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UNIVERSIDADE EDUARDO MONDLANEEDUARDO

Faculdade de Filosofia
Departamento de Graduação

Fátima José Matusse

Ética da Alteridade Enquanto Fundamento à Reafirmação da Condição Humana em


Emmanuel Lévinas

(Licenciatura em Filosofia)

Maputo

Novembro de 2022
UDL
UNIVERSIDADE EDUARDO MONDLANEANE
Faculdade de Filosofia
Departamento de Graduação

Fátima José Matusse

Ética da Alteridade Enquanto Fundamento à Reafirmação da Condição Humana Em


Emmanuel Lévinas

(Licenciatura em Filosofia)

Monografia científica, apresentada à Faculdade


de Filosofia da Universidade Eduardo Mondlane
Como requisito parcial para aquisição do grau
de Licenciatura em Filosofia.

Tutora: Mestre Nazarete Justino Raice

Maputo

Novembro de 2022
iii

Declaração de honra

Eu, Fátima José Matusse, declaro em minha honra que a presente monografia é fruto da minha
investigação, sob orientação da minha tutora. O conteúdo nele existente é original e todas as
fontes consultadas estão devidamente mencionadas no texto e nas referências bibliográficas.

Declaro ainda que, o mesmo nunca foi apresentado em nenhum outro âmbito para obtenção de
qualquer grau académico.

Por ser verdade, a declaração será por mim assinada como prova da minha palavra.

Maputo, Novembro de 2022


____________________________
(Fátima José Matusse)
iv

Dedico à minha família


.
v

Agradecimentos
Agradeço em primeiro lugar a Deus, pelo dom da vida.

Em segundo lugar aos meus tios Fernando Timbe, e sua esposa, Sandra Sarmento que me
ajudaram a partir de 8 classe e contribuíram para suprimir as minhas dificuldades, até ao nível
superior.

Em terceiro lugar, ao meu esposo Jamal, e aos meus filhos Rawan e Rawad por terem se
comportado a quando minha formação.

E por último, os agradecimentos estendem-se, a comunidade académica, em especial à minha


supervisora Mestre Nazarete Justino Raice por ter me acompanhado durante a elaboração do
trabalho e os meus colegas de turma por terem me suportado e permitido a partilha de
experiências durante os 4 anos.
vi

“Ser livre significa que o saber é uma relação do


Próprio com o Outro onde o Outro se reduz ao
Próprio (...) onde o pensamento se refere ao outro,
mas onde o outro já não é outro enquanto tal, onde
ele já é o próprio, já meu” (LÉVINAS, 1984: 14).
vii

RESUMO
A presente monografia subordinada ao tema Ética da alteridade enquanto fundamento à reafirmação da
condição humana em Emmanuel Lévinas. Procura reflectir sobre a ética da alteridade enquanto
fundamento para a reafirmação da condição humana. A contemporaneidade tem vindo a ser caracterizada,
como sendo uma época em que se regista perda de referências e consequente conflitos sobre a
identificação e reconhecimento do Rosto culminando assim com actos de “desumanização”. Neste
contexto, procura-se pensar sobre as condições de aplicação da ética da alteridade proposta por Lévinas
enquanto um meio que pode contribuir para criar a harmonia no seu dos homens em função da diversidade
de Culturas e outros atributos de diferenciação. Porém, diante das aforias socias que mostram as nossas
convivências, diante das barbaridades das perpetradas pelas duas grande guerras que marcaram o percurso
da humanidade e acima de tudo diante da desvalorização do ser humano pelo outro da mesma espécie,
Lévinas, apresenta a ética da Alteridade, como um recurso para a restauração dos valores que outrora as
sagradas escrituras defendiam, como o amor ao próximo e a defesa da integridade e a responsabilidade
pelo outro, por ser, humano igual ao outro. A ideia de alteridade de Lévinas ancora-se na responsabilidade
entre os homens para que permitem a definição e reconhecimento do Outro que vai se articulando em
todos os domínios de poder e saber, mas também, propõe-se um reconhecimento dos homens, numa
perpectiva em que são chamados a entender a sua responsabilidade diante das espécies humanas. Quanto a
metodologia, o trabalho é fruto da pesquisa bibliográfica auxiliada pela técnica hermenêutica textual, que
consiste na compreensão e interpretação das obras sobre a temática.

Palavras-chave: Ética, Alteridade, Humanismo, Sociedade e Lévinas

ÍNDIC
E
Introdução.........................................................................................................................................9

CAPÍTULO I: CONTEXTUALIZAÇÃO DO PENSAMENTO ÉTICO DE EMANUEL


LÉVINAS.......................................................................................................................................12
1. Antecedentes do pensamento ético de Lévinas.......................................................................12
1.1. Ética dos Antigos para construir a ética de Lévinas........................................................13
1.2. A influência bíblica..........................................................................................................14
1.3. Husserl e Heidegger no pensamento de Lévinas.............................................................15
1.4. As Duas Guerras Mundiais..............................................................................................17
2. O sentido de ética da alteridade..............................................................................................18
3. O problema do homem na contemporaneidade.......................................................................21

CAPÍTULO II: O HOMEM E A INDIFERENÇA NA RELAÇÃO COM O OUTRO EM


TEMPOS DA ABUNDÂNCIA TECNOLÓGICA........................................................................24
1. Tecnologia e relações humanas: como agir?...........................................................................24
2. A ideia do infinito nas relações...............................................................................................27
3. A problemática da alteridade em tempos tecnocratas.............................................................31

CAPÍTULO III: MECANISMO PARA AFIRMAÇÃO DO HUMANISMO EM TEMPOS DE


CRISE DA ÉTICA.........................................................................................................................35
1. Humanismo e alteridade: pensando no Outro.........................................................................35
2. Liberdade e a precariedade do Humanismo............................................................................39
3. A ética: uma ideia para reafirmação humana..........................................................................41
4. Da responsabilidade pelo Outro..............................................................................................43
Conclusão.......................................................................................................................................46
Bibliografia.....................................................................................................................................48
9

Introdução
O presente trabalho é subordinado ao tema, Ética da alteridade enquanto fundamento à
reafirmação da condição humana em Emmanuel Lévinas. O tema surge da constatação de que
com o desenvolvimento da ciência e da técnica, muitas sociedades deixaram de fora a ética como
elemento determinante para o desenvolvimento humano através da qual, valores como a paz,
dignidade, respeito mútuo, interculturalidade, tolerância, direitos e liberdades fundamentais
reinam no seio da sociedade de diferentes formas. O desenvolvimento dos meios de transportes e
comunicação que impulsionaram os movimentos migratórios pelo mundo fora, aumentando a
coexistência de diversas culturas dentro do mesmo espaço geográfico, fazem com que diferentes
culturas entrem em conflitos que podem provocar crises humanitárias que mesmo a nível político
pode ter fissuras para poder resolver as mesmas.

A decadência do modelo de organização social centralizada e o apogeu da economia do mercado,


fez com que muitos valores fossem desqualificados em nome da economia. Sentimentos como o
ódio, ego e desrespeito pela vida humana tomaram conta da sociedade fazendo com que esta,
distancie-se cada vez mais da essência humana que durante séculos foi defendida exaustivamente
com diversos filósofos, facto que nos leva a apresentar a seguinte pergunta de partida: de que
forma a ética da alteridade pode ser um elemento determinante para a reafirmação da condição
humana em Emmanuel Lévinas?

A presente abordagem enquadra-se na filosofia humanista baseada em princípios da ética no


âmago da Alteridade enquanto mecanismo para orientação da vida humana em meio à empatia e
as diversas formas de indiferenciação, de dores em meio ao sofrimento dos chamados “Outros”.
Dai que a sua escolha se deve da necessidade de resgatar o ético dissolvido do espírito humano e
que nos novos tempos contemporâneos foram colocados em causa. Neste sentido, a nossa
abordagem torna-se relevante, academicamente, na medida em que apresentará subsídios teóricos
e práticos sobre a reflexão que Lévinas apresenta, na querela da efetivação dum mundo no qual
os homens respeitam-se pelo que facto de serem parte de um mundo diversificado e que cada um
apresenta as suas diferenças, numa situação em que Lévinas chama atenção ao respeito mútuo de
modo que, cada um dos seres coloque-se no lugar do Outro.
10

Social e particularmente, o tema é importante porque a partir do mesmo é possível influenciar um


novo modo de vida, nos novos tempos tecnocráticos, nos quais as relações humanas são feitas por
meios de conexões, onde a empatia já não coadjuva as relações. Dai que, torna-se necessária esta
abordagem por um lado para a elucidação de um novo modo de vida ao mundo no geral e para o
país em particular.

A monografia responde as seguintes questões: quais são os fatores que determinaram a


idealização funcional da ética da alteridade? Como é que nos tempos contemporâneos o homem
apresenta-se diante do dilúvio de outrem? E, até que ponto a ética da alteridade pode ser
mecanismo para a reafirmação da condição humana? E tem como objectivo geral: reflectir sobre
a ética da alteridade enquanto fundamento para a reafirmação da condição humana. E específicos,
contextualizar o pensamento de Lévinas no âmbito da ética da alteridade; discutir sobre o homem
e a questão da indiferença com o outro em tempos de abundância tecnológica; apresentar os
mecanismos para a afirmação do humanismo em tempos de crise da ética nas sociedades
hodiernas.

O referencial bibliográfico deste trabalho baseou-se nas obras que abordam sobre a temática com
destaque para as obras de Lévinas tais como: Totalidade e infinito, (2000), originalmente
publicada em 1961, foi sua tese de doutoramento, com esta obra, Lévinas inaugura o terceiro
período da humanidade, onde as questões éticas constituem o cerne dos debates entre os homens.
Nela o autor defendeu que, a ética é anterior á ontologia fundamental existencial e ponto de
partida de toda a filosofia que orienta a convivência dos seres humanos.

Já na obra Humanismo do outro homem (1993) Lévinas afirma que a manifestação do outro se
produz, certamente, à primeira vista, de acordo com o modo pelo qual toda a significação se
produz. O Outro está presente numa conjuntura cultural e dela recebe sua luz como um texto do
seu contexto. A manifestação do conjunto assegura sua presença. A compreensão do Outro é a
manifestação hermenêutica, uma exegese. A epifania do Outro comporta uma significação
própria, independente desta significação recebida do mundo. O Outro não nos vem somente a
partir do contexto, mas, sem esta mediação significa por si mesmo.
11

As abordagens de ética, para Lévinas na obra Entre nós: ensaio sobre a alteridade (2004), está
pautada na relação do eu para com o outro, cuja definição do indivíduo ético é composta sempre
pelo outro e nunca pelo eu. Esta reflexão leva-nos a entender que o eu é, sobretudo, presumido
pelo outro e que a subjetividade provem de fora do eu, pois o outro me tece como sujeito.

Do ponto de vista metodológico a pesquisa compreendeu a seguinte formula, quanto ao tipo é


qualitativa, visto que, sustenta fenómenos socias a partir dos argumentos fulcrais da ética da
alteridade de Lévinas, quanto ao método baseou-se na dedução, visto que, os argumentos
partiram do universal ao particular, quanto a abordagem é exploratória e quanto ao procedimento
obedeceu a recolha bibliográfica auxiliada pela técnica hermenêutica filosófica. O método
bibliográfico consiste na leitura e interpretação de dados bibliográficos devidamente
reconhecidos e publicados e que abordam sobre o tema em destaque, com objectivo de
sistematizar as suas teses até chegar a uma determinada conclusão, sobre o tema a que se propõe
discutir.

A estrutura do trabalho compreende três (3) capítulos, dois quais, no primeiro capítulo,
dedicamo-nos na apresentação contextual do pensamento de Lévinas e os efeitos que a
modernidade teve para que este pudesse brotar e procuramos mostrar as formas articulação a
ética da alteridade para o autor de forma a responder os problemas da humanidade. No segundo
capítulo, procuramos discutir como é que a indiferença do humano pode influenciar
drasticamente na vida ou nos destinos do Outro, principalmente, em tempos de abundância
tecnológica. E já no terceiro capítulo, procuramos apresentar como é que a ética da alteridade
pode se tornar meio que pode sustentar o humanismo enquanto para a boa interação entre os
homens.
12

CAPÍTULO I: CONTEXTUALIZAÇÃO DO PENSAMENTO ÉTICO DE EMANUEL


LÉVINAS
Este capítulo tem como objvectivo, contextualizar a ideia de ética da alteridade, desenvolvida no
pensamento de Lévinas, partindo dos antecedentes que contribuíram para a abordagem ética do
autor, tendo em conta, os vários factores que determinaram o desenvolvimento deste pensamento,
ao mesmo tempo em que, procura-se mostrar o sentido da ética da alteridade na visão do autor, de
forma a encontrar o seu enquadramento, enquanto escassez, para os tempos contemporâneos, ou
mesmo, enquanto excesso nas convivências humanas nos tempos hiper-modernos.

