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AULA 1

NEUROEDUCAÇÃO E
NEURODIDÁTICA: COMO O
CÉREBRO APRENDE

Profª Susane Garrido


CONVERSA INICIAL

Nesta aula serão apresentadas noções de educação, de didática e de


neurodidática, de práticas de ensino e de práticas educacionais para o exercício
pleno de processos cognitivos de ensino e de aprendizagem.

TEMA 1 – INTRODUÇÃO À NEUROEDUCAÇÃO: ESCOLAS COM O CÉREBRO


EM MENTE

É importante apresentar algumas premissas neste contexto novo da


educação, chamado atualmente de neuroeducação.
Segundo Jensen (2005), no campo da neuroeducação, considera-se que
os seres humanos aprendem de várias maneiras, ou seja, via diferentes
mecanismos e/ou métodos, sejam eles a sensibilização, a habituação, as
respostas condicionadas, o aprendizado semântico, a imitação, a ação e outras
tantas possibilidades que serão mencionadas ao longo da disciplina. Entretanto,
assim como muitos dos mecanismos cerebrais cognitivos não são ainda
decifrados em sua totalidade, para a neuroeducação, o que irá associar-se, em
termos de execução didática, à neurodidática, à ideia de potência ou potenciação
das memórias de longo prazo (LTP) tem sido um dos principais processos físicos
de aprendizagem. A base para a LTP foi construída sobre o trabalho originalmente
realizado por Donald Hebb, em 1949. Em síntese, para essa teoria de
aprendizagem (sigla LTP), quando a resposta de um neurônio a outro neurônio for
aumentada, isso significa que ele aprendeu a responder, ou seja, para cada
evento no futuro, irá se requerer dessa rede neural menos esfoço (ou trabalho)
para ativar a mesma rede de memória.
Entretanto, podemos utilizar nossas redes de memórias de diversas formas
para a educação, e de um ponto de vista da atualidade, com relação às
possibilidades tecnológicas embutidas de todas as formas em nosso modo de
viver, utilizar a memória não significa necessariamente memorizar, pois são
fundamentos diferentes; sinteticamente, para a função da memória, temos a
aquisição, a retenção e a evocação, e embora neste tema o objetivo não seja
tratarmos disso em específico, é importante correlacionar os preceitos da
neuroeducação, os quais tendem muito para a observação desses mecanismos
no cérebro, para que possamos compreender como nossas práticas pedagógicas
podem ser efetivas para as construções cognitivas que pretendemos, sabendo de
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antemão que os mecanismos das memórias, assim como os aspectos emocionais
e afetivos que inclusive interferem nesses processos, estarão sempre muito
presentes.
Primeiramente, vamos definir o que é uma prática pedagógica a partir do
que vem a ser uma ação pedagógica. Conforme Rios (2008), uma ação
pedagógica que visa a uma transformação social deve situar-se em um campo
ético, já que se articula com “a dimensão técnica (domínio dos saberes); a
dimensão estética (sensibilidade na relação pedagógica); e a dimensão política
(que diz respeito à participação na construção coletiva da sociedade e ao exercício
dos direitos e deveres)” (Verdum, 2013, p. 95).
A necessidade da reinvenção da prática pedagógica que visa à
aprendizagem, seja dentro ou fora da sala de aula, traz diferentes desafios ao
professor, principalmente se considerarmos os adventos das tecnologias que
cercam atualmente o cotidiano de uma grande maioria da população que estuda
em diferentes níveis, porque as perspectivas de cognição humana e suas
interrelações com essas tecnologias apresentam-se cade vez mais em fase de
mutação, de atualização em espaços de tempo cada vez mais curtos e diversos,
já que as relações de espaço e tempo se estreitam e se complexificam mais, pois
não são somente lineares. Assim, de acordo com Verdum, citado por Fernandes
(1999, p. 159), uma prática pedagógica é:

Prática intencional de ensino e aprendizagem não reduzida à questão


didática ou às metodologias de estudar e de aprender, mas articulada à
educação como prática social e ao conhecimento como produção
histórica e social, datada e situada, numa relação dialética entre prática-
teoria, conteúdo-forma e perspectivas interdisciplinares.

Já sob a ótica de Viana (2016), a educação brasileira tem-se orientado por


uma prática pedagógica fundamentada em uma tradição empírica da ciência
pedagógica e em uma perspectiva da ideologia liberal, em que a educação possui
claramente interesses na manutenção de um status quo social e econômico que
opta pelo conservadorismo, reprodução de culturas e dos interesses das classes
mais abastadas, reproduzindo desigualdades e mantendo um sistema
iminentemente capitalista e nada humanista.
Dessa forma histórica, a prática pedagógica permanece arraigada a uma
mínima foça de expressão de pensamentos ou de mudanças e a uma força
máxima de aprisionamento e sufocamento de possibilidades novas ou que

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venham a contribuir para uma ideia de mais igualdade social, de diversidade e até
mesmo de ruptura de hegemonias de todas as naturezas (Viana, 2016).
As considerações políticas nesse cenário histórico, ao menos no Brasil,
tendem a uma ideia de condicionamento, no qual a tradição e a cultura vigente de
épocas utilizaram-se da memória e de sua potência enquanto mecanismo de
repetição (com a máxima do neurônio que aprende), para a manutenção de um
status quo; esse exercício, embora biologicamente correto, pois aprendemos pela
memorização, assim como pela habituação, criou uma limitação de possibilidades
mais ampliadoras, como os do pensamento coletivo.
Para a libertação da prática pedagógica enquanto ato político, e não
somente de educação, uma vez que ato pedagógico já o é, há se de tecer muito
sobre a liberdade de expressão das pessoas, de professores e de alunos. É
necessário potencializar diferentes credos, diferentes formas de pensar, de se
predispor a exercícios de empatia, de literalmente colocar-se no lugar do outro,
para assim então perceber-se diferente, apoiar espectros de entendimentos e de
ideais novas, de linguagens novas, múltiplas; há de se ser múltiplo.
A educação, nessas perspectivas, torna-se um processo antes de mais
nada crítico, intervencionista nos contextos em que está inserida, ensinando o
estudante a ter uma postura crítica frente à realidade social. Segundo Viana
(2016), a educação deve propiciar a autonomia dos sujeitos, aparatando-o para
além de uma simples alfabetização, tornando-o autônomo intelectualmente para
intervir na própria realidade, contribuindo para sua produção/transformação.

Na raiz do dilema está o entendimento da relação entre teoria e prática


em termos da lógica formal, para a qual os opostos se excluem. [...]. E,
na medida em que o professor é revestido do papel de defensor da teoria
enquanto o aluno assume a defesa da prática, a oposição entre teoria e
prática se traduz, na relação pedagógica, como oposição entre professor
e aluno. No entanto, admite-se, [...], que tanto a teoria como a prática
são importantes no processo pedagógico, [...] não sendo, pois, possível
excluir um dos polos da relação em benefício do outro. Dir-se-ia, pois,
que teoria e prática, assim como professor e aluno são indissociáveis do
processo pedagógico. (Saviani, 2007, p. 107)

E embora falemos aqui que uma prática pedagógica é um ato político, não
defende-se partidariamente ninguém, e muito menos considera-se que o fato de
ser um ato político deve vir carregado ideologicamente de qualquer coisa; aqui,
defende-se que a plasticidade humana é um ato humano, que deve vir sim
carregada de possibilidades para desenvolver e evoluir a espécie, a fim não

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somente de sua manutenção ou sobrevivência, mas de sua transformação para
melhor, de forma reflexiva, consciente, crítica e intencional.

TEMA 2 – PERSPECTIVAS SOCIAIS E HUMANISTAS E SEU IMPACTO SOBRE O


CÉREBRO DOS(AS) ESTUDANTES

Há perspectivas diversas, difundidas e executadas na prática para os


conceitos de educação vigentes, desde as mais comportamentalistas e de
estimulo e resposta de Skinner e Pavlov, até as perspectivas psicológicas
humanistas de Rogers e dissidentes, nas quais a emoção precisa ser
considerada, além das teorias de âmbito mais construtivista e social, como as de
Piaget, Vygotsky e Saviani, por exemplo.
Em se tratando de uma disciplina que trata das neurociências como
questão de fundo, o que, de uma certa forma, denota tendências mais
evolucionistas na medida em que a ideia é sempre lidar com o desenvolvimento
de nossa plasticidade e gerar motivações intrínsecas no que cerca os processos
cognitivos, vamos tocar em diferentes vertentes para perceber diferenças e
similaridades nas abordagens, construindo assim os processos educacionais mais
adequados às especificidades de contextos, pessoas e de possibilidades.
Vamos nos ater a conceitos mais humanistas e sociais neste tema, a
começar pelas perspectivas de Rogers e Barret. Para Rogers, educação é um
processo individual e intrínseco de facilitação da autoconstrução do conhecimento
no aluno; nele, o professor é um facilitador de tudo; entretanto, o processo se dá
em um contexto com múltiplas variáveis de todas as ordens agindo junto com o
próprio conhecimento, ou seja, aspectos psicológicos, familiares, culturais,
cognitivos e também relacionados aos saberes que se tem interesse para educar.
Sua abordagem foi denominada como centrada na pessoa (ACP).
O cérebro humano é acompanhado de inúmeros estímulos de ordens
diversas. No entanto, pra abordagens mais humanistas, os aspectos emocionais
que compõem esse sistema humano são elementos de total relevância; as
emoções (tratadas no capítulo de emoções) terão papel estruturante nas
construções cognitivas oriundas dessas abordagens centradas na pessoa, uma
vez que o universo emocional, embora amplo, é único para cada indivíduo.
Já para Barret, a educação é um processo cognitivo e social que deve
considerar a neuroplasticidade do cérebro como elemento preponderante para

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uma boa educação; entretanto, essa neuroplasticidade está diretamente
associada a aspectos emocionais e sociais para seu desenvolvimento.
Na atualidade, um dos principais ofensores para uma educação de sucesso
está no stress gerado pelo excesso de tudo, desde as informações, aspectos
usualmente difundidos desde o advento internet, até os problemas ampliados
pelas perspectivas de coabitação de vários mundos, como o real, o digital e o
virtual, nos quais os jovens andam quase sempre imersos. "According to Jensen
and Snider (2013), these students’ brains are “often overwhelmed by risk factors
for academic or social impairment – poverty, parental separation, abuse, neglect,
poor nutrition, bullying, lack of housing stability, and health issues” (Barret et al, p.
67).
Na obra de Barret et al. (2005), a ideia de educação conecta-se fortemente
com Damásio, ao citar que funções cognitivas clássicas (como também
abordadas na nossa disciplina), assim como fatores externos, como o ambiente e
a situação social e psicológica dos alunos, são altamente interferentes em
qualquer apreensão do conhecimento.

The aspects of cognition that are recruited most heavily in education,


including learning, attention, memory, decision making, motivation, and
social functioning, are both profoundly affected by emotion and in fact
subsumed within the processes of emotion” (Immordno-Yang; Damasio,
2007, p. 7). A positive environment is important because it fundamentally
supports learning at the level of emotion and culture, whereas a negative
environment shuts learning down. Schools must engage students
positively at the emotional and social levels if they are to make progress
at the cognitive level. (Barret et al, 2005, p. 70)

Já Demerval Saviani considera a educação como "produção do saber", pois


o homem é capaz de elaborar ideias, possíveis atitudes e uma diversidade de
conceitos. No entanto, essa produção só tem sentido se for social e puder mudar
o ambiente e as condições de vida desse mesmo sujeito e dos demais à sua volta.
Saviani (1991, p. 29) dá ênfase à ideia do currículo escolar, da escrita e do
conhecimento científico, trazendo para a escola a sistematização da cultura
popular para a cultura erudita, por meio dessa espécie de tripé.
Vygotsky trata a educação como um processo social de cunho
construcionista, o qual traz uma peculiaridade quase que metodológica quando
enfoca a medida das construções dos aprendizes, considerando as zonas de
desenvolvimento proximal, o que de forma sintética significa dizer que, quanto
mais independente do sujeito que ensina fica o aprendiz, mais ele aprendeu; ou
seja, há um exercício de codependência, mas também de autonomia.

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Nesse contexto, não se pode deixar de citar Luria e sua ideia de um
Sistema mais complexo para tratar do funcionamento do cérebro ou da
funcionalidade cognitiva do cérebro, o qual passou a ser uma tese mais evoluída
e menos fechada que a do Sistema funcional de outro autor chamado Pyotr
Kuzmicj Anokhin, na qual os sistemas cerebrais eram fechados e, talvez,
independentes. Para Luria, a função cerebral não pode ser entendida como a
função de uma área em particular, mas de todo o sistema ao qual o cérebro faz
parte, sem reducionismos a agrupamentos específicos neuronais ou algo similar.
Sua tese se organiza na ideia de função, localização e sintoma para os casos de
alguma doença.
Em uma linha mais construtivista, encontra-se Piaget com sua
Epistemologia genética, a qual irá focar em aspectos da aprendizagem com base
na evolução dos “Esquemas”, estruturas estas, mentais ou cognitivas, pelas quais
os indivíduos intelectualmente organizam sua aprendizagem ou novas tomadas
de decisão; nesse processo de tomada de decisão, encontram-se sistemas de
assimilação e de acomodação das novas informações como os responsáveis pela
evolução dos esquemas (sensório-motores) “da criança”, para os esquemas
cognitivos “dos adultos” (Garrido, 2005).
Segundo Viana (2016), ambos autores, Piaget e Vygotsky, concebem a
criança como um ser ativo, mas discordam quanto à sequência dos processos de
aprendizagem e de desenvolvimento mental.

TEMA 3 – DA DIDÁTICA À NEURODIDÁTICA

Aqui, embora façamos uma breve incursão conceitual na história da


didática, a ideia é mostrar as possibilidades didáticas de diferentes correntes,
intencionando as conexões neurais e neuronais que possibilitam ao cérebro a
aprendizagem, o que acabou sendo denominada de neurodidática.
Os condicionamentos, as conexões sócioculturais e emocionais e os
reforços de memória serão apresentados para que se possa perceber que as
abordagens didáticas apresentam tendências que devemos escolher para
trabalharmos em sala de aula com nossos alunos.
Historicamente falando, a primeira obra publicada com o tema didática
chama-se Didática magna, e data do ano de 1631, e foi produzida por Comênio
(ou Comenius); é uma obra precursora de uma educação moderna, na qual as
relações de ensino e de aprendizagem entre professor e aluno deveriam ter

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enfoques multifacetados de diversas naturezas, considerando os interesses da
criança, as relações com a própria natureza e a boa comunicação.
Assim, percebe-se que, mesmo estando na Idade Média, Comenius
enxergava a didática como uma ferramenta fundamental para o desenvolvimento
sócio cognitivo e psicológico das crianças, contanto que fosse algo baseado no
tempo e no espaço, pois não existiria um padrão a ser seguido por todos.
É bastante atual a ideia de Comenius, uma vez que hoje, diante de
inúmeras perspectivas de busca de absorção das informações assim como de
linguagens e modelos, faz-se necessário uma adequação cada vez mais explícita
dos processos didáticos que iremos escolher como professores para chegarmos
em nossos alunos, assim como para impactarmos cognitivamente em seus
desenvolvimentos.
Já Vera Candau defende a didática em uma perspectiva intercultural crítica,
que vem a reforçar a ideia de que os processos de ensino e de aprendizagem
devem conter uma carga bastante grande dos aspectos culturais que cercam o
aprendiz, ao mesmo tempo que haja uma provocação de questionamento da
própria cultura, ou de reinvenção criativa do que se compreende e do que pode
vir a ser; nesse sentido, o professor tende a ser um facilitador dessa crítica.
Segundo Candau e Koff (2015, p. 7):

Por sua vez, ressaltamos que, para nós, a reinvenção da escola


pressupõe, entre outros aspectos, colocar em debate o modo de viver o
currículo e/ou a prática educativa, refletindo e discutindo, portanto, o que
entendemos são os seus modos de organizar tempos e espaços,
relações, papéis de seus diferentes sujeitos e atores, saberes e
conhecimentos, métodos, técnicas e recursos, linguagens, planejamento
e avaliação. E, embora reconheçamos que não é suficiente promover
transformações de caráter teórico-metodológico para mudar a escola,
consideramos que esse é um aspecto significativo para construir uma
outra escola e, portanto, uma outra educação, desde que tais mudanças
sejam contextualizadas histórica e culturalmente e estejam orientadas
por princípios claramente formulados e que expressem respostas às
questões: que educação queremos construir? Que sujeitos/atores
desejamos ajudar a formar? Ou, em outras palavras, que prática escolar
desejamos realizar a serviço de quem e do quê?

E a neurodidática, o que vem a ser? Como um campo novo de estudos,


inúmeras especulações surgem a respeito da neurodidática; há aquelas correntes
que a defendem já como uma ciência, outras como um campo emergente de
conhecimento interdisciplinar entre as neurociências cognitivas e a didática, e há
aqueles que vão considerá-la um mito, ou seja, uma dissidência que não se
sustenta cientificamente falando.

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A neurodidática surge como uma resposta a interpretações equivocadas do
tipo “estímulos corretos desenvolvem estilos de aprendizagem específicos”,
advindas de algumas teorias sobre estilos de aprendizagem como as inteligências
múltiplas, de Daniel Golemann ou a Learning Styles: Concepts and Evidences
(“Estilos de aprendizagem: conceitos e provas”), de Harold Pasher, de 2008.
Embora os estudos dos estilos de aprendizagem citados sejam importantes e com
boas bases científicas, muitas interpretações (de senso comum) acerca de
metodologias didáticas baseadas em um ou outro estímulo para um ou outro estilo
de aprendizagem proliferaram-se sem fundamentos comprobatórios na literatura
de didática ao longo da história, ocasionando grandes estragos sobre a ideia de
uma dicotomia entre os processos integrados do sistema cerebral cognitivo
humano.
Entretanto, a neurodidática surge justamente arraigada à premissa de que
o cérebro humano não aprende com base em um estímulo ou a partir de uma área
específica, mas sim do conjunto ou no tecido complexus (tomando emprestado o
termo de Morin), onde tudo se conecta a tudo e inclusive ao que desconhecemos,
ao que aprendemos.
Com base na ideia de uma neurodidática, as funções cognitivas humanas,
como a percepção, a memória, a abstração ou a imaginação, assim como todos
os artefatos emocionais dos seres humanos, andam juntos nos processos de
aprendizagem. Abordaremos aqui, a partir de diferentes vertentes, alguns
exemplos de desenvolvimento neurodidático enquanto metodologia ou ferramenta
de ensino e de aprendizagem.
Um delas é a Teoria das situações didáticas de Brousseau, bastante
difundida no terreno da matemática, devido à possibilidade de desenvolvimento
do mecanismo de abstração (de decomposição e estratégia). Trata-se de um
modelo teórico prático no qual há uma situação problema, usualmente uma
espécie de competição, da qual parte-se para as sugestões de soluções com
testagens com combinações e negociações entre as equipes; o método possui
uma série de fases, e o “erro" faz parte do processo.
Brousseau (2009) basicamente apresenta, em sua teoria, três situações
didáticas: situação de ação (fase em que se estuda propriamente a situação,
criam-se as estratégias e testa-se várias vezes tudo); situação de formulação
(fase em que os parceiros de uma equipe por exemplo precisam saber comunicar
sua formulação de estratégia); situação de validação (nessa fase, cada jogador

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posiciona-se em relação a um enunciado. Caso não haja consenso ou
concordância, pode-se demonstrar a formulação, refazer ou adaptar).

Na abordagem da TSD, Brousseau (2008) descreve que o objetivo dessa


teoria é de propiciar a reflexão sobre as relações entre os conteúdos do
ensino e os métodos educacionais, e de modo mais amplo, abordar a
didática como campo de investigação cujo objeto é a comunicação dos
conhecimentos matemáticos e suas transformações. Isso porque, para
Brousseau (2008), o ensino é concebido a partir de relações entre o
sistema educacional e o aluno, vinculado à promoção de determinado
conhecimento. Dessa forma, a relação didática é interpretada como uma
comunicação de informações e essa atividade se consolida em dois
processos: a aculturação e a adaptação independente. A aculturação
está relacionada ao conjunto de mudanças resultantes do contato, de
dois ou mais grupos de indivíduos, representantes de culturas diferentes
ou até saberes diferentes, quando postos em contato direto e contínuo.
A adaptação independente é o processo no qual o aluno ou os alunos
vão se ajustando ao meio de forma natural no desenvolvimento das
atividades. Além desses dois processos, Brousseau (2008) considera na
TSD a influência do meio sociocultural na aprendizagem, inspirado,
nesse âmbito, em Vigotski (1998). (Silva; Nilson, 2015, p. 3-4)

Em outra vertente, mais voltada à memória, temos o modelo de Ensino de


Jensen (2005), conduzido com forte correlação entre a mente e o corpo, e que
propõe uma didática do antes, durante e depois. A ideia do modelo é que você
despenda um percentual de tempo para cada um desses momentos com as
seguintes premissas:

1. No antes: despender 10% do tempo para preparar os estudantes para a


proposta que se pretende e preparar também o ambiente.
2. No durante: despender cerca de 80% do tempo para cinco etapas:
engajamento, enquadramento, aquisição, elaboração e fortalecimento da
memória.
2.1 No engajamento, há a conexão entre o corpo e a mente, e nessa etapa,
aumenta-se a frequência cardíaca e os níveis de cortisol, podendo
ainda envolver o aumento de dopamina ou epinefrina. Como atividades
didáticas, pode-se utilizar de “retórica, humor, afirmações, arte, rituais
de grupo, atividades ou alongamentos” (p. 147).
2.2 No enquadramento: a ideia dessa etapa é como uma espécie de
ativação neuronal na medida em que a etapa anterior conectou mente
e corpo; neste momento, o professor terá a atenção dos alunos para
enfim propor aprendizagem.
2.3 Na aquisição: é a etapa de uma ideia de instrução ou de outro tipo de
aprendizado, na qual as sinapses irão de fato ocorrer; assim, as
metodologias mais ativas terão maior impacto e, portanto, maior
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significado; quanto mais atividades de cooperação, maiores serão os
laços emocionais, propulsores de cognição.
2.4 Na elaboração: há uma intenção com o aprofundamento da
aprendizagem iniciada na etapa anterior. Neste momento, é saudável
trabalhar os erros, pois eles servirão de base para os contrapontos e
solidificarão as teses que devem ser consolidadas, uma vez que, nessa
etapa, ainda se estará tratando das memórias de curto prazo.
2.5 Fortalecimento da memória: essa etapa possui relevância para as
lógicas que tratam do uso da memória para aprendizagem, pois nela
está o reforço da memória a partir de elementos que possam ser
evocados e, portanto, repetidos.
3. No depois: despender cerca de 10% do tempo em duas etapas: tempo de
acomodação e descanso e revisão.

TEMA 4 – PLANEJAMENTO COM O CÉREBRO EM MENTE

Historicamente, o ser humano planeja. Seja na ancestralidade para caçar


ou para se proteger de predadores, o planejamento sempre ocorreu; isso se deve
à região do córtex frontal, a qual é mais desenvolvida em seres humanos do que
em outros animais.
Essa atividade humana tem se desenvolvido cada vez mais, e de acordo
com de Neubert et al (2013), em uma Pesquisa da Universidade de Oxford,
detectou-se no cérebro humano uma região do córtex frontal que não tem
atividade equivalente em macacos. Essa área seria responsável pelo
planejamento estratégico, tomada de decisão e execução de múltiplas tarefas,
assim como desenvolvimento da flexibilidade humana.
O planejamento de processos que envolvem ensino e aprendizagem está
sempre conectado a muitas estratégias, mas sempre à perspectiva teórica que
fundamenta a prática a ser realizada, ou seja, se a abordagem é construtivista ou
tradicional ou até mesmo crítica, o planejamento deve-se ater às considerações
fundamentais dessas linhas para ser coerente em todo o seu propósito.
De uma forma mais sintética, os planejamentos contêm elementos
fundamentais para sua construção, começando pelos objetivos (o que se deseja
realizar); público-alvo, (para quem, e com quem se deseja realizar algo);
metodologia (como se deseja realizar algo); recursos (com o que se pode

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realizar algo); avaliação (como se avalia esse "algo”) e referências
bibliográficas.
Diante disso, um bom planejamento é aquele em que há sinergia entre
todos esses aspectos, considerando, como premissa na ótica neurocientífica que
estamos tratando a disciplina, dos desenvolvimentos cognitivos associados, e
correlacionando-os aos conceitos das linhas teóricas acima mencionadas.
Assim, em um planejamento de atividade envolvendo educação a distância,
por exemplo, ou o uso de tecnologias digitais e virtuais, ao compararem-se dois
modelos, um tradicional conservador e outro, construcionista-interacionista, tem-
se:

Quadro 1 – Mudanças dos paradigmas educacionais

Modelo antigo Novo modelo Implicações tecnológicas

Aulas na sala de Exploração  Redes de PC com acesso à


aula individual informação

Absorvição
Aprendizagem  Desenvolvimento de habilidades e
passiva simulações

Trabalho
Trabalho em grupo  Benefícios das ferramentas
individual colaborativas e correio eletrônico

Professor como guia  Apoiado no acesso à rede por


Professor
omnisciente especialistas

Contexto de
Contexto estável
mudanças rápidas  Requer redes e ferramentas de edição

Homogeneidade Diversidade  Requer acesso a várias ferramentas e


métodos
Fonte: Reinhardt, 1995.

