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Lições de História – O caminho da ciência no longo século X1X

Organizador: Jurandir Malerba


Capítulo 1 – François Dosse

Século X1X é o século da história no sentido da profissionalização da prática histórica que se


dota, por toda parte na Europa, de um programa para seu ensino, de regras metodológicas, e
que rompe com a literatura para voar com suas próprias asas. Esse nascimento da História
como disciplina se confunde com a grande confiança na marcha progressiva das ciências. Os
novos historiadores profissionais desejam participar dessa marcha ativamente, ainda que do
preço de história, pois o historiador foi encarregado pela sociedade de enunciar o tempo
laicizado, de narrar o telos, de afirmar a direção para qual se dirige a humanidade. Esse
magistério do futuro, essa missão profética atribuída à história é então fortemente vivida com
a passagem da religião à disciplina histórica. Essa história do século 19 nasceu também dos
impactos do “Séculos das Luzes”, da ascendência do reino da razão entre filósofos como
Kant, Hegel e Marx, que veem na história a realização, o desdobramento mesmo da
racionalidade vinculada nessa época.

Diante da fragilidade dos governos e das instituições políticas, da repetição compulsiva de


gestos revolucionários que opõe até mesmo os herdeiros de revolução entre si, os
historiadores reconhecem para si um magistério formidável: aquele de enunciar a verdade da
nação. A envergadura da tarefa, sua importância, suas consequências são poderosos estímulos
para que se renove a forma de escrever a história. Essa já não pode mais se contentar em ser a
crônica dos grandes feitos, nem a produção erudita amadurecida longe das paixões, muito
menos uma grande síntese moral. Ela tem que articular a fim de convencer seus leitores, o
entendimento do impulso do movimento histórico e as novas formas de licenciatura com uma
nova forma de narrativa.

É nesse contexto que nasceu na França a escola liberal romântica, que teve por figura máxima
aquele a quem Charles Péguy chamou de o “gênio da história”, Jules Michelet. A
contribuição dessa escola e as ambições da história, que marca uma ruptura decisiva com os
conceitos e as práticas anteriores – a tal ponto que se pode datar dessa época o verdadeiro
“movimento da história”, as tentativas de casar ciência e arte, mais a vontade de nutrir a com
filosofia dão às publicações desse período o estatuto de obras literárias e as elevam ao nível
de uma reflexão fundamental sobre a história e a forma de se escrevê-la, o magistério então
reconhecido aos historiadores, que faz deste os artesãos da consciência nacional. A revolução
francesa marca de fato uma ruptura fundamental na consciência histórica. Ela produz uma
modificação do regime de historicidade, quer dizer, uma mudança do lugar e dos valores
relativos atribuídos ao presente, ao passado e ao futuro na percepção dos coetâneos. Até
então, o passado não tinha sido realmente passado como ultrapassado.

A historiografia da primeira metade do século X1X se inscreve numa relação complexa entre
três polos a que podemos chamar de recursos: a erudição, a filosofia, a literatura. Cada obra
oferece delas uma trama particular.

Ademais, os historiadores alemães desempenham um papel fundamental na identidade


nacional. Os historiadores foram os verdadeiros promotores do novo império alemão. O
editorial do número inaugural da Revue de Schimidt (1843), da qual Leopold Von Ranke é
um dos fundadores, publicando por ocasião do milésimo aniversário do tratado de Verdun.
Da mesma forma, a história romana de Barthold Georg Niebuhr (1811) tem por função
mostrar aos alemães como se poderia criar o Estado de que sentem falta. Esse papel de
fermento nacional só podia fascinar os historiadores franceses no momento em que esses
ambicionam ter função semelhante em seu próprio país. A erudição alemã, apoiada no
domínio das ciências auxiliares (filologia, palografia, numismática, diplomática entre outros),
parece ser a única via para fundar a história. Mas a história na Alemanha não é apenas um
fermento nacional, é um método.

O método histórico alemão se inscreve na continuidade da tradição erudita do século XV111.


É redefinido por Wilhelm Von Humbold (1767-1835), cientista e estadista, fundador da
Universidade de Berlim entre 1810 e irmão do geógrafo Alexander Von Humboldt. De saída,
a sua obra “A Missão do Historiador” (1821) reafirma o objeto do conhecimento que, desde
Tucídides, funda o contrato de verdade que rege a história “A missão do historiador é expor o
que se produziu”. “Mas o que se produziu não é visível no mundo sensível senão em parte, o
restante tem que ser sentido, concluído, adivinhado para além disso”.

Humbold emprega mais adiante o termo analogia. Ele inscreve a prática historiadora numa
tensão entre investigação rigorosa, imparcial e crítica, que é um elemento constitutivo de seu
ofício - sua “missão profissional” –, e a necessidade de operar uma síntese que mobilize a
intuição do todo.

A história longe de ser concebida como uma ata do real, é apresentada como uma imitação, à
imagem da criação artística. Entretanto, destaca Humboldt, a finalidade é diferente, já eu a
história é animada pela ambição de tender para o verdadeiro. Para atingir esse objetivo, a
história tem que se emancipar da filosofia. Com Humboldt, temos o nascimento do
historicismo, isto é, de uma história ligada ao particular para tentar dar conta da ação humana.
Humbold inspira grandemente o historiador alemão Leopold Von Ranke.

