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EDUCAÇÃO DE

JOVENS E ADULTOS

Antonio Rodolfo de Siqueira


Viviane Guidotti
M278e Siqueira, Antonio Rodolfo de.
Educação de jovens e adultos / Antonio Rodolfo de
Siqueira, Viviane Guidotti. – Porto Alegre : SAGAH, 2017.
216 p. : il. ; 22,5 cm.

ISBN 978-85-9502-052-8

1. Educação de jovens. 2. Educação de adultos I.


Guidotti, Viviane. II. Título.

CDU 37.022

Catalogação na publicação: Poliana Sanchez de Araujo – CRB 10/2094

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Projetos de ensino: tema
gerador, estudo do meio,
cinema/teatro/outras
atividades culturais
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Definir propostas alternativas oportunizando ao educando uma


aprendizagem baseada em problemas.
 Identificar o tema gerador enquanto proposta adequada à análise, à
interpretação e à crítica considerando diferentes contextos culturais.
 Relacionar a interdisciplinaridade com projetos de ensino que utilizam
o tema gerador como proposta de trabalho.

Introdução
Para auxiliar na construção das aprendizagens, o professor deve fazer
uso de vários artifícios culturais existentes na sociedade, os quais não
se restringem aos ambientes escolares tradicionalmente conhecidos.
Se pensarmos a educação como um processo de socialização, que não
acontece somente dentro da escola, o cinema é bastante relevante para
a educação, assim como outras atividades culturais. Neste capítulo você
conhecerá as possibilidades de desenvolvimento de projetos de ensino
que tornam a aprendizagem mais dinâmica e instigante.

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Propostas alternativas para uma aprendizagem


baseada em problemas
As transformações que vem ocorrendo em nível global, nas esferas, social, política,
econômica, tecnológica, ética entre outras, refletem nas diversas áreas sociais. Na
educação não é diferente, e a necessidade de mudanças se torna mais evidente.
Libâneo (2011), menciona que instituições de ensino atentas às demandas e
necessidades da aprendizagem, precisam repensar seus objetivos e práticas de
ensino, de modo a prover nos seus alunos os meios cognitivos e instrumentais
de compreender e lidar com os desafios postos por esta realidade.
O desafio está posto, mas é claro que não pode recair somente sobre a respon-
sabilidade do professor, também recai sobre um conjunto político, que favoreça
a educação de jovens e adultos, ampliando as escolas, atraindo e permitindo a
inserção do segmento jovem-adulto na escola. Como lembrou Constanzi (2009),
não é possível conciliar o estudo com uma jornada que degradante. A EJA, não
contempla como uma “educação ideal”, mas sim como uma educação possível.
O ideal seria que nossos alunos, ao concluírem o processo educativo, estives-
sem aptos plenamente para ingressar no mercado de trabalho já qualificados para
o exercício da profissão, mas não é isso que acontece em nosso sistema de ensino.
Uma prática pedagógica comprometida com a educação dos jovens e adultos
demanda construção permanente e coletiva. No entanto, trabalhamos na tra-
dição escolar seletiva, que age em nome da ordem disciplinar, que aprisiona e
silencia os sujeitos. Classifica e posiciona os sujeitos em condição desigual, não
permitindo o diálogo e a sua emancipação, além de operar para a conservação
da situação atual do sujeito.
Conforme Oliveira (2007), para transformar essa realidade opressora seria
necessária uma ação consciente e problematizadora, promovendo uma política
que aparta das necessidades educacionais de jovens e adultos. É necessário
uma política atenta à diversidade, que promova mudanças à lógica opressora,
que exija uma práxis pedagógica referenciada na liberdade e no respeito, para
assim atuar e contribuir para a promoção humana, de modo a assegurar o
direito à educação ao longo da vida.
Ainda segundo Oliveira (2007), o Método Paulo Freire, mais que garantir
os processos de alfabetização, agregou aos ambientes de aprendizagem a
compreensão sobre os seus processos e o desvelamento das realidades carac-
terizadas pela exclusão e pelas desigualdades sociais, políticas e econômicas.
A riqueza do método freiriano, se afirma na dialogicidade do ato educativo,
entre iguais, com permanente trocas e construção de saberes e na sua politi-
zação, promovendo a assim, a transformação. O ato educativo não é neutro.