1. Antecedentes do pensamento ético de Lévinas


O pensamento de Emanuel Lévinas1 teve um grande impacto para o mundo por causa dos seus
antecedentes, e nestes entendimentos, a experiência pessoal de ter vivenciado as duas grandes
guerras mundiais, as influências das obras de Husserl, Heidegger, que foram seus mestres em
filosofia, bem como da bíblia hebraica permitiu com que o filósofo se extrai tanto da
fenomenologia quanto da bíblia, assim como as lacunas da ética abordada pelos Gregos antigos
os elementos formadores de seu pensamento.

Na abordagem de Marcondes (2001: 42) a ética apresentada pelos antigos, a partir de Sofistas até
Aristóteles, gravitava sobre o debate da ética na política, sobre a formação do cidadão virtuoso
que pudesse servir a polis; na busca do elemento primário para a vida boa (virtude); na busca do
verdadeiro conhecimento para o respeito entre eles; na busca da excelência de cada homem para
o bem dele mesmo; na busca pela felicidade. Numa altura em que os regimes políticos vigentes se
metamorfoseavam, saía-se, em Atenas, da tirania, e da oligarquia para a democracia, e a
preocupação do dia era, como sobreviver diante desta mutação, e que tipo de cidadãos precisa-se

1
Emmanuel Lévinas foi um filósofo judeu que viveu no corpo do Século XX, nasceu em janeiro de 1906 em Kaunas,
na Lituânia morre em 1995 em Paris. Estudos secundários na Lituânia e Rússia. Estudos de Filosofia em Estrasburgo,
de 1923 a 1930. Estada em Friburgo em 1928-1929. Onde aprofundou os estudos sobre a Fenomenologia com de
Husserl e Heidegger que foram seus professores. Naturalizado francês em 1930. Tornou-se Professor de Filosofia,
director da Escola normal israelita oriental. Mais tarde Professor de Filosofia na Universidade de Poitiers (1964), de
Paris-Nanterre (1967), depois, na Sorbona (1973). É Autor de obras como: Ética e infinito; O humanismo do outro
homem; Totalidade e Infinito e outras obras que marcam o desenvolvimento dos seus pensamentos.
13

para o bem de todos. Neste período, o discurso sobre a moral ladeava sobre a organização da
polis.

Cortina e Martínez, (2009: 60-61) entendem que para os estóicos e os epicuristas a moral não se
define com relação à polis, mas com relação ao universo. Enquanto para os estóicos o universo
tem Deus como o seu guia, o orientador de toda acção humana e viviam sob princípios do cosmo.
Para os epicuristas, tudo quanto existe no universo, é formado de átomos, matéria que possui uma
certa liberdade, e não existe intervenção divina, podendo o homem buscar o bem (prazeres
espirituais) neste mundo da forma que ele pudesse visto que este é livre para tal.

1.1. Ética dos Antigos para construir a ética de Lévinas


O legado ético dos antigos leva o homem a basear a sua convivência tendo em conta a existência
de um outro semelhante a si mesmo, dando primazia a universalização das relações, não
colocando em questão as questões culturais, religiosos, étnicos e outros elementos de
diferenciação que nos últimos tempos tem se tornado problema que se manifesta em questões
éticas. Sobre esse aspecto Cláudio Bernardes sustenta que as obras de Lévinas,

… expõem algumas lacunas filosóficas deixadas pelo pensamento


moderno na cultura ocidental, quando este redefine a natureza do método
e reinterpreta a identidade dialética das questões ligadas ao Ser sem o
intermédio da metafísica: o método, na modernidade, deixou de buscar a
essência e a finalidade das coisas e assumiu uma forma “cartesiana
galileiana” de análise científica, que favorece a construção de modelos
matemáticos para a explicação dos fenômenos. Já o sujeito moderno é
entendido por categorias antropocêntricas que o libertam de sua ligação
com o transcendente ... (BERNARDES, 2012; 84).

A partir dos meados do século XIX e no século XX, a racionalidade subjetiva cartesiana que mais
tarde encontra sustentáculo no iluminismo kantiano, o que veio a marcar o pensamento filosófico
moderno, coloca-se em desconfiança. Assim emerge os questionamentos que preocupam as
respostas da tradição filosófica que se encontrava no cerne do indivíduo enquanto um sujeito
singular.

Uma suspeita categórica da filosofia no questionar de pensadores como Nietzsche decretando a


morte de Deus; Freud, com a descoberta do inconsciente; Heidegger e sua crítica radical à
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“metafísica da subjetividade” moderna; Foucault, com a afirmação da morte do sujeito moderno,


entram em questionamento os próprios fundamentos ou as bases de sustentação da filosofia da
subjetividade moderna erguida na centralidade do Eu, entre Outros, produziu um novo cenário
crítico para o mundo de “... auto-segurança de um sujeito soberano” (MIRANDA, 2014: 467) em
seus valores universais totalizantes nos quais encontrava o poder de convivência em si mesmo,
onde manifesta-se o interesse de erguer um mundo, no qual os sujeitos preocupavam-se cada vez
mais para si e não no olhar simpático da existência do Outro que reflecte a sua existência.

Miranda (2014: 467- 468) sugere dois campos críticos na crise da modernidade: o antropológico,
onde se questiona os vários modos de domínio ao Outro e as falácias dos argumentos
etnocêntricos, que embasam o olhar sobre o Outro a sua cultura. No campo filosófico, aponta
para a “desconstrução e reconstrução” dos princípios que formulam “a vontade racional” e a
“centralidade do EU”. Uma abertura de tensão filosófica surge nos fundamentos que orientam a
formação do ser humano. Agora, será necessário encontrar um novo olhar formativo do sujeito no
processo educativo.

1.2. A influência bíblica


A bíblia judaica foi um livro determinante para a alteridade que se apresenta no pensamento de
Lévinas, pelo que, para ele na leitura não só aprendemos palavras, mas também a realidade em
que vivemos podemos encontrar emanadas nelas “a verdadeira vida está ausente, mas que
precisamente já não é utópica” (LÉVINAS, 2007: 11). Entretanto, livros não são somente fontes
de informação ou instrumentos que conduzem ao aprendizado, pois, também constituem uma
maneira de ser do humano, marcando a referência ontológica do humano ao livro.

Entretanto, é na letra que se encontra acorrentada na raiz o espírito liberdade por que os livros
ensinam-nos a ser e estar em meio a diversidade e ao mesmo tempo em que, ensinam-nos a
maldade da qual o mundo pode estar carregada. “Com efeito, ler é manter-se acima do realismo
ou da política, da preocupação por nós mesmos, sem desembocar, contudo, nas boas intenções
das nossas belas almas, nem na idealidade normativa do que deve ser” (LÉVINAS, 2007: 11).
Para Lévinas, o livro por excelência seria a Bíblia, o maior e primeiro livro para orientar as
vivencias da humanidade, desta forma, seria a partir da bíblia que nasceria a moral da qual os
15

indivíduos poderiam orientar as suas vivencias, reconhecendo a existência do Outro, enquanto


sua responsabilidade, isto é, responsável pelo bem-estar do outro, assim como este, também,
deveria se manifestar para legitimar a sua existência.
Entretanto, em Lévinas não há reocupação em conciliar pensamento filosófico e pensamento
bíblico, pelo que seu apego pela religião não advém, necessariamente, de uma crença
determinada, mas sim, pelo respeito aos livros, uma vez que a Bíblia e seus comentários
tradicionais reportam-se à interpretação de sábios antigos. “... não era pouco entrever e sentir a
hermenêutica, com todas as suas audácias, como vida religiosa e como liturgia” (LÉVINAS,
2007: 13). Isso mostra que o sentimento que o filósofo mostrava pela bíblia não era apenas pela
crença, mas sim pela necessidade de poder encontrar algum ensinamento que pudesse ser útil
para os homens que já se encontravam engolidos por uma série de contornos não muito
satisfatórios sobre as suas vivencias devido as atrocidades das quais o mundo se encontrava.

Esse sentimento de que a Bíblia é o Livro dos Livros aonde se dizem as coisas primeiras, as que
deviam ser ditas pra que a vida humana tivesse um sentido, e que se dizem sob uma forma que
abre aos comentaristas as dimensões mesmas da profundidade, não era uma simples substituição
da consciência do sagrado por um juízo literário porque o filósofo sustenta que “... o Deus do
versículo, apesar de todas as metáforas antropomórficas do texto, pode permanecer a medida do
Espírito para o filósofo” (LÉVINAS, 2007: 13). Isto é, a bíblia deve ser apresentada como a base
para o espírito filosófico humano, especificamente para a filosofia moral, onde os homens
encontrariam o seu encanto social, em busca de melhor convivência, para salvaguardar as ânsias
de uma convivência mais harmoniosa.

1.3. Husserl e Heidegger no pensamento de Lévinas


Husserl e Heidegger são colocados na biografia de Lévinas como sendo os seus mestres enquanto
professores e filósofos e seus influentes para o desenvolvimento do pensamento filosófico,
ancorado na génese do ser. A crítica que o autor apresenta sobre os seus mestres, está na
necessidade de substituição da ontologia por ética como filosofia primeira, é o de contestar o
pensamento ocidental, sustentado na afirmação do Ser enquanto ser, e seu caráter aniquilador das
diferenças. Tendo como pretensão motivar uma nova concepção de humanismo, um movimento
16

que o sujeito faz até o Outro, sem se impor ou retornar a si mesmo, tentando assim ultrapassar,
Heidegger e Nietzsche ao buscar reformular seu humanismo sob a concepção da alteridade.

Lévinas, Mergulha-se na fenomenologia husserliana, mas discorda de seu mestre no que tange à
experiência fenomenológica como fonte de sentido. O Outro não se apresenta a partir de uma
consciência transcendental, e nesse viés não é possível conhecê-lo, uma vez que não é uma
experiência adequada.
Reconhece-se a ética. Neste contato anterior ao saber – nesta obsessão
pelo outro homem – pode-se, certamente, distinguir as motivações de
muitas de nossas tarefas cotidianas e de nossas altas obras cientídicas e
políticas; mas, minha humanidade não entra na história desta cultura, que
aparece propondo-se à minha assunção e que torna possível a própria
liberdade deste assumir. O outro homem comanda, a partir do seu rosto –
que não está encerrado na forma do aparecer – nu despojado de sua forma,
desnudado de sua própria presença que o mascararia ainda como seu
próprio retrato; pele enrugada, vestígio de si mesma, presença que, em
todos os seus instantes, é uma retirada no vão (creux) da morte como uma
eventualidade de não-retorno. A alteridade do próximo é este vão do não-
lugar onde, rosto, já se ausenta sem promessa de retorno (LÉVINAS,
2012: 15).

Lévinas ao estudar a filosofia de Husserl, percebe algo que atrai seu interesse no método que
alicerça a fenomenologia, trata-se da diversidade de regiões do ser com suas respectivas
ontologias regionais que permitem deliberar sobre a impossibilidade de pensar estas diversidades
regionais com as mesmas categorias de conteúdo. A partir dessas percepções filosóficas, Lévinas
só aumenta o interesse por um maior aprofundamento nas reflexões que dizem respeito à
subjetividade e à alteridade com vista a expressar a melhor forma de responsabilidade entre os
homens.

