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Teorias da

Aprendizagem
Aprendizagem Humana no Século XXI:
Uma Compreensão Abrangente

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Dr. Renan de Almeida Sargiani

Revisão Textual:
Prof.ª Me. Sandra Regina Fonseca Moreira
Aprendizagem Humana no Século
XXI: Uma Compreensão Abrangente

• Introdução;
• Definição de Aprendizagem;
• Panorama Histórico das Diferentes Abordagens Teóricas
da Aprendizagem;
• A Relação entre Aprendizagem e o Desenvolvimento Humano;
• Processos Básicos e Dimensões da Aprendizagem;
• Tipos de Aprendizagem;
• Condições Internas e Externas de Aprendizagem.

OBJETIVOS DE APRENDIZADO
• Apresentar um panorama geral de diferentes concepções, teorias e modelos sobre aprendi-
zagem desenvolvidos ao longo da história;
• Introduzir uma compreensão contemporânea abrangente sobre a aprendizagem e suas
­implicações educacionais.
UNIDADE Aprendizagem Humana no Século XXI:
Uma Compreensão Abrangente

Introdução
O que é aprendizagem? O que você aprendeu para chegar até aqui? Como nós apren-
demos? Como sabemos que alguém aprendeu algo? Por que algumas pessoas apren-
dem melhor e mais rapidamente do que outras? Onde ficam armazenadas as nossas
aprendizagens? O cérebro aprende ou o corpo todo aprende? Há maneiras de aprender
melhor? Quais são os fatores que determinam o que aprendemos? Há limites para a
aprendizagem? Existem coisas que não conseguimos aprender? Por que criar diferentes
teorias sobre a aprendizagem? Por que eu deveria aprender sobre aprendizagem?
Essas são só algumas das inúmeras perguntas que você poderia estar se fazendo
ao começar esse curso de Teorias da Aprendizagem. Tipicamente, nós não pen-
samos muito sobre a aprendizagem e sua importância, mas o fato é que, pensando
sobre ou não, viver é aprender e estamos aprendendo o tempo todo e em diversas
situações. Estudar cientificamente a aprendizagem, portanto, nos permite entender
melhor como ela ocorre, o que facilita ou dificulta esse processo e como melhorar,
inclusive, a nossa própria aprendizagem. O interesse pelo estudo científico da apren-
dizagem não é novo, segundo Bigge (1977, p. 3) “O homem não só quis aprender
como também, frequentemente, sua curiosidade o impeliu a tentar aprender como se
aprende”, e assim surgiram as diferentes teorias sobre a aprendizagem.
Quando pensamos em aprendizagem, logo pensamos na escola, mas aprender
é muito mais amplo do que as aprendizagens que ocorrem no ambiente escolar.
Nem sempre nós nos lembramos disso, ainda que aprendamos a todo momento e
em todos os espaços possíveis. Não há nada que você saiba hoje que não tenha sido
aprendido em algum momento. E continuamos aprendendo sempre. Nós aprende-
mos o nome de pessoas novas, aprendemos novos caminhos, aprendemos novos
fatos, aprendemos novos sabores, aprendemos que antes havíamos aprendido algo
errado e que agora teremos que aprender de novo. A aprendizagem, portanto, não
está apenas na escola, ela está em todos os lugares, desde que nascemos até morrer-
mos, tudo o que faremos envolve sempre algum tipo de aprendizagem.
Nas últimas décadas, o tema da aprendizagem se tornou fundamental, não apenas
para os profissionais e estudantes de áreas como a Psicologia, Pedagogia e Educação,
como também em contextos políticos e econômicos. Esse interesse não é ao acaso,
na realidade o que se observou, nas últimas décadas, foi um crescente reconheci-
mento e a valorização da Educação como um importante meio de transformação
individual e social. A Educação é, por exemplo, um dos componentes utilizados
pela ONU para estimar o índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e classificar os
países como desenvolvidos, em desenvolvimento ou subdesenvolvidos. Países desen-
volvidos têm melhores índices educacionais que, por sua vez, estão associados ao
bem-estar, ao desenvolvimento econômico e à qualidade de vida.

“A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo” – Nelson
Mandela. O que você pensa que Mandela quis dizer com essa frase? Você concorda com ela?
Como o estudo científico da aprendizagem pode ser importante para mudar o mundo?

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Por outro lado, outro fator importante para o crescente reconhecimento da impor-
tância dos estudos sobre a aprendizagem vem dos avanços das pesquisas científicas,
sobretudo, oriundas das chamadas Ciências Cognitivas. Essas pesquisas promove-
ram avanços significativos em nossa compreensão sobre os mecanismos envolvidos
nos processos de aprendizagem e de ensino ampliando os debates e lançando luz
sobre a importância de que a Educação seja cada vez mais baseada em evidências
científicas, superando-se ações baseadas em crenças ou ideologias (ILLERIS, 2013;
THOMAS, PRING, 2007). Esses fatores, aliados com as mudanças trazidas com os
contínuos avanços tecnológicos, culminam na necessidade de constantes revisões
das teorias de aprendizagem, na busca por uma compreensão mais abrangente e
atualizada sobre como aprendemos no século XXI.

Neste curso, nós iremos discutir a aprendizagem em uma visão abrangente e con-
temporânea. Considerando-se a importância e contribuições das teorias clássicas,
mas contextualizando-as em seu período histórico e reconhecendo as novas contri-
buições das teorias contemporâneas. Nesse sentido, daremos foco para as principais
contribuições das Ciências Cognitivas. Optamos também por discutir nessa discipli-
na apenas a aprendizagem humana, embora exista vasta produção cientifica sobre a
aprendizagem animal, em especial no campo da Etologia.

Para saber mais sobre aprendizagem animal leia o livro de John Alcock, Comportamento
Animal: Uma Abordagem Evolutiva. Porto Alegre: Artmed, 2011.

Definição de Aprendizagem
Tradicionalmente, podemos pensar em aprendizagem como o processo de aqui-
sição de conhecimentos e habilidades. Contudo, atualmente, entendemos a apren-
dizagem como um conceito muito mais amplo, que inclui, além das dimensões cog-
nitiva e comportamental, também as dimensões emocional, motivacional e social
(DUMARD, 2015). Nesse sentido, a aprendizagem assume a natureza de desenvol-
vimento de competências, isto é, a capacidade de lidar com os diferentes desafios,
existentes e futuros, na vida profissional e em muitos outros campos de atuação
(ILLERIS, 2013). Assim, é muito difícil obter uma visão geral unitária da atual com-
preensão sobre o tema da aprendizagem, ainda assim, podemos dizer que ela se
caracteriza, antes de tudo pela complexidade.

