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Psicopedagogia:
pressupostos teóricos
Fundamentos da Psicopedagogia 9
1 Psicopedagogia: pressupostos teóricos
1.1 Psicopedagogia
Vídeo
A própria história de inserção da psicopedagogia como área de conhe-
cimento, no que se refere às visões sobre seu objeto de estudo, nos leva a
refletir sobre a importância de consideramos o processo histórico como fun-
damental para entendermos a compreensão ampliada do processo de apren-
der, que vai muito além da aplicação da psicologia à pedagogia, como muito
se tem escrito sobre a psicopedagogia.
Segundo Veiga (2014), a palavra psicopedagogia possui em sua constituição dois termos: psico-
logia e pedagogia. A autora faz uma análise da origem grega da palavra psicologia, sendo que psico
significa alma ou atividade da mente, e logia, termo que significa estudo. Portanto, a psicologia
pode ser entendida como o estudo do comportamento humano, o qual é decorrente dos proces-
sos mentais tais como: percepção, atenção, memória, inteligência, entre outros. A palavra pedago-
gia, segundo a mesma autora, tem origem na Grécia Antiga. O termo paidés significa criança e ago,
conduzir. A pedagogia, portanto, é compreendida como um campo do conhecimento que tem
por objeto de estudo a educação e o processo de ensino e aprendizagem.
Dessa forma, fica claro como o significado de psicopedagogia está ligado a todas as disciplinas
que estudam o processo de aprendizagem, levando em conta os processos mentais responsáveis
pela sua aquisição. A psicopedagogia surge na tentativa de integrar conhecimentos, objetivando
a construção de um corpo teórico que possa dar sustentação eficaz à sua práxis, sem dividir o
sujeito da aprendizagem, para compreender como este aprende.
O status interdisciplinar da psicopedagogia requer um mergulho em áreas de estudo que
antes pareciam ser distantes das explicações que se buscavam para as dificuldades no aprender,
bem como uma transformação que perpassa níveis pessoais do profissional estudioso dessa área.
Não só o conhecimento teórico sobre psicologia da aprendizagem, psicologia genética, teorias
da personalidade, pedagogia, fundamentos da biologia, linguística, psicologia social, filosofia,
ciências neurocognitivas, mas, principalmente, a capacidade de articular esses conhecimentos e
manter o compromisso ético e social na prática e na investigação científica do processo de apren-
der, formam o alicerce da prática psicopedagógica.
Segundo Bossa (2000, p. 21), o termo psicopedagogia distingue-se em três conotações: como
uma prática, como um campo de investigação do ato de aprender e como um saber científico.
Portanto, é importante que se tente entender a psicopedagogia como uma área que vem, ao longo
de sua história, criando um corpo teórico próprio, sistematizando instrumentos capazes de dar
conta de suas investigações, não se propondo a especializar um profissional dando a ele somente
parte do que lhe falta.
1.2 Aprendizagem
Vídeo
É consenso de diferentes autores que o objeto de estudo da psicopedagogia é
o processo de aprendizagem. Embora esse consenso esteja presente, as definições
sobre esse processo são complexas e dificilmente dão esse assunto por encerrado.
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Segundo Bossa (2000, p. 20), “[...] a concepção de aprendizagem é o resultado de uma
visão de homem e é em razão desta que acontece a práxis psicopedagógica”. Portanto, não
podemos ficar observando perplexos as mudanças que vêm ocorrendo. Muitas questões se
impõem, levando-nos a rever antigos paradigmas de uma ciência tradicional.
Segundo Gómez e Terán (2009, p. 31), “a aprendizagem supõe uma construção que
ocorre por meio de um processo mental que implica a aquisição de um conhecimento novo.
É sempre uma reconstrução interna e subjetiva, processada e construída interativamente”.
A aprendizagem, como processo de construção, define-se como um efeito que, a partir
de uma articulação de esquemas, sugere a coexistência de dimensões para possibilitar ao ser
humano configurar uma dinâmica própria de funcionamento, caracterizando assim o seu
processo de aprendizagem. Muitos autores descrevem essas dimensões a partir de diferen-
tes axiomas, que perpassam as bases estruturais, funcionais, energéticas e sociais.
