Você está na página 1de 32

Psicologia da Educação

Material Teórico
Teorias do Desenvolvimento Humano e Implicações Pedagógicas

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Ms. Pascoal Ferrari
Profa. Dra. Rosana Tosi Costa

Revisão Técnica:
Prof. Dr. Renan de Almeida Sargiani

Revisão Textual:
Profa. Dra. Selma Aparecida Cesarin
Teorias do Desenvolvimento Humano e
Implicações Pedagógicas

• Desenvolvimento Humano e Educação: o Ciclo Vital


• A Epistemologia Genética de Jean Piaget
• A Teoria Histórico-Cultural de Lev Vygotsky
• A Teoria da Psicogênese da Pessoa Completa, de Henri Wallon
• Contribuições de Sigmund Freud, Erik Erikson e Urie Bronfenbrenner

OBJETIVO DE APRENDIZADO
· Esta Unidade tem por objetivo apresentar, distinguir e discutir as
principais contribuições de teóricos do Desenvolvimento Humano
para a Educação, com foco nas teorias de Jean Piaget, Lev Vygotsky
e Henri Wallon.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como o seu “momento do estudo”.

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo.

No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e
sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também
encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados.

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão,
pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato
com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem.
UNIDADE Teorias do Desenvolvimento Humano e Implicações Pedagógicas

Desenvolvimento Humano e Educação:


o Ciclo Vital
Ao longo da História da Humanidade, diferentes culturas tiveram entendimentos
distintos sobre as crianças e suas diferenças em relação aos adultos. Mas, sem
dúvida, os mais significativos avanços foram feitos com o surgimento da Psicologia
Científica e os estudos sobre o desenvolvimento infantil.

Para saber mais sobre como a nossa visão a respeito da infância foi se modificando ao
Explor

longo da História leia: ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. 2.ed. Rio
de Janeiro: LTC, 2006.

Nesta Disciplina de Psicologia da Educação, nós falamos quase sempre em apren-


dizagem, e não em desenvolvimento. Contudo, aprendizagem e desenvolvimento
são dois conceitos muito importantes para a Psicologia da Educação. Por vezes, são
definidos de forma muito semelhante; outras, de forma muito contrastante e, ainda,
há vezes em que eles são complementares e se inter-relacionam.

Teóricos da abordagem comportamentalista, por exemplo, não usam o conceito


de desenvolvimento, mas sim o de aprendizagem, como veremos na Unidade 4, pela
ênfase que dão à influência do ambiente e por entenderem o “desenvolvimento”
como algo contínuo, e não dividido em etapas.

Já teóricos de abordagens cognitivistas e construtivistas se valem de ambos os


conceitos. Alguns deles usam a noção de desenvolvimento mais atrelada a questões
biológicas, enquanto outros acreditam na interação entre o que é biológico e o que
é ambiental.

De modo geral, a ideia de desenvolvimento tem a ver com as mudanças, a


sequência de etapas qualitativamente diferentes que mudam a nossa forma de
pensar, ser, sentir e agir.

Segundo Bock, Furtado e Teixeira (2009, p.99-100), o desenvolvimento


humano deve ser entendido em sua totalidade, destacando, para isso, quatro
aspectos básicos do desenvolvimento humano.

Observe a Tabela a seguir:


Tabela 1. Aspectos básicos do desenvolvimento humano

Refere-se ao crescimento orgânico, à maturação neurofisiológica, à capacidade de


Aspecto físico-motor manipulação de objetos e de exercício do próprio corpo, à coordenação motora.

É a capacidade de pensamento, memória, lógica e raciocínio. Por exemplo:


Aspecto intelectual-cognitivo uma criança brincando e um adolescente planejando os gastos de sua mesada,
operações mais complexas.

8
É o modo particular de o indivíduo integrar as suas experiências. É o sentir. Por
Aspecto afetivo-emocional exemplo: a sexualidade, os medos, as alegrias.

É a maneira como o indivíduo reage diante das situações que envolvem outras
Aspectos sociais pessoas. Por exemplo: socialização da criança.
Fonte: Adaptado de Bock, Furtado e Teixeira (2009, p.99-100)

As Teorias do Desenvolvimento Humano normalmente partem do pressuposto


de que esses quatro aspectos são indissociados, mas teorias distintas acabam
enfatizando mais um ou outro aspecto em diferentes momentos, como veremos
mais adiante. Influenciados por esses aspectos, nós crescemos e nos desenvolvemos,
e somos potencializados para aprender.

A Psicologia Científica construiu diversas Teorias sobre a relação ensino-


aprendizagem considerando a influência desses mesmos aspectos. Nesta unidade e
na próxima, iremos discutir essas Teorias em mais profundidade.

Além disso, uma discussão muito importante sobre o desenvolvimento humano


se refere ao papel do inato e do adquirido. É fato que nós herdamos uma genética
e que tudo que somos depende dessa Genética, ou seja, do que é inato. Todavia,
não basta ter a receita de um bolo para que o bolo saia exatamente igual, ou
seja, existem outras variáveis que interferem. Nós nascemos com potencial
genético humano, mas somos transformados no/e pelo meio físico e cultural em
que vivemos. Nós nascemos com potencial para aprender qualquer língua, mas
aprendemos justamente aquela que compartilham as pessoas ao nosso redor; nós
temos um potencial genético para a altura, mas só atingiremos esse potencial se
tivermos alimentação e atividade física compatíveis, ou seja, nosso desenvolvimento
depende sempre da interação entre a genética e o nosso meio físico e cultural.

Atualmente, a questão do debate entre inato e adquirido não está solucionada


completamente, mas há maior tendência a acreditar que é a interação entre a
natureza (inato) e a cultura (adquirido) que possibilitam nosso desenvolvimento
como todo.

As teorias que se fundamentam nessa premissa são chamadas de Teorias Inte-


racionistas ou de Matriz Sociointeracionista e são, atualmente, as Teorias desen-
volvimentais mais influentes em Educação. Destacamos entre essas perspectivas as
Teorias de Piaget, Vygotksy e Wallon, que serão detalhadas a seguir.

Como se tratam de Teorias distintas criadas em lugares e períodos distintos,


cada qual tem suas peculiaridades e olhares sobre o desenvolvimento humano,
contribuindo de diferentes maneiras para a Psicologia da Educação. Nem toda Teoria
do desenvolvimento parte de uma matriz interacionista; por isso, trataremos também
de outras perspectivas no encerramento deste capítulo e na próxima Unidade.

Recomendamos a leitura do livro Introdução à Psicologia da Educação: seis abordagens,


Explor

organizado por Kester Carrara, que apresenta seis abordagens diferentes em Psicologia da
Educação, com detalhamento mais amplo das teorias aqui discutidas.