Trazendo considerações da obra Planejamento (Garrido, 2008) e conexões


atuais, para uma abordagem de âmbito construcionista, poderiam apresentar-se
como objetivos, usualmente, desenvolver espaços de conhecimento, reflexão e
experimentação no que tange ao tópico que estaria em questão.
Quanto à metodologia, a ideia poderia ser promover encontros mediados
por:

 Ferramentas de comunicação disponíveis na comunidade de


aprendizagem;
 Desenvolvimento coletivo/cooperativo da aprendizagem;
 Utilização de metodologias ativas e inovadoras.
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Já para a avaliação, conceitos de natureza individual e coletiva devem ser
trazidos e, diante das possibilidades tecnológicas, tais conceitos poderiam ser
instrumentalizados pelas seguintes ferramentas:

1. Participação individual e coletiva qualitativa (e interlinkada), nas datas


previamente combinadas, nas atividades de comunicação e de interação.
2. Resenha aprofundada na temática, sem “cópia” dos textos sugeridos para
leitura e com mais de quatro páginas.
3. Criação de semanários correspondentes ao acompanhamento do processo
de construção dos conhecimentos.
4. A avaliação final utilizará a lógica qualitativa de crescimento do aluno a
partir de suas atuações nas atividades: cinco fóruns + resenha +
semanários.

Para um âmbito mais interacionista (similar ao que acontece no


construcionista), poder-se ia apresentar como objetivos: desenvolver espaços de
colaboração e de cooperação para construção dos conhecimentos.
A metodologia, nessa linha, poderia estar sob forma de Projetos de
aprendizagem coletivos e cooperativos, iniciados pelos interesses dos alunos e
construídos a partir de dúvidas e de certezas provisórias ou sob forma de
desafios/espaços que possibilitam a proposição de desafios de resolução
cooperativa.
Assim, em uma ideia de construção de Projetos, as orientações são
fundamentos:

 Há sempre orientações referentes às atividades propostas (e construídas


em coletivo) disponíveis em webfólios coletivos.
 Os prazos são impreterivelmente cumpridos tanto pelos professores
(tutores) e alunos, a fim de manter a comunidade em funcionamento.
 Há espaços assíncronos e síncronos de contatos para esclarecimento de
dúvidas.

A proposição de avaliação coletiva e individual deve envolver domínio


tecnológico e participação ativa nas atividades propostas. Avaliação: Parte
coletiva (50%) + Parte individual (50%).

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TEMA 5 – MODALIDADES DE EDUCAÇÃO E O CÉREBRO

Sob um âmbito mais conceitual e filosófico, há basicamente três


modalidades de educação atualmente no mundo, a presencial, a distância e a
híbrida.
A presencial, que todos nós conhecemos, é aquela em que alunos e
professores estão compartilhando informações no mesmo espaço, ao mesmo
tempo em que estamos experimentando os processos de ensino e de
aprendizagem. Para o cérebro humano, essa modalidade é a mais cômoda, uma
vez que segue a trajetória histórica biológica do sensorial on time, ou seja, de se
estar no mesmo lugar ao mesmo tempo, experimentando sensações e percepções
cognitivas em um tempo presente.
Já a modalidade a distância é aquela que flexibiliza o espaço e o tempo, ou
flexibiliza um ou outro, o que significa que podemos estar ao mesmo tempo em
espaços diferentes ensinando e aprendendo, e também podemos estar em tempos
diferentes no mesmo espaço, e até mesmo em tempos diferentes e em espaços
diferentes; nessa, o cérebro se utiliza bastante de outras funções cognitivas, como
a memória, a atenção e concentração, por exemplo, na medida em que o tempo
passa a ser uma dimensão não linear, mas mais sincrônica e de cada um.
A modalidade híbrida, a mais democrática de todas as modalidades, é
aquela em que se pode compor um currículo com parte de uma modalidade e parte
de outra, e esses percentuais podem ser usualmente institucionalizados, e nos
casos mais ousados de algumas iniciativas, até individualizados conforme desejo
do aluno e oferta da instituição; em termos neurais, ela carrega um todo mais
sistêmico.
De um ponto de vista regulatório brasileiro, desde o Decreto n. 5.622/2005,
que regulamentou o âmbito da Educação a distância, e com o atual Decreto n.
9.057/2017, convalidando o mesmo conceito, há apenas duas modalidades, a
presencial e a distância, e estas diferem entre si por percentuais de presencialidade
embutidos nas atividades de ensino e de aprendizagem.
Atuar bem, didaticamente falando e com um planejamento eficaz para dar
conta dessas modalidades de ensino e, portanto, de aprendizagem, requer um
preparo mais aprofundado por parte do professor, assim como também por parte
do aluno, e torna-se absolutamente necessário passar a pensar na educação a
distância ou até mesmo na modalidade híbrida, pois as metas do PNE do Brasil

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pretendem atingir um manancial da população que será acessada somente se
houver diversificação e ampliação modal.
De acordo com Garrido et al (2015, p. 1):

Como Meta do PNE está o atingimento de cerca de 30% população em


idade de cursar o Ensino Superior no Brasil. Para isso, esforços como o
cumprimento dos SINAES e uma avaliação fortemente integrada aos
diferentes contextos que englobam as ofertas deste segmento, bem como
o reconhecimento do papel da educação a distância como modalidade que
difere em todos os âmbitos, da modalidade presencial e que portanto
necessita de uma regulamentação legal e avaliativa diferenciadas dos
padrões mais tradicionais, far-se-ão tão necessários como deverão gerar
uma reinvenção da própria universidade como instância da formação em
nível superior com a devida qualidade que deve ser assegurada para
quem a procura.

De uma forma reducionista, as peculiaridades de cada modalidade para fins


de planejamento concentram-se nas garantias de atingimento factual de cada
público alvo. Em outras palavras, gerar aprendizagem para conhecimento, a
finalidade da educação enquanto processo de desenvolvimento social, deve
considerar todas as especificidades de elaboração de objetivos, de metodologias,
de utilização dos recursos possíveis e eficazes para tal e de avaliações
condizentes.
Em cenários mais presenciais, em que se trata do público ao mesmo tempo
e no mesmo espaço, embora acredita-se que se atinja a todos simultaneamente,
um planejamento eficiente ainda será aquele que, de uma certa forma, consiga
“individualizar a aprendizagem”, já que cada um tem seu tempo de absorção e de
maturação cognitiva, ao mesmo tempo em que a cooperação passe a ser uma
forma mais dinâmica de se chegar a todos. Nesses casos de atividades presenciais,
as interações síncronas tornam-se o mecanismo mais apropriado e a comunicação,
algo que se pode corrigir no mesmo tempo e no mesmo espaço.
Entretanto, em cenários balizados pela intermediação das tecnologias,
casos da educação a distância e da educação híbrida, os planejamentos devem
atentar-se para atividades com muita interação assíncrona (as síncronas podem
ser utilizadas também, mas devem atender às possibilidades dos grupos de
alunos), realizações de feedback e ações de acolhimento individualizadas, a fim de
que a evasão não se torne uma possibilidade factível ao aluno, o que é bastante
comum na modalidade, visto que inúmeras dificuldades permeiam as iniciativas,
como por exemplo a aversão ao uso de tecnologias, a necessidade do contato físico
e presencial, a falta de autonomia para estudar, o índice elevado de leituras que a

15
modalidade normalmente comporta e, infelizmente, a estatística negativa de
iniciativas de baixa qualidade por parte de algumas instituições de ensino.
Não se pode desconsiderar que o Brasil, sendo um país latino, carrega uma
cultura muito afetiva e que condiciona mais atributos subjetivos à aprendizagem do
que outros países, cujo traço afetivo não seja tão intenso; isso corrobora a uma
educação a distância com evasões mais altas, na medida em que essas lacunas
relacionais não estejam devidamente supridas através de metodologias e recursos
que deem conta de uma certa “presencialidade”, mesmo que virtualizada.
Já na perspectiva mais híbrida, há a possibilidade do contato presencial
professor-aluno e aluno-aluno, o que ativa psicologicamente o âmbito mais
relacional do aluno e o ajuda a manter condições de permanência nos cursos.
Ao se tratar de mundos presenciais e virtuais juntos, ou então híbridos,
surgem novos conceitos de presencialidade, pois podemos ter o que chamamos de
presença virtual, na qual o sujeito está virtualmente presente no mesmo tempo,
mas ausente no mesmo espaço. Para o cérebro humano, lidar com a sincronia de
tempo e de espaço é o que foi aprendido em toda a história humana. Entretanto, a
partir do momento em que se quebra essa sincronia e surge a assincronia, quando
uma das duas dimensões pode variar ou ambas, há uma perda de referencial e de
localização geográfica principalmente, que sempre remeteu o cérebro a um tempo
cronos (“cronológico”, ou seja, linear).
Em abordagens do tipo híbridas ou a distância, o Modus Operandi nos
remete a um novo modo de pensar e de executar as atividades, o que obriga a
percepção e a memória a serem funções mais flexíveis, assim como nosso próprio
planejamento; Isso se torna literalmente um desafio a ser vencido devido à
plasticidade que nos acompanha.

16
REFERÊNCIAS

BARRETT, L. F.; NIEDENTHAL, P. M.; WINKIELMAN, P. (Ed.). Emotion and


Consciousness. The Guilford Press, 2005.

BROUSSEAU, G. Introdução ao estudo das situações didáticas: conteúdos e


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London: Rowman & Littlefield, 2016.

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Cognitive Control and Language with Areas in Monkey Frontal Cortex. Neuron
Jornal, v. 81, n. 3, p. 700-713, fev. 2014. Disponível em:
<https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24485097>. Acesso em: 10 set. 2019.

REINHARDT, A. New Ways to Learn. Revista Byte. v. 20, n. 3, mar. 1995.


ROGERS, C. Liberdade de aprender em nossa década. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1985.

SAVIANI, D. Pedagogia: O espaço da Educação. Cadernos de Pesquisa, São


Paulo, v. 37, n. 130, p. 13-14, jan./abr. 2007.

17
SILVA, N. A.; FERREIRA, M. V. V.; TOZETTI, K. D. Um estudo sobre a situação
didática de Guy Brousseau. In: XII Educere: Congresso Nacional de Educação.
PUC PR, 2015, Curitiba. Anais..., Curitiba, PUC PR, 2015. Disponível em:
<https://educere.bruc.com.br/arquivo/pdf2015/18159_8051.pdf>. Acesso em: 10
set. 2019.

VIANA, I. Prática pedagógica: matrizes teóricas e interfaces conceituais. In:


SILVA, M. C. B. Práticas Pedagógicas e Elementos Articuladores. Curitiba:
Universidade Tuiuti do Paraná, 2016.

18
AULA 2

NEUROEDUCAÇÃO E
NEURODIDÁTICA: COMO O
CÉREBRO APRENDE

Profª Susane Garrido


CONVERSA INICIAL

Como potencializar as Funções Cognitivas Humanas

As funções cognitivas humanas são as precursoras nos processos de


pensamento e norteadoras dos processos cognitivos e de aprendizagem. Sem o
entendimento do desenvolvimento das funções cognitivas humanas, as
aprendizagens tendem a uma ou outra função, como as memórias, por exemplo,
em detrimento das demais. Nesta aula serão abordados conceitos básicos como
o da cognição humana e as funções cognitivas derivadas, a percepção, a
percepção visual, as memórias e a abstração.

TEMA 1 – COGNIÇÃO

A cognição nas neurociências é vista como um processo multidimensional


e interdisciplinar, que envolve parte e todo, o indivíduo e as sociedades, e todos
os aspectos subjacentes e ou incorporados a este indivíduo cognoscente, como
os artefatos culturais, psicológicos, biológicos entre tantos outros.
Assim, não basta aprender. O processo é mais e mais complexo, pois além
de aprender, é preciso conhecer o que se aprende e pensar sobre o que se
conhece. A cognição passa ser um processo de extrema relevância para todos os
demais.
Entretanto, para a cognição acontecer é preciso um cérebro, com uma
mente em condições de pensar, e não só de aprender, embora a aprendizagem
seja fator preponderante para a sobrevivência da espécie. No entanto, não é ela
em si que faz com que as tomadas de decisão para a evolução humana ocorram,
a cognição e o pensamento é que geram estas possibilidades.
Assim, o ato cognitivo do ponto de vista evolucionista é um processo
reverso, ou seja, de desmonte e de inter-relação entre o todo e suas partes para
sua compreensão e, portanto, funcionamento. Essa premissa é contrária às
comportamentalistas, que partem do entendimento daquilo que está pronto para
então compreender como tudo deve ser.
Nesse novo cenário, a cognição começa com um cérebro captando a
informação que chega como símbolos ou como cômputos (se já as processamos
em algum momento). A partir daí ela percorre um meio de alta complexidade,
lidando com nossas sensações, desejos, crenças, conhecimentos anteriores,

2
memórias, até tornar-se algo sináptico, de fato, e constituir-se como uma nova
rede cognitiva.
Compreender a cognição humana requer um entendimento anterior sobre
a complexidade, como sendo uma das teorias possíveis de explicação, ou, ao
menos, a que mais se aproxima da própria complexidade engendrada na
fenomenologia da cognição humana.
De acordo com Garrido (20016), a complexidade como teoria do
Complexus de Morin é um pensamento desprovido de certezas e verdades
científicas, uma abordagem não-linear que não condiciona efeitos a causas e nem
causas a efeitos. Dessa forma, ancora-se na diversidade e na complementaridade
dos conhecimentos, das pessoas e das culturas.
O cérebro cognitivo carregado dos condicionantes emocionais (memórias
e percepções), intuitivos (a relativização do tempo), dedutivos (abstrações) e
criativos (imaginações e ilusões) obriga-se a constantes tomadas de decisões, em
prol da sobrevivência a curto e longo prazos; a longo prazo, o que significa a
realização de sinapses; a curto prazo, a evocação das memórias previamente
construídas.

O desenvolvimento cognitivo humano gera-se e é gerado


a partir das interrelações entre os indivíduos, do restante
da natureza da qual fazem parte, e de suas próprias
criações. O conhecimento é, portanto, um fator
subjacente à natureza humana, bem como
potencializador da própria humanidade, no sentido de
seu desenvolvimento, independentemente da
caracterização de intenções (se boas ou más). A
fenomenologia da virtualidade/virtualização a que
estamos inseridos não é elemento novo nos cenários
cognitivos humanos como como pensa o senso comum;
se for interpretada a partir de conceitos de origem, como
o conceito filosófico de Heráclito, o significado é a
expansão do status quo, a potencialização e sentido de
renovação, a partir do que se experimenta (Garrido,
2012, p. 75).

TEMA 2 – MEMÓRIAS

Um dos maiores neurocientistas da história, Iván Izquierdo, possui uma


vasta pesquisa no campo das memórias e atribui a elas e a seus
desenvolvimentos boa parte da evolução humana.
De acordo com Izquierdo (2002), há basicamente dois tipos de memórias:
as de trabalho e as de arquivo. As memórias de trabalho são de processamento
rápido e não acarretam armazenamentos de informação; já as memórias de

3
arquivo classificam-se entre declarativas (explícitas e moduladas pelas emoções
e pela psique) e procedurais (implícitas, de habilidades motoras, hábitos, que não
necessitam de processamento cognitivo para ocorrerem). As memórias explícitas
exigem teor cognitivo consciente, pois utilizam comparações e avaliações. O
funcionamento das memórias explícitas e implícitas envolve um bom
desenvolvimento e funcionamento do córtex pré-frontal e da memória de trabalho.
Tanto Meyer (2002) quanto Kandel (2000) afirmam que a memória
procedural ou implícita não possui necessidade da existência de processos
cognitivos para ocorrer, pois funciona automática e reflexivamente como as
habilidades motoras e perceptivo-sensoriais. Forma-se no curso das repetições e
não é expressa em palavras. De um ponto de vista mais cognitivo, o
funcionamento dessa memória sugere que aspectos que facilitam o
condicionamento clássico nos indivíduos processam-se nela.
Um aspecto de extrema relevância no tema da Cognição é a consideração
de que a memória (no singular, em acordo ao senso comum) é uma entidade não
estática, não precisa e não exata, ou seja, não confiável em termos descritivos.
Isso significa que a recordação da realidade não é em si a própria realidade, como
um evento descritivo, uma vez que a própria percepção da realidade não o é
também; o cérebro faz ajustes nas informações para poder reconhecê-las. Pode-
se dizer que a linguagem humana está associada a essa memória (explícita), pois
no cérebro frontal, na região de Broca, há conexão para aquisição da linguagem,
permitindo sua repetição.
As memórias possuem inúmeras funções na cognição humana, uma delas
é o armazenamento de informações em geral, o que produziu durante muitos anos
de behaviorismo a correlação com a inteligência: quanto mais armazenamento
maior a inteligência; outra função das memórias é a capacidade específica de
aquisição de linguagens dos seres humanos.
A cognição, nas teorias behavioristas ou comportamentais da mente, utiliza
a memória para armazenamento e para evocação da informação, ou seja, a
explicitação do armazenamento. As expressões individuais tiveram pouco
desenvolvimento durante essa tendência histórica da educação, porque a
padronização cognitiva sempre fora o principal ensejo, e era possível por meio da
utilização da memória com a analogia da repetição.
Conforme Garrido (2005 e 2012), Piaget associa a memória à percepção
(definida neste cenário computacional como a “representação de uma sensação”),

4
para o desenvolvimento cognitivo. Nesse sentido, as transformações de
percepção (ou o denominado movimento) dependem da existência da memória,
ou seja, um novo conhecimento precisa de um pré-conhecimento para ser
construído. Essa correlação é também muito pertinente nas ideias de Ausubel
para a teoria de Aprendizagem Significativa na denominação dos subsunçores,
que agem como ancoradouros para novas ideias.

TEMA 3 – PERCEPÇÃO

Para a epistemologia genética de Piaget, a cognição se dá a partir das


estruturas mentais dos sujeitos e de suas interações com o mundo. Assim, a
percepção (Piaget,1995) é um sistema de relações organizadas, cujo equilíbrio
depende de fatores como as sensações (do ponto de vista fisiológico –
evidenciando, portanto que a sensação não é, em si, a percepção), assim como
de percepções anteriores (guardadas na memória, tal como Meyer, 2002, também
contempla em sua biofilosofia) e obviamente das percepções reais (atuais).

Já sob uma perspectiva mais neurocognitiva


evolucionista, as memórias são interdependentes de uma
das principais funções cognitivas humanas, para a
aprendizagem, a percepção. Pensar é computação, e a
tendência é a ampliação dos espectros cognitivos, devido
a seus atributos superiores, compreendendo a cultura,
ainda como forte interferente nesse processo evolutivo,
entretanto, não um fator definitivo (Pinker, 2000).

De acordo com o biofilósofo Meyer (2002), a percepção é uma função


processual que ocorre em etapas e em regiões diferentes do cérebro, a partir de
neurônios associativos que se integram e se comunicam com demais módulos do
cérebro, abrangendo um processo que provém da “sensação” rumo à construção
de significados.
Os processos de percepção e de significação são de natureza individual,
ou seja, não possuem padrões nem entre indivíduos e nem para o próprio
indivíduo. A aptidão para categorização de sensações e para recepção de
estímulos é algo próprio de cada ser humano. Daí emergem o pensamento e a
linguagem, uma das funções de maior relevância pelos estudos das neurociências
cognitivas e computacionais da mente.
Entretanto, a percepção é uma função que codepende do fator sensorial
para ocorrência, pois ela é o processo pelo qual o ser humano absorve o mundo
exterior utilizando seus receptores sensoriais, os cinco sentidos, olfato, paladar,

5
visão, audição e tato, juntamente com os ruídos que emanam desse mundo e do
próprio sujeito, com todas as suas emoções e memórias. A partir disso, mobilizam-
se competências (inatas e adquiridas) para então, construir-se a representação.

A representação é uma síntese cognitiva dotada de


qualidades como globalidade, coerência, constância e
estabilidade. Se não estivesse submetida às impressões
teinianas, tremeria com os movimentos da cabeça e dos
olhos; cresceria ou encolheria segundo a distância;
deformar-se-ia segundo as mudanças de ângulo. Então
seria o mundo que se movimentaria e modificaria sem
parar, perdendo a consistência. As qualidades
organizadoras (estabilidade, coerência e constância)
dão, portanto, ao mundo a sua consistência e permitem
ao olhar, [...] tomar em consideração este mundo estável,
coerente, constante e realizar a cada instante análises
(distinções, seleções, focalizações, estudos de detalhe) e
sínteses (totalização, globalização, contextualização)
(Morin, 2005, p.119).

Mesmo com todo o aparato de processamentos complexos que a


percepção como função possui, nem toda percepção leva, necessariamente, a
uma ação de representação com significado, pois este processo codepende de
inúmeras variáveis, como o desenvolvimento e estágio dos esquemas mentais
individuais, das atividades sinápticas de cunho neuronal, e até das escolhas no
âmbito da tomada de decisões.
De qualquer forma, a percepção visual ganha um espaço notório com
relação à evolução humana, na medida em que ela foi e ainda é a principal
responsável pela adaptação dos seres humanos ao planeta.
O fundamento darwinista está na ideia de que nossos ancestrais viviam em
árvores para se protegerem de outros animais maiores e mais fortes na cadeia
alimentar, não descendo, literalmente, dessas árvores, ao chão. A camuflagem
feita naturalmente pelas folhas das árvores e galhos manteve esse ancestral
caminhando durante milhares de anos em um “chão superior” que não era
verdadeiramente o solo. Ao cair da árvore, provavelmente, esse ser passou a
ampliar seu espectro de visão, desenvolvendo outra dimensão (a profundidade)
além daquela a que estava submetido nas árvores.

Saiba mais
Assista ao vídeo sobre Funções cognitivas, presente no link
<https://youtu.be/lJEl2kAURjs>.

6
TEMA 4 – PERCEPÇÃO VISUAL E ILUSÕES

Para os evolucionistas das neurociências, tudo começa a mudar a partir da


percepção visual, mas antes é preciso compreender por que esta tese é elaborada
a partir do funcionamento do olho humano:

A visão começa quando um fóton se reflete de superfície


e atravessa rapidamente a pupila por uma linha para
estimular um dos fotorreceptores (bastonetes e cones)
[...] O receptor transmite um sinal neural ao cérebro, e a
primeira tarefa do cérebro é descobrir de que parte do
mundo veio esse fóton. Infelizmente, o raio que define a
trajetória do fóton estende-se ao infinito. E tudo o que o
cérebro sabe é que o retalho que o originou encontra-se
em algum lugar ao longo do raio. O cérebro não sabe se
ele está a uma distância de um metro, um quilômetro ou
muitos anos-luz (Pinker, 2000, p. 231).

Assim, o cérebro realiza um processo de suposição sobre onde o objeto


visualizado pode estar, o que faz com que a visão (assim como os demais sentidos
ou sensoriais humanos) não seja independente de outras operações mentais
realizadas para ajustes pelo cérebro humano.
O processo de situação ou visualização espacial é uma das etapas do
processo da percepção visual, o qual exige o trabalho das memórias, da abstração
(para fins de cálculo) e de demais atributos mentais e psicológicos que cada um
carrega dentro de si.
Na Física, o processo de visualização de um objeto dá-se por meio de um
fenômeno chamado de ótica invertida. Esse vem a ser, para o cérebro, um
problema (teoricamente) sem solução, porém, na prática, factível, pois o cérebro
é capaz de deduzir (supor) a forma e a substância do objeto a partir de sua
projeção.
Esse processo se dá mais ou menos assim: os raios de luz incidem sobre
a córnea, onde são refratados, para depois atravessarem uma câmera anterior,
onde tem o humor aquoso, para então atingirem o cristalino e o humor vítreo. O
trabalho do cristalino a partir daí é convergir os raios incidentes do humor vítreo
até a retina. A retina é a membrana mais interna do globo ocular, onde temos as
células da visão. Nela a imagem é formada e transformada em impulsos que irão
atravessar o nervo óptico, chegando ao cérebro.
Essa imagem se forma invertida, devido a um fenômeno que nossos olhos
engendram, chamado de paralaxe binocular, que sinteticamente quer dizer que

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um olho não vê a mesma coisa que o outro, e por isso acaba tendo que ajustar a
imagem, para depois de fato, visualizá-la.
No estágio de percepção das formas, Piaget afirma:

[…] antes de a criança ser capaz se imaginar, em pensamento,


perspectivas ou medir objetos através de operações efetivas, já está
apta a perceber projetivamente e estabelecer, através da percepção,
apenas certas relações métricas implícitas; além do mais, as formas que
ela percebe (...) estão muito avançadas em relação à possibilidade de
reconstruir essas mesmas (Piaget; Inhelder, 1993, p. 28).

4.1 A perspectiva das ilusões: suposições e camuflagens

Mesmo o cérebro calculando ajustes para visualização das formas no


espaço, somos presas também de outra fenomenologia cognitiva, que chamamos
de ilusões. Segundo Pinker (2000), a violação das suposições pode ocorrer
durante todo o processo da visão, basta haver uma interferência idêntica à
imagem de um objeto que o cérebro está tentando verificar para que ele confunda
as informações.
Portanto, ver e perceber o que se vê não é definitivamente um processo
simples. Além de nossa bagagem biológica e genética, além de nossas
construções anteriores como memórias e condicionantes emocionais, temos que,
durante todo nosso percurso evolutivo, realizar tarefas que envolvem a física para
podermos ver e compreender o que estamos vendo. Portanto, a percepção visual
é um processo que evolui conforme a idade e codepende de muitas variáveis.
Essa perspectiva de complexidade e ao mesmo tempo de grande evolução
que a visão carrega corrobora a dificuldade denominada por Piaget de união de
duas hipóteses: uma verdadeira (também defendida por Pinker), que afirma que
o espaço (a ser construído) é influenciado por mecanismos perceptivos e motores,
e uma falsa, que afirma que a representação (ou a intuição geométrica) se limita
apenas a registrar tal construção sensório-motora.
Se a representação (significação do que se percebe, visto anteriormente
no item da percepção) da percepção visual fosse simplesmente um registro do
que se visualiza, constatar-se-ia que o cérebro possui um reconhecimento prévio
das imagens, o que é outra hipótese falsa.
Uma das comprovações mais influentes de que a percepção visual é um
ato cognitivo e não apenas sensorial é a fenomenologia da camuflagem, que
consiste em manter imperceptíveis os limites de imagem entre um objeto e o fundo
onde ele se encontra, uma técnica bastante utilizada pela espionagem. Entretanto,

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o cérebro é capaz de perceber e decifrar estas diferentes e tênues nuances de
cor, espessura, tamanho e/ou espectro da camuflagem.

