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UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO

Diocélia Moura da Silva

O PROGRAMA DE FILOSOFIA PARA CRIANÇAS E


JOVENS DE MATTHEW LIPMAN COMO UMA
PROPOSTA DE EDUCAÇÃO PARA O PENSAR

Passo Fundo
2018
Diocélia Moura da Silva

O PROGRAMA DE FILOSOFIA PARA CRIANÇAS E


JOVENS DE MATTHEW LIPMAN COMO UMA
PROPOSTA DE EDUCAÇÃO PARA O PENSAR

Monografia apresentada ao curso de Licenciatura em


Filosofia, do Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas, da Universidade de Passo Fundo, como
requisito parcial para a obtenção do grau de
Licenciado em Filosofia, sob a orientação da
professora Dr.ª Carina Tonieto.

Passo Fundo
2018
Diocélia Moura da Silva

O PROGRAMA DE FILOSOFIA PARA CRIANÇAS E JOVENS DE MATTHEW


LIPMAN COMO UMA PROPOSTA DE EDUCAÇÃO PARA O PENSAR

Monografia apresentada ao curso de Licenciatura em


Filosofia, do Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas, da Universidade de Passo Fundo, como
requisito parcial para a obtenção do grau de
Licenciado em Filosofia, sob a orientação da
professora Dr.ª Carina Tonieto

Aprovada em 13 de dezembro de 2018

BANCA EXAMINADORA

____________________________
Prof.ª Dr.ª Carina Tonieto – UPF

_____________________________________
Prof. Dr. Altair Alberto Fávero – UPF

_______________________________________
Prof.ª Dr.ª Cínthia Roso Oliveira – UPF
A quem incentivou, educou e disse: “não desista do
curso, conte comigo” ...
AGRADECIMENTOS

Agradeço a professora Carina Tonieto, minha eterna


orientadora, a quem passei a admirar imensamente
como educadora, filósofa, pesquisadora e como
pessoa.
Aos professores do curso de filosofia da Universidade
de Passo Fundo por cada incentivo, cada abraço e
cada aprendizagem.
A minha família e amigos.
Quando o artificial [...] se ache institucionalmente
estabelecido e enraizado no costume e na rotina, é
mais fácil seguir os caminhos velhos e batidos do que,
depois de tomar um novo ponto de vista, achar o que
está nesse novo ponto de vista envolvido e criar uma
nova prática (DEWEY, 1979, p. 20).
RESUMO

O programa de filosofia para crianças e jovens iniciado pelo educador e filósofo Matthew Lipman é uma proposta
de educação que intenta levar a filosofia para a escola e para a sala de aula de crianças e jovens, a fim de
desenvolver a atitude do filosofar e consequentemente provocar um melhor pensamento. Contudo, conhecer
especificamente o que é o programa e qual é o seu objetivo não é suficiente para definir o seu significado e
possibilidade na educação básica. É necessário a compreensão do que tal proposta implica e em que elementos ela
se ancora. Por essa necessidade, esta pesquisa, marcadamente bibliográfica, investiga os elementos teóricos que
justificam o projeto lipmaniano de ensino de filosofia para crianças e jovens como uma proposta de educação para
o pensar, com a finalidade de explicar o significado educacional que a proposta fundamenta e o porquê de sua
possibilidade pedagógica. O problema responsável pelo início, meio e fim dessa produção, expressa-se na seguinte
pergunta: Quais são os elementos teóricos que justificam o programa de ensino de filosofia para crianças e jovens
de Matthew Lipman como uma proposta de educação para o pensar? Para construir uma resposta adequada ao
problema e satisfazer o objetivo geral que apresenta-se, foi dividido a presente pesquisa em três capítulos, onde de
modo geral, tentou-se em um primeiro momento compreender os princípios introdutórios da constituição do
paradigma da educação para o pensar. Em um segundo momento a pesquisa aprofundou-se na teoria do pensar de
ordem superior ou pensamento multidimensional e as possibilidades pedagógicas e metodológicas de ensino para
desenvolver esse pensamento. Por fim, estudou-se a concepção de filosofia e de ensino de filosofia de Lipman,
criador do programa, estabelecendo uma relação entre as características do paradigma da educação para o pensar
e a filosofia na composição do programa lipmaniano de filosofia para crianças e jovens. Após todo esse processo,
conclui-se que o programa de filosofia para crianças e jovens de Matthew Lipman está ancorado teoricamente e
metodologicamente numa proposta de educação para o pensar. Essa relação define o significado e a possibilidade
pedagógica do programa lipmaniano de filosofia para crianças e jovens.
Palavras-chave: Filosofia para crianças e jovens. Educação para o pensar. Matthew Lipman. Ensino de filosofia.
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 9
2 A DEFESA DE UMA EDUCAÇÃO REFLEXIVA E O PARADIGMA DA
EDUCAÇÃO PARA O PENSAR DE MATTHEW LIPMAN ................................ 15
2.1 O paradigma padrão da prática normal e o paradigma reflexivo da prática crítica
................................................................................................................................... 15

2.2 Por que é necessário uma educação que objetive o fortalecimento do pensar? ..... 21

2.3 A necessidade da reforma educacional .................................................................... 24

2.4 Repensar o currículo escolar em direção a educação para o pensar: a busca por
significados e uma educação racional....................................................................... 27

3 A TEORIA DO PENSAR FUNDANTE DA EDUCAÇÃO PARA O PENSAR E AS


SUAS CONDIÇÕES DE POSSIBILIDADE ............................................................ 32
3.1 As características do processo do pensamento multidimensional: a teoria do pensar
de ordem superior ..................................................................................................... 32

3.1.1 O pensamento crítico .................................................................................................. 33


3.1.2 O pensamento criativo ................................................................................................ 36
3.1.3 O pensamento complexo ............................................................................................ 40
3.1.4 A estrutura do pensamento de ordem superior ............................................................ 41
3.2 A comunidade de investigação e o diálogo: a possibilidade da educação para o pensar
de ordem superior ..................................................................................................... 43

3.2.1 A origem teórica-filosófica da comunidade de investigação ........................................ 45


3.2.2 A comunidade de investigação na proposta de Lipman ............................................... 48
3.2.3 O diálogo como princípio que fundamenta a educação e como uma forma de
investigação ................................................................................................................ 51
4 O PROGRAMA DE FILOSOFIA PARA CRIANÇAS E JOVENS COMO UMA
PROPOSTA DE EDUCAÇÃO PARA O PENSAR ................................................. 58
4.1 O ensino de filosofia a partir de uma proposta de educação para o pensar ........... 59

4.1.1 A filosofia adequadamente reconstruída e corretamente ensinada ............................... 61


4.2 As habilidades de pensamento e a pesquisa filosófica colaborativa ....................... 64

4.2.1 Metodologia da pesquisa filosófica colaborativa ......................................................... 72


4.3 O projeto de filosofia para crianças e jovens como iniciação ao processo de pesquisa
filosófica colaborativa desde os anos iniciais............................................................ 75
4.4 O lugar e a necessidade das novelas, textos e narrativas filosóficas na metodologia
da proposta de filosofia para crianças e jovens ..................................................... 83

4.5 O papel e a formação do professor na condução da comunidade de investigação


filosófica .................................................................................................................. 86

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 89


REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 94
9

1 INTRODUÇÃO

Em nossos tempos líquidos1 e sensíveis à busca por progresso tecnológico e econômico,


parece que falar na contribuição da filosofia para a área da educação é algo inútil. Por mais que
já existiram ou existem importantes teóricos e pesquisadores que apontaram o imensurável elo
entre a filosofia e a educação, os avanços são incipientes e tendemos a nos apoiar em outras
estruturas conceituais, teóricas ou práticas que propõe outras visões de ensino, de educação e
de filosofia.
Educação e filosofia são duas grandes áreas específicas e complexas que manifestam a
persistência por um maior discernimento quanto às relações do conhecimento com o sujeito
epistêmico e social. Entendemos que a filosofia aponta a preocupação humana a respeito da
sabedoria e do conhecimento, busca através do exame criativo e racional ampliar e clarificar as
diversas interfaces do pensamento humano em diálogo com o mundo, com as ações, consigo
mesmo e com o além do que é dado como certo. O campo da educação, em sua natureza ampla,
também traz a preocupação humana com o conhecimento e sabedoria. Essa preocupação busca
reunir e estudar o conjunto complexo das áreas do saber entre as quais encontra-se a filosofia,
que inquieta-se em manter vivos esses conhecimentos, não pela simples reprodução, mas sim
com a união das gerações por um elo epistêmico e espaços de liberdade intelectual.
Essas duas definições podem soar um pouco românticas, ilusórias ou contingentes. Mas
não deixam de ilustrar algumas peculiaridades semelhantes ao campo da filosofia e da
educação. Ambas, figuram a preocupação humana com o conhecimento e o pensamento.
Contudo de tempos em tempos são separadas a partir do parecer de que a filosofia e a educação
tornam-se excludentes ou porque elas adquirem outras significações as quais perseguem outros
rumos. Mesmo assim, a relação que une a área da filosofia à área da educação permanece
possível e aberta para quem busque pesquisar essa relação ou trazer exemplos de como ela é
possível e frutífera.
Esse é o caso do Programa de Filosofia Para Crianças e Jovens criado pelo filósofo e
educador norte-americano Matthew Lipman (1923-2010) como uma proposta de educação para
o pensar. Essa proposta é um exemplo contemporâneo que ilustra uma forma de relação da
filosofia com a educação, pois os fundamentos dessa proposta não apenas implicam em uma