Nas suas encruzilhadas de Lévinas, apresenta uma critica à tese heideggeriana defendida na obra
Ser e Tempo na qual “… o ser é inseparável da compreensão do ser (que se desenrola como
tempo), o ser é já apelo à subjetividade” (LÉVINAS, 2000: 30) No entendimento do Filósofo,
Heidegger não só não resolve o problema da ontologia clássica, isto é, apresentada pelos gregos,
como também acaba fundando uma outra ontologia, a ontologia fundamental; ela inviabiliza uma
relação ética com o Outro, pois impulsiona a soberania do Ser, que se apresenta na compreensão
do ser do ente.
17

Para Chalier (1993: 9) os filósofos, educados, desde Heidegger, a não esquecer o ‘ser’ e a pensar
o cuidado próprio de cada um com a sua mortalidade, não respondem a esta crise profunda que
transita pelas ideias e bane a esperança. O sentido parece doravante se ausentar dos discursos e
muitos sorriem com condescendência diante do esforço daqueles que, simples e obstinados, não
ratificam o veredicto desta sabedoria desabusada, frequentemente em perdição. O anti-
humanismo contemporâneo tem assim sua fonte numa inteligibilidade da realidade, desejosa de
não se confrontar com os desastres que obscurecem o mundo.

A critica de Lévinas vai mais longe ao acusar a ontologia heideggeriana por ser uma filosofia da
injustiça, por que assim como todo o pensamento ocidental, a ontologia impede a abertura à
exterioridade. Heidegger de não conseguir afastar-se totalmente da tradição clássica uma vez que
sua atenção aos entes é norteada pela dúvida ontológica sobre o sentido do Ser, numa pretensão
em que o ser tem sido esquecido, ou mesmo confundido pelo Ente. Desse modo, sua proposta é
que se pense o Ser que se revela na existência, que através do Dasein, se manifesta por excelência
no ser humano. Ou seja, o Ser outrora esquecido pela filosofia é resgatado por Heidegger,
orientado pela própria existência humana, concebendo assim, uma ontologia. Assim, no
entendimento de Lévinas (2002: 30) ontologia, dita autêntica, coincide com a facticidade da
existência temporal. Compreender o ser enquanto ser é existir. A ontologia não se realiza no
triunfo do homem sobre sua condição, mas na própria tensão em que esta condição se assume. O
homem inteiro é ontologia. Sua obra científica, sua vida afetiva, a satisfação de suas necessidades
e seu trabalho, sua vida social e morte articulam, com um rigor que se reserva a cada um destes
momentos uma função determinada, a compreensão do ser ou a verdade.

1.4. As Duas Guerras Mundiais


Outro dado que deve ser feito menção são os efeitos das duas grandes guerras mundiais, (1914-
1918 e 1939-1945) que também se tornaram factores determinantes para o desenvolvimento do
pensamento ético de Lévinas, a biografia mostra que o autor tivera sido vítima da Segunda
Guerra Mundial, na qual, tivera sido prezo por cinco (5) anos. Como exalta De Sousa, “ Em 1939,
nos horrores da segunda guerra mundial, foi tolhido pelo nacional-socialismo e passou cinco
anos de prisão nos campos de concentração nazistas na Bretanha (Alemanha)”. Foi nesta senda,
18

que Lévinas vivenciou a real violência que o homem perpetra para o outro homem, e isto porque,
viu-se na diferença um elemento para pelo qual exaltavam a exclusão do outro, pelos atributos de
diferenciação.

Chalier (1993: 9) afirma que Lévinas viveu em um século duramente marcado pelo ódio na
direção do outro homem, o desprezo cotidiano a seu respeito e a surdez diante de seu lamento
submete todos à tentação do niilismo do qual o individualismo das sociedades ocidentais constitui
uma das metamorfoses cruéis. Para Lévinas, o assassinato é a matriz da violência e da guerra, a
impossível negação do outro; de forma contrária, a interdição é a primeira e fundamental não
violência. Entretanto, a guerra mostrou para o autor a real face do homem, este que é conduzido
pela violência e pela apatia diante do Outro, por causa disso no prefacio de Totalidade e Infinito o
autor afirma que,
A face do ser que se mostra na guerra fixa-se no conceito de totalidade.
Os indivíduos reduzem-se aí a portadores de formas que os comandam
sem eles saberem. Os indivíduos vão buscar a essa totalidade o seu
sentido (invisível fora dela). A unicidade de cada presente sacrifica-se a
um futuro chamado a desvendar o seu sentido objetivo. Porque só o
sentido último é que conta, só o último ato transforma os seres neles
próprios. Eles serão o que aparecerem nas formas, já plásticas, da epopeia
(LÉVINAS, 2000: 10).

A guerra representava, antes de tudo, a prova mais patente do fracasso de um projeto de convivência
e do fracasso da cultura europeia. Uma cultura assentada na ilustração e no liberalismo agora é
colocada em juízo. Esta critica desencadeia-se pela experiência que ele, juntamente com o povo
judeu, faz da guerra, pelos tratos que estes tiveram nos campos de concentração, no período das
duas grandes guerras que marcaram a história da humanidade.

Em Lévinas (2012: 37-38) o modo como o Outro se apresenta, ultrapassando a ideia de Outro em
mim, pois ele constitui um fato, rosto. Esta maneira não consiste em figurar como tema sob o
meu olhar, em expor-se como um conjunto de qualidades que formam uma imagem. A crueldade
da qual as guerras foram marcadas, propiciaram o lance de uma ética que vai articulando-se de
um para o Outro e vice-versa. Esta inversão de sentimentos emerge com o objectivo de os
nazistas e todos os que a tentaram contra os Judeus e outras raças, pensassem na possibilidade de
as crueldades efeituadas pelas raças diferentes da ariana, fossem feitas contra os protagonistas.
19

2. O sentido de ética da alteridade


A questão da ética de que o mundo hoje tanto preocupa-se enquanto o instrumento humano que
articula-se em varias dimensões de poder e saber para nortear as convivências, recebeu uma nova
proposta diferente das que outrora tivera sido tratada pelos clássicos. A proposta de ética que
Lévinas apresenta acora-se na relação dos indivíduos tendo em consideração as suas diversidades,
aquilo que faz deles diferente um do Outro.

As ideias de alteridade é apresentada por Abbagnano (1998: 34), em Dicionário de Filosofia,


como sendo o sentimento sobre o Outro, isto é pensar o Outro; este pensar o outro não é simples
diferenciação do eu sobre o outro, até porque, o autor explica que a alteridade é restrita do que a
diversidade e extensiva do que a diferença, isto porque a Alteridade não se limita na diferença ou
na diversidade, mas sim no reconhecimento do Outro, no sentimento da existência deste em meio
à categorização dos elementos que distingue os homens, formando um Eu que só é significante
na presença do Outro.

Segundo Ruiz (2008: 118) a alteridade é a filosofia primeira que dá sentido pleno a toda a obra de
Lévinas. Ele não foi o único filósofo a pensar a alteridade, porém sim pensou a alteridade desde
uma perspectiva inédita. O outro não é um ausente total do pensamento ocidental, porém a
presença do Outro é tratada quase sempre de forma marginal ao eu e colateral a um sistema. A
novidade que Lévinas apresenta na sua incursão ergue-se no outro enquanto um ser diferente de
um Eu, que, entretanto, devem colaborar para evitar a violência e outros meios que colocam em
risco a existência do Outro.

Ao propor a ética como a filosofia primeira, em substituição da ontologia de Husserl e Heidegger,


não tinha apenas a pretensão de contra-argumentar aos seus mestres, mas sim, mostrar que é
possível necessidade de pensar a ética em tempos de caus é tao necessário para convivência na
diversidade. Entretanto a ética da alteridade apresenta-se como sendo o início de toda a filosofia
de Lévinas. Mas é necessário apresentar a diferenciação das outras éticas tratadas antes do
desenvolvimento do seu pensamento.
Não se trata de ética como a que foi credora da metafísica, da filosofia
como ecologia e descompromisso com outrem. Se se pressupõe,
20

ingenuamente, que o pensamento assenta na neutralidade, talvez a dose da


sabedoria da alteridade no registro da subjetividade/Ética seja forte
demais. O que está em pauta é também a procedência ou o bem fundado
de um pensamento da subjetividade/alteridade que pleiteia tanto uma
subversão da tradição (da filosofia ocidental) quanto um lugar
privilegiado que seria central dentro da filosofia; não seria isso colocar a
Ética como filosofia primeira? A filosofia não se faz, por conseguinte,
buscando o mais originário por trás do pretensamente originário? Sim. Ir
“mais além da essência”, ou seja, mais além de nossa limitada identidade
e visões de realidade, teorias e crenças; penetrar na questão do Sentido
básico, a própria Questão de haver questão, do porquê de termos
racionalidade e conhecermos, e a que isso deve responder em primeiro
lugar (para dominar o mundo e transformar tudo em economia da
homogeneização ou para conviver e amar a diferença?) (PELIZZOLI,
2008: 280).

O rosto do outro, desafia o Eu, sendo assim o egoísmo humano deve ser colocado em descrença
de modo a visualizar a essência do Outro na diferença que une os homens. À luz deste
entendimento, Lévinas apresenta uma possibilidade de se pensar numa ética voltada para as
relações humanas que contemplem e respeitem o Outro, que se ancora na diversidade, a partir de
uma cultura de responsabilidade pelo Outro, da compreensão deste como sendo uma extensão de
si mesmo. O que Lévinas levanta sobre a alteridade é de que, se nossas interações sociais não
forem sustentadas pelas relações éticas com as outras pessoas, então o pior pode acontecer, ou
seja, o fracasso em reconhecer a humanidade do outro. Isso, para Lévinas, é o que aconteceu no
Holocausto e em outras incontáveis calamidades do século XX, em que a outra pessoa torna-se
um rosto sem face na multidão, alguém por quem o transcende simplesmente passa, alguém cuja
vida ou morte é, para mim, um problema indiferente.

Lévinas (2004: 31) sustenta que, o encontro com outrem consiste no fato de que, apesar da
extensão da minha dominação sobre ele e de sua submissão, não o possuo. Ele não entra
inteiramente na abertura do ser em que já me encontro como campo de minha liberdade. Não é a
partir do ser em geral que ele vem ao meu encontro. Tudo o dele me vem a partir do ser em geral
se oferece por certo a minha compreensão e posse. Compreendo-o, a partir de sua história, do seu
meio, de seus hábitos. O que nele escapa à minha compreensão é ele, o ente.

A asseveração da identidade do Eu por sua relação à alteridade remete-nos ao tema do Rosto.


Com efeito, num mundo exposto à violência e ao drama da indiferença do homem ao homem, o
21

reencontro do rosto poderia quebrar a crosta que faz de cada homem um ser para si. A alteridade,
a heterogeneidade radical do Outro, só é possível se o Outro é realmente outro em relação a um
termo cuja essência é permanecer no ponto de partida, servir de entrada na relação, ser o
Mesmo não relativa, mas absolutamente (LÉVINAS, 2000: 24). O rosto do homem excede a toda
possível descrição, não se reduz a uma soma de detalhes de qualquer espécie, é a parte mais nua
do corpo humano e também a mais exposta à violência, pois é a parte que, também, deduz as
diferenças que se fazem entre os homens, eis por isso que, o homem, é reflexo do seu rosto, tanto
que, as suas manifestações diante do outro é a favor do que se vê.

Nas abordagens de Lévinas o rosto, na sua ausência de proteção, impõe-se àquele que o olha ao
mesmo tempo como um convite ao assassinato e como uma interdição absoluta de ceder a esta
tentação. Ruiz, sustenta essa visão afirmando que,

A presença diluída da alteridade humana nos corolários da filosofia tem


contribuído para considerá-la como uma categoria residual no pensamento
filosófico. A presença periférica do outro no pensamento ocidental fez,
em geral, que a alteridade fosse significada como um componente
acessório e instrumental no conjunto dos diversos sistemas filosóficos,
exceto honrosas exceções, levou a considerar o outro como mero apêndice
do Eu ou do sistema. A função da alteridade foi de coroar de modo
acidental reflexões de caráter ético, político ou teológico, mas não se lhe
reconheceu o potencial filosófico de ser uma dimensão fundante de um
pensamento, nem se pensou a alteridade como uma categoria filosófica
sobre a qual se poderia construir um conjunto de uma cultura. Não se
imaginou que a Alteridade pudesse ter uma dimensão metafísica que
possibilitasse entender o ser humano, a sociedade e a história a partir do
outro. Temos que admitir que esta perspectiva metafísica da alteridade
passou despercebida para o conjunto do pensamento filosófico (RUIZ,
2008: 119).