9
9
UNIDADE Teorias do Desenvolvimento Humano e Implicações Pedagógicas

Uma última ressalva antes de passar para as Teorias é que todas elas são de
meados do século XX. Desde os anos 1980, as grandes Teorias explicativas
passaram a ceder lugar para microteorias que explicam fenômenos pontuais, ou
seja, ao invés de uma grande teoria sobre o desenvolvimento geral, a maior parte
das Teorias se dedica a explicar como as crianças aprendem a ler, a falar, a perceber
o mundo, a aprender Matemática etc.

São microteorias que são mais focais e, portanto, fornecem explicações mais
fáceis de serem testadas. As grandes Teorias, como vamos apresentar a seguir,
continuam servindo de pano de fundo para esses microteorias, sendo que muitas
coisas dessas propostas antigas já foram revistas e modificadas.

É importante que você conheça primeiramente esses grandes modelos e


que depois busque mais informações complementares para entender como a
Psicologia do Desenvolvimento se apresenta no século XXI (ver PAPALIA; OLDS
& FELDMAN, 2006).

Nesse sentido, uma mudança radical da Psicologia do Desenvolvimento


contemporânea é o entendimento da noção de desenvolvimento ao longo do ciclo
vital. Como discutem Papalia, Olds & Feldman (2006), antes, as grandes teorias se
ocupavam mais do desenvolvimento da criança até a adolescência.

O entendimento geral era de que não havia muitas modificações depois da


adolescência e por isso as Teorias só focavam o desenvolvimento até a puberdade.
Atualmente, considera-se que há mudanças durante toda a vida e, portanto,
estuda-se o desenvolvimento ao longo do ciclo vital. Por isso, pode-se dividir o
desenvolvimento humano em duas grandes etapas com suas subdivisões, conforme
pontuam Papalia, Olds & Feldman (2006):
Tabela 2
Primeira etapa da vida
Concepção, gestação, parto;
Primeira infância (0 a 2 anos);
Segunda infância (2 a 6 anos);
Terceira infância (7 a 11 anos);
Puberdade e adolescência (12 a 17 anos).
Segunda etapa da vida
Juventude (18 a 25 anos);
Vida adulta jovem (25 a 30 anos);
Vida adulta média (30 a 50 anos);
Vida adulta tardia (50 a 65 anos);
Velhice (65 anos em diante);
Morte.

10
Trocando ideias...Importante!
Conceber o desenvolvimento ao longo do ciclo vital implica entender que nós nos
desenvolvemos e aprendemos por toda a nossa vida. O que você imagina ser possível de
ser aprendido em cada uma dessas etapas descritas por Papalia, Olds & Feldman? Como
a Psicologia da Educação contribuiria para cada etapa?

A Epistemologia Genética de Jean Piaget

Figura 1
Fonte:Wikimedia Commons

Jean Piaget (1896-1980) foi biólogo, psicólogo e epistemólogo suíço. É


considerado um dos mais importantes pensadores do século XX. Ainda nos
dias atuais, muito do que sabemos sobre como as crianças pensam se deve aos
trabalhos de Piaget. Ele é conhecido como o propositor da abordagem denominada
Epistemologia Genética, que é, ainda hoje, muito influente na Educação.

Etimologicamente, a palavra Epistemologia significa a teoria do conhecimento: epistemo


Explor

= conhecimento e logia = estudo. Assim, epistemologia genética seria a gênese ou o


surgimento do conhecimento.

Para Piaget, a maturação biológica estabelece as pré-condições para o desen-


volvimento cognitivo. Segundo Papalia, Olds & Feldman (2006), Piaget acreditava
que as crianças eram seres ativos em crescimento, com seus próprios impulsos
internos e padrões de desenvolvimento.

O desenvolvimento cognitivo, para ele, era entendido como o produto dos


esforços das crianças para compreender e agir sobre seu mundo. As pesquisas
de Piaget eram conduzidas utilizando o que ele denominou “método clínico”, que

11
11
UNIDADE Teorias do Desenvolvimento Humano e Implicações Pedagógicas

combinava observações do comportamento das crianças durante a realização de


tarefas de lógica com o questionamento flexível do pesquisador para descobrir
como as crianças pensam.

Dessa forma, e utilizando as famosas provas piagetianas, como ficaram


conhecidos os desafios de lógica para as crianças, ele descobriu que crianças
típicas de quatro anos, por exemplo, acreditavam que moedas ou flores eram mais
numerosas se dispostas em filas do que amontoadas ou empilhadas.
Explor

Confira uma série de provas e experimentos piagetianos em: https://goo.gl/HMHMYq

A teoria do desenvolvimento cognitivo de Piaget foi formulada e revista por ele


ao longo de muitas décadas de pesquisas. Ele acreditava que o desenvolvimento
cognitivo se inicia com uma capacidade inata dos seres humanos que, assim como
outros seres vivos, tem de se adaptar ao ambiente.

Assim, desde o nascimento, os bebês tentam se adaptar ao seu ambiente,


passando por uma série de estágios qualitativamente diferentes, como veremos
mais adiante. Em cada estágio, a mente da criança opera de modo diferente para
resolver os problemas com os quais ela se depara, passando desde operações
mentais baseadas na simples atividade sensório-motora até o mais refinado
pensamento lógico-abstrato. Esse desenvolvimento gradual ocorre e depende de
três princípios inter-relacionados: organização, adaptação e equilibração.

A organização se refere à tendência inata que temos de criar estruturas


cognitivas cada vez mais complexas que abarquem os conhecimentos adquiridos.
Essas estruturas são chamadas de esquemas e são padrões organizados de
comportamentos que uma pessoa utiliza para pensar e agir em determinadas
situações. Quanto mais experiências, mais complexos os esquemas se tornam.

A aprendizagem, para Piaget, acontece quando a informação é processada


pelas estruturas cognitivas. Dessa forma, o conhecimento construído vai sendo
incorporado às estruturas cognitivas anteriores ou a novas que irão se formando.
Essas novas estruturas cognitivas serão estimuladas a surgir nos indivíduos, a partir
de situações desafiadoras e problematizadas a ele apresentadas. Para que ocorra a
aprendizagem é necessário, então, Adaptação.