TEMA 5 – ABSTRAÇÃO

A abstração como função cognitiva é uma função mais complexa que a


percepção e depende dela, assim como das memórias para ser desenvolvida.
Já em 1798 a abstração era tema de grande interesse. Condillac (citado
por Cuvillier) afirmava que o processo abstrato tinha início já na percepção, pois,
“com efeito, nossos sentidos decompõem cada objeto”, ou seja, esta função era
vista como um processo matemático e de decomposição, como uma boa analogia.
Para melhor compreender a ideia de decomposição, ela propõe a recriação
dos cenários a partir de suas partes, ou seja, ao abstrair, o indivíduo capta o todo,
mas para entendê-lo, separa-o em partes e o recalcula a partir de operações mais
simples. Na matemática, isso equivale a decompor a multiplicação em pequenas
somas.
Dando um salto cronológico na história, aparece Piaget como um dos
maiores autores que pesquisou a abstração humana, classificando-a,
basicamente, em dois tipos: a abstração empírica, relacionada aos aspectos ou
fenômenos materiais da ação, como para “os objetos”; e a abstração
reflexionante, relacionada à reflexão e a todas as atividades cognitivas do sujeito,
a fim de proporcionar possibilidades de novas adaptações e decisões (Piaget,
1995).
A abstração empírica está intimamente ligada a níveis mais físicos, o
processo depende dos instrumentos de assimilação do sujeito, oriundos dos
esquemas sensório-motores (no caso da criança) e dos esquemas
conceituais/cognitivos e visam captar e reconhecer um objeto a partir de uma
espécie de reorganização e posterior enquadramento de suas formas pré-
conhecidas. Conforme Garrido (2016), os esquemas1 têm a ver com as conexões
presentes entre os estímulos e as respostas, pois envolvem o processamento de
cada tipo de resposta, como o envolvimento das classes, das regularidades, das
dominâncias, entre outros aspectos.

1 Esquemas são estruturas mentais ou cognitivas pelas quais os indivíduos organizam


intelectualmente suas aprendizagens ou novas tomadas de decisão. Os processos de assimilação
de acomodação das novas informações são os responsáveis pela evolução dos esquemas
(sensório-motores) “da criança”, para os esquemas cognitivos “dos adultos”.
9
A abstração reflexionante codepende da captação da abstração empírica
do indivíduo (formas, movimentos, cores etc.) para poder reconstruir, recriar e
modificar o observado em novas ações. A abstração reflexionante possui dois
constituintes de seu processamento: o reflexionamento e a reflexão. O
reflexionamento refere-se àquilo que ocorre depois da absorção da ação ou do
fenômeno como suas conceituações; a reflexão refere-se à reordenação dos
elementos extraídos anteriormente com as novas situações.
Há ainda outras duas abstrações: a abstração refletida ou pensamento
reflexivo, uma vez que a reflexão é “obra do pensamento” (Piaget, 1995, p. 6); e
a abstração pseudo-empírica, que trata do processo de dedução do sujeito
apoiado sobre resultados constatáveis.

[...] se a leitura destes resultados se faz a partir de objetos


materiais, como se tratassem de abstrações empíricas,
as propriedades são, na realidade, introduzidas
nestes objetos por atividades do sujeito. Encontramo-
nos, então, em presença de uma variedade de abstração
reflexionante, mas com a ajuda de observáveis ao
mesmo tempo exteriores e construídas graças a ela. Ao
contrário, as propriedades sobre as quais se refere a
abstração empírica existiam nos objetos antes de
qualquer constatação por parte do sujeito (Piaget, 1995,
p. 6).

Saiba mais
Assista às duas partes do vídeo Neurociências e Abstração para aprender mais
sobre essa função cognitiva. Acessos os links <https://youtu.be/XMkRtrvmtCI> e
<https://youtu.be/kHW2t_lP-pI>.

10
REFERÊNCIAS

OLHO humano – globo ocular – defeitos da visão. Física e Vestibular. Disponível


em: <http://fisicaevestibular.com.br/novo/optica/optica-fisiologica/olho-humano-
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GARRIDO, S. Modelagem de Observação cognitiva em ambiente digital


acompanhada de Impressões eletrofisiológicas. Tese (Doutorado em
Informática na Educação) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto
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<http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/13749/000649327.pdf>.
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12
AULA 3

NEUROEDUCAÇÃO E
NEURODIDÁTICA: COMO O
CÉREBRO APRENDE

Profª Susane Garrido


CONVERSA INICIAL

Vamos abordar nesta aula:

• Tema 1 - Conceituando emoção


• Emoções básicas
• Emoção, atenção e memória

• Tema 2 – Emoções positivas e negativas e emoções estéticas


• Emoções positivas e negativas
• Ambiente positivo de aprendizagem
• Estresse, cérebro e aprendizagem

• Tema 3 – Emoções estéticas: a arte na educação


• Emoções estéticas, arte e impressões

• Tema 4 – Emoções fictícias

• Tema 5 – Emoções morais e emoções contrafactuais


• Emoções morais
• Emoções contracfatuais

TEMA 1 - CONCEITUANDO EMOÇÃO

1.1 Introdução

Iniciando com uma citação de Hipócrates em Acerca das doenças sagradas


(século IX a.C., na qual as emoções ocupam um lugar cerebral, senão, o único
lugar que poderiam ocupar:

O homem deve saber que, de nenhum outro lugar, mas do encéfalo, vem
a alegria, o prazer, o riso e a diversão, o pesar, o ressentimento, o
desânimo e a lamentação. E, por isso, de maneira especial, adquirimos
sabedoria e conhecimento [...] e pelo órgão tornamo-nos loucos e
delirantes, e medos e terrores nos assombram [...] Todas essas coisas,
suportamos do encéfalo, quando não está sadio […].(Garrido In Litto,
2014, p.61)

Mas veremos que a definição de emoção assim como as conexões entre


emoção e o cérebro consciente (ou inconsciente) são históricas e muito diferentes.
Caminha, R.; Caminha, Mariana; Garrido, Tahis (2018) oferecem uma síntese
histórica sobre as Emoções a partir do Quadro abaixo:

2
Quadro 1 – Histórica síntese das emoções.

Darwin 1876 Livro: A expressão da emoção nos homens e nos animais;

Cannon-Bard 1920 Teoria Cannon-Bard;

Os Genes são os transmissores de caracteres de nas


Mendel 1923
populações;

A importância do Sistema Límbico como o regulador das


McLean 1949
emoções;

Schachter e Singer 1960 Sugerem que o córtex constrói as emoções;

A emoção deriva da avaliação inconsciente do estímulo


Magda Arnold 1960 ambiental, enquanto o sentimento é a reflexão consciente
do sentir;

Enfatizando a importância das interpretações no disparo


Lazarus 1970
das emoções;

“As emoções são universais ou elas são específicas de


Ekman 1968
cada cultura, como a linguagem?”;

Izard; Solomon; Enquadram aspectos diversos


Zajonc; Pamkseep; 1980 a como fisiologia, cognição e contexto sociocultural,
Avenill; Edelman; 1993 contribuindo então, com o avanço no conhecimento
Frijda; Shaver. científico acerca das emoções;

Damásio 1996 “Sinto logo existo”.

Empatia e amor - A era da empatia; A empatia, assim como


De Waal 2010 as demais funções, promovem bem estar, socialização e
equilíbrio social.

Caminha Atual TRI (Terapia de Regulação infantil)

Fonte: Caminha, R.; Caminha, Mariana; Garrido, Tahis (2018).

Considerando uma abordagem mais sistêmica e, portanto, mais próxima


das neurocientíficas evolucionistas, tem-se uma definirão defendida por Caminha
et al (2018), que se manifesta como:

As emoções são fenômenos expressivos e de propósitos,


filogeneticamente transmitidas com propósitos adaptativos, de curta
duração, que envolvem estados de sentimentos e ativação, e nos

3
auxiliam na adaptação às oportunidades e aos desafios que enfrentamos
durante eventos importantes de vida. É, também, um constructo
psicológico que une e coordena esses quatro aspectos da experiência
em um padrão sincronizado. (Reeve, 2006, p.191)

Existe a possibilidade de uma aprendizagem desconectadas das


emoções?
A resposta é simples e taxativa: NÃO.
Conforme esta aula seja desenvolvida, você verá que as emoções não só
são subjacentes à existência biológica humana como elas promovem, predizem e
inclusive boicotam e determinam processos cognitivos cerebrais.
Ururahy & Albert (2005) colocam que as emoções são geralmente reações
afetivas que se manifestam por diversas alterações fisiológicas e que ainda,
podem ser consideradas instintivas, pois são normalmente sentidas antes de
serem compreendidas. Fehr & Russel (In Barrett 2016) demonstram que a
perspectiva emoção/razão ou cérebro/corpo não é unânime na academia,
historicamente falando, haja visto posicionamentos divergentes como os de
Damásio e o de LeDoux, por exemplo:
Para LeDoux, nos anos 90, as emoções não podem ser inconscientes
porque elas são afetivamente carregadas de estados subjetivos, estes
experimentados de consciência.
Para Damásio, o termo emoção deve ser legitimamente usado para
designar uma espécie de coleção de respostas acionadas por partes do cérebro
para o corpo, e de partes de o cérebro para outras partes do cérebro, usando rotas
neurais. Assim, as emoções podem estar em algum lugar na inconsciência e não
necessariamente, em um lugar de consciência dos sujeitos.
Os estudos de Damásio sobre o sistema límbico (cérebro emocional o qual
controla a fisiologia do corpo e regulação de toda a fenomenologia emocional) tem
realizado experiências baseadas em imagens funcionais do cérebro, via PET
(Tomografia por emissão de pósitrons) e Ressonância magnética funcional.
Esses experimentos tratam das reações das pessoas em virtude de
eventos marcantes em suas vidas e tem demonstrado uma forte correlação com
as memórias a partir de manifestações do hipocampo.
Entretanto, de uma forma geral, tanto no campo das neurociências, como
no da psicologia, há diversas definições ou tentativas de definir-se o que é
emoção, mas nenhuma precisa, pois, a complexidade que o processo exige é
tamanha; assim vários autores não ousam definir, mas aproximar.

4
1.2 Emoções básicas

Historicamente, ao buscar-se traços das emoções na filosofia por exemplo,


vamos ter Hipócrates (já citado anteriormente) e Descartes (dentre outros), como
pensadores que não só intentaram conceitos para as emoções quanto,
classificações; Descartes (1649) distinguiu seis emoções (admiração, amor, ódio,
desejo, alegria e tristeza) e assumiu que todos as outras emoções pertenciam a
essas famílias ou foram misturas dessas emoções primárias
Assim, em uma tentativa de uma espécie de taxinomia das emoções,
alguns autores consideram que há realmente emoções básicas, as quais são
independentes de outras emoções, estão presentes em outros animais, podem
ser evocadas por estímulos inatos e são manifestadas por comportamentos
instintivos; são elas, a raiva, o desgosto, o medo, o prazer, a tristeza e a surpresa
(Ekman; Matsumoto In Armony et al, 2013), e ainda, para outros autores, como
para Caminha (2012; 2016), ainda o amor e o nojo.
A obra de Ekman (1992), é uma das principais abordagens sobre as
emoções básicas ou ideia de classificação de emoções primárias, sob essa
perspectiva taxonômica, o adjetivo “básico” é usado para expressar três
postulados:

a. Primeiro, é usado para transmitir a noção de que "há uma série de emoções
separadas que diferem uma da outra deforma contundente;
b. Em segundo lugar, é usada para indicar que “a evolução desempenhou um
papel importante na formação de suas características e processos;
c. E por último, considera que as emoções não básicas são constituídas de
misturas de emoções básicas.

Entretanto, o mais importante no decifrar da tipologia básica ou não das


emoções, é construir o reconhecimento da semântica de cada emoção, para
aprender-se a lidar com elas. Caminha; Caminha (2012) realizaram através de
seus estudos no Ambulatório infantil, um mapeamento amplo sobre os
pensamentos possíveis das crianças testadas, relacionados a cada uma das
emoções básicas, para poderem comunicar o sentimento relacionado à ativação
emocional. Essa semântica está devidamente descrita em seu estudo recente de
quadro abaixo:

5
Quadro 2– Mapeamento amplo sobre os pensamentos possíveis das crianças.

Fonte: Caminha; Caminha; Garrido; Tahis, 2018.

Essas proposições semânticas corroboram a uma necessidade


desenvolvimento por parte dos educadores, professores ou facilitadores, em
reorganizarem suas práticas na medida em que estas emoções aparecem em
seus alunos, quando em qualquer circunstância de aprendizagem.
Sabemos, por experiência própria que o dueto razão/emoção ao que se
refere a aprender é fato, pois quantas vezes não odiamos a alguma disciplina e
virtude de um sentimento (semântica) associado a alguma emoção que tenhamos
sentido quando no processo de aprendizagem? A matemática é estatisticamente,
ao menos no Brasil, uma das matérias mais detestadas pelos alunos pôr os
fazerem sentir emoções desgostosas, seja pela metodologia do professor seja por
outros fatores associados a alguma incompreensão ou dúvida.

1.3 Emoção, atenção e memória

Um dos experimentos mais elucidativos sobre a influência do artefato


“atenção” na percepção dos sujeitos é chamado “Gorila invisível”, The Invisible
Gorilla (http://www.theinvisiblegorilla.com/index.html). Esse experimento tinha por
intuito analisar a atenção e suas interferências na percepção dos sujeitos
assistindo a um vídeo.

6
O vídeo consistia em mostrar um grupo de 6 pessoas jogando basquete,
trocando passes, divididas em dois times, um time de fardamento branco e outro
time de fardamento preto, sendo cada equipe com uma bola. Aplicava-se um
evento inesperado (uma mulher fantasiada de gorila caminhava durante 5
segundos pelo espaço onde as pessoas estavam jogando; em outro momento,
uma mulher passeava com um guarda-chuva no meio das pessoas) – esse
processo durava em média 45 segundos de vídeo, e o estilo de vídeo
(parcialmente transparente em uma condição ou completamente nítida e opaca,
em outra) (http://scienceblogs.com.br/socialmente/2010/12/o-gorila-invisivel/).
No estudo, em síntese, identifica-se que cerca de 50% das pessoas
colocadas para assistir aos eventos, capta a atenção no “gorila”, e as demais, não
o percebem, ou seja, não o veem, pois, o foco de atenção está voltado para a
ideia do jogo em si.
Desse experimento concluiu-se que a atenção seria uma espécie de
artefato da consciência para o processamento mais eficaz de informações num
determinado contexto. Entretanto, a atenção está intimamente conectada à
emoção, e embora a emoção não seja necessariamente uma função consciente,
ela conduz a atenção; e a “emoção, por outro lado, representa a consequência ou
reações externas, perceptíveis, causadas pelos estímulos”. (DAMÁSIO, 2003, p.
254).
[...] os mecanismos básicos subjacentes à emoção não requerem
consciência, ainda que acabem por usá-la: a cascata de processos que
acarretam uma manifestação emocional pode ser iniciada sem que se
tenha consciência do indutor da emoção e muito menos das etapas
intermediárias que conduziram a ela. [...]. (Apud Degasperi, 2009, p. 3)

Nessa relação, atenção e emoção, não se pode deixar de fora a


relevância da memória, na medida em que esta função cognitiva é construída e é
acionada em total codependência aos aspectos emocionais de ativação de cada
sujeito. A evocação ou a retenção de uma memória são muitas vezes, reveladoras
de que algo emocional está bom ou ruim, por exemplo.
Nessas circunstâncias percebe-se a relevância de uma visão bastante mais
humanizada do professor para com seus alunos, pois a exigência de memorização
ou da repetição de informações está na maioria das vezes atrelada às condições
emocionais dos sujeitos e que não pode nunca ser negligenciada pois estaremos
fadados à proliferação de sujeitos robotizados.
Em outro experimento, realizado por mim mesmo (Garrido, Susane:
2005), testou-se a plasticidade cerebral com uso de eletroencefalografia (EEG) a
7
partir da interferência das tecnologias digitais, no caso em especial, de um jogo
cujas variáveis eram manipuladas pela própria autora.
Em síntese, a ideia era comparar, durante imersão no jogo criado para o
teste, sujeitos que jogavam usualmente jogos digitais ou videogames e sujeitos
que não jogavam usualmente, e verificar o que ocorria quando os cenários do
mesmo jogo iam sendo alterados; a variável comum era o cenário de um jogo de
labirinto no qual o sujeito teria que tentar a saída – as variáveis manipuladas eram
as alterações de cores, a entrada de figuras engraçadas e assustadoras durante
o percurso do labirinto, as alterações de traços e as premiações ou punições.
Dentre os achados correlatos aos aspectos de atenção-percepção-
memória, dentre outros resultados atentados para a pesquisa na íntegra, está o
fato de que os sujeitos que jogavam usualmente, iniciavam o processo neural com
o hemisfério esquerdo acionado, e já na segunda ou terceira rodada do jogo, já
ativavam o hemisfério direito, demonstrando uma não necessidade de repetição
das informações iniciais, ou seja, predispondo-se à aprendizagem a partir da
imersão; entretanto, a atenção ao jogo sobrepunha-se à percepção, similarmente
aos processos de um condicionamento clássico.
Já os sujeitos que não jogavam usualmente, repetiam a imersão com o
hemisfério esquerdo, praticamente em todas as fases do jogo e as variáveis
manipuladas não passavam despercebidas, fazendo-os recomeçar o processo de
aprendizagem do jogo todas as vezes que o cenário era alterado, ou seja, a
percepção sobrepunha-se à atenção.
Nas testagens, aspectos emocionais oriundos de alterações hormonais
como os de uso de medicação contínua, e no caso das mulheres, os períodos que
precedem à menstruação (TPM), foram descartados por interferirem nos
resultados de forma enganosa (Garrido, 2005).

TEMA 2 – EMOÇÕES POSITIVAS E NEGATIVAS E EMOÇÕES ESTÉTICAS

2.1 Emoções positivas e negativas

Ainda em uma espécie de taxonomia das emoções, no senso comum


costumamos caracterizar emoções positivas e negativas; mas será que elas
realmente são assim?
Primeiramente, as aprendizagens cognitivas sendo carregadas de
emoções para ocorrerem ou não, dependem do reconhecimento desta taxonomia,

8
(embora isso não signifique qualquer correlação com certo ou errado), pois em
muitos casos, incorremos nos reforços de algumas emoções sem termos noções
de que possam vir a prejudicar algum processo do tipo cognitivo.
Sherer (2001) autor citado por Armony e Vuilleumier (2013) vai dizer que
em muitas circunstâncias, o sentimento que está associado à emoção a faz ser
classificada por nós, como positiva (agradável) ou negativa (desagradável),
criando inclusive, uma certa sinonímia entre emoção e sentimento.
Nas neurociências afetivas, a noção de que os sistemas cerebrais
poderiam estar envolvidos diferencialmente no processamento de estímulos
positivos e negativos é fundamentada em várias linhas de pesquisa.
Lieberman e Eisenberger (2009), por exemplo, demonstraram que os
sistemas de dor e de prazer são sistema diferentes, e que envolvem áreas e
padrões de funcionamento também diferentes. Os mecanismos cerebrais
envolvidos em um sistema de dor/aversão concentram-se no córtex cingulado
anterior dorsal, córtex somatossensorial, tálamo e cinza periaquedutal, enquanto
um sistema de prazer/recompensa envolve as áreas tegmentar ventral, estriado
ventral, córtex pré-frontal ventromedial e amígdala.
Outra teoria hipotética (bastante debatida) que corrobora a ideia de
emoções positivas e negativas é a da assimetria hemisférica funcional, cuja
hipótese baseia-se mais precisamente na valência da assimetria hemisférica que
postula que exista um centro de sentimentos positivos no hemisfério esquerdo e
um centro de sentimentos negativos no hemisfério direito (Ahern; Schwartz, 1979
In: Armony E Vuilleumier, 2013).
Essas emoções também são chamadas de emoções autoconscientes ou
auto reflexivas ou emoções morais, e têm sido amplamente investigadas tomando
por teses a ideia da assimetria hemisferial como possível geradora dessas
diferenças de percepção do sentimento das emoções, o que são características
filogenéticas.
Nesse tipo de abordagem, das emoções autoreflexivas, como vergonha,
constrangimento, culpa, ou orgulho, o objeto da emoção é o "eu" ao invés de em
vez de um evento em si, o que é diferente no caso de algumas emoções básicas
como o medo por exemplo, no qual, sente-se medo de algo, como de uma cobra
ou de altura; já culpa ou vergonha, o indivíduo sente de si mesmo, assim como
outras emoções para as quais o self está em jogo, como por exemplo, humilhação,
gratidão, inveja ou ciúme (Fontaine, 2009).

9
Para o cérebro humano, nas questões de aprendizagem de conhecimentos
considerados mais difíceis, como as áreas de exatas por exemplo, estas emoções
corroboram na ineficiência das metodologias empregadas pelos professores, na
medida em que os estudantes usualmente estão em ambientes coletivos
submetidos a situações de testagens ou de exposição.

2.2 Ambiente positivo de aprendizagem

A caracterização de um ambiente positivo de aprendizagem é um


fenômeno multifacetado (social, econômico, neurológico, da psiqué) e carregado,
principalmente de traços culturais de forma direta e indireta nos contextos
escolares e não formais.
Em sua maioria (extraindo apenas os das linhas comportamentais
clássicas), autores de linhas diversas, embora pesquisando e defendendo
diferentes enfoques na aprendizagem humana, apresentam em comum, o fato de
que o ambiente é um importante artefato para o desenvolvimento cognitivo dos
sujeitos.
Nas neurociências cognitivas e computacionais da mente, as quais
enfatizamos bastante nesta disciplina, a neuroplasticidade humana desenvolve-
se bastante a partir da percepção, na medida em que o ambiente é observado de
forma diferente, gerando ao ser humano, redes sinápticas novas para apreensão
e decodificação dos novos cenários.
Essas novas redes, por exemplo, propiciam a produção de hormônios
(melhor tratados na aula do Fit brain), a conexão de novas memórias e artefatos
ou subsunçores para ancorarem melhor as emoções subjacentes aos processos
das novas aprendizagens.
Em suma, sob essas perspectivas, é fundamental que o ambiente para uma
aprendizagem seja um ambiente também cognitivo, ou seja, que ele esteja em
sintonia ao objeto do conhecimento e ao mesmo tempo aos sujeitos
cognoscentes, o que nestes casos, precisa estar atrelado à cultura local para ser
compreendido, decodificado e representado.
Aspectos fundamentais das interferências culturais na aprendizagem, o
que nos casos, remetem-se ao ambiente, são revelados nas suas obras sobre o
funcionamento da mente (Como a mente funciona) e sobre linguagem (Instinto da
Linguagem). As estereotipias são casos típicos do quanto nosso cérebro são
reativos e condicionados ao estabelecimento de redes as quais conectam-se com

10
aquilo que reconhecemos, a partir das memórias; assim, a utilização de
terminologias “ditas comuns” aos indivíduos, pode soar como algo completamente
inadequado a outros; a utilização da cor branca por exemplo, para o ocidente
representa a paz ou a pureza, mas para o oriente, o branco pode representar o
luto.
Assim, não há uma “receita ou melhor metodologia ambiental” para
estabelecer-se um processo cognitivo de aprendizagem, pois as co-dependências
entre as diversas variáveis irão estabelecer necessidades diferentes; assim, uma
atividade ao ar livre pode ser essencial para uma prática que requeira ativação
sensorial (tato, visão, olfato...) entretanto, se os sujeitos estiverem em algum
processo pós-traumático envolvendo a natureza, a mesma pode se tornar um
fracasso.
É fundamental para os professores – instrutores – ministrantes de cursos,
obterem um pré-conhecimento de seu público ou alunos, para uma imersão
ambiental adequada, na qual, as metodologias inovadoras utilizadas seja de fato,
de ativação cognitiva, assim como os recursos propostos; um exemplo bastante
elucidativo de uso inadequado é aquele em que programa-se uma atividade com
bastante uso tecnológico, seja de redes sociais, apps, quizz dentre outros, e o
público não está familiarizado ou devidamente alfabetizado para estes usos;
assim, o que poderia ser um grande sucesso, acaba representando-se como um
stress/estresse emocional para quem ensina assim como, uma frustração para
quem aprende, temas inclusive a serem tratados com base em Lyman no próximo
tema desta aula.