1
Termo criado pelo intelectual, sociólogo e filósofo da Pós-modernidade Zygmunt Bauman. Esse termo representa
a ideia de fluídez que opõe-se a ideia de algo sólido ou permanente. Bauman (2001, p.8) atribuiu a fluidez “como
a principal metáfora para o estágio presente da era moderna”, porque percebe que nos tempos modernos a
consciência de que nada é durável, tudo é fluído, a efemeridade dos acontecimentos, a conturbação e as mudanças
assustadoramente constantes são características desse período. Mais detalhes sobre esse assunto ver Bauman
(2001).
10

forma de ensino pensada para a disciplina de filosofia na escola, especificamente, em sala de


aula, implicam em estruturas gerais metodológicas e teóricas que atingem a possibilidade de
um repensar o campo educacional.
Em um contexto geral, Lipman pensou a filosofia como uma grande aliada da educação
para contribuir com o desenvolvimento do pensamento autônomo. Uma das primeiras
inquietações do filósofo era sobre as questões cognitivas. Na década de 1950 doutorou-se em
filosofia com ênfase na subárea de estética com uma pesquisa a qual abordava a arte como uma
forma de pensamento e de inteligência e, então, passou a se interessar por questões relativas ao
pensamento, a educação e a filosofia. Por volta de 1969, Lipman lecionou na Universidade de
Columbia onde ministrava as disciplinas de Introdução à Lógica e Introdução à Indagação
Filosófica, foi nesse período que surgiram as primeiras inquietações que deram origem a sua
proposta de ensino de filosofia. Em suas aulas ministradas, ele constatou que os alunos que
ingressavam no ensino superior apresentavam falhas cognitivas, dificuldades em pensar por si
mesmo e de modo crítico, além disso apresentavam o nível de raciocínio típico de estudantes
em fase de desenvolvimento do ensino fundamental. Ao analisar esse cenário, Lipman percebeu
que a educação básica não estava dando conta de formar estudantes que pensam. Foi nesse
mesmo ano que ele escreveu a primeira narrativa filosófica a partir da ideia de que a lógica
poderia contribuir com as questões referentes as deficiências de raciocínio. Mas, depois pesou
que não só a lógica poderia contribuir, como também todas as áreas de discussões da filosofia.
Contudo, também percebe que na educação superior já seria um pouco tarde para iniciar os
estudantes ao pensar, portanto era necessário conjecturar uma proposta de ensino para o pensar
que começasse a ser desenvolvida desde as séries iniciais da educação básica. Foi assim, que
Lipman propõe, juntamente com alguns colaboradores, uma proposta de ensino de filosofia para
a educação das crianças e jovens como uma educação para o pensar. Essa proposta se difundiu
por muitos países. No Brasil, chegou por volta de 1985 por meio de Catherine Young Silva
quem fundou o Centro Brasileiro de Filosofia para Crianças (LIPMAN, 1998a; 1990).
O surgimento dessa proposta no Brasil provocou de um lado deslumbramento por ser
uma novidade e de outro críticas e ceticismos. Na verdade, tudo o que é apresentado como novo
pode gerar ou esse deslumbramento ou esse ceticismo. Porém, é importante ressaltar que
também temos importantes contribuições e estudos que tentaram clarificar e entender os
pressupostos da proposta de Lipman e pode-se dizer que conseguiram e tornam-se importantes
contribuições para pesquisas subsequentes sobre o tema. Diante do nosso atual cenário (2018)
ainda se evidencia muitas ambiguidades quanto ao que propõe e ao que implica a proposta de
ensino de filosofia para crianças e jovens lipmaniana. E mensurar a possibilidade pedagógica
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de tal proposta a partir de um simples conhecer o que ela propõe em si ou em partes não seria
suficiente, pois corre-se o risco de mal entendidos. Abre-se, nesse sentido, um leque de
situações pelas quais faz-se necessário perguntar: Afinal, em que se ampara teoricamente e
metodologicamente a proposta de filosofia para crianças e jovens? Por que tal proposta seria
uma educação para o pensar? O que é entendido por pensar nesta perspectiva? Por que a escolha
da filosofia? A filosofia teria alguma coisa a contribuir com a educação de crianças, se sim, há
realmente um exemplo de relação da filosofia e a educação?
A partir da análise dessa contextualização geral, vê-se necessário ainda perguntar pelo
significado e possibilidade educacional do programa de filosofia para crianças e jovens de
Matthew Lipman como uma proposta de educação para o pensar. E um primeiro passo rumo a
descoberta ou redescoberta desse significado e possibilidade é pensar na seguinte pergunta:
Quais são os elementos teóricos que justificam o programa de ensino de filosofia para crianças
e jovens de Matthew Lipman como uma proposta de educação para o pensar?
Esse problema evidenciado é o que nos propomos enfrentar nos limites da presente
pesquisa tendo como objetivo geral a proposta de investigar os elementos teóricos que
justificam o projeto lipmaniano de ensino de filosofia para crianças e jovens como uma proposta
de educação para o pensar, a fim de explicar o significado educacional que a proposta
fundamenta e o porquê de sua possibilidade pedagógica. Perseguindo esse objetivo maior,
tomamos os seguintes objetivos específicos: (I) Reconstruir os parâmetros introdutórios do
modelo educacional reflexivo da Educação Para o Pensar, apontado nas obras de Lipman, para
compreender o que é e qual pertinência para o programa de filosofia para crianças e jovens;
(II) sistematizar as bases teóricas que figuram a teoria do pensamento de ordem superior, a qual
sustenta o paradigma da educação para o pensar e apontar como esse pensamento pode ser
provocado na educação básica; (III) projetar como a filosofia torna-se uma educação para o
pensar e identificar as possibilidades pedagógicas do Programa de Filosofia Para Crianças e
Jovens para o desenvolvimento do pensamento.
A nossa pesquisa quanto aos seus procedimentos técnicos é classificada como
bibliográfica. Entendemos a pesquisa bibliográfica como metodologia de pesquisa em que se
“utiliza exclusivamente publicações (principalmente livros e periódicos)” como recursos para
a análises e sistematizações (FÁVERO; GABOARDI; CENCI, 2014, p. 54). Considerando esse
tipo de classificação, detemo-nos em reunir e analisar fontes bibliográficas primárias e
secundárias referentes a artigos científicos, periódicos, teses, dissertações, resumos publicados
em anais e livros já publicadas sobre o assunto os quais demonstraram relevância e
cientificidade confiável para contribuir com a investigação proposta. Com esse levantamento
12

de dados bibliográficos, nosso intuito foi chegar a uma compreensão sólida sobre o que os
pesquisadores, filósofos e educadores já apresentaram sobre o assunto. Quanto aos objetivos,
classificamos esta produção como exploratória-explicativa onde nos propomos a compreender
o pensamento teórico relacionado ao programa de filosofia para crianças e jovens de Matthew
Lipman e a partir dessa compreensão explicar o significado educacional e a possibilidade
pedagógica de tal proposta. Nesse sentido, fizemos uma fusão de duas classificações quanto aos
objetivos da pesquisa, a primeira caracterizada como exploratória, é entendida como pesquisa
que tem como objetivo “familiarizar-se com determinado assunto”, ou seja, construir uma
compreensão sobre o assunto e, a segunda, caracterizada como explicativa, cujo objetivo não é
“apenas descobrir relações entre variáveis; é preciso mostrar quais são as causas do fenômeno
ocorrido” (FÁVERO; GABOARDI; CENCI, 2014, p. 53). Traduzindo essas duas classificações
da pesquisa quanto aos seus objetivos para o contexto da nossa presente produção, buscamos
não apenas construir uma compreensão sobre o assunto, mas poder explicar a relação dessa
compreensão com o tema envolvido. A exposição e explicação dos termos e conceitos obtidos
com a investigação serão tratados por um abordagem qualitativa, dessa forma, o critério a ser
utilizado não recorre a quantidades numéricas e sim a qualidade teórica dos dados bibliográficos
encontrados nos escritos analisados e interpretados.
Entendemos que para identificar e explicar a significação e possibilidade de um projeto
como o de Matthew Lipman, é necessário partir da teoria a qual nos possibilita a compreensão
da proposta de educação fundante que esse projeto traz. E, é por isso que a nossa abordagem
marcadamente teórica se justifica, por ser uma nova contribuição para a área de ensino de
filosofia com a clarificação teórica da importância, de um lado, da filosofia para a educação e
de outro lado, do oportuno esclarecimento dos pilares, teóricos e metodológicos, que sustentam
o programa de filosofia de Matthew Lipman. Contudo, adotamos a postura epistemológica
falibilista quanto a análise dos dados bibliográficos e a abordagem dos resultados que chegamos
com esta pesquisa. Por postura falibilista se entende que é “a posição epistemológica que afirma
que o conhecimento humano sempre é suscetível de erro, isto é, a justificação epistêmica de
proposições contingentes não se encontra garantida pela verdade” (PAVIANI, 2009, p.135),
assim, entendemos de antemão que uma posição ou conclusão mesmo bem justificada é
contingente, pode ser plausível de falhas, uma vez que, estas falhas podem fazer parte de todas
as pesquisas.
Levando em consideração os objetivos, ponderações e procedimentos desta pesquisa,
dividiremos tal produção em três capítulos:
13

No primeiro capítulo, nossa pretensão é compreender as discussões e os princípios


gerais sobre o paradigma reflexivo da prática crítica o qual Lipman delineia como importante
e necessário em oposição ao paradigma da educação tradicional. Tal compreensão é um
primeiro ponto a se considerar como pertinente para o programa de filosofia para crianças e
jovens. Para fins de efetivar essa pretensão, dividiremos o capítulo em quatro seções. Na seção
2.1, discutiremos a respeito dos dois paradigmas da educação onde identificaremos o paradigma
reflexivo da prática crítica como o modelo educacional que Lipman defende o qual podemos,
também, reconhecer como paradigma da educação para o pensar. Na seção 2.2, abordaremos a
necessidade de considerar relevante ensinar a pensar nos moldes que o paradigma reflexivo
aponta. Na seção 2.3, daremos continuidade à discussão anterior com a defesa da necessidade
da reforma educacional e, na seção 2.4, faremos considerações sobre o repensar os currículos
rumo a educação para o pensar. No segundo capítulo, detemo-nos a compreender o cerne teórico
do paradigma da educação para o pensar com o estudo da estrutura da teoria do pensamento
multidimensional ou de ordem superior e a identificação das condições pedagógicas que
Lipman apontou como forma de provocar e aperfeiçoar esse pensamento na educação básica.
De antemão, adiantaremos que tais condições são possíveis pela pesquisa em comunidade
provocada pelo diálogo e na ocasião descobriremos que o diálogo é uma espécie de matriz
teórica que norteia toda a ideia de educação. Para construir essa compreensão, neste capítulo
teremos duas seções e três subseções. Na seção 3.1 definiremos de modo geral o que é o
pensamento multidimensional ou de ordem superior citando a formação de sua estrutura a partir
de três tipos de pensamento, o pensar crítico-cuidadoso, o pensar criativo e o pensar complexo.
Apontaremos que desenvolver esse pensamento é o objetivo do paradigma da educação para o
pensar. Na subseção 3.1.1, daremos conta de explicar o que é e como se constitui o pensar
crítico, na subseção 3.1.2, explicaremos o que é e como se constitui o pensar criativo, na
subseção 3.1.3, esclareceremos o que é e como se constitui o pensar complexo e, na subseção
3.1.4 apontaremos a existência do pensamento cuidadoso e sintetizaremos a relação entre os
pensamentos crítico-cuidadoso, criativo e complexo a qual constitui o pensamento
multidimensional ou de ordem superior. Na seção 3.2, estudaremos a comunidade de
investigação e o diálogo como princípios teóricos e metodológicos pelos quais é possível
ensinar ou desenvolver o pensamento multidimensional. Na subseção 3.2.1, trataremos da
origem da comunidade de investigação onde identificaremos uma origem filosófica e científica.
Na subseção 3.2.2, trataremos, de modo específico, da proposta de comunidade de investigação
lipmaniana e na subseção 3.2.3, abordaremos a concepção de diálogo como princípio que
norteia toda a proposta de educação para o pensar e uma forma metodológica de investigação.
14