12
Importante! Importante!

Adaptação é o termo utilizado por Piaget para descrever como uma criança lida com
novas informações que parecem conflitar com o que ela já sabe. A Adaptação envolve
duas etapas: 1) assimilação, que é receber informações e incorporá-las às estruturas
cognitivas existentes, e 2) acomodação, que é mudar nossas estruturas cognitivas
para incluir novo conhecimento. A equilibração – um esforço constante para manter
um balanço ou equilíbrio estável – determina a mudança da assimilação para a
acomodação. Quando as crianças não conseguem lidar com novas experiências dentro
de suas estruturas existentes, organizam novos padrões mentais que integram a nova
experiência, assim restaurando o equilíbrio. Um bebê que está acostumado a mamar no
seio ou na mamadeira e que começa a sugar o bico do canudo de uma caneca para bebês
está demonstrando assimilação – utilizando um esquema já existente para lidar com
um novo objeto ou com uma nova situação. Quando o bebê descobre que para beber de
canudo são necessários movimentos da língua e da boca um pouco diferentes daqueles
utilizados para sugar o seio ou a mamadeira, ele se ajusta pela modificação do esquema
anterior. Ele “acomoda” seu esquema de sugação para lidar com uma nova experiência:
a caneca. Assim, assimilação e acomodação operam juntas para produzir equilíbrio e
crescimento cognitivo (PAPALIA; OLDS & FELDMAN, 2010; p.76)

Todo esse processo é incessante e constituído do nascimento até a morte,


na tentativa de adaptar o pensamento e a ação. Podemos constatar que, nessa
forma de entender o processo de aprendizagem, veremos que o conhecimento
é algo provisório e sempre passível de ampliação. Daí a ideia Construtivista: o
conhecimento está sempre em construção.

Neste sentido, o papel do professor é ser capaz de criar ambientes de aprendizagem


que compreendam o ser humano em sua totalidade, com seus diferentes modos
de aprender e diferentes formas de resolver problemas. Sua preocupação central
será formar indivíduos autônomos, criativos, críticos, levando em consideração os
aspectos físicos, biológicos, cognitivos, afetivos, culturais e sociais dos aprendizes.

Outra importante contribuição da Epistemologia Genética para o entendimento


do processo de aprendizagem é a defesa dessa abordagem, de que o indivíduo
passa por várias etapas de desenvolvimento cognitivo ao longo da sua vida.

Piaget propôs a existência de quatro estágios no desenvolvimento cognitivo:


sensório-motor, pré-operatório, operatório concreto e operatório formal. Segundo
ele, cada período é caracterizado por aquilo que de melhor o indivíduo consegue fazer
nessas faixas etárias. Demonstrou que existem formas de perceber, compreender e
se comportar próprias de cada faixa etária, em uma assimilação progressiva do meio.

A seguir, faremos uma síntese do desenvolvimento cognitivo humano, adaptada


de Bock, Furtado & Teixeira (2009, p.100-107).

13
13
UNIDADE Teorias do Desenvolvimento Humano e Implicações Pedagógicas

Período ou Estágios de Desenvolvimento


Sensório-motor (de 0 a 2 anos)
Nesse estágio, a criança busca adquirir controle motor e aprender sobre os
objetos físicos que a rodeiam. A criança adquire o conhecimento por meio de suas
próprias ações, que são controladas por informações sensoriais imediatas. Assim,
a criança conquista, por meio da sua percepção e dos seus movimentos, todo o
universo que a cerca.

No início, a vida mental reduz-se ao exercício dos aparelhos reflexos, de fundo


hereditário; um exemplo é a ação de sugar. Com o passar do tempo, esses reflexos
se desenvolvem e, ao final desse período, a criança já é capaz de utilizar objetos
para alcançar seus objetivos. Como exemplo, usa uma vassoura para pegar um
brinquedo que está longe, utilizando a inteligência prática ou sensório-motora.

Nesse período, o desenvolvimento fí-


sico acelerado é o suporte para o apa-
recimento de novas habilidades para o
domínio do ambiente, e assim, a criança
saberá diferenciar o seu eu e o mundo ex-
terior. Essa diferenciação também ocorre
no campo da afetividade. Observe que os
medos das crianças mudam e ela já faz
escolhas de brinquedos ou de pessoas.

Nesse curto espaço de tempo, a crian-


ça evolui de uma atitude passiva para a
ativa, imitando regras e comportamentos
dos adultos. A fala surge por meio da imi-
tação de sons, ainda sem significados. A
criança, nesse estágio é um ser que de-
pende muito da estimulação e de cuida- Figura 2
dos das pessoas e do meio em que vive. Fonte: iStock/Getty Images

Pré-operatório (de 2 a 7 anos)


Nesse estágio, a criança busca adquirir a habilidade da fala, nomeia objetos
e raciocina intuitivamente, mas ainda não consegue coordenar operações
fundamentais. O aparecimento da linguagem modifica os aspectos intelectual,
afetivo e social da criança. A interação e a comunicação entre os indivíduos são
consequências da linguagem; com a palavra, conseguimos exteriorizar nossa vida
interior. Com a linguagem surge o pensamento que, no princípio, é subjetivo e
simbólico, misturando fantasia à realidade. A criança ainda não tem conceitos de
números. Durante esse estágio, a criança passa a procurar a razão das coisas; é a
fase dos porquês.

14
Nas brincadeiras, as regras não são bem aceitas, pois a criança está envolta em
um egocentrismo acentuado, ao final desse período, as regras já são entendidas
como necessárias. Com o domínio ampliado do mundo, a criança adquire outros
interesses, surgindo uma escala de valores internos, que balizarão suas ações.
A criança chega ao final desse período com a maturação neurofisiológica completa,
permitindo o desenvolvimento de várias habilidades, incluindo coordenação motora
fina, conseguindo pegar objetos com a ponta do dedo. Por essa razão, a habilidade
da escrita é um exemplo de habilidade que pode ser adquirida nesse momento do
desenvolvimento, culminando com a idade escolar.

Figura 3
Fonte: iStock/Getty Images

Operações concretas (de 7 a 11 ou 12 anos)


Com o estágio operatório concreto, pressupõe-se que a criança já tenha superado
seu egocentrismo por meio dos relacionamentos que vivenciou. Nesse estágio, a
criança começa a lidar com conceitos abstratos como os números e é marcada por
uma lógica interna consistente e pela habilidade de solucionar problemas concretos.
É o período das construções lógicas, no qual a criança estabelece relações entre as
“coisas” e com pontos de vista diferentes.
No plano intelectual, surgirá uma nova capacidade: as “Operações”. A criança
conseguirá realizar uma ação física ou mental dirigida a um fim (objetivo) e revertê-
la ao início.

Em nível de pensamento, a criança consegue:


· Estabelecer corretamente as relações de causa e efeito e de meio e fim;
· Sequenciar ideias ou eventos;
· Trabalhar com ideias sob dois pontos de vista, simultaneamente;
· Formar conceito de número (inicialmente concreto depois abstrato).

No plano afetivo, a criança será capaz de cooperar com os outros, trabalhar em


grupo e ter, ao mesmo tempo, autonomia pessoal, criando seus próprios valores.
Também surgem a vontade, conflitos entre o dever e o prazer e, no final do
período, as necessidades afetivas e de segurança são satisfeitas progressivamente
pelo grupo, em detrimento da família.