2.3 Estresse, cérebro e aprendizagem

Após considerarmos os efeitos do ambiente positivo sobre a aprendizagem


passamos a observar o contrário, como situações adversas podem influenciar o
contexto educacional. Para tanto apresentamos os conceitos de trauma, estresse
de curto e longo prazo, segundo a Associação Psicológica Americana (apud
Lyman, 2016, p. 73):

[...] trauma como uma “resposta emocional a um evento terrível como


um acidente, estupro ou desastre natural” [...] Os eventos traumáticos
são geralmente eventos inesperados e acelerados que acabam
rapidamente. Imediatamente depois de encontrar um evento traumático,
as pessoas podem entrar em choque ou negação, enquanto os efeitos a
longo prazo podem ser "emoções imprevisíveis, flashbacks, relações
tensas e até mesmo sintomas físicos como dores de cabeça ou náuseas"
11
O estresse de curto prazo é uma reação a uma situação breve, como
cumprir um prazo ou ficar preso no trânsito. O estresse de longo prazo [crônico]
é diferente do estresse de curto prazo. Exemplos de estresse a longo prazo são a
pobreza, o enfrentamento de famílias disfuncionais e a falta de moradia. Embora
nosso corpo reaja ao estresse de curto prazo, a reação é de curta duração.
Estresse a longo prazo pode ter efeitos mais prejudiciais, semelhantes aos efeitos
a longo prazo do trauma.
O estresse de curto prazo é uma reação saudável do organismo, visando
enfrentar alguma situação percebida como ameaçadora. As amígdalas têm
importante papel na percepção e avaliação dos estímulos ambientais (se seguros
ou perigosos) e alertam o organismo, em caso de perigo, para que possa se
antecipar e responder adequadamente (Gazzaniga; Mangun, 2014). É natural que
o ambiente educacional, dinâmico, ative reações de estresse de curto prazo. Por
vezes até necessário para que estudantes desenvolvam seus potenciais (Lyman,
2016).
Uma importante reação ao estresse é o eixo hipotálamo-hipófise-Adrenal.
De forma simplificada, um estímulo ambiental ou interno é avaliado pelas
amígdalas como perigoso, estas liberam o neurotransmissor glutamato, que ativa
outras regiões do tronco cerebral e do hipotálamo. Este libera o Hormônio
liberador de corticotrofina, que aciona a glândula pituitária a liberar hormônio
adrenocorticotrófico na corrente sanguínea. Dessa forma a glândula adrenal (ou
suprarrenal) recebe informação para liberação do cortisol na corrente sanguínea,
gerando uma reação em cadeia em todo sistema orgânico (Ghadiri, Habermacher;
Peters, 2012).
O cortisol funciona de muitas maneiras, mas ajuda o corpo a combater o
estresse, libertando e redistribuindo energia para partes críticas do
corpo, como o coração, e para longe de partes não críticas do corpo (a
curto prazo) como o sistema digestivo. É importante ressaltar que
também tirará imediatamente recursos do sistema imunológico do corpo
(Ghadiri; Habermacher; Peters, p. 42).

Se estresse de curto prazo é saudável ao organismo, o mesmo não pode


ser dito daquele de longo prazo. Os níveis elevados de cortisol em períodos
prolongados, seja por estresse crônico ou por trauma tendem a afetar o
organismo:

[...] desempenho cognitivo prejudicado, função tireoidiana reprimida,


desequilíbrios do açúcar no sangue, como hiperglicemia, diminuição da
densidade óssea, diminuição do tecido muscular, aumento da pressão
arterial, diminuição da imunidade e respostas inflamatórias no corpo e
aumento da gordura abdominal. (Lyman, 2016, p. 74)
12
E no cérebro, mais especificamente:

O hipocampo, que está envolvido no armazenamento da memória de


trabalho e na transferência da memória de trabalho para a memória de
longo prazo durante o sono, é particularmente sensível e prejudicado
pelos altos níveis de cortisol. Portanto, quando os níveis de cortisol são
altos, torna-se mais desafiador criar memórias de longo prazo a partir de
nossas memórias de trabalho (Lyman, 2016, p. 74).

Trauma e estresse crônico têm vários efeitos distintos no cérebro. Alguns


deles incluem a diminuição da produção de células nervosas no hipocampo e uma
redução nas projeções dos neurônios, o que resulta em reduções na capacidade
de trabalho global do cérebro. O córtex pode até diminuir (Klingberg, 2013 apud
Lyman, 2016, p. 74).
Retomando a experiência do trauma, observamos que crianças com essas
experiências podem ser mais suscetíveis ao stress, visto que podem ter
capacidade reduzida para lidar com situações adversas, reagindo de forma
diferenciada às ameaças. As amígdalas das crianças traumatizadas podem entrar
em modo de hiperestimulação instantaneamente, inclusive como resposta a
estímulos pouco ameaçadores.

“O cérebro está interpretando os estressores do dia a dia como grandes


ameaças”, explicou Campbell. Como resultado, podemos ver
comportamentos perturbadores, pois cérebros traumatizados podem
interpretar até mesmo uma pequena perda ou rejeição como um novo
evento traumático, e a amígdala torna-se fatigada e experimenta um
impulso de luta ou fuga, por exemplo. Quando uma criança está de fato
vivendo com um trauma, essa amígdala hiperativa, estressada e
frequentemente aumentada pode se tornar o novo normal. Isso pode
fazer com que a criança tome decisões impulsivas, agressão verbal ou
física, autoflagelação e assim por diante. (Lyman, 2016, p. 74)

Como indicado, tais experiências podem produzir o aumento das amígdalas


dessas crianças, que eleva seus níveis de ansiedade, e também o risco de terem
transtornos de ansiedade e depressão, em momentos futuros de suas vidas. Por
essas razões professores e professoras precisam conhecer as características e
os efeitos de curto e longo prazo do trauma e do stress crônico para responder de
forma adequada a reduzir ou mesmo reparar tais efeitos. Por desconhecimento,
por vezes podem reagir de forma automática aos comportamentos relacionados
ao stress e ao trauma podendo inclusive, de forma involuntária, intensificá-los
(Lyman, 2016).
Triste, mas necessário registrar que estudos com crianças pobres
evidenciaram vários indicadores de estresse crônico (Lyman, 2016).

13
A partir de 2015, “pela primeira vez em pelo menos cinquenta anos, a
maioria dos estudantes das escolas públicas norte-americanas - 51% -
vêm de famílias de baixa renda” (Strauss 2015). Muitos educadores
reconhecem os alunos que chegam às aulas com fome ou doentes ou
desabrigados, traumatizados ou vivendo em condições miseráveis,
incapazes de se concentrar totalmente nas tarefas escolares. A pobreza
afeta a cognição, o desempenho acadêmico e a saúde mental.
Pesquisas sobre o desenvolvimento do cérebro identificaram diferenças
nos sistemas neurais cognitivos e afetivos subjacentes a esses efeitos.
Estudos recentes de desenvolvimento e função cerebral mostram que a
pobreza afeta pessoas desde o nascimento até a idade adulta. (Lyman,
2016, p. 76)

“O Brasil é o 9º país com o maior número de pessoas com fome, tem 15


milhões de crianças desnutridas. 45% de suas crianças, menores de cinco anos
sofrem de anemia crônica” (TNH1, 2018). Lidar com tais situações de caráter
macropolítico-econômico é um grande desafio, em especial para países em
desenvolvimento. Em plano local, professores e professoras podem ter função
importante na prevenção e recuperação dessas crianças.

Com apoio adequado em uma comunidade educacional de cuidado, a


neuroplasticidade permite que os neurônios (células nervosas) do
cérebro compensem lesões e doenças e ajustem suas atividades em
resposta a novas situações ou a mudanças em seu ambiente. Embora
os cérebros dos estudantes expostos a um trauma ou cronicamente
estressados possam ficar atrofiados enquanto continuamente expostos
a essas circunstâncias difíceis, o cérebro pode se recuperar com o
tempo e se desenvolver mais plenamente quando a quantidade de
estresse é reduzida. Os educadores podem desempenhar um papel
nessa recuperação por meio da sensibilidade às necessidades sociais e
emocionais de seus alunos. (Lyman, 2016, P.77)

Para tanto, é necessário identificar causas e características do stress e de


traumas. Eventos na família e a própria escola costumam ser as principais causas
de estresse em crianças e adolescentes. Entre esses eventos Lyman (2016, p.79),
indica:
[...] Morte de um ente querido, divórcio dos pais, discussão com os pais,
mudança nas condições de vida, transferência para uma nova escola,
notas baixas, ausências que causam trabalho de compensação,
atividades extracurriculares, aumento do dever de casa, relacionamento
entre colegas, discussão séria com amigos próximos, separação de
relacionamento ou mudança nos hábitos de sono [...]

Algumas características apresentadas por estudantes com estresse


incluem (Lyman, 2016, p.80):
• Sentimentos: medo, mau humor, constrangimento, ansiedade,
irritabilidade
• Pensamentos: esquecimento, medo do fracasso, autocrítica, dificuldade
de tomar decisões, pressão dos colegas

14
• Estado físico: privação de sono, dor de cabeça, dor no pescoço, dores
estomacais, doença crônica, respiração acelerada, coração acelerado
• Estado mental: perda de memória, incapacidade de concentração, falta de
discernimento, atitude pessimista, pensamentos acelerados, preocupação
constante.

Naturalmente que tais características não necessariamente todas


presentes e ainda, podem ter outras causas. São aqui indicadas apenas como
alertas. É necessário que educadores e educadoras possam conversar com
seus(suas) alunos(as) e verificar aspectos individuais e coletivos das situações.
E é possível lidar ou até prevenir o estresse no ambiente educacional?
Há evidências que sim. Por ser plástico o cérebro pode reconhecer
situações e treinar comportamentos mais adaptativos, tanto no sentido de lidar
como prevenir. Tais práticas incluem o desenvolvimento de habilidades sociais e
emocionais. Em nosso país, a educação socioemocional (Social Emotional
Learning – SEL) vem sendo desenvolvida há décadas, em especial em
instituições privadas. Com a aprovação da Base Nacional Comum Curricular, pelo
Conselho Nacional de Educação, essas habilidades precisarão ser ensinadas em
todas as escolas no ensino público, a partir de 2020. Cinco competências
precisam ser desenvolvidas na SEL (Educador360, 2019; BNCC, 2019).

• Autoconsciência: envolve o conhecimento de cada pessoa, bem como de


suas forças e limitações, sempre mantendo uma atitude otimista e voltada
para o crescimento.
• Autogestão: relaciona-se ao gerenciamento eficiente do estresse, ao
controle de impulsos e à definição de metas.
• Consciência social: necessita do exercício da empatia, do colocar-se “no
lugar dos outros”, respeitando a diversidade.
• Habilidades de relacionamento: relacionam-se com as habilidades de
ouvir com empatia, falar clara e objetivamente, cooperar com os demais,
resistir à pressão social inadequada (ao bullying, por exemplo), solucionar
conflitos de modo construtivo e respeitoso, bem como auxiliar o outro
quando for o caso.

• Tomada de decisão responsável: preconiza as escolhas pessoais e as


interações sociais de acordo com as normas, os cuidados com a segurança
e os padrões éticos de uma sociedade (BNCC, 2019).
15
Todas as habilidades podem auxiliar a prevenir ou gerir o estresse no
ambiente educacional e também pessoal. Uma delas - autogestão - faz menção
direta ao gerenciamento eficiente do estresse!
A aprendizagem social e emocional cria uma base para o desenvolvimento
acadêmico. Relaciona-se diretamente ao desenvolvimento do controle emocional
ou, de forma mais ampla, da inteligência emocional (Lyman, 2016), como visto
noutra parte dessa disciplina.
Lyman, (2016, p.82-83) apresenta uma compilação de práticas voltadas a
redução do estresse, indicando que “os estudantes que praticam essas
habilidades quando estressados podem aprender como lidar, regular seus
comportamentos e se sentir melhor. Cada professor e aluno de uma escola se
beneficiaria do aprendizado e da prática de habilidades de manejo do estresse e
exercícios como os descritos”.

Quadro 3 – Habilidades e Exercícios de Gerenciamento de Estresse

Exercício de Respiração Profunda


• mãos ao seu lado.
• Relaxe seu corpo.
• Feche seus olhos. Russell-Chapin e
• Inspire lenta e profundamente pelo nariz, fazendo o diafragma crescer. Jones (2014)
• Expire lentamente pela boca.
• coloque a mão no abdome inferior para ter certeza de que você está
respirando corretamente.
• Repetir 10 vezes.
Relaxamento Muscular Profundo
• os alunos serão solicitados a apertar e relaxar diferentes grupos
musculares.
Jayson (2014)
• os alunos podem se sentar ou deitar de costas.
• comece com a cabeça e desça para os pés.
• Exemplo: os músculos da testa - testa enrugada, tente tocar a
sobrancelha na linha do cabelo. . . segure por 5 segundos. . . e relaxe.
Meditação Simples
• sente-se confortavelmente, equilibrado e relaxado.
• respire lenta e profundamente a respiração abdominal.
• pratique algumas respirações profundas.
• Todas as ações a seguir são feitas silenciosamente:
• gire a cabeça em círculos fáceis e lentos; mudar de direção.
• Olho para cima; incline a cabeça para trás. Olhar para baixo; coloque o
Jayson (2014)
queixo no peito.
• deixe cair os braços e as mãos para o lado e agite suavemente.
• levante os pés e agite suavemente os joelhos.
• endireite sua espinha.
• O professor dirá: “Feche os olhos”.
• relaxe sua mente e não pense.
• O professor dirá: "Abra seus olhos".
• Repita o fechamento do olho e abra mais algumas vezes.
Imagens Visuais
• os alunos sentam-se de olhos fechados. Ostroff (2012)
• usando uma voz calma, silenciosa e lenta, dê à sua classe um cenário
visual para imaginar.

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• Exemplo: Imagine que você está na praia - você sente o vento
soprando em seu cabelo, a areia está quente em seus pés, a água
está fria e molhada, e você ouve pássaros cantando no fundo e as
ondas batendo nas rochas. . .
• Antes de terminar, usando um cenário visual, peça aos alunos que
deixem seus problemas no local visual.
• Exemplo: Você está à beira do oceano, sente o peso pesado nas suas
costas. Você puxa e joga o que está incomodando nas suas costas.
O peso se foi e você está vendo o rock pesado afundar no oceano. . .
• Permita que os alunos compartilhem verbalmente ou em uma atividade
de jornal a experiência que sentiram durante a atividade.
Compartilhamento de pares
• os alunos têm a oportunidade de compartilhar pensamentos e
sentimentos dentro de uma atividade segura e estruturada.
• coloque os alunos em pares. O aluno 1 fala enquanto o aluno 2 ouve. Wilson e Conyers
Após cerca de 1 a 3 minutos, os alunos trocam de função. (2013)
• após a conclusão do compartilhamento, reagrupe os alunos em grupos
de três.
• O aluno 1 fala enquanto os alunos 2 e 3 escutam.
• Depois de 1 a 3 minutos, os alunos trocam de função.
Movimento para a “música dança congelada” (music freeze dance)
• os alunos encontram um local seguro para se movimentar / dançar em
sala de aula.
• Alunos se mudam para a música.
Wilson e Conyers
• os alunos congelam quando a música para.
(2013)
• quando a música começa novamente, os alunos se movem para
combinar com a música.
• Atividade envolve apenas movimento, sem falar.
• A ideia é passar de música em movimento rápido para música lenta e
calmante.
Fonte: Lyman, 2016, P.82-83.

TEMA 3 – EMOÇÕES ESTÉTICAS: A ARTE NA EDUCAÇÃO

3.1 Emoções estéticas, arte e impressões

Um outro exemplo de distinção com base no tipo de objeto que induz um


tipo de emoção é a categoria das emoções estéticas.
Essas emoções estão plenamente associadas ao envolvimento das
pessoas com a arte e com a natureza, seja uma obra de arte ou qualquer outro
tipo de arte. Entretanto ainda há uma discussão bastante eloquente sobre a
natureza dessas emoções, uma vez que se debate sobre a estética ser um tipo
especial de emoção ou se esta categoria está gerada pelo objeto em si, ou seja,
o objeto da arte.
Essa categoria também é discutida porque em muitos casos, na
observação ou contemplação de um mesmo objeto artístico, as reações
sentimentais das pessoas são diferentes e até diametralmente opostas.
Ao observar as imagens das obras a seguir, provavelmente suas
descrições de emoções serão diferentes de outra pessoa ao observá-las também,
faça o teste:
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Créditos: Everett – Art / Shutterstock.

Créditos: Everett – Art / Shutterstock.

A exemplificação da estética como um componente de peso para a


aprendizagem está e esteve em praticamente toda a história da arte, se nos
remetermos a ela, mesmo que de forma sintética.
Monet, um dos maiores pintores do Impressionismo, gera justamente a
escola impressionista com a característica “formato de borrões” por mudar um
conceito de arte impresso por escolas anteriores, como as de Renoir ou mesmo
de Da Vinci, com traços mais clássicos e contemplativos; o impressionismo de
Monet nasce na verdade, de um problema de visão que o pintor tinha, o que acaba
se consagrando como umas maiores escolas de arte mundiais.
Já a Semana de Arte moderna de 1922 rompe com os traços mais
tradicionais da pintura e da escultura, e abandona “o que deveria ser para o que
é ou o que ser que seja”, entretanto, a discussão sobre se as obras apresentadas
são arte de fato, dividem opiniões por representarem cotidianos da vida, conceitos
do usual e não somente, a contemplação, ou a visão romântica e religiosa
difundida anteriormente. Há quem se esbalde com alguma obra de Tarsila do

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Amaral ou de Di Cavalcanti, e há aqueles que não sentirão emoção alguma ao se
depararem com uma obra dessas.
Entretanto a neuroestética tem crescido em termos de investigações, e
áreas como as artes visuais e a música por exemplo, tem ganhado muito terrenos
para busca de subsídios que possam melhor descrever e interpretar os
mecanismos fisiológicos que possam circundar as percepções individuais e a
assim auxiliarem nos campos de desenvolvimento cognitivo, nosso interesse na
disciplina em questão.
Das neurociências cognitivas computacionais da mente, a percepção visual
é senão, a principal função cognitiva do desenvolvimento e evolução humana,
aquela que mais explica a adaptação pois é vantajosa para a seleção natural.
Dessa ideia vem toda a tese evolucionista contida na obra de Pinker (20000;
2005), a qual possui bases no conceito de visão de David Marr que menciona uma
correlação entre descrição e símbolos mentais.
Segundo Garrido (2005) a tese de Marr de uma descrição para a visão
está relacionada à produção de imagens do mundo externo, individualmente útil;
para tanto, segundo ele, deve haver a existência de símbolos mentais (quase
idealizações) para cada objeto localizados em algum lugar no cérebro. No entanto,
é preciso conceber essa descrição não como “literalmente de fora para dentro”,
mas como algo que se processa internamente em cada indivíduo.
Se não houvesse a ideia de descrição para a visão, certas faculdades
mentais (linguagem, andar, planejar, imaginar...) teriam de ter processos próprios
(isolados) para dedução de imagens e, portanto, o fato de se conhecer uma
determinada forma não seria o suficiente para se imaginar o que ou como utilizá-
la. Na verdade, o que ocorre é o contrário, ao se deduzir a forma, todas essas
“partes” das faculdades mentais já atuam em conjunto.

TEMA 4 – EMOÇÕES FICTÍCIAS

Na atualidade de hoje, principalmente, há emoções que são provocadas


pela ficção (por exemplo, literatura, filmes e até jogos), muito embora, os sujeitos
expostos a eventos deste tipo, saibam que tais eventos são de natureza irreal.
Gibson (2009) apresenta uma questão sobre este tipo de emoção, uma vez
que é bastante estranho o fato de termos medo de um monstro, por exemplo,
quando sabemos que monstros não existem, em comparação a um “mesmo
medo” que sentimos quando de fato estamos em uma situação de perigo; ou seja,

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o medo, como emoção básica, em uma o u outra situação, é o mesmo medo; mas
como isso é possível?
O fato de que podemos experimentar uma emoção, embora o evento
escolhido seja conhecido por ser irreal tem sido chamado de “o paradoxo da
ficção” e é o tema de um dos principais debates da pesquisa moderna sobre as
ligações entre ficção e emoção.
Nesse paradoxo, simulando-se uma situação na qual alguém possa
acreditar que um evento representado em uma foto é ficção em vez de um evento
real, mudam-se significativamente as respostas do córtex pré-frontal a este fator
emocional de imagem; ou seja, se a pessoa acreditar no irreal, ele se torna o que
ela quiser que seja.
Mais uma vez a abordagem de Marr e Biedermann aparece por aqui:

(…) Entretanto mesmo considerando a máxima: “não vemos o que


espera ver” (PINKER, 2000, p. 277), a teoria defendida por Marr e
Biederman (apud PINKER, 2000) sustenta a tese de que em níveis mais
avançados da percepção humana a mente “idealizaria” aquilo que vê. A
explicação engloba aspectos extraídos da memória e, portanto, da
imaginação. Essa idealização é uma espécie de distorção da realidade
e não consegue se sustentar na ideia de combinação dos géons para
identificação de objetos. (Garrido, 2005; p. 58)

Pinker (2000) aborda esta questão da estereotipia, na qual o cérebro tende


a “mitificar” aquilo que já conhece e, portanto, faz uma espécie de adequação para
que aquilo que é desconhecido “caiba” naquilo que já lhe é familiar, para fins de
reconhecimento; isso é uma quase adaptação cognitiva que a ficção também
colhe frutos, na medida em que a percepção é intrínseca ou ao menos anda junto
com as emoções.
Obviamente, os aspectos fictícios são condicionantes da imaginação, uma
função cognitiva mais livre que a percepção, e muito carregada dos artefatos
culturais que as pessoas carregam ou se deparam em algum momento da vida.
Embora, na imaginação, os significados possam ser considerados “livres ou sem
juízos de valor”, eles ainda produzem sensações que podem levar a contextos de
realidade ou ao menos aqueles, que o sujeito está disposto a sentir, experimentar.

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TEMA 5 – EMOÇÕES MORAIS E EMOÇÕES CONTRAFACTUAIS

5.1 Emoções morais

As emoções morais são aquelas emoções que são provocadas por


avaliações morais. Tais emoções possivelmente dependem de vários fenômenos
morais, como normas morais, nas quais a mentira é um contraponto; como as
obrigações morais, o que corresponde aos cuidados que devemos ter para com
nossos filhos ou pais; como algo moral e errado, como por exemplo matar alguém
ou roubar algo; como também, os valores morais, o que poderia ser a bondade, a
empatia, e ainda, virtudes morais, como a coragem ou a bravura (Mulligan, 2009
apud Barret, 2016).
Haidt apud Barret (2016) intenta uma classificação das emoções morais, e
as classifica em quatro tipos: (1) as autoconscientes (como a vergonha e culpa);
(2) as conceituais (do tipo, desprezo, raiva e nojo), as emoções correlacionadas
ao outro, como o sofrimento dos outros ou a compaixão por exemplo, e as
relacionadas a elogios, como a gratidão e elevação.
As emoções de ordem moral relativas à vergonha e à culpa, embora
emoções muito parecidas por serem negativas e por colocarem o indivíduo à
prova de seus atos, carregam peculiaridades que as diferem:
De acordo com Dias (2008):

A vergonha implica uma avaliação global negativa do self, é uma emoção


dolorosa e é acompanhada por um sentimento de desvalorização e
impotência. Apesar desta emoção não estar associada à necessidade
de uma exposição, as pessoas quando envergonhadas sentem-se
expostas e sentem desejo de escapar ou se esconder. Esta experiência,
como envolve menos um foco num comportamento específico e mais no
self por inteiro, faz com que o self no seu todo seja avaliado
negativamente (“Eu fiz aquela coisa horrível e por isso sou uma pessoa
horrível, sem valor e incompetente”). A experiência de vergonha envolve
uma mudança considerável na autopercepção frequentemente
acompanhada por uma sensação de exposição, de encolher, de se sentir
pequeno, sem valor e impotente. (P. 10)

Já a culpa estabelece-se como algo que:

(…) envolve uma avaliação negativa de um comportamento específico,


não sendo uma experiência tão dolorosa e devastadora como a
vergonha, pois não afecta a identidade central do indivíduo, existindo em
vez disso uma tensão, remorso e arrependimento que impulsionam a
pessoa a tentar reparar o sucedido, através da confissão, pedido de
desculpa ou comportamentos activos reparadores. Quando estão no
meio de uma experiência de culpa, as pessoas frequentemente revelam
uma preocupação ou foco com a transgressão específica pensando
nisso várias vezes, desejando que se tivessem comportado de outra

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forma ou pudessem de algum modo desfazer a coisa má que fizeram.
(p.10)

5.2 Emoções contracfatuais

Como uma espécie de dissidência das emoções morais, surgem as


emoções contracfatuais, as quais, autores como Tangney, Niedenthal e Gavanski
(apud Barrett 2016) tratam-nas como oriundas de um pensamento contrafactual,
o qual consiste na simulação mental de comportamentos alternativos, que guiam
as atribuições do indivíduo acerca das causas do seu comportamento,
normalmente associado a ume emoção de ordem moral.
Esse tipo de pensamento coloca o indivíduo à prova com relação a seus
atos e as alternativas, surgem associadas sobre o que poderia ocorrer, mas não
aconteceu, de fato; um exemplo é a avaliação de uma escolha supostamente
“errada”, frente a duas alternativas; o erro leva ao lamento do porquê da escolha
equivocada e não da outra.
As emoções contrafactuais compreendem normalmente o arrependimento,
a decepção ou inveja, ou aquilo que o sujeito cobra de si mesmo.