No terceiro capítulo, considerando o paradigma da educação para o pensar e seus proponentes


para a educação, o objetivo é projetar como a filosofia é amparada nesse paradigma tornando-
se um proposta de educação para o pensar na concepção de ensino e de filosofia lipmaniana e
definir a possibilidade pedagógica dessa proposta. Para tanto, dividiremos este capítulo em
cinco seções e duas subseções: na seção 4.1, sistematizaremos as contribuições da filosofia para
a educação e identificaremos o diálogo e investigação como peculiaridades da filosofia o que
nos permite afirmar que a filosofia tem princípios que convergem com o paradigma da educação
reflexiva (educação para o pensar). Na subseção 4.1.1, daremos continuidade com a retomada
às peculiaridades da filosofia a partir das quais é possível definir a concepção de ensino e de
filosofia lipmaniana onde também abordamos a ideia de uma filosofia adequadamente
reconstruída e corretamente ensinada. Quanto a essa temática, adiantamos que na concepção de
Lipman a filosofia adequadamente reconstruída e corretamente ensinada é aquela que ao ser
ensinada é preservado o espírito de diálogo e investigação que dão significação a arte do fazer
filosofia (pesquisa filosófica colaborativa). Na seção 4.2, abordaremos os quatro grupos de
habilidades do pensamento consideradas por Lipman como importantes para o
desenvolvimento do pensar multidimensional e estudaremos a contribuição da filosofia, quando
ensinada por meio da pesquisa filosófica colaborativa (dialógica), com o desenvolvimento das
habilidades de pensamento. Na subseção 4.2.1, continuaremos com a apresentação da
metodologia lipmaniana de pesquisa filosófica colaborativa para o ensino das crianças e jovens.
Na seção 4.3, exibiremos o projeto de filosofia para crianças e jovens de Lipman como uma
proposta de iniciação a pesquisa filosófica colaborativa que intenta iniciar os estudantes a
prática de filosofar e contribuir com o desenvolvimento das habilidades de pensamento. Na
ocasião, abordaremos também a preocupação de Lipman com o desenvolvimento do
pensamento das crianças desde pequenas e a importância de trazer a filosofia para elas. Aqui
também apresentaremos os sete módulos de ensino de filosofia para crianças e jovens
mentalizados por Lipman juntamente com seus colaboradores nos quais figura-se a proposta de
desenvolver com as crianças e jovens a investigação filosófica colaborativa por meio de planos
de discussões e narrativas que ilustram problemas filosóficos. Nas últimas duas seções,
trataremos do fechamento da presente pesquisa a partir da abordagem sobre a importância do
texto filosófico narrativo ou dialógico para o programa lipmaniano e do papel e formação do
professor de filosofia o qual identificamos como uma peça chave para a concretização da
proposta de filosofia para crianças e jovens como educação para o pensar.
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2 A DEFESA DE UMA EDUCAÇÃO REFLEXIVA E O PARADIGMA DA EDUCAÇÃO


PARA O PENSAR DE MATTHEW LIPMAN

O paradigma da educação para o pensar delineado pelo filósofo e educador Matthew


Lipman é uma sugestão contemporânea de educação que se estabelece como pilar fundamental
do projeto lipmaniano de filosofia para crianças proposto, por esse mesmo autor, para o ensino
de filosofia. Considerando essa colocação, compreendemos que antes de pensarmos em
qualquer outro princípio que explique o programa de ensino de filosofia que Matthew Lipman
desenvolve, é necessário investigar primeiramente o seu fundamento base que é o seu
paradigma, a sua proposta de educação. Portanto, na busca por compreender e explicar os
elementos teóricos que justificam o programa de ensino de filosofia para crianças e jovens de
Matthew Lipman como uma proposta de educação para o pensar, procuramos, neste capítulo,
reconstruir os parâmetros introdutórios do modelo educacional de educação para o pensar com
foco na sua pertinência como educação reflexiva no campo educacional.
Para isso, seguiremos, basicamente três critérios: a sua urgência para o sistema
educativo como um novo paradigma, a sua contribuição social e como direito dos sujeitos que
merecem uma educação plena para construção de significado fundante e que os ajude a pensar
de forma autônoma.

2.1 O paradigma padrão da prática normal e o paradigma reflexivo da prática crítica

Em certo sentido, a educação se encontra em uma situação marasmática: fraca e


debilitada. Sintoma que advém de circunstâncias problemáticas, equívocos metodológicos e
concepções errôneas sobre os propósitos educacionais que se apresentam como um conjunto de
fatores que são articulados no processo educativo. Quando esse conjunto articulado provém de
concepções que estão problemáticas e em crise, geram inúmeros sintomas que se agregam a
decadência da educação, inclusive sintomas que apontam para uma sociedade que também está
doente. Não se propõe, no entanto, afirmar que o sistema educativo seja um fracasso total,
tampouco fazer uma generalização apressada. Teve-se, de certo, alguns avanços quanto a
questão da educação. Contudo, uma de suas fraquezas, é ter concepções teóricas e
metodológicas frequentemente fracas ou ineptas. Lipman (2008a; 2008b) em seus estudos,
corrobora com essa posição, para ele, as práticas e concepções educativas não são refletidas, a
educação proporciona poucos incentivos, sentido e significado ao pensamento, o que
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compromete a construção do conhecimento e produz sujeitos com raciocínio e julgamentos


deficientes, acríticos e pouco autônomos.
É pertinente ressaltar que Lipman refletiu sobre a educação americana, no entanto, ele
mesmo menciona “que as escolas em toda a parte são acusadas porque os conhecimentos dos
alunos têm se mostrado muito deficientes, e que o pouco que os alunos sabem é sustentado de
maneira quase totalmente acrítica, e o pouco sobre o qual refletem é feito de maneira destituída
de imaginação” (LIPMAN, 2008a, p. 44). Segundo essa menção, há problemas que atingem o
sistema educativo de maneira geral em toda a parte. Essa reflexão foi formulada quase no final
do século passado. Mas, hoje, situando no nosso contexto e no nosso tempo, não parece que os
apontamentos de Lipman sejam incabíveis.
Todos os dias é acompanhado a irracionalidade do mundo, julgamentos falaciosos,
intolerância, compartilhamento de preconceitos e o descaso com os valores éticos,
democráticos, lógicos, críticos e criativos. O tronco da sociedade é sustentado pelo modo como
ela é educada. A educação escolar propõe a construção de visões, concepções e relações com o
mundo, portanto os sujeitos são em grande parte produtos dela. Mesmo que se possa objetar
essa afirmação com a alegação de que cada indivíduo carrega consigo princípios da educação e
concepções de suas famílias, é válido questionar se não foi o idêntico sistema educacional quem
educou as pessoas e familiares que convivem e influenciam as novas gerações.
Lipman (1990, p. 33) afirma que as nossas famílias “são igualmente produtos do
mesmíssimo processo de educação”. A educação reproduz os valores da sociedade a qual ela
está inserida e a sociedade é produto do seu sistema educacional. Logo, é possível julgar que o
cenário educacional se encontra preso em um movimento circular que dificulta a ruptura pelo
seguinte motivo: a educação reproduz valores da sua sociedade e a sociedade reproduz os
valores de sua educação, se ambos estão problemáticos, quem ou o que quebrará esse ciclo?
Para Lipman (1990, p. 33), o sistema educacional tradicional ou padrão não é apenas
imperfeito como também essas imperfeições são, em grande escala, responsáveis “pelas graves
circunstâncias em que o mundo se encontra atualmente”. Isso não significa dizer que a
sociedade é inocentada em relação as graves circunstâncias em que o mundo está, desviando,
desse modo, toda a culpa para a educação. Pelo contrário, a sociedade é culpada, porque é ela
quem estrutura o sistema educacional conforme a sua irracionalidade, porquanto que, um
sistema que é pensado para educar não é indissociável da sociedade que o pensou. É provável
que para Lipman (1990), as graves circunstâncias do mundo têm uma certa conexão com a
ordem deficitária ético-moral e preconceituosa que são conservadas na comunidade de
indivíduos. O problema em questão é a falta de sujeitos que pensam por conta própria. Nesse
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sentido, sim, uma educação com bases teóricas e metodológicas fracas ou ineptas contribuem
em alto grau com a conservação e produção da irracionalidade da sociedade. Por outro lado,
uma educação que incentiva a reflexão e o pensar pode ter chances de mudar esse quadro.
Lipman (1990; 2008a), de certo modo, defende essa posição e aposta na educação como
possível contribuinte com a sociedade democrática como também o inverso, uma sociedade
democrática contribui com a educação. Seguindo essa constatação, surge a pertinência de
pensar no contexto do processo educativo e a sociedade que se precisa representar e estruturar.
Se considerar a influência da educação para a sociedade, a influência da sociedade para a
educação e que o ponto de partida de toda a sociedade é pautado pelo sistema educacional,
então segue-se a concordância com a necessidade de uma virada de concepções e métodos
educacionais. Ou seja, uma mudança de paradigma em que se trabalha e pensa na educação
como uma condição para uma educação e sociedade mais reflexiva.
Em suas pesquisas e inquietações filosóficas e educacionais acerca do sistema
educacional, Lipman (2008a, p. 28), defende esse símile raciocínio de repensar o paradigma da
educação. Preocupado com as deficiências do processo educativo, ele identifica a existência de
“dois paradigmas fortemente contrastantes da prática educativa: o paradigma-padrão da prática
normal e o paradigma reflexivo da prática crítica”. No paradigma-padrão da prática normal,
predominam as concepções de educação como “transmissão de conhecimentos daqueles que
sabem para aqueles que não sabem”, que entendem que o conhecimento “se refere ao mundo,
e o nosso conhecimento acerca do mundo é inequívoco, explicável e não ambíguo”. Esses
conhecimentos são divididos por disciplinas “que não são coincidentes e que juntas completam
o universo a ser conhecido”. Ou seja, os conhecimentos estão dominados e fechados em cada
disciplina, prontos para serem transmitidos tal qual produtos enlatados prontos para serem
consumidos. O professor é considerado como a figura de autoridade que detém e repassa esses
conhecimentos ao aluno por “intermédio da absolvição de informações” sobre assuntos
específicos (LIPMAN, 2008a, p. 28-29). Por essa concepção, é considerado que os alunos
pensam se conseguem reproduzir as informações fornecidas a eles. E, portanto, a concepção de
educação equivale ao abarrotamento de conteúdos legitimados pela historicidade e cultura, por
serem passados de geração em geração como princípios acabados e inquestionáveis os quais
objetivam estruturar o pensamento do sujeito.
Em contrapartida, o paradigma reflexivo da prática crítica é descrito por Lipman (2008a,
p. 29) como paradigma educacional que entende que a educação deve ser “resultado da
participação em uma comunidade de investigação orientada pelo professor, entre cujas metas
encontra-se o desenvolvimento da compreensão e do julgamento adequado”. Notavelmente,
18