Buscando contribuir para esse entendimento, Illeris (2013) apresenta o esquema


ilustrado na Figura 1 para sintetizar a estrutura típica das diferentes teorias de apren-
dizagem. Podemos dizer que, de modo geral, os estudos sobre a aprendizagem pro-
curam entender quais são as estruturas cerebrais e processos cognitivos envolvidos
nesse processo, os tipos de aprendizagem e os principais obstáculos que impedem
que a aprendizagem ocorra de modo eficiente. Para isso, essas teorias se fundamen-

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Uma Compreensão Abrangente

tam em conhecimentos de base de diferentes ciências como a Biologia, a Psicologia,


a Ciência Social e a Ciência Cognitiva. Essas áreas de base contribuem com funda-
mentos e orientam para a importância das condições internas e externas para que
aprendizagem ocorra.

Quando pensamos em condições internas, nos referimos aos fatores inerentes


ao aprendiz, isto é, ao próprio indivíduo que aprende, como sua disposição e inten-
ção, motivação, conhecimentos prévios, habilidades e idade. As condições externas,
por sua vez, se referem ao impacto dos diferentes espaços de aprendizagem nas
exigências de diferentes sociedades, como currículos e planos de ensino, e mesmo
nos professores e materiais de ensino. A aplicação das teorias de aprendizagem está
principalmente relacionada com a sua usabilidade na pedagogia e educação ou em
políticas educacionais. Contudo, também podemos pensar no uso que outros profis-
sionais fazem desse conhecimento, por exemplo, os psicólogos que buscam entender
como diferentes fatores podem facilitar ou dificultar a aprendizagem e como melho-
rar essas condições da aprendizagem.

BASE
Biologia
Psicologia
Ciência Social
Ciência Cognitiva

CONDIÇÕES
CONDIÇÕES
APRENDIZAGEM EXTERNAS
INTERNAS
Disposições Estruturas Espaço de
Idade Tipos de Aprendizagem aprendizagem
Situação subjetiva Obstáculos Sociedade
Situação objetiva

APLICAÇÃO
Pedagogia/Educação
Políticas de
aprendizagem

Figura 1 – As principais áreas de estudo da aprendizagem


Fonte: Adaptado de ILLERIS, 2013, p. 16

Assim, afinal, o que é a aprendizagem? Podemos definir a aprendizagem como


“qualquer processo que, em organismos vivos, leve a uma mudança permanente em
capacidades e que não se deva unicamente ao amadurecimento biológico ou envelhe-
cimento” (ILLERIS, 2007, p.3). Essa é uma visão mais abrangente e contemporânea
que expande a visão clássica de aprendizagem apenas como o processo de aquisição
de conhecimentos e habilidades, estando alinhada com visões mais contemporâneas,
como veremos em unidade posterior.

Aprender é sempre sair de um estado de não conhecimento de algo para um


­estado em que se passar a conhecer. Podemos aprender habilidades, fatos, histórias,
atitudes, valores, estratégias etc. Toda aprendizagem sempre se revela como uma
mudança, relativamente duradoura, no organismo em que ocorre em função de uma
experiência, de uma vivência ou estímulo. Podendo durar alguns minutos, horas, dias,
anos ou até mesmo ser para sempre. Não se pode confundir, todavia, essas mudanças

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trazidas pela aprendizagem, e que dependem das experiências, com as mudanças que
ocorrem devido ao envelhecimento ou maturação como veremos mais adiante.

Como afirma Lefrançois (2019), aprendizagem pode ser entendida como toda
mudança relativamente permanente no potencial de comportamento, que resulta da
experiência, mas não é causada por cansaço, maturação, drogas, lesões ou doenças.
A aprendizagem é aquilo que acontece no organismo (humano ou não) como resultado
da experiência, dos eventos internos ou externos que estimulam novas formas de
pensar ou agir. Do ponto de vista comportamental, podemos saber que uma apren-
dizagem aconteceu quando ocorre uma mudança duradoura no comportamento (ex.
saber ler e escrever).

Mudança no
Aprendizagem: toda as
comportamento: mudanças
Experiência: As situações ou mudanças relativamente
observáveis ou potencialmente
eventos internos ou externos permanentes organismo que
observáveis após a experiência
a que estimulam a aprendizagem resultam da experiência e
e que oferecem evidência
não de outros fatores
de que a aprendizagem ocorreu

Figura 2
Fonte: Adaptado de LEFRANÇOIS, 2019, p. 5

A aprendizagem é um processo neurológico interno invisível, o que mudam


são as conexões (sinapses) entre os neurônios. Contudo, a evidência da
aprendizagem é encontrada nas mudanças observáveis ou potencialmente
observáveis do comportamento, como resultado da experiência.

Do ponto de vista neurobiológico, é importante frisar que as pesquisas em Neuro-


ciências têm nos mostrado que o cérebro se modifica em função das aprendizagens.
Quando aprendemos a ler, por exemplo, áreas do cérebro responsáveis pela visão
passam a ser conectadas às áreas responsáveis pela linguagem (DEHAENE, 2012).
O  cérebro se modifica ao longo da vida e em função das experiências. Os  neurô-
nios formam novas conexões, algumas são fortalecidas e outras enfraquecidas e até
eliminadas. Em outras palavras, a aprendizagem modifica as conexões entre os
neurônios no cérebro, as chamadas sinapses. (veremos mais sobre isso em unida-
des posteriores).

Definir aprendizagem, portanto, não é simples, mas ao longo das próximas uni-
dades iremos gradativamente revisitar e complementar essa definição, adicionando
novos elementos, com novas proposições teóricas e evidências. O importante nesse
momento é entendermos que a aprendizagem trata de um fenômeno complexo, mas
que, de modo geral, indica sempre uma mudança duradoura de comportamentos,
habilidades e atitudes em função das experiências. Como resultado da aprendizagem,
em nível neurobiológico, observam-se mudanças nas sinapses, e, em nível psicos-
social, observam-se mudanças de comportamentos.

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Uma Compreensão Abrangente

Panorama Histórico das Diferentes


Abordagens Teóricas da Aprendizagem
O interesse pela aprendizagem é antigo e pode ser identificado desde os filósofos
gregos da antiguidade, como Sócrates, Platão e Aristóteles (DUMARD, 2015).
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­Contudo, desde as últimas décadas do século XIX, com o surgimento da Psicologia
Científica, foram propostas muitas teorias e visões variadas sobre a aprendizagem.
Cada autor apresenta suas diferentes concepções de acordo com o contexto social
e histórico que o envolvem, bem como com relação ao tipo de aprendizagem que
­investigam. As principais teorias do começo do século XX explicavam os mecanis-
mos e processos universais da aprendizagem. Essas teorias buscavam em última ins-
tância explicar como os seres humanos aprendem quaisquer coisas. Denominamos
de abordagens o agrupamento de teorias que partilham fundamentos e pressupostos
epistemológicos semelhantes. Estudaremos algumas abordagens teóricas clássicas
sobre a aprendizagem na próxima unidade.

