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Psicopedagogia:
pressupostos teóricos

A psicopedagogia é uma área que desenvolve seus estudos concretizando seu


corpo teórico e aprimorando seus instrumentos para compreender, cada vez com
mais precisão, o processo de aquisição do conhecimento, isto é, o aprender do ser
humano. Tomando, portanto, como referencial esse objeto de estudo da psicopeda-
gogia, é perceptível a importância dessa área, diante da ampla visão que ela sugere
sobre a aprendizagem.

A exigência de uma ressignificação do saber sobre a aprendizagem requer do estu-


dioso um aprofundamento em teorias que deem conta de um ser humano que se rela-
ciona com um mundo em constante movimento. Hoje, o ser cognoscente, sujeito que
está em busca do conhecimento, é visto como um ser inserido em um contexto que lhe
permite infindáveis aprendizagens, nos diferentes âmbitos da sociedade.

Fundamentos da Psicopedagogia 9
1 Psicopedagogia: pressupostos teóricos

1.1 Psicopedagogia
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A própria história de inserção da psicopedagogia como área de conhe-
cimento, no que se refere às visões sobre seu objeto de estudo, nos leva a
refletir sobre a importância de consideramos o processo histórico como fun-
damental para entendermos a compreensão ampliada do processo de apren-
der, que vai muito além da aplicação da psicologia à pedagogia, como muito
se tem escrito sobre a psicopedagogia.
Segundo Veiga (2014), a palavra psicopedagogia possui em sua constituição dois termos: psico-
logia e pedagogia. A autora faz uma análise da origem grega da palavra psicologia, sendo que psico
significa alma ou atividade da mente, e logia, termo que significa estudo. Portanto, a psicologia
pode ser entendida como o estudo do comportamento humano, o qual é decorrente dos proces-
sos mentais tais como: percepção, atenção, memória, inteligência, entre outros. A palavra pedago-
gia, segundo a mesma autora, tem origem na Grécia Antiga. O termo paidés significa criança e ago,
conduzir. A pedagogia, portanto, é compreendida como um campo do conhecimento que tem
por objeto de estudo a educação e o processo de ensino e aprendizagem.
Dessa forma, fica claro como o significado de psicopedagogia está ligado a todas as disciplinas
que estudam o processo de aprendizagem, levando em conta os processos mentais responsáveis
pela sua aquisição. A psicopedagogia surge na tentativa de integrar conhecimentos, objetivando
a construção de um corpo teórico que possa dar sustentação eficaz à sua práxis, sem dividir o
sujeito da aprendizagem, para compreender como este aprende.
O status interdisciplinar da psicopedagogia requer um mergulho em áreas de estudo que
antes pareciam ser distantes das explicações que se buscavam para as dificuldades no aprender,
bem como uma transformação que perpassa níveis pessoais do profissional estudioso dessa área.
Não só o conhecimento teórico sobre psicologia da aprendizagem, psicologia genética, teorias
da personalidade, pedagogia, fundamentos da biologia, linguística, psicologia social, filosofia,
ciências neurocognitivas, mas, principalmente, a capacidade de articular esses conhecimentos e
manter o compromisso ético e social na prática e na investigação científica do processo de apren-
der, formam o alicerce da prática psicopedagógica.
Segundo Bossa (2000, p. 21), o termo psicopedagogia distingue-se em três conotações: como
uma prática, como um campo de investigação do ato de aprender e como um saber científico.
Portanto, é importante que se tente entender a psicopedagogia como uma área que vem, ao longo
de sua história, criando um corpo teórico próprio, sistematizando instrumentos capazes de dar
conta de suas investigações, não se propondo a especializar um profissional dando a ele somente
parte do que lhe falta.

1.2 Aprendizagem
Vídeo
É consenso de diferentes autores que o objeto de estudo da psicopedagogia é
o processo de aprendizagem. Embora esse consenso esteja presente, as definições
sobre esse processo são complexas e dificilmente dão esse assunto por encerrado.