nessa concepção, a educação é transformada de provedora de conhecimento pronto e acabado


para promotora de investigação. Com essa visão, o enfoque epistemológico, teórico e
metodológico é diferente. Os alunos são concebidos como sujeitos agentes que se constroem
em suas relações com o mundo e o conhecimento é concebido como produto de pesquisa
considerado falseável e potência para novas investigações. Por esse enfoque, “os alunos são
estimulados a pensar sobre o mundo quando o nosso conhecimento a seu respeito revela ser
ambíguo, equívoco e inexplicável”. Em outras palavras, o conhecimento se refere ao mundo,
mas esse se mostra como um enigma, um problema a ser sempre investigado e não assimilado
passivamente. As disciplinas, onde ocorre os questionamentos, são presumidas como nem
coincidentes nem completas, a relação delas com os temas investigados é problemática. A
postura do professor é de falibilidade que tal qual um investigador que investiga conhecimentos
e é autocorretivo com sua própria prática, a sua postura “está pronta para admitir erros” ao invés
de ser a figura de autoridade. Assim, com “o enfoque do processo educativo na percepção das
relações contidas nos temas investigados” espera-se que os alunos “pensem e reflitam, e que
desenvolvam cada vez mais o uso da razão, assim como a capacidade de serem criteriosos” e
autônomos (LIPMAN, 2008a, p. 29).
Sobre esses dois paradigmas, Elicor (2016, p. 45) comenta que o paradigma padrão da
prática normal é parecido com o método educacional o qual Paulo Freire 2 denominou de
educação bancária. Esse modelo de educação identificado e criticado por Freire, considera que
o conhecimento se dá por meio de transmissão e memorização que é o que se perpetuava como
opressão, que ao invés de promover a libertação, mata a consciência crítica e autônoma do
pensador. O paradigma reflexivo, pelo contrário, assume que a educação, pela sua própria
essência, é uma atividade de investigação (ELICOR, 2016, p. 45-46). E os educandos,
professores e as demais pessoas envolvidas nesse processo são os agentes que mantém viva
essa atividade.
Como é perceptível, em cada um desses dois modelos de educação que Lipman (2008a)
esboça, dispõe de condições que dão norte aos objetivos das propostas educacionais. Conforme
Tonieto (2007, p. 20), compreender essa diferença é um passo importante para entender como
se dá os processos educativos em cada um deles, pois esses não apenas implicam no “nível
estrutural e organizacional do processo educativo, mas a mudanças nas concepções que
norteiam a prática educativa”. Pois em cada paradigma é determinado uma concepção diferente

2
Embora existam algumas aproximações do modelo de educação de Matthew Lipman com o de Paulo Freire, as
ideias de Lipman não sofreram influências das ideias de Freire, ambos tiveram apenas algumas leituras em comum
(KOHAN, 2018, p. 3-4).
19

de educação, de conhecimento, de relações como a entre alunos e professores, entre os sujeitos


com o mundo. Além disso, essa diferença entre os paradigmas implica no modo como são
entendidas as disciplinas, os resultados do processo educacional, objetivos e métodos. Portanto,
são dois tipos opostos de educação que implicam em duas diferentes concepções teóricas-
epistemológicas e metodológicas. Sem essa distinção, corre-se o risco de erro ao se pensar em
promover uma educação com categorias reflexivas e críticas, porém, com objetivos e métodos
assimétricos das categorias de uma educação que busca meramente a transmissão de
conhecimentos e espera que tais objetivos sejam alcançados como se esses fossem os mesmos
para os dois modelos de educação.
O objetivo do paradigma reflexivo é desenvolver a autonomia do pensamento no sentido
de que,

[...] “pensadores autônomos” são aqueles que pensam por si mesmos, que não repetem
simplesmente o que outras pessoas dizem ou pensam mas que fazem seus próprios
julgamentos a partir das provas que formam a sua própria visão de mundo e
desenvolvem suas próprias concepções acerca do tipo de indivíduo que querem ser e
o tipo de mundo que gostariam que fosse (LIPMAN, 2008a, p. 36).

É nessa visão que, a educação pode ser considerada como contribuinte com o
desenvolvimento do raciocínio e do julgamentos dos sujeitos, que poderão, por sua vez, pensar
melhor sobre as circunstâncias do mundo, sobre a estruturação de sua sociedade e sobre a
construção de si próprio.
Diante desses dois paradigmas, é possível inferir que o paradigma padrão da prática
normal é o predominante no sistema educacional, como diria Thomas Kuhn em seu livro A
Estrutura das Revoluções Científicas (1998), é um paradigma normal vigente que é aceito pela
comunidade/sociedade. Porém, o seu objetivo é instruir e passar informações, ou seja, é um
modelo “instrutivo/informativo” (TONIETO, 2010, p. 75). Um modelo como esse não garante
a boa qualidade da educação e não serve como referência para desenvolver o pensar reflexivo,
porque seus parâmetros têm uma outra direção que já não é mais aceitável tê-la como princípio
e que precisa estar em segundo plano, pois, o processo educacional entendendo essa direção
como princípio se mostra como deficitário. Logo, essa situação remete a defesa de um
paradigma que tem por objetivo uma educação para fortalecer o pensar e que fornece uma
mudança de concepções e métodos que se articulam com um novo propósito educacional e uma
das possibilidades de ruptura do ciclo problemático educação-sociedade. Lipman (2008a;
20

2008b) defende o paradigma reflexivo da prática crítica que promete estruturar o processo de
ensino como pesquisa, investigação com o objetivo de desenvolver o pensar autônomo.
A respeito dos parâmetros da educação reflexiva, Lipman (1990, p. 163) comenta que
representa uma grande mudança de paradigma que redireciona o alvo da educação: “o aprender
deu lugar ao pensar”. As ideias que dão origem a essa ideia de educação estão ligadas ao
filósofo John Dewey,

quem descreveu o curso natural do pensamento na vida diária como uma concatenação
de esforços na solução de problemas, quem viu a ciência como purificação e perfeição
daqueles esforços e quem viu a educação como um fortalecimento da produção de
significado no processo falível de pensamento inerente a todos os seres humanos
(LIPMAN, 1990, p. 163).

A partir desse pensamento e dessa nova meta da educação, outros princípios começam
a se modificar em um efeito dominó. O paradigma muda as concepções teóricas e
metodológicas. E em consequência também muda o objeto de estudo da epistemologia. Para
Lipman (1990, p. 164) “o problema da epistemologia não é mais o de como o receptáculo
estático e vazio de uma mente torna-se preenchido com representações da realidade estática,
mas, sim, o de como um processo de pensamento fluente e flexível consegue envolver e
interpretar seu ambiente”. Portanto, a educação reflexiva traz novos modos de compreensão
sobre a maneira como se constrói conhecimento, o papel dos estudantes nesse processo e como
acontece essa construção do conhecimento e a estimulação do pensamento no percurso da
investigação dos problemáticos aspectos estabelecidos no mundo. Com essa reformulação, é
possível afirmar que o papel da Educação para o Pensar ganha espaço como objeto de estudo
nas áreas de pesquisa em educação e ensino de filosofia3 em prol de aperfeiçoamento e
averiguação de suas possibilidades. Todavia, sobre essa mudança de paradigma surgem
objeções. Questões são levantadas, como por exemplo: A educação tradicional não daria conta
de fazer seus alunos pensar? Em que contribui uma educação para o pensar? A educação como
investigação desconsidera os conhecimentos e valores elaborados e conservados
historicamente? A aprendizagem deixa de ser o foco?
De forma resumida, poderíamos dizer que o caminho das respostas à essas perguntas
está imbricado na concepção de o que uma boa educação deve dar conta. Tentaremos nas
próximas seções deste capítulo, delinear alguns aspectos da teoria lipmaniana que diretamente
ou indiretamente implicam nessas questões.

3
Veremos no próximos capítulos que a filosofia terá um grande papel no paradigma de educação para o pensar.
21

2.2 Por que é necessário uma educação que objetive o fortalecimento do pensar?

Em uma sociedade complexa como a que se configura agora, no século XXI, em que o
ser humano tem que se reinventar sempre dentro da roda social para não ficar para trás, em que
a velocidade com que os problemas se modificam é quase que inexplicável, é necessário mais
que a retenção de meras informações de assuntos específicos.
Na escola, é dado aos alunos um conjunto de problemas e um conjunto de soluções que
não passam de informações descontextualizadas. Porém, não se é vivido sempre os mesmos
problemas. Para Tonieto (2010, p. 81), as sociedades complexas e plurais como a nossa “têm
como uma de suas características o surgimento de problemas científicos, morais e sociais nunca
dantes enfrentados”. Se a sociedade enfrenta problemas novos a cada minuto, então, a
quantidade de soluções para problemas específicos que são dados em um modelo educacional
instrutivo-informativo não são úteis em um sistema social plural de problemáticas correntes.
Em relação a essa questão, Lipman (2008b, p. 18) conclui que a “[...] prioridade da transmissão
não é mais aceitável, todos temos consciência da rapidez com que a menor parcela de
conhecimento pode tornar-se obsoleta”. Talvez não vivemos em uma sociedade da rapidez de
conhecimentos e sim em uma sociedade de fluxo de informações e soluções de problemas que
são descartados muito rapidamente. Logo, necessita-se mais do que educar para instruir e
informar, é obrigação enquanto coerência da escola como instituição educadora e democrática
proporcionar aos educandos uma educação que promova o aperfeiçoamento de suas
capacidades e habilidades, que proporcione condições para o desenvolvimento da autonomia e
um pensar mais cuidadoso e autônomo, pois “as instituições democráticas, já de estabilidade
precária em muitas partes do mundo, irão cambalear e desmoronar se a educação não preparar
as crianças para serem cidadãos autônomos, reflexivos e críticos” (LIPMAN, 1990, p. 56). Em
suma, Lipman (1990) defende uma ideia também defendida por Dewey (1979, p. 15), de uma
educação que considere importante que os alunos adquiram a “capacidade de julgar e agir
inteligentemente em situações novas”.
Lipman (2008a, p. 11) menciona que “sempre existiu uma linha educacional de
pensamento que sustenta que o fortalecimento do pensar na criança deveria ser a principal
atividade das escolas e não apenas uma consequência casual”. São muitos os motivos pelos
quais pesquisadores da educação defendem essa posição. Lipman (2008a, p.11) cita, por
exemplo, que há argumentos que defendem o fortalecimento do pensar porque “a escolarização
de futuros cidadãos em uma democracia acarreta a necessidade de estes fazerem uso da razão”.
Ou seja, é condição da sociedade democrática e é condição para a estruturação de uma
22