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O legado freiriano é, em todos os sentidos, inovador. É vanguardista e antecipa cora-


josamente a possibilidade de mudança. É solidário e inclusivo ao acolher e respeitar
o outro na diferença. É sustentável ao propor o bem comum.

Ao utilizar-se do método de aprendizagem baseado em problemas, primeiramente,


na etapa de tematização, o professor deverá orientar os alunos para observarem a
realidade social concreta, tendo como ponto de partida, um tema ou unidade de
estudo. O professor orienta os alunos para que observem atentamente a realidade
em que o tema está inserido e que registrem aquilo que julgarem importante sobre
aquela realidade ou o que está sendo vivido naquele momento. Através das próprias
observações, os estudantes conseguirão identificar as dificuldades e carências, de várias
ordens. Após, estes pontos observados devem ser problematizados. O docente, então,
deve escolher um ou mais desses problemas e distribuí-los para grupos de alunos.
Após as discussões e debates entre os estudantes, o professor deverá orientar os alunos
para redigirem os problemas, etapa que irá ajudá-los a solucionar a próxima fase.
Na segunda fase, o docente conduz os estudantes a refletir sobre as possíveis causas
do problema. A partir das informações que possuem, os estudantes conseguem
perceber que os problemas de ordem social são complexos e exigem um estudo mais
criterioso, mais crítico e mais abrangente para encontrar a solução.
A próxima fase, a teorização, é quando ocorre a investigação do problema: os
estudantes se organizam em busca de informações, que serão analisadas e avaliadas
para a resolução do problema.
A fase subsequente é chamada de hipóteses de solução. Todo estudo realizado é
considerado de suma importância para que o problema seja solucionando.
A última fase é a da aplicação à realidade, que ultrapassa o intelectual: as decisões
tomadas deverão ser colocadas em prática; é quando o componente social e político
torna-se presente. A problematização tem o propósito de preparar o estudante para
tomar consciência de seu mundo e atuar para transformá-lo, sempre visando uma
sociedade e um mundo melhor.
Resumindo: as etapas identificadas na proposição deste método são: 1) a etapa da
investigação temática, com o levantamento e o reconhecimento dos saberes prévios
dos educandos e da sua leitura de mundo; 2) a etapa da tematização, com a seleção e
a organização das temáticas centrais e relevantes para a organização de um ambiente
de aprendizagem contextualizado e significativo; 3) a etapa da problematização, com
o debate e o desvelamento das realidades.

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Segundo Souza (2008), uma metodologia que promova o debate entre o


ser humano, a natureza e a cultura entre a humanidade e o trabalho, entre as
pessoas e o mundo em que vivem, chama-se metodologia dialógica. Como
tal, ela prepara homens e mulheres para viverem seu tempo, com as contra-
dições e os conflitos existentes e, assim conscientiza-os sobre a necessidade
de intervir nesse tempo para a construção e efetivação de um futuro melhor.

Alfabetizar-se é o meio e não o fim. É o meio para transformação e para a huma-


nização. É uma proposta de alfabetização que aponta para uma verdadeira revolução
cultural: dos sentidos, dos saberes, das relações e da política.

A pesquisa funciona como apropriação de conhecimentos e desenvolvimento


de competências de forma natural na sala de aula. Com ela, os estudantes apren-
dem a trabalhar com conceitos e a manusear dados, a fazer escolhas, a submeter
um problema a alguma teoria existente, a dominar métodos de observação e
análise, a confrontar pontos de vistas. Na pesquisa, o docente possui o papel
de “facilitador”. Ele deve ajudar o aluno a encontrar o caminho certo para o
atingimento do seu objetivo. Além disso, a pesquisa auxilia o docente a promover
uma relação ativa com os conteúdos e com a realidade da qual pretendem lidar,
ajudando na motivação dos estudantes para aprender (LIBÂNEO, 2011).
Alfabetizar-se desse modo, significa introduzir-se numa diversidade de
práticas comunicativas, falando ouvindo, lendo e escrevendo. Significa ser
apresentado a uma variedade de textos e não simplesmente ao código da
escrita, propiciando aprendizagens necessárias e relevantes, nas quais as
pessoas coletivamente possam melhorar suas condições de vida.

