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AÇÃO, APRENDIZAGENS E AS

NEUROCIÊNCIAS
Rafael Appel Flores
Silvio Luiz Indrusiak Weiss

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Compreendemos que as crianças, inicialmente, motivam-se em estar
na escola e entrar na sala de aula para brincar e aprender. A partir daí,
gradativamente, cabe ao educador e ao sistema de ensino estimular
a autonomia e protagonismo dessas crianças. A metodologia de
ensino deve sempre estimular e motivar o estudante, desde crianças
a adultos. E hoje temos disponíveis ferramentas que auxiliam nesse
processo, sempre aliando o conhecimento neurocientífico para obter
melhores resultados.

A nossa natureza biológica tende à ação!

2 Ação, aprendizagens e as neurociências


O sistema nervoso humano e todo seu
“conteúdo” foi estruturado com base nas
vivências e interações recorrentes a partir
do mundo em sua complexidade. Portanto,
nada mais óbvio do que adotarmos como
prerrogativa educacional básica a “ação e o
protagonismo com o outro”.

Primeiramente, temos Desde a educação por meio da


de indicar que as
metodologias ativas “pedagogia de projetos”, respaldada
estão presentes desde no embrião das metodologias ativas,
muito tempo nas
discussões de políticas
valoriza-se o “processo”, a “ação”, como
públicas educacionais. meio de ensinar e aprender a partir
da experiência e da participação do(a)
estudante no “palco” das estratégias de
ensino-aprendizagem.

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Muitos estudiosos do aprendizado na infância disseminaram a necessidade da
atividade livre, de trabalho com projetos integrados ao ensino e a proposta de
uma pedagogia de projetos como metodologia, que preconizava o ensino e a
aprendizagem ativa.

Concordamos com Moran (2018, p. 2) que afirma,

[...] aprendemos ativamente desde que nascemos


e ao longo da vida, em processos de design
aberto, enfrentando desafios complexos,
combinando trilhas flexíveis e semiestruturadas,
em todos os campos (pessoal, profissional, social)
que ampliam nossa percepção, conhecimento
e competências para escolhas mais libertadoras
e realizadoras. A vida é um processo de
aprendizagem ativa, de enfrentamento de
desafios cada vez mais complexos.

4 Ação, aprendizagens e as neurociências


A busca por uma educação que coloque o estudante em um papel investigativo
e ativo não é algo recente, nem mesmo pode ser atribuída às metodologias
ativas – experiências de aprendizagem que inserem o estudante no centro dos
processos de ensino e de aprendizagem. Esse movimento acontece há mais
de um século, e são inúmeros os educadores, pensadores e pesquisadores
que têm dedicado suas carreiras para repensar o processo que leva ao
aprendizado, não somente de conceitos, mas que desenvolva também valores e
competências (BACICH; HOLANDA, 2020).

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Dentre as metodologias que propõem o protagonismo do estudante, inserindo
na ação e, consequentemente, trabalhando amplamente aspectos que
as Neurociências elegem como prioritários à aprendizagem, Porto (2012)
assinala que as mais relevantes estão alicerçadas na metodologia de projetos
desenvolvida por Hernández e Ventura (1998), cujas estratégias principais
contemplam:

• A ‘escolha de temas’ de aula que se dá a partir das


experiências dos estudantes;

• O ‘educador’ que se caracteriza por ser orientador e


pesquisador e o que alinha e define, junto com o/a estudante,
o fio condutor do trabalho;

• A ‘atividade’ dos/as estudantes que é a elaboração de


um roteiro inicial de investigação e realizar as questões que
problematizam o tema;

• O ‘aprender’ que se torna é um ato dialógico e, por isso,


o processo de ensino e aprendizagem está alicerçado numa
prática educativa que leve a criticidade e a reflexão;

• O ‘ensinar-aprender’ que se dá intencionalmente por meio


de problematizações.

