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INSTITUTO SUPERIOR MUTASA- ISMU

Curso: Ciências Sociais- 1º Ano


Disciplina: Filosofia da História

Aula 3: Abordagem histórica da Filosofia da História (Continuação)


Caros estudantes, na aula passada demos início à abordagem histórica da História da Filosofia e
apresentamos as abordagens antigas e medievais. A aula passada, cingiu-se em apresentar os
contornos do sentido do tempo histórico, que, na verdade, é o que se apresenta como uma das
principais preocupações dos que buscaram filosofar sobre a História nas duas épocas, buscavam o
sentido da história e a questão de tempo da história. Em uma indagação profunda sobre o que é
história, tempo e como é que a história é feita neste tempo.

Nesta aula, vamos dar continuidade com a abordagem histórica da Filosofia da História para esta
aula, vamos explorar a abordagem moderna e vamos falar também da história na ordem do
iluminismo. Por isso que, até ao fim desta aula, espera-se com o estudante seja capaz de:
Conhecer os principais percursores da ideia de Filosofia da História na época moderna, e a ideia
universalista da história no iluminismo defendida por alguns pensadores da modernidade;
explicar a diferença dos sentidos da história num sentido comparativo entre modernidade e outras
épocas.

1. Filosofia da História na no renascimento caminho para modernidade


A sucessão da época medieval começa na história da humanidade, no século XV e vai até ao
último quartel do século XIX, com uma brusca mudança de pensamento. A religião deixa de ser
um espelho, e a igreja perde o seu papel de guia. Nasce assim a época orientada pelo homem
enquanto centro das atenções, onde, em parte, já não mais se pensa na religião e nos
mandamentos divinos como a moral orientadora das vivências, e nem a natureza. Vigora uma
moral antropocêntrica, passível de questionamentos, e rectificações caso estas não estejam a
respeitar os preceitos humanos, afastou-se Deus e colocou-se o homem, abandonou-se a fé e
resgatou-se a razão, é com estes pequenos e poucos pontos que se constituem algumas das
características da idade moderna.

Apesar do deabate sobre a história conhecer o seu sentido mais profundo no renascimento,
momentos de transição para a modernidade, e preocupar-se com elementos essencial como
historiografia e outros, a Filosofia da História sempre esteve preocupada com a questão do
sentido da finalidade (télos) da história. Pecoraro (2009) sustenta que embora a expressão seja
relativamente recente foi usada pela primeira vez em 1765, pelo filósofo francês Voltaire, em
Filosofia da história, reflexões de grande alcance sobre a história, o seu sentido e a sua finalidade
surgiram tanto na Antiguidade clássica como na Idade Média (vimos na aula passada) e na
Renascença. No entanto, é inegável a importância das teorias modernas desenvolvidas por
autores como Kant, Hegel, Marx, cuja influência induziu vários comentadores a restringir um
tanto arbitrariamente o âmbito de estudo da filosofia da história às doutrinas dos séculos XVIII e
XIX.

Foi na modernidade em que a ideia de Filosofia da História foi desenvolvida, como um pensar
científico e mais elaborado sobre a história. A ideia de filosofia da história passou para sinonimo
da preocupação com questionamentos a respeito da história e de sua epistemologia. É comum
atribuir o nascimento da filosofia da história, a partir dos escritos de filósofos como Giambattista
Vico, Johann Gottfried von Herder, e Voltaire, sendo o último o primeiro a usar esse termo. Mas
com Hegel, Marx, Kant e outros a ideia de Filosofar sobre a história viu-se mais consistente.
Apesar disso, elementos da filosofia da história, presentes em reflexões sobre o tempo, existem
desde a Antiguidade e o Medievo.

Cardoso Jr 2016 ,argumenta que Vico foi o primeiro a elaborar uma teoria própria da história e a
colocá-la no centro de sua investigação filosófica. A originalidade atribuída ao filósofo pode ser
entendida por meio da análise de seu pertencimento em um dado contexto que, desde Maquiavel,
voltava-se para áreas como a história, o direito, a literatura e a política. A filosofia da história de
Vico está ligada à defesa dos estudos históricos, que na época eram negligenciados
pelos cartesianos. O filósofo criticava explicitamente a preocupação que outros filósofos tinham
com o mundo natural, entendido como a história natural e a física, deixando de lado o mundo dos
homens, relacionado à jurisprudência, história, poesia e mitologia. Para Vico, seria infrutífera a
busca pelo conhecimento através do mundo natural, uma vez que foi Deus quem fez a natureza e,
assim, só ele estaria plenamente apto a conhecê-la. Em contrapartida, seria legítimo ao humano
estudar a história, já que ela é feita pela humanidade.

Burke (1997), sustenta que, para Vico, tudo dependia do seu contexto de nascimento, ou seja, as
instituições, os costumes, o direito e a arte só são compreendidos se observados diante de seu
meio histórico. Até mesmo a natureza humana tem uma formação histórica. Diferente de outros
autores modernos, como Thomas Hobbes ou René Descartes, em Vico o ser humano não possuía
uma natureza racional intrínseca e perene; ao contrário, ela seria mutável assim como a sociedade
e quaisquer fenômenos históricos.