10 Fundamentos da Psicopedagogia
Psicopedagogia: pressupostos teóricos 1
Segundo Bossa (2000, p. 20), “[...] a concepção de aprendizagem é o resultado de uma
visão de homem e é em razão desta que acontece a práxis psicopedagógica”. Portanto, não
podemos ficar observando perplexos as mudanças que vêm ocorrendo. Muitas questões se
impõem, levando-nos a rever antigos paradigmas de uma ciência tradicional.
Segundo Gómez e Terán (2009, p. 31), “a aprendizagem supõe uma construção que
ocorre por meio de um processo mental que implica a aquisição de um conhecimento novo.
É sempre uma reconstrução interna e subjetiva, processada e construída interativamente”.
A aprendizagem, como processo de construção, define-se como um efeito que, a partir
de uma articulação de esquemas, sugere a coexistência de dimensões para possibilitar ao ser
humano configurar uma dinâmica própria de funcionamento, caracterizando assim o seu
processo de aprendizagem. Muitos autores descrevem essas dimensões a partir de diferen-
tes axiomas, que perpassam as bases estruturais, funcionais, energéticas e sociais.
Pain (1986, p. 13) descreve a aprendizagem como um acontecimento histórico em que
coincidem um organismo, uma etapa genética da inteligência e um sujeito associado a outras
estruturas teóricas. Nessa articulação de esquemas, pode-se incluir uma dimensão biológica
de caráter estruturante, uma dimensão cognitiva de continuidade biológica funcional, uma
dimensão social que se insere na dimensão da cultura, provendo a educação e a dimensão
afetiva que, definitivamente, personaliza o aprender, pois visualiza aspectos estruturais da
personalidade dos agentes desse processo.
Jorge Visca1 apresenta a aprendizagem como um esquema evolutivo com base intera-
cionista, estruturalista e construtivista. Para ele, aprendizagem, portanto, é o “[...] resultado
de uma construção (princípio construtivista) dada em virtude de uma interação (princí-
pio interacionista) que coloca em jogo a pessoa total (princípio estruturalista) [...]” (VISCA,
1987a, p. 56).
Tomando esses aspectos como base, é importante que a noção que se constrói sobre
um processo de aprendizagem esteja respaldada no conhecimento das possíveis condutas
aprendíveis do sujeito, dentro de um determinado contexto sociocultural, em função das
competências por ele adquiridas nos distintos níveis de aprendizagem. Conceitos contem-
porâneos sobre a aprendizagem vêm confirmar esse pensamento quando afirmam que “a
aprendizagem é um processo integral que ocorre desde o princípio da vida. Exige de quem
aprende o corpo, o psiquismo e os processos cognitivos que ocorrem dentro de um sis-
tema social organizado, sistematizado em ideias, pensamento e linguagem” (RISUENO;
LAMOTTA apud GOMEZ; TERÁN, 2009, p. 32).
Pain (1986), postulando fundamentos teóricos para classificar a noção de não apren-
dizagem como processo diferente de aprendizagem, descreve o processo de aprendiza-
gem sistemática e assistemática como inscrito na dinâmica da transmissão da cultura, que

1 Psicopedagogo argentino que postulou a linha teórica da epistemologia convergente, possibilitando


uma leitura do processo de aprendizagem. Ele entende esse processo à luz de sua teoria e o realiza
pela integração da Escola de Genebra, que postula o pensamento de Piaget acerca do desenvolvimento
cognitivo; da Escola Psicanalista, que aborda a construção da personalidade; e da psicologia social
representada por Pichon-Rivière, que estrutura seu pensamento sobre as vinculações nas relações in-
terpessoais.

