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UNIVERSIDADE EDUARDO MONDLANE

Faculdade de Filosofia
Departamento de Graduação

Ericson Sembua
Honorato Taela
Madala Nkabinde
Manuel Honwana

Interculturalidade: críticas, diálogo e perspectivas


em Raul Fornet Betencourt

(Licenciatura em Filosofia)

Maputo
Maio de 2023
2

UNIVERSIDADE EDUARDO MONDLANE


Faculdade de Filosofia
Departamento de Graduação

Ericson Sembua
Honorato Taela
Madala Nkabinde
Manuel Honwana

Interculturalidade: críticas, diálogo e perspectivas


em Raul Fornet Betencourt

Trabalho de investigação científica


apresentado à Unidade Curricular de
Filosofia da Intercultura e Globalização na
Faculdade de Filosofia da UEM como
requisito parcial de avaliação.

Docentes:
Mestre Raimundo Alberto
Mestre Eugénio Feliciano
Mestre Ira Vovos

Maputo
Maio de 2023
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ÍNDICE

INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 4

1. Interculturalidade em Betencourt ........................................................................................... 6

1.1. Interculturalidade e Crítica da filosofia latino-americana ................................................... 7

1.1.1. Leopoldo Zea .................................................................................................................... 9

1.1.2. Arturo Riog ..................................................................................................................... 10

1.1.3. Luis Villoro..................................................................................................................... 10

2. A guinada para a interculturização da filosofia em outros autores....................................... 12

2.1. Dina Picotti ........................................................................................................................ 12

2.2. Josef Estermann ................................................................................................................. 12

CONCLUSÃO .......................................................................................................................... 14

BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................................... 15
4

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como tema Interculturalidade: críticas, diálogo e perspectivas em Raul
Fornet Betencourt, e propõe-se a abordar as perspectivas e desafios do interculturalismo na
contemporaneidade, com enfoque no contexto da filosofia latino-americana a partir da obra do
autor acima citado.

A reflexão de Fornet-Betancourt enquadra-se dentro do contexto da América Latina, uma região


marcada por uma história de colonização e imposição cultural por parte dos europeus que
deixou profundas marcas na cultura, na política, na economia e nas relações sociais da região.
Essa imposição cultural levou a uma desvalorização das culturas indígenas e afro-americanas
que compõem a diversidade cultural da região, e a uma supremacia cultural do mundo
eurocêntrico que se refletiu na filosofia, na educação, na religião e em outros campos. Esse
contexto gerou uma série de desafios para a construção de uma sociedade mais justa e
igualitária. A falta de interculturalidade na região tem gerado conflitos e desigualdades, uma
vez que as culturas indígenas e afro-americanas são frequentemente marginalizadas e suas
vozes são silenciadas. Estes factos levam-nos a questionar: De que forma a perspectiva de Raul
Fornet Betencourt pode ajudar a compreender as críticas e os desafios enfrentados pela
interculturalidade na prática?

Interculturalidade é um tema que envolve não só questões filosóficas, mas também políticas,
sociais e culturais, o que o torna interdisciplinar e abrangente. Além disso, a mesma tem
ganhado cada vez mais destaque na actualidade, sobretudo em países as América latina, que
são marcados pela diversidade cultural e étnica. Na academia, o tema da interculturalidade é
importante porque permite o desenvolvimento de novas abordagens e perspectivas teóricas
sobre questões relacionadas à identidade, diversidade cultural, diálogo intercultural e justiça
social.

O trabalho tem como objectivo geral: analisar as perspectivas críticas e de diálogo sobre a
interculturalidade na obra de Raul Fornet-Betencourt. Para atingir tal finalidade, foram traçados
como objectivos específicos: i) identificar as críticas de Raul Fornet Betencourt à razão na
filosofia latino-americana; ii) avaliar o papel da filosofia na promoção da justiça social e, a
partir das perspectivas, críticas e de diálogo sobre a interculturalidade apresentadas pelo autor.
5

Para atender aos objetivos propostos, foi previlegida uma abordagem metodológica qualitativa,
baseada na análise de conteúdo e na revisão bibliográfica.

