Você está na página 1de 4

Do Romantismo ao Positivismo

A Europa do século XIX traja novas cores e assume uma atitude diferente
com a qual se pretende colocar em questão o momento racionalista iluminado
que precedeu este período. Contestou vivamente a disciplina, a regra e a
norma da corrente neoclássica e passou então a cultivar o sentimento e a
filosofia da natureza e a exaltar o indivíduo. Importa perceber o fenómeno
romântico e a forma como se expandiu na Europa para podermos reconhecer
as suas consequências. Devido às circunstâncias políticas que se viviam na
Europa no princípio do século XIX, foi extremamente simples casar o
Romantismo com os ideais liberais e com o nacionalismo, que evoluíam
rapidamente. O Romantismo assumiria vários rostos que utilizava consoante
o momento e o país em que se expressava. Veja-se por exemplo o caso
alemão, que adiante se desenvolverá. Mas o século XIX apresenta uma outra
vertente: se é o século do Romantismo, é de igual forma o berço do
Positivismo e do Realismo a ele associado. Designa-se por Positivismo a
aplicação às ciências sociais e políticas dos métodos utilizados nas
ciências positivas, ou seja, as matemáticas e as ciências experimentais.
O otimismo que a Europa vivia, aliado às novas propostas científicas,
contribuíram para um Positivismo que se generalizou. A ciência, segundo a
opinião dos intelectuais e cientistas, só podia trazer benefícios à
Humanidade. Manifestou-se um profundo gosto pela descrição e pela
indução, pelo conhecimento das ciências naturais e pelos métodos nelas
utilizados. O Positivismo afirmou-se nas ciências humanas através do
seu grande mentor August Comte e invadiu outras áreas da vida dos
homens deste período. O uso da razão levaria o Homem ao
conhecimento do Universo e isto era, sem dúvida, uma forma de fazer
evoluir as sociedades. Para se atingir esta meta era necessário formar,
por isso, assistiu-se à implementação do sistema escolar, primário,
secundário e universitário, nos meios rurais e urbanos, embora nos
primeiros a tarefa tenha sido lenta. A coexistência destas duas vertentes
no século XIX demonstra que não houve homogeneidade. Assim, se a
primeira metade do século se revela, de facto, mergulhada no Romantismo,
já a segunda metade indicia várias críticas, sobretudo ao aspeto religioso e
moralista vincado em certas manifestações românticas e mostra-se muito
mais voltada para o cientismo. Os problemas sociais não deixaram de
preocupar os homens do século XIX.
O Romantismo é antes de mais uma corrente literária e artística.
Manifestou-se na Alemanha e na Inglaterra já no século XVIII e mais tarde
em França e nos países escandinavos. Ainda mais retardado foi o
Romantismo espanhol e o português, onde os cortes definitivos com o
neoclassicismo só ocorreram perto de meados do século, protagonizados por
Larra e Garrett, respetivamente. Por isso, também na data da sua
implantação em cada país não encontramos homogeneidade. Esta diferença
cronológica favoreceu um jogo de influências. Assiste-se à presença dos
romantismos alemão e inglês na Rússia (Pushkin imita Byron) e ao facto de a
França também se ter aberto ao estrangeiro. Pode-se falar de precursores
do Romantismo – Goethe, Chateaubriand, Ossian, Rousseau e o Sturm und
Drang – e de sobrevivências para lá do movimento, que assinalam já um
período de decadentismo e de inflexão. Organizaram-se em grupos,
reuniam-se nos salões ou nos cenáculos e divulgavam as suas ideias ou
defendiam as suas teorias através de jornais e revistas próprios.
O Romantismo alemão tendia para o universalismo. Preocuparam-se com as
questões linguísticas, o que originou a publicação de um dicionário histórico
da língua alemã da autoria dos irmãos Grimm, e com a preservação do
folclore e a recolha de contos para crianças e de lendas alemãs. Trespassa
pelos textos de História a noção de Volksgeist, ou seja, a alma do povo ou o
génio nacional. A Itália adota o Romantismo aliando-o à ideia de patriotismo.
Era dever dos intelectuais educar o povo e transmitir o amor à pátria. A