Fundamentos da Psicopedagogia 11
1 Psicopedagogia: pressupostos teóricos

constitui a definição mais ampla da palavra educação. Para isso, a autora descreve quatro
funções da educação, que podem explicar o papel reprodutor social da escola como espaço
de sistematização da educação, referido anteriormente.
Segundo Pain (1986), a função mantenedora da educação reproduz em cada indivíduo
o conjunto de normas que regem a ação possível, sendo que a conduta humana se realiza por
meio da instância ensino-aprendizagem. A função socializadora transforma o indivíduo em
sujeito, quando ele aprende modalidades de ações, regulamentadas por normas, que trans-
formam o sujeito em sujeito social, identificado em um grupo. A função repressora conserva
e reproduz as limitações que o poder destina a cada classe e grupo social, segundo o papel
que lhe atribui na realização de seu projeto socioeconômico. Por fim, a função transformado-
ra da educação, nas contradições do sistema, opera mudanças que se transmitem por meio
de um processo, revelando formas peculiares de expressão.
Portanto, em função de um caráter tão complexo e contraditório da educação, a apren-
dizagem se dá simultaneamente como instância alienante e como possibilidade libertadora.
Essa concepção, que a autora postula, possibilita um entendimento mais amplo da neces-
sidade de se fazer uma leitura do processo de aprendizagem além dos muros da escola. É
necessário que se descompatibilize o processo de exercício de poder, por meio do qual a
escola efetiva a aprendizagem, para que se possa começar a visualizar a gama de relações
que se estabelece frente aos diversos contextos que inserem o sujeito na construção de seu
conhecimento. A aprendizagem é um processo que não se restringe somente à escola. Esta é
apenas um meio que promove a aprendizagem, pois o processo é produzido no sujeito nas
mais diferentes situações. O meio cultural ao qual pertence lhe impõe situações que são por
ele transformadas, algumas em bens pedagógicos.
Partindo dessa concepção de aprendizagem, pode-se conceituá-la como uma construção
que nasce da interação de aspectos estruturais ou cognitivos e energéticos ou afetivos, reagindo
num determinado contexto social, tornando-se um processo específico e individualizado, cons-
tituindo a modalidade de aprendizagem, ou seja, o jeito de aprender de cada um.

1.3 Epistemologia convergente


Vídeo
A visão da epistemologia convergente, proposta por Jorge Visca (1987a,
p. 58), justifica teoricamente essa concepção, propondo uma leitura com base
na integração da Escola de Genebra, da escola psicanalista e da psicologia
social. Portanto, a aprendizagem apresenta-se como um esquema evolutivo,
a partir de três axiomas: o interacionista, o estruturalista e o construtivista.
Dessa forma, o sujeito sempre é visto a partir de uma unidade de análise que envolve o
grupo no qual está inserido, a instituição que contém esse grupo, bem como a comunidade
à qual a instituição pertence. Essa macrovisão dá conta da percepção da inserção cultural
do sujeito, facilitando a compreensão do estabelecimento de seu processo de aprendizagem
como processo de produção e estabilização de conduta.

12 Fundamentos da Psicopedagogia
Psicopedagogia: pressupostos teóricos 1
A visão interacionista da Escola Psicanalista propõe um pensamento baseado em duas
classes de interação:
Interação interpsíquica – acontece entre o sujeito em relação ao meio, percebendo o que
ocorre entre ele e o seu meio externo, sua capacidade de reconhecer as individualidades, pen-
sando no processo interno da unidade de análise, sujeito – grupo – instituição – comunidade.
Interação intrapsíquica – acontece entre o sujeito e ele mesmo, sua capacidade de co-
nhecer-se e administrar seus sentimentos, considerando seus aspectos afetivos ou energéti-
cos e cognitivos ou estruturais, respaldados em bases biológicas.
Na proposta estruturalista, baseada na Escola da Psicologia Social de Pichon Rivière, a
aprendizagem não é uma função isolada, pois toda a personalidade compromete-se com a
aprendizagem, a conduta é sempre modificada em um todo integrado. Pode-se pensar sob
o foco de duas perspectivas: histórica ou evolutiva, unidade de análise da personalidade, e a
histórica ou situacional, sendo a unidade de análise da conduta. O interjogo dinâmico desses
sistemas, entre si e com o meio, é o que permite a evolução de cada nível e de um todo ca-
racterizando o movimento da aprendizagem.
A visão construtivista, baseada na Escola de Genebra, da epistemologia genética de
Piaget, concebe a aprendizagem em função de uma construção que se dá por meio do in-
tercâmbio entre sujeito e meio, em que estruturas mais primitivas, genéticas, são bases para
estruturas mais complexas. A construção é concebida nas relações entre lógica e aprendiza-
gem, sendo que a compreensão e o uso de estratégias diante de objetos e novas situações
dependem do nível de atividade lógica de quem aprende.
Portanto, o esquema evolutivo da aprendizagem (fig. 1), proposto por Visca (1991, p. 27),
respaldado teoricamente por esses três axiomas descritos, propõe que a mãe, não necessaria-
mente a mãe biológica, assume a função de iniciar o contato físico e emocional da criança com o
mundo a partir do nascimento. Assim vai se estabelecendo uma matriz de aprendizagem, a qual
vai ser um referencial para as diversas aprendizagens futuras que vão surgindo.

