grande temas da música caipira.
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________________. Mundo Caipira: história e lendas da música caipira no Brasil. Goiânia: Kelps,
UCG, 2005.
CHARTIER, Roger. A História Cultural Entre Práticas e Representações Sociais. R.J.: Bertrand,
1990.
HALL, Stuart. Quem precisa de identidade? In SILVA, Tomás Tadeu (org.) Identidade e Diferença.
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NEPOMUCENO, Rosa. Música Caipira: da roça ao rodeio. São Paulo: Ed. 34, 1999.
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SOBOLL, Renata Stephanes. Arranjos de Música Regional do Sertão Caipira e sua Inserção no
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WEIZMANN, Cláudio. Educação Musical: Aprendendo com o Trabalho Social de uma Orquestra de
Violões; orientador: Profª. Drª. Maria da Graça Nicoletti Mizukami, São Paulo, SP: Universidade
Presbiteriana Mackienzie, 2008.