consciência nacional nos países escandinavos teve uma importância muito
grande. As literaturas dinamarquesa, sueca, norueguesa, islandesas e
finlandesa definiram-se e diferenciaram-se. A Rússia descobriu a literatura
moderna através do legado de dois grandes escritores: Pushkin e
Lermontov.
O Romantismo ultrapassa a simples oposição à estética clássica, constituiu
também um artifício de fuga à falsa liberdade e ao conservadorismo
redutor das novas ambições. Denomina-se de "geração das ilusões perdidas"
e de "escola do desencanto", mas persegue o ideal de que a vida pode ser
mudada. Esta nova forma de sentir, por oposição à regra e à harmonia, faz
evidenciar o sentimento, os estados de alma difusos e as cenas noturnas e
mórbidas (é frequente a alusão aos cemitérios, às trevas e aos locais em
ruínas, quer na literatura, quer nas artes plásticas). Decorrente das
tomadas de posição apaixonadas dos que sentiram o momento revolucionário,
o sublime substituiu a razão, o génio e a livre expressão do eu passaram a
fazer parte das mentalidades. Para escapar a situações de opressão social
com as quais não concordam e pela impossibilidade de mudar a vida, os
românticos escolhem o exílio ou a viagem prolongada. Nestas deslocações
procuram grandes espaços e são frequentes nas suas obras as evocações a
oceanos, desertos e florestas; as paisagens tornam-se estados de alma.
Muitas vezes o romântico sente-se marginalizado e assume-se como o
incompreendido, o poeta mártir. Associado ao Romantismo está o propósito
de conquista de identidade, quer individual, quer nacional. Porque os direitos
do indivíduo têm como base o conhecimento da língua e das origens
históricas, o Romantismo favoreceu a reabilitação da literatura antiga e das
tradições populares. Transparece do Romantismo a intenção de recuperar as
tradições cavaleirescas onde se faz o culto do herói e onde é recorrente a
ideia de uma gloriosa Idade Média, sobretudo a do período gótico. No
entanto esta predileção pela Idade Média não excluía o gosto pela
Antiguidade greco-romana (Keats) e a inclusão de assuntos contemporâneos
(a luta do povo grego face à opressão dos turcos).O Positivismo tem o seu
paralelo no Realismo (a partir de cerca de 1850) que, ao nível da arte e da
literatura, se revela pela representação da natureza sem qualquer idealismo.
A obra de arte passa a ter como missão revelar toda a realidade natural,
social e histórica. O realismo literário visa a clarificação do mundo – o
mundo é compreensível e explicável. Assim, como pano de fundo do Realismo
está o Positivismo – visa a objetividade com o apoio da documentação e da
análise.A análise da realidade através da observação e da experiência
manifesta um novo posicionamento – a necessidade de utilizar nas ciências
sociais e políticas os métodos utilizados para as ciências positivas. Comte
propõe algo novo: a física social, que mais tarde passou a chamar-se
sociologia. Assim, a ciência social e política passaria a ter o estatuto das
ciências de observação. Nesta classificação a matemática era considerada a
base de todas as ciências. O estudo dos fenómenos sociais assentava nos
dados dispensados pela astronomia, pela física e pela química, tendo em
linha de conta as leis naturais invariáveis. A noção de Humanidade,
defendida como a unidade entre os homens, e os fenómenos do real não
constituíam para o sociólogo conceitos abstratos mas conceitos de uma
realidade positiva que se impõe ao espírito como unidade e como síntese
universal.Num período em que dominam novas formas de feudalismo na
indústria, o Romantismo desvenda o trágico da vida. De certa forma, o
Romantismo e o Realismo não são mais que dois aspetos indissociáveis de
uma mesma atitude face à vida: a consciência de uma realidade intolerável
que é necessário transformar.

Como referenciar este artigo:


Do Romantismo ao Positivismo. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto
Editora, 2003-2014. [Consult. 2014-04-03].
Disponível na www: <URL: http://www.infopedia.pt/$do-romantismo-ao-
positivismo>.

Você também pode gostar