O trabalho está estruturado da seguinte forma: na primeira parte, será apresentada a visão de
Fornet-Betancourt em torno do interculturalismo e outras perspectivas que marcaram o
contexto latino-americano por volta dos anos 1992; na segunda parte, discutiremos as críticas
que levaram à interculturação verdadeira; e na terceira, as conclusões e perspectivas para a
superação dos desafios do interculturalismo.
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1. Interculturalidade em Betencourt
A obra “Interculturalidade: Críticas, Diálogo e Perspectivas” de Raul Fornet-Betancourt1 tem
como tema central a interculturalidade e seu papel na construção de uma sociedade mais
inclusiva e diversa. O autor tem uma visão sobre a interculturalidade que enfatiza a importância
do diálogo e do entendimento mútuo entre as diferentes culturas. Para ele, a interculturalidade
é uma forma de reconhecer e respeitar as diferenças culturais, e ao mesmo tempo, permitir o
encontro e o diálogo entre elas.

Fornet-Betancourt sugere que a interculturalidade é um desafio que ainda não foi totalmente
superado, mas que representa uma oportunidade importante para promover a justiça social e
transformar o curso da história da filosofia na América Latina.

Vejo a interculturalidade como um desafio pendente, [...] uma demanda de


justiça social que se vem formulando há séculos na história social e intelectual
da América latina e que poderia ter contribuído para mudar o curso da história
da Filosofia na América latina (FORNET-BETENCOURT, 2004: 13).

Ao afirmar que a interculturalidade é um desafio pendente, Betancourt indica que ainda há


muito a ser feito em relação à promoção do diálogo e do entendimento mútuo entre as diferentes
culturas da América Latina. Além disso, ele destaca que a interculturalidade representa uma
demanda de justiça social, o que sugere que a falta de diálogo e compreensão entre as culturas
pode ter um impacto negativo na sociedade.

Nessa perspectiva, a interculturalidade poderia ter contribuído para mudar o curso da história
da filosofia na América Latina, o que coloca a interculturalidade como uma ferramenta
poderosa para a construção de uma filosofia mais inclusiva e diversa. Essa ideia é relevante
porque a filosofia, assim como outras áreas do conhecimento, pode ser afetada pelo diálogo
entre diferentes culturas, o que pode levar a novas perspectivas e abordagens.

1
Raul Fornet-Betancourt (1935-2020) foi um filósofo, professor universitário e activista social alemão de origem
cubana. Nasceu em Havana, Cuba, e estudou filosofia, sociologia e literatura nas universidades de Havana,
Frankfurt e Paris. Foi professor de filosofia social e política na Universidade de Bremen, na Alemanha, onde
também fundou o Centro de Estudos Interdisciplinares para o Diálogo Intercultural e Inter-religioso. Ele também
foi presidente da Sociedade Alemã de Filosofia Intercultural e membro da Academia Internacional de Filosofia.
Seus interesses de pesquisa incluíam a filosofia intercultural, a filosofia da libertação, a ética e a política. Ele foi
um dos principais defensores da filosofia intercultural e da filosofia da libertação, que busca entender as questões
sociais e políticas a partir da perspectiva dos oprimidos.
Além de suas contribuições acadêmicas, Fornet-Betancourt também foi um ativista social engajado, trabalhando
em questões como os direitos humanos, a democracia e a justiça social. Ele foi um dos fundadores do Fórum
Humanista Europeu e atuou como presidente da Fundação Rosa Luxemburgo.
Raul Fornet-Betancourt faleceu em 2020, deixando um legado importante na filosofia intercultural e na luta pelos
direitos humanos e a justiça social.
7

A interculturalidade pode ser compreendida, em Fornet-Betencourt (2004: 13), como uma


postura ou disposição que permite que o ser humano viva suas referências identitárias em
relação aos outros. Essa atitude leva a uma abertura do ser humano para um processo de
aprendizado e recontextualização cultural. Em outras palavras, a interculturalidade é uma
atitude que possibilita a convivência e o diálogo entre as diferentes culturas, promovendo uma
postura de tolerância e respeito mútuo. Trata-se de uma forma de se relacionar com o mundo
que estimula o desenvolvimento pessoal e social, por meio da troca e da valorização das
diferentes formas de conhecimento e expressão cultural.