Desde meados dos anos 1970, os pesquisadores começaram a modificar sua


­forma de compreender o fenômeno da aprendizagem, entendendo toda a diversidade
e complexidade desse processo em função das características do que seria aprendido,
dos contextos e dos próprios aprendizes. Essas teorias são normalmente mais espe-
cíficas e dizem respeito a aprendizagem pontual de conhecimentos ou habilidades, e
não de princípios universais da aprendizagem como era a proposta das teorias clássi-
cas. Elas são chamadas também de microteorias, em oposição às teorias ­anteriores,
que eram macroteorias buscando leis universais e princípios gerais (SARGIANI;
MALUF, 2018). Discutiremos algumas abordagens teóricas contemporâneas em uni-
dade posterior.

No século XXI, temos observado cada vez mais uma compreensão abrangente
da aprendizagem. Por abrangente entendemos uma visão que considere os princí-
pios universais como proposto pelas macroteorias e as especificidades das diferen-
tes aprendizagens como estudado pelas microteorias. Essa visão mais abrangente
busca incorporar as evidências encontradas pelos diferentes teóricos e olhar para a
­complexidade do fenômeno da aprendizagem em situações diversas. Reconhece-se
que aprender envolve mais do que apenas aspectos cognitivos e comportamentais,
mas também os aspectos emocionais, motivacionais e sociais/culturais. Essa é a vi-
são defendida pela Ciência Cognitiva e a que adotaremos neste curso.

Denominamos de Ciências Cognitivas ou apenas de Ciência Cognitiva o con-


junto de disciplinas científicas que estudam os mecanismos cerebrais e processos
cognitivos envolvidos na aprendizagem. Trata-se de uma área de conhecimentos de
natureza interdisciplinar, iniciada a partir dos anos 1950, e que se beneficia, sobre-
tudo, dos conhecimentos produzidos há mais de um século pela Psicologia, Filosofia,
­Antropologia, Linguística, Educação/Pedagogia e dos conhecimentos mais recentes
produzidos pelas Neurociências e os Estudos de Inteligência Artificial (Veremos mais
sobre isso em unidades posteriores).

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Linguística

Educação Neurociência

Inteligência Filosofia
artificial

Antropologia Psicologia
Figura 3

O grande diferencial trazido pela Ciência Cognitiva, além da visão interdisciplinar,


é o reconhecimento de que o cérebro é o responsável pela forma como processamos
as informações, armazenamos o conhecimento e selecionamos nosso comporta-
mento. Assim, entende-se que compreender o funcionamento do cérebro e as estra-
tégias que favorecem o seu desenvolvimento é essencial para que possamos entender
também sobre como as pessoas pensam, agem, aprendem e ensinam (EYSENCK,
KEANE, 2017).

O principal interesse dos cientistas cognitivos está, justamente, na compreensão


dos mecanismos e fatores que nos permitem avançar em nossas aprendizagens indi-
viduais e assim também contribuir para a evolução das nossas sociedades.

A palavra Cognição tem origem no Latim e significa o ato de conhecer, de saber.


Por isso, a Ciência Cognitiva é justamente aquela que se ocupa do estudo sobre
como podemos aprender, como podemos conhecer as coisas.

Como você já deve ter percebido até aqui, a aprendizagem é uma questão muito
complexa, envolve muitos fatores e diversas áreas do conhecimento têm produzido
subsídios para entendermos o que é e como ocorre a aprendizagem. Essa é a principal
razão para que o nome dessa disciplina esteja no plural e não no singular: Teorias
da Aprendizagem. Uma teoria científica é um conjunto de afirmações relacionadas
e que tem como função principal resumir e explicar as observações feitas por cien-
tistas ou pesquisadores (LEFRANÇOIS, 2016, p. 7). Ao longo da história, diversos
pensadores e pesquisadores olharam de diferentes maneiras para o fenômeno da
aprendizagem e criaram suas hipóteses e teorias.

Uma hipótese é uma afirmação sobre a realidade temporária. Ela é temporária


porque sempre irá carecer de testagem empírica, isto é, que se obtém com a obser-
vação da realidade. O trabalho de um pesquisador ou cientista é o de criar condições
para testar se as suas hipóteses, ou ideias provisórias, se confirmam ou se são refuta-
das e, desse modo, deve-se formular novas hipóteses. Por exemplo, um cientista pode
se perguntar se dar uma recompensa como um chocolate para uma criança a ajudará
a estudar mais. O raciocínio desse problema é que crianças normalmente gostam de

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Uma Compreensão Abrangente

chocolate, mas nem sempre de estudar, então se dermos um chocolate para ela toda
vez que ela estudar, ela poderá ficar mais motivada a continuar estudando.

A hipótese nesse caso, portanto, é de que dar chocolate aumentará a motivação


para o estudo. O teste empírico poderá ser escolher dois grupos de crianças e dar
chocolates para um grupo, e não para o outro. Se o grupo que recebeu chocolates
estudar mais do que o outro, então a hipótese é verdadeira, do contrário, ela deverá
ser reformulada. Supondo que o cientista encontre que chocolates ajudam a estudar
mais, ele provavelmente irá testar novas hipóteses, como se há diferenças entre for-
necer chocolate ao leite ou chocolate amargo. Além disso, ele logo irá perceber que
existem crianças que não gostam de chocolates e que, portanto, talvez esse doce não
seja eficiente para todos os casos. Assim, ele irá testando sempre novas hipóteses
e acumulando evidências que são reunidas no que denominamos de teorias. Várias
teorias com pressupostos semelhantes são chamadas de abordagens teóricas. Algumas
teorias da aprendizagem semelhantes a esse exemplo do chocolate foram desenvol-
vidas por teóricos denominados de behavioristas ou comportamentalistas, discuti-
remos suas teorias na próxima unidade.

É evidente que essa exemplificação é também uma simplificação de todo o ­método


científico, mas serve para ilustrar o processo envolvido na criação e testagem de teo-
rias. É importante também entender que as pessoas têm diferentes pontos de vista e
existem muitas possibilidades de aprendizagem. Desse modo, alguns teóricos podem
se preocupar mais com a aprendizagem escolar, outros com a aprendizagem motora,
ou ainda com a aprendizagem de conteúdos específicos como a aprendizagem de
matemática ou a aprendizagem de mecânica.

Assim, como já discutimos antes, não existe apenas uma única definição de
aprendizagem utilizada como conceito unitário. Pelo contrário, ao longo da história,
observamos o desenvolvimento de um grande número de teorias mais ou menos
singulares ou sobrepostas. Algumas dessas teorias são mais vigorosas, estudadas há
muitas décadas e já apresentam evidências bastante sólidas, elas são chamadas de
teorias clássicas da aprendizagem. Outras teorias são mais recentes, ainda estão
em pleno desenvolvimento e se fundamentam nas teorias clássicas e em novas evi-
dências, vamos denominar a essas de teorias contemporâneas da aprendizagem.