Figura 1 – Esquema evolutivo da aprendizagem.


Sujeito Meio
Substrato
Mãe
biológico

1° nível de Protoaprendiza-
Grupo familiar
aprendizagem gem

2° nível de Deutero- Comunidade


aprendizagem aprendizagem restrita

3° nível de Aprendizagem Instituições


aprendizagem assistemática escolares

4° nível de Aprendizagem
aprendizagem sistemática

Fonte: VISCA, 1991, p. 27.

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1 Psicopedagogia: pressupostos teóricos

Nessa visão, a aprendizagem é um processo de continuidade genética que, com


as diferenças qualitativas que vão sendo observadas na sua evolução, permite que se
identifique quatro importantes níveis, que vão de certa forma estabelecendo o processo
particular de aprender de cada um de nós. Segundo Visca (1991, p. 22), “este modelo
concebe a aprendizagem como uma construção intrapsíquica com continuidade genética
e diferenças evolutivas, resultantes das precondições energéticas/estruturais do sujeito e
das circunstâncias do meio”.
O primeiro nível identificado é o nível da protoaprendizagem, que significa as primei-
ras aprendizagens e estabelece-se a partir das primeiras relações vinculares (afetivas e cog-
nitivas), até o momento que, por transformações qualitativas, o sujeito começa a entrar em
contato com o seu meio familiar. Nesse nível, a função materna coloca-se como um objeto
privilegiado, ao mesmo tempo mediador das características culturais, das características da
história familiar e da sua situação atual. Nesse momento, é como se o sujeito estabelecesse
um limite que, segundo Visca (1991, p. 37), é uma “placenta biológica”, a qual se constitui
por meio do grau de sensibilidade entre o sujeito e sua mãe.
Os processos inter e intrapsíquicos operam cognitiva e afetivamente, e podem, em um
movimento de desenvolvimento irregular ou regular, apresentar três momentos: o de indis-
criminação, no qual os sistemas cognitivo e afetivo encontram-se indiferenciados; passando
para o momento da discriminação, quando os sistemas cognitivo e afetivo vão se diferen-
ciando, sendo que uma parte do afetivo investe no aspecto motor; e, por fim, o momento da
integração quando o sistema motor dá lugar ao aparecimento do simbólico, e esse à cons-
trução da cognição operativa.
Há, na verdade, uma transformação do nível biológico em protoaprendizagem, ou
seja, transformam-se algumas condutas da mãe em protoaprendizagens do filho. O inter-
câmbio entre o interno e o externo permite um processo de enriquecimento do sujeito em
função do qual se opera o crescimento psicológico, implicando tanto em uma construção
afetiva como cognitiva. Esta configuração vincular inicial, Visca (1991) chamou de matriz
de aprendizagem.
O segundo nível proposto é o da deuteroaprendizagem, que significa a segunda aprendi-
zagem, e vai sendo elaborada pela interação e pelas trocas entre o sujeito que chega ao nível da
protoaprendizagem e seu grupo familiar. Segundo Visca (1991, p. 52), é nesse segundo nível que
se inicia a função semiótica, descrita por Piaget, que é a capacidade que o indivíduo tem de gerar
imagens mentais de objetos ou ações e que permite a evolução do pensamento.
Esse segundo nível prolonga-se até que o sujeito, já com uma maior plasticidade de rela-
cionamentos e ampliando seu universo de aprendizagens, condiciona novas percepções de
mundo, diversificando o investimento de suas estruturas cognitivas e energéticas. Existem
processos inter e intrapsíquicos, mas a diferença substancial está no fato de a criança tomar
como principal objeto de interação os membros do grupo familiar e as relações deles entre
si e também com os objetos animados e inanimados, relações que se dão em função de uma
escala de valores. A vinculação com sua mãe ainda tem continuidade, porém, esta adota, na
maioria dos casos, uma posição que permite a participação de terceiros, facilitando a cons-
trução desse nível mais elaborado.