15
15
UNIDADE Teorias do Desenvolvimento Humano e Implicações Pedagógicas

A cooperação irá se desenvolver por todo esse período em relação ao novo


grupo. A partir das necessidades, elaboram formas próprias de organização grupal,
criando novas regras, que deverão ser aceitas por todos os participantes. Ao final
do período, acontece a passagem do pensamento concreto para o pensamento
formal ou abstrato.

Figura 4
Fonte: iStock/Getty Images

Operatório formal (de 11 ou 12 anos em diante)


No estágio operatório formal, a criança começa a raciocinar lógica e
sistematicamente. Esse estágio é definido pelo despertar do raciocínio abstrato. As
deduções lógicas podem ser feitas sem o apoio de objetos concretos. É a transição
para o modo adulto de pensar, sendo capaz de pensar sobre ideais abstratas.

Nesse período, o adolescente realiza as operações no plano das ideais,


sem necessitar de manipulação ou referências concretas, é capaz de lidar com
conceitos como liberdade, justiça, democracia e, assim, domina progressivamente
a capacidade de abstrair e generalizar. Cria teorias sobre o mundo para reformulá-
lo, isto é possível por sua capacidade de reflexão espontânea. O exercício da
reflexão permite, inicialmente, ao adolescente submeter o mundo real às teorias
que seu pensamento é capaz de criar. Esse processo irá atenuar-se por meio da
reconciliação do pensamento com a realidade, até ficar claro que a função da
reflexão não é contradizer, mas se adiantar e interpretar a experiência.

Suas relações sociais mudam, passando por uma fase de interiorização que se
configura aparentemente como antissocial, afastando-se da família e não aceitando
conselhos dos adultos, mas o alvo de sua reflexão é a sociedade. Posteriormente,
atinge o equilíbrio entre pensamento e realidade; é quando compreende a
importância da reflexão para a sua ação sobre o mundo real.

No aspecto afetivo, o adolescente vive conflitos, deseja libertar-se do adulto, mas


ainda depende dele. Deseja ser aceito pelos adultos e amigos. O grupo de amigos
é o mais forte referencial, determinando vocabulário, jeito de vestir e aspectos
do comportamento e sua moral. Seus interesses são diversos e mutáveis e vão se
estabilizando pela chegada da vida adulta.

16
Esse processo culmina em um equilíbrio entre o real e as ideais dos indivíduos,
isto é, de revolucionário no plano das ideais, ele torna-se transformador, no plano
da ação. Na idade adulta, não surge nenhuma nova estrutura mental, apenas ocorre
um aumento gradual do aspecto cognitivo em profundidade e melhor compreensão
da realidade, influenciado por conteúdos afetivo-emocionais e definindo sua forma
de estar no mundo.

Figura 5
Fontes: iStock/Getty Images

Cada estágio é um período no qual o pensamento e o comportamento do


indivíduo é caracterizado por uma forma específica de conhecimento e raciocínio.
Assim, o conhecimento desses estágios pode melhorar a prática educativa. Se
conhecermos melhor a maneira que os indivíduos aprendem em cada estágio,
podemos desenvolver métodos e práticas de ensino apropriadas. Dessa forma, a
teoria piagetiana é muito influente na Educação, desde os anos 1980.

Saiba mais sobre a Teoria de Piaget e suas contribuições para a Educação assistindo ao vídeo
Explor

da Coleção Grandes Educadores em: https://youtu.be/PBVNYRQP7Sk

17
17
UNIDADE Teorias do Desenvolvimento Humano e Implicações Pedagógicas

A Teoria Histórico-Cultural de Lev Vygotsky

Figura 6 – Figura 6 – Vygotsky, Leontiev e Luria


Fonte: Wikimedia Commons/ sam-sebe-psycholog.ru

Lev Semenovich Vygotsky (1896-1934) foi um psicólogo bielorrusso que


elaborou uma Teoria do Desenvolvimento Cognitivo, sustentando que todo
conhecimento é construído socialmente, no âmbito das relações humanas. Sua
obra é, hoje, a fonte de inspiração do socioconstrutivismo, tendência cada vez mais
presente nas discussões sobre a Educação.

Vygotsky construiu seu pensamento a partir de um aporte teórico marxista,


o materialismo histórico-dialético, pois vivia no período da Revolução Russa. Ele
buscava criar uma nova forma de entender a Psicologia, superando as Escolas de
Psicologia existentes até então, pois, em sua opinião, elas estavam estagnadas.

Dois outros pensadores contribuíram muito para o pensamento Vygotskyano.


São eles o neuropsicólogo Alexander Luria (1902-1977), e o psicólogo Alexei
Leontiev (1903-1979).

Juntos, Vygotsky, Leontiev e Luria formavam a Troika (trio em russo), um grupo


de psicólogos que avançaram muito na corrente russa da Psicologia da Educação.

Essa abordagem recebe algumas denominações: Psicologia Histórico-Cultural,


Teoria Interativista Sociocultural, Psicologia Sociointeracionista, Teoria Histórico
Social, Psicologia Sócio-Histórica. Nesse texto, fazemos a opção de denominá-la
Histórico-Cultural, enfatizando a importância dos aspectos culturais e históricos na
formação social da mente.

A abordagem proposta por Vygotsky e seus colaboradores buscava uma síntese


para a Psicologia; ambicionava integrar, numa mesma perspectiva, o ser humano
como corpo e mente, como ser biológico e cultural, como membro de uma espécie
animal e participante de um processo histórico.

Eles entendiam que o funcionamento psicológico tipicamente humano é cultural


e, consequentemente, histórico, e que havia elementos mediadores na relação entre

18
o homem e o mundo, que seriam os instrumentos, os signos e todos os elementos
do ambiente, carregados de significado cultural e construídos nas relações humanas.

Segundo Oliveira (2010), podemos identificar três pilares da abordagem de


Vygotsky:
· As funções psicológicas têm um suporte biológico, pois são produtos da
atividade cerebral;
· O funcionamento psicológico fundamenta-se nas relações sociais entre os
indivíduos e o mundo exterior, as quais se desenvolvem num processo histórico;
· A relação homem/mundo é uma relação mediada por sistemas simbólicos.

Na teoria de Vygotsky, a linguagem tem grande destaque. Ela é duplamente


importante para Vygotsky, pois além de ser o principal instrumento de intermediação
do conhecimento entre os seres humanos, tem relação direta com o próprio
desenvolvimento psicológico.

Nenhum conhecimento é construído pela pessoa sozinha, mas sim, em parceria


com as outras, que são os mediadores.