Definir e distinguir o que é contemporâneo versus ao que é clássico é uma es-


colha bastante subjetiva, uma vez que não se pode determinar objetivamente o que
torna uma teoria clássica ou o que seria efetivamente contemporâneo. Se pensarmos
na questão do tempo e delimitarmos apenas temporalmente, poderíamos incorrer
no erro de pensar que as teorias clássicas são antigas e não mais usuais. Isso não é
verdade, muitas das teorias clássicas que iremos discutir nessa disciplina são ampla-
mente utilizadas por especialistas em aprendizagem como psicólogos, pedagogos e
educadores, de modo geral.

As teorias de Piaget, Vygotsky e Skinner, por exemplo, talvez sejam as mais conhe-
cidas teorias da Psicologia e amplamente utilizadas por educadores. Elas inclusive são
muitas vezes a base das teorias que denominamos aqui de contemporâneas. O que
as  torna clássicas é realmente a sua importância e solidez, uma vez que muitas

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de suas hipóteses continuam ainda vigorosas, com muitas décadas de evidências
acumuladas. O fato dessas teorias serem amplamente conhecidas também faz com
que elas sejam amplamente mal compreendidas. Há muitos erros, generalizações
e misconceptions sobre esses teóricos e suas teorias.

Você Sabia
Misconception é um termo em inglês que traduzido literalmente significa equívoco, mas
essa expressão é normalmente utilizada em inglês para se referir a um entendimento equi-
vocado sobre um fato ou evidência científica. Assim, algumas pessoas leem apenas parte
da obra de um autor e derivam ideias que não foram necessariamente trazidas por esse
pesquisador.

À guisa de exemplificação, Jean Piaget, por exemplo, em sua teoria postula que o
desenvolvimento precede a aprendizagem, ou seja, as crianças precisam desenvolver
certas formas de pensar para compreender certos fenômenos. Contudo, algumas
pessoas interpretam erroneamente que, então, não se deve ensinar algumas coisas
para crianças pequenas, porque elas ainda não estão “aptas” a aprender. Na reali-
dade, isso é uma transposição de uma teoria da aprendizagem para uma teoria do
ensino feita de modo muito equivocado. Veremos melhor essas nuances ao longo
dessa e das próximas unidades.

O fato de as crianças ainda não terem desenvolvido certas formas de pensar, não
as limita totalmente, e elas podem sim potencialmente aprender desde que o con-
teúdo que se quer ensinar seja adaptado a sua compreensão, assim como também
propuseram teóricos como Vygotsky e Bruner. Outra misconception muito comum
é a de que os teóricos behavioristas como Skinner pensam na aprendizagem de um
modo muito mecanicista e sem considerar toda a subjetividade dos aprendizes ou a
importância da cultura, veremos mais adiante que se trata também de outra má-inter-
pretação. Um equívoco muito comum, independentemente da teoria, é acreditar que
a aprendizagem ocorra como um processo uniforme para todos os indivíduos, sem
reconhecer que na verdade há muita variação em função de diversos fatores como
as características individuais, o que será aprendido e as condições de aprendizagem.

O fato é que as teorias são sempre explicações possíveis sobre a realidade, por-
tanto, são fragmentadas e não são verdades absolutas e imutáveis, elas podem sim
serem equivocadas ou ficar ultrapassadas. Como conjuntos de explicações teóricas
sobre a realidade, elas precisam ser constantemente colocadas à prova. Faz parte do
método científico criar hipóteses sobre o mundo, isto é, respostas provisórias e, em
seguida, criar condições de testar essas hipóteses de modo objetivo e que possa ser
replicado por outras pessoas. Uma vez que se testa uma hipótese, pode-se encontrar
evidências em favor ou contrárias. Se as evidências forem a favor, avança-se um
pouco mais e se testa novas hipóteses, se forem contrárias, rejeitam-se as hipóteses
iniciais e criam-se novas hipóteses. Assim, o trabalho de um cientista nunca acaba,
pois sempre é necessário se pensar em novas respostas para explicar os fenômenos
que se apresentam. As teorias são vivas e continuam a evoluir. O que se pensava há

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100 anos sobre a aprendizagem, deve ser atualizado sempre em função de novos
conhecimentos, fatos, contextos e tecnologias.

Hoje em dia, as crianças nascem e já são expostas imediatamente há várias tecno-


logias digitais como tablets, celulares, televisões, internet e brinquedos eletrônicos.
Efetivamente, isso implica em entender que se o contexto foi modificado, as for-
mas de aprender também podem potencialmente terem sido modificadas. É possível
­inferir que deve ser diferente aprender hoje algumas coisas do que seria para uma
criança nascida no começo do século XX, sem televisão, internet ou rádio. O mundo
muda o tempo todo e o que temos de aprender é olhar para o passado para aprender
com ele, e não para reproduzi-lo. As teorias clássicas são um norte, mas nem tudo o
que foi teorizado continua a se mostrar real nos dias atuais, e, por isso, é preciso sem-
pre buscar a atualização e desenvolver um olhar crítico. As pesquisas mais ­recentes
trazem novas evidências e assim vamos criando novas teorias mais contemporâneas.
Essas são igualmente não perfeitas, mas muitas vezes respondem melhor às deman-
das atuais, que não poderiam ser previstas há 50 anos.

Hoje, você está aprendendo via uma disciplina online, nosso contato principal
de professor-aluno está se dando via esse texto e algumas aulas em vídeo. Nossa
interação é diferente da que nossos pais, avós e bisavós vivenciaram quando estuda-
ram. Por certo tempo, houve até mesmo ensino a distância via cartas, hoje as pes-
soas recebem cada vez menos cartas, mas passaram a receber centenas de e-mails
que antes nem existiam. As salas de aula estão se transformando, e, como nós,
­especialistas em aprendizagem, podemos pensar na aprendizagem nesses diferentes
contextos? Como podemos compreender as melhores formas de se aprender um
determinado conteúdo? Será que todo mundo aprende igual? Será que aprendemos
melhor que nossos antepassados? Será que aprendemos pior?

Essas respostas ainda estão porvir, mas espero que desde já esse seja o começo
de uma revolução de aprendizagens para você. Que você possa refletir sobre as dife-
rentes formas e possibilidades de aprender. Nunca esquecendo de que quem aprende,
aprende sempre alguma coisa. Não aprendemos de forma indeterminada e no vazio.
Assim, precisamos entender as particularidades da aprendizagem de diferentes con-
teúdos e em diferentes contextos. Aprender uma habilidade é diferente de aprender
um conhecimento, um fato etc. Aprender matemática, por exemplo, é diferente de
aprender a dirigir. Contudo, usamos sempre o mesmo corpo, o mesmo cérebro,
a mesma cognição para aprender e, por isso, é possível estudar cientificamente a
aprendizagem e encontrar princípios comuns a todas as aprendizagens.

