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Krzysztof Pomian1
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Extraído de K. Pomian, L’ordre du temps. Paris: Gallimard, 1984, p. 71-74. Traduzido do francês por José
Otávio Nogueira Guimarães.
profissionais pretendia ser objetiva. O historiador, até mesmo quando falava em nome
da Europa, da França, de tal ou qual grupo, não pensava ter traído seu dever de
objetividade, pois a Europa ou a França, ou ainda a burguesia ou o proletariado,
conforme o caso, eram para ele a encarnação do universal. Eis Michelet prefaciando sua
Introduction à l’histoire universelle:
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J. Michelet, Introduction à l’histoire universelle. Paris: Hachette, 1931, in Œuvres complètes, Paris:
Flammarion, s/d, p. 401.
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pensasse praticar uma ciência ou uma arte, o historiador não duvidava de sua
objetividade, alicerçada no próprio lugar que ocupava no tempo histórico e no espaço
social. Era o caráter linear, cumulativo e irreversível do tempo que justificava o privilégio
epistemológico que o historiador se arrogava e que ocultava o papel desempenhado em
sua prática pelas escolhas, adesão a pressupostos ideológicos e parcialidade.
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gostariam que ela fosse nomotética e se juntasse às ciências sociais. A identificação do
tempo da história com o tempo linear, cumulativo e irreversível teria sido
primeiramente contestada fora do meio dos historiadores profissionais. Nos últimos
anos do século XIX e primeiros do século XX, proliferaram, com efeito, cronosofias que
trouxeram de volta o tempo cíclico. A revolta das massas que se preparava
inelutavelmente no seio da civilização ocidental haveria de conseguir, mais cedo ou mais
tarde, destruir essa civilização. A humanidade (que a civilização ocidental sempre
supusera representar) recairia assim em um estado de selvageria. O processo que fizera
nascer todas as civilizações, incluindo a ocidental, retomaria então seu movimento: as
massas produziriam necessariamente novas elites e seriam submetidas ao poder destas;
essas elites, explorando as massas, criariam uma civilização condenada por sua vez a
sucumbir. Toda uma corrente ideológica, politicamente bem ambígua, veicularia
roteiros desse gênero, materializados sob forma de livros com pretensões acadêmicas,
mas também de apelo à ação que teria permitido adiar a data fatídica, e de obras
literárias, notadamente de utopias negativas.