Segundo Davis & Oliveira (1994, p.52):


[...] a linguagem intervém no processo de desenvolvimento intelectual da
criança praticamente desde o nascimento. Quando os adultos nomeiam
objetos, indicando para a criança as várias relações que estes mantêm
entre si, ela constrói formas mais complexas e sofisticadas de conceber
a realidade. Sozinha, não seria capaz de adquirir aquilo que obtém por
intermédio de sua interação com os adultos e com outras crianças, num
processo em que a linguagem é fundamental.

Portanto, a linguagem é a ferramenta com a qual mediamos às relações, e


assim, podemos considerar que o aprendizado é contínuo e a evolução intelectual
é caracterizada por saltos qualitativos de um nível de conhecimento para outro.

Importante! Importante!

É mais comum utilizar o termo “aprendizado” do que aprendizagem para se referir


à psicologia de Vygotsky, pois em russo o termo usado por ele equivale a algo como
processo de ensino aprendizagem, isto é, ele inclui sempre aquele que aprende, aquele
que ensina e a relação entre essas pessoas. Para Vygotsky, aprendizado é o “processo
pelo qual o indivíduo adquire informações, habilidades, atitudes, valores etc., a partir de
seu contato com a realidade, com o meio ambiente e com as outras pessoas” (OLIVEIRA,
2010, p.59).

Para Vygotsky, a vivência em sociedade é essencial para a transformação do


homem de ser biológico em ser humano. É pelo aprendizado nas relações com
os outros que construímos os conhecimentos que permitem nosso desenvolvi-
mento mental.

19
19
UNIDADE Teorias do Desenvolvimento Humano e Implicações Pedagógicas

Ele caracterizou essa evolução intelectual em duas funções: a primeira, com cuja
qual já nascemos, é a Função Psicológica Elementar, que são os reflexos e a atenção
involuntária, presentes em todas as crianças e nos animais mais desenvolvidos.
A partir do aprendizado cultural, parte dessas funções básicas transforma-se em
Função Psicológica Superior, como a consciência, o planejamento e a deliberação,
características exclusivas do adulto.

Segundo Oliveira (1992, p.24):


As concepções de Vygotsky sobre o funcionamento do cérebro humano
fundamentam-se em sua ideia de que as funções psicológicas superiores
são construídas ao longo da história social do homem. Na sua relação
com o mundo, mediada pelos instrumentos e símbolos desenvolvidos
culturalmente [...].

Dessa maneira, vamos construindo conceitos que balizarão nossas ações e


pensamentos. Partimos de conceitos construídos espontaneamente, por meio de
nossa vivência e experiências, para conceitos científicos e sistematizados, sendo
esses frutos do processo de aprendizado dos indivíduos, e claro, função da Escola.

Esse processo de transformação se estabelece por meio do aprendizado.


É o que Vygotsky chamou de Internalização, que é um processo de reconstrução
interna, que envolve uma atividade externa que deve ser modificada, tornando-se
uma atividade interna. O desenvolvimento cognitivo é produzido pelo processo de
internalização da interação social, com elementos fornecidos pela Cultura.

Outro conceito importante na obra de Vygotsky é a mediação. Segundo sua


teoria, toda relação do indivíduo com o mundo é feita por meio de instrumentos.
Assim, todo aprendizado é necessariamente mediado, tornando o papel do ensino
e do professor mais ativo e determinante na Educação, cabendo à Escola, facilitar
o processo de aprendizagem, que só pode ser conduzido pelo próprio aluno.

Desse modo, o aprendizado não se subordina totalmente ao desenvolvimento


das estruturas intelectuais da criança, mas um se alimenta do outro, provocando
saltos de nível de conhecimento. O ensino, para Vygotsky, ao contrário de Piaget,
deve se antecipar ao que o aluno ainda não sabe, nem é capaz de aprender sozinho,
porque na relação entre aprendizado e desenvolvimento, o aprendizado vem antes.

Com o intuito de explicar o processo de construção de conhecimento ou desen-


volvimento cognitivo, Vygotsky desenvolveu o conceito de Zona de Desenvolvi-
mento Proximal, ou potencial, que definiu como:
Ela é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma
determinar através da solução independente de problemas, e o nível de
desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas
sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros
mais capazes (VYGOTSKY, 1998, p.112).

20
Notamos que o desenvolvimento proximal tem por determinante aquilo que a
criança ainda não domina, mas é capaz de realizar com o auxílio de alguém mais
experiente, como, por exemplo, quando uma criança já sabe somar e é desafiada a
fazer uma multiplicação simples. Desenvolvimento proximal é o espaço que separa a
pessoa de um desenvolvimento que está próximo a ser alcançado. É a distância entre
o desenvolvimento real e o potencial, que está próximo, mas ainda não foi atingido.

Outro conceito proposto por Vygotsky é o de Zona de Desenvolvimento Real.


O desenvolvimento real é determinado por aquilo que a criança é capaz de fazer
sozinha, porque já tem um conhecimento consolidado. Se tiver a habilidade da
adição, por exemplo, esse é um nível de desenvolvimento real. É quando a criança
não mais precisa de ajuda para realizar algo.

Vygotsky e o Professor
Vygotsky atribuiu grande importância ao papel do professor. Na Escola, o
professor funciona como o impulsionador do desenvolvimento cognitivo da criança.

Ao professor cabe apresentar às crianças novas formas de pensamento e


conceitos, mas não sem antes detectar que condições elas têm de apreendê-los.
A aprendizagem dos alunos se construirá mediante o processo de relação do
indivíduo com seu ambiente sociocultural e com o suporte de outros indivíduos
mais experientes.

Priorizando as interações entre os próprios alunos e deles com o professor, o objetivo


da Escola, então, é fazer com que os Conceitos Espontâneos, que as crianças desenvol-
vem na convivência social, evoluam para o nível dos Conceitos Científicos.

Assim, o professor assume o papel de mediador na formação do conhecimento.


O mediador é quem ajuda a criança a concretizar um desenvolvimento que ela
ainda não atinge sozinha. Na Escola, o professor e os colegas mais experientes são
os principais mediadores.

A abordagem realizada por Vygotsky conclui que o aprendizado é contínuo e


o desenvolvimento intelectual se concretiza por saltos qualitativos, de um nível de
conhecimento para outro, no qual o ensinar e o aprender formam uma unidade,
que delimita o campo de constituição do indivíduo na dimensão sociocultural. São
processos indissociáveis que implicam a ideia que o professor participa ativamente
do processo de aprendizagem e de desenvolvimento do aluno.

Saiba mais sobre a teoria de Vygotsky e suas contribuições para a Educação assistindo ao
Explor

vídeo da Coleção Grandes Educadores em: https://youtu.be/KwnIKDXeEdI

21
21
UNIDADE Teorias do Desenvolvimento Humano e Implicações Pedagógicas

A Teoria da Psicogênese da Pessoa


Completa, de Henri Wallon
Henri Wallon (1879-1962), médico, psicólogo e
professor francês. Foi contemporâneo de Piaget e de
Vygotsky. Assim, como Vygotsky, Wallon recebeu forte
influência do materialismo histórico-dialético, tornando-
se um destacado ativista marxista.