Nesse sentido, a interculturalidade torna-se uma experiência que envolve a conscientização da


limitação dos nossos próprios conceitos e categorias culturais. Ela nos obriga a reconhecer que
nossos nomes e categorias culturais podem não ser adequados para descrever e compreender as
realidades culturais dos outros. Por essa razão, a interculturalidade implica em uma prática
constante de tradução, de modo que possamos compreender e comunicar de forma efetiva com
outras culturas. “Interculturalidade é a experiência da impropriedade dos nomes próprios com
que nomeamos as coisas. Ou, dito de outra maneira, é a experiência de que nossas práticas
culturais devem ser também práticas de tradução” (FORNET-BETENCOURT, 2004: 13). A
tradução não se limita apenas às palavras, mas também às práticas culturais, valores e modos
de vida. A interculturalidade, portanto, exige uma disposição para a aprendizagem constante e
a abertura para a compreensão e valorização das diferentes culturas, com o objetivo de
promover a convivência pacífica e a troca de experiências enriquecedoras entre os diferentes
grupos sociais.

A tradução de que fala Fornet-Betencourt, implica uma descentralização e abertura à


pluralidade de formas de expressão e práticas filosóficas. Para este, uma vez que a filosofia é
contextual, ou seja, cada filósofo ocupa-se dos problemas filosóficos de seu contexto socio-
cultural, a interculturalidade passa pela realização de uma confrontação pratico-reflexiva dos
problemas filosóficos que marcam a época histórica vigente nos diferentes contextos.

1.1. Interculturalidade e Crítica da filosofia latino-americana


Fornet-betancourt (2004: 20) considera que a filosofia latino-americana tradicionalmente
negligenciou o desafio da interculturalidade em seu próprio contexto. Isso significa que a
filosofia latino-americana se desenvolveu principalmente a partir das perspectivas e conceitos
ocidentais, sem levar em conta as realidades culturais e sociais específicas da região. Como
8

resultado, a filosofia latino-americana pode ter falhado em reconhecer e valorizar a riqueza e


diversidade das culturas latino-americanas, bem como suas formas de pensar e conceber o
mundo. Além disso, essa falta de diálogo intercultural pode ter levado a uma marginalização e
subalternização das perspectivas e experiências culturais latino-americanas na filosofia.

O autor apresenta quatro razões que considera relevantes na explicação das deficiências
interculturais da filosofia latino-americana.
i) Uso colonizado da inteligência - a filosofia latino-americana foi influenciada pela herança
colonial, o que levou a um "uso colonizado" da razão e, portanto, a uma forma de pensar que é
cúmplice na perpetuação da opressão colonial. Em outras palavras, a filosofia latino-americana,
como disciplina intelectual, muitas vezes reflete os valores e interesses do colonizador, em vez
de representar os interesses e perspectivas das culturas nativas e populares. Essa forma de
pensar "colonizada" pode se manifestar de várias maneiras, como a adoção acrítica de teorias e
métodos ocidentais, a exclusão de perspectivas não-ocidentais da reflexão filosófica ou a
imposição de padrões epistemológicos estrangeiros sobre o pensamento latino-americano.
Como resultado, a filosofia latino-americana pode ter falhado em enfrentar questões sociais,
políticas e culturais cruciais para a região, e pode ter reforçado as estruturas de opressão e
exploração que resultam da herança colonial.

ii) visão civilizadora eurocentrista - a filosofia latino-americana, que se baseia em uma


perspectiva civilizadora e eurocêntrica, que se origina no projeto da modernidade centro-
europeia. Essa visão se manifesta nos programas de educação e na formação filosófica da
região, que tendem a reproduzir as ideias e valores das metrópoles europeias em vez de
promover uma reflexão crítica e criativa sobre a realidade e as tradições culturais latino-
americanas. Dessa forma, a filosofia latino-americana acaba sendo subordinada e limitada pelo
pensamento hegemônico europeu, em vez de contribuir para a construção de uma identidade
própria e para o diálogo intercultural.