Pain (1986, p. 13) descreve a aprendizagem como um acontecimento histórico em que
coincidem um organismo, uma etapa genética da inteligência e um sujeito associado a outras
estruturas teóricas. Nessa articulação de esquemas, pode-se incluir uma dimensão biológica
de caráter estruturante, uma dimensão cognitiva de continuidade biológica funcional, uma
dimensão social que se insere na dimensão da cultura, provendo a educação e a dimensão
afetiva que, definitivamente, personaliza o aprender, pois visualiza aspectos estruturais da
personalidade dos agentes desse processo.
Jorge Visca1 apresenta a aprendizagem como um esquema evolutivo com base intera-
cionista, estruturalista e construtivista. Para ele, aprendizagem, portanto, é o “[...] resultado
de uma construção (princípio construtivista) dada em virtude de uma interação (princí-
pio interacionista) que coloca em jogo a pessoa total (princípio estruturalista) [...]” (VISCA,
1987a, p. 56).
Tomando esses aspectos como base, é importante que a noção que se constrói sobre
um processo de aprendizagem esteja respaldada no conhecimento das possíveis condutas
aprendíveis do sujeito, dentro de um determinado contexto sociocultural, em função das
competências por ele adquiridas nos distintos níveis de aprendizagem. Conceitos contem-
porâneos sobre a aprendizagem vêm confirmar esse pensamento quando afirmam que “a
aprendizagem é um processo integral que ocorre desde o princípio da vida. Exige de quem
aprende o corpo, o psiquismo e os processos cognitivos que ocorrem dentro de um sis-
tema social organizado, sistematizado em ideias, pensamento e linguagem” (RISUENO;
LAMOTTA apud GOMEZ; TERÁN, 2009, p. 32).
Pain (1986), postulando fundamentos teóricos para classificar a noção de não apren-
dizagem como processo diferente de aprendizagem, descreve o processo de aprendiza-
gem sistemática e assistemática como inscrito na dinâmica da transmissão da cultura, que
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constitui a definição mais ampla da palavra educação. Para isso, a autora descreve quatro
funções da educação, que podem explicar o papel reprodutor social da escola como espaço
de sistematização da educação, referido anteriormente.
Segundo Pain (1986), a função mantenedora da educação reproduz em cada indivíduo
o conjunto de normas que regem a ação possível, sendo que a conduta humana se realiza por
meio da instância ensino-aprendizagem. A função socializadora transforma o indivíduo em
sujeito, quando ele aprende modalidades de ações, regulamentadas por normas, que trans-
formam o sujeito em sujeito social, identificado em um grupo. A função repressora conserva
e reproduz as limitações que o poder destina a cada classe e grupo social, segundo o papel
que lhe atribui na realização de seu projeto socioeconômico. Por fim, a função transformado-
ra da educação, nas contradições do sistema, opera mudanças que se transmitem por meio
de um processo, revelando formas peculiares de expressão.
Portanto, em função de um caráter tão complexo e contraditório da educação, a apren-
dizagem se dá simultaneamente como instância alienante e como possibilidade libertadora.
Essa concepção, que a autora postula, possibilita um entendimento mais amplo da neces-
sidade de se fazer uma leitura do processo de aprendizagem além dos muros da escola. É
necessário que se descompatibilize o processo de exercício de poder, por meio do qual a
escola efetiva a aprendizagem, para que se possa começar a visualizar a gama de relações
que se estabelece frente aos diversos contextos que inserem o sujeito na construção de seu
conhecimento. A aprendizagem é um processo que não se restringe somente à escola. Esta é
apenas um meio que promove a aprendizagem, pois o processo é produzido no sujeito nas
mais diferentes situações. O meio cultural ao qual pertence lhe impõe situações que são por
ele transformadas, algumas em bens pedagógicos.
Partindo dessa concepção de aprendizagem, pode-se conceituá-la como uma construção
que nasce da interação de aspectos estruturais ou cognitivos e energéticos ou afetivos, reagindo
num determinado contexto social, tornando-se um processo específico e individualizado, cons-
tituindo a modalidade de aprendizagem, ou seja, o jeito de aprender de cada um.
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A visão interacionista da Escola Psicanalista propõe um pensamento baseado em duas
classes de interação:
Interação interpsíquica – acontece entre o sujeito em relação ao meio, percebendo o que
ocorre entre ele e o seu meio externo, sua capacidade de reconhecer as individualidades, pen-
sando no processo interno da unidade de análise, sujeito – grupo – instituição – comunidade.