A composição do discurso sobre a ética da alteridade encarna-se na significância do Outro, isto é,


o sentido macro para o entendimento da expressão está na encarnação do Eu no rosto do Outro,
de modo a evitar juízos que possam denigrir ou mesmo, dificultar o entendimento da diferença
existente no Outro, não enquanto um problema para a convivência, mas enquanto mais um
elemento que pode constituir a diversidade entre os homens. A alteridade é percebida com maior
acuidade, acrescendo o sentido da inacessibilidade do Outro, jamais resultando em fusão ou
possessão. Mas dualidade e proximidade são indissociáveis para quem, ao invés de procurar
22

compreender o outro ou dominá-lo, está fundamentalmente atento às exigências do enigma do


encontro do outro, à responsabilidade infinita por ele.

3. O problema do homem na contemporaneidade


A contemporaneidade foi marcada por avanço tecnológico em várias dimensões de saber e
dominação que resultou na produção massiva de bens e serviços e consequente fabrico de
material bélico em várias dimensões e que alimentam as guerras, características dos últimos
tempos, o que vai deflagrando aos poucos as crises de identidade, assim como o não
reconhecimento do Outro como um rosto com as mesmas condições do Eu. Nesta senda, Miranda
(2014: 468) apresenta a filosofia levinasiana como uma nova alternativa para a afirmação do Eu
em meio ao Outro numa situação deparada com a crise da formação do sujeito. Uma proposta de
resgate do sentido eminentemente ético, de acordo com uma fenomenologia da subjetividade do
“um para o outro.

A produção massiva de bens e consumos faz com que o homem contemporâneo esteja propenso a
sedução pelo ideal consumista, reproduzindo a atração pelo consumo e o desejo de controlar e
dominar outros homens e o mundo. A emergência do capitalismo, também, como uma forma de
totalitarismo na qual as regras são estabelecidas por quem tem o poder econômico propiciam a
angústia de possuir e a fatalidade de existir em harmonia, por isso que Lévinas afirma que;

No mundo, em que as coisas estão em seu lugar, em que os olhos, as mãos


e os pés sabem encontrá-las, em que a ciência prolonga a topografia da
percepção e da práxis, mesmo ao transfigurar seu espaço; nos lugares
onde se localizam as cidades que os humanos habitam, ordenando-se,
segundo diversos conjuntos entre os entes; em toda esta realidade
“correta”, o contrassenso dos vastos empreendimentos frustrados – em
que a política e a técnica resultam da negação dos projetos que os
norteiam – mostra a inconsistência do homem, joguete de suas obras
(LÉVINAS, 2012: 71).

A dimensão do humano que se apresenta, na contemporaneidade, espelha-lha pela ausência do


outro e pela exaltação do Eu, numa condição de elevação do ego, e não de altruísmo, onde aos
poucos o lugar do Outro começa a ser desconhecido, exaltando assim violência entre os homens.
Lévinas pronuncia-se afirmando que, “ser eu é, para além de toda a individualização que se
pode ter de um sistema de referências, possuir identidade como conteúdo. O Eu consiste em
23

identificar- se, em reencontrar a sua identidade através de tudo que lhe acontece. É a identidade
por excelência, a obra original da identificação” (2000: 24). Este itinerário, chama atenção na
necessidade da identidade do sujeito, em meio ao Outro, isto é, agir pensando sobre a existência
do outro que tenha a mesma dor enquanto indivíduos. A identificação a que Lévinas se refere é a
identidade do Ser que permanece o Mesmo diante de todas as mudanças que podem ocorrer.

Ademais, Lévinas, inquieto com as manifestações do homem contemporâneo e as suas


atribuições enquanto um ser que vive em sociedade, entretanto uma sociedade recheada de
conflitos em todas as dimensões, apresenta-se como um juiz das causas éticas que vai penetrar na
causa do Outro pela valorização do rosto,

O rosto onde se apresenta o Outro – absolutamente outro – não nega o


Mesmo, não o violenta como a opinião ou a autoridade ou o sobrenatural
taumatúrgico. Fica à medida de quem o acolhe, mantém-se terrestre. Essa
apresentação é não-violência por excelência, porque em vez de ferir a
minha liberdade, chama-a à responsabilidade e implanta-a. Não violência,
ela mantem, no entanto, a pluralidade do Mesmo e do Outro. É paz. A
relação com o Outro – absolutamente outro -, que não tem fronteira com o
Mesmo, não se expõe à alergia que aflige o Mesmo numa totalidade e na
qual a dialéctica hegeliana assenta. O Outro não é para a razão um
escândalo que a põe me movimento dialéctico, mas o primeiro ensino
racional, a condição de todo ensino (LÉVINAS, 2000: 128).

Lévinas chama atenção a responsabilidade dos Homens, pois o reconhecimento do outro molda a
convivência em sociedade sem turbulências. Segundo Chalier, (1993: 18) em Lévinas a
responsabilidade infinita faz com que aquele que é por ela habitado saiba que jamais está com o
outro e compreenda que este é o destino humano imperioso no face-a-face com o outro.
Entretanto, o face-a-face, por si só, não possibilitaria o pensar a edificação de uma sociedade
humana. Nesse sentido, a ética prescreve uma política e um direito. Com efeito, a passagem do
amor à justiça começa quando acontece a necessidade de comparar o outro ao terceiro e de
refletir sobre a igualdade das pessoas; isto obrigaria a traçar limites à responsabilidade infinita
pelo outro, pois em tal situação é preciso levar em conta todos os outros, resistir a um para salvar
o outro, escolher entre eles e considerá-los iguais. Com isso, o amor pelo outro deve ouvir o
apelo da sabedoria e da medida para não se tornar injusto.
24

CAPÍTULO II: O HOMEM E A INDIFERENÇA NA RELAÇÃO COM O OUTRO EM


TEMPOS DA ABUNDÂNCIA TECNOLÓGICA
Neste capítulo, traz-se em discussão a condição do homem diante da indiferença com o outro, nos
tempos hodiernos caracterizados pela abundância tecnológica. Neste âmbito, pensar na
convivência entre os homens significa, ao mesmo tempo, pensar em ética e as melhores formas
de interação entre os homens face a diversidade nas suas várias formas de saber e poder que a
sociedades contemporâneas apresenta. Cabe, ainda, neste ponto elucidar que a apatia da qual faz-
se menção pode ser vista como o sentimento de não pertença que, em certos casos, culmina com a
falta de reconhecimento do Outro como um ser igual ao Eu, que convivem no mesmo espaço
geográfico. Para desenvolver esta abordagem, far-se-á a leitura e interpretação das obras que
tratam sobre a temática sem deixar a leste alguns fenómenos que caracterizam o quotidiano do
homem contemporâneo.

1. Tecnologia e relações humanas: como agir?


Na obra O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica,
pulicada em 1979, Hans Jonas, denuncia os malefícios da tecnologia caso o homem não a
aproveite para os bons feitos. Reconhecendo a relação entre a teoria e a prática moderna, Jonas,
percebeu que a tecnologia e os seus avanços tornar-se-iam uma ameaça para as sociedades
contemporâneas nas suas várias dimensões. A abordagem de Jonas centrava-se sobre a
devastação do ecossistema e a consequente extinção da biodiversidade. Daí que, para o autor,

Nenhuma ética anterior vira-se obrigada a considerar a condição global da


vida humana e o futuro distante, inclusive a existência da espécie. O facto
de que hoje eles estejam em jogo exige uma nova conceção de direitos e
25

deveres para a qual nenhuma ética e metafísica antiga pode sequer


oferecer os princípios quanto mais uma doutrina acabada. (JONAS, 2006:
41).

A massificação do avanço tecnológico e consequente destruição da natureza através do uso


irracional de recursos que esta dispõe que, de certa forma, poderão servir à outras gerações,
Jonas, entende que é precisão que o homem seja responsável para que as futuras gerações
encontrem um mundo onde o sistema ecológico ainda garante a permanência sã delas. Ao mesmo
tempo, Jonas advertia que esta responsabilidade pertence a cada homem na natureza, dai que, na
sua visão,
A presença do homem no mundo era um dado primário e indiscutível de
onde partia toda a ideia do dever referente à conduta humana: agora, ela
própria tornou-se um objeto de dever – isto é, o dever de proteger a
premissa básica de todo o dever, ou seja, precisamente a presença de
meros candidatos a um universo moral no mundo físico do futuro; isso
significa entre outras coisas, conservar este mundo físico de modo que as
condições para uma tal presença permaneçam intactas; e isto significa
proteger a sua vulnerabilidade diante de uma ameaça dessas condições
(JONAS, 2006: 45).

No entendimento de Jonas não existem formas de parar os avanços tecnológicos, sendo assim, os
homens devem encontrar freios sobre a sua capacidade de consumir, e que pode se reflectir nas
convivências, entretanto, é preciso que se faça o uso racional das tecnologias tanto para que se
salvaguarde a condição de existência e permanência das futuras gerações assim como garantir um
ambiente em que os homens possa conviver sem sentimento de exclusão um sobre o outro pela
incapacidades de aquisição dos dispositivos.

Zigmunt Bauman ao denominar os tempos contemporâneos, sobre as metáforas de “líquidos”


ancorava-se na deterioração dos valores modernos, nos avanços tecnológicos que possibilitaram a
conversão dos espaços físicos em virtuais, nos encontros presenciais que reduziram pela
emergência das redes sociais e a conexão virtual enquanto um meio pelo qual os homens
ancoram-se para garantir as suas convivências.

Bauman (2015: 17) citando Timothy W. Luke, sustenta que, a sociedade da conexão deu à luz
uma forma nunca antes esperada de resolução dos problemas, pois estes já não são resolvidos
tendo em conta os fundamentos das relações tradicional ou presencial. Isto porque nas visões
26

tradicionais de acção muitas vezes recorrem a metáforas orgânicas para suas alusões: o conflito
era cara a cara, o combate corpo a corpo; a justiça era olho por olho, dente por dente; a discussão
encarniçada, a solidariedade ombro a ombro, a comunidade face a face, a amizade de brado dado
e a mudança passo a passo.

As redes sociais, ao envés de garantirem a socialização entre os homens, tornam-se espaços


desuníveis, onde as relações líquidas se construem e a insegurança dessas relações destroem o
curto laço criado a partir de conexões de redes socias. E por mais que, as redes possam transmitir
um sentido de segurança para a vida humana, entre os homens, pelo facto de nelas existir um grau
de coragem para expressar os sentimentos, para dialogar sem receio e timidez, mostra que, a
partir delas pode-se é possível, construção de relações sólidas e duradouras. Pelo que, a
tecnologia criou um modo de se relacionar, que não envolve sentimentos, não envolve simpatia,
por isso que Bauman, denomina de relações líquidas, onde com muita facilidade, pode haver
conexão assim como, pode também, haver desconexão. eis por isso que, para ele,

As mídias sociais são um produto da fragmentação social, e não apenas ou


necessariamente o contrário, na modernidade líquida, o poder deve ser livre para
flutuar, e barreiras, cercas, fronteiras e postos de controle são um transtorno a ser
superado ou contornado. Densas e estreitas redes de vínculos sociais,
especialmente com base no território, devem ser eliminadas. Para ele, é antes de
tudo o caráter instável desses vínculos que permite o funcionamento dos poderes
(BAUMAN, 2013: 62).

O que Bauman, olha nas tecnologias é o poder que ela tem de tornar os homens medíocres, assim
como, pessoas mais atentas e muito mais informadas, isto porque, as tecnologias permitem o
desenvolvimento de várias formas de interação e controle a partir da Internet, pelo que, com ela
“a vigilância pode ocorrer de todos sobre todos” (BAUMAN, 2015: 53). É sobre várias
situações, ao mesmo tempo, em que através dela, pode se instaurar mecanismos de solidariedade
e assim como de indolência, colocando em causa a convivência física entre os homens, pois, não
existe entre eles uma formula que permita a aplicação de sansão sobre a não convivência física.

O empreendimento tecnológico, que mata e escraviza, também pode ser o meio para liberar os
homens das necessidades, dependências e vulnerabilidades que ameaçam a sua existência. É
27

permitido inferir que a poluição, por exemplo, poderia ser um estágio intermediário, embora
existam fortes indícios, no caso do meio ambiente, que podemos estar errando gravemente.