Apesar de as dificuldades serem muitas, com o uso da criatividade do professor e


métodos de ensino alinhados às necessidades e às realidades dos alunos, pode-se
obter resultados significativos para a educação.

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O tema gerador enquanto proposta adequada à


análise, à interpretação e à crítica considerando
diferentes contextos culturais
Não conseguimos realizar a transformação com práticas de ensino engessadas e
baseadas na repetição com vistas a memorização. Tais métodos assumem uma
postura domesticadora de educação, tantas vezes criticadas por Paulo Freire.
Para Nadal (2007) as necessidades sociais não consistem em educar para
a domesticação em obediência, cega aos preceitos impostos, mas sim para a
formação de homens idôneos para idealizar e viabilizar mudanças.
Na escola, para que se conscientize esse processo, faz-se necessário que
o estudante desenvolva a leitura e interpretação das diferentes situações de
vida e se reconheça como sujeito.
Segundo Gadotti (1999) o precursor desta teoria, foi o educador Paulo Freire,
que iniciou essas práticas que revolucionaram a educação de adultos no Brasil,
com uma estratégia de investigação temática voltada para a alfabetização de
adultos. Utilizava-se o conhecimento do aluno e o transformava esse conheci-
mento prévio em palavra geradora, possibilitando que todos pudessem participar;
promovendo um ensino significativo, com a adoção de situações que cercam a
realidade de educandos e educadores. Esses temas precisam ser, não só apren-
didos, mas refletidos para que ocorra a tomada de consciência dos indivíduos
sobre eles. O professor que opta pelo trabalho com temas geradores, permite
ao aluno a reflexão das situações que envolvem a realidade; deste modo, o uso
de temas geradores são trabalhados inversamente às propostas tradicionais.
O tema gerador não se encontra nos homens isolados da realidade, nem
tampouco na realidade separada dos homens. Só pode ser compreendido nas
relações homem-mundo. O que pretende investigar são os homens e sua visão
de mundo (FREIRE, 1981).
O trabalho pedagógico utiliza-se de temas geradores, como forma de
organizar a metodologia e a prática, como construção do fazer e pensar. O
tema gerador desafia e exige do educando uma resposta em nível de ação,
do fazer. O trabalho com temas geradores geram problematização e dúvidas
sobre o que realmente o aluno precisa dominar. O tema gerador é o ponto de
partida para uma aprendizagem significativa.
De acordo com Corazza (1992); Freire (1987) e Gouvêa (1996) o tema gera-
dor contém a possibilidade de busca da raiz das questões, abordando aspectos
contraditórios entre si, de forma processual, com avanços, retrocessos e rupturas.

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Cria-se a necessidade de compreender a realidade do aluno, problemati-


zando-a. Nessa problematização, o professor questiona os alunos para obter
suas opiniões e relatos.
Deve ser realizado um trabalho a partir do qual o docente possa selecionar
falas que expressem o cotidiano da comunidade e seus problemas; conflitos e
contradições a serem superados; o pensamento da coletividade e não apenas
de uma pessoa ou família, que representem situações significativas do ponto
de vista da comunidade; falas originais dos pesquisados: gírias, “dialetos”;
uma totalidade orgânica (que articule entre si).
Os líderes da comunidade podem colaborar no processo participando e organi-
zando peças de teatro, cartazes, escolha de frases, seleção de filmes e assuntos do
cotidiano da comunidade, para dar um retorno aos alunos e a toda comunidade os
possíveis temas, a fim de que estes possam ser avaliados, bem como ampliadas as
explicações dadas aos problemas da comunidade. O aluno dialoga com seus pares
e com o educador sobre o seu meio e a realidade. Essas discussões permitem ao
professor aprender a visão dos alunos sobre a situação problema.