Em 1931, filiou-se ao partido socialista e, em


1942, filiou-se ao Partido Comunista Francês. Em sua
dimensão política, foi nomeado Secretário da Educação
Nacional, em 1944, na França. Após esse período,
trabalhou para uma reforma educacional francesa
e junto ao físico Paul Langevin propôs o importante
Figura 7 Plano Langevin-Wallon para o Sistema Educacional
Fonte: Wikimedia Commons
francês. Conforme Almeida & Mahoney (2003, p. 75),
“a diretriz do projeto era construir uma educação mais justa para uma sociedade
mais justa”.

Wallon teve vida intensa; na primeira Guerra Mundial, atuou como médico,
quando pesquisou as relações entre os fenômenos neurológicos e psicológicos nos
feridos de Guerra. Na Segunda Guerra Mundial, foi perseguido pelos nazistas e
viveu na clandestinidade por cause de seu ativismo político.

A sua Teoria sobre o desenvolvimento está intimamente ligada à dimensão


psicogenética e interacionista. Wallon fez inúmeras publicações dirigidas a
professores; em sua obra foca a formação do professor e aponta para a importância
do papel dele tem dentro da relação ensino aprendizagem.

Wallon indica que a relação ensino aprendizagem apenas pode ser analisada
como uma unidade, pois são lados de uma mesma moeda, na qual a relação
professor aluno é um fator determinante.

Ambos (professor e aluno) são sujeitos concretos e historicamente determinados


e trazem bagagem cultural, experiências que o meio lhes propiciou. Aluno e
professor estão em desenvolvimento durante o processo, que é aberto e inacabado,
sempre. Ao ensinar, o professor está promovendo o desenvolvimento do aluno e
o seu próprio.

O professor deve confiar, incondicionalmente, na disposição do aluno de


aprender. Junto aos conhecimentos teóricos, é também relevante para o professor
a sensibilidade, a curiosidade e sua habilidade de observação sobre o que acontece
na relação ensino aprendizagem. Para o professor, os conceitos e princípios
proclamados na teoria de Wallon são instrumentos que auxiliam na compreensão
do processo de construção da pessoa humana, inserido em um contexto cultural que

22
o seu tempo lhe oferece. A ação educativa do professor deve ser fundamentada pelo
conhecimento da natureza e do desenvolvimento da criança, observação sistemática
da capacidade e das necessidades de seus alunos. E, ainda, ter um olhar para a
dimensão afetiva da relação ensino aprendizagem, com base na Psicologia Infantil.

Suas ideias e escritos nos levam a pensar que o professor, ao realizar suas
funções cotidianas na Escola, demonstra inúmeros saberes que são temporais
e plurais. Esses saberes são construídos em um tempo e espaço determinados
social e culturalmente, diante de sua formação profissional. Ou seja está em jogo,
também, a visão de mundo do professor, suas concepções, crenças e valores.
Sobre a formação do professor, além dos conhecimentos relativos à criança, ainda
demanda-se o estudo do meio, ou dos meios, em que ela se desenvolve.

Das temáticas abordadas por esse pensador, a Afetividade ganha destaque em


seus escritos. Wallon defende que, no decorrer de todo o desenvolvimento hu-
mano, a afetividade tem papel fundamental. Tem a função de comunicação nos
primeiros meses de vida, manifestando-se, basicamente, por meio de impulsos
emocionais. É a afetividade que estabelece os primeiros contatos da criança com o
mundo externo.

Segundo Almeida & Mahoney (2005), a afetividade refere-se à capacidade,


à disposição de o ser humano ser afetado pelo mundo exterior/interior, por
sensações ligadas às tonalidades agradáveis e desagradáveis. Ser afetado e reagir
com atividades (internas ou externas) que a situação desperta.

A afetividade é a forma inicial de interação com o meio e a motivação primeira


do movimento. À medida que o movimento proporciona experiências à criança,
ela vai respondendo por meio de emoções. A afetividade é o elemento mediador
das relações sociais. É pela afetividade que a criança irá notar as diferenças dela e
do ambiente que a cerca. É primordial para a criança perceber as diferenças entre
o meio e ela própria, na etapa inicial de seu desenvolvimento.

É importante lembrar que para Wallon não há dicotomia entre a afetividade e a


cognição, ou a afetividade e o ato motor. Esses são fatores que estão presentes no
desenvolvimento humano, em relação dialética e indissociável entre eles.

Essas dimensões atuam em conjunto e se estabelecem nas interações humano-


-sociais. Wallon propõe que a afetividade, o ato motor (motricidade), e o co-
nhecimento da pessoa (cognição) são os domínios ou campos funcionais que a
criança desvendará no decorrer de seu desenvolvimento e que devem ser entendi-
dos conjuntamente.

Dessa maneira, estabelece-se o eixo principal da teoria de Wallon, que é a visão


integradora do desenvolvimento humano, que passa pela dimensão cognitiva-
afetiva-motora da criança.

Em sua evolução, a afetividade é marcada por três momentos: a emoção, na


qual predomina a ativação fisiológica; o sentimento, o predomínio da ativação
representacional, e a paixão, a ativação do autocontrole. Percebemos aqui a
relação intrínseca entre fatores sociais e orgânicos de desenvolvimento humano.

23
23
UNIDADE Teorias do Desenvolvimento Humano e Implicações Pedagógicas

Almeida e Mahoney (2003, p.12) argumentam sobre a questão:


A teoria aponta para duas ordens de fatores que irão constituir as
condições em que emergem as atividades de cada estágio: fatores
orgânicos e fatores sociais. Será no mergulho do organismo em dada
cultura, em determinada época, que se desenvolverão as características
de cada estágio. A interação entre esses fatores define as possibilidades
e os limites dessas características. A existência individual como estrutura
orgânica e fisiológica está enquadrada na existência social de sua época.

Com essa citação, queremos reafirmar que a emoção, o sentimento e a paixão


resultam de fatores orgânicos e sociais e correspondem a diferentes configurações
e predomínios de nosso desenvolvimento, e que se realizam em estágios, como
veremos, de forma sucinta, a seguir.

Os Estágios do Desenvolvimento Humano para Wallon


Assim como Piaget, Wallon também descreve o desenvolvimento infantil em
momentos ou estágios do desenvolvimento humano. Sua dimensão temporal vai do
nascimento até a morte e está distribuída em estágios que expressam características
próprias e cuja configuração será determinada histórica e culturalmente.

Os estágios não são estanques, não cessam quando o outro estágio surge;
apenas há predominância de um sobre o outro, numa relação dialética, ou seja,
são contraditórias e complementares entre si.