A Relação entre Aprendizagem


e o Desenvolvimento Humano
Alguns termos e conceitos que utilizamos em Psicologia são na realidade empresta-
dos do uso popular e cotidiano, por exemplo: inteligência, linguagem, personalidade,­

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desenvolvimento e aprendizagem. Esses termos são comumente utilizados pelas
pessoas há muito tempo, sem que elas de fato pensem nos aspectos teóricos ou
conceituais que os cientistas atribuem a eles. Quando essas palavras são utilizadas
por psicólogos, elas ganham uma definição específica que as tornam não mais ape-
nas palavras, mas sim conceitos ou construtos teóricos. Nesse sentido, ouvimos as
palavras aprendizagem e desenvolvimento ao longo de toda nossa vida e podemos
ter várias ideias sobre elas, que são anteriores às definições conceituais que iremos
adotar nessa disciplina. Assim, é importante partirmos de definições iniciais e delimi-
tarmos o que entendemos por aprendizagem e desenvolvimento nesse curso.

A noção geral é de que desenvolvimento e aprendizagem são/estão intimamente


interligados. Nós poderíamos até mesmo usar essas duas palavras como sinônimos.
Por exemplo, o João já desenvolveu a leitura ou o João já aprendeu a ler são pra-
ticamente frases sinônimas para leigos. Contudo, psicólogos usam esses termos de
maneira muito distinta. A noção de desenvolvimento carrega em si uma ideia de
aquisição mais natural e fluida, a aprendizagem ocorre de maneira mais contínua
e com mudanças qualitativas. As pessoas crescem se desenvolvem mesmo que não
queiram. Não se pode evitar passar pelas fases de bebê, criança, adolescente, adulto
e idoso e nem mesmo pular quaisquer dessas fases. Por outro lado, podemos ou não
aprender a ler ou aprender a jogar futebol, cantar, dançar. Perceba que nesses casos,
as mudanças não dependem apenas do indivíduo e de sua constituição biológica,
para adquirir certas habilidades, é necessário ter uma interação com o meio físico e
social e é nessa interação que ocorre a aprendizagem.

Alguém poderá dizer que no caso do desenvolvimento também precisamos da


interação com o meio físico e social, afinal nós não crescemos no vazio, mas sim
sendo alimentados, cuidados, estimulados e interagindo com nossa família e socie-
dade. Isso não está errado, é justamente por isso que é tão difícil separar desenvol-
vimento de aprendizagem. A diferença essencial é entender que quando estamos
falando de desenvolvimento, falamos daquilo que é comum a toda a espécie humana
(filogênese), enquanto a aprendizagem está mais ligada ao que se adquire na história
de vida de uma pessoa (ontogênese), por exemplo, conhecer ou não física quântica.
Podemos dizer que a diferença é entre aquilo que podemos fazer por nós mesmos e
aquilo que dependemos de um contexto, de uma situação específica, que nos facilite
e propicie essa aprendizagem.

Distinguir esses dois conceitos não é tarefa fácil, existem muitos debates e discor-
dâncias. Skinner, por exemplo, não utiliza a noção de desenvolvimento, antes, utiliza
apenas o conceito de aprendizagem em sua teoria, entendendo esta como as mudanças
duradouras que são consequências das respostas dadas pelo sujeito aos estímulos
fornecidos pelo ambiente externo. Para Skinner, tudo aquilo que somos e sabemos
é fruto da aprendizagem. Para Piaget, o desenvolvimento é fundamental, e é porque
nos desenvolvemos que podemos aprender, ou seja, ele enfatiza mais o crescimento
de nossas potencialidades que são frutos da nossa biologia e os processos mentais
de construção e assimilação desse conhecimento. Vygotsky, por sua vez, propôs que
desenvolvimento e aprendizagem são importantes, mas, ao contrário de Piaget, ele

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Uma Compreensão Abrangente

afirmava que não é preciso esperar que ocorra o desenvolvimento para que se possa
aprender, pois quando se aprende se avança no desenvolvimento.

Como você pode ver, não se trata apenas do uso de termos diferentes, mas tam-
bém de posições epistemológicas e explicações distintas. Em síntese, quando fala-
mos em desenvolvimento, estamos pensando mais nas mudanças que ocorrem ao
longo do tempo, sejam elas físicas, motoras, cognitivas, emocionais ou da personali-
dade de uma pessoa. Enquanto quando falamos de aprendizagem, estamos falando
de um processo de aquisição que permite a ocorrência de mudanças duradoras na
nossa vida como fruto da nossa interação com o meio físico e social.

A distinção que você deve fazer, portanto, é a de que as pessoas que estudam e
teorizam sobre o desenvolvimento estão pensando sobre o modo como as pessoas
crescem e mudam quando elas vão envelhecendo, já aprendizagem é um desses
mecanismos de mudança. Podemos estudar o desenvolvimento físico, motor, social,
linguístico, cognitivo, moral e afetivo. Os mecanismos envolvidos no desenvolvimento
podem ser diferentes. Um mecanismo é o crescimento, que é o processo físico de
desenvolvimento, mais especificamente o processo de ficarmos cada vez maiores
fisicamente. Por outro lado, temos a maturação, que é um processo de desenvolvi-
mento físico, intelectual ou emocional, mais influenciado pela genética. Por exemplo,
quando envelhecemos, nossa estrutura óssea cresce e se modifica e a maturação
sexual permite que os órgãos sexuais se tornem aptos para a reprodução.

Por fim, a aprendizagem poderia ser considerada como um outro mecanismo de


desenvolvimento, pois vai permitir que as experiências e vivências ambientais pro-
movam mudanças duradouras no organismo. Enquanto todos nós iremos crescer e
ter a maturação de nossos órgãos, nem todo mundo irá aprender as mesmas coisas.
A aprendizagem é um dos mecanismos do desenvolvimento humano e justamente
por isso ocupa papel central na educação, pois é por meio do ensino que promove-
mos a aprendizagem de habilidades, valores e conhecimentos que irão permitir às
crianças se desenvolverem para além de suas potencialidades biológicas.

Processos Básicos e Dimensões


da Aprendizagem
Toda aprendizagem acarreta a integração de dois processos muito diferentes: um
processo externo de interação entre o indivíduo e seu ambiente social, cultural
ou material, e um processo psicológico interno de aquisição, processamento e
armazenamento de informações. Algumas teorias acabam dissociando esses dois
processos e estudando ou um ou outro, isso não significa que elas estejam completa-
mente erradas, é de fato, possível estudar esses processos separadamente. Contudo,
essas teorias não cobrem todo o campo da aprendizagem. Teóricos cognitivistas
ou construtivistas, por exemplo, privilegiam os processos internos, enquanto certas

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teorias de aprendizagem social ou behavioristas acabam enfatizando mais o processo
externo, por vezes ignorando ou minimizando a importância do processo interno.