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Toda essa abordagem traz também
uma séria discussão sobre o
quanto nosso ensino tradicional,
estruturado em conteúdos,
contempla uma educação que [...] verificou-se que
explora o caráter investigativo
da criança, do jovem, e mesmo 61% dos estudantes
do adulto. Aprendemos ao longo estão abaixo do nível
desta unidade como o cérebro
2 em matemática [...].
funciona e aprende, dando “pistas”
de como superar a fragmentação O nível de proficiência
no ensino e apostar numa em Português e
abordagem reflexiva, crítica e
problematizadora. matemática (percentual
de alunos de 9º ano
Isso nos faz refletir acerca do
movimento necessário à mudança com plenas condições
da forma como a escola ainda de compreender e
está alicerçada, além do fato de
se expressar) desce
não alcançar mais os anseios de
“aprender” dos estudantes. Os a níveis absurdos.
índices baixos de desempenho [...] os índices de
revelados nas avaliações de
larga escala apontam a falência analfabetismo
do modelo atual de ensino em continuam altos. No
que prioritariamente se trabalha
com aulas expositivas, pautadas 5º ano do ensino
no paradigma da explicação fundamental, mais de
(RANCIÈRE, 2015).
20% dos alunos estão
Para ilustrar, Pacheco (2019) nos com mais de dois
auxilia nesta análise a partir de anos de defasagem
um levantamento de indicadores
de boa qualidade em educação em relação à idade
no Brasil de 2014. O relatório correta”. (PACHECO,
apontou que, dentre os diversos
pontos avaliados, em relação ao 2019, p. 27)
IDEB em uma das 27 unidades da
Federação:

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Diante disso, práticas educativas guiadas pela lógica da explicação cerceiam
qualquer possibilidade de pensar por si próprio, e de criar e manter-se curioso
diante do que o mundo nos oferece à reflexão a partir daquilo que foi discutido e
pautado pelas Neurociências como fundamental em um processo educacional.
Talvez Racière (2015) possa nos auxiliar nesta reflexão. O autor elucida que

[...] antes de ser um ato pedagógico, a explicação


é o mito da pedagogia, a parábola de um mundo
dividido em espíritos sábios e espíritos ignorantes,
espíritos maduros e imaturos, capazes e incapazes,
inteligentes e bobos. O procedimento próprio do
explicador consiste nesse duplo gesto inaugural:
por um lado, ele decreta o começo absoluto –
somente agora tem início o ato de aprender; por
outro lado, ele cobre todas as coisas a serem
aprendidas desse véu de ignorância que ele próprio
se encarrega de retirar”. (RANCIÈRE, 2015, p. 24)

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Dessa forma, refletindo sobre essa lógica que ainda constitui a maioria de nossas
práticas docentes, vemos nas metodologias ativas o meio para que o estudante
aprenda e possa agir no mundo em que vive, diante dos desafios impostos. Isso
porque metodologias que trabalham focadas na aprendizagem ativa, pautada
no “aprender fazendo”, implicam utilizar como ferramentas o questionamento, a
problematização e a experimentação.

No entanto, não basta trabalhar metodologias ativas se não temos como


foco a realidade, a necessidade e as experiências vividas dos estudantes.
Para que a aprendizagem seja significativa, as estratégias utilizadas
devem estar ancoradas na realidade. (WENDHAUSEN, 2019). E mais: é
necessário levar em consideração os percursos educativos do estudante,
suas diferenças em todos os aspectos biopsicossociais, além da sua
corporeidade, considerando todo o seu potencial criativo e inovador.
Segundo Moran (2018, p. 2),

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[...] ao considerar a aprendizagem ativa e significativa
de suma importância, afirma que “[...] avançamos em
espiral, de níveis mais simples para o mais complexo
de conhecimento e competência em todas as
dimensões da vida. Esses avanços realizam-se por
diversas trilhas, movimentos e desenhos diferentes,
que se integram como mosaicos dinâmicos, com
diversas ênfases [...] frutos das interações pessoais,
sociais e culturais [...].