Aprender é um ato de conhecimento da realidade concreta, da situação real vivida


pelo educando. O estudo da realidade não se limita simplesmente a coletar os dados,
as informações, mas sim, perceber como o aluno sente sua própria realidade.

Nesse caminho as construções, superações e crescimentos realizados pelos


educandos representam a síntese de um processo de ensino-aprendizagem.
Através do tema gerador, é possível avançar para além do limite do conhe-
cimento que os educandos têm de sua própria realidade, para, assim, melhor
entende-la e intervir criticamente.

Focados no trabalho com os temas significativos para si e para os alunos e sendo criativos,
os professores planejam coletivamente suas aulas, dinamizando e enriquecendo as ativi-
dades, (re)organizadas de forma que os alunos tenham acesso aos “conteúdos escolares”.

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A perspectiva, segundo Gouvêa (2003, p. 26) “[...] é a de estar resgatando da


vivência dos alunos, situações que são significativas para a comunidade e que
se apresentam como limites explicativos na compreensão de sua realidade.”.
O professor precisa fazer uso de diversos materiais e recursos didáticos, como
revistas, jornais, músicas, filmes, jogos, poesia, relatos de experiência e textos pro-
duzidos por alunos, gibis ou histórias em quadrinhos, fotos, ilustrações, que podem
ser utilizados para o processo ensino-aprendizagem, evitando livros didáticos,
apostilas e manuais que não possuem relações com a realidade vivida dos alunos.
Gadotti (1991), citou quatro passos do Método Paulo Freire:

1. Leitura do mundo: o primeiro passo do seu método de apropriação


do conhecimento é a leitura do mundo. Destaca-se a curiosidade como
precondição do conhecimento. “Não haveria criatividade sem a curiosi-
dade que nos move e que nos põe pacientemente impacientes diante do
mundo que fizemos, acrescentando a ele algo que fazemos.” (FREIRE,
1997, p. 35).
2. Compartilhar sua leitura do mundo: a minha leitura do mundo não
capta parte da realidade. O diálogo não é apenas uma estratégia pe-
dagógica, é um critério de verdade, de aproximação crítica e mais
abrangente de compreensão da realidade.
3. A educação como ato de reprodução e de reconstrução do saber:
conhecer não é acumular conhecimentos, informações ou dados. Conhe-
cer implica mudança de atitudes, saber pensar e não apenas assimilar
conteúdos escolares do saber chamado universal. Saber é criar vínculos,
O conteúdo toma forma.
4. A educação como prática de liberdade é a politicidade do conhe-
cimento: é o momento da problematização, da existência pessoal e da
sociedade, do futuro.

O mundo não é. O mundo está sendo. Como subjetividade curiosa, inteligente,


interferidora na objetividade com que dialeticamente me relaciono, meu papel no
mundo não é só o de quem constata o que ocorre, mas também o de quem intervém
como sujeito de ocorrências. Não sou apenas um cidadão passivo na História. No
mundo da História, da cultura, da política, atuo não para me adaptar, mas para mudar
(FREIRE, 1997).

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A educação é uma arte, e cabe a cada professor fazer da sua sala de aula um local
para conduzir o aluno à ação, através da reflexão, conscientização, reinstalando
a esperança de que ele pode transformar o mundo e a sociedade em que vive.

Sugestão de atividade com tema gerador:


1ª Etapa: fazer um levantamento dos conhecimentos dos alunos e da sociedade
em que está inserido, considerando o vocabulário do aluno e seu cotidiano.
2ª Etapa: palavra geradora: favorecer e instituir um debate oral em sala de aula,
procurando envolver todos os alunos da sala.
Exemplo: família – fazer um levantamento do conhecimento deste assunto na sala
de aula; provocar o debate e instigar os alunos a expressarem seu conhecimento
sobre a palavra geradora.
3ª Etapa: apresentação da palavra geradora escrita para os alunos. Neste caso, a
palavra família.
4ª Etapa: analisar a palavra em silabação – separação de sílabas da palavra geradora
“Família”: Fa-mí-li-a.
5ª Etapa: apresentar um quadro com as famílias silábicas, como por exemplo:
Fa-Fe-Fi-Fo-Fu
Ma-Me-Mi-Mo-Mu
La-Le-Li-Lo-Lu
A-E-I-O-U
6ª Etapa: formação de novas palavras, utilizando as etapas anteriores e o tema
gerador:
 Realizar um debate com todas as etapas, oportunizando a participação de todos
os alunos, utilizando de questionamentos como: Como é a sua família? Quais
são as famílias que você conhece?
 Trabalhar com recorte de revistas e jornais.
 Trabalhar com a música Família do grupo Titãs.
 Realizar rodas de conversa.
 Trabalhar com alfabeto móvel, na elaboração de palavras novas.
7ª Etapa: realizar pesquisas em jornais e revistas de palavras com as seguintes
sílabas: Ma-Me-Mi-Mo-MU.
8ª Etapa: roda de conversa sobre palavras com a letra F.
9ª Etapa: realizar atividades de caça palavras com as sílabas da palavra família, que
é o nosso tema gerador.
10ª Etapa: construção da sua história – o aluno vai contar sua história de vida, de
acordo com a característica de cada aluno.

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Relacionar a interdisciplinaridade com projetos


de ensino que utilizam o tema gerador como
proposta de trabalho
A interdisciplinaridade é configurada no trabalho com temas geradores, uma
vez que o tema caracteriza-se como o ponto de encontro das diferentes áreas
que formam os conhecimentos científicos.
Os pressupostos apresentados pela abordagem educacional, baseados em
temas geradores mostram-se de grande valia a partir do momento em que
norteiam para uma concepção de educação que reconhece a importância do
ensino contextualizado e tratado de forma interdisciplinar. Mais do que isso,
coloca o educando como participante ativo do processo educativo, possibili-
tando a formação de cidadãos mais críticos e ativos na sociedade.
O tema gerador como metodologia na produção de um saber interdiscipli-
nar, Freire propõe uma alternativa radicalmente nova para tratar a questão do
conhecimento e do processo educativo, que também está diretamente ligado
com o problema epistemológico. A novidade freireana reside na elaboração
de uma metodologia coerente para desencadear o processo de construção
do conhecimento. É para esse fim que Freire propõe o tema gerador como
superação, tanto do dualismo sujeito-objeto, quanto da fragmentação do saber,
decorrente do paradigma científico moderno que, por causa da verticalização
do saber, produziu uma ciência necrófila, sem vida e distante das demandas
existenciais da humanidade. A construção de uma racionalidade dialógica é
possível a partir de um trabalho sociocultural que tenha por base a metodologia
dos Temas Geradores.
As palavras e os temas mais significativos deste universo são escolhidos
como material para “[...] a elaboração do novo conhecimento, partindo da
problematização da realidade vivida.” (ANDREOLA, 1993, p. 33).

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A proposta de Paulo Freire traz inúmeros benefícios para a educação, pois:


 reflete em um ensino no qual os alunos são envolvidos nas temáticas discutidas
em sala de aula, e portanto é mais significativo;
 promove a interdisciplinaridade, porque os conteúdos não são tratados de forma
isolada, mas sim dentro de uma problemática mais ampla;
 oportuniza o desenvolvimento da autonomia e do senso crítico, uma vez que sua
base é o diálogo, o que leva o aluno a descobrir o conhecimento, e não receber
informações prontas a serem memorizadas;
 e, por fim, aproxima professor e aluno, pois juntos passam a assumir o papel de
construtores do conhecimento, rompendo com a barreira da hierarquia entre quem
sabe e quem precisa aprender.

A ação pedagógica através da interdisciplinaridade e da transdisciplina-


ridade, aponta para a construção de uma escola participativa e decisiva na
formação do sujeito-social. O educador, sujeito de sua ação pedagógica, é capaz
de elaborar programas e métodos de ensino-aprendizagem, sendo competente
para inserir a sua escola numa comunidade.
O objetivo fundamental da interdisciplinaridade é experimentar a vivência
de uma realidade global que se inscreve nas experiências cotidianas do aluno,
do professor e do povo. Enquanto a escola tradicional, é compartimentizada
e fragmentada.