Interação intrapsíquica – acontece entre o sujeito e ele mesmo, sua capacidade de co-
nhecer-se e administrar seus sentimentos, considerando seus aspectos afetivos ou energéti-
cos e cognitivos ou estruturais, respaldados em bases biológicas.
Na proposta estruturalista, baseada na Escola da Psicologia Social de Pichon Rivière, a
aprendizagem não é uma função isolada, pois toda a personalidade compromete-se com a
aprendizagem, a conduta é sempre modificada em um todo integrado. Pode-se pensar sob
o foco de duas perspectivas: histórica ou evolutiva, unidade de análise da personalidade, e a
histórica ou situacional, sendo a unidade de análise da conduta. O interjogo dinâmico desses
sistemas, entre si e com o meio, é o que permite a evolução de cada nível e de um todo ca-
racterizando o movimento da aprendizagem.
A visão construtivista, baseada na Escola de Genebra, da epistemologia genética de
Piaget, concebe a aprendizagem em função de uma construção que se dá por meio do in-
tercâmbio entre sujeito e meio, em que estruturas mais primitivas, genéticas, são bases para
estruturas mais complexas. A construção é concebida nas relações entre lógica e aprendiza-
gem, sendo que a compreensão e o uso de estratégias diante de objetos e novas situações
dependem do nível de atividade lógica de quem aprende.
Portanto, o esquema evolutivo da aprendizagem (fig. 1), proposto por Visca (1991, p. 27),
respaldado teoricamente por esses três axiomas descritos, propõe que a mãe, não necessaria-
mente a mãe biológica, assume a função de iniciar o contato físico e emocional da criança com o
mundo a partir do nascimento. Assim vai se estabelecendo uma matriz de aprendizagem, a qual
vai ser um referencial para as diversas aprendizagens futuras que vão surgindo.
1° nível de Protoaprendiza-
Grupo familiar
aprendizagem gem
4° nível de Aprendizagem
aprendizagem sistemática
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No terceiro nível, com um grau de sensibilidade já bem mais ampliado, o sujeito passa
a entrar em contato com os diferentes eixos, as características culturais amplas, bem como
com o espaço geográfico de sua convivência rotineira e particular relacionado com sua co-
munidade próxima, passando a internalizar uma instrumentalização que lhe fornece conhe-
cimentos, atitudes e destrezas, permitindo-lhe um acesso à sociedade culturalmente defini-
da, na qual ele está inserido.
Esse nível é denominado aprendizagens assistemáticas, pois, segundo Visca (1991, p. 26),
[...] o caráter assistemático é dado, não porque nos âmbitos intrapsíquico e so-
cial falte organização de seus fatores constitutivos, mas sim porque intercâmbios
propostos pelo meio carecem do nível da consciência, graduação, ritmo e meto-
dologia com que se efetivam nas instituições educativas.
Caracteriza-se por um período em que o sujeito entra em contato com os níveis mais
complexos de sua cultura (eixo vertical). Por outro lado, conhece apenas lugares próximos,
como seu bairro, sua cidade (eixo horizontal). No entanto, esse processo das aprendizagens
assistemáticas é importante para o desenvolvimento do ser humano e indispensável para
que as aprendizagens sistemáticas se realizem com verdadeira significação, permitindo sua
instrumentação em função da cultura, à qual o sujeito pertence. Evidencia-se que a modali-
dade de aprendizagem nasce na forma que o sujeito opera com a realidade nas aprendiza-
gens assistemáticas.
No quarto nível, passa a estabelecer uma relação mais íntima com objetos e situações que a
sociedade veicula por intermédio das instituições educativas, que para Visca (1991, p. 26)
organizam-se [...] a partir do nível da educação primária, o qual possui subestá-
gios: o das aprendizagens instrumentais, o de conhecimentos fundamentais, o de
aquisições transculturais, o de formação técnica e o de aperfeiçoamento profis-
sional; cada um dos quais implica em uma maior descentralização, objetividade
e instrumentalização.