O debate sobre as tecnologias no âmbito da relação entre os homens não foi um debate tratado
por Emmanuel Lévinas, mas entendemos que em meio à alteridade, é preciso questionar sobre as
relações midiáticas, orientadas pelas redes sociais e outros dispositivos de comunicação e o lugar
da alteridade nesse modelo de interação. A tecnologia está interposta em um contexto de poder
político e institucional que, a princípio, não está interessado na alteridade o estado de guerra
suspende a moral. A alternativa à violência inerente a técnica está no reconhecimento do Outro.

A presença significativa do Outro gera responsabilidade e demanda justiça produzindo um


ordenamento superior, onde as instituições políticas não vão explorar ou matar outrem. A política
e a tecnologia podem não resultar em ação ética, mas não necessariamente a excluem. Entretanto,
elas não podem ser entendidas como neutras, não podem ser abandonadas em si mesmas, mas
através de uma mediação desinteressada elas podem pertencer à ética transcendente.

A tecnologia retira a sua divindade (dos deuses pagãos) e, fornecendo ao


homem poderes sobre o mundo, ensina que estes deuses pertencem ao
mundo, que eles são coisas e que as coisas são... que devemos rir da sua
cara e não chorar ou implorar. Através da secularização que ela permite, a
tecnologia participa no processo do espírito humano, ou melhor ela
justifica ou define a idéia de progresso como indispensável ao espírito,
mesmo que este não seja o seu objetivo final (PEPERZAK, 1992: 474).

O processo de secularização que o mundo viu-se passar, pelas metamorfoses cientifico-sociais


pode ser vista como uma trilha para a ética na mediada em que esta não será vista apenas como
uma árvore nas amaras dos arbustos teológicos para encontrar a sua própria essência e autonomia
sobre o julgamento moral. Desta forma, nas convivências entre os homens em meio a tecnologia
a ética é o elemento fundamental que encarnado na realidade das convivências, permite a
encarnação das várias possibilidades de uma convivência sã entre os homens.

2. A ideia do infinito nas relações


28

As relações quotidianas humanas implicam um conhecimento profundo das sobre as partes das
quais pretende-se conhecer, daí que, pensar sobre o infinito no outro é mergulhar-se à um
conhecimento sobre o mesmo que vai além da interioridade do Outro, procurando encontrar o
infinito dele, oque há além do mesmo. O infinito não encarna-se sobre o interior, mas na busca do
exterior e no reconhecimento das diferenciações, com vista a desconstruir o ideal totalizante
numa penetração insegura do outro no meio da sua consciência.

Emanuel Lévinas na obra Totalidade e Infinito, inicia o seu pensamento partindo do postulado de
que “avançará distinguindo entre a ideia de totalidade e a ideia de infinito, dando um primado
filosófico à ideia do infinito” (LÉVINAS, 2000: 14). Entretanto, procure-se compreender em que
medida essa ideia, de fato, abre uma via de relacionamento com o Ser. mas, ainda assim, isto
mostra que sobre as relações, entre os homens, o filósofo dá primazia o reconhecimento do
exterior e a sua consequente identificação, na busca de um ideal sobre os mesmos.

Na visão de Lévinas (2000: 19) a epifania do Rosto é o “evento” que retira do sujeito a
comodidade e comunidade - comum-unidade - do Eu com o mundo e o envia, pelo Desejo
metafísico, ao Outro, que é o catapultador desse desejo. Ademais, o termo desse movimento, o
outro lado ou o outro, é denominado outro num sentido eminente. Nenhuma viagem, nenhuma
mudança de clima e de ambiente podem satisfazer o desejo que para lá tende. O Outro
metafisicamente desejado não é Outro como o pão que como, como o país que habito, como a
paisagem que contemplo, com, por vezes, eu para mim próprio, este Eu, esse Outro.

A questão da transcendência que é revelada a partir das ideias de desejo e de inadequação no


entendimento de Lévinas caracteriza-se de formalmente por ser o ser do outro, numa condição em
que não se pode agregar ao eu. A alteridade não se funde em sistema, por outro lado, ela exige
um eu “cuja essência é permanecer no ponto de partida, servir de entrada na relação, ser o
Mesmo não relativa, mas absolutamente. Um termo só pode permanecer absolutamente outro no
ponto de partida da relação como eu” (LÉVINAS, 2000: 24). A noção da transcendência altera a
totalidade, caso estas estejam separadas, isto é, uma sem a outra perde o seu sentindo, dai que,
tanto a transcendência e o infinito mostram-se necessária para a compressão do ser se não o rosto
do outro.
29

A ideia de infinito, permite entender as relações entre o Eu e o Outro, pois é só a partir dela que
se pode entender estas duas facetas das relações entre os homens nos tempos em que se vivem.
Diferente de Descartes que o seu entendimento do infinito pensava sobre a divindade, Lévinas,
reconhece que há que pensar sobre o mesmo nas relações humanas. Mas ainda assim, não
descarta a possibilidade de que o pensamento cartesiano ofereça algum subsídio sobre a ideia de
infinito.

A relação do mesmo com o outro, sem que a transcendência da relação


corte os laços que uma relação implica, mas sem que esses laços unam
num todo o mesmo e o outro, está de fato fixada na situação descrita por
Descartes em que o “eu penso” mantém com o infinito, que ele não pode
de modo nenhum conter e de que está separada uma relação chamada
ideia de infinito (LÉVINAS, 2000: 36).

Ademais, no pensamento de Lévinas, quando leva-se as coisas com a intenção de conhecê-las,


esta tarefa torna-se possível na medida em que se possa justificar suas realidades objetiva e
formal. Por isso que, a ideia de infinito, não se pode levar no âmbito da sua relação, “ mas a ideia
de infinito tem de excepcional o fato de seu ideatum ultrapassar a sua ideia” (LÉVINAS, 2000:
36). Assim, vê-se que o conteúdo do infinito é sua própria infinidade, que se compreende quando
o pensa-se na condição de estar sempre aberto, de uma abertura impossível de ser limitada.

Em Lévinas a noção de infinito é própria do ser transcendente enquanto transcendente, o infinito


é o absolutamente outro, ainda assim, pensar o infinito, o transcendente, o estrangeiro, da noção
bíblica usada como figurino na filosofia de Lévinas, não é então pensar um objeto, significa
pensar o outro que está fora do Eu. “[…] importa sublinhar que a transcendência do infinito em
relação ao Eu que dele está separado e que o pensa, mede, se assim se pode dizer, a própria
infinitude. A distância que separa ideatum de ideia constitui aqui o conteúdo do próprio
ideatum” (LÉVINAS, 2000: 36). Assim, a noção de que a ideia do outro constroe-se a partir do
entendimento do Eu que se instaura na consciência do homem enquanto sujeito da sua própria
legitimidade ganha azo, pois a construção do Outro não é possível sem antes a existência e
reconhecimento do Eu que há em mim, para que depois possa-se reconhecer o Outro que há no
outro sujeito.
30

O infinito na visão de Lévinas remete-nos na ideia de exterioridade que reflecte-se no Rosto do


chamado Outro e que ele opõe ao poder totalizador do ser que não deixa nada de fora. Não se
deixando abarcar pela totalidade, ele é capaz de quebrar seu poder totalizador já que ele é excesso
sobre toda totalidade, incapaz de ser contido na ideia de infinito que tenta apreendê-lo. Desta
forma, o infinito não se dá como substância e nem como ser, mas por um infinito indissociável ao
desejo de mostrar o reconhecimento do Outro pelo infinito.

Lévinas argumenta que, o infinito no finito, o mais no menos que se realiza pela ideia do infinito,
produz-se como Desejo. Não como um desejo que a posse do desejável apazigua, mas como
Desejo do Infinito que o desejável suscita, em lugar de satisfazer. Desejo perfeitamente
desinteressado da bondade. Ainda assim, o autor sustenta que, “o infinito é característica própria
de um ser transcendente, o infinito é absolutamente outro. O transcendente é o único ideatum do
qual apenas pode haver uma ideia em nós; está infinitamente afastado da sua ideia, quer dizer,
exterior porque é infinito” (LÉVINAS, 2000: 39). Por isso que convier de forma sã e tranquila
com o outro é entender a infinitude do seu ser, em busca do aperfeiçoamento das relações
humanas.

Na reflexão de Lévinas, entendimento de Ricardo Timm de Souza (2001), a substituição ética não
se reporta à extrapolação dos limites do pensamento, mas é antes decorrência da forma e
pensamento que tem como constitutivo primeiro, não a identidade postulada ou conquistada,
porém a identidade original do desencontro do pensamento e, por decorrência consigo mesmo, a
pluralidade. O que encarna-se na busca do auto conhecimento para o conhecimento do Outro em
relação a sua semelhança. Souza, categoricamente, entende que o homem é indispensável e
insubstituível nas suas relações, por isso apresenta a seguinte a firmação,

... Insubstituível que sou, tenho de, enquanto mera consciência, substituir
minha estrutura endógena de auto-compreensão pela radical insegurança
que se deriva do fato de que, além de mim, algo mais é consistente em si
mesmo: o outro – muito embora esta consistência nunca se ofereça à
minha demiurgia racional, por mais poderosa que esta se apresente
(SOUZA, 2001: 413).

O desejo pelo infinito que se sente metafisicamente, ou seja, por algo que está além das nossas
compreensões naturais, só pode ser sentido por um ente que se encontra satisfeito com suas
31

necessidades mundanas. Ademais, não se trata de algo que pode, de algum modo, satisfazer uma
necessidade, mas se refere ao desejo do que se tem em falta que se manifesta em um ser que não
tem fome, que não sente frio, mas que sente-se instigado por algo que não pode ser abarcado e
não consumível e que não permite o momento, mesmo que insignificante, mas que mostra-se
saciável pelas ansias sociais.

No entendimento de Lévinas (2002) só há liberdade na medida em que faço o que ninguém pode
fazer no meu lugar. E esta, está na obediência ao Altíssimo que torna o homem livre. Na
substituição Deus se revela como mandamento vocacionando o homem à redenção da
humanidade e, dessa forma, o homem se constitui humano. É na responsabilidade diante de Deus
e do outro que o homem é homem. Eis por isso que o autor afirma que,

... a significação ética significa não para uma consciência que tematiza,
mas a uma subjetividade, toda ela obediência, obediente de uma
obediência que precede o entendimento. Passividade mais passiva que a
da receptividade do conhecer, receptividade que assume o que a afeta;
consequentemente, significação em que o momento ético não se funda
sobre estrutura preliminar alguma de pensamento teórico, de linguagem
ou de língua (LÉVINAS, 2002: 113).

O autor adverte que é a partir da responsabilidade que formula a noção estranha da filosofia, de
substituição, como sentido último da responsabilidade. Na visão dele, embora na filosofia
fenomenológica o último acontecimento deva ser o aparecer, aqui, sob a modalidade ética, é
pensada uma “categoria” diferente do saber. Seu esforço consiste em pensar o Outro-no-Mesmo
sem pensar o outro como um outro mesmo. Portanto, a noção de infinito nas relações, em
Lévinas, ancora-se na compreensão do exterior do Mesmo mediante ao entendimento
transcendental do Outro, que se mostra diante da compreensão do Eu, em revelação, porém, não
existe nada que possa explicar o infinito nas relações se não a própria infinição plena.

3. A problemática da alteridade em tempos tecnocratas


Anteriormente, quando tratávamos da tecnologia e o homem em meio às relações, mostramos que
os tempos contemporâneos, que vão ancorando-se na fluidez informacional, e consequente
declinação das relações requerem mais atenção, porque estas são feitas mediante dispositivos
eletrónicos que permitem conexão e desconexão sem pensar sobre o Outro, envolvimento sem
sentimento onde tudo pode terminar num simples click dos dispositivos.
32

O fundamento da ética de Lévinas é a noção da alteridade, isto é o reconhecimento do Outro, o


sentimento de pertença sobre o outro. Desta forma não se pode tratar da terminologia, alteridade,
numa situação em que, o homem vive sozinho, pois ainda não é um ser social. Assim, o ente
solitário ainda não é social, pois não existe comunicação, na medida em que não há referências a
outro ente, como alteridade. A identificação do ente e sua separação se referem ao Ser, à
existência e à totalidade que é identificada com a natureza.