Articular o saber, o conhecimento, a vivência, escola e comunidade, meio-ambiente etc.,


é o objetivo da interdisciplinaridade. É a prática de um trabalho coletivo e solidário na
organização do trabalho na escola. Não há interdisciplinaridade sem descentralização
do poder, portanto, sem uma efetiva autonomia da escola.

A EJA deve priorizar o conhecimento num viés interdisciplinar, a fim de


compreender a interdisciplinaridade presente na integração de conteúdos,
na valorização de todas as práticas e conhecimentos, na qual as áreas de
conhecimento produzem-se interdisciplinarmente.

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Em síntese, a interdisciplinaridade pode ser vista como uma teoria episte-


mológica ou como uma proposta metodológica. Também como uma modalidade
de aplicação de conhecimentos de uma disciplina em outra. Igualmente, como
modalidade de colaboração entre professores e pesquisadores ou simplesmente
como um sintoma de crise das disciplinas, do excesso e da fragmentação de
conhecimentos, da especialização que perde a visão do todo (PAVIANI, 2008).
Com este viés interdisciplinar, também Vasconcellos (2002, p. 40) corrobora
e aponta a importância da construção dialética do conhecimento em sala de aula,
afirmando que: “Na perspectiva dialética da educação, o conhecimento a ser tra-
balhado em sala de aula não tem um fim em si mesmo. O conhecimento tem sentido
quando possibilita o compreender, o usufruir ou o transformar a realidade.”.
Segundo Vasconcellos (2002) esta concepção possibilita que o aluno
aproprie-se do saber de maneira mais significativa, concreta, transforma-
dora e duradoura. Assim, é necessário pensar no planejamento e na ação
metodológica a partir do viés interdisciplinar. O mesmo precisa alicerçar-se
no envolvimento e na participação do professor, que deve sempre analisar e
refletir a sua prática, buscando espiralidade ação-reflexão-ação.
Esta concepção está alicerçada numa visão globalizante e interdisciplinar
de organização das disciplinas e dos conteúdos escolares. Nesta proposta, o
planejamento na EJA deve ter ênfase no trabalho norteado por projetos didá-
ticos, possibilitando a conciliação do estudo de problemas contemporâneos
significativos para o grupo de estudantes, professores, através de conteúdos
das disciplinas escolares, respeitando seus interesses, necessidades e tomando
como ponto de partida as concepções, hipóteses e conhecimentos dos alunos.
Se definirmos interdisciplinaridade como junção de disciplinas, cabe pensar
o currículo apenas na formatação de sua grade. No entanto, se definirmos
interdisciplinaridade como atitude de ousadia e busca frente ao conhecimento,
cabe pensar aspectos que envolvem a cultura do lugar onde se formam pro-
fessores (FAZENDA, 2012).
Para Fazenda (2008) só é possível trabalhar interdisciplinarmente com
uma atitude interdisciplinar. Sem a conversa entre as diferentes áreas do
conhecimento, não é possível acontecer um planejamento interdisciplinar.

Mais importante que conceituar é refletir a respeito de atitudes que se constituem


como interdisciplinares.

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A educação deve romper com as fragmentações, facilitando as correlações


entre os saberes, a complexidade da vida e dos problemas existentes. A inter-
disciplinaridade pode contribuir nessa questão, pois supõe um eixo integrador
com as disciplinas, de forma que os alunos aprendam a olhar o mesmo objeto
sob perspectivas diferentes. Demo (1998, p. 88-89) define a interdisciplinari-
dade “[...] como a arte do aprofundamento com sentido de abrangência, para
dar conta, ao mesmo tempo, da particularidade e da complexidade do real.”.
Uma das soluções encontradas no enfrentamento das questões postas é o
estudo de temas relacionados com as vivências dos jovens e adultos, de forma
interdisciplinar, fomentando o interesse para os conteúdos ministrados.