Uma visão que reúne as duas visões é proposta por Illeris (2013) que, ao inte-
grar esses dois processos, aponta para a importância também de três dimensões
da aprendizagem. A dimensão do conteúdo, que diz respeito àquilo que deve ser
aprendido, como conhecimentos ou habilidades, valores, atitudes, métodos, estra-
tégias etc. A dimensão do incentivo, que diz respeito à energia mental necessária
para o processo de aprendizagem, envolvendo os sentimentos, emoções e motiva-
ção para aprender. E por último, a dimensão da interação, que propicia os im-
pulsos que dão início aos processos de aprendizagem, podendo ocorrer na forma
de percepção, transmissão, experiência, imitação, atividade, participação. Essa é a
dimensão que propicia a integração pessoal em comunidades e na sociedade. Assim,
a aprendizagem começa com o corpo e ocorre por intermédio do cérebro, que tam-
bém faz parte do corpo, e apenas gradualmente o lado mental é separado como uma
área ou função específica, mas nunca totalmente independente e sempre inserida
em um meio físico e social.

Embora seja praticamente impossível dar uma única definição de aprendizagem


para a Psicologia que seja de aceitação geral para todos, segundo Hill (1981), pode-
mos assinalar alguns fenômenos aos quais o termo aprendizagem é ou não aplicado:
• O que é aprendido não necessariamente é “correto” ou adaptativo, podemos
aprender tanto coisas boas quanto coisas ruins. Ex.: pode-se aprender a salvar
vidas enquanto médico, ou a tirar vidas enquanto assassino;
• O que é aprendido não é necessariamente consciente ou deliberado. Aprende-
mos o tempo todo de forma implícita e explícita. Ex.: uma criança pode apren-
der a falar palavrões implicitamente pela observação de seus pais e explicita-
mente aprender que não se deve falar palavrões porque é advertida pelos pais;
• Aprender não envolve necessariamente qualquer ato manifesto, pode-se apren-
der atitudes, valores e emoções da mesma forma como se aprendem conheci-
mentos e habilidades. Embora se saiba que alguém aprendeu algo quando a pes-
soa demonstra, ela pode apenas ter o conhecimento adquirido sem demonstrar.
Ex.: na escola, muitas aprendizagens são explicitas, pois o professor deliberada-
mente ensina os conteúdos, mas os alunos também podem aprender implicita-
mente os valores e atitudes do professor, como seu respeito pelos alunos, ou o
amor pelo que ensina.

Assim, podemos perceber que quando falamos em aprendizagem estamos na


verdade falando de uma miríade de possibilidades de coisas diferentes que podem ser
aprendidas. Saber cantar, limpar uma casa, dirigir um automóvel, conhecer as letras
de músicas, ter princípios éticos, reconhecer amigos, lembrar de viagens e férias
agradáveis e acreditar na importância da democracia e dos direitos humanos, são
todos frutos de aprendizagens. Assim, como também são frutos de aprendizagens
nossas preferências musicais e alimentares, ou o comportamento violento e agressivo
de algumas pessoas.

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UNIDADE Aprendizagem Humana no Século XXI:
Uma Compreensão Abrangente

Para saber mais sobre a história da humanidade e todas as aprendizagens e conquistas que
tivemos e nos caracterizam como humanos leia o livro de Harari, Y. N. Sapiens: Uma Breve
História da Humanidade. São Paulo: L&PM, Edição, 2015.

Tipos de Aprendizagem
Aprender não é apenas arquivar conhecimentos em nossos cérebros como se es-
ses fossem uma biblioteca antiga repleta de livros dispostos em estantes enfileiradas.
Na  realidade, esse conhecimento é distribuído em várias redes neurais formadas
pelas múltiplas conexões entre neurônios e que possibilitam a criação do que os
psicólogos cognitivos chamam de esquemas mentais. Esses esquemas são o resul-
tado da aprendizagem, são um modelo mental, que é o resultado do processamento
cognitivo daquilo que foi aprendido e que nos possibilitará recuperar informações e
usá-las no momento apropriado (EYSENCK, KEANE, 2017; ILLERIS, 2013).

Diversos teóricos também classificam tipos de aprendizagem que podemos ter.


O tipo mais comum é chamado de aprendizagem assimilativa ou por adição, e
significa que uma nova informação é adicionada ao esquema ou padrão mental já
existente. Nas escolas, por exemplo, os currículos são estruturados de modo que as
disciplinas sempre forneçam elementos novos que se adicionem aos anteriores já
ensinados e supostamente aprendidos. Contudo, esse tipo de aprendizagem ocorre
em todos os contextos em que o aprendiz desenvolve suas capacidades gradualmente
(ILLERIS, 2013).

Outro tipo de aprendizagem é denominado de acomodativa ou transcendente.


Esse tipo de aprendizagem implica na necessidade de se decompor e transformar um
esquema mental previamente estabelecido de modo que se possa adequar o conhe-
cimento a uma nova situação. É um tipo de aprendizagem mais difícil e mentalmente
custoso, pois se deve romper com o que já se estabeleceu como conhecimento e
criar novas alternativas e formas de pensar. O conhecimento adquirido na aprendi-
zagem assimilativa costuma ser de difícil generalização, enquanto o conhecimento
oriundo da aprendizagem acomodativa pode ser empregado em diferentes contextos
mais facilmente. Piaget chamava esses tipos de aprendizagem de assimilação e
acomodação como veremos na próxima unidade.

Outros tipos de aprendizagens são descritos por teóricos como o psicólogo norte-
-americano David Ausubel (1918-2008), por exemplo, que diferenciou entre a apren-
dizagem mecânica e a aprendizagem significativa. Uma aprendizagem é mecânica
quando ela acontece apenas por memorização, repetição e não tem um significado
real para aquele que está aprendendo. Por oposição, a aprendizagem significativa é
aquela em que o aprendiz relaciona o que está aprendendo com conhecimentos pré-
vios que já possuía e assim encontra sentido e significado nessa aprendizagem que,

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portanto, torna-se importante e duradora. Obviamente que o objetivo da educação
deveria ser criar situações para a aprendizagem significativa, mas isso nem sempre é
o que acontece na maioria de nossas escolas.

Isso não significa que a memorização não seja importante, mas que existem
diferentes tipos de aprendizagem para diferentes conteúdos. Aprender um número
de telefone é basicamente uma questão de aprendizagem mecânica, enquanto aprender
sobre aprendizagem deveria ser algo prazeroso e significativo, uma vez que você irá
utilizar esse conhecimento por muito tempo.

Podemos ainda falar de aprendizagem transformadora, que acarreta mudanças


na personalidade, sendo a mais custosa, uma vez que implica em mudanças profundas
e amplas que incluem a mudança de vários grupos de esquemas mentais (ILLERIS,
2013). Como já mencionamos anteriormente, temos também a aprendizagem implícita
e a aprendizagem explícita. A primeira ocorre por mera exposição a algo, sem que
tenhamos consciência de que estamos aprendendo, por exemplo, uma criança aprende
a gramática de sua língua implicitamente, mas como consequência não saberá explicar
o porquê de a frase “Os menina joga bola” estar incorreta. Já a aprendizagem explícita
demanda mais esforço cognitivo, isto é, prestar atenção e refletir deliberadamente sobre
algo. Assim, uma criança pode ser explicitamente ensinada sobre as regras gramáticas e
a importância da concordância verbal e nominal (EYSENCK, KEANE, 2017).