14 Fundamentos da Psicopedagogia
Psicopedagogia: pressupostos teóricos 1
No terceiro nível, com um grau de sensibilidade já bem mais ampliado, o sujeito passa
a entrar em contato com os diferentes eixos, as características culturais amplas, bem como
com o espaço geográfico de sua convivência rotineira e particular relacionado com sua co-
munidade próxima, passando a internalizar uma instrumentalização que lhe fornece conhe-
cimentos, atitudes e destrezas, permitindo-lhe um acesso à sociedade culturalmente defini-
da, na qual ele está inserido.
Esse nível é denominado aprendizagens assistemáticas, pois, segundo Visca (1991, p. 26),
[...] o caráter assistemático é dado, não porque nos âmbitos intrapsíquico e so-
cial falte organização de seus fatores constitutivos, mas sim porque intercâmbios
propostos pelo meio carecem do nível da consciência, graduação, ritmo e meto-
dologia com que se efetivam nas instituições educativas.
Caracteriza-se por um período em que o sujeito entra em contato com os níveis mais
complexos de sua cultura (eixo vertical). Por outro lado, conhece apenas lugares próximos,
como seu bairro, sua cidade (eixo horizontal). No entanto, esse processo das aprendizagens
assistemáticas é importante para o desenvolvimento do ser humano e indispensável para
que as aprendizagens sistemáticas se realizem com verdadeira significação, permitindo sua
instrumentação em função da cultura, à qual o sujeito pertence. Evidencia-se que a modali-
dade de aprendizagem nasce na forma que o sujeito opera com a realidade nas aprendiza-
gens assistemáticas.
No quarto nível, passa a estabelecer uma relação mais íntima com objetos e situações que a
sociedade veicula por intermédio das instituições educativas, que para Visca (1991, p. 26)
organizam-se [...] a partir do nível da educação primária, o qual possui subestá-
gios: o das aprendizagens instrumentais, o de conhecimentos fundamentais, o de
aquisições transculturais, o de formação técnica e o de aperfeiçoamento profis-
sional; cada um dos quais implica em uma maior descentralização, objetividade
e instrumentalização.
Aprendizagem sistemática é como se denomina esse nível que realiza a transformação
dos bens culturais de uma sociedade em bens pedagógicos, que tem como base as aprendi-
zagens instrumentais da leitura, escrita e conceitos matemáticos. Como um processo cons-
trutivo, essas aprendizagens vão abrindo caminho aos conhecimentos fundamentais sobre o
espaço geográfico, histórico e cultural, para mais tarde se estabelecer na percepção daquilo
que vai além da experiência temporoespacial, abrangendo as aprendizagens transculturais.
O ápice desse processo dá-se quando o sujeito tem a possibilidade de formar-se tecnicamen-
te, bem como de aperfeiçoar-se profissionalmente.
Com a sistematização desse último nível tem-se o fechamento do esquema que propõe
a aprendizagem como um processo evolutivo, tendo seu início nas primeiras interações do
sujeito biológico com a função materna, que o acolhe, estabelecendo uma matriz de aprendi-
zagem que regulará o percurso do sujeito por esses níveis descritos. Tomando esses aspectos
como base, é importante que a noção que se constrói sobre um processo de aprendizagem
esteja respaldada pelo conhecimento das possíveis condutas aprendíveis do sujeito, dentro
de um determinado contexto sociocultural, em função das competências por ele adquiridas
e nos distintos níveis de aprendizagem.

Fundamentos da Psicopedagogia 15
1 Psicopedagogia: pressupostos teóricos

Retomar alguns conceitos sobre a psicopedagogia e seu objeto de estudo no enfoque da


epistemologia convergente nos leva a pensar a aprendizagem como um processo de cons-
trução que não se satisfaz com uma visão reducionista do ato de aprender. O sujeito que
busca o conhecimento pode ser caracterizado como um sujeito inteiro, constituído de dife-
rentes dimensões: biológica, afetiva, relacional, funcional, cultural, que interagem entre si,
e é capaz de construir um conhecimento do seu ambiente natural e sociocultural bem como
um conhecimento sobre si mesmo (BARBOSA et al., 2007, p. 40).
A psicopedagogia como uma área de estudo e especialização vai nos possibilitar criar
estratégias que busquem caminhos para a potencialização dessa capacidade de aprender
traçada pela história das teias de relações universais de cada um.