sociedade democrática. Há também argumentos que afirmam que é necessário defender essa
linha educacional porque “os sistemas sociais do mundo [...] estão se cristalizando na
racionalidade” e apenas as crianças que foram estimuladas à racionalidade na escola foram
preparadas adequadamente para enfrentar as complexidades dos sistemas sociais. Ainda outros
“advogam que ajudar a criança a pensar bem, assim como a pensar por si mesma, é necessário
não só por razões de utilidade social, mas porque a própria criança tem o direito de receber isto”
(LIPMAN, 2008a, p. 11). Sobre essas três posições destacadas é possível considerá-las
igualmente. Pois, decerto, considerando os problemas de ordem social e ético-moral na
sociedade que se transformam em situações e contextos novos a cada instante, se é necessário
que essa seja democrática e reflexiva, nada mais coerente se ter uma educação que disponha de
condições para ensinar a pensar democraticamente, que questione e pesquise buscando sempre
analisar soluções e estabelecer critérios para reconfigurar, talvez, a democracia. E se já temos
uma sociedade democrática, nada mais adequado do que uma educação para o pensar que
condiz com a democracia.
Conforme Lipman (2008a, p. 21), uma sociedade democrática carece de cidadãos
razoáveis e a razoabilidade implica na racionalidade “temperada pelo julgamento”. Theobaldo
(2000, p. 415), define que o conceito de racionalidade lipmaniano está envolvido com o
pensamento razoável e bem fundado. Ser racional, no contexto que Lipman fala, é ser um
pensador razoável, ponderado e criterioso em seus julgamentos, que se posiciona diante do
mundo e sabe justificar a sua posição sempre recorrendo a critérios que possuem
fundamentação. A racionalidade é a capacidade do bom raciocínio e do pensamento
multimodal. Uma educação que almeja desenvolver a racionalidade dos estudantes oferece um
modelo de vida racional que irá acompanhar os estudantes nas suas jornadas, em novas
situações, seja dentro ou fora da escola. Assim, certamente os sistemas do mundo, complexos
como são e rápidos para processar e descartar informações, exigem de cada indivíduo esse tipo
de racionalidade. O mundo exige que se aprenda a pensar e não só reproduzir. Uma das falhas
da educação escolar, talvez a falha mais severa, é negligenciar a educação como
desenvolvimento das habilidades do pensamento. Com efeito, essa incoerência educacional
também denuncia que as próprias instituições de ensino são irracionais. Lipman (1990, p. 35),
constatou isso, e para ele, “a irracionalidade das instituições deve ser evitada”, pois a tendência
é bem acentuada de que pessoas educadas em instituições irracionais se comportem de modo
irracional, e pessoas que se comportam desse modo irão conservar a irracionalidade de sua
sociedade. Por isso, segue-se que a escola não só deve ter a responsabilidade de dispor de meios
23

para desenvolver a racionalidade dos indivíduos como também deve em todos os seus aspectos
fundamentar-se racionalmente.
Porém, a educação para o pensar não se justifica apenas como meio para as demandas
sociais, justifica-se por ser um direito dos estudantes e por ser uma tentativa de melhoria na
educação. Interpretando Lipman (2008a), uma educação reflexiva que objetiva estimular o
pensar pode ser um meio para atingir um fim futuro, talvez, uma redefinição da sociedade, mas
também é um fim em si mesmo. A educação para o pensar se sustenta principalmente por ser
um fim em si mesmo, não porque deveria ser redentora da sociedade, mas por ser um modo de
vida, por promover condições de educação necessárias para a autoconstrução. Isso significa,
que os educandos não só precisam ser educados para serem profissionais autônomos e
participativos na sociedade ou para terem uma possibilidade de estabelecer uma sociedade
democrática. Eles merecem serem educados desse modo como uma necessidade de
autoconstrução, de verem a educação como significativa e não opressiva e para o próprio sentir-
se existente no mundo como ser autônomo que se relaciona em comunidade, que pensa no
contexto e faz bons julgamentos sem ser submisso aos julgamentos de outros.
A virada teórica-metodológica e epistemológica que Lipman defende, como vimos
antes4, implica em uma educação como e para a investigação. Para Lorieri (2004, p. 67), “o
investigar é inerente à vida animal e muito mais à vida dos ‘animais humanos’, os ditos
racionais”, os animais humanos desde pequenos sempre estão inclinados a buscar algo, eles
tentam explicar a sua origem, vivem a investigar os porquês da vida, pensam em suas escolhas.
Ou seja, os seres humanos são por natureza seres que investigam. Mas, pode se ter um impasse:
é concebível que todos nós, pensamos, investigamos e que somos racionais, entretanto, nem
toda a investigação, nem todo o pensamento é racionalmente bem feito: “precisamos do pensar,
do investigar, mas nem sempre o fazemos bem. Qual a solução? Aprender a pensar”. E aprender
a pensar nada mais é que desenvolver as capacidades do pensamento. Afirmar que se faz
necessária uma educação que objetive fazer os educandos pensar, não quer dizer que a educação
tradicional vigente de alguma maneira já não faça. Para Lipman (2008a, p. 154, grifo do autor),
“é claro que a educação tradicional compreendia o pensar, porém a qualidade deste pensar era
deficiente. O que era necessário não era simplesmente ensinar a pensar, mas ensinar a pensar
criticamente”, assim se justifica uma educação para o pensar.

4
Na seção 2.1 deste trabalho.
24

2.3 A necessidade da reforma educacional

A situação do sistema educativo, suas deficiências e a visão de que os métodos e


concepções de educação que educa os indivíduos de modo passivo e acrítico necessitam serem
repensados na direção de uma educação mais reflexiva, não é nenhum segredo. Conforme
Silva5, na introdução à edição brasileira do livro A filosofia vai à escola de Matthew Lipman
(1990, p. 9), a concepção de educação que se articule como um processo que tenha como
objetivo fazer os alunos pensar, assim como a consciência de que a educação tradicional não
satisfaz esse objetivo, não foram pensados há pouco tempo. Para Tonieto (2010, p. 71) muitos
“pesquisadores da educação, professores, autoridades educacionais e a própria sociedade” já
vinham afirmando que é necessária uma reforma educacional, uma virada de método,
concepções e estruturas na educação. Porém, a dificuldade mais alarmante que é enfrentada,
não é a falta da percepção da crise do sistema educativo e sim, o modo pelo qual tenta-se
combater essa crise.
De acordo com Lipman e seus colaboradores (2001, p. 19-20), a disfunção educativa
afeta as populações estudantis de modos diferentes, “alguns grupos culturais não são muito
prejudicados pela educação pública inadequada [...], outros grupos culturais podem sucumbir
muito facilmente à má qualidade da educação e o sistema tem uma certa responsabilidade por
isso”. Em primeiro lugar, uma educação que tem suas bases fracas atinge as populações que
estão em situações vulneráveis e já em desvantagem educacional. Portanto, é correto afirmar
que as populações que mais necessitam de uma educação de qualidade são as mais prejudicadas
com uma educação ineficaz.
Para combater essas disfunções recorre-se a estratégias que se reduzem em medidas
compensatórias que têm como objetivo compensar a educação das pessoas vulneráveis e mais
prejudicadas com a ineficiência do sistema educacional. A teoria que está implícita nessas
medidas,

é de que as consequências mais gravemente danosas de um sistema educacional


inadequado podem ser remediadas ou corrigidas através de uma investida educacional
equivalente que venha a compensar o terreno perdido e equiparar a população atrasada
àqueles que conseguiram passar pelo processo educacional (LIPMAN; SHARP;
OSCANYAN, 2001, p. 20).

5
Catherine Young Silva norte-americana naturalizada brasileira fundadora do Centro Brasileiro de Filosofia para
Crianças (CBFC), quem trouxe as ideias de Matthew Lipman para o Brasil.
25

Mas o contratempo que ocorre, segundo Lipman e seus colaboradores (2001), é que os
métodos que são empregados na educação que tenta compensar a sua ineficiência são
semelhantes aos que fazem parte do próprio processo educativo, então a educação
compensatória já faz parte das concepções e métodos educacionais que são ineficazes, logo
poderíamos supor que tal medida não é uma solução, é apenas uma mera tentativa de remendar
um sistema que já não consegue se sustentar.
Para Lipman e seus colaboradores (2001, p. 20), “sem a compreensão clara dos fatores
que determinam a baixa qualidade existente no sistema educacional vigente, a educação
compensatória como normalmente é feita, tende a se preocupar com pouco mais do que aliviar
sintomas”, todavia, o que provoca esses sintomas ainda existe. Nada adiantará trazer ou tirar
inovações tecnológicas, estimular professores, propor a participação dos pais e outras medidas
que se possa tomar em relação a compensação da crise educacional, se todas essas medidas são
pensadas ainda dentro do paradigma educacional falho. Lipman e seus colaboradores (2001, p.
21-22) afirmam que, procuramos sistematicamente remediar a ineficácia da educação ao invés
de reformá-la. Essa atitude é o que mais agrava a problemática da educação: ao invés de se
reformar todas as suas bases atacando o seu problema, a sua lesão interna, tenta-se remendá-la
recorrendo a medidas que mais ou menos atacam os sintomas dos problemas da educação, no
entanto, a sua baixa qualidade continua impermeável.
Lipman e seus colaboradores (2001) compreendem que há muita preocupação em
criticar as ineficiências educativas, em afirmar que existe uma crise, mas pouco se faz para
propor soluções para corrigir. Em certas circunstâncias, é atribuído às condições culturais e
socioeconômicas como causadoras da má educação. Tonieto (2010, p. 72) em consonância com
Lipman e seus colaboradores, relata que em relação a ineficácia do processo educativo forma-
se “um ‘triângulo de críticas e interesses’: em um dos vértices estão os que criticam o sistema
atribuindo a má qualidade da educação à falta de recursos; no outro, os que apostam que o
problema está na formação dos professores” que não foram adequadamente preparados para
enfrentar as demandas do ensino e no último vértice estão os que afirmam que o sucesso ou
insucesso da educação se deve aos problemas culturais e sociais presentes no mundo.
Na verdade, esses vértices de críticas mencionados anteriormente são apenas desculpas
e tentativas de justificar a existência da crise do sistema educativo e não fazer nada a respeito.
Lipman e seus colaboradores (2001, p. 21) defendem que a educação deve ser reformulada de
modo que as condições culturais e socioeconômicas sejam vistas “como uma oportunidade para
que o sistema prove a sua boa qualidade, e não como uma desculpa para o seu colapso”. Desse
modo, não adianta culpar as circunstâncias do mundo, porque não importa em que
26

circunstâncias do mundo a educação se encontra, importa é o que é feito para melhorar a