A própria expressão “enganar a sua solidão” indica o caracter ilusório e


puramente aparente de tal saída de si. No que respeita ao conhecimento:
ele é por essência, uma relação com aquilo que se iguala e engloba, com
aquilo cuja alteridade se suspende, com aquilo que se torna imanente,
porque esta a minha medida e a minha escala. Penso em Descartes, que
dizia que o cogito pode proporcionar-nos o sol e o céu; a única coisa que
ele não nos pode proporcionar e a ideia de Infinito (LÉVINAS, 2007: 52).

Lévinas, encontra na ética a dimensão que preserva a alteridade de Outrem uma vez que,
“tematização e a conceitualização, aliás inseparáveis, não são paz com o outro, mas supressão
ou posse do outro” (LÉVINAS, 2000: 33). O poder sobre o outro só afirma o outro, negando sua
independência. Por isso que, seu esforço de captar no discurso uma relação respeitadora da
alteridade, uma relação do desejo metafísico que impede o assassínio do Outro e o mantém numa
relação de justiça. Eu e Outrem precisam ser mantidos dissociáveis.

A noção ética em Lévinas humaniza as relações e desta forma, os tempos de abundância


tecnológica não se restruturarão as relações entre os homens na base de um olhar humanista
apenas, é preciso encarnar-se nos padrões actuais de convivência, onde a noção de homem,
completa-se com a tecnologia que facilita as suas manifestações nos tempos actuais, lembrado
que, a relação ética é a única capaz de se dirigir ao Outro em sua exterioridade absoluta. Há uma
relação com o ente que precede toda ontologia. A ontologia supõe a metafísica, numa situação em
que o ser, também se conhece como um transcendental.

Na sua trajetória vital, Lévinas conheceu a ilusão criada por um período de importantes avanços
tecnológicos, que repercutiram de varias formas nas vidas humanas, por um lado, foram
responsáveis na facilidade das atrocidades barbaras que o autor passara no período da segunda
33

guerra mundial, desde a sua prisão, como fizemos menção no capítulo anterior, e os massacres
que este sofreu e por outro lado, foram responsáveis por melhorias nas condições de vida na
humanidade e pela criação de inúmeras facilidades para o cotidiano do homem contemporâneo,
ao mesmo tempo que tirou muitos princípios básicos para a valorização da dignidade humana que
outrora encontravam-se em circulação.

A relação de alteridade, na visão de Melo (2003: 204) é já um estatuto ético, a ética da alteridade
se estrutura numa relação entre Eu, o Outro e o terceiro excluso (subjetividade). Assim, na re-
lação interpessoal, o Outro não está sobre meu poder, Eu não posso comandar o Outro porque
não é minha propriedade e nem um objeto. Ele é quem comanda, ele não é propriedade minha,
mas o próximo, meu mestre, que me apela à máxima diferença de não matar; o próximo para o
qual tiro da boca o único pedaço de pão para saciar a sua fome.

As atrocidades, dos últimos tempos tecnológicos ofuscam a confiança no modelo de


racionalidade construído pelo gênero humano que tem forte auxílio da ciência e técnica. Segundo
Lévinas, o ser humano foi criado num ambiente do qual mostra-se o seu ser à luz do
entendimento de que “eu penso”, “eu sou”, “eu vivo”, “eu faço”. Um sistema de auto-suficiência
em si, onde a noção de “alteridade e a exterioridade do si é retomada na imanência”
(LÉVINAS, 2002: 186). Em resposta da afirmação do Eu que se manifesta na existência perante
do Outro. Onde a questão do Outro, mesmo que absolutamente não ausente, não foi uma
preocupação central do processo de civilização do Ocidente e se ancorou no mundo como um
todo em si mesmo.

Na visão de Lévinas (2007: 58) a alteridade exprime uma sabedoria pertinente para a consecução
de uma comunicação ética, onde o sujeito é chamado sai de si mesmo para ir ao encontro do
OUTRO. Assim, a ética da alteridade se torna caminho e abre estradas para o âmbito da
comunicação. O homem, independentemente daquilo que exerce, precisa ser justo: justo com
aquilo que faz, justo com o outro e justo consigo mesmo: é o princípio básico de toda ética. Desta
forma o Outro do que se diz, na alteridade não pauta-se pela filiação, nem por desejo de um
masculino para o feminino, mas de um diferença de subjeção, onde o sujeito não encontra nada
que os ligue em meio as circunstancias sociais.
34

O outro enquanto não é aqui, um objecto que se torna nosso ou que se


transforma em nós, pelo contrário, retira-se para o seu mistério. O que me
importa nesta noção do feminino não é apenas o incognoscível, mas um
modo de ser que consiste em se esconder a luz. O feminino é, na
existência, um acontecimento diferente do da transcendência espacial ou
da expressão, que se dirigem para a luz; e uma fuga diante da luz
(LÉVINAS, 2007: 59).

O olhar que revela a infinitude, do reconhecimento do outro estabelece uma relação. O Eu tem
que cuidar do Outro, não importa a situação de reconhecimento ou de convivência da alteridade
porque ele é o Bem. Assim compreendemos que o movimento da saída de si em direção ao outro
faz com que a subjetividade se torne unicidade, torna-se única e insubstituível. “Somente outra
pessoa pode arrancar o sujeito de si suscitando-o a sair de si por meio da sensibilidade e do
desejo” (Oliveira, 2007: 24). Este postulado apresentado pelo autor, que também ancora-se na
alteridade de Lévinas, torna o homem não dono de si apenas, mas que compreende-se a partir da
existência do outro. Ademais, pode mostrar uma fragilidade do próprio homem, se este
ideologizar a sua existência mediante a existência do Outro, por isso, que é preciso que o homem
seja ele primeiro para entender o Outro em meio ao seu entendimento.

O princípio na visão de Lévinas, se traduz na seguinte máxima: “a justiça consiste em


reconhecer em outrem o meu mestre” (LÉVINAS. 2000: 61). É importante entender que para
Lévinas o outro representa a medida da minha justiça pois, o outro convida, incessantemente, a
abertura do eu para o outro: convida a redescobrir o reconhecimento do outro que interpela e
chama a ação. Esse reconhecimento pelo qual passa a verdadeira comunicação torna o ambiente
tecnológico cada vez mais apropriada para as relações em meio a tecnologia.

Portanto, o reconhecimento e a interação com o outro, em meio às tecnologias, faz do mundo


contemporâneo mais flexível, entretanto, as relações precisam ter os elementos éticos que os
caracterize, desta forma, não existe a existência de várias formas de comunicação e de interação
eletrónicas assim como presenciais devem estar em total coordenação de modo a evitar que em
meio à busca de humanização a sociedade caia no dilema da insustentabilidade relacionais. Numa
situação em que o Eu reconhece apenas o Outro mediante uma distância, e as presenças tornam-
se catapultadoras de mal-estar entre os seres.
35

CAPÍTULO III: MECANISMO PARA AFIRMAÇÃO DO HUMANISMO EM TEMPOS DE


CRISE DA ÉTICA
Nos últimos tempos, ou melhor, nas sociedades designadas de hipermodernas, como explica
Lipovetsky (2004: 26), onde os valores de convivência entre os homens pelos homens vão se
deteriorando, por causa das condições matérias que vão ganhando mais espaço, onde os valores
que caracterizavam os homens estão em constante aceleração conhecendo o ponto mais alto das
suas aplicações, onde o Eu conheceu a sua fartura em detrimento do Nós, torna-se necessário
resgatar os valores éticos que colocam o homem em busca constante do seu espirito humano, para
que na presença do outro possa reconhecer o infinito nele existente. Eis por isso que, neste
capítulo propõe-se a analisar as condições de possibilidades para a firmação do humanismo em
tempos de crise da ética nas sociedades hodiernas diante dos problemas sociais. Numa situação
em que a ética está cada vez em incredulidade, havendo, então, a necessidade de resgata-la a luz
das aforias de Lévinas enquanto panaceia para os fenómenos característicos dos últimos tempos
sociais.

1. Humanismo e alteridade: pensando no Outro


O debate sobre o humanismo, talvez, não seja tão, recente como propõe-se a abordar neste
trabalho. Lévinas (2012) parte da substituição da ontologia pela ética como filosofia primeira,
fato que provoca uma reflexão acerca da primazia do Ser e estimula a construção de uma nova
concepção da ideia do Humanismo. Lévinas apresenta uma noção de humanismo a partir da
manifestação do Outro que obriga a uma responsabilidade absoluta pelo Outro. Na visão de
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Lévinas, (2012: 89), existe um outro termo, em que o homem se encontra, desta forma é aí que a
alteridade obriga infinitamente que o Um é pra o outro de um ser que se desprende, sem se fazer
o contemporâneo do “Outro”, sem poder colocar-se a seu lado numa síntese, expondo-se como
um tema; um-para-o-outro como um guardão-de-seu-irmão como responsável-pelo-outro.

Lévinas, ainda, inicia o seu pensamento a partir do que ele chama de inatualidade. Se o termo
pode ser entendido como aquilo que já determinou, no pensamento levinasiano, ele é entendido
como um Outro do atual. Partindo desta acepção o filósofo desenvolve a crítica na qual a tradição
filosófica chamou, ao longo dos anos, ser-em-ato, procurando estabelecer um Eu além da
intencionalidade, uma vez que dando um outro olhar aos conceitos ontológicos é possível
conceber uma subjetividade fundada na consciência de si.
Desta forma o inatual pode dissimilar algo que determinou, nada é preservado da preempção,
nem mesmo o peremptório. Mas o inatual, em que se situam (ou para onde tendem os estudos da
presente coletânea), não se confunde com uma desatenção qualquer a respeito das opiniões
dominantes de nosso tempo, defendidas com tanto brilho e maestria. Assim, Lévinas (2012: 17),
o inatual significa, aqui, o outro atual, e não sua ignorância e negação; o outro daquilo que se
convencionou chamar na alta tradição do Ocidente, ser-em-ato; não só o outro ser-em-ato, mas
também de sua corte de virtualidades que são potências; o outro do ser, do esse do ser, da gesta
do ser, o outro do plenamente ser plenamente a ponto de transbordar que o termo em ato enuncia;
o outro do ser em si o intempestivo que interrompe a síntese dos presentes a constituir o tempo
memorável.

A dominação do homem sobre os outros homens, sobre a natureza e tudo o que se supõe poder
conquistar, controlar. A origem disso está no totalitarismo de caráter ontológico, por isso Lévinas
critica a Filosofia Clássica e propõe uma mudança na maneira de conceber o sujeito, de modo que
haja uma ruptura com o que ele chama de “egologia” e com o solipsismo do Eu. A concepção de
Humanismo considerada até então, na ideia do autor, incapaz de fornecer subsídios para
solucionar os problemas éticos contemporâneos porque, segundo ele, não dá conta do sentido de
humano.
37

Lévinas, até certo ponto, mostrou algum exagero sobre o humanismo, pois essa postura, de certa
forma, otimista, não tem como finalidade de colocar o fim do humanismo na morte do homem,
mas sim, no fim de sua atualidade, como se o intempestivo viesse desarranjar as concordâncias da
re-presentação. “Essa constatação parte da experiência de sua realidade mesma como homem,
desdobrada em receptividade e significação. Tal necessidade, entretanto, procede de sua própria
necessidade, da necessidade do ser seguir seu destino [...]” (HADDOCK-LOBO, 2006: 89). O
objetivo ao substituir a concepção de ontologia como filosofia primeira por ética como, é o de
contestar o pensamento ocidental, sustentado na afirmação do Ser enquanto ser, e seu caráter
aniquilador das diferenças. Se por um lado a ontologia apresenta-se como uma incessante
redução o Outro ao Mesmo, a proposta levinasiana é motivar uma nova concepção de
humanismo, um movimento que o sujeito faz até o Outro, sem se impor ou retornar a si mesmo.

A ideia de humanismo não se pretende exterminar as relações entre os homens, muito pelo
contrário, pretende-se “[…] ultrapassar as concepções anti-humanistas de Heidegger e Nietzsche
ao buscar reformular seu humanismo sob o crivo da alteridade” (HADDOCK-LOBO, 2006: 90).
Assim, Lévinas, recorre à fenomenologia de Husserl, apesar de discordar com o seu mestre no
que se refere à experiência fenomenológica como fonte de sentido. O Outro não se apresenta a
partir de uma consciência transcendental, e nesse viés não é possível conhecê-lo, uma vez que
não é uma experiência de equivalência ou adequação.