Ampliando seus conhecimentos

Psicopedagogia: superando a fragmentação


do conhecimento e da ação
(NOFFS, 2009)

[...] A psicopedagogia é uma interseção entre a psicologia e a pedagogia?

Não. Ela é um novo conhecimento que nasce a partir da interseção, é a


própria interseção. Isso significa que tanto destas disciplinas, quanto de
outras como: filosofia, linguística etc. são selecionados conhecimentos
específicos que colaboram na compreensão do objeto da psicopedagogia
(que é o processo de aprendizagem, como se constrói o conhecimento)
dessa forma, quem fez curso específico de psicologia, e de pedagogia, não
encontrará necessariamente a psicopedagogia. Ela é uma ação que nasce
desse conhecimento interdisciplinar, mas essa ação é voltada para subsi-
diar o sujeito cada vez mais em sua própria aprendizagem, nesse sentido,
o processo de aprendizagem é que é estudado criteriosamente pela psico-
pedagogia, bem como as dificuldades dela decorrentes.

Qual o objeto de estudo da psicopedagogia?

O objeto de estudo é o processo de aprendizagem, o processo utilizado


pelo sujeito enquanto construtor de seu conhecimento. Algumas pessoas,
ao estudarem aprendizagem, entendem que o contrário da aprendizagem
é a dificuldade da aprendizagem, mas não entendo desta forma, o contrá-
rio da aprendizagem é a não aprendizagem.

As causas da não aprendizagem podem ser de três naturezas distintas:

16 Fundamentos da Psicopedagogia
Psicopedagogia: pressupostos teóricos 1
a) Não aprenderam porque não passaram por um processo sistemático
de ensino;

b) Foram ensinadas, mas por algum motivo externo ao sujeito (didática


do professor, filosofia da escola, número de alunos por classe, problemas
sociais, culturais etc.), não aprenderam;

c) Finalmente não aprenderam por dificuldades individuais específicas


(orgânicas e emocionais).

Cabe ao psicopedagogo inicialmente diferenciar as situações facilitadoras/


dificultadoras pelas quais as pessoas passaram resgatando seu processo
(incluindo na história de vida a aprendizagem), exemplo: Como andou?

Como falou? Como se adaptou à escola? Como reagiu frente às tarefas


escolares... Posteriormente identificar o quando e o porquê.

Qual o profissional que estaria qualificado no mercado de trabalho para


atuar no processo da aprendizagem?

No curso de formação em pedagogia, a prioridade está nas atividades


de ensino, neste sentido a pedagogia está ligada à docência e posterior-
mente aos especialistas em educação (orientador educacional, orientador
pedagógico, administrador escolar). No curso de formação em psicologia,
a prioridade está no conhecimento das teorias psicológicas explicando o
sujeito em detrimento às teorias de ensino.

As duas formações geram uma necessidade de uma complementação, de


um aprofundamento, partindo da articulação de como ocorre o processo
de aprendizagem sem deslocar do seu contexto real. Entendo a articula-
ção como a não fragmentação do conhecimento e da ação nos modelos
vigentes.

Neste sentido, surgem um novo conhecimento e um novo profissional,


com uma nova atuação que não pode ser a justaposição de conhecimentos
e ações, e sim, articulação e adequação à situação vivida. Não cuidar desta
nova atuação, como nova profissão, implica em correr riscos no exercício
desta atividade, assim a Psicopedagogia deverá ser normalizada e legali-
zada, dentro destes princípios.

Este conhecimento e atuação só podem ser propostos em um curso de for-


mação em nível de pós-graduação, onde a meta é propiciar a transferência
para a sociedade destes conhecimentos construídos cientificamente.

Fundamentos da Psicopedagogia 17
1 Psicopedagogia: pressupostos teóricos

Além desta, devemos acrescentar que o psicopedagogo emerge de um


grupo de profissionais que já tenham uma experiência advinda de áreas
afins. A psicopedagogia inicialmente se apresentou como uma especiali-
zação que influenciou a própria mudança da Educação, conforme Cezar
Coll (entre outros) escreveu em seus livros. Com o passar do tempo, esta
especialização gerou uma ação tão específica que só aquele que fez a psi-
copedagogia, é que pode exercer a psicopedagogia. Neste sentido, é que
regulamentar esta profissão se faz essencial para garantirmos a redução
de distorções da prática. O mercado já tem pedagogos e psicólogos qua-
lificados, precisamos garantir psicopedagogos também qualificados atra-
vés de formação e regulamentação da profissão.