educação nessas circunstâncias. A reforma educacional que Lipman (2008a) defende, torna-se
necessária, porque, não só visa encontrar soluções cabíveis para a melhoria do sistema
educacional como também é uma maneira de apontar que a crise na educação pode ser boa no
sentido de que impulsione a busca de soluções e propostas de melhoria e não delinear apenas
críticas. Por isso, para Lipman e seus colaboradores (2001, p. 22), de uma reforma educacional
não devemos esperar nem muito nem pouco, “devemos ao menos desejar que funcione, no
sentido de produzir um mensurável desenvolvimento educacional”. Nesse sentido, a
reestruturação do processo educacional em direção ao paradigma reflexivo da educação para o
pensar é o ponto de partida para defender uma nova proposta de educação que tem como
objetivo produzir um melhor desenvolvimento na educação, ou seja, é uma tentativa de
melhoria.
Mas, como quase tudo que se apresenta como novo, em primeiro momento, é visto como
ameaça ao que já está sendo seguido há tempos, o que dificulta a tentativa de reforma é a
resistência e o apego ao tradicionalismo das instituições educativas. Como afirma Lipman
(2008a, p. 19-20), a escola passou a ser um campo de batalhas entre as facções sociais as quais
ela representa, cada facção deseja “controlar a escola tendo em vista seus próprios objetivos” e
valores. Se a educação escolar se deixa controlar por apenas uma facção social, esta perde a sua
legitimidade, porque o que justifica um sistema de educação escolar é que esse sistema possa
ouvir e representar a todos e assim estabelecer a correlação com uma sociedade democrática.
Porém, sob as circunstâncias da escola simbolizar apenas uma facção e uma ideia de educação,
“ela tenderá a tornar-se uma instituição muito conservadora - e até mesmo tradicionalista”
(LIPMAN, 2008a, p. 20). E essa é a realidade da escola da atual sociedade. As facções sociais
por jogos de interesse e dogmatismos produzem o outro nos seus moldes e não objetivam
mudanças. Para Lipman (2008a, p. 19), “a opinião corrente acredita que a escola reflete os
valores aceitos de sua época; e estes não devem ser desviados ou submetidos a sugestões
alternativas”. As escolas de educação que preparam futuros professores da mesma maneira
reagem com estranhamento a propostas que contrariam as vigentes. Elas justificam “essa
resistência à mudança baseadas no argumento que seria um desserviço aos seus alunos prepará-
los de maneiras diferentes” e por outro lado, as próprias escolas distritais também seguem a
semelhante convicção das instituições de educação e dos valores da sociedade (LIPMAN,
2008a, p. 19). Portanto, contra a reforma educacional defendida por Lipman, forma-se um tripé
de convicções, pânicos e estranhamentos, tanto da parte da escola e das instituições que formam
professores quanto da própria sociedade. Assim, coloca Lipman (2008a, p. 19), “cada fator vê
27

a si mesmo como preso a sua posição e impotente em relação à mudança”. E se isso acontece,
por qual abertura começar uma reforma educacional?

2.4 Repensar o currículo escolar em direção a educação para o pensar: a busca por
significados e uma educação racional

Segundo Lipman (2008a; 2008b; 1990), a escola que segue o modelo de educação
tradicional, tem como objetivo de ensino transmitir o saber. Nesse processo, elimina-se os
aspectos enigmáticos, problemáticos, controversos dos conhecimentos, e as experiências
significativas. As crianças em uma escola que segue esse padrão, gradativamente perdem a
curiosidade e a prontidão para buscar e descobrir relações. Isso é decorrente dos métodos
artificiais que abalam o desejo de continuação de aprendizagem. O fato é, que quando as
crianças entram na escola, elas são curiosas, inventivas e investigativas, elas entendem o mundo
como um enigma. O sentido delas em investigar esses enigmas se dá porque reportam às
experiências e relações das crianças com o mundo. Os enigmas sobre os quais as crianças
demonstram ter interesse são, em verdade, problemáticos e contestáveis, e por esses aspectos
incita-se uma imensa curiosidade. Anterior a entrada na escola, as crianças são curiosas, estão
na fase de descobertas, da aquisição da linguagem e veem tudo no mundo como problemático.
Mas, quando elas entram na escola, pouco a pouco começam a considerar o mundo um não
mistério, a busca por conhecimento deixa de ser algo significativo. Nesse aspecto, Lipman
(2008a) denuncia o que o seu mestre Dewey (1979) também denunciava, que a educação
tradicional não consegue proporcionar experiências educativas6. Se a escola não alimenta a
curiosidade e as experiências significativas de seus educandos, em pouco tempo, eles vão
considerar “que a educação escolar é enervante e desanimadora ao invés de animadora e
intelectualmente estimulante” (LIPMAN, 2008a, p. 24). Essa consideração que os alunos fazem
é resultado da ausência de sentido que eles têm diante das experiências educativas que lhes são
proporcionadas pelo sistema educativo. É esse um primeiro problema que a educação
tradicional apresenta. Conforme Lipman e seus colaboradores (2001, p.32), as crianças, assim
como todos os sujeitos, anseiam por sentido e experiências significativas, “tudo o que nos ajude
a descobrir significado na vida é educativo e as escolas são educativas apenas na medida em
que facilitam essa descoberta”. Então, deve-se pensar em como a escola pode promover
verdadeiros incentivos que garantam experiências que estimulem a descoberta de significados.

6
Os termos experiências educativas e experiências deseducativas são utilizados por Dewey (1979), mais adiante
forneceremos mais explicações sobre esses importantes termos.
28

Segundo Lipman e seus colaboradores (2001), pela educação tradicional centrada na


transmissão, não é possível dar sentido aos estudantes, pois o sentido não algo dado ou
transferível, é construído pelo próprio sujeito. O que pode e deve ser feito é propor um processo
educacional que dê conta de assegurar condições de possibilidade estimulantes para essa
construção. Essa seria uma primeira tarefa da educação para o pensar. Mas a questão que se
ressalta é: como fazer isso?
Para Tonieto (2010, p. 71), a construção do conhecimento é uma relação do sujeito com
o saber, e essa relação se dá mediante a relação com o mundo, consigo mesmo e com os outros,
“a relação de saber é, pois, uma relação epistêmico-cognitiva (dominar determinados conteúdos
intelectuais, atividades e atitudes), identitária (processo de construção de si mesmo) e social
(relação com os outros/ a sociedade/o mundo)”. A assimilação de conteúdos e culturas isolados
e fragmentados não dá conta de promover o que uma educação de boa qualidade precisa dar
conta, a saber, abranger esses três critérios: construção epistêmica, identitária e social. Pois, ao
invés dos conhecimentos serem reconstruídos de maneira interativa e significativa pelos alunos
por processo de investigação em que os estudantes não só aprendem como também fazem
relações às suas vivências e se constroem na colaboração com o outro, tornam apenas
prescrições de conhecimentos. Lorieri (2002, p. 67) também reforça esse raciocínio, para ele,
as “nossas escolas, por uma série de razões históricas e culturais têm oferecido respostas prontas
(os conteúdos escolares) aos alunos”. Essas respostas provêm de grandes investigações sobre
perguntas importantes, mas chegam aos estudantes sem sentido algum. Lipman (2008a)
influenciado pela tese de Dewey, considera que a educação fracassara por cometer esse erro
categórico: primeiramente por confundir “os produtos finais e refinados da investigação com o
tema bruto e não polido da investigação e [...] fazer com que os alunos aprendessem as soluções
ao invés de investigarem os problemas e envolverem-se no questionamento por si mesmos”
(2008a, p. 30). É possível que essa falha no processo educativo tenha raiz na própria insistência
de senso comum em se considerar como sinônimos os termos conhecimento, informação e
aprendizagem7. Essa confusão de conceitos epistemológicos considera que um sujeito que
aprende um conhecimento é aquele que internaliza e reproduz uma rede de informações e,
portanto, educar uma pessoa é disponibilizar a ela o maior número de informações possíveis e
testá-la para assegurar se ela processa essas informações. Segundo Lipman (2008a), os
conhecimentos já produzidos são produtos finais da investigação que alguém fez em algum

7
Larrosa também observou que “não deixa de ser curiosa a troca, a intercambialidade entre os termos informação’,
‘conhecimento’ e ‘aprendizagem’. Como se o conhecimento se desse sob a forma de informação, e como se
aprender não fosse outra coisa que não adquirir e processar informação” (Cf. 2002, p. 22).
29

momento da historicidade humana que são importantes e, não podem ser desconsiderados na
educação. Mas só são importantes quando se considera o processo de investigação e enigmas
que esses produtos finais carregam consigo, por isso, se for desprezado o processo, o enigma e
a investigação, e centrar a atenção no produto, é negligenciado uma outra grande parte do
processo de construção do conhecimento. Quando essa negligência acontece na educação,
resulta que nenhum interesse ou motivação é criado, porque aos alunos é apresentado, de modo
fragmentado e dissociável das experiências deles, apenas a história e as informações de
determinado conhecimento produzido. No entanto, isso para os estudantes não faz sentido, são
desconexos da realidade.
A educação escolar tradicional fere a busca de realidades dando aos alunos
conhecimentos que para eles são irrealidades, então, para estimular o interesse dos alunos, o
primeiro importante passo da educação reflexiva é estimular a construção de sentido e
significado. A respeito disso, Tonieto (2010, p. 72, grifo do autor) explica que ao considerar a
necessidade da reforma educacional, Lipman e seus colaboradores apontam para a
reestruturação do currículo escolar. E “repensar o currículo escolar traz como implicação direta
considerar a busca de sentido como um dos pilares de sustentação de um processo educacional
que seja capaz de promover no ambiente escolar a construção de significados”. Nesse contexto,
conforme a autora, justifica-se uma educação para o pensar.
Ao falar de paradigmas, a necessidade de uma reforma educacional em direção a
proposta de educação para o pensar e a reestruturação do currículo escolar, Lipman (1990, p.
40) explica que existe uma grande diferença entre um currículo racional e um currículo
irracional. Para ele, um currículo escolar que preserva a sua racionalidade “é organizado de tal
modo que cada passo prepara o caminho para os passos que o seguem e pressupõe, para o seu
domínio, os passos que o precedem”. E um currículo irracional, como é o currículo vigente, é
análogo a “uma escada em que faltam numerosos degraus, de modo que estudantes que
pretendam subi-la, na maioria das vezes, falham e desistem” (LIPMAN, 1990, p. 40). Um
currículo racional não admite a fragmentação e autossuficiência de cada disciplina, nem o
isolamento de seus conhecimentos. Se “os significados nascem da percepção das relações entre
partes e o todo, assim como das relações entre meios e fins” (LIPMAN; SHARP; OSCANYAN,
2001, p. 26), então, o currículo precisa estar organizado de tal forma que os educandos possam
perceber essas relações de meio e fim, de parte e todo. Ou seja, o currículo deve ser planejado
de modo que uma disciplina faça ponte com a outra e considere a relação epistêmica, social e
identitária que faz parte da construção do sujeito. Para que isso aconteça, as disciplinas deverão
deixar de se estabelecerem como “áreas de conteúdo a ser apreendido” e passarem a ser tratadas
30