Para Lévinas (2012: 16), a verdadeira relação ética é de acolhimento do Outro, manifestada no
Rosto, sem que se exija a separação entre forma e conteúdo, negando uma relação de dominação,
poder ou posse. É uma relação que protege a Alteridade do Eu. Ao mesmo tempo que permite o
reconhecimento da ética. Neste contato anterior ao saber nesta obsessão pelo outro homem pode-
se, certamente, distinguir as motivações de muitas de nossas tarefas cotidianas, mas, a
humanidade não entra na história desta cultura, que aparece propondo-se à assunção e que torna
possível a própria liberdade deste assumir.

O outro homem comanda, a partir do seu rosto – que não está encerrado na forma do aparecer
nem despojado de sua forma, desnudado de sua própria presença que o mascararia ainda como
seu próprio retrato, pele enrugada, vestígio de si mesma, presença que, em todos os seus
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instantes, é uma retirada no vão da morte como uma eventualidade de não-retorno. Assim, a
alteridade do próximo é este vão do não-lugar onde, rosto, já se ausenta sem promessa de retorno.

A luz daquela acepção, surge, então, uma subjetividade entre os homens, que não pressupõe
anterioridade, que rejeita todo movimento egoísta do Mesmo em relação ao Outro, promovendo
uma ruptura das estruturas totalizantes e uma abertura à exterioridade, acolhimento, um
movimento de Ser-para-o-Outro, a eleição da responsabilidade absoluta por isso que,

Somente ao pensarmos o humanismo “outramente” – termo mais-


que-presente nas obras levinasiana -, somente ao concebermos a
alteridade como originária em relação ao eu, estaremos alcançando,
enfim, essas mudanças de eixo almejada, que se satisfaz em,
simplesmente, propor um pensamento pré-ético, não determinante e
que visaria tão-somente à retratação da relação mesma, da relação
com meu outro, com meu constante outro – que nada mais é do que
todo aquele que me parece. (HADDOCK-LOBO, 2012: 44).

Desse modo, além de problematizar o fundamento da racionalidade na Modernidade, a maneira


como o Ser é historicamente afirmado, neutralizando as singularidades e diferenças e legitimando
a dominação do Outro pelo Mesmo, o que Lévinas pretende é propor uma profunda mudança na
maneira de conceber as relações sociais, com o objetivo apontar uma maneira alternativa de
concepção e concretização do que se pode reconhecer por humano. Isso possibilita pensar uma
nova noção de ética, alicerçada na responsabilidade incontestável e absoluta pelo Outro. Portanto,
é possível entender que a socialidade proposta pelo filósofo não está condicionada a um contrato
social. O Rosto é um apelo ético que assegura um vínculo humano, premissa para concretude da
humanidade do homem.

A verdadeira humanidade, a essência do homem, não está na racionalidade, mas na exterioridade.


Lévinas aponta para uma crise da existência e aponta uma outra possibilidade de pensar o
humano, a partir de uma nova significação para a condição humana, atribuindo um significado
originário ao humanismo, partindo da subjetividade que acontece pela Alteridade. Recorrendo à
tradição filosófica e à organização do pensamento ocidental, Lévinas indica ser insuficiente partir
do conceito de racionalidade e seus desdobramentos para clarificar o conceito de homem.
39

A ideia de que o homem ocupa um lugar de inigualável no Universo e sua pretensa capacidade de
compreender e deliberar sobre a integralidade da vida, revelam as origens do totalitarismo, da
injustiça, da violência, que são responsáveis por excluir as diferenças e a pluralidade da
existência. Logo, o filósofo apresenta um projeto de desconstrução da noção de sujeito na
Modernidade e a forma de conceber as relações, apontando para uma nova significação,
estabelecida a partir da pluralidade. Assim, Lévinas sinaliza a exigência de um novo e original
sentido à subjetividade, que ultrapasse o sentido do conhecimento e contemple o sentido ético.
Tal sentido é estabelecido a partir do acolhimento de Outrem em suas particularidades, a partir do
encontro com o Rosto do Outro que me convoca a responsabilidade por ele, que se apresenta
enquanto infinitude, e nisso concretiza-se o sentido de humano.

Enquanto a história do ocidente e a ontologia, por meio da supremacia da razão, seguem


reduzindo Outrem ao Mesmo, eliminando as diferenças, negando a identidade do Eu e Alteridade
do Outro, essa nova concepção de humanidade, impulsionada pelo o agir ético que é
transcendência, é motivado por um Desejo do Infinito que conduz à exterioridade. Lévinas
entende que o encontro com o Rosto do Outro, a manifestação de suas fragilidades, o apelo à
responsabilidade absoluta são expressão da “sabedoria do amor” em oposição ao “amor pela
sabedoria”, e convidam a “Ser para o Outro”. A descoberta do Outro, o apelo do Rosto,
estabelecem uma nova interpretação do humanismo, estabelecida pelo acolhimento ético, pela
proximidade do Eu no Outro.

2. Liberdade e a precariedade do Humanismo


A sociedade contemporânea por meio do desenvolvimento racional e consequente elevação das
tecnologias, apresenta-se orientada pela velocidade do pensamento humano, pela sua rápida
assimilação do fenómeno, e consequente deterioração dos valores, pois os meios que este dispõe
não o impedem de ser e fazer o que quiser, onde quiser, e como quiser. Entretanto, é aí que a
liberdade começa a constituir-se um elemento nocivo para o homem. Desta forma, o
questionamento de Lévinas (2012, p. 87), quanto às ações humanas implicam em fazer renascer o
homem que seja respeitador da alteridade, cujas reflexões indicam que o Eu não conhece nada
aquém da sua liberdade ou fora da necessidade que atinge esta liberdade, mas se apresenta a ela,
40

ou seja, a partir da sua liberdade o Eu só reconhece a si-Mesmo, a exterioridade é ignorada e


negligenciada no mundo do seu deleite.

A liberdade individual faz um sujeito cada vez mais diferente e ao seu extremo o torna
indiferente diante do Outro da mesma sociedade, quando este herda valores externos dos que eles
possuem. A ânsia de possuir, e a angústia do despossuir, eleva cada um deles em virtude do que
ele possa apresentar para a sua satisfação. Segundo Lipovetsky (2007: 9) é muito comum, em
dias actuais, as pessoas "sonharem ardentemente com o impossível” por falta de existências de
regras sociais estritas que inibam projectos desviantes e insensatos, a ânsia desencadeia-se
livremente. De fato, cada indivíduo deseja ultrapassar o estado em que se encontra, tomar
contacto com delícias e sensações continuamente renovadas como consequência do não encontro
da sua felicidade.

A liberdade descontrolada permite que as pessoas se desviem dos valores que, de certo modo,
norteiam as sociedades e como consequência, destrona o humanismo pois esta mesma liberdade
tende a se converter em hiper-liberdade, isto é, estágio acelerado e desorganizado das
convivências. Não se trata de liberdade que permite o uso autónomo das competências dos
indivíduos para um bem comum, mais de liberdade exacerbada que leva os homens ao
desrespeito das normas de convivência social para a satisfação das suas necessidades
egocêntricas. Esta liberdade já vem ligada ao hiperconsumo e ao hiperindivíduo, alias, ela é, além
dos efeitos da globalização, mais um meio impulsionador para o hiperconsumo e o
hiperindividualismo quando encara-se a morte efectiva das regras de ordem social.

Não é a leveza do ser que é insustentável, é, de maneira crescente, a


insegurança do mundo liberal, o excesso dos possíveis, o peso do livre
governo de si mesmo. Quanto mais há preocupação e responsabilidade
consigo, mais se afirma a necessidade de leveza vazia, de relaxamento
próximo do "esforço zero", de despreocupação fútil. Não alienação do
sujeito, mas uso da liberdade para não mais pensar, saltar fora de si e
"repelir o fardo de sua história". O hiperconsumo não funciona
sistematicamente como um mal menor, é o que oferece ao indivíduo o
gozo da irresponsabilidade e da superficialidade do jogo.
LIPOVETSKY, 2007: 74).

Os homens estão, constantemente, na busca de liberdade, esta ânsia leva-lhe ao desrespeito dos
valores de humanização, esta busca, constante, pela liberdade é o que se mais quer quando o
41

indivíduo é livre, mas esta liberdade não é basta para ele, eis por isso que necessita de cada vez
mais da abdicação do controle sobre o que o orienta, de modo, à exageradamente, realizar oque
lhe agrada, inconsciente das possíveis consequências advindas da ânsia da liberdade exacerbada,
procurando o banal para si dentro da liberdade pretendida. “A sociedade hipermoderna cria
novas imposições e cobra novas posturas. A liberdade pode ter um preço muito alto: a
frustração” (LIPOVETSKY, 2007: XIX). Por isso, a regulação do desejo excessivo da liberdade
deve ser feita em concordância com o que se tem, para adquirir o que se pretende, e com o que se
deve ter para não se atingir ao estágio último da frustração: a insanidade. Portanto, a liberdade
deve se reflectir na busca de recursos e da multiplicação de condições para a intensificação dos
valores de congregação entre os homens e não a desenfreada busca pelas ferramentas
desagregadora da comunhão.

Diferentemente do pensamento filosófico moderno, no qual enfatizava-se o sujeito e a liberdade


como forma de alcance do progresso, tentando compreender a liberdade como supremacia do
sujeito sobre o Outro, importa referir que, Lévinas, realiza uma verdadeira reviravolta na
filosofia, que consiste em compreender que o ser é existir, desta forma, permite-se ainda
acrescentar que, ser é existir na relação com o outro, na proximidade com o outro. “O mundo é
oferecido na linguagem de Outrem” (LÉVINAS, 2000: 78). O mais importante não é a
consciência de minha liberdade, mas a tomada de consciência de minha responsabilidade para
com o Outro. O começo de minha consciência moral está no acolhimento de Outrem que, ao
invés de se justificar, põe a minha liberdade em questão. Eis por isso que, mesmo as sociedades
contemporâneas, não se podem construir sob a liberdade dos que podem ser livres apenas, mas
pela necessidade de poder conviver com o outro na construção de uma sociedade cada vez mais
gregária.

Ao colocar em questão a liberdade está toda a crítica de Lévinas à história da filosofia ocidental
moderna. “O primado do Mesmo foi a lição de Sócrates: nada receber de Outrem a não ser o
que já existe em mim, como se, desde toda a eternidade, eu já possuísse o que me vem de fora.
Nada receber ou ser livre” (LÉVINAS, 2000: 31). Nesta compreensão, o conhecimento,
entendido enquanto conhecimento de objeto, é capturado, tematizado e trazido à luz dos
conceitos. Embora ainda com muitas nuances, deve ser neste nível da sociabilidade que se pode
42

abordar outro, respeitando-o enquanto outro, ou dominando-o, fazendo dele minhas posses; até
mesmo objeto; é na relação com outro que se verifica a possibilidade de concreção da justiça ou
injustiça, da não verdade e da verdade, isto implica que, a liberdade, no pensamento de Lévinas,
deve permitir olhar para o Outro tal quanto poderiam olhar a nós mesmos.

3. A ética: uma ideia para reafirmação humana


O desenvolvimento da ética na visão de Lévinas não pretende criar uma nova concepção de ética,
mas reorientar nossas relações, pautando-as pelo olhar do Outro, fundadas na proximidade ao
Outro, que obriga a responsabilidade por ele. Trata-se de um fenômeno que recusa toda
objetivação. A proximidade provoca um sentimento de responsabilidade infinita, que não exige
reciprocidade, que não depende do espaço-tempo, que não pertence à ordem do pensamento e da
razão e cuja origem não é a consciência intencional. Isto posto, é possível coexistir e coabitar, ou
seja, é possível a existência de uma sociedade plural, em que as particularidades e diferenças não
sejam apagadas em prol de uma universalização.

O sentido de humanidade, proposto por Lévinas (2012: 45) orientado pela sua acepção de ética é
capaz de garantir que as relações subjetivas, por meio da proximidade, afirmem a identidade do
Mesmo e a Alteridade de Outrem, superando assim, por meio da ética, toda forma de
generalização, neutralização e totalidade. Entretanto, Lévinas propõe é uma crítica aos saberes
que se denominam humanistas. Na sua visão, a crise do humanismo se manifesta na ineficácia da
ambição humana e na precariedade da concepção de homem. Seu humanismo consiste na prática
do amor e da justiça.