Entretanto, cada estágio é considerado um sistema completo em si, mas se torna


visível a presença de todos os componentes na construção da pessoa humana.

Wallon caracteriza os estágios da seguinte forma:

Estágio impulsivo-emocional (de 0 a 1 ano) – Nesse estágio, aparecem os


primeiros movimentos, que são bruscos e desarranjados. Todavia, a criança expressa
sua afetividade por meio desses movimentos, respondendo, principalmente, a
sensibilidades corporais. O desenvolvimento orgânico predomina; seus gestos e
movimentos são caracterizados por notória impulsividade motora. A criança passa
por um momento de total dependência do mundo adulto e de sua maturação
fisiológica. A passagem para o estágio seguinte caracteriza-se pela mudança das
atividades reflexas e afetivas para uma atividade relacional e de exploração do
ambiente que a cerca.
Estágio sensório-motor e projetivo (de 1 a 3 anos) – Paulatinamente, o interesse
da criança volta-se para a exploração do espaço físico, que se expressa no seu
movimento de agarrar, manipular os objetos ou se locomover. Relaciona sons que
emite com objetos que manipula ou aponta, na intenção de nomeá-los. É quando
está prestes a dominar a fala e o andar; a criança se volta para o mundo externo
em intenso contato com os objetos e as pessoas do seu convívio. É a fase dos
porquês, para melhor compreender o funcionamento, a utilidade e o nome das
coisas e dos objetos.

24
Estágio do personalismo (de 3 a 6 anos) – Nesse estágio, aparece outro tipo
de diferenciação, além da diferenciação entre o Eu e o Mundo, a criança começa
a diferenciar o Eu e o Outro. É a fase que desponta singularidade humana, de se
descobrir diferente das outras crianças e do adulto
Estágio categorial: (de 6 a 11 anos) – Neste estágio, acentua-se a diferenciação entre
o eu e o outro. Com ele, aparecem as condições mais estáveis para a exploração abstra-
ta do mundo externo e concreto, mediante atividades de agrupamento, classificação,
categorização em vários níveis de abstração, até chegar ao pensamento categorial.
Estágio puberdade e adolescência (de 11 anos em diante) – Nesse estágio, irá
aparecer a exploração de si mesmo, na busca de uma identidade autônoma, mediante
atividades de autoafirmação e de questionamentos. A necessidade do apoio dos
pares, com a formação de turmas ou grupos de interesse, para se fortalecer e se
contrapor aos valores do mundo dos adultos com quem convive. Esses valores que,
a princípio, eram contrários à sua forma de pensar e agir, paulatinamente, por meio
das determinações históricas e culturais, vão sendo incorporadas ao adolescente,
impulsionando-o para a vida adulta, possibilitando escolhas mais assertivas para os
diferentes desafios que a vida nos impõe.

Saiba mais sobre a Teoria de Wallon e suas contribuições para a Educação assistindo ao vídeo
Explor

da Coleção Grandes Educadores em: https://youtu.be/HGTbP5knhRQ

Contribuições de Sigmund Freud, Erik


Erikson e Urie Bronfenbrenner

Figura 8 – Figura 8 – Freud, Erikson e Bronfenbrenner


Fontes: Wikimedia Commons

Como dissemos anteriormente, existem várias concepções acerca do desenvol-


vimento humano.

25
25
UNIDADE Teorias do Desenvolvimento Humano e Implicações Pedagógicas

Embora, atualmente, as mais influentes em Educação sejam as já apresentadas


Teorias Interacionistas, outras teorias também são importantes e oferecem contri-
buições significativas e, ainda que nem sempre pensadas originalmente com fins
educacionais, destacamos aqui três Teorias que serão apresentadas resumidamente,
para que você possa continuar seus estudos, se assim desejar.

A Teoria do Desenvolvimento Psicossexual, de Sigmund Freud


Sigmund Freud (1856-1939) é mundialmente famoso por ter criado a Psicanálise
e por seus numerosos trabalhos desenvolvidos entre o final do século XIX e o início
do século XX, embora não possa ser considerado um pedagogo ou educador, já que
em seus trabalhos não desenvolvem nenhuma reflexão razoavelmente sistemática
sobre os fins e meios da Educação.

Freud acreditava que a personalidade se formava nos primeiros anos da vida


e que nesse período as crianças passavam por conflitos inconscientes entre seus
impulsos biológicos inatos e as exigências da sociedade, o que incluía a Educação.

Ele propôs que esses conflitos ocorriam em uma sequência invariável de fases
do desenvolvimento psicossexual, baseadas na maturação (por isso mais biológicas
do que interacionistas), em que o prazer muda de uma zona corporal para outra.
Assim, cada zona é responsável pelo nome de cada fase.

Os estágios do desenvolvimento psicossexual para Freud são: Fase oral


(nascimento aos 12-18 meses), cuja principal fonte de prazer do bebê envolve
atividades ligadas à boca (sugar e alimentar-se); Fase anal (12-18 meses aos 3 anos):
as crianças obtém gratificação sexual retendo ou expelindo fezes; Fase fálica (3 aos 6
anos): as crianças se tornam apegadas ao genitor do sexo oposto e, posteriormente,
identificam-se com o genitor do mesmo sexo. A zona de gratificação transfere-se para
a região genital; Período de Latência (6 anos à puberdade): época relativamente
calma, comparada às fases anteriores; Fase genital (puberdade à idade adulta):
ressurgimento dos impulsos sexuais da fase fálica, dirigidos à sexualidade madura
(PAPALIA; OLDS & FELDMAN, 2006).

A Teoria do Desenvolvimento Psicossocial, de Erik Erikson


Enquanto Freud sustentava que as experiências da infância moldavam perma-
nentemente a personalidade, Erik Erikson (1902-1994) desenvolveu sua Teoria, que
abrange oito estágios do desenvolvimento da personalidade ao longo do ciclo vital.

Cada estágio envolve uma “crise” da personalidade, uma questão de desenvol-


vimento que é particularmente importante naquele momento e que continuará a
ter alguma relevância durante toda a vida. As crises surgem de acordo com um
cronograma de maturação e devem ser satisfatoriamente resolvidas para um de-
senvolvimento saudável.

26
A teoria de Eriskon sustentou-se melhor do que a de Freud, principalmente
por sua ênfase nas influências sociais e culturais e no desenvolvimento depois da
adolescência (PAPALIA; OLDS & FELDMAN, 2006).