como “linguagens as quais os alunos aprenderão a pensar” (LIPMAN, 1990, p. 41). Outro
aspecto importante que Lipman (1990) ressalta sobre esta questão, é que deve-se impedir que
as disciplinas percam seus pressupostos éticos, lógicos, estéticos e epistemológicos e suas
ramificações porque estes são ‘contestáveis’ ou ‘controversos’. É exatamente os elementos
contestáveis, problemáticos e controversos que fazem com que as disciplinas sejam vistas como
linguagens cujos os conteúdos não são dados como finais e isolados e sim como enigmas e
relacionais.
Para Lipman e seus colaboradores (2001, p. 32, grifo do autor), “o pensar é uma
habilidade par excellence que nos habilita a captar os significados”, pois sobre tudo o que o ser
humano acessa e interage no mundo, o seu pensamento tenta organizar e construir um
significado. A construção do significado é realizada por relações, associações e disjunções de
complexos. Quando o pensamento faz uma relação, constrói os significados, ao fazer isso
descobre o sentido. Lipman (2008a, p. 96) defende que “a educação deveria fornecer
significados, e se ela não é capaz de fazê-lo, temos, então, um fracasso total”, pois, “obrigar
crianças a memorizar meros conteúdos é privá-las das oportunidades de discernir relações e
formar julgamentos; é fazer com que a experiência escolar seja sem sentido”, por isso investir
no desenvolvimento do pensamento está implicado em ajudar a desenvolver e fornecer
possibilidades para os sujeitos fazerem relações. Quando tudo é desconexo como é o processo
educacional para os sujeitos, é impossível descobrir o sentido e o que não tem sentido é
irrelevante e impensável.
Com isso, um grande erro cometido pela educação tradicional é não desenvolver ou, ao
menos, não provocar o pensamento dos estudantes. A partir disso, Lipman (1995; 2008a)
identifica um outro problema da educação tradicional, os sujeitos educados nela, na maioria,
apresentam deficiência de habilidades de pensamento. Lipman (1995) chegou a essa conclusão
após analisar testes8 de raciocínio com crianças do primeiro grau e com calouros universitários,
o resultado apontou que os calouros universitários apresentaram o nível de desenvolvimento
das habilidades cognitivas semelhantes a de alunos da 6º série, e o que é preocupante, é que não
eram os alunos da 6° série que estavam pensado melhor, é a baixa qualidade da educação que
ao longo do seu processo não dá conta de desenvolver satisfatoriamente as habilidades de
pensamento nos alunos.
Segundo Lipman (1990), isso se deve a concepção de que o pensamento é um processo
natural que não precisa ser aperfeiçoado. No entanto, “o ser humano ativo e consciente pensa

8
Ver também análises de outros testes de raciocínio estudados por Lipman (MORTIER, 2008, p. 60-74).
31

tão naturalmente quanto respira, mas fazê-lo pensar melhor exige estratégias de considerável
complexidade” (LIPMAN, 1990, p. 164). Pensar é processo natural, “mas também é uma
habilidade passível de ser aperfeiçoada. Existem maneiras de pensar mais eficientes e outras
menos eficientes” e os critérios pelos quais se fundamenta essa afirmação são os princípios da
lógica, que nos possibilitam distinguir o pensar habilidoso do pensar inábil (LIPMAN, SHARP,
OSCANYAN, 2001, p. 34). Uma educação reflexiva, que não é deseducativa, é estimulante
pela busca de sentido e da construção de significados, só pode ser promovida como educação
que objetiva desenvolver o pensamento. Quando os estudantes são provocados a pensar e fazer
relações, a qualidade e a intensificação dos significados que são forjados, é melhorado na
medida em que o processo do pensamento é aperfeiçoado e desenvolvido. E a forma mais
adequada e promissora de desenvolver e provocar o pensamento, no entender de Lipman e seus
colaboradores (2001), é pensar e introduzir na educação “novos conceitos que conduziram
novos modos de prática”9, isso é, pensar a educação teoricamente e metodologicamente como
investigação, proposta do paradigma reflexivo.

9
Tomemos de empréstimo a frase de Dewey sobre a necessidade de novos conceitos para novas práticas, ver
(DEWEY, 1979, p. XVI)
32

3 A TEORIA DO PENSAR FUNDANTE DA EDUCAÇÃO PARA O PENSAR E AS


SUAS CONDIÇÕES DE POSSIBILIDADE

A educação reflexiva se faz necessária no campo educacional e o modelo reflexivo de


educação, paradigma defendido por Matthew Lipman é legítimo, porque é uma sugestão de
melhoria que intenta satisfazer essa necessidade ao promover uma educação como processo e
investigação. Considerando esses aspectos introdutórios, quanto ao paradigma da educação
para o pensar, enfatizados no capítulo anterior, neste capítulo cabe adentrar no cerne teórico
que fundamenta o paradigma da educação para o pensar (paradigma-reflexivo da prática
crítica), com ênfase nos conceitos lipmanianos que definem a teoria do pensar de ordem
superior ou, como também ficou chamado, do pensamento multidimensional, cujo seu
desenvolvimento torna-se a principal meta do referido modelo de educação. Além disso,
trataremos do conceito e peculiaridades da comunidade de investigação e do diálogo.
Posteriormente identificaremos esses como possibilidades educacionais do paradigma da
educação para o pensar, os quais norteiam a prática educativa reflexiva.
Tomemos como fundamentação teórica, as obras e textos de Matthew Lipman (2008a;
2008b; 1995; 1990) e dele com seus colaboradores (2001). E como bibliografia complementar,
os escritos de Elicor (2016), Kohan (1998), Casagranda (2001), Benincá (2004), Tonieto (2010;
2007), Dewey (1959; 1979), Peirce (2008), Bacha (1997), Abel (2008) e Daniel (2008).

3.1 As características do processo do pensamento multidimensional: a teoria do pensar de


ordem superior

Se não sabemos para onde ir, qualquer caminho serve. Pode-se dizer que essa afirmação
é válida também na área da educação, pois se não sabemos que objetivos alcançar ou o que uma
educação deveria dar conta, qualquer caminho proposto serve. Para não haver inclinações para
essas circunstâncias, o ideal é definir, de modo inteligível, o objetivo que um sistema educativo
deveria ter. Lipman (2008a, p. 100), ao defender a emergência de um novo paradigma na
educação, a Educação Para o Pensar, estrutura uma teoria rica de concepções teóricas que
fundamentam a meta e prática desse modelo educacional. Para ele, a educação deveria dar conta
das seguintes instâncias: proporcionar estímulos para os indivíduos construírem e descobrirem
significados, desenvolverem a prática do bom julgamento, raciocinarem coerentemente,
pensarem por si com disposição para pensar de novas maneiras e de modo cuidadoso. Noutras
33

palavras, a educação deveria ter como escopo estimular e desenvolver o pensar de ordem
superior ou o pensamento multidimensional10.
A busca por esse pensamento é a base de sustentação do paradigma da educação para o
pensar. Mas, é importante salientar que Lipman (2008a, p. 37) não compreende esse objetivo
como uma finalidade em si mesma, isso é, o processo educativo deve proporcionar condições
para desenvolver o pensamento autônomo e melhores julgamentos afim de proporcionar aos
sujeitos experiências enriquecedoras de tal forma que o que é vivenciado em sala de aula sejam
experiências que terão continuidade na vida do estudante.
O pensamento de ordem superior é descrito por Lipman (2008a) como um conceito
normativo, a sua estrutura é reforçada por três pilares fundamentais: o pensamento crítico-
cuidadoso, o pensamento criativo e o pensamento complexo. A seguir tentaremos dar a
definição e explorar as inter-relações desses três estruturantes do bom pensamento.

3.1.1 O pensamento crítico

Cada indivíduo é posto em um mundo complexo que propõe problemas novos de ordem
prática e teórica a cada instante, e solicita escolhas, discernimento e julgamentos. Crenças não
fundamentadas, doutrinação, pensamentos fracos e fora do contexto são reproduzidos
acriticamente e essa reprodução estrutura uma sociedade irracional, assim como indivíduos
irracionais. O cotidiano, a experiência do ser humano com o mundo e com os outros exige
julgamento e esse necessita da criticidade. Nesse sentido, surge o interesse pela definição e
consequências do pensamento crítico. Lipman (2008a, p. 170), explica que nas definições atuais
do pensar crítico se enfatiza mais o seu produto que se limita à afirmação de que esse resulta
em tomada de decisões e soluções. E se entende por pensar crítico, um “pensar reflexivo e
racional” que decide em que um sujeito pode acreditar, porém, “estas definições nos fornecem
um esclarecimento insuficiente” e genérico (LIPMAN, 2008a, p. 170).
Lipman (2008a, p. 213) concorda que “o papel do pensar crítico é defensivo: o de
proteger-nos contra sermos coagidos ou de que nos forcem a acreditar sem que tenhamos a
oportunidade de fazer nossos próprios questionamentos”, mas não apenas isso. O pensamento
crítico é preeminente a lógica, se estrutura e procura se movimentar pelas ideias reguladoras de
verdade e validade lógica. Por isso, não tolera o pensamento falacioso e conduz a tomada de
decisões. Todavia, o pensamento crítico não se reduz a um raciocínio logicamente perfeito,