iii) desvalorização da escrita nas línguas nativas - destaca a exclusão e marginalização dessas
línguas e culturas na produção intelectual e acadêmica da região. Isso não apenas representa
uma perda para a diversidade cultural e epistêmica da América Latina, mas também reflete um
histórico de opressão e dominação colonial que precisa ser superado para que haja uma
verdadeira interculturalidade na filosofia latino-americana.
9

iv) redução da realidade cultural à mestiçagem – Fornet-Betencourt critica a tendência de


algumas correntes da filosofia latino-americana de reduzir a diversidade cultural da região a
uma visão homogeneizada da chamada cultura mestiça. Essa abordagem, segundo o autor,
desconsidera a complexidade e riqueza das múltiplas culturas que compõem a América Latina,
reproduzindo assim uma visão colonizadora que busca homogeneizar e padronizar as diferenças
culturais.

Fornet-Betencourt (2004: 28-30) evidencia o impacto das comemorações dos anos 1992 no
despertar da resistência cultural, política e religiosa dos povos indígenas e afro-americanos.
Esse renascimento da resistência dos povos originários destacou o déficit de interculturalidade
nos estados latino-americanos, evidenciando a necessidade de superação da dominação cultural
e de um diálogo intercultural mais intenso e efetivo. A partir desse processo de reorganização,
a história da América Latina foi marcada por uma guinada em diversos âmbitos, incluindo a
educação e a religião, que passaram a ser repensados a partir de uma perspectiva intercultural.
Essa guinada na história da América Latina enfatiza a importância da interculturalidade na
construção de sociedades mais justas e democráticas, onde as diferenças culturais são
valorizadas e celebradas como uma riqueza e não como uma ameaça. O autor destaca, na sua
obra o pensamento de diversos filósofos de impacto no movimento intercultural iniciado em
1992, abordando desde perspectivas a críticas.

1.1.1. Leopoldo Zea


Leopoldo Zea, filósofo mexicano, é um dos pensadores latino-americanos mais importantes a
discutir a questão da interculturalidade. Segundo ele, a interculturalidade é uma demanda ética
e política, que exige o reconhecimento e a valorização da diversidade cultural.

Zea defende que a interculturalidade não deve ser vista apenas como uma questão de tolerância,
mas sim como um processo de diálogo e de aprendizado mútuo entre as culturas. Ele enfatiza
que o diálogo é fundamental para superar a incompreensão e os preconceitos que muitas vezes
surgem quando as culturas se encontram. Ele argumenta que a filosofia latino-americana deve
ser entendida como um produto da interação entre as culturas europeia e indígena, que resultou
em uma filosofia "mestiça" ou "híbrida". Para Zea, essa filosofia híbrida é capaz de incorporar
e superar as limitações das tradições filosóficas europeias e indígenas, permitindo uma
compreensão mais completa da realidade latino-americana.
10

Segundo Fornet-Betancourt (idem: 33), a abordagem de Zea para a interculturalidade é baseada


na ideia de que a América Latina é um espaço intercultural, onde diferentes culturas se
encontram e se entrelaçam, e onde as identidades culturais são construídas em diálogo e
confronto. Zea acredita que a diversidade cultural é uma riqueza e uma fonte de criatividade, e
que a interculturalidade pode ser vista como uma ferramenta para a construção de sociedades
mais justas e democráticas.

No entanto, Zea também reconhece que a interculturalidade é uma questão complexa, que
envolve não apenas a valorização da diversidade cultural, mas também a superação de
estruturas de poder e desigualdade que muitas vezes impedem o diálogo e a colaboração entre
as culturas. Ele acredita que a interculturalidade só pode ser alcançada se houver um
compromisso sério com a justiça social e a igualdade.

1.1.2. Arturo Riog


A filosofia da Interculturalidade parte do princípio da heterogeneidade das culturas, assim como
o do que fazer filosófico e, em relação com este da rejeição de um presumido modelo único de
filosofar, ao qual se aproximariam ou se afastariam outras formas.

Roig faz uma questão certamente difícil, que é a seguinte: “será possível uma autocrítica
cultural que parta das culturas mesmas, para alcançar alguma forma de Interculturalidade?”