FINALIZANDO

Vimos nesta aula sobre o conceito de emoção, as emoções básicas,


emoção, atenção e memória.
Sobre os tipos de emoções: positivas, negativas e emoções estéticas,
sobre o ambiente positivo de aprendizagem, o estresse, cérebro e aprendizagem.
Nos aprofundamos sobre as emoções estéticas como arte na educação.
Soubemos mais sobre as emoções fictícias. Por fim, falamos sobre
emoções morais e emoções contrafactuais.
Até a próxima aula!

22
REFERÊNCIAS

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Leopoldo, 1998.

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23
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24
TNH1. Mais de 800 milhões de pessoas passam fome no mundo, diz estudo.
Disponível em: <http://www.tnh1.com.br/noticias/noticias-detalhe/mundo/mais-de-
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Descartes” de António R. Damásio. Universidade de Brasília. Estudos de
Psicologia 1997, 2(2), 407-411 Resenha 407.

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AULA 4

NEUROEDUCAÇÃO E
NEURODIDÁTICA – COMO O
CÉREBRO APRENDE

Prof.ª Susane Garrido


TEMA 1 – EMOÇÕES SOCIAIS E EMOÇÕES EPISTÊMICAS

O presente tema trata da segunda parte das emoções como altamente


interferentes nos aspectos cognitivos, com base na abordagem de Armony e
Vuillelmier, Damásio e Pinker, entre outros.

1.1 Emoções sociais

Similarmente a algumas emoções morais, mais contrafactuais, conforme


as definições vistas anteriormente, temos uma categoria de emoções denominada
“emoções sociais”, as quais são usualmente provocadas por situações de cunho
social. Segundo Bernett et al. (2009), as emoções sociais requerem atividade
cognitiva por meio da representação de estados mentais de outras pessoas.
Por estarem conectadas diretamente ao convívio social, essas emoções
correspondem à vergonha, inveja, ciúme, admiração, culpa, gratidão, piedade,
entre outras, quase sempre quando outros agentes humanos (ou imaginários)
estão presentes. Tais emoções podem servir, por exemplo, para regular o
comportamento social, atitudes sociais nos outros, ou alcançar objetivos.
Embora já tenhamos visto várias emoções enquadradas em diferentes
categorias, o que importa é enxergá-las e reconhecê-las dentro dos contextos que
as cercam, para compreendermos se estão mais para um lado ou para outro, e
assim podermos tratá-las, principalmente para fins cognitivos, foco da nossa
disciplina.
Alguns alunos, no decorrer das aulas, manifestam comportamentos
diferentes do esperado para as situações de aprendizagem, e normalmente não
compreendemos o que se passou; muitas vezes, chegamos até a puni-los. O
reconhecimento dessas categorizações emocionais não só é importante a título
do próprio conhecimento, mas pode nos ajudar a regular nossas emoções,
modificando metodologias, abordagens, recursos e até mesmo linguagens.
Antonio Damásio, no seu Livro da consciência: a construção do cérebro
consciente (2010), define “emoções sociais” como estados mais discriminativos e
complexos, um conjunto de sentimentos mais subjetivos (o caráter da
subjetividade eleva todas as emoções), incluindo pena, vergonha, embaraço,
culpa, orgulho, inveja, gratidão, admiração, indignação e desprezo. Essas
emoções estão normalmente associadas a um contexto e funcionam para ele, não
necessariamente para outros.

2
O mesmo autor tratou dos aspectos sociais da consciência e classificou as
emoções sociais (quase sempre vinculadas ao outro) em quatro tipos: indignação
moral, a qual explicita a violação de normas de conduta ou de convivência por
parte de outro indivíduo, que “precisa ser punido” (visão dessa emoção) –
biologicamente, as sensações de nojo e raiva são aparentes; o embaraço,
vergonha e culpa, emoções que ocorrem quando o próprio indivíduo viola as
normas de conduta mas tenta evitar a punição por parte dos demais, o que o
mantém em isolamento ou em autopreservação; biologicamente, provoca
sensações de medo ou tristeza; a simpatia e a compaixão, quando há um
reconhecimento automático do sofrimento do outro indivíduo e a ação é o conforto
e a tentativa de reconstruir um equilíbrio nele; biologicamente, causa tristeza, mas
também uma certa satisfação com o exercício do conforto; e a última, o espanto,
emoção associada ao altruísmo, cooperação, o que gera felicidade e alegria.

1.2 Emoção e comunicação não verbal, e cognição social

Pouco tempo nos separa filogeneticamente de outros primatas. Apesar


disso, nós humanos somos bem diferentes e possuímos capacidades cognitivas
exclusivas, ainda que em número limitado, voltadas para uma habilidade
específica: a cognição social (Gazzaniga, 2009). Esta consiste na:

capacidade de interagir de forma eficaz e segura com conespecíficos.


[…] a cognição social humana compreende quatro habilidades
especializadas: [1] um senso coerente de self, [2] a capacidade de
acompanhar os estados mentais dos outros, [3] controle de emoções e
impulsos socialmente inadequados e [4] sensibilidade a ameaças de
exclusão ou agressão de outras pessoas. […] achados recentes de
neuroimagem que suportam a visão de que a cognição social tem um
status privilegiado no repertório cognitivo humano. (Gazzaniga, 2009, p.
961)

As emoções (sociais e de outros tipos) são parte essencial da cognição


social. Uma das formas pela qual elas medeiam e favorecem as relações humanas
é a comunicação não verbal. Expressamos nossas emoções em nossos rostos e
posturas corporais. Também reconhecemos as emoções de outras pessoas,
obtendo uma retroalimentação sobre nosso comportamento. Essa interação
circular auxilia a adaptação dos seres humanos entre si e entre outros animais.
Uma estrutura crucial para que a comunicação não verbal ocorra é a amígdala,
diretamente relacionada à leitura e ao reconhecimento das expressões faciais
(Ferreira, 2014; Gazzaniga; Mangun, 2014).

3
Além de seu papel na comunicação não verbal, as expressões faciais
podem ser consideradas estímulos condicionados com base em sua
história de reforço em situações sociais anteriores. Por meio de
interações entre a amígdala e o córtex pré-frontal (PFC), o
processamento de baixo para cima e de cima para baixo molda esse
aprendizado social. A conectividade pré-frontal da amígdala mais forte
gera melhores resultados comportamentais, e a interrupção da conversa
entre essas regiões está subjacente à desregulação da emoção em
populações saudáveis e clínicas. Além disso, a amígdala e suas
conexões com o PFC sofrem mudanças dinâmicas ao longo do
desenvolvimento, o que provavelmente contribui para mudanças no
desenvolvimento do comportamento emocional. (Gazzaniga; Mangun,
2014, p. 741)

De especial interesse para esse tema, a leitura corporal (comunicação não


verbal) ocorre predominantemente de forma automática, ou seja, sem que a
percebamos ou controlemos. Isso se dá, em especial, por meio da ação de
neurônios-espelho, ativados quando observamos as ações, intenções e/ou
emoções de nossos semelhantes. Isso ocorre nos permitindo sentir em nós
mesmos o que observamos externamente. Um feedback neurológico espontâneo,
sentido por nós e por quem interage conosco sensorialmente. Ou seja, há uma
influência mútua entre as pessoas. Nossa linguagem influencia automaticamente
os demais e vice-versa. Se pudermos tomar consciência disso, visto que há um
registro em nosso cérebro, incluindo as estruturas ligadas às emoções,
poderemos nos beneficiar (Callegaro, 2011; Pillay, 2011).

A maior parte de nossa comunicação é não verbal, implícita, não


consciente e determinada pela emoção. Ela define a qualidade da
comunicação e é mais poderosa que a comunicação verbal! Não
percebemos nossas verdadeiras intenções de comunicar, nem os
mecanismos que usamos para enviar e receber/interpretar/enviesar e
filtrar as informações que nos chegam. Grande parte da informação é
excluída antes de se tornar consciente (percebemos o que nos
interessa), ou percebida, mas não processada, e/ou enviesada ou ainda
esquecida. (Silva, 2019, p. 98)

Perceber mais conscientemente a comunicação não verbal, tanto do


professor como de seus alunos, tem se demonstrado instrumento importante no
contexto educacional. Permite comunicação mais profunda, vínculos e relações
de melhor qualidade (cognição social) e, possivelmente, um estímulo didático
extra ao complexo processo de ensino-aprendizagem. No entanto, conhecimento
adequado e treinamento sistemático são necessários (Silva, 2019). Tal
treinamento permite o “controle cognitivo das emoções”, que possibilita o
desenvolvimento e a modulação da atenção, a mudança cognitiva na avaliação
do estímulo (se aversivo ou apetitivo) e a modulação da resposta (Gazzaniga; Ivry;
Mangun, 2014). O controle das emoções será mais bem explorado futuramente.

4
1.3 Emoções epistêmicas

Algumas emoções, como interesse, confusão, surpresa ou pavor, estão


relacionadas, geralmente, aos atos cognitivos que levam à aprendizagem ou
construção de conhecimento.
São chamadas de “epistêmicas” por diversos autores (Morton, 2010; Silvia,
2010; Sousa, 2008 citados por Armony; Vuilleumier; 2013) porque, de acordo com
a origem de “epistemologia” (episteme: “conhecimento certo”, “ciência”, e logos:
“discurso”, “estudo”), elas se associam à ciência e ao conhecimento, definindo-se
como estudo científico que trata dos problemas relacionados com a crença e com
o conhecimento, sua natureza e limitações.
Sob uma ótica neurocientífica, essas emoções produzem artefatos
fundamentais para exploração, curiosidade e crescimento, desenvolvimento de
competências em muitos domínios; sobre o interesse, por exemplo, a estrutura de
avaliação foi estudada, e os resultados sugerem que os eventos de interesse são
aqueles do tipo romance ou que possuem certa complexidade, mas desde que,
neste último caso, gerem compreensão.

1.4 Emoção, motivação e ação

As emoções emergem de sistemas neurológicos que avaliam a valência ou


o significado dos estímulos que nos chegam, se estão de acordo ou em desacordo
com nossas metas e necessidades, se são relevantes ou não. Por isso, modulam
nossa atenção e percepção, avaliação (julgamento), modulam nossa tomada de
decisão e nos preparam ou direcionam (motivação) para uma resposta adequada
(ação) (Gazzaniga, 2009; Gazzaniga; Ivry; Mangun, 2014, 2019). Ou seja, a
emoção é um dos elementos básicos da motivação.
Mas o que seria motivação? Uma excitação direcionada a uma meta? Uma
propensão (vontade) para ser ativo, de empreender um comportamento que
resultará na conquista ou esquiva de algo?
Segundo Herculano-Houzel (2010), a motivação:

é fundamental por uma série de razões. Através de encorajamento do


retorno positivo que sinaliza para a criança ou para o adulto em
aprendizado, quando ele fez certo e deve continuar fazendo daquela
maneira, então. A motivação também depende de uma dificuldade
adequada, fácil demais é ruim, difícil demais também é ruim. Além dos
efeitos diretos no aprendizado, a motivação é fundamental por outra
razão: ela que permite que nós nos empenhamos na prática. É a
motivação que faz com que nós nos dediquemos, de fato, a aprender

5
algo. E é através dessa relação entre a motivação e a prática que tem
início um círculo virtuoso muito favorável ao aprendizado: quanto mais
prática você tem, mais você melhora e, portanto, mais motivação
encontra para continuar aprendendo. E quanto mais motivação você
tem, mais você consegue se dedicar, mais vontade você tem de
continuar se dedicando ao aprendizado e, portanto, mais horas de
prática você adquire e acumula. Então, mais prática leva a mais
motivação, que leva a mais prática, que leva a mais motivação, e o
cérebro tem o que precisa para aprender de fato, para passar por todas
aquelas modificações que permitem o aprendizado. (p. 27)

A pesquisadora indica uma importante pista para compreender o processo


de motivação: o retorno positivo (ou recompensa) – tema que logo abordaremos.
Indica também a relação direta e crucial da motivação com a prática e a
aprendizagem. Não é preciso estudar neurociência para compreender que, sem
motivação, estudantes aprendem pouco ou insuficientemente, e com frequência
abandonam seus estudos, restringindo ou eliminando oportunidades de sucesso.
Entre os fatores que desmotivam estudantes, Jensen (2005, p. 103) indica:

 Falta de relacionamentos positivos, seja com professores ou amigos,


incluindo-se também a falta de um melhor amigo;
 Aprendizado sem ou com pouca ajuda/apoio, seja dos pais ou mesmo de
professores, com classes muito cheias (no contexto brasileiro);
 Desrespeito à cultura ou etnia do estudante;
 Percepção real ou imaginária de ameaças, no deslocamento para a escola
em seus corredores ou mesmo na sala de aula (também no ambiente
familiar e/ou social mais amplo);
 Anomalias cerebrais que impliquem disfunções no desenvolvimento e
consequências em funções cognitivas;
 Uso de drogas lícitas, como o álcool, ou ilícitas, como a maconha;
 Percepção de conteúdos e atividades escolares que julgam irrelevantes em
seu contexto: “Por que trabalhar duro quando o que você está fazendo não
parece importar?”

Note que todas as causas sugeridas implicam e/ou interferem direta ou


indiretamente em processos afetivos ou emocionais. E a emoção também está
relacionada ao sistema de recompensas do cérebro que, como indicou
Herculano-Houzel (2010), está relacionado à motivação.
Esse sistema é um dos principais indicadores cerebrais de que algo é bom
ou dá certo e que, portanto, devemos repetir.

6
Ativar o sistema de recompensa significa aumentar o funcionamento de
dois de seus componentes mais importantes: área tegmental ventral e o
núcleo acumbente. A primeira recebe dos sentidos informações sobre o
que está acontecendo com o corpo, e recebe do córtex pré-frontal, na
parte da frente do cérebro, informações sobre as intenções que guiarão
o comportamento atual. Se detectam que algo interessante acabou de
acontecer, os neurônios da área tegmental ventral despejam dopamina
sobre os do núcleo acumbente. A dopamina é uma substância
neuromoduladora, ou seja, é capaz de modificar a atividade elétrica dos
neurônios que a recebem. No nosso caso, a dopamina atua sobre o
núcleo acumbente. Quanto mais dopamina é liberada sobre os
neurônios do núcleo acumbente, maior é a ativação deste e, por
mecanismos ainda desconhecidos, maior é a sensação de bem-estar e
prazer que resulta daquele comportamento. (Herculano-Housel, 2010,
p. 32)

Em síntese, quando algo dá certo, ou quando algo de bom ocorre, sentimos


prazer, como quando resolvemos ou aprendemos algo. Esse prazer tende a
aumentar a frequência de comportamentos que nos levam até ele, ou seja, a
manter e repetir mais e mais essas práticas (Jensen, 2005). E isso não é tudo:

Ativação do sistema de recompensa não é apenas uma resposta ao que


já deu certo. Com base nestas experiências anteriores, daquilo que dá
certo, o cérebro é capaz de criar expectativas sobre o que pode dar
certo. Nestes casos, o sistema de recompensa é ativado por
antecipação, e esse prazer antecipado, que nós obtemos neste caso,
é o que chamamos de motivação. É esta antecipação do prazer, com
o que pode dar certo, que faz com que nós nos movamos, que
saímos do lugar, literalmente, e passemos à ação. […] essa
antecipação do prazer que é fundamental para o aprendizado, por uma
série de razões. Primeiro, a motivação faz com que nos exponhamos à
oportunidade para aprender. Então, a motivação leva à prática, ela
facilita a prática. Segundo, que a ativação do sistema de recompensas
libera sobre o cérebro substâncias que promovem diretamente os
mecanismos moleculares do aprendizado, aquelas modificações que
acontecem nas sinapses. Então, a ativação do sistema de recompensa,
a motivação com o aprendizado, com qualquer outra tarefa, facilita
fisicamente o aprendizado, o processo de aprendizagem do cérebro.
(Herculano-Housel, 2010, p. 32-33, grifo nosso)

Quando pensamos no sistema de recompensas, podemos considerar o


valor crucial do reconhecimento que pode ser dado por outras pessoas – por
exemplo, quando um professor elogia um estudante por uma tarefa na frente dos
outros. Esses “reforços” são muito importantes. No entanto, é importante notar: o
que recompensa uma pessoa pode desgostar outra.
Há uma boa dose de idiossincrasia (os cérebros são singulares) no que se
refere ao sistema de recompensa humano. Assim, é muito importante que
educadores conheçam seus educandos e educandas para saber o que lhes dá ou
não prazer – e isso também pode mudar com o tempo, com o contexto. Outro
elemento muito importante é que comportamentos complexos podem não ser
auxiliados ou até atrapalhados por recompensas externas. “Então, se você acha

7
que dar recompensas ajudará a desenvolver grandes mentes, é provável que você
fique desapontado” (Jensen, 2005, p. 104). Há uma natureza intrínseca da
motivação.

O cérebro faz suas próprias recompensas. Eles são chamados de


opiáceos e podem produzir um pico natural semelhante ao produzido
pela morfina, álcool, nicotina, heroína e cocaína. Provavelmente não
importa para o cérebro se a recompensa é concreta – como dinheiro ou
objetos de valor – ou mais cognitiva – como privilégio, status,
reconhecimento, atenção, segurança ou fama. Trabalhando como um
termostato ou um “personal trainer”, o sistema de recompensas do
cérebro geralmente distribui bons sentimentos diariamente, o que sugere
que o cérebro tem um viés embutido para experimentar causas e efeitos
prazerosos. Mas as recompensas não são tão simples quanto uma
pergunta sim-não. Acontece que o cérebro pode ter diferentes tipos de
sistemas de sinal de recompensa […]. Um dos sistemas inclui códigos
para previsão de recompensa, e o outro, para correção de erros. O
primeiro sistema cria atenção (mais se o reforçador é aleatório), e o
segundo cria melhor aprendizado. (Jensen, 2005, p. 104)

Há contínuas variações naquilo que nos dá (ou não dá) prazer. Por
exemplo, temos prazer por antecipar e muito prazer quando a recompensa é uma
surpresa, o que é imediatamente registrado. O prazer recebido por uma
recompensa externa ou pela previsão de recompensa pode também declinar com
a repetição (por isso a surpresa se destaca), visto que o cérebro se adapta ou se
habitua rapidamente a recompensas, ou seja, o que funciona num dado momento
pode e provavelmente não funcionará em outro.

Na 1ª série, um adesivo de “ouro” pode ser uma recompensa perfeita.


Até a 3ª série, a criança quer um biscoito e, na 5ª série, apenas uma
pizza servirá. (Observe a escalada de valor.) Na 8ª série, as pizzas não
são tão boas, e os caras querem um skate, PlayStation, Xbox ou
Nintendo. Na 11ª série, as garotas querem joias ou um carro novo.
Adesivos há muito tempo deixaram a equação. (Jensen, 2005, p. 104)

Considerando a complexidade do processo de motivação, Jensen (2005,


p. 106-108) arrisca-se e indica algumas sugestões práticas para aumentá-la:

 Use as recompensas de forma judiciosa, para certos grupos, por curtos


momentos e por razões específicas – a repetição de recompensas produz
o decaimento do desempenho; é a antecipação da recompensa que cria os
melhores efeitos, não a recompensa em si;
 Use recompensas concretas, econômicas e fáceis de fornecer, planejando
eliminá-las gradualmente. Explore o máximo da antecipação da
recompensa;

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 Explore recompensas abstratas, sem valor monetário, como
reconhecimentos (como elogios e certificados) ou celebrações (jogos,
atividades divertidas, privilégios) usadas de forma imprevisível;
 Desenvolva a motivação intrínseca – permita que os alunos tomem
decisões e deixe que eles aprendam a se tornar responsáveis pelo
resultado de suas escolhas. Considerar o que é relevante, o que faz sentido
para os estudantes é crucial. O que não faz sentido não motiva! Construa
projetos em conjunto, considerando interesses, habilidades. Tomar
decisões em conjunto pode ser motivador. Só participa das decisões quem
tem valor, e sentir-se valorizado tende a ser um elemento motivador.
Procure “orquestrar” um ambiente com desafios significativos e com baixo
estresse;

 O sistema de recompensa e de emoções funciona em conjunto. Com base


na memória emocional, a amígdala atribui valor e processa as emoções por
ordem de importância. O sistema de recompensa produz recompensas
primárias, ligadas diretamente às necessidades de sobrevivência (comida,
bebida, sexo e abrigo), secundárias, ligadas às necessidades de
sobrevivência de forma indireta (status social, reconhecimento, valor social,
gratidão, confiança, informação, contato físico e altruísmo), e também de
caráter individual, ligadas à história de vida da pessoa. Juntos, esses
sistemas são cruciais para o processo de motivação, que leva à ação
(prática), crucial ao aprendizado (Herculano-Housel, 2010; Jensen, 2005;
Pillay, 2011).

TEMA 2 – EMOÇÕES E CONSCIÊNCIA

2.1 Base teórica

Para Damásio (2010), a grande discussão sobre o “erro de Descartes” (que


virou um livro, inclusive) trata justamente do equívoco da separação de mente e
corpo. Segundo o filósofo, a alma (razão pura) é independente do corpo e das
emoções, e não ocupa lugar no espaço; Damásio propõe que somos fruto do
cérebro, e este é provido de emoções que coabitam tudo.
Para Pinker, neurocientista também evolucionista, a mente é o que o
cérebro faz, e disso provém o todo: as emoções, a consciência, as funções
cognitivas, a linguagem e demais aspectos já discutidos anteriormente.
9
A consciência para Pinker está plenamente associada ao “eu”, quando esse
“eu” está processando algum tipo de pensamento; conforme um exemplo que cita
em Como a mente funciona (1999), você pode dirigir, prestar atenção no trânsito,
passar as marchas, frear e fazer uma série de outras ações, sem sequer supor
como esses mecanismos acontecem dentro de seu cérebro, na sua mente, assim
como não conhecemos os processos emocionais que acompanham essas ações
para nos mantermos em estado de alerta. No entando, realizamos a tarefa de
dirigirde de forma praticamente inconsciente (dos processos). A consciência para
Pinker é um ato de racionalidade que tem a ver com a cognição.
Ainda sob a perspectiva de consciência cognitiva de Pinker (1999), assim
como de Andler (1998), alguns fundamentos de relevância precisam ser
considerados:

 Um indivíduo com consciência apresenta o autorreconhecimento, ou seja,


ao visualizar-se em um espelho, conhece-se a si distinguindo-se dos
demais; até pouco tempo atrás acreditava-se que somente os seres
humanos possuíam essa característica, entretanto, alguns estudos mais
recentes apontam para alguns animais com esse feito também:
chimpanzés, bonobos, gorilas, orangotangos, baleias-orcas, elefantes e
outros (Teste…, 2019);
 A compreensão de sentenças ambíguas é um feito de consciência e, até
hoje, só pertence aos seres humanos, justamente por estar associada à
linguagem. Por exemplo, na célebre frase de Abraham Lincoln: “Pode-se
enganar a todos por algum tempo; pode-se enganar alguns por todo o
tempo; mas não se pode enganar a todos todo o tempo”, os seres humanos
conseguem distinguir o que cada sentença diz, mesmo que haja
amibiguidade e repetição dos termos “enganar" e “tempo”.

Para outro neurocientista, Daniel Dennett (2010), a concepção de


consciência, mente e cérebro é um pouco mais complexa. Para ele, o cérebro não
tem condições de lidar ou ordenar a quantidade de informações e de ideias que
lá estão,

então a consciência não seria exatamente um meme qualquer que pula


para fora, mas uma “máquina virtual” criada para controlar o jorro de
ideias, uma espécie de “filtro” dos memes que estão enterrados em sua
cabeça. E o nome que você dá para essa máquina, enfim, é “eu”.
(Rezende; Versignassi, 2004)

E as emoções? Como ligam-se à consciência?


10
Vamos por partes. Para Damásio (2010), a emoção vem antes de qualquer
consciência; ela seria uma espécie de imagem mental formada por várias coisas
ao mesmo tempo, aspectos fisio e biológicos, como a dilatação da pupila, o prazer,
a liberação de endorfina, a descarga de adrenalina e a tensão muscular. A partir
daí é que a mente tende a processar a ocorrência e tomar uma decisão.
Há diferenças nos pensamentos de ambos os autores, já que para Damásio
a emoção e o sentimento compõem a mente, e não o pensamento e a razão.
Ainda em Damásio (2015):

a consciência e a mente vinculam-se estreitamente a comportamentos


externos que podem ser observados por terceiras pessoas. Em todos
nós ocorrem estes fenômenos – mente, consciência na mente e
comportamentos – e sabemos muito bem como eles se correlacionam
entre si, primeiro graças à autoanálise, segundo, em razão de nossa
propensão natural a analisar os outros. (p. 22)

Mas há mais similaridades entre esses neurocientistas. Tanto para (Pinker,


1999, 2012) quanto para Damásio, a consciência não se traduz apenas como
“estado de vigília”.
A seguir, algumas premissas para tratarmos de emoção e consciência
utilizando os estudos de Damásio:

 A consciência e o estado de vigília, assim como a consciência e a atenção


básica, apresentam distinções, embora andem juntas. Para Damásio, um
paciente pode estar desperto e até atento, mas não ter consciência normal;
 A consciência e a emoção não são separáveis pois, quando a consciência
estiver abalada ou comprometida por algum dano, a emoção também
estará;
 A consciência e a emoção impactam o corpo. São sistêmicas;
 A consciência central, fenômeno biológico simples, ocorre no tempo
presente (nem passado, nem futuro), e isso dá uma simples existência ao
“eu”, denominado por Damásio como “self”;
 Entretanto, há uma consciência complexa (e ampliada), derivada das
memórias e intensificada pela linguagem, que dá uma identidade ao “self”;
é histórica, conhecedora do mundo e distingue os indivíduos uns dos
outros; é capaz de reconhecer a própria imagem no espelho.