Esses não são os únicos tipos de aprendizagem e nem as únicas formas possíveis
de defini-los. Algumas vezes teóricos diferentes podem oferecer classificações distin-
tas para um mesmo tipo de aprendizagem já previamente estudado. Veremos mais
tipos de aprendizagens ao longo deste curso quando introduzirmos as teorias nas
próximas unidades.

Condições Internas e
Externas de Aprendizagem
Caminhando para a conclusão desta Unidade é importante apresentar uma breve
revisão e síntese focando em aspectos importantes sobre a aprendizagem.

Se você perguntar a qualquer pessoa o que é aprendizagem, muito provavelmente


a resposta terá a ver com aquisição de conhecimentos ou habilidades. Agora imagine
a situação de alguém que nunca viu um dromedário, e que na primeira vez que se
depara com um, outrem lhe diz o nome e que se trata de um mamífero que é pare-
cido com um camelo. Na próxima vez que a pessoa encontrar um dromedário, ou
pelo menos a foto de um, ela dirá que se trata de um dromedário. Essa aquisição
do conhecimento e mudança de comportamento é tipicamente o que chamamos
de aprendizagem.

Aprender, portanto, implica em conhecer algo que não se conhecia antes e


também modificar o nosso comportamento em função desse novo conhecimento.

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UNIDADE Aprendizagem Humana no Século XXI:
Uma Compreensão Abrangente

Uma criança que ainda não sabe ler passa, todos os dias, por várias coisas escritas
ao seu redor, como placas, letreiros, jornais, anúncios etc. E ela nem percebe que
elas estão ali ou que têm quaisquer significados. Contudo, uma vez que ela aprende
que as letras representam sons e a escrita, portanto, tem uma função de armazenar
e transmitir mensagens, essa mesma criança muda seu comportamento e passa a
se interessar e tentar ler tudo aquilo que ela encontra. Algumas vezes notamos essa
súbita diferença entre o não saber algo e o de repente compreender após uma apren-
dizagem, e podemos chamar a isso de insight.

As mudanças da aprendizagem nem sempre são tão óbvias como saber o nome
ou não de um dromedário. Algumas vezes elas são sutis, são mudanças de disposição
como quando adquirimos um hábito ou quando a criança passa a notar as palavras
escritas. Essas aprendizagens têm a ver com o que denominamos de motivação para
aprender (DUMARD, 2015). Estar motivado é estar interessado, disposto a conhe-
cer algo novo. Por algum tempo, valorizou-se mais os processos cognitivos do que
os volitivos e afetivos, mas hoje sabemos que a motivação, assim como o afeto, é
fundamental para aprender, e que ela pode ser tanto intrínseca quanto extrínseca.

A motivação intrínseca é também chamada de interna, e literalmente significa


aquela que vem de dentro. É, portanto, mais forte e costuma ser mais duradoura.
Motivação é o impulso ou força que nos leva a fazer alguma ação. Nesse momento,
você provavelmente está lendo esse texto em grande parte devido a sua motivação
intrínseca, pois quer aprender mais sobre a aprendizagem e/ou se formar ao final
do curso. Isso faz com que o fato de encontrar aquilo que procura, ou seja, aprender
­esses conhecimentos te motive a continuar a aprendendo. Por outro lado, alguém
pode estar aprendendo alguma coisa sem muita vontade, porque não se tem escolha.
Por exemplo, uma criança que é obrigada a ir à escola; não necessariamente ela estará
motivada intrinsecamente para aprender. Caberá ao professor e aos r­esponsáveis
pela criança criarem condições de motivação intrínseca e extrínseca, que podem
variar grandemente. A motivação extrínseca é aquela que vem de fora, são os estí-
mulos, benefícios ou recompensas que nos motivam a fazer algo.

Assim, os pais podem, por exemplo, tentar incentivar com presentes, brinquedos
ou até mesmo dinheiro. Os professores, por sua vez, podem tentar incentivar com
elogios, boas notas e até mesmo punições, como impedindo que a criança participe
do recreio, das aulas de educação física ou de algum jogo. Contudo, nenhum desses
casos será tão efetivo ou recomendável quanto estimular a criança a desenvolver
a própria motivação intrínseca pela aprendizagem. Como você pode imaginar até
aqui, quando a motivação é externa ela quase sempre será efêmera, fugaz e menos
efetiva do que a motivação interna. Pais e professores devem buscar auxiliar as
crianças a desenvolver a motivação intrínseca pela aprendizagem. A curiosidade está
ligada a motivação interna, quando estamos curiosos queremos aprender por vontade
própria. Como especialistas em aprendizagem, precisamos estimular o aprender a
gostar de aprender, querer aprender mais pelo fato de saber o novo e não por um
presente, recompensa ou mesmo punição.

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Assim, a aprendizagem depende sempre de condições internas e externas para
que ocorra. Internamente, podemos pensar na motivação e nos conhecimentos pré-
vios que facilitam ou dificultam a aprendizagem. Externamente, podemos pensar em
diversos fatores como as condições de ensino, as desigualdades socioeconômicas
e também a própria motivação. Em situações ideais é muito fácil aprender, mas o
mundo não é feito de situações ideais, e sim de situações reais e possíveis. Sempre
existirão diversos obstáculos para a aprendizagem e como um especialista em apren-
dizagem você deve buscar sempre entender quais são os fatores que estão influen-
ciando naquela situação específica. Quais são os fatores que explicam o porquê dessa
aprendizagem estar ou não ocorrendo?

Esses fatores podem ser muito diversos, podem ser relacionados, por exemplo,
ao tipo de conteúdo a ser aprendido. Algumas coisas são mais difíceis do que outras,
por exemplo, aprender a apontar o lápis é muito mais fácil do que aprender a fazer
desenhos ultrarrealistas. Nesse caso, é preciso delimitar os conhecimentos neces-
sários para se aprender, o que é o objetivo final, e criar condições, dividindo os
conteúdos em etapas mais simples. É para isso que existem os currículos e planos
de ensino nas escolas. Seria muito difícil ensinar como construir foguetes em uma
aula, mas é possível dividir em vários anos e várias disciplinas e assim ao final de
4 ou 5 anos você se tornaria hábil em construir foguetes ou pelo menos a entender
como pode continuar a aprender sobre isso. A mesma coisa em uma situação mais
simples como ensinar a ler. Ensinar a ler com fluência e compreensão um livro como
“Dom Casmurro”, de Machado de Assis, é impossível em uma só aula no 1º ano do
Ensino Fundamental. Mas podemos ensinar as crianças primeiro quais são as letras
do alfabeto, quais são os fonemas que elas representam, depois como dividir palavras
faladas em fonemas e usar letras para escrevê-las. Até que se ensina às crianças a
cada vez mais desenvolverem fluência e compreensão de leitura e elas possam ler
com prazer e autonomia um clássico como Dom Casmurro.