Aprendizagem sistemática é como se denomina esse nível que realiza a transformação
dos bens culturais de uma sociedade em bens pedagógicos, que tem como base as aprendi-
zagens instrumentais da leitura, escrita e conceitos matemáticos. Como um processo cons-
trutivo, essas aprendizagens vão abrindo caminho aos conhecimentos fundamentais sobre o
espaço geográfico, histórico e cultural, para mais tarde se estabelecer na percepção daquilo
que vai além da experiência temporoespacial, abrangendo as aprendizagens transculturais.
O ápice desse processo dá-se quando o sujeito tem a possibilidade de formar-se tecnicamen-
te, bem como de aperfeiçoar-se profissionalmente.
Com a sistematização desse último nível tem-se o fechamento do esquema que propõe
a aprendizagem como um processo evolutivo, tendo seu início nas primeiras interações do
sujeito biológico com a função materna, que o acolhe, estabelecendo uma matriz de aprendi-
zagem que regulará o percurso do sujeito por esses níveis descritos. Tomando esses aspectos
como base, é importante que a noção que se constrói sobre um processo de aprendizagem
esteja respaldada pelo conhecimento das possíveis condutas aprendíveis do sujeito, dentro
de um determinado contexto sociocultural, em função das competências por ele adquiridas
e nos distintos níveis de aprendizagem.
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a) Não aprenderam porque não passaram por um processo sistemático
de ensino;
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Portanto, este profissional precisa ter uma sólida construção teórica, uma
vivência significativa na realidade, conviver com o ambiente de produção
de conhecimentos a partir de um comprometimento ético.
[...]
Atividades
1. Comente a seguinte afirmativa, tomando como base a proposta da área de estudo da
psicopedagogia: “A psicopedagogia utiliza-se de diversas lentes para compreender
o processo de aprendizagem”.
b. Porque constrói uma noção de aprendizagem que parte das possíveis condições
aprendíveis do sujeito, considerando o contexto sociocultural e seus diferentes
níveis de aprendizagem.
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Referências
BARBOSA, L. M. S; ZENÍCOLA, A. M.; CARLBERG, S. Psicopedagogia: saberes/olhares/fazeres.
São José dos Campos: Pulso, 2007.
BOSSA, N.A. Psicopedagogia no Brasil: contribuições a partir da prática. 2. ed. Porto Alegre: Artmed,
2000.
GOMEZ, A. M. S.; TERAN, N. E. Dificuldades de aprendizagem: detecção e estratégias de ajuda. [s.l.]:
Cultural S.A., 2009.
NOFFS, N. A. Psicopedagogia: superando a fragmentação do conhecimento e da ação. Disponível
em: <http://educarvivendo.blogspot.com.br/2012/07/psicopedagogia-superando-fragmentacao.html>
Acesso em: 7 jun. 2017.
PAIN, S. Diagnóstico e tratamento das dificuldades de aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 1986.
VEIGA, E.C. Psicopedagogia: da Epistemologia Convergente a Psicopedagogia Modular. Copyright
Universidade Positivo, 2014.
VISCA, J. Clínica psicopedagógica: epistemologia convergente. Porto Alegre: Artmed, 1987a.
______. Psicopedagogia: novas contribuições. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991.
Resolução
1. O status interdisciplinar da psicopedagogia requer um mergulho em áreas de estu-
do, que antes pareciam ser distantes das explicações que se buscavam para as dificul-
dades no aprender, bem como uma transformação que perpassa níveis pessoais do
profissional estudioso dessa área. Não só o conhecimento teórico sobre psicologia da
aprendizagem, psicologia genética, teorias da personalidade, pedagogia, fundamen-
tos da biologia, linguística, psicologia social, filosofia, ciências neurocognitivas, mas,
principalmente, a capacidade de articular esses conhecimentos e manter o compro-
misso ético e social na prática e na investigação científica do processo de aprender,
formam o alicerce da prática psicopedagógica.
2. B
3. A aprendizagem não pode ser entendida a partir de uma única perspectiva. A psico-
pedagogia nos auxilia a entender esse processo a partir de diferentes vieses, que se
articulam entre si. Aspectos afetivos, cognitivos, funcionais, culturais e pedagógicos
são dimensões que na sua interlocução nos levam a compreender a funcionalidade
de um processo de aprendizagem e conhecer o sujeito cognoscente e suas constru-
ções cognitivas.
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