11
TEMA 3 – ESTADO DE VIGÍLIA, ATENÇÃO PLENA E COMPORTAMENTO
INTENCIONAL

3.1 Base teórica

Para esses aspectos e conceitos, vamos trazer Damásio, extraindo traços


da obra O mistério da consciência (2015), que aborda o corpo, as emoções e o
conhecimento.
Antes, ressaltemos o papel biológico da emoção, para elucidar por que
Damásio, Pinker (1999, 2002, 2012) e outros autores buscam sinalizar a
relevância de uma visão mais sistêmica sobre corpo, mente, cérebro e emoções,
entre outros aspectos que constituem os seres humanos.

As emoções são adaptações singulares que integram o mecanismo com


o qual os organismos regulam sua sobrevivência. […] as emoções são
um componente de nível razoavelmente superior dos mecanismos de
regulação da vida. Esse componente situa-se entre o kit de
sobrevivência básico (por exemplo, regulação de metabolismo, reflexos
simples, motivações, biologia da dor e do prazer) e os mecanismos do
raciocínio superior, ainda fazendo parte, contudo, da hierarquia dos
mecanismos de regulação da vida. (Damásio, 2015, p. 53)

O estado de vigília e a consciência estão normalmente juntos, entretanto,


há situações em que isso não ocorre necessariamente – quando estamos em
estado de sono com sonhos, pois, mesmo não acordados, temos alguma
consciência do que ocorre; isso é constatado se, ao acordarmos, temos memória
do sonho. Ou seja, havendo ligação com a memória, temos uma certa
consciência; a outra situação dessa dicotomia ocorre quando estamos acometidos
por algum distúrbio neurológico em que não temos consciência, mesmo em
estado de vigília. Nas situações do sono em que não há sonhos, ou situações de
coma ou de anestesia, não há estado de vigília nem de consciência.
Mas é preciso distinguir esses dois estados pois, embora andem juntos
quase sempre, não são a mesma coisa. No estado de vigília, o cérebro e a mente
estão devidamente ligados, e isso proporciona um “certo cuidado” com o próprio
organismo, para o qual imagens internas e do meio em que este se encontra estão
sendo formadas. Os reflexos podem ser acionados, e a atenção básica, por
exemplo, pode ser orientada para estímulos de necessidades do próprio
organismo, ou seja, o funcionamento desse estado mantém o organismo “em pé”;
mas nesse processo a consciência pode estar ausente.

12
De acordo com Damásio (2015, p. 80), em um processo clássico de
consciência, a presença de atenção voltada a um objeto externo denota,
normalmente, a presença de consciência, mas não necessariamente, pois, para
ser um ato consciente de fato, a atenção deve perdurar por um tempo longo, e
não por segundos. Por exemplo, há casos de síndromes ou doenças neurológicas,
como o mutismo acinético, que ocorrem por alguns segundos, não sendo,
portanto, movimentos conscientes.
Entretanto, se não houver atenção diante de um objeto externo, isso não
significa que não haja consciência, mas que talvez a atenção esteja voltada para
um objeto interno, como os casos de concentração, de paixão e até mesmo de
reflexão. Isso também ocorre nos momentos de confusão, estresse ou sonolência.
Com relação aos comportamentos, há uma intrínseca e complexa relação
entre os pensamentos e a evocação de memórias, o que pode gerar emoções
falsas (em relação aos objetos) e, por sua vez, comportamentos baseados nas
observações (com base nesse repertório muito particular) que fazemos dos sinais
emocionais encontrados no comportamento das pessoas. Em suma, isso se
assemelha e muito ao mito da estereotipia de Pinker (1999), no qual,
principalmente para julgamentos, observamos algumas propriedades de um
determinado evento (do tipo: quando lembramos de um mafioso e citamos um
“italiano”) e determinamos uma categoria para essa propriedade, embora esta
poderia coabitar mais de uma categoria. Isso gera um comportamento.
Do ponto de vista cognitivo, relações entre emoções e consciência devem
ser observadas e cada vez mais estudadas, pois não é apenas o cérebro que
aprende, mas o todo, pois carregamos sensoriais biológicos que precisam ser
retroalimentados para termos continuidade como espécie; precisamos de
regulações emocionais para podermos avançar e ampliar atos cognitivos, não
somente para nossa sobrevivência, mas para um equilíbrio entre as demais
espécies, uma vez que, tendo o exercício da consciência de forma mais elevada
que outros animais, podemos potencializar um mundo melhor para todos.

3.2 Possibilidade prática – treino da atenção

Como indicado, há uma certa relação entre consciência e atenção. Um ato


consciente necessita da atenção mantida por certo período de tempo. Ainda,
nossos pensamentos se alimentam de memórias, que podem gerar falsas
emoções, que nos induzem (motivam) a comportamentos (ações) não adequados.

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A relação entre cognição e emoção é intrínseca e complexa. A cognição tende a
ser mais consciente, mas pode funcionar amplamente de forma automática, como
sugerem os modelos contemporâneos de processamento mental (Callegaro,
2011). Em contrapartida, o processamento emocional é mais inconsciente ou
automático, mas pode também ser, ao menos em parte, observado e controlado
conscientemente (Gazzaniga; Ivry; Mangun, 2019).
A atenção parece ser um elemento crucial tanto para processos
emocionais, podendo regulá-los, como cognitivos, podendo melhorá-los. Ela pode
ser orientada/controlada por estímulos, como um som alto súbito, sendo chamada
de reflexa. Nesse caso é desencadeada de baixo (de estruturas subcorticais) para
cima (para estruturas corticais). Um evento emocional – um rosto que expressa
raiva, por exemplo – atrai e captura a atenção. Também é ativada por processos
metabólicos e ações instintivas, como a busca por água e alimento, proteção e
sexo. Nesse caso a atenção é automática, não voluntária. Sua contrapartida – a
atenção voluntária – é praticamente o oposto, tendendo a ser mais pela vontade
consciente.
Assim, é dirigida de cima para baixo, ou seja, coordenada por estruturas
corticais. Nossos objetivos, expectativas e recompensas orientam o que focamos.
Por exemplo, ao ler este texto você provavelmente está excluindo da sua atenção
estímulos distraidores, mas a qualquer momento um estímulo mais intenso ou
mais atrativo (emocionalmente) lhe captura a atenção, e você se distrai. Como
pode ser observado, há uma certa disputa pela orientação da atenção, entre
objetivos interna e voluntariamente definidos e demandas externas do ambiente
ou estímulos internos involuntários, como lembranças (Callegaro, 2011; Cosenza;
Guerra, 2011; Gazzaniga; Ivry; Mangun, 2019; Marti; Garcia-Campayo; Demarzo,
2016).
Não podemos focar várias coisas ao mesmo tempo, então, ao focarmos
uma, desfocamos várias outras. Em nosso contexto educacional, isso pode ser a
diferença entre aprender ou não! Mesmo que o aprendizado ocorra também de
forma implícita, não consciente (Callegaro, 2011), a atenção é chave para que
possa ser maximizado:

A grande porta de entrada do aprendizado é a atenção. […] nós só


conseguimos prestar atenção em uma coisa de cada vez. Mesmo
quando nós achamos que estamos prestando atenção em duas ou três
coisas ao mesmo tempo, na verdade, o que estamos fazendo é alternar
rapidamente entre uma coisa e voltar. […] a atenção é esse filtro que o
cérebro usa para decidir qual informação será processada de maneira

14
especial, de maneira dedicada a cada instante. Isso quer dizer que, de
todas as informações disponíveis a cada instante, apenas uma sobrevive
a esse filtro, e todas as outras são eliminadas. Essas que são eliminadas
não ganham acesso ao que chamamos de memória de trabalho, o que
é a memória de curta duração que o cérebro tem, que permite que nós
trabalhemos com várias informações ao mesmo tempo. […] a atenção é
um grande filtro, é a porta de entrada que permite que a informação com
a qual você está lidando no momento seja transferida para memória de
trabalho, seja processada na sua memória de trabalho, quer dizer, seja
associada a outras informações, seja relacionada a outras coisas que
você está aprendendo. Dali, então, ganha acesso a outros sistemas de
memória mais duradouros. (Herculano-Housel, 2010, p. 28-29)

Se “a grande porta de entrada do aprendizado é a atenção”, poderia ela ser


treinada? A resposta chama-se mindfulness, expressão que pode ser traduzida
como “atenção plena”, a qual se refere

ao traço ou estado mental de estar atento, intencionalmente, à


experiência presente. […] está atento, de forma deliberada, ao
desenvolver, com aceitação e sem julgar. O traço mindfulness descreve
a personalidade que tende a adotar uma atitude de aceitação – centrada
no presente – em relação à própria experiência. […] aceitação não
significa resignação; é uma tentativa de não julgar, uma curiosidade
isenta de julgamento, ou abertura ao desenvolvimento da experiência
imediata, seja ela positiva ou negativa. Assim, mindfulness envolve dois
componentes fundamentais: autorregulação da atenção e uma
orientação aberta à experiência. (Marti; Garcia-Campayo; Demarzo,
2016, p. 19-20)

Regular a atenção significa dirigir e manter o foco na experiência presente,


percebendo-se melhor as sensações físicas, os sentidos sensoriais e os estados/
experiências mentais ou subjetivas. Em tempos de hiperestímulos (“infoxicação”)
e multitarefas, mindfulness não é apenas um grande desafio, mas uma
necessidade para a saúde física e emocional:

mindfulness está relacionado a vários indicadores da saúde física e


psicológica como, por exemplo, maior equilíbrio do sistema nervoso
autônomo (simpático e parassimpático), níveis mais elevados de afeto
positivo, satisfação com a vida, vitalidade e menores níveis de afetos
negativos e de outros sintomas psicopatológicos. (Marti; Garcia-
Campayo; Demarzo, 2016, p. 21)

O treino da atenção permite menor reatividade aos estímulos externos


(atenção reflexa) e maior regulação e flexibilidade cognitiva e emocional.
Consequentemente, reduz o estresse tanto agudo como crônico e seus efeitos
negativos no cérebro. No ambiente escolar, isso pode ser crucial, tanto em termos
de saúde física e psíquica como no desempenho da aprendizagem:

Os alunos que vêm para a escola de ambientes estressantes têm


demonstrado níveis mais altos do hormônio do estresse cortisol. A
elevação crônica do cortisol mostrou danificar as células no hipocampo,
uma região do cérebro importante na aprendizagem e na memória.
Portanto, reduzir o estresse nos estudantes é mais do que a saúde
15
emocional; é fundamental para a biologia da aprendizagem em si. As
escolas estão apenas recentemente experimentando práticas de
atenção plena, meditação e movimento com consciência. (Lyman, 2016,
p. 57)

Pesquisas sobre os efeitos do mindfulness têm sido realizadas há mais de


30 anos, e sua influência no ambiente escolar tem sido verificada por estudos
sistemáticos. Em um desses estudos, 10 programas de intervenção dessas
práticas à educação foram revisados (Meiklejohn et al., 2012). Os resultados com
alunos de ensino fundamental e médio indicam benefícios sociais, emocionais e
cognitivos:

incluem melhoras nos seguintes aspectos: na memória de trabalho,


atenção, competências acadêmicas, habilidades sociais, regulação das
emoções, autoestima, estado de ânimo e redução da ansiedade, do
estresse e da fadiga. (Marti; Garcia-Campayo; Demarzo, 2016, p. 116)

No Brasil, programas têm sido realizados em muitas escolas públicas e


privadas, por exemplo, em Porto Alegre, Curitiba e São Paulo (Fontoura, 2018;
Silva, 2019). Mas quais efeitos essas práticas produzem no cérebro?

O córtex cingulado anterior torna-se mais ativo e aumenta de tamanho.


Essa estrutura se relaciona com a atenção e capacidade de manter o foco na
situação imediata. Como há o treino da percepção corporal, uma estrutura ligada
diretamente a isso, a insula, também se amplia e amplifica sua atividade.
Também há maior desempenho do córtex pré-frontal, crucial para manter e
dirigir a atenção, bem como regular as emoções e tomar decisões. Por falar em
emoções, as amígdalas, estruturas cruciais no sistema emocional, se tornam
menos ativas, principalmente para estímulos ameaçadores – sua principal função!
Ou seja, quem pratica a atenção plena pode se tornar menos reativo a esses
estímulos (Cozenza, 2018; Marti; Garcia-Campayo; Demarzo, 2016).
Pode-se pensar que mindfulness é uma tendência do futuro, sendo
aplicado em diferentes áreas, como na educação, saúde física e mental,
segurança e negócios (organizações). Inclusive tem sido aplicado nacionalmente
em políticas públicas, como no Reino Unido (Loughton; Morden, 2015).

TEMA 4 – EMOÇÃO E TOMADA DE DECISÃO

Segundo Barrett (2005), no cérebro humano existe uma estrutura que pode
ser considerada a estrutura das emoções (mesmo não sendo a única); é a

16
amígdala, com forma de amêndoa e se localiza no lobo temporal medial, antes
do complexo que compreende o hipocampo.
A primeira vez em que ela foi observada e associada às emoções foi num
experimento de Klüver e Bucy em 1939, quando eles observaram o
comportamento dos macacos após lesões do lobo temporal medial, que incluíam
a amígdala, o hipocampo e os córtices circundantes.
De acordo com as observações desses cientistas, os macacos exibiam um
padrão de comportamento denominado “cegueira psíquica”, marcado por reações
emocionais estranhas, como a aproximação de um objeto que lhes causava medo,
como uma cobra, e sob essas circunstâncias, não gerava mais. Aproximadamente
20 anos depois, o neurologista Weiskrantz (1956) identificou a amígdala como a
estrutura do lobo temporal medial cujo dano é diretamente responsável pela
cegueira psíquica.
Para Daniel Goleman (1995), que ficou famoso por seu trabalho sobre
inteligência emocional, se a amígdala assumir o controle do cérebro, ficamos
irracionais, pois perderemos o controle emocional, visto que sua principal função
é integrar as emoções com os padrões de resposta correspondentes a elas, seja
em nível fisiológico ou comportamental. Goleman denomina esse desequilíbrio
como “sequestro da amígdala”, e explica que isso ocorre quando, dependendo de
um determinado estímulo a que somos submetidos, a amígdala pode “roubar” as
ativações de outras áreas do cérebro, não só do sistema límbico, do qual faz parte,
mas, por exemplo, roubar do córtex frontal, responsável pelo raciocínio lógico e
planejamento.
Ainda segundo Goleman, em outras circunstâncias, após emoção intensa
normalmente gerada por situações de estresse, temos dificuldades em tomar
decisões (entre outras características), porque a amígdala “rouba a ativação” de
outras áreas responsáveis e inunda nosso corpo com adrenalina e cortisol, não
nos permitindo pensar.
Essas características que envolvem a amígdala e que Goleman aborda de
forma até engraçada se expressam dessa forma porque a amígdala é uma
estrutura muito primitiva do nosso cérebro, que nos coloca em constante estado
de alerta desde nossos ancestrais em situações de luta e fuga. Esses traços
instintivos nos mantêm em estado de sobrevivência.
É de extrema relevância conhecer o papel da amígadala na nossa vida, na
medida em que o senso comum normalmente infere que a tomada de decisão é

17
uma atitude muito mais racional do que emocional. Entretanto, está na deficiência
ou infericiência de um comportamento emocional a dificuldade em tomar decisões
racionais. Segundo Damásio (2010), a razão, por si só, não sabe quando
começar ou parar de avaliar custos e benefícios para uma tomada de
decisão.
É o quadro referencial das nossas emoções que seleciona as opções.
Damásio passa a apresentar uma série de argumentos anátomo-fisiológicos sobre
a formação e o processamento de imagens no cérebro, e defende que nosso
raciocínio é feito de sequências ordenadas de imagens. Esses dados apontam
para uma íntima relação entre as estruturas cerebrais envolvidas na gênese e na
expressão das emoções (o sistema límbico) e áreas do córtex cerebral ligadas à
tomada de decisões, como o córtex frontal (Tomaz; Giugliano, 1997, p. 409).
Ainda de acordo com os estudos de Damásio (2010), as emoções primárias
envolveriam disposições inatas para responder a certas classes de estímulo,
controladas pelo sistema límbico:

já as emoções secundárias seriam aprendidas e envolveriam


categorizações de representações de estímulos, associadas a respostas
passadas, avaliadas como boas ou ruins; as estruturas do córtex
cerebral seriam o substrato neural das emoções secundárias, mas a
expressão dessas emoções também envolveria as estruturas do sistema
límbico. Apesar desta inter-relação, essas duas formas de emoção são
distintas. Isto é evidenciado, por exemplo, pelo fato de um sorriso
espontâneo ser diferente daquele intencional. Os sentimentos seriam a
experiência de tais mudanças associadas às imagens mentais da
situação. Desta forma, a emoção está intimamente associada à
memória; ou seja, ao contexto em que é adquirida na experiência
individual. (p. 410)

TEMA 5 – CONSCIÊNCIA E LINGUAGEM

A compreensão da linguagem para Steven Pinker (2012) apresenta


características um tanto quanto controversas com relação a condicionantes
culturais como usualmente outras linhas teóricas defendem.
Para ele, a linguagem é inata, característica de quase todos os animais e,
no caso dos seres humanos, comum histórico genético evolutivo e de composição
biológica.
Pinker foi influenciado por Noam Chomsky, ao considerar a linguagem
como algo inato, do tipo instinto. Chomsky foi cognitivista precursor da gramática
gerativa das décadas de 1950 e 1960, contemporâneo de Piaget. No entanto,
apesar de ser um revolucionário nos estudos da cognição e da linguagem, não
era um evolucionista, pois considerava a teoria de Darwin uma crença, não uma
18
ciência. “Chomsky se precipitou ao rejeitar a seleção natural por falta de
consistência, como se ela não passasse de uma crença em alguma explicação
naturalista de um traço” (Pinker 2002, p. 459).
Entretanto, apesar de Pinker ser um evolucionista, ele não defende a ideia
de que a espécie humana deriva ou é uma evolução de outra espécie, no caso os
chimpanzés; o autor defende que a evolução se deu para ambas as espécies,
mas em níveis diferenciados. No nosso caso, os primeiros traços de existência da
linguagem datam de 2,5 milhões de anos, começando pelo nosso ancestral, o
Homo habilis; com a evolução, atinge o Homo sapiens e Homo sapiens sapiens,
ainda nos dias de hoje.
Pinker (2002) diz que a linguagem humana é muito diferente dos sistemas
de comunicação dos animais, que se baseiam em um repertório finito de
chamados para avisar a presença de predadores, reivindicar territórios etc.; um
sinal analógico contínuo que registra a magnitude de um estado; e uma série de
variações aleatórias sobre um tema. Enquanto isso, a linguagem humana
organiza-se na forma de uma gramática infinita, uma gama sem fim de palavras e
frases; digital, que proporciona a possibilidade de combinações; e composicional,
na qual cada combinação possui um significado diferente (Tiveran, 2018).
Assim, as relações entre linguagem e consciência são exploradas por
terrenos diversos, carregando especificidades, como é o caso da linguística, que
ao explorar essa relação, cria a “psicolinguística”, a qual se encarrega de estudar
a consciência linguística.
Vista sob essa perspectiva, a aquisição de linguagem pela criança, em um
primeiro momento, tem por finalidade obter um fim, ou seja, a criança a usa
naturalmente como mediação. No entanto, ao iniciar a escolarização, essa mesma
criança irá se deparar com a relação fonema/grafema, e nesse caso a
intencionalidade da linguagem passa a ser consciente, pois disso depende a
aprendizagem da leitura.
Ao tratarmos a linguagem como mediação natural e como algo imperativo
para outro, como é o caso da alfabetização, temos duas vertentes da consciência
humana como amparo do processo de evolução dos indivíduos.
A linguagem possui um predecessor biológico mas evolui no âmbito social.
Sendo assim, as construções cognitivas individuais são extremamente
influenciadas pelas construções sociais, tal qual Vygotsky, que defende sua
perspectiva de aprendizagem com base na relação social com o outro e na

19
construção de autonomia, conforme o desenvolvimento proximal, oriundo de sua
teoria.

20
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23
AULA 5

NEUROEDUCAÇÃO E
NEURODIDÁTICA: COMO O
CÉREBRO APRENDE

Profª Susane Garrido


CONTEXTUALIZANDO

A ideia de desenvolvimento do cérebro humano está intimamente


associada à ideia de neuroplasticidade, o que já tratamos em vários momentos ao
longo da disciplina; mas nesta aula vamos desenvolvê-lo mais, já que a tecnologia,
como a maior invenção ferramental humana é um retrato da capacidade de
neuroplasticidade de nossas mentes como espécie com condições cognitivas para
isso.

TEMA 1 – NEUROPLASTICIDADE

O cientista Tim White (2003) afirmou que o homem teria surgido há cerca
de 4 milhões de anos a partir do ancestral Ardipithecus ramidus (Ardi), na África,
o que confronta a tese anterior de que Lucy (nosso ancestral mais famoso) seria
o mais antigo, quando na verdade surgiu 1 milhão de anos depois do “Ardi”.
Certamente, mudanças de cunho pré-cognitivo foram sofridas por esse ancestral,
e de maneira significativa, pois geraram a evolução da espécie. Infelizmente,
ainda não possuem registros.
Se formos resgatar feitos cognitivos da história da humanidade, diversos
outros fenômenos são considerados altamente representativos da evolução
humana; um deles é a descoberta e o uso do fogo, que só ocorreu (de acordo com
marcações incluindo o carbono 14) há cerca de 500 mil anos e modificou todo o
destino da própria história, promovendo condições de adaptação e sobrevivência
da espécie no planeta (Garrido, 2016).
Considerando que a toda ação precede uma intenção, sendo esta
devidamente conectada à mente, às emoções e, obviamente, ao cérebro, a atitude
humana na descoberta do fogo deflagrou um dos piramidais feitos da espécie
como sendo uma atitude intencional, pois está atrelada a um conjunto de ações
químicas e elétricas, que geraram sinapses capazes de criar uma solução; isso já
é um ensaio pré-cognitivo.
Os aspectos sinápticos, ao gerarem redes, contribuem para o
desenvolvimento evolutivo da plasticidade cerebral que nos acompanha até os
dias de hoje, modificando-se intensamente conforme características individuais e
do meio em que se vive.
Para compreendermos melhor a ideia de plasticidade cerebral ou de
neuroplasticidade, faz-se relevante anteceder-se um pouco na História da

2
Psicologia e nas demais ciências que se utilizaram da inteligência, como a
biologia, a educação, a filosofia e até mesmo a medicina, para trazermos um
pouco da idea anterior de coeficiente de inteligência ou QI, um contraponto à isso
e fazer os um comparativo simples. De acordo com Allison Plunket Harris (citado
por Lymann, 2016, p. 15).
Many educators hold on to the traditional mindset that a child’s level of
intelligence is what he is born with and therefore his intelligence quotient is
relatively stagnant throughout life. (“Muitos educadores mantêm a mentalidade
tradicional de que o nível de inteligência de uma criança é o seu nascimento e,
portanto, seu quociente de inteligência é relativamente estagnado ao longo da
vida”).
Traduzindo e explicando: muitos educadores mantêm a mentalidade
tradicional de que o nível de inteligência de uma criança é o que ela nasceu e,
portanto, seu quociente de inteligência está relativamente estagnado ao longo da
vida; essa definição, além de determinista de um ponto de vista filosófico, sob um
prisma de uma corrente mais behaviorista da psicologia, denota a ideia de
“capacidade adquirida”, o que, na verdade, não pode ser modificado e nem
desenvolvido; ou nascemos com um alto QI ou com um baixo, e isso não altera
ao longo do tempo.
Entretanto, as neurociências cognitivas defendem o extremo oposto dessas
máximas que nos acompanharam durante décadas e fizeram estragos cognitivos
estupendos nas mentes de muitos de nós, seres humanos, que conviveram com
limitações de todas as ordens.
Algumas características consideradas para a inteligência de acordo com
Wilson e Conyers (2013, citado por Lymann, 2016, p. 15) consideram que,
independentemente da definição ou da crença que se tenha sobre a inteligência,
a educação mais flexível é um caminho para o desenvolvimento da própria
(inteligência), o que eles chamam de crescimento de mindsets.
Dissidentes desse entendimento de educação flexível apresentam algumas
características destas citadas pelos autores:

• Altos padrões de desempenho.


• Ambiente estimulante.
• Orientação para prática deliberada.
• Elogio pelo esforço.
• Foco nos objetivos.

3
• O uso de avaliações formativas.
• Uma ênfase em habilidades de pensamento, como habilidades de
memória, pensamento analítico ou crítico, habilidades criativas, habilidades
práticas e competências.