A ética enquanto testemunho da revelação, espera a resposta do homem, pois ela não se auto-
manifesta para o exercício das boas acções. Este homem, de nenhuma forma pode ser passivo,
pois, espera-se dele o amor ao próximo, isto é um amor conjugado pela existência de sujeitos
gregários. Ademais, nesse amor vai construindo-se um caminho para a eternidade. Desta forma,
já pode-se observar que a ética proposta pela filosofia de Lévinas não está condicionada pela
normatividade, mas encontra-se em movimento constante já que o homem é o ponto de partida.
43

A proposta de Lévinas (2004: 147) é encarna-se de muita ousadia porque, busca a partir de um
estilo existencialista mostrar os fundamentos da ética sem dissociá-los de uma exigência de
natureza religiosa. Acredito que a proposta do nosso filósofo continua atual e provocativa, não
por tentar conciliar filosofia e religião, mas por convocar o homem a uma postura ética num
mundo onde a ideia do sagrado perdeu seu valor ao ser vulgarizado por um mundo indiferente à
experiência religiosa.

A diferença entre a ética tomada como um sistema normativo, da ética proposta por Lévinas, que
parte do valor mais profundo presente no ser humano, que é o amor. Como mostram as palavras
do Filósofo,
a justiça brota do amor. Isto não quer absolutamente dizer que o rigor da
justiça não se possa voltar contra o amor, entendido a partir da
responsabilidade. A política, abandonada a si mesma, tem um
determinismo próprio. O amor deve sempre vigiar a justiça. Na teologia
judaica não sou orientado explicitamente por essa teologia Deus é Deus da
justiça, mas seu atributo principal é a misericórdia. Na linguagem
talmúdica, Deus sempre se chama Rachmana, o Misericordioso: todo este
tema é estudado na exegese rabínica (LÉVINAS, 2004:148).

E, com isso, afirmar-se-á a disposição de manter a sociabilidade com o outro. Todo o


relacionamento que fosse possível, tendo como pressuposto a responsabilidade, seria capaz de
expressar a humanidade do homem a sua afirmação como ser outro. A linguagem desempenharia
a função de fazer luzir a convivência de aproximação respeitosa da liberdade do outro e, portanto,
não consistiria, desta forma, em suprimir o outro, pondo-o de acordo com o mesmo. A conquista
de acordo para si, que se promove no discurso retórico, constitui-se numa verdadeira imoralidade.

Segundo Lévinas (2004: 153), entre as razões já apresentadas antes, ainda poderá ser mencionado
o fato de o outro ser previamente considerado como um ente objetivo, que pode ser inserido
numa generalização qualquer. Antes mesmo de ele entrar no discurso, já foi representado,
pensado como um dado genérico. Por isso que, desde a perspectiva da retórica, ele pode adequar-
se, com propriedade, à relação sujeito-objeto. Ao contrário, pensa Lévinas que, a linguagem não
se adequa e nem pode ser reduzida à trama de sujeito-objeto e, por conseguinte, os seus
interlocutores não podem ser pensados eticamente. Assim, o outro interpelado não é um
representado, não é um dado, não é um particular, por um lado já aberto à generalização.
44

4. Da responsabilidade pelo Outro


No pensamento de Lévinas, o homem é chamado a pensar sobre a existência de um outro ser
igual a si. No qual o pensador e o pensando, encaram-se como responsáveis, uns dos outros, e
desta forma, a congregação destes valores, é o que o autor relacionara com o conceito de
Alteridade, isto é, sentir-se no lugar do Outro. Viver a dor do outro, ser o Outro, ver a semelhança
de si no Outro. Este encanto, cada vez mais, apreciativo, que torna os seres humanos mais
humanos, é o objecto de abordagem da filosofia de Lévinas. Pois o mais necessário, não está no
sentir-se o Outro, está em construir uma sociedade de valores humanistas, onde todo ser é
responsável pelo bem-estar do Outro. Aqui prevalece a noção de humanismo.

Lévinas (2011: 30) explicita que entre os homens, percebe a necessidade de enquadrar a questão
na sua relação com o ser e o tempo. Percorrendo no pensamento kantiano que afirmou o primado
do tempo e do espaço. Desta forma, Lévinas, sustenta que, de outro modo que o Ser não pode
enquadrar-se numa qualquer ordem eterna arrancada ao tempo. Na impossibilidade de reivindicar
uma subjetividade que possa ser responsável fora do tempo, pensou também na necessidade de
demandar a temporalização do tempo que mantivesse a ambiguidade de significar
simultaneamente “o ser e o nada e o para além do ser. Ademais, propôs que o além do ser e o não
ser significasse uma diferença radical “em relação ao ser e o nada”. Para o Filósofo, está em
questão o sentido do estatuto da ideia de diferença, pois o tempo pode significar a essência e a
sua própria manifestação, o tempo é essência e amostração da essência.

A questão de responsabilidade representa o reconhecimento do Outro numa primeira instância, é


de valorização da pessoa do Outro, do reconhecimento da identidade, do reconhecimento da cara
do outro, como se mostra pelo autor,

a deposição da soberania pelo eu e a relação social com outrem, a relação


desinteressada. Escrevo-a com três palavras para realçar a saída do ser que
ela significa. Desconfio da palavra “amor, que esta estragada, mas a
responsabilidade por outrem, o ser-para-o-outro, pareceu-me desde essa
época para: o rumor anónimo e insignificativo do ser. E sob a forma de
uma tal relação que me surgiu a libertação do ‘há’. Depois de isto se me
ter imposto e se ter clarificado no meu espírito. Já não falei, nos meus
livros, do ‘há’ por si mesmo. Mas a sombra do ‘há’ e do não sentido
parece-me ainda necessária como a própria prova do desinteresse
(LÉVINAS, 2007: 43).
45

A responsabilidade não é um simples atributo da subjectividade, como se esta existisse ja em si


mesma, antes da relação ética. A subjetividade não e um para si: ela mais uma vez, inicialmente
para outro. A proximidade de outrem está apresentada, como o facto de que outrem não esta
simplesmente próximo de mim no espaço, ou próximo como um parente, mas que se aproxima
essencialmente de mim enquanto me sinto, enquanto sou, responsável por ele. E uma estrutura
que, de modo algum, se assemelha a relação intencional que nos liga, no conhecimento, ao
objecto, a qualquer objecto, ainda que fosse um objecto humano. A proximidade não se reduz a
esta intencionalidade; em particular não se reduz ao facto de eu conhecer o outro.

Lévinas (2007: 89), sustenta que a relação com outrem só se aperta como responsabilidade, quer
esta seja, alias, aceite ou rejeitada, se saiba ou não como assumi-la, possamos ou não fazer
qualquer coisa de concreto por outrem. Dizer: eis-me aqui. Fazer alguma coisa por outrem. Dar
ao Ser o espírito humano. A encarnação da subjectividade humana garante a sua espiritualidade
(não vejo como os anjos se poderiam dar ou como entreajudar-se). Diaconia antes de todo o
diálogo: analiso a relação inter-humana como se, na proximidade com outrem para além da
imagem que ficção de outro homem o seu rosto, o expressivo no outro (e todo o corpo humano e,
neste sentido mais ou menos, rosto), fosse aquilo que me manda servi-lo. Emprego esta fórmula
extrema. O rosto pede-me e ordena-me. A sua significação não é uma ordem significada.
46

Conclusão
Após fim da reflexão subordinada ao tema: Ética da alteridade enquanto fundamento à
reafirmação da condição humana em Emmanuel Lévinas, conclui-se que, o pensamento de
Lévinas tal igual aos outros filósofos da sua época tem encontra as bases do seu pensamento na
antiguidade. Ou como um modo de inspiração para a construção, ou ainda como fonte de
47

inspiração para a reconstrução. No caso de Lévinas, é de reconstrução. Isto é, partiu dos


modernos para formar o seu pensamento, com a intenção de alargar aos pontos falhos. Lévinas,
partiu do pressuposto de que, a ética dos antigos tinha como preposição a convivência entre os
homens tendo em conta a existência de outros semelhantes a si mesmo, dando primazia a
universalização das relações, não colocando em questão as convicções culturais, religiosos,
étnicos e outros elementos de diferenciação que nos últimos tempos tem se tornado problema que
se manifesta em questões éticas.

Outro ponto de influência do pensamento de Lévinas foi a bíblia sagrada, pois para o autor a
Bíblia é o Livro dos Livros aonde se dizem as coisas primeiras. E é nela que se parte a ideia de
ética, desta forma, a bíblia é apresenta as primeiras ideias que vão construindo as lições de
convivência entre os homens. Não menos importante, estão os pensamentos de Husserl e
Heidegger, que também, constituiu grande influência na construção da ideia de ética de Lévinas,
quando este último se propõe, aos seus mestres a substituição da ideia de ontologia por ética
como filosofia primeira. Neste aspectos, a noção de ontologia conhece a sua restrição, quando
propõe-se a ética, como o fundamento da para a vida em sociedades gregarias. As duas grandes
Guerras múndias, também, influenciaram bastante na construção do pensamento sobre a
alteridade, pois, o autor foi vítima das atrocidades destes fenómenos, por isso que a ideia de
alteridade por ele desenvolvida já estabelece, a necessidade de pensar no Outro como se fosse
uma a essência do ser em si.

O desenvolvimento da ideia de alteridade, já coloca os homens numa situação de


responsabilidade entre si. Não obstante, não se descarta a possibilidade de conhecer-se a essência
do homem, primeiro, para depois valorizar o outro, mas ainda assim, a prioridade do projecto
sobre a alteridade avançado por Lévinas encarna-se no reconhecimento do rosto do Outro como
um ser semelhante, na mesma ordem em que é possível reconhecer a infinitude que há no mesmo,
isto implica, olhar além do obvio, e mesmo assim reconhecer o humano que há no outro tento em
consideração os indicadores de diferenciação, pois, todos são seres humanos.
Até certo ponto, a liberdade constitui um dos fundamentos da elevação do egocentrismo humano,
por isso que, o autor, chama a razão do ser humano, para que, não importando as circunstâncias
há que pensar no ser do Outro, como o humano que se encontra no Eu. O autor, sustenta ainda
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que, a relação com outrem só se aperta como responsabilidade, quer esta seja, alias, aceite ou
rejeitada, se saiba ou não como assumi-la, possamos ou não fazer qualquer coisa de concreto por
outrem, mas há sempre a responsabilidade de garantir o bem-estar do mesmo. Reconstruindo a
condição do Outro na mesma proporção do que nos é lembrando a nossa existência.

É uma relação que protege a Alteridade do Eu. Ao mesmo tempo que permite o reconhecimento
da ética. Neste contato anterior ao saber nesta obsessão pelo outro homem pode-se, certamente,
distinguir as motivações de muitas de nossas tarefas cotidianas, mas, a humanidade não entra na
história desta cultura, que aparece propondo-se à assunção e que torna possível a própria
liberdade deste assumir. Assim, a ética da alteridade se torna caminho e abre estradas para o
âmbito da comunicação. O homem, independentemente daquilo que exerce, precisa ser justo,
justo com aquilo que faz, justo com o outro e justo consigo mesmo, é o princípio básico de toda
ética.

A nobreza do pensamento de Lévinas, está no resgate da consciência do homem ao humanismo,


na reconstrução da ética da alteridade, partindo da ética geral, na qual enfatiza-se os valores
colectivos. Lévinas, deu primazia, na sua ética, a diversidade entre os homens, porém, alimentada
pelo reconhecimento dos indicadores de diferenciação como um mecanismo para a coabitação
dos homens no mesmo local, sob as mesmas condições de humanização. Desta forma, a ética da
alteridade afirma-se como um mecanismo para a humanização na medida em que a diferença
entre os homens não os torna nem mais, tanto que, nem menos humanos, os torna seres humanos,
apesar das diferenciações que os caracterizam.

Bibliografia
a) Do autor
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________. (1984). Transcendência e inteligibilidade. Lisboa: Edições 70 Ltda.

b) Sobre o autor
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Emannuel Lévinas. Porto Alegre: EDIPUCRS,. cap. 14.

c) De outros autores
ABBAGNANO, Nicola. (1998). Dicionário de Filosofia. São Paulo, Martins Fontes.
BAUMAN, Zygmunt. (2015). Globalização: as consequências humanas. Trad. Marcus Penchel.
Rio de Janeiro: Zahar ed.
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