Leopold Von Ranke (1795-1886) é uma figura maior dentro da historiografia alemã.
Professor da Universidade de Berlim de 1825 a 1871, ele é, desde 1841, o historiador oficial
da Prússia. Sua obra histórica é centrada na reforma (especialmente na Alemanha, na França
e na Inglaterra), mas sua influência ultrapassa de muito o campo da história moderna. É líder
de uma escola, o “seminário”, no qual viriam, a partir de 1833, se iniciar na crítica e no
método históricos a maioria dos eruditos e historiadores alemães, como Droysen, que foi seu
aluno e fala de Ranke-Schule (Escola de Ranke)

Como Humboldt, Ranke se recusa – em razão de suas convicções religiosas- a inscrever a


história num porvir cujas leis pudessem ser definidas. De fato, o determinismo histórico que
marca tanto o positivismo de Auguste Comte quanto o devir histórico de Hegel, de quem ele
é colega na Universidade de Berlim, leva, a seu ver, a suprimir qualquer valor às escolhas e
às ações dos homens. Por conseguinte, o historiador deve se mostrar modesto, evitar os
raciocínios abstratos e demasiados generalizantes para se ater somente aos fatos. Essa
concepção estabelece uma separação entre a história e a filosofia. Com Ranke, a história não
é mais um gênero moralista, não é uma Magistra Vitae. Ela se quer uma prática empírica e
positiva ao oposto da filosofia, destinada a teoria e à especulação.

A corrente historicista trazida por Ranke não se resume à historiografia de Além-Reno. Johan
Gustav Droysen defende, por seu lado, uma história de reflexão em sua obra Précis de
Theorie de ‘Histoire, que rompe com a teoria do refletido, cara a Ranke. Ele problematiza a
historicidade fundamental de qualquer investigação histórica e convida o historiador a
enunciar explicitamente as questões que formula aos vestígios conservados, bem como a se
perguntar sobre as razões que o levaram a formulá-las.

Na entrada do século XX, as qualidades que um historiador deve ter estão definidas:
modéstia, prudência, erudição, recusa das paixões. A profissionalização dos historiadores
decorre, num primeiro momento, de uma operação de delimitação, da definição de uma
norma legitima que marque os contornos de uma comunidade cientifica que garanta a
validade do saber histórico. Essa clausura se efetua em dois planos: a organização do ensino e
a codificação do método.
O discurso do método histórico é delimitado em 1898 por Charles- Victor Langlois e Charles
Seignobos em Introduction aux études historiques. Ambos são professores titulares de
história e doutores em história medieval. É para transmitir as competências assim adquiridas
na École des Chartes que ele se torna professor assistente, mais tarde catedrático da Sorbone.

Nos anos 1890-1910, a história metódica entra numa zona de turbulência. Encontra-se
aprisionada entre dois fogos: de um lado, os que censuram seu culto da objetividade e a sua
fraqueza em considerar os processos específicos do conhecimento histórico; de outro, os que
denunciam seu enraizamento grande demais no particular e no individual, o que tem por
resultado um déficit científico. Em ambos os casos, é a definição largamente empírica das
práticas que é derrubada. Na Alemanha, o debate se inicia nos anos 1890. Ele opõe, de um
lado, os que são favoráveis a uma mutação cientifica da história que deveria se operar mais
ou menos a partir do modelo das ciências da natureza, considerando (de vários modos) a
noção de coerção, quer para contribuir as leis do devir histórico (Karl Marx), quer para
definir os tipos de ideais (Max Weber), de outro lado, aqueles que defende a história como
ciência do espírito (Wilhelm Dilthey).

 Wilhelm Winderlband, George Simmel, Wilhelm Dilthey, Heinrich Rickert (filosofia


critica da história)

Diferente do que ocorreu nos anos 1870, agora é uma reversa que, de preferência, se
manifesta diante das teorias alemãs. Dessa forma, a viradas do século é marcada por uma
relativa autonomização em relação a Alemanha, cujos debates são lidos através dos
enfrentamentos que opõem, na França, os Durkheimianos e os metódicos. Essa
instrumentalização que amalgama posições muito diferentes para reconstruir uma oposição
simples entre partidários de uma ciência monotética, calcada nas ciências naturais, e
historicistas ideográficos foi por muito tempo capaz de encobrir a complexidade das
questões levantadas Além-Reno.

O acontecimento maior do cenário francês é a emergência da sociologia e, mais


precisamente, da sociologia durkheimiana. Com efeito, o projeto sociológico, como vontade
de estabelecer regras do funcionamento social e do devir histórico, é anterior ao fim do século
X1X. Esse projeto de fazer a sociologia numa ciência inteira – Augusto Comte falava da
“Física Social”.
Antiguidade Grega e Romana – Friedrich August Wolf, August Boeckh

Roma – Theodor Mommsen

Grécia Helenística – Johan Gustav Droysen

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