Assim, o processo da inteligência é em si um processo em desenvolvimento


e codepende de vários outros fatores para ter sucesso, dentre eles, o ambiente,
as relações, uma certa organização, feedbacks, habilidades e conferências. Mas
isso é só um começo, pois para Wilson e Convers (2016), por exemplo, ensinar
aos alunos que a inteligência é dinâmica, maleável e mutável é o primeiro passo
para desenvolver a crença de que eles podem ficar mais inteligentes com muito
trabalho e esforço persistente.
A boa notícia é que de acordo com esses autores a plasticidade cerebral,
também chamada de plasticidade neural, vem a ser “a capacidade dos neurônios
(células) no cérebro e das sinapses de mudar ao longo do tempo de vida. “[…]
Essa habilidade significa que o cérebro desde o nascimento, está sempre se
adaptando e criando novas relações entre os neurônios. Isso significa que a
inteligência não é fixada no nascimento” (Wilson e Conyers, 2013, citado por
Lymann, 2016, p. 15).
Em um salto mais radical nos anos, considerando a escrita um dos
principais adventos em favor da evolução humana, no Oriente, há descobertas
não devidamente comprovadas de um tipo de escrita na Dinastia Shang, tendo
esta sido criada há mais de 8 mil anos. Já no Ocidente há registros de sua
existência por volta de 5,5 mil anos atrás, com a escrita cuneiforme e os hieróglifos
(sumérios e egípcios), até se chegar na escrita da Mesopotâmia.
Entretanto, se compararmos os adventos macrodemarcadores de
evolução, entre o fogo e a escrita, existe um delay de, no mínimo, 450 mil anos, o
que representa muito tempo sem desenvolvimento cognitivo de expressão,
embora houvesse a afinação de pedras e a invenção da cerâmica, por exemplo.
(Garrido, 2012).
Em suma, tratar de desenvolvimento versus capacidade é uma premissa
para a neuroplasticidade acontecer, pois a ideia de desenvolvimento está naquilo
que é funcional, caso das funções cognitivas citadas na Aula 2 desta disciplina,
por exemplo. Temos, na cognição humana, funções diversas como a memória, a
percepção, a abstração, dentre outras; e se não fosse a ideia de uma
neuroplasticidade presente não se poderia ter evoluído para e com a tecnologia

4
que tem nos acompanhado (criada por nós mesmos, inclusive) por eras; por sua
vez, a ideia de “capacidades humlitoanas” fecha ou limita as possibilidades que
não são previstas no arcabouço histórico mapeado para cada tipo ou grau de
inteligência.

TEMA 2 – GAMIFICAÇÃO

É possível falar em gamificação sem falar primeiro em jogos? Vamos tentar


falar desse processo, justamente para compreendermos o processo metodológico
que está nessa atividade e que não está necessariamente aliado a algum
“jogo/game”, em especial, como o senso comum divulga, mas a um modo de
comportamento e de operação.
Primeiramente, fazendo uma conexão uma conexão intrínseca com a
neuroplasticidade debatida no tema anterior, a introdução de atividades mais
lúdicas nos processos de ensino e de aprendizagem, sejam nas salas de aula ou
em outros espaços considerados para tal, não é um processo novo, e quase todos
nós participamos em algum momento de nossas vidas de dinâmicas de grupo ou
de exercícios práticos para aprendermos algo.
A diferença disso para o que se difunde atualmente é o fato de termos um
incremento digital e virtual advindo tanto dos games, quanto da própria internet
(de maneira geral), que faz com que essas práticas mais lúdicas ganhem um
espaço mais efetivo e venham a ter um papel mais concreto e até decisivo nas
escolas e nas organizações, muitas vezes, mais do que simplesmente lúdico
como outrora; esse “roteiro” é o que chamamos hoje de gamificação.
Conceituando melhor, segundo a plataforma de jogos Simulare, a
gamificação vem do termo inglês, “gamification”, que se decodifica como técnicas
de jogos, no caso virtuais, para cativar pessoas por intermédio de desafios
constantes e bonificações; também propicia e promove o engajamento, e demais
aspectos associados à resolução de problemas ou simplesmente participação em
desafios propostos pelas organizações, com direito a recompensas e trocas de
fases como nos jogos de maneira geral. Ainda segundo a plataforma, “essa é a
chave que faz com que a nova metodologia possa ajudar inúmeras empresas a
alcançarem o sucesso, tanto nos processos quanto na qualidade dos
produtos/serviços” (Simulare, 2018).
De acordo com a Simulare (2018):

5
• criação: envolve desenvolver a criatividade dos participantes para que eles
estejam aptos para desenvolver algo relevante;
• ponto de partida: abrange a ideia de partir de algo predefinido para que os
envolvidos possam buscar soluções;
• simulação: simula circunstâncias reais do cotidiano empresarial dos
jogadores para que eles possam decidir como reagirão a cada situação;
• pesquisa e documentário: promove a pesquisa sobre determinado assunto
a fim de registrar ou realizar uma explicação sobre o que foi aprendido.

Segundo outra plataforma, também famosa ao que se refere a games e à


gamification, a Geekie:

Gamificação (ou, em inglês, gamification) tornou-se uma das apostas da


educação no século 21. O termo complicado significa simplesmente usar
elementos dos jogos de forma a engajar pessoas para atingir um
objetivo. Na educação, o potencial da gamificação é imenso: ela funciona
para despertar interesse, aumentar a participação, desenvolver
criatividade e autonomia, promover diálogo e resolver situações-
problema. (Lorenzoni, 2016)

2.1 Gamificando o cérebro?

Do quarteto da felicidade, ao considerarmos os hormônios endorfina,


serotonina, dopamina e oxitocina, praticamente todos são acionados e
produzidos quando estamos em situações de desafios, de prazer, de superação
ou até mesmo de motivação e de vínculos emocionais; tudo o que podemos ter
quando em processos de gamificação, e que propiciarão, certamente, processos
e resultados cognitivos positivos.
De acordo com um estudo da pesquisadora Loretta Breuning (2016), obra
intitulado Habits of a Happy Brain: Retrain Your Brain to Boost Your Serotonin,
Dopamine, Oxytocin, & Endorphins Levels, ao criar-se situações de atividades
físicas como dançar, cantar ou jogar, por exemplo, estaremos ativando a produção
de endorfinas; já em situações nas quais evitamos o trabalho solitário, requeremos
a participação do outro, recordamos memórias felizes ou fazemos uso de uma
espécie de catarse (desde que feliz), estamos ajudando na produção de
serotonina; quando realizamos gamificações que compreendam a competição
propriamente, o atingimento de metas ou de objetivos e as comemorações
associadas a esses feitos, aumentamos os níveis de dopamina; quando em
nossas gamificações estiverem presentes atividades que envolvam os afetos,

6
como, por exemplo, o abraço, os trabalhos em grupo e as relações mais sociais,
aumentam-se os níveis de oxitocina.
Assim, como atividade que possa vir a gerar a felicidade, não se tem
dúvidas quanto à gamificação; entretanto, para ser eficaz realmente, deve
construir estratégias que se utilizem de lógicas de “problematizações”, a fim de
garantir-se os engajamentos necessários às ações que levarão ao que se
pretende.
Uma das ideias propulsoras da gamificação incumbe-se de facilitar a
questão “problema” de todas as naturezas e formas, ou seja, desde abordá-lo pela
“formulação à solução”, pois essa visão amplifica o cérebro na medida em que
tanto uma quanto a outra trata de cognição, seja pelo artefato de algumas funções
executivas como o planejamento e a memória (para a formulação), quanto da
abstração (para a solução), como outras:

A formulação de um problema frequentemente é mais essencial do que


uma solução que pode ter apenas uma questão de habilidades
matemática ou experimental. Levantar novas questões, novas
possibilidades, ver questões antigas de um novo ângulo exige
imaginação criadora e avanço e assinala reais avanços na Ciência.
(Eingstein; Infiel citado por Garrido, 1995, p. 18)

TEMA 3 – JOGOS/GAMES

Alguns estudos sobre o uso de games relatam usualmente ganhos ao que


se refere a inúmeros aspectos de habilidades e competências necessárias para
desenvolvimento de aprendizagens, o que certamente não seria atingido da
mesma maneira, por outra metodologia menos lúdica, menos interativa e menos
motivacional.
Na minha tese de doutorado (Garrido, 2005), por exemplo, verifiquei
diferenças de lados cerebrais, a partir do input de ondas geradas durante um jogo
em teste que apliquei, entre os indivíduos que jogam videogames (na ocasião) e
indivíduos que não jogam; nesse caso em especial, percebeu-se que para os
indivíduos que jogam usualmente, há uma troca de lado do cérebro quando da
segunda ou terceira vez que jogam o jogo; ou seja, pressupõe-se que tenha
havido uma aprendizagem, e por isso aquela informação não é repetida mais, ou
seja, ela vai para o outro lado do cérebro; no caso dos indivíduos que não jogam,
a informação permanece sempre do mesmo lado do cérebro, usando mais da
repetição e, portanto, da memória.

7
Outros resultados que indicam que os games interferem no
desenvolvimento cognitivo dos sujeitos, aparecem também nos estudos de C. S.
Green e D. Bavelier (2006) e de T. Strobach (2012) os quais demonstram que
jogadores de vídeo games apresentam maior capacidade para a realização de
múltiplas tarefas ou de alterar de uma tarefa para outra com mais eficácia do que
os sujeitos que não jogam.
Inicialmente, vamos mostrar dois exemplos diferentes quanto ao uso de
jogos na aprendizagem, positivos e negativos (dependendo dos grupos de
análise) para termos a noção de que não basta utilizar o recurso (jogo) ou a
estratégia (gamificar) se não estivermos com o todos projetado de forma
sistêmica, considerando os aspectos emocionais subjacentes (e determinantes)
do grupo (o que já tratamos nas duas aulas de Emoções), assim como a clareza
das funções cognitivas pretendidas (o que também já vimos na aula de Funções
cognitivas), assim como os aspectos didáticos e de planejamento, também já
abordados na aula de neuroeducação e neurodidática.
Os estudos a serem apresentados a seguir sob forma de casos (cases) são
oriundos de uma Pesquisa de mestrado realizada na Universidade Tuiuti do
Paraná pela autora Anna Jungbluth. Em 2016, a autora Anna Jungbluth (2017)
realizou uma revisão integrativa sobre o tema da aprendizagem de adultos a partir
do uso de jogos e alguns resultados relato aqui para podermos analisar; uma das
pesquisas é chamada na dissertação como publicação T3 – Jogo de Empresas –
Técnica de Apoio ao Processo de Aprendizagem de Adultos na Área de Logística:
O Caso do SOLOG (Simulador de Operações Logísticas) (Lacerda, 2015 citado
por Jungbluth, 2017).
Esse jogo tratava de simulações de operações de logística para os alunos
de um curso de graduação e de um curso de mestrado.

Das aplicações do jogo pelo pesquisador, tem-se como resultados


indicados na publicação, que a vivência proporcionada por meio da
simulação com o jogo contribuiu para aquisição de conhecimento e em
todos os grupos investigados, pois houve pequena melhora na média da
nota, sendo mais expressiva com o púbico da graduação (Lacerda,
2015). Nos dados levantados do próprio jogo, tem-se bons resultados,
que foram progressivos ao longo do jogo (sendo mais expressivos com
o público do mestrado) (Lacerda, 2015). E na coleta de dados por meio
da percepção dos jogadores, a vivência com o jogo foi considerada
favorável ou muito favorável na contribuição para o ensino-
aprendizagem (Lacerda, 2015). Tais resultados indicam
desenvolvimento da percepção e da memória, tendo em vista que
memória é aquisição (Izquierdo, 2011) e representa a própria percepção,
que se processa por meio dos sentidos (Garrido, 2012). (citados por
Jungbluth, 2017, p. 88)

8
Entretanto, embora haja ganhos perceptivos para o desenvolvimento
cognitivo de certas funções executivas, sob a perspectiva do objetivo em si, esse
jogo não necessariamente atingiu os resultados previamente pensados com os
dois grupos.
Provavelmente (pois não há essa extração de análise no estudo), os alunos
do curso de graduação, de uma forma hipotética não possuem um background de
conhecimentos anteriores para o tema em questão, e, portando, não conseguiram
ultrapassar o pré-conhecimento para seguimento; diríamos que em termos de
produção de hormônios, como as memórias não foram felizes, tanto as endorfinas
quanto a dopamina e oxitocina não tiveram aumentos; assim o jogo não chegou a
ser prazeroso.
Isso ocorre porque, independentemente de se estar diante de uma
metodologia como a do uso de jogos simplesmente, se não houver uma
sensibilização ou até mesmo uma preparação melhor dos participantes, como o
desenvolvimento do engajamento, uma das estratégias propiciadas pela
gamificação, de nada adianta utilizá-los, pois veja:

Quanto aos resultados obtidos do jogo, dessas aplicações feitas pelos


multiplicadores, tem-se que metade dos participantes não teve
habilidade para aplicar seus conhecimentos para gerenciar a empresa,
e não houve dados de evolução nas etapas do jogo (com exceção do
grupo do mestrado) (Lacerda, 2015). Considerando os resultados quanto
à habilidade em jogar, nas aplicações pelos multiplicadores, tem-se que
houve dificuldade na compreensão das regras (Lacerda, 2015), e
consequentemente, problemas para evoluir no jogo. Tais aspectos
levam à análise de que não houve evocações complexas das memórias
para novamente utilizá-las, fazendo associações que poderiam exigir
funcionamento lógico (pois generalizar regras tem relação com lógica,
de acordo com Pinker, 2008). (Citados por Jungbluth, 2017, p. 88)

Em outra pesquisa, denominada Jogos de Empresas baseados em


simulação e aprendizagem ativa: analisando a tomada de decisão em processos
logísticos (Butzke, 2015, citado por Jungbluth, 2017), analisada pela dissertação
mencionada, aponta que há concordâncias entre os alunos investigados, quanto
ao jogo ajudar a conhecer as atividades pertinentes à prática profissional (64% de
concordância), ao estímulo da criatividade, ao proporcionar novos conhecimentos,
e ainda na integração de conhecimentos.
No entanto, a concordância dos estudantes é baixa quanto ao jogo auxiliar
a tomar decisões com informações incompletas e em aumentar a confiança de
trabalhar de forma independente (Butzke, 2015, citado por Jungbluth, 2017);
nesse caso, aproximadamente metade dos alunos considerou que o jogo torna o
aprendizado mais produtivo e melhora o desempenho acadêmico.

9
Os melhores resultados sobre o jogo, na percepção dos alunos, apontam
uma contribuição na aquisição e integração do conhecimento, para a resolução
de problemas e tomadas de decisões, no estímulo à criatividade e em associar
teoria e prática (Butzke, 2015, citado por Jungbluth, 2017). Ainda de acordo com
a análise de Jungbluth (2017), com relação aos piores resultados da contribuição
do jogo, os alunos apontaram tanto o trabalho em cooperação ou em colaboração
quanto o trabalho individual, na medida em que não houve mediação de conflitos
e tomada de decisões com informações incompletas. Os resultados coletados dos
depoimentos dos alunos apontam que eles consideram fortemente que o jogo
contribui na aprendizagem e na aplicação prática de teorias aprendidas em aula,
contribui para desenvolvimento do raciocínio, tomada de decisão, resolução de
problemas e associação de teoria e prática.

TEMA 4 – PERSPECTIVAS ANALÓGICAS, DIGITAIS E VIRTUAIS COABITANDO


CENÁRIOS (PARTE I)

Quando abordamos na aula de Modalidade de educação, a educação


presencial, a distância e a híbrida, mencionamos os aspectos da presencialidade
uma vez que variamos as dimensões de tempo e de espaço.
Aqui vamos abordar justamente os campos do digital, do virtual e do
analógico para compreendermos esses cenários como determinantes para a
execução de atividades de ensino e de aprendizagem que possuam esses
mundos simultaneamente (nossa realidade, praticamente todos os dias).
O mundo analógico é o mundo em que vivemos no tempo físico e presente,
pois ele é o mundo em que experimentamos de fato, as coisas, o silêncio absoluto,
a ausência, o ócio, os fenômenos da natureza, e de nós mesmos a partir do nosso
sensorial, emoções e sistemas de maior ou menor complexidade que nos formam.
Pitágoras, o pai da matemática, é também o precursor do pensamento
analógico, ao conceituá-lo como aquele pensamento que se efetiva a partir de
comparações, para possibilidades de se tecer relações. Um de seus estudos para
esse pensamento se deu ao comparar as cordas de uma lira e perceber que
cordas mais curtas emitiam sons mais agudos; daí consolida-se uma das teorias
da música a partir da matemática, entre frequência, vibrações e comprimento de
onda, a escala musical que é utilizada até os dias atuais.

10
Dessa comparação, surge uma relação matemática que podemos intitular,
música; obviamente, a música não se reduz a uma relação matemática, mas
nasce como ciência nesse contexto de pensamento, o pensamento analógico.

Saiba mais
Para elucidar melhor essa passagem da história, assista ao vídeo do
personagem Pato Donald e Pitágoras no link a seguir:
<https://youtu.be/7S3iW_sbqsA>. Acesso em: 25 set. 2019.

Segundo Abdounur (2003, citado por Garrido, 2016, p. 14), a suposição


analógica de Pitágoras foi fundamentada em uma ideia de proporcionalidade entre
as coisas, o que veio a promover e facilitar o desenvolvimento da abstração na
matemática, por exemplo, a partir da correlação com o concreto transformando
este em uma espécie de subsunçôr (“âncora”), tomando por empréstimo o termo
de Ausubel na aprendizagem significativa.
Segundo Harris (2014), somos (se você nasceu até 1985) a última geração
que viveu o mundo analógico, e assim percebeu a entrada da tecnologia alterando
para sempre nossas sensações de ausência; a partir do mundo digital (e do virtual,
nem se fala) sentiremos a ausência de sentirmos ausência, ou seja, estaremos
sempre em estado crônico de conexão ou de conectados com nossos
smartphones, com as redes sociais, com nossas imagens, com as histórias e
comunicações de todos com todos.
Para entrarmos numa discussão entre a precisão ou usos dos processos
analógicos e dos processos digitais podemos trazer a ideia de que o sinal
analógico entre zero e o valor máximo passa por todos os valores intermediários
possíveis (infinitos), enquanto o sinal digital só pode assumir um número
predeterminado (finito) de valores (Wikipedia, s.d.).
Sob uma perspectiva de ondas, explicação mais usual para esses
elementos, o digital é muito mais preciso em termos de localização no tempo que
o sinal analógico, pois ele orbita de forma binária, como zero ou um; já o sinal
analógico é um sinal contínuo e que, portanto, em um intervalo de 1 a 2, por
exemplo, enumera todos os intervalos possíveis de medição, como 1,47 ou 1,578,
ocupando assim mais espaços de memória nos sistemas e sendo passíveis de
mais erros.

Os dados podem ser representados de duas formas: analógica ou digital.


A informação analógica corresponde a uma onda eletromagnética
gerada que pode assumir infinitos valores no tempo. Um bom exemplo é

11
a voz humana. Já na informação digital a representação de dados é
representada por 1s e 0s. A representação digital pode estar baseada
na discretização do sinal analógico. Um sinal analógico possui infinitos
valores de tensão em um intervalo de tempo qualquer. Já os sinais
digitais possuem apenas um número limitado de valores. Geralmente
tais sinais possuem uma representação em dois níveis. (Pereira, 2008,
p. 2, citado por Garrido, 2016)

TEMA 5 – PERSPECTIVAS ANALÓGICAS, DIGITAIS E VIRTUAIS COABITANDO


CENÁRIOS (PARTE II)

De um ponto de vista de cérebro humano, o que nesta discussão converge


na memória, por exemplo, ao comprarmos os sinais analógicos e os digitais,
poderíamos dizer que nossos cérebros não possuem condições de
armazenamento de informações de um ponto de vista analógico, haja vista nossa
capacidade limitada de neurônios para tudo, e nosso acesso a isso também. Na
fisiologia cerebral temos aproximadamente 100 bilhões de neurônios; entretanto,
apenas cerca de 1 bilhão deles têm uma função no armazenamento de
recordações antigas, os quais são chamados de células piramidais; se não fossem
a relações neurais, as redes sinápticas não funcionaríamos.
O processamento analógico é uma vertente quase abandonada em virtude
dos adventos do digital e do virtual, entretanto, ainda temos traços e estruturas
cognitivas formadas pelo analógico. Sua gênese pode tanto circundar o
pensamento de Pitágoras, no qual o analógico “[…] supõe certo rigor matemático
e medida exata dos campos conectados” (Santos, 2011, p. 3, citado por Garrido,
2016), quanto pondera a perspectiva do analógico diante da lógica moderna e da
base do digital de Aristóteles, na qual:

[...] segundo ele, semelhança deve ser estudada, em primeiro


lugar nas coisas que pertencem a gêneros diferentes. Devem-
se estudar as coisas que pertencem a um mesmo gênero para
ver se todas elas possuem um atributo idêntico. Analogia do
ser. Influência sobre a escolástica (Santos, 2011, p. 3, citado
por Garrido, 2016).

Segundo Heráclito, o virtual é a expansão do status quo, ou seja, em uma


releitura de mundo, o mesmo mundo visto e obviamente executado de outra
forma, com outros óculos. Nessa perspectiva, coabitar os mundos do digital e do
virtual (sem esquecer obviamente do analógico) são dissidências do mundo atual,
de nosso cotidiano, e não só de educação ou sala de aula, mas de comunicação
ou de comportamento, como usualmente se propagam.
Assim nossos processos cognitivos precisam ser compreendidos e
explicados mais do que nunca pelo arcabouço bem-vindo da interdisciplinaridade,
12
uma vez que congrega diferentes áreas do conhecimento e que circundam o
próprio ser humano, como é o caso das neurociências cognitivas e de suas
interlocuções com as aprendizagens, e com a construção do pensamento.
Esse novo cérebro cognitivo, ainda carregado dos condicionantes
emocionais, de todas as sensações, inclusive as que se transformam em função
do modus operandi menos analógico e mais conectado (exemplo de provocação,
será que ainda sentimos tanto com o tato?), de memórias, percepções, instintos
e intuições, de tempos diferentes sincrônicos e lineares, de deduções (abstrações)
e de criações (imaginações e ilusões) obriga-se a constantes tomadas de
decisões, em prol de sobrevivência a curto e longo prazos; a longo prazo significa
a realização de sinapses; a curto prazo, a evocação das memórias previamente
construídas.
Os processos cognitivos de interesse para esse estudo são os atributos de
fato neurocognitivos, da ordem das funções cognitivas alteradas ou ao menos,
afetadas pelo advento de formas e velocidades diferentes de processamento das
informações para transformação em conhecimentos, citando aqui a virtualidade
como um desses adventos, conforme trecho de uma entrevista de Lévy (Correio
do Povo, 2015):

Tem uma canção brasileira famosa que diz, “ainda somos os


mesmos e vivemos como nossos pais”. Depois da internet,
somos os mesmos e vivemos como nossos pais ou nos
separamos deles? Pierre Lévy: Continuamos seres humanos
encarnados e mortais, felizes e infelizes. A condição humana
fundamental não muda. O que muda é a nossa cultura material
e intelectual. O nosso potencial de comunicação multiplicou-se
e distribuiu-se no conjunto da sociedade. A percepção do
mundo que nos cerca aumentou e tornou-se mais precisa. A
nossa memória cresceu. A nossa capacidade de análise, de
situações complexas a partir de massas de dados vão, em
breve, transformar a nossa relação com o meio ambiente
biológico e social. Graças à quantidade de dados disponíveis
e ao crescimento de nosso poder de cálculo, vamos
provavelmente experimentar no século XXI uma revolução das
ciências humanas comparável à revolução das ciências
naturais no século XVII.

As dissidências desses impactos na aprendizagem devem, inclusive,


circundar a formação de professores na medida em que as tendências de redes
sociais aumentam geometricamente em termos de consumo, prevendo
necessariamente metodologias mais ativas de aprendizagem, aprendizagens
mais personalizadas, modelos blended de ensino e objetos cada vez mais digitais
nas bibliotecas, dentre outras ações, já difundidas pelos relatórios do NMC
Horizon Report (2014 – 2015).

13
REFERÊNCIAS

BREUNING, L. Gr. Habits of a Happy Brain: Retrain Your Brain to Boost Your
Serotonin, Dopamine, Oxytocin, & Endorphins Levels. Massachussets: Adam
Media Corporation, 2016.
CORREIO DO POVO. Pierre Lévy: a revolução digital só está no começo. Correio
do Povo, 12 abr. 2015. Disponível em:
<https://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/pierre-l%C3%A9vy-a-
revolu%C3%A7%C3%A3o-digital-s%C3%B3-est%C3%A1-no-come%C3%A7o-
1.305512>. Acesso em: 25 set. 2019.

GARRIDO, S. Modelagem de Observação cognitiva em ambiente digital


acompanhada de Impressões eletrofisiológicas. Tese de Doutorado –
Programa de Pós-Graduação em Neurociências da Universidade Federal do Rio
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<http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/13749/000649327.pdf?sequen
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(Org.). Educação a Distância: o estado da arte. São Paulo: Pearson, 2012. v. 2.

_____. O digital, o virtual e o analógico: diálogo cognitivo para aprendizagem


como elemento articulador da prática. In: SILVA, M. C. B. (Org.). Práticas
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GREEN, C. S.; BAVELIER, D. Enumeration versus multiple object tracking: the


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Con-stant Connection. Nova York: Penguin, 2014.

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LORENZONI, M. Gamificação: o que é e como pode transformar a aprendizagem.


Geekie, 26 jul. 2016. Disponível em:
<https://www.geekie.com.br/blog/gamificacao/>. Acesso em: 25 set. 2019.

14
LYMAN, L. L. Brain science for principals: what school leaders need to know.
London: Rowman & Littlefield, 2016.

SIMULARE. Gamificação corporativa: entenda como ela pode impactar


resultados. Simulare, 25 abr. 2018. Disponível em:
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Acesso em: 25 set. 2019.

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<https://pt.wikipedia.org/wiki/Sinal_anal%C3%B3gico>. Acesso em: 25 set. 2019.