Nos entendimentos de Pecoraro (2009), a visão de Vico é rigorosamente determinista, pois o


curso dos acontecimentos, a transição de uma época para outra é inevitável. Trata-se do modelo
da “história ideal eterna”, no qual se refletem fatalmente todas as histórias empíricas das várias
nações. Por fim, a ideia de um tempo cíclico orientado por um plano providencial não significa a
negação da finalidade, do sentido da história. Pelo contrário, em uma época na qual a sociedade
se torna tão supercivilizada a ponto de os homens não conseguirem mais se entender e a razão,
enquanto cálculo e busca de utilidade, transforma-se em opressão e domínio, o retorno à barbárie,
a uma idade de imaginação criativa salva o homem da autodestruição racional.

Voltaire (2007) acreditava que, às vezes, as coisas extraordinárias e improváveis devem ser
relatadas, mas apenas como provas da credulidade humana, no campo das opiniões e tolíces. Para
ele, se quisermos conhecer um pouco da história antiga, devemos verificar a existência de
monumentos incontestes. Voltaire faz menção da coletânea de observações astronômicas feitas
na Babilônia durante 1900 anos seguidos e que foram enviadas à Grécia por Alexandre, o que
prova, segundo ele, a existência dos babilônicos vários séculos antes, pois a artes nada mais são
do que a obra do tempo.

Para Voltaire (2007) a história encontra sua utilidade na medida em que podemos nos utilizar dos
fatos pretéritos, para antever e prevenir eventos futuros. Histórias de tiranos nos alertam para não
confiar todo o poder de uma nação à apenas uma pessoa. Eventos com exércitos que foram
destruídos pela fome em regiões inóspitas, dizem aos generais para não ir para uma batalha sem
suprimentos.

A história moderna mostra claramente, ainda segundo Voltaire, que quando uma nação se acha
demasiadamente preponderante, as demais se insurgem contra ela, na tentativa de manter um
certo equilíbrio. Esse equilíbrio era desconhecido pelos povos antigos, o que fez com que Roma
tivesse o domínio que teve. Assim, se a história fugir aos olhos das nações, há o perigo de
flagelos passados voltarem a atingir a humanidade, pois não haveria nenhuma precaução contra
seu ressurgimento. Pestes, guerras, revoluções tornariam a abalar o equilíbrio do mundo. Voltaire
acreditava que, se exterminassem o estudo da história, a humanidade veria novamente os
massacres que tanta dor causou a muitos. Conhecer a história é conhecer o mundo e evitar que
atos desumanos voltem a acontecer.

Com Voltaire (2007) houve a necessidade de separar história e teologia, pois considerava a
filosofia da história cristã incompleta por direcionar a história de toda a humanidade sob os feitos
do povo cristão, este episodio apresentava-se como crítica aos pensadores da idade media, por
que com a elevação do cristianismo houve ecos de exclusão de outros povos que não partilhavam
da mesma religião, como os chineses e os indianos. Dessa forma, a filosofia da
história iluminista afasta as vontades da divina providência do sentido histórico, colocando no
lugar uma história que tem por objetivo o desenvolvimento pleno da razão humana.

2. Filosofia da História no iluminismo


Apesar de Voltaire ter cunhado o termo "filosofia da história", ela só se consolida como uma
matéria independente em relação às outras áreas da filosofia com alguns dos escritos de Herder,
e torna-se mais influente na filosofia, bem como recebe maior aprofundamento, com Hegel, no
início do século XIX.
Mas ainda assim, o Iluminismo francês foi também fundamental para fomentar questionamentos
dentro da filosofia da história. Essa orientação foi representada por intelectuais como Voltaire,
Jean-Jacques Rousseau, Montesquieu, Turgot e Condorcet. Esse movimento questionava as
concepções da filosofia da história cristã ao propor a secularização do conhecimento.
Acreditavam que a razão humana era a responsável pelo progresso e salvação da humanidade, e
não a Providência Divina, assim como mostra Pecoraro (2009). Para os iluministas franceses, o
sentido da história da humanidade é caminhar para o progresso da razão do homem, o que é uma
propriedade fundamental do tempo histórico na concepção teleológico iluminista.

Para Löwith (1997), o progresso intelectual na filosofia da história dos franceses setecentistas
apenas substituiu a função da providência divina, já que ainda se mantém a mesma necessidade
de predeterminar o curso histórico, só que com a mediação da razão. Turgot fala ainda do
desenvolvimento ascendente do espírito humano, onde até mesmo as paixões e as emoções
humanas exercem esse papel de desenvolvimento da consciência humana. E Condorcet,
entendem que o ser humano desenvolveria suas faculdades ao longo do tempo, ascendendo à
perfeição humana. Assim, mesmo com períodos históricos de estagnação, o fim último de uma
razão altamente desenvolvida estaria garantido. As propostas dos iluministas baseavam-se em
suas observações à época segundo as quais o passado quanto mais remoto mais tendia a ser
marcado pela barbárie e pela irracionalidade, chegando à Idade Moderna, racional e científica,
que era o momento de esclarecimento da humanidade, evidenciando o caráter de progresso da
humanidade.