Ao analisar uma situação de aprendizagem, portanto, a primeira coisa que deve-


mos pensar é o que se está tentando aprender. Depois, partiremos para entender o
que é necessário para que essa aprendizagem ocorra, quais são as etapas, conhe-
cimentos e habilidades necessárias. Em seguida, precisamos pensar nas condições
do aprendiz. Ele possui esses conhecimentos e habilidades? Ele possui motivação
intrínseca e extrínseca para aprender? Esse aprendiz vive em condições precárias
e sente muita fome quando chega a escola? Alguém pode aprender com fome?
Dá para aprender algo novo quando se pensa em outra coisa básica como a comida?
As necessidades básicas precisam também ser contempladas para que a aprendiza-
gem ocorra de modo eficiente.

Não estamos aqui culpabilizando as crianças ou aprendizes por suas eventuais


dificuldades em aprender, estamos apenas reconhecendo que essas características
individuais afetam também à aprendizagem. Um bom especialista em aprendizagem
não pode ignorar esses fatores internos, mas também não pode se limitar a eles.
Precisamos investigar os fatores externos e que tipicamente são os grandes respon-
sáveis pela maior parte das dificuldades de aprendizagem. Se estamos falando de

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UNIDADE Aprendizagem Humana no Século XXI:
Uma Compreensão Abrangente

aprendizagem em ambientes escolares, os professores, os materiais pedagógicos e


os currículos são os principais fatores externos que devem ser analisados. Algumas
vezes, os professores podem não estar notando algumas necessidades específicas de
seus alunos, ou os materiais pedagógicos/didáticos não são apropriados para todos,
ou o currículo não está bem organizado, ou sendo implementado adequadamente.
Não se trata novamente de culpar a um ou outro desses fatores, mas sim entender
como todos eles podem influenciar na situação de aprendizagem.

Fora das escolas, a aprendizagem ocorre o tempo todo e em todos os lugares.


Uma criança não nasce sabendo falar ou andar, mas aprende isso nos primeiros
anos de vida e, de modo geral, com certa facilidade. Entretanto, essa aprendizagem
também não ocorre sem a presença de estímulos ou a possibilidade de exercitar e
explorar novas experiências. As crianças precisam de ambientes que possibilitem a
exploração para que tentem olhar para novas coisas e tentem alcançá-las, mover o
corpo como for possível até que se tente engatinhar e depois se tente ficar de pé
como os adultos e, então se passe a andar tropeçando e caindo, mas levantando e
tentando novamente até que se estabilize e se possa correr, com quedas, mas sempre
se recuperando e tentando novamente.

Agora imagine uma situação irreal, mas infelizmente possível de acontecer, em


que as crianças são completamente impedidas de explorar, são deixadas apenas
no berço o tempo todo, no máximo são pegas no colo por alguns minutos. Essas
crianças iriam ficar impedidas de tentar explorar, e não aprenderiam a andar. Como
também não aprenderiam a falar se não escutassem pessoas falando ao seu redor
e consigo. Não há como aprender se não for estimulado, se não receber estímulos
para isso. Os estímulos podem estar disponíveis no ambiente ou ser fornecidos por
alguém, nas escolas os professores propiciam condições de aprendizagem ao esco-
lher os estímulos apropriados.

Essa é uma discussão muito profícua e que ganhará cada vez mais corpo e con-
sistência a medida em que avançarmos neste curso. Espero que você tenha cada
vez mais motivação intrínseca para que continue a devorar cada unidade e busque
sempre mais informações. Este curso foi planejado para que você tenha todas os estí-
mulos e condições apropriadas para a sua aprendizagem e para aprender a aprender,
isto é, ter o controle intencional sobre suas formas de aprendizagem, podendo assim
aprender mais e de forma melhor. Nas próximas unidades, veremos como diferentes
teorias da aprendizagem contribuem para isso, lançando luz em diferentes pontos e
fatores importantes. Também veremos como particularidades da aprendizagem em
diferentes contextos. Por hora, desejo a você uma aprendizagem muito eficiente e
prazerosa. Até a próxima unidade!

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Livros
Entre a ciência e a sapiência: o dilema da educação
ALVES, R. Entre a ciência e a sapiência: o dilema da educação. São Paulo:
Edições Loyola, 2006.
Caçadores de neuromitos
EKUNI, R.; ZEGGIO, L.; BUENO, O. F. A. (eds.) Caçadores de neuromitos. O que
você sabe sobre o seu cérebro é verdade? São Paulo: Mennon, 2015.

Vídeos
Traga a revolução da aprendizagem!
ROBINSON K., Sir. Traga a revolução da aprendizagem! (2010) TED Talks.
https://bit.ly/321uOYC

Leitura
Motivação intrínseca e extrínseca: diferenças no sexo e na idade
PANSERA, S. M. et al. Motivação intrínseca e extrínseca: diferenças no sexo e na
idade. Psicol. Esc. Educ., Maringá, v. 20, n. 2, p. 313-320, Ago. 2016.
https://bit.ly/2F8bv6E

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UNIDADE Aprendizagem Humana no Século XXI:
Uma Compreensão Abrangente

Referências
BIGGE, M. L. Teorias da aprendizagem para professores. São Paulo: Editora
pedagógica e universitária, 1977.

COSENZA, R. M.; GUERRA, L. B. Neurociência e Educação: Como o cérebro


aprende. Porto Alegre: Artmed, 2011.

DUMARD, K. Aprendizagem e sua dimensão cognitiva, afetiva e social. São


Paulo: Cengage Learning, 2015.

EYSENCK, M. W.; KEANE, M. T. Manual de Psicologia Cognitiva. Porto Alegre:


Artmed, 2017.

ILLERIS, K. (org.). Teorias Contemporâneas da Aprendizagem. Porto Alegre:


Penso, 2013.

HILL, W. F. Aprendizagem. Rio de Janeiro: Guanabara Dois, 1981.

LEFRANÇOIS, G. R. Teorias da Aprendizagem: o que o professor disse. São Paulo:


Cengage Learning, 2019.

SARGIANI, R. de A.; MALUF, M. R. Linguagem, Cognição e Educação Infantil:


Contribuições da Psicologia Cognitiva e das Neurociências. Psicol. Esc. Educ.,
­Maringá, v. 22, n. 3, p. 477-484, Dez. 2018.

THOMAS, G.; PRING, R.. Educação baseada em evidências: a utilização dos acha-
dos científicos para a qualificação da prática pedagógica. Porto Alegre: Artmed, 2007.

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