15
AULA 6

NEUROEDUCAÇÃO E
NEURODIDÁTICA: COMO O
CÉREBRO APRENDE

Profª Susane Garrido


CONVERSA INICIAL

O cérebro em boa forma

A presente aula aborda a questão da vida saudável e das correlações


cognitivas, na medida em que somos um sistema complexo e, em o sendo, é
preciso tomar conta do todo para podermos evoluir sempre e de forma saudável,
como espécie.

TEMA 1 – DADOS ALARMANTES DE UMA VIDA NÃO SAUDÁVEL

De acordo com o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br, citado por


Crianças, 2018), no ano de 2017 um número grande, de cerca de 25 milhões de
crianças, entre 9 a 17 anos, teve acesso à internet; dessas crianças, mais de 90%
disseram visualizar conteúdo no celular e mais de 70% acessam seus dispositivos
mais de uma vez por dia. Embora pareça ser essa uma notícia boa, pelo fato de
que há um número alto de pessoas com acesso à internet no país, o fato é que,
em abrangendo crianças; e, ainda, e sendo essa concentração não igualitária, em
termos de sua distribuição pelas regiões brasileiras – já que a concentração desse
número está na Região Sul e na Região Sudeste, mais ainda nas cidades maiores
–, trata-se de um número preocupante (Crianças, 2018).
Na Região Sul, por exemplo, 93% das crianças têm acesso à internet,
enquanto na Região Norte esse número é de apenas 77%. Esses dados referem-
se especificamente ao acesso em casa. O Cuponation ([201-]), plataforma de
descontos pertencente à alemã Global Savings Group, compilou, num infográfico
interativo, o ranking de acesso das crianças, por região do país, disponível em:
<https://www.cuponation.com.br/insights/criancas-online>.
O uso excessivo de internet e em dispositivos diversos, quase sempre
móveis, como o caso dos celulares, smartphones, tablets, entre outros, gera uma
atividade denominada multitarefa, a qual não possui absolutamente nada de
eficiência, como, pelo senso comum, é usualmente divulgado.
Autores como John Hattie e Gregory Yates (2014) oferecem um conjunto
de definições para multitarefa. Para eles, o termo pode ser aplicado a qualquer
uma das seguintes situações:

• o cérebro realizar duas ou mais atividades simultaneamente;

2
• realização de múltiplos objetivos em um único período de tempo,
alternando-se tarefas;
• foco em um objetivo principal, mas periodicamente permitindo-se
realização de outras tarefas ou atendimento de objetivos secundários;
• quando, de forma consciente, divide-se o tempo atendendo a várias tarefas
essencialmente não exigentes, tais como monitorar e-mail, cuidar de algo
no forno ou ouvir um programa de rádio (Hattie; Yates, 2014, p. 187-188).

Entretanto, de acordo com Pinker (2002, 2005) o cérebro é binário, ou seja,


apresenta um comportamento e condições de âmbito computacional digital, de
opções por 0 ou 1, o que significa que atenta para um ou outro fenômeno, mas
nunca para dois ou mais, simultaneamente; aliás, essa característica atencional
da mente provém da percepção visual, função cognitiva já tratada anteriormente
em outra aula, a qual mostra que a visão humana ocorre em duas dimensões e
meia e que ainda temos uma paralaxe bilateral, a qual explica que não
enxergamos a mesma coisa pelos dois olhos e nem tampouco vemos nada em
três dimensões com profundidade, o que, caso ocorresse, transformaria a visão
em algo enxerga fatos de forma simultânea. Mas, não: ou vemos algo ou vemos
outro algo.
Assim, sempre que resolvermos realizar duas ou mais tarefas ao mesmo
tempo, estaremos fadados ao insucesso, pois apenas uma de cada vez terá êxito;
podemos até atuar simultaneamente em várias tarefas, mas certamente só
daremos atanção a cada uma de cada vez, nunca a todas simultaneamente, pois
não dispomos desses recursos, em se tratando de aparatos neurais de nossos
cérebros.

TEMA 2 – A RELAÇÃO ENTRE DORMIR E MANTER UM CÉREBRO SAUDÁVEL

Iniciamos a abordagem da relação entre dormir e manter um cérebro


saudável com duas frases, praticamente duas sentenças: I love sleep. My life has
the tendency to fall apart when I’m awake, you know? – o que pode ser traduzido
como: “Eu amo dormir e minha vida pode tende a falhar quando eu acordo”, de
Ernest Hemingway (citado por Lymann, 2016, p. 39, tradução nossa); e uma
segunda, do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (2013, citado
por Lymann, 2016, p. 39), que afirma que “[…] insufficient sleep has been linked
to the development and management of a number of chronic diseases and

3
conditions, including diabetes, cardiovascular disease, obesity, and depression”,
ou seja, que “o sono insuficiente está conectado ao desenvolvimento de doenças
crônicas como diabetes, doenças cardiovasculares, obesidade e depressão”.
Vamos, novamente, mostrar dados alarmantes envolvendo crianças.
Segundo Lymann (2016), um estudo de 2014, realizado pela Fundação Nacional
do Sono estadunidense, descobriu que a análise da presença da tecnologia no
quarto onde se dorme é um fator-chave para saber se adultos e crianças estão
tendo um sono adequado. A tecnologia pode ser representada por uma televisão,
um videogame, um smartphone, um laptop, um tablet, um tocador de MP3 ou um
rádio. Uma televisão era a tecnologia de quarto mais comum. De acordo com o
estudo examinado, “[...] 72% das crianças entre 6 e 17 anos geralmente têm pelo
menos um desses cinco tipos de aparelhos no quarto. Quarenta e cinco por cento
dessas crianças têm pelo menos dois dos cinco tipos de dispositivos eletrônicos
em seus quartos, sendo que 27% delas têm três ou mais dispositivos” (Lymann,
2016, tradução nossa).
Mas, e os adolescentes? Ainda segundo o estudo (Fundação Nacional do
Sono, citada por Lymann, 2016), adolescentes na faixa dos 14 anos são os mais
prejudicados com a provação de sono, uma vez que estão com uma produção de
hormônios algébrica. As próprias alterações do padrão de sono nos adolescentes
são causadas por hormônios. Os cientistas descobriram que a melatonina, o
hormônio do sono, é liberado mais tarde na adolescência do que em adultos e
crianças. Em geral, corpos adultos começam a liberar melatonina entre 9 horas e
22 horas, enquanto corpos de adolescentes começam a liberar melatonina entre
as 23 horas e meio-dia. Portanto, há uma razão biológica pela qual os
adolescentes vão dormir mais tarde (Lymann, 2016).
Nesse sentido, dormir não só faz bem às pessoas, como é por demais
necessário para o desenvolvimento e a manutenção da saúde humana. Em
termos cognitivos, a falta ou a privação de sono podem provocar diminuição da
habilidade de aprender em cerca de 40%, de acordo com o Instituto Nacional de
Saúde norte-americano (citado por Hershner; Cervin, 2014).
Os processos de absorção de memórias entram, nesse cenário, para
explicar como essas modulações de aprendizagem ocorrem ou não. Assim, é
importante mencionar duas estruturas cerebrais, o hipocampo e o neocórtex. O
hipocampo armazena novas informações ou memórias de curto prazo e tem uma
quantidade limitada de capacidade de armazenamento de memória. O neocórtex

4
tem uma quantidade maior de capacidade de armazenamento de memória e
armazena memórias de longo prazo.
É mais provável que as informações armazenadas no hipocampo sejam
perdidas, enquanto as informações armazenadas no “[...] neocórtex serão mais
estáveis e terão maior probabilidade, se praticadas, de se tornarem memórias de
longo prazo” (Doyle; Zakrajsek, 2013, tradução nossa).
Portanto, o neocórtex e o hipocampo estão intimamente envolvidos com o
aprendizado e o sono. No processamento das memórias, como já visto na primeira
aula, há um movimento cognitivo intimamente ligado ao nosso sensorial, para
absorção das informações, e às percepções que temos com base em nossas
memórias anteriores. Assim, durante o sono, nossas memórias de curto prazo,
armazenadas no hipocampo, são transferidas para o armazenamento de memória
de longo prazo, no neocórtex, o qual mantém a memória de uma forma mais
estável. Na verdade, todo o movimento de estocagem de memórias, tanto o de
curto prazo, pelo hipocampo, quanto o de longo prazo, pelo neocórtex, dá-se
durante o sono.
A Figura 1 ilustra as regiões do neocórtex e do hipocampo, no cérebro
humano.

Figura 1 – Localização do hipocampo e do neocórtex, importantes para a memória


e o aprendizado

Crédito: Thyago Macson

5
TEMA 3 – A RELAÇÃO ENTRE COMER E MANTER O CÉREBRO SAUDÁVEL

Se você não tem uma dieta saudável e equilibrada e não come antes de
começar um novo aprendizado, estará privando seu cérebro da energia
necessária para ele funcionar adequadamente. (Doyle; Zakrajsek,
citados por Lymann, 2016, p. 45, tradução nossa)

A frase de Doyle e Zakrajsek (citados por Lymann, 2016, p. 45), por si, já
demonstra a necessidade de haver uma dieta balanceada e de cada um alimentar-
se antes de aprender, sob o risco de você privar seu cérebro da energia de que
carece a própria aprendizagem.
Uma das coisas mais interessantes sobre o cérebro humano é que ele
busca a sobrevivência. Conforme Enz e Stamm (2013, p. 45):

O cérebro é o órgão mais metabolicamente ativo do corpo. Portanto, é


altamente dependente de um suprimento contínuo de combustível –
glicose no sangue (184). [...] O cérebro tem apenas 1/40 do peso do
corpo, mas seu consumo de glicose é igual a um quinto do consumo total
do corpo (184). Quando operando normalmente, o cérebro adulto gera
eletricidade suficiente para alimentar uma lâmpada de vinte e cinco
watts.

Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças norte-americano (2014)


descrevem recomendações de alimentos saudáveis, como carboidratos
complexos, que são frequentemente encontrados em frutas, cereais integrais e
vegetais, para uma nutrição de qualidade e que forneça máxima energia. Esses
centros, assim como ocorre no Brasil, costumam recomendar evitar os
carboidratos simples, que incluem açúcar e farinha branca, como donuts, pães
brancos e bagels, porque, do ponto de vista do seu impacto no cérebro humano,
esses carboidratos alimentam o cérebro por um curto espaço de tempo, embora
de uma forma concentrada, além de provocarem um aumento nas taxas dos
açúcares.
Outro aspecto interessante de nosso processamento vital, de um ponto de
vista saudável, é que o cérebro é composto de aproximadamente 80% de água e,
durante uma noite de sono, uma pessoa pode perder uma quantidade significativa
de água e, ao despertar, estar desidratada, processo esse que afetará certamente
o desempenho de aprendizado do cérebro, uma vez que os neurônios retêm a
água em pequenas estruturas semelhantes a balões, conhecidas como vacúolos
(Medina, 2014, citado por Lymann, 2016).
A água é necessária para a produção de hormônios e neurotransmissores
no cérebro, componentes críticos para o seu sistema de comunicação. Uma

6
pessoa que está desidratada pode, em última análise, sentir fadiga, falta de
concentração e habilidades cognitivas reduzidas (Lymann, 2016, p. 47).
Algumas iniciativas de instituições sem fins lucrativos – assim como do
próprio governo norte-americano, que fornece serviços de cuidados aos
estudantes das escolas americanas –, como instituições de cuidados infantis
residenciais, têm surgido e surtido efeitos positivos no rendimento escolar, em
todos os sentidos. A School Breakfast Program (SBP) e o Programa Nacional de
Almoço Escolar norte-americano (NSLP) fornece assistência em dinheiro aos
estados, para operarem programas de café da manhã. “Em 2014, cerca de 7,4
milhões de crianças, em mais de 72 mil escolas, começaram o dia na escola com
comida da SBP” (Lymann, 2016, p. 46, tradução nossa).
No Brasil, um dos pontos de partida da Organização Mundial da Saúde
(OMS) para garantirmos cérebros saudáveis e com condições cognitivas máximas
tem sido avaliar as práticas de aleitamento materno e de alimentação
complementar, o consumo alimentar, o estado nutricional antropométrico infantil
e durante a gestação e a deficiência de micronutrientes entre crianças brasileiras
menores de 5 anos (OMS, 2019).
Em face das dificuldades socioeconômicas por que cerca de 80% da
população brasileira passa, a OMS, em 2019, criou cinco metas para a
alimentação e nutrição saudável, as quais se descrevem como:

1. Comer alimentos saudáveis: combinar milho, arroz, batata, inhame,


mandioca, legumes, vegetais, frutas e alimentos provenientes de fontes
animais (carne, peixe, ovos e leite) para uma dieta mais equilibrada.
2. Reduzir sal e açúcar: limitar a quantidade de sal e condimentos com muito
sódio ao cozinhar, como molho de soja e molho de peixe; evitar alimentos
ricos em sal e açúcares, como refrigerantes e lanches de fast-food;
escolher frutas no lugar de bolachas, bolos e chocolates.
3. Moderar o consumo de gorduras: usar óleos vegetais não saturados –
azeite, óleo de soja, girassol ou de milho em vez de manteiga, ghee, óleo
de coco, óleo de palma e banha; escolher carne branca – frango ou peixe;
reduzir a quantidade de carnes processadas; optar por versões de baixo
teor de gordura; evitar frituras.
4. Consumir livremente frutas e legumes.
5. Amamentar: alimentar bebês exclusivamente com leite materno, até os
seus 6 meses de idade; introduzir uma variedade de alimentos nutritivos

7
para complementar a amamentação a partir dos 6 meses de idade dos
bebês; amamentar as crianças com leite materno até 2 anos de idade,
aproximadamente, complementando a alimentação; não adicionar açúcar
ou sal em alimentos para bebês e crianças pequenas (OMS, 2019).

Outras ações também prometem melhorar os distúrbios nutricionais das


crianças no Brasil, como a Política da Atenção Básica, a Política de Atenção
Integral à Saúde da Criança, o Guia Alimentar e o Programa Nacional do
Suplemento de Ferro.

TEMA 4 – A RELAÇÃO ENTRE OS EXERCÍCIOS E A COGNIÇÃO

Há uma frase máxima de John Medina que diz que “exercícios não fazem
você mais inteligente, mas fazem você normal”. O trabalho do psiquiatra de
Harvard, John Ratey, conforme Medina (citado por Lymann, 2016) sobre
exercícios e o cérebro, concentra-se em três maneiras pelas quais o exercício
pode melhorar o aprendizado: “Primeiro, ele otimiza sua mentalidade para
melhorar o estado de alerta, atenção e motivação; segundo, prepara e encoraja
as células nervosas a se ligarem umas às outras, o que é a base celular para o
registro de novas informações; e terceiro, estimula o desenvolvimento de novas
células nervosas com base em células-tronco, no hipocampo” (Medina, citado por
Lymann, 2016, tradução nossa).
A OMS, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças e a Fundação
Nacional do Sono estadunidenses recomendam, para crianças e adolescentes
entre 5 e 17 anos, cerca de mais de 60 minutos de exercícios aeróbicos diários,
dos tipos moderados a vigorosos.
O Centro de Controle e Prevenção de Doenças e a Fundação Nacional do
Sono (2014) recomenda ainda que os jovens de 6 a 17 anos de idade participem
de pelo menos 60 minutos de atividade física diária.
A atividade física é composta de três tipos – atividades aeróbicas, de força
muscular e fortalecimento ósseo.
Iniciativas simples, por exemplo a realização de alguns ensaios, em escolas
norte-americanas, que passaram a iniciar as aulas em horários mais tarde, por
volta de 8h30min e 8h40min, têm impactado positivamente os rendimentos
escolares, como são os casos das escolas Edina (em Minneapolis) e Milwaukee
High Schools. Os resultados são surpreendentes:

8
Cada uma delas experimentou taxas de frequência mais elevadas,
aumentou as pontuações dos testes padronizados, reduziu as taxas de
depressão e melhorou as taxas de graduação. Inicialmente, houve
oposição à mudança; mas, depois de ver os resultados, ambas as
escolas mantiveram o início das aulas mais tarde, até hoje (Lymann,
2016, tradução nossa).

Ainda se cita a pesquisa de relevância do psiquiatra de Harvard, John


Ratey (2008), sobre exercícios e o cérebro, segundo a qual:

a. os exercícios físicos (se realizados corretamente e com orientação)


otimizam a mente para melhorar o estado de alerta, atenção e motivação
do indivíduo;
b. eles preparam e promovem as células nervosas a se ligarem umas às
outras, o que é a base celular para o registro de novas informações, ou
seja, as das sinapses.
c. por último, os exercícios estimulam o desenvolvimento de novas células
nervosas com base em células-tronco, no hipocampo (Ratey, 2008, 2016,
p. 50).

Ainda segundo a pesquisa de Ratey (2008), o exercício físico libera uma


proteína chamada fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF), considerada a
molécula da aprendizagem, que mantém as células cerebrais funcionando e
crescendo, a qual foi descoberta por Carl Cotman, em 1995. Em suma,
considerando-se essa célula a promovedora da aprendizagem de fato, quanto
maior a quantidade de BDNF, mais se pode afirmar que “[...] seu cérebro é mais
capaz de fazer as conexões entre as células cerebrais (redes neurais) que são a
representação física do que você aprendeu” (Doyle; Zakrajsek citados por
Lymann, 2016).

TEMA 5 – A RELAÇÃO ENTRE MOVIMENTO E COGNIÇÃO

Os sistemas motores do cérebro são essenciais para o aprendizado dos


alunos. Eles são os primeiros sistemas a serem desenvolvidos durante nosso
crescimento, desde o nascimento e, portanto, especialmente críticos nas séries
iniciais de estudo (Gogtay et al., 2004; Hannaford, citado por Lymann, 2016).
O que é menos comumente entendido é que os sistemas motores são
bases para os sistemas de atenção e que o movimento ajuda a construir as redes
frontais do cérebro, que são críticas para com as funções executivas.
Ironicamente, a eliminação do recesso, em favor de mais conteúdo acadêmico,
por parte de alguns administradores bem-intencionados, pode estar contribuindo
9
para um aumento dos problemas de atenção e para um pior funcionamento
executivo cognitivo.
Como vimos nas aulas anteriores, a neuroplasticidade é uma capacidade
humana fundamental para nosso desenvolvimento e evolução no planeta;
entretanto, ela depende de atividades e experiências. Para sistemas motores, isso
significa movimento.
Podemos perceber isso nas ações do bebê antes de ele falar, pois ele
balbucia; o balbucio é um processo natural que ocorre porque os sistemas de
linguagem do cérebro estão começando seus primeiros estágios de
desenvolvimento. Esse fenômeno não é ensinado pelos pais, é um aprendizado
inato e baseado no movimento; assim, se a criança for impedida de balbuciar ou
de realizar esse movimento, não irá aprender a falar, pois regiões e redes
imprescindíveis para que isso aconteça não se desenvolverão.
O mesmo ocorre quando nos movimentamos antes de andarmos, seja
engatinhando, seja nos arrastando, seja nos sentando, mas sempre em
movimento.
Ao crescermos, nossos movimentos conectam-se diretamente às nossas
intenções de os realizarmos, sobretudo em sujeitos saudáveis, que não
acometidos de alguma doença ou degeneração que cause movimentos
involuntários, como o que ocorre com pessoas com Parkinson, por exemplo.
Segundo Schultz (citado por Lymann, 2016), essa intenção está
diretamente ligada à força de vontade e motivação e atua intimamente com a
aprendizagem. Entradas sensoriais do corpo passam por uma rede central do
cérebro, os gânglios da base, críticos não apenas para com o controle motor, mas
também centrais para as redes de motivação e aprendizagem. Além disso, essa
rede é aquela que foi implicada no transtorno do déficit de atenção com
hiperatividade (TDAH) (Rommelfanger; Wichmann, citados por Lymann, 2016). A
falta de oportunidade para o movimento leva à diminuição das chances de se
formar essas importantes conexões neurais, podendo causar problemas de
motivação, atenção e aprendizado na vida adulta.
Uma constatação de relevância para tratarmos de formas mais ativas ou,
ao menos, mais híbridas para as aprendizagens se desenvolverem em sala de
aula é observarmos que os comportamentos dos meninos e meninas, desde a
infância, são diferentes, também, porque o sistema motor, melhor denominado
sistema sensório-motor, não tem somente a ver com movimento físico e sim,

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ainda, com a neuroplasticidade. No caso das meninas, estas possuem seus
centros verbais cerebrais, áreas da linguagem, mais desenvolvidos antes mesmo
dos meninos, os quais necessitam mais dos movimentos para ativarem esses
centros e, portanto, as aprendizagens subsequentes. Assim, as metodologias que
privilegiam o ler e o ouvir facilitam a aprendizagem das meninas e não a dos
meninos, pois estes precisam do movimento, em que pese que,
independentemente de gêneros, ambos precisam de movimento para
continuarem o desenvolvimento da plasticidade de seus cérebros.
Atualmente, o movimento, associado a atividades físicas como o yoga e a
meditação, por exemplo, se relacionam, em nossa vida cotidiana, com exercícios
de desenvolvimento de plasticidade, por acionarem áreas cerebrais não só
motoras, mas de expansão do córtex, bem como ativações do sistema límbico,
equilibrando o aspecto emocional dos indivíduos.

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REFERÊNCIAS

CRIANÇAS do Brasil passam 50% mais tempo na internet do que a média global.
Redação E-Commerce Brasil, 18 out. 2018. Disponível em:
<https://www.ecommercebrasil.com.br/noticias/criancas-do-brasil-passam-50-de-
tempo-mais-na-internet-do-que-media-global/>. Acesso em: 11 out. 2019.

CUPONATION. As crianças e a internet. São Paulo, [201-]. Disponível em:


<https://www.cuponation.com.br/insights/criancas-online>. Acesso em: 11 out.
2019.

HERSHNER, S.; CERVIN, R. Causes and consequences of sleepiness among


college students. Nature and Science of Sleep, v. 6, p. 73-84, 2014. Disponível
em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4075951/>. Acesso em: 13
out. 2019.

LIRA, L. Os benefícios intelectuais de dormir. Pet News, dez. 2007. Disponível


em: <http://www.dsc.ufcg.edu.br/~pet/jornal/dezembro2007/saude.html>. Acesso
em: 13 out. 2019.

LYMANN, L. Brain sciences for principals. Lanham: Rowman & Littlefield, 2016.

OMS divulga 5 metas simples para alimentação mais saudável. Minha Vida
Editorial, 18 fev. 2019. Disponível em: <https://www.terra.com.br/vida-e-
estilo/minha-vida/oms-divulga-5-metas-simples-para-uma-alimentacao-mais-
saudavel,9796b33722d6cbaeb6687d2c337b1ea1lkv6oyoa.html>. Acesso em: 13
out. 2019.

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PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
PLANO DE ENSINO

DISCIPLINA: Neuroeducação e Neurodidática: Como o Cérebro Aprende


CARGA HORÁRIA: 30h
PROFESSOR RESPONSÁVEL: Susane Martins Lopes Garrido

EMENTA
Fatores cognitivos e emocionais e sua interrelação. Exercício da atenção. Treino da memória. Repetição: é
preciso repetir? Motivação é fundamental. Papel do sono, da alimentação e da água na aprendizagem.

BIBLIOGRAFIA BÁSICA
ATAGIBA, Diana de Castro. Neurociência educacional [livro eletrônico]. Curitiba: Intersaberes, 2022.

FREIRE, Kátia, Regina Lopes Costa. LAUTENSCHLAGER, Etienne (orgs.). Neurociêncua e educação: diálogos
possíveis. Jundaí, SP: Paco, 2021.

SILVA, Fábio Eduardo da. Neurociência e aprendizagem uma aventura por trilhas da neuroeducação [livro
eletrônico]. Curitiba: Intersaberes, 2021.

Bibliografia Complementar
CAMINHA, R; CAMINHA, M; GARRIDO, T. Regulação emocional na Infância. 2018. Porto Alegre.

LAKOMY, Ana Maria. Teorias Cognitivas da aprendizagem. Curitiba: Intersaberes, 2014.

MARTI, A. C. I.; GARCIA-CAMPAYO, J.; DEMARZO, M. Mindfulness e ciência: da tradição à modernidade. São
Paulo: Palas Athena, 2016.

SANTOS, Fernando L. W. dos. Coaching e neurocoaching aplicada à neuropsicopedagogia (recurso


eletrônico). Curitiba: Contentus, 2021.

SILVA, Fábio Eduardo da. Neurociência e aprendizagem: uma aventura por trilhas da neuroeducação.
Curitiba: InterSaberes, 2021.

PROCEDIMENTOS CRITÉRIOS
1. Atividade Pedagógica online. Atividade online: realizada individualmente, com ou sem a presença do
(peso 4) orientador educacional. Para realizar a atividade, acesse o LINK
AVALIAÇÕES na página da disciplina.
2. Participação nos fóruns. Fórum para discussão de assuntos referentes à disciplina. Momento de interação
entre os alunos de participação facultativa.
3. Tutoria. Entre em contato sempre que precisar para esclarecer dúvidas ou fazer solicitações
através do link Tutoria.
4. Prova objetiva online em polo Realizada individualmente, com a presença do orientador educacional no
presencial. (peso 6) polo de apoio presencial e sem consulta. Realização através do aplicativo
instalado no computador do polo. Verifique o cronograma na página inicial
do UNIVIRTUS.
Instruções importantes:
•A avaliação contém 10 questões objetivas, escolhidas pelo sistema
randomicamente;
•Confira se assinalou todas as questões;
•Para cada questão, escolha somente uma das alternativas de resposta;
•Você deverá concluir a avaliação em 1 (uma) hora;
•O seu gabarito será disponibilizado logo após o término do prazo para
realização desta avaliação.

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