Berry (2013) entende que as teorias do iluminismo escocês dentro da filosofia da história
priorizavam uma perspectiva estruturada e organizada, analisada sob premissas de causa e efeito
em relação ao mundo histórico-social. O empírico era importante, pois o conhecimento dos fatos
reunia as evidências da divisão da história em fases e estágios de desenvolvimento. Na filosofia
da história do escocês Dugald Stewart, as filosofias da história conjunturais e especulativas, como
a de Rousseau, são criticadas porque argumentava pela necessidade de dados históricos como
forma de dar sustentabilidade às teorias.

Neste contexto, com Kant seguiu um caminho análogo ao do Iluminismo francês, principalmente
em relação à confiança no progresso da razão humana. No Aufklärung (Esclarecimento) alemão,
a história era a busca humana da liberdade moral no uso pleno da razão. Essa finalidade da razão
é conduzida pelos planos da natureza. A natureza, como campo de atuação do ser humano, deve
articular-se para o máximo da atuação humana, sendo esse o ápice do uso da liberdade e da razão.
Assim, na filosofia da história de Kant, mesmo que a história da humanidade apresente traços de
barbárie e regresso, essas ações também fazem parte de um plano da natureza que conduziria,
mesmo que inconscientemente, à razão.
Herder, foi um dos primeiros iluministas a usar o termo filosofia da história como uma matéria
independente das outras áreas da filosofia nas primeiras publicações de Ideias para a filosofia da
história da humanidade (1774). Entre as características da filosofia da história de Herder
podemos identificar o populismo, o expressionismo e o pluralismo. No caso de Herder, o
populismo enfatizava a importância do convívio coletivo mediante um grupo ou cultura
específico e era uma crítica ao nacionalismo agressivo, vinculado ao imperialismo e ao
etnocentrismo, geradores de guerras. Herder considerava que o natural no ser humano é viver em
harmonia orgânica com as diversas populações. A multiplicidade de populações não implica
conflitos, pois a diversidade era algo natural. Já o expressionismo é a doutrina que diz que a
produção do homem é uma extensão de sua personalidade, sua mente, seu sentir.

Berlin (1982) entende que na doutrina de expressionismo, entende-se que qualquer auto-
expressão do homem pode ser um tipo de arte, como a linguagem. Em Herder, a linguagem é
fundamental para entender a dinâmica dos povos, pois ela é o mecanismo pelo qual damos
sentido às coisas, aos sentimentos, à imaginação, à memória, criando as relações, a história e a
cultura. Na medida em que os seres humanos se comunicam, também criam. Por último, o
pluralismo pode ser identificado como a noção de que não só há múltiplas naturezas e sociedades
humanas, mas que seus valores são incomensuráveis, ou seja, cada nação possui uma cultura
particular e válida, não sendo passível de juízos morais que digam qual é melhor ou pior. Essa
concepção vai contra a corrente da época que determinava uma natureza humana única, mediada
pela razão do iluminismo. De forma geral, as considerações de Herder eram feitas com base na
cultura dos povos, incluindo sua linguagem, literatura, arte e história. A história, assim,
funcionaria como uma educadora da humanidade ao mostrar a diversidade e a pluralidade de
povos e nações, revelando esse caráter múltiplo da humanidade ao educá-la para a vida em
harmonia com as demais populações.

Tarefas
1. Porque que os renascentistas criticaram a forma de pensar a história na idade media?
2. Porquê que Vico é considerado um dos pensadores fundamentais, para a Filosofia da
História?
3. Qual é a utilidade da história em Voltaire?
4. Qual é o elemento fundamental que movimentou os iluministas nos debates da Filosofia
da História?
5. Qual era a prioridade dos iluministas escocês na filosofia da história?

Bibliografia
BERRY, Christopher J. (2013). The Idea of Commercial Society in The Scottish Enlighment  (em
inglês). Edinburgh: Edinburgh University Press.
BERLIN, Isaiah (1982). Vico e Herder. Brasília: editora universidade de brasília.
BURKE, Peter (1997). Vico. São Paulo: Editora da UNESP. 
CARDOSO JR, Hélio Rebello (2016). «Ricoeur: de uma hermenêutica histórica a uma
hermenêutica da narrativa histórica». In: Malerba, Jurandir. História & Narrativa: a ciência e a
arte da escrita histórica. Petrópolis: Vozes. 
LOWITH, Karl. (1997).  O Sentido da História. Coimbra: Almedina.
PECORARO, Rossano. (2009). Filosofia da História. Rio de Janeiro: JZahar.
VOLTAIRE. (2007). A filosofia da história. São Paulo: Martins Fontes.
WALSH, William. (1978). Introdução à filosofia da história. Rio de Janeiro: Zahar

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