Os estágios de Erikson são: 1. Confiança versus Desconfiança (nascimento


aos 12-18 meses): o bebê desenvolve a ideia de se o mundo é bom e seguro
ou não; 2. Autonomia versus Vergonha e Dúvida (segundo e terceiro anos):
a criança desenvolve um equilíbrio entre independência e autossuficiência, e
vergonha e dúvida; 3. Iniciativa versus Culpa (quarto e quinto anos): a criança
desenvolve iniciativa quando experimenta novas atividades e não é dominada pela
culpa; 4. Construtividade versus Inferioridade (dos 6 aos 11 anos): a criança
deve aprender habilidades culturais ou enfrentar sentimentos de incompetência;
5. Identidade versus Confusão de Papéis (dos 12 aos 18 anos): o adolescente
deve determinar seu sentido pessoal de identidade (quem sou eu?) ou sentir
confusão sobre papéis; 6. Intimidade versus Isolamento (jovem adulto): a
pessoa procura formar compromissos com os outros; em caso de fracasso, pode
sofrer de isolamento; 7. Geratividade versus Estagnação (meia idade): o adulto
maduro preocupa-se em estabelecer e orientar a nova geração ou, então, sente
empobrecimento pessoal; 8. Integridade X Desespero (velhice): o idoso alcança a
aceitação da própria vida, o que lhe permite aceitar a morte ou, então, se desespera
pela incapacidade de reviver a vida.

A Teoria bioecológica, de Urie Bronfenbrenner


Uma das mais recentes e atualmente influentes Teorias é a Teoria Bioecológica,
do psicólogo norte-americano Urie Bronfenbrenner (1917-2005). Segundo essa
Teoria, todo organismo biológico desenvolve-se dentro de um contexto dos sistemas
ecológicos que favorecem ou prejudicam o seu crescimento. Bronfenbrenner vê o
processo de desenvolvimento humano como sendo modelado pela interação entre o
indivíduo e seu ambiente imediato e distante (PAPALIA; OLDS & FELDMAN, 2006).

Bronfenbrenner propõe que diferentes sistemas interagem e afetam o curso do


desenvolvimento ao longo da vida. Ao nascer, estamos em um ambiente familiar
mais restrito, denominado microssistema, no qual as relações face a face são
estáveis e significativas.

A participação da criança em outros ambientes vai introduzindo um mesossistema,


que é definido como um conjunto de microssistemas (por exemplo, Escola, creche,
Igreja), possibilitando a consolidação de diferentes relações e exercitando papéis
específicos dentro de cada contexto.

Além disso, existe o exossistema, que são os ambientes nos quais a pessoa
em desenvolvimento não se encontra presente, mas cujas relações que neles
existem afetam seu desenvolvimento (por exemplo, as Leis, decisões da escolinha,
programas do governo, relações dos pais no trabalho).

27
27
UNIDADE Teorias do Desenvolvimento Humano e Implicações Pedagógicas

Acima do exossistema, Bronfenbrenner descreve o macrossistema, que abrange


os sistemas de valores e crenças que permeiam a existência das diversas culturas,
e que são vivenciados e assimilados no decorrer do processo de desenvolvimento.

Por fim, ele discute o cronossistema, indicando a dimensão do tempo que afeta
todos os sistemas.

Para Bronfenbrenner, uma pessoa não é apenas o resultado do desenvolvimento,


mas também formadora dele. As pessoas influenciam seu próprio desenvolvimento
por meio de suas características biológicas e psicológicas. Ele enfatiza que as
pessoas não se desenvolvem isoladamente e salienta que os contextos são inter-
relacionados (PAPALIA; OLDS & FELDMAN, 2006).

Ao concluir esta Unidade, nós ressaltamos que, longe de esgotar a temática, nosso
intuito aqui foi apresentar e diferenciar as principais teorias do desenvolvimento
que contribuem de diferentes maneiras para os processos educativos.

Além disso, a separação entre as teorias do desenvolvimento e da aprendizagem


é meramente didática. Por essa razão, elas quase não foram apresentadas aqui e na
próxima Unidade iremos discutir mais sobre as Teorias da Aprendizagem.

Contudo, seguindo os princípios da proposta de Bruner sobre o currículo


em espiral, que mencionamos na Unidade passada, nós iremos sempre
revisitando conteúdos e agregando informações novas para que você possa ter
a melhor compreensão sobre a Psicologia da Educação; por isso, as Teorias do
desenvolvimento também irão ser revisitadas nas próximas Unidades.

28
Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Sites
Jean Piaget, o biólogo que colocou a aprendizagem no microscópio
https://goo.gl/Hya8k9
O sujeito epistêmico de Piaget
https://goo.gl/VDsSRu
Esquemas de ação de Piaget
https://goo.gl/zE5mpx
Lev Vygotsky, o teórico do ensino como processo social
https://goo.gl/qk4glg
Vygotsky e o conceito de zona de desenvolvimento proximal
https://goo.gl/lreeoL
Lev Vygotsky e o Sociointeracionismo
https://goo.gl/3EdBd1
O conceito de afetividade de Henri Wallon
https://goo.gl/clMb68
Henri Wallon e o conceito de emoção
https://goo.gl/FnAqab
Henri Wallon e o conceito de sincretismo
https://goo.gl/tDMLzg

29
29
UNIDADE Teorias do Desenvolvimento Humano e Implicações Pedagógicas

Referências
ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. 2.ed. Rio de Janeiro:
LTC, 2006.

ALMEIDA L. R.; MAHONEY A. O. Afetividade e processo ensino-aprendizagem:


contribuições de Henri Wallon. Psic. da Edu., São Paulo, 1.sem., p.11-30, 2005.
Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/psie/n20/v20a02.pdf>. Acesso
em: 31 mar. 2012.

ALMEIDA L. R.; MAHONEY A. O. Henri Wallon – Psicologia e Educação. 3.ed.


São Paulo: Loyola, 2003.

BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L. T. Psicologias: uma introdução


ao estudo de Psicologia. 14.ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

CARRARA, Kester. Introdução à Psicologia da Educação: seis abordagens. São


Paulo: Avercamp, 2004.

DAVIS, C.; OLIVEIRA, Z. Psicologia na Educação. 2.ed. São Paulo: Cortez, 1994.

LA TAILLE, Y.; OLIVEIRA, M. K.; DANTAS, E. Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias


psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus, 1992.

OLIVEIRA, M. K. Vygotsky: Aprendizado e desenvolvimento: um processo sócio-


histórico. São Paulo: Scipione, 2010.

______. Vygotsky e o processo de formação de conceitos. In: LA TAILLE, Y.;


OLIVEIRA, M. K.; DANTAS, E. Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas
em discussão. São Paulo: Summus, 1992.

PAPALIA, D.; OLDS, S. W.; FELDMAN, R. D. Desenvolvimento Humano. 8.ed.


Porto Alegre: Artmed, 2006

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos


psicológicos superiores. 6.ed. Tradução de José Cipolla Neto. São Paulo: Martins
Fontes, 1998.

30

Você também pode gostar