Portanto, este profissional precisa ter uma sólida construção teórica, uma
vivência significativa na realidade, conviver com o ambiente de produção
de conhecimentos a partir de um comprometimento ético.

[...]

Atividades
1. Comente a seguinte afirmativa, tomando como base a proposta da área de estudo da
psicopedagogia: “A psicopedagogia utiliza-se de diversas lentes para compreender
o processo de aprendizagem”.

2. Assinale a alternativa que explica de que forma a visão da epistemologia conver-


gente sobre o processo de aprendizagem auxilia o psicopedagogo a ressignificar sua
concepção sobre esse processo.

a. Porque lhe fornece um maior número de instrumentos formais para avaliar a


aprendizagem.

b. Porque constrói uma noção de aprendizagem que parte das possíveis condições
aprendíveis do sujeito, considerando o contexto sociocultural e seus diferentes
níveis de aprendizagem.

c. Porque o psicopedagogo tem a possibilidade de diagnosticar o aluno em sala


de aula.

d. Porque ela traz em sua base a teoria da epistemologia genética de Piaget.

3. A aprendizagem, enquanto processo de construção, define-se como um efeito que,


a partir de uma articulação de esquemas, sugere a coexistência de dimensões para
possibilitar ao ser humano configurar uma dinâmica própria de funcionamento, ca-
racterizando assim o seu processo de aprendizagem. De que maneira essa afirmativa
caracteriza a visão psicopedagógica sobre a aprendizagem?

18 Fundamentos da Psicopedagogia
Psicopedagogia: pressupostos teóricos 1
Referências
BARBOSA, L. M. S; ZENÍCOLA, A. M.; CARLBERG, S. Psicopedagogia: saberes/olhares/fazeres.
São José dos Campos: Pulso, 2007.
BOSSA, N.A. Psicopedagogia no Brasil: contribuições a partir da prática. 2. ed. Porto Alegre: Artmed,
2000.
GOMEZ, A. M. S.; TERAN, N. E. Dificuldades de aprendizagem: detecção e estratégias de ajuda. [s.l.]:
Cultural S.A., 2009.
NOFFS, N. A. Psicopedagogia: superando a fragmentação do conhecimento e da ação. Disponível
em: <http://educarvivendo.blogspot.com.br/2012/07/psicopedagogia-superando-fragmentacao.html>
Acesso em: 7 jun. 2017.
PAIN, S. Diagnóstico e tratamento das dificuldades de aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 1986.
VEIGA, E.C. Psicopedagogia: da Epistemologia Convergente a Psicopedagogia Modular. Copyright
Universidade Positivo, 2014.
VISCA, J. Clínica psicopedagógica: epistemologia convergente. Porto Alegre: Artmed, 1987a.
______. Psicopedagogia: novas contribuições. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991.

Resolução
1. O status interdisciplinar da psicopedagogia requer um mergulho em áreas de estu-
do, que antes pareciam ser distantes das explicações que se buscavam para as dificul-
dades no aprender, bem como uma transformação que perpassa níveis pessoais do
profissional estudioso dessa área. Não só o conhecimento teórico sobre psicologia da
aprendizagem, psicologia genética, teorias da personalidade, pedagogia, fundamen-
tos da biologia, linguística, psicologia social, filosofia, ciências neurocognitivas, mas,
principalmente, a capacidade de articular esses conhecimentos e manter o compro-
misso ético e social na prática e na investigação científica do processo de aprender,
formam o alicerce da prática psicopedagógica.

2. B

3. A aprendizagem não pode ser entendida a partir de uma única perspectiva. A psico-
pedagogia nos auxilia a entender esse processo a partir de diferentes vieses, que se
articulam entre si. Aspectos afetivos, cognitivos, funcionais, culturais e pedagógicos
são dimensões que na sua interlocução nos levam a compreender a funcionalidade
de um processo de aprendizagem e conhecer o sujeito cognoscente e suas constru-
ções cognitivas.

Fundamentos da Psicopedagogia 19

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