Além ou aquém da dificuldade que temos colocado, encontra-se a questão da linguagem, no


pensamento Latino americano no qual está incluída aquela filosofia da Interculturalidade é o
pensamento discursivo pela mesma razão que é um filosofar de vocação social e, por isso
mesmo, em acto de comunicação.

Daí, a importância que temos dado à construção de uma simbólica latina americana por isso
mesmo, os símbolos são formas de expressão que pertencem, assim como as metáforas, aos
recursos de uma filosofia que não quer, em absoluto, distanciar-se do acto comunicativo e que
pretenda não renunciar a um grau de performatividade.

1.1.3. Luis Villoro


A multiplicidade e diversidade de culturas são um marco no qual pode dar-se uma relação entre
elas baseada no respeito a suas diferenças. Esse marco estabelece o âmbito no qual seria
11

possível formular as perguntas sobre quais seriam as culturas preferível. Segundo certos
critérios, poderiam considerar-se mais valiosos que outros.

Segundo Villoro apud Fornet-Betancourt (2004: 240) uma cultura cumprirá melhor suas
funções na medida em que seja autónoma, autêntica, eficaz e outorgue sentido a seus atos, essas
não estabelecem valores, mas critérios para julgar em qual medida se realizam os valores.

A compreensão cultural não inclui valorização. Não consiste em julgar uma cultura mais ou
menos nos ou valiosa. A compreensão de uma cultura implica a crítica de todo pré-conceito.
Não há numa cultura nada "condenável" como não há ninguém "louvável"; tudo é simplesmente
"compreensível".

Mas a ética vai mais além da compreensão. Inclui juízos de valor. A valorização forma parte
de um nível de juízo posterior à compreensão. Quem compreende, abstém-se de julgar. Quem
compreende não faz acepção de pessoas, nem de situações de valor. Ninguém julga; limita-se
a compreender. Sobre qualquer juízo de valor há um segundo passo. Uma valorização tem como
condição de possibilidade uma compreensão prévia. Isso é válido para as acções individuais ou
coletivas. Pressuposto da valorização de uma cultura é compreendê-la. Toda a cultura, em
maior ou menor medida, expressa valores. Permite eleger fins, estabelece meios para esses fins.

Tratei de enumerar as funções que teria que cumprir qualquer cultura para ser tal. Chamei-os
conforme os princípios que os regularizam: autonomia, autenticidade, finalidade e eficiência.
Esses princípios são a priori e analíticos, porque falam, não dos valores de uma cultura, senão
dos critérios, dos pontos de vista segundo os quais podemos considerar uma cultura. Não nos
falam, todavia, dos valores que realiza uma cultura, senão dos critérios conforme os quais
podemos considerá-las.

De acordo com Villoro apud Fornet-Betancourt (2004: 243), para avaliar as culturas, o primeiro
que teríamos que perguntar seria desde que ponto de vista as avaliamos, quais são os aspectos
que consideramos mais importantes, mais valiosos numa cultura; a resposta variará com os
critérios de avaliação empregados.
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2. A guinada para a interculturização da filosofia em outros autores

Fornet-Beterncourt introduz cinco autores que ele acredita que com suas obras, abriam novos
caminhos ou que se esforçam por superar os hábitos de pensar adquiridos em velhas tradições
que impediam a abertura radical do pensar filosófico à diversidade cultural da América.

De modo que suas obras [...] continuem também uma importante fonte para analisar
o que se poderia chamar de o “estado atual” da filosofia latino-americana e para ver
logicamente [...] como e em que medida esta responde ao desafio de transformação
intercultural (idem, 2004: 96)

2.1. Dina Picotti


Betancourt acredita que a obra publicada por Dina Picotti em 1990, é um ensaio no qual o
reconhecimento da diversidade cultural e o conseguinte diálogo entre culturas se apresentam
como tarefas de imperiosa justiça e de autenticidade para com os americanos.