E mais: aprendemos o que nos interessa,


baseados no que é significativo dentro das
prioridades impostas pelo nosso cérebro,
apoiados pelo sentido que as situações e desafios
nos “comunicam” e significam “momento a
momento”, no contexto das nossas vivências
e motivações. Aprendemos, portanto, de
muitas maneiras, sem haver uma em especial,
padronizada e única para todos os sujeitos.

As práticas e estratégias estão alicerçadas na


participação ativa do estudante no processo
educativo. Nesse modelo, o estudante sai de
sua condição passiva e envolve-se, junto com os
demais estudantes e educadores, no processo
de aprender; torna-se protagonista e é autor,
numa construção coletiva do conhecimento.
O desenvolvimento de suas capacidades e
disposições de pensamento se efetiva a partir
desse movimento que o desafia, o faz refletir,
argumentar, problematizar, e o envolvimento e
engajamento se intensificam.

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[...] o de aprender a ter pensamento crítico, ‘uma
atividade prática reflexiva, cuja meta é uma crença
ou uma ação sensata’, alinhando e potencializando
o argumento de que no ato de educar busca-se a
formação de cidadãos livres, racionais e autônomos,
capazes de pensar por si próprios [...]”. (VIEIRA;
TENREIRO-VIEIRA, 2014, p. 43)

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Enfim, nessa proposta de “aprender fazendo” estão contemplados os
princípios voltados à ação que dinamizam as forças biológicas neurais do
ser humano, com práticas coletivas legítimas, importando destacar que não
há uma única estratégia a ser seguida. As metodologias ativas possibilitam
ao educador traçar caminhos diversos compartilhados e significativos ao
estudante, levando-o a se desenvolver integralmente.

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REFERÊNCIAS
ALENCASTRO, L. H. A aprendizagem por projetos como uma via possível à
produção de conhecimentos no ensino superior. Divers@, Matinhos, v. 10, n. 1,
p. 28-40, 2017. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/diver/article/view/51918.
Acesso em: 8 out. 2018.

BACICH, L.; HOLANDA, L. (org.). STEAM em sala de aula: a aprendizagem


baseada em projetos integrando conhecimentos na educação básica. Porto
Alegre: Penso, 2020.

BACICH, L.; MORAN, J. Metodologias ativas para uma educação inovadora:


uma abordagem teórica. Porto Alegre: Penso, 2018.

BEHRENS, M. A. Paradigma da complexidade: metodologia de projetos,


contratos didáticos e portfólios. Petrópolis: Vozes, 2008.

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MATURANA ROMESÍN, H.; DÁVILA YÁÑEZ, X. El arbol del vivir. Santiago: MVP,
2015.

MOURA, D. G. Trabalhando com projetos: planejamento e gestão de projetos


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PACHECO, J. Inovar é assumir um compromisso ético com a educação.


Petrópolis: Vozes, 2019.

PORTO, E. Ensinar ciências da natureza por meio de projetos: anos iniciais do


ensino fundamental. Belo Horizonte: Rona, 2012.

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3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.

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21 maio 2020. Disponível em: linktr.ee/ReinventandoaEducacao. Acesso em: 1
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básico para uma educação em ciências com orientação CTS/PC. 2003. Tese
(Doutorado em Didática) – Universidade de Aveiro, Aveiro, 2003.

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na educação: contributos para a didática das ciências. In: VIEIRA, R. M. et al.
(org.). Pensamento crítico na educação: perspectivas atuais no panorama
internacional. Aveiro: UA Editora, 2014.

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WENDHAUSEN, M. Movimento dialético entre participar e pesquisar: a percepção
de uma comunidade escolar sobre uma escola que se faz no caminho. 2019.
Tese (Doutorado em Educação) – Universidade do Estado de Santa Catarina,
Florianópolis, 2019.

ZABALA, A. Enfoque globalizador e pensamento complexo: uma proposta para o


currículo escolar. Porto Alegre: ArtMed, 2002.

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