1. Um professor de EJA identifica junto a) Aula expositiva


a seus alunos a existência de muito b) Aula dialogada
lixo nas ruas em volta da escola. A c) Projeto de Pesquisa
turma propõe que façam uma visita d) Projeto de Trabalho
a estes espaços para anotarem o que e) Aprendizagem baseada
observam, tirem fotos e retornem em problemas: ABP
para a aula para conversarem. O 2. Sobre o ensino a partir de temas
grupo faz um levantamento de geradores, esta proposta foi
perguntas, reflexões e definem um desenvolvida e aplicada por
grande problema norteador da Paulo Freire, apresentando as
situação. Buscam leituras, artigos, seguintes características:
levam convidados da secretaria do a) Trata do surgimento de um tema
meio ambiente para fazer uma mesa que é buscado na realidade dos
redonda sobre o tema. Durante um alunos e professores e que será
mês, aconteceram vários estudos que refletido e conhecido pela turma.
ajudaram a entender o que estava b) Usa problemas da vida real ou
acontecendo naquela comunidade. estudos de caso para estimular a
Como resultado final, a turma de aprendizagem. Envolve estudos
EJA formou parcerias com as turmas e busca de alternativas que
do ensino regular, com a associação ajudem a solucionar a situação.
dos moradores e iniciaram uma c) Planejamento centrado no
campanha de conscientização professor que propõe a aula em
de coleta e reciclagem do lixo. torno de um conteúdo e provoca
O relato desta proposta de a participação dos alunos.
intervenção é conceituado como: d) Definição de um problema de

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pesquisa, organizada por um controle sobre a turma.


investigador, que apresenta as c) Adote uma postura de
ideias principais de sua pesquisa. organizador do processo
As etapas do projeto constam de: de ensino e aprendizagem,
tema, formulação do problema, interagindo com o aluno e com
objetivos, metodologia o objeto de conhecimento a
adotada na pesquisa, etc. partir de caminhos diversos
e) Exposição oral fundamentada na para que chaguem ao saber.
transmissão de conhecimentos d) Que assuma a mesma postura
específicos (técnicos ou científicos) interventiva que realiza com
que se refere a um assunto turmas do ensino regular.
relacionado à determinada e) Que o professor abandone
área do conhecimento. os conteúdos visto que eles
3. Gadotti (1991) descreve as seguintes devem ser negados quando
etapas de uma intervenção existe um projeto interdisciplinar
pedagógica a ser desenvolvida em desenvolvimento.
com uma turma de EJA: 5. A metodologia definida
Investigar algo sobre realidade. por Paulo Freire como tema
Tematizar junto com os alunos. gerador está vinculada à
Ler e debater o tema que interdisciplinaridade porque:
gerou a situação. a) Os pressupostos teóricos
Propor um diálogo entre e práticos que sustentam
teoria e prática. o tema gerador geral têm
Tomada de consciência da como princípio a promoção
turma sobre o tema. de uma aprendizagem
Esta descrição está de acordo com: global, não fragmentada.
a) Projeto de Pesquisa b) Tanto a interdisciplinaridade
b) Tema gerador quanto o tema gerador
c) Aprendizagem Baseada em devem atender somente
Problemas alternativas que aos alunos de EJA.
ajudem a solucionar a situação. c) Foi proibida a utilização da
d) Seminário Integrador proposta bancária de educação.
e) Aula dialogada d) Promove a defesa de uma
4. O desenvolvimento de um projeto educação preocupada,
pedagógico interdisciplinar exclusivamente, com os
exige que o professor: conteúdos disciplinares.
a) Interfira a partir das propostas e) Possibilita a ideia de
tradicionais de ensino. compartimentalização
b) Exerça uma postura de dos conteúdos.

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ANDREOLA, B. A. O processo do conhecimento em Paulo Freire. Educação e Realidade,


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Leituras recomendadas
FREIRE, P. (2009). Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São
Paulo: Paz e Terra.
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999.

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