Picotti propõe, como guinada para a interculturalização, o abandono do individualísmo em prol


da construção de um sujeito comunitário, mas com o reconhecimento do araigo2 como uma nota
originária e qualificante do pensar. “O sujeito comunitário está arraigado, portanto, numa
relação como todo o real que motiva que seu comportamento frente às coisas do mundo seja
uma atitude inspirada pela comunhão, pela relação cordial” (idem, 2004: 100).

Dina Picotti é para Betencourt das primeiras que, na América Latina, reconhecem que o
desenvolvimento de um pensar intercultural não é somente uma questão de justiça frente aos
povos que encarnam a variedade cultural que caracteriza o Continente, senão também uma
empresa necessária para não sucumbir ante à ameaça de serem esmagados pela nova onda
neocolonizadora da globalização neoliberal.

2.2. Josef Estermann


Betencourt considera a obra de Josef Estermann uma representante de uma linha imprescindível
e bastante promissora no que diz respeito ao diálogo intercultural ao nível filosófico.

No entanto, a contribuição decisiva à guinada inovadra nessa linha de trabalho dentro


da filosofia latino-americana, Josef Esternmann a fez, em 1998, com a publicação
da obra na qual oferece o fruto de oito anos de convivência e de estudo com o povo

2
“Araigo significa pertencimento a uma terra e a uma história, a um modo de vida desde o qual se pensa e se
atua” (FORNET-BETENCOURT, 2004: 98).
13

andino. Refiro-me à sua obra Filosofia andina. Estudio intercultural de la sabiduría


autóctona andina (idem, 2004:110).

Fornet-Bentencourt ressalta a novidade argumentativa que caracteriza o pensamento exposto


na obra de Estermann e concretiza sua forma de apresentar a filosfia andina, como uma filosofia
contextual com raízes culturais particulares. Refere também que a intuição regente é a ideia de
que: “A filosofia andina mesma é um fenômeno multicultural e reflete uma série de ‘fontes’
interculturais”(idem, 2004: 111). Esse princípio por parte de Estermann deve-se a necessidade
e urgência de uma filosofia intercultural, o que significa que esta deve ser uma apresentação
contextual, encarnada no concreto. “[...] não pode apresentar o contextual sem que este seja,
já em si mesmo, um convite ao diálogo com o outro, seja este próprio ou alheio. (Raul
Bentancourt, 2004:111).
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CONCLUSÃO
A interculturalidade é um tema fundamental na América Latina e em todo o mundo, e tem sido
objeto de reflexão na filosofia contemporânea. Nesse sentido, a obra de Raul Fornet Betencourt,
"Interculturalidade: críticas, diálogo e perspectivas", é uma importante contribuição para o
entendimento dessa temática.

Fornet-Betencourt critica o uso colonizado da razão na filosofia latino-americana e defende


uma abordagem intercultural que considere as diferentes culturas presentes na região. Ele
destaca a importância da tradução como prática intercultural, uma vez que os nomes e conceitos
utilizados por diferentes culturas muitas vezes não têm correspondência exata em outras línguas
ou tradições.

Além disso, o autor chama atenção para a necessidade de reconhecer a diversidade cultural
presente na América Latina, o que inclui não apenas a cultura mestiça, mas também as culturas
dos povos indígenas e afro-americanos. Fornet-Betencourt destaca que a falta de
interculturalidade nos estados latino-americanos tem sido exposta pela resistência desses
grupos, que lutam por seus direitos culturais, políticos e religiosos.

Por fim, a obra de Fornet-Betencourt é uma contribuição importante para repensar a filosofia
latino-americana a partir da perspectiva intercultural. Ela aponta para a necessidade de superar
as limitações da tradição filosófica dominante, que tem ignorado a diversidade cultural e
histórica da região, e para buscar uma filosofia que leve em conta as múltiplas vozes e
perspectivas presentes na América Latina. Em suma, a interculturalidade se apresenta como um
desafio pendente na história social e intelectual da América Latina, mas também como uma
oportunidade para a construção de uma sociedade mais justa e plural.
15

BIBLIOGRAFIA
FORNET-BETANCOURT, Raul. (2004). Interculturalidade: críticas, diálogo e perspectivas.
Trad. Angela tereza Sperb. São Leopoldo: Nova Harmonia.

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