10
Em seus vários escritos, Lipman também se refere ao pensamento de ordem superior como pensar excelente,
pensar bem, pensar complexo, pensar complexo de ordem superior, pensar multimodal ou pensar
multidimensional.
34

verdadeiro e válido, e a sua consequência não se resume em simples tomadas de decisões ou


julgamentos. Em seus escritos, Lipman (2008a, p. 171) procura demonstrar “que o bom
julgamento é um descendente moderno da antiga noção de sabedoria sendo, simultaneamente,
a principal característica do pensar crítico”. Portanto, o pensar crítico não visa produzir
julgamentos e decisões, mas sim conduzir a produção de bons julgamentos e boas decisões.
Antes de prosseguir com a ideia de bons julgamentos relacionados ao pensar crítico, torna-se
necessário a compreensão sobre o que é um julgamento. Na compreensão de Lipman (2008a,
p. 33), julgamentos11 são relações, tais como associações e disjunções por semelhanças ou
diferenças. O universo é feito de complexos, de redes de relações e interconexões, nada é dado
isolado ou de modo simples. “Estes complexos tem ligações com algumas coisas e não com
outras”, ou seja, complexos podem se relacionar com determinados complexos e não com
outros. Quando complexos são relacionados com outros complexos, é forjado um significado
que pode ser provisório, igualmente quando é descoberto a relação de um complexo com o
outro, é também descoberto um significado que provavelmente poderá ser provisório. Os
significados são estruturas constituídas de relações entre complexos. Fazer relações, definir e
discernir os seus significados é o comportamento de fazer julgamentos. Nas palavras de Lipman
(2008a, p. 94), “julgamos as coisas ao compararmos uma com a outra ou com padrões ideais”,
um julgamento não é só a revelação de associações, ele também as cria. Portanto, os
julgamentos revelam e determinam associações, criam associações, detectam diferenças ou
produzem diferenças. Retornando a questão dos bons julgamentos, pode-se indagar: quando é
que, afinal de contas, os julgamentos ou as relações se tornam boas?
Segundo Lipman (2008a, p. 172), “o bom julgamento leva em consideração tudo o que
é relevante, inclusive a si mesmo”, por isso, a probabilidade de julgamentos se tornarem bons
julgamentos depende se esses “são produtos de atos habilmente desempenhados, orientados ou
facilitados por instrumentos e procedimentos adequados”. O pensamento crítico é um desses
instrumentos cognitivos que procura conduzir o julgamento a constituir-se bem fundado. No
entender de Kohan (1998, p. 111), na concepção Lipmaniana, o pensamento crítico “está
governado por regras, é inquisitivo e deliberativo, problematiza, distingue, examina e avalia os
critérios e as razões em que se baseiam as crenças”, determinações e associações. Na definição
do próprio Lipman (2008a, p. 172), o pensar crítico “é o pensamento que facilita o julgamento
pois se fundamenta em critérios, é autocorretivo, e sensível ao contexto”. Por esses aspectos, o
pensar crítico não pode ser confundido com todo o tipo de pensamento, sua postura intelectual

11
Para mais detalhes sobre o conceito de julgamento ver em Lipman (2008a, p. 33-35 e p. 170-172).
35

almeja resultar em julgamentos estruturados de modo cuidadoso. Julgamentos críticos não são
quaisquer julgamentos. Por recorrer a critérios, o processo e o produto (julgamento) do
pensamento crítico é fundamentado, explicável e sustentado por razões, porém não razões
comuns. Na verdade, “critérios são razões, são um tipo de razão, um tipo particularmente
confiável”, ou seja, uma razão como critério é razoável, confiável e convincente, “os critérios
formam subconjuntos de razões [...] de uma variedade particularmente eficaz” (LIPMAN,
2008a, p. 173 e 188, grifo do autor). Os critérios são bases para comparações pelas quais os
julgamentos podem adquirir um pilar sólido de sustentação, é parte metodológica do
pensamento crítico como um processo cognitivo lógico. Não é suficientemente razoável e
sustentável um julgamento em que não há boas razões para legitimar a sua configuração, por
isso, Lipman (2008a, p. 175) sustenta que o significado do pensar crítico é “responsabilidade
cognitiva”, que estabelece o cuidado lógico e ético no processo de formar julgamentos.
A escolha dos critérios é dado mediante outros critérios que são denominados por
Lipman (2008a) como metacritérios12 e megacritérios13. Segundo Lipman (2008a, p. 187 ), os
padrões são os graus em que os critérios escolhidos satisfazem a necessidade desses
metacritérios e megacritérios, por isso é possível encarar os critérios utilizados pelo pensamento
crítico como candidatos selecionados de acordo com alguns padrões seguidos com o intuito de
justificar e estruturar o julgamento. No caso do pensar crítico, os metacritérios que podem ser
utilizados é a pertinência, confiabilidade, força e valor, e como megacritério a ideia reguladora
de verdade.
O pensamento crítico tem como componente o raciocínio, aplica padrões e critérios no
julgamento, é regulado pela veracidade e para preservar-se das inverdades, também movimenta-
se rumo a tentativa de ser falseado. Porém, como mencionado anteriormente, esse modo de
pensar não debate-se apenas com a validade lógica e a verdade, e também não só seleciona bons
critérios para justificar um julgamento, como também é sensível ao contexto e autocorretivo.
De acordo com Elicor (2016, p. 49) no processo do pensamento crítico, utiliza-se critérios
lógicos, confiáveis e razoáveis, em certas circunstâncias, critérios universais e objetivos, porém,
a criticidade sempre considera a situação contextual em que será empregado os critérios para
fazer o julgamento crítico. Para Tonieto (2010, p. 79), “a utilização de critérios em situações de
julgamentos não se dá de forma mecânica e descontextualizada, mas levando em consideração
o contexto em que as situações-problema são analisadas”. Assim, o pensamento crítico só se
torna cuidadoso quando situado no contexto: considera com cuidado as circunstâncias

12
Critérios para escolher critérios.
13
São ideias reguladoras de alcance vasto (LIPMAN, 2008a, p. 176).
36

excepcionais ou irregularidades, limitações, contingências ou eventualidades especiais,


configurações globais, possibilidades de que a evidência seja atípica, a possibilidade de que
alguns significados não possam ser traduzidos de uma área ou contexto para outro (LIPMAN,
2008a, p. 182). Igualmente à sensibilidade com os casos específicos, o pensamento crítico
como uma postura cognitiva crítica-cuidadosa é autocorretivo, assim sendo, é suscetível a
entender e reconhecer a falibilidade do seu próprio processo e do seu próprio resultado, cultiva
a autocriticidade, está ciente de que não é dogmático, pois tem a prontidão para descobrir,
admitir e corrigir as suas fraquezas em seus próprios procedimentos e suposições. Por isso, o
pensador crítico sempre revisa o seu julgamento e corrige seu processo de pensar, o que
equivale a dizer que o pensamento crítico é fundado sobre movimento metacognitvo.
Entre o pensar crítico e os seus elementos constitutivos (condução do julgamento,
critérios, autocorreção e sensibilidade ao contexto) há uma rede interconectada. Segundo
Lipman (2008a, p. 173; p. 187), o pensar crítico é um pensamento que tanto emprega critérios
quanto é estimado e reconhecido por recorrer a critérios. Desse modo, a criticidade pressupõe
a atividade criteriosa. Critérios são um tipo de razões as quais podem legitimar um julgamento.
A sensibilidade ao contexto percebe as circunstâncias situacionais em que o julgamento
acontece e a autocorreção percebe se nesse procedimento há erros ou falsidade e todo esse
processo é direcionado pelos preceitos da lógica. Não há definição de pensamento crítico sem
considerar esses elementos.

3.1.2 O pensamento criativo

O pensamento revela em si um pouco do pensador. Quando é construído um


conhecimento, quando busca-se a resposta de uma questão, quando é descoberto um
significado, quando se interpreta os significados de um simples texto ou é proposto uma
hipótese para a solução de um problema, o pensamento se movimenta mais ou menos a sua
maneira de agregar e transformar cada experiência nos esquemas cognitivos. Existe, portanto,
uma dimensão criativa no processo de pensamento, pensar é uma arte do mesmo modo que toda
a arte é uma forma de pensamento. E esse processo pode ser legítimo e rico sem deixar de levar
em conta a criticidade e a validade.
Lipman (2008a, p. 279) defende o aspecto do pensar criativo como um dos elementos
que constitui o pensar de ordem superior. Na compreensão dele, “o pensar criativo pode ser
definido como o pensar que conduz ao julgamento, que é orientado pelo contexto, é
autotranscendente, e sensível aos critérios”. O fato do pensamento criativo ser sensível aos
37

critérios afasta a “impressão de que este pensar é acrítico ou irracional”. Portanto, há uma
dimensão crítica que se funde neste pensar do mesmo modo que o pensar crítico tem um aspecto
criativo. No entanto, segundo Lipman (2008a), o modo como o pensar criativo emprega os
critérios é mais dialógico do que monológico. Um critério monológico parte basicamente de
apenas uma ideia reguladora ao passo que um critério dialógico trabalha com várias ideias
reguladoras. Mas isso não significa, segundo Lipman (2008a, p. 299), que não há critérios
monológicos no pensar criativo. Lipman (2008a, p. 298-299, grifo do autor) explica que no
pensar crítico um critério é um conceito solitário que pode ser realizado plena ou parcialmente,
assim como pode não ser realizado”; logo, não há o oposto do conceito e sim a sua ausência. Já
“no pensar criativo, os critérios tendem a ser compostos por pares dialeticamente relacionados
ou conjuntos onde cada conceito ajuda a criar a tensão mágica que mantém unidas as várias
partes do trabalho criado”. Isso significa que no pensamento criativo os critérios são
orquestrados em uma tensão de ideias: em um extremo existe um conceito e no outro extremo
está o seu oposto que gera uma tensão. Sobre isso, Kohan (1998, p. 111, grifo nosso), coloca
que o pensar criativo que Lipman define é expressivo e “dialético no sentido hegeliano, [...] é
pluralista: faz questão da variedade, da unicidade e da diferença; por último, ressalta os valores
do adequado e do íntegro muito mais do que do bom ou do correto”. Desse modo, o pensar
criativo se configura em um campo dialético de batalha entre conceitos e seus opostos. No caso
do artista, por exemplo, há “o critério orientador do contexto criativo e o critério emergente do
produto artístico, de tal maneira que o artista deve movimentar-se dialogicamente entre estes
ou deve criar algum tipo de solução conciliatória entre ambos” (LIPMAN, 2008a, p. 133).
Para Lipman (2008a, p. 118), os sujeitos envolvem-se em um pensamento criativo
quando “a noção de um objetivo fixo começa a ruir [...] e nos encontramos onde os objetivos
não são previsíveis” e então somos orientados pelo contexto situacional que surge do processo
do pensamento. Lipman (2008a, p. 179-180) identifica tanto o pensamento crítico quanto o
criativo como posturas intelectuais investigativas. O pensamento criativo, assim como o
pensamento crítico, objetiva conduzir o julgamento, mas a sua principal característica é ser
orientado pelo contexto da situação, ou seja, o pensamento criativo é uma postura cognitiva de
investigação; a investigação, por sua vez, movimenta-se por uma problemática e o desenrolar
dessa problemática é o que dá o contexto em que ocorre o processo do pensamento criativo. O
megacritério pelo qual esse modo de pensar se conduz é o do significado, portanto, o sujeito do
pensamento criativo tenta movimentar o pensamento, ampliando significados, mas preserva a
totalidade do significado. Lipman (2008a, p. 180) entende que o pensamento criativo “está
preocupado com a invenção e totalidade, se controla através do objetivo de ir além de si mesmo,
38

se transcendendo, assim como através do objetivo de alcançar a integridade”. Esse aspecto de


autotranscedência que incorpora no pensar criativo é o que implica em sua outra dimensão, a
criatividade.
Segundo Lipman (2008a, p. 287; 1990, p. 204), o pensamento criativo é generativo, ou
seja, é ampliativo: “representa rupturas cognitivas; vai além daquilo que é estabelecido e no
processo incita o nosso pensar a ir além daquilo que é estabelecido”14. O raciocínio ampliativo
“nos leva além da experiência real a um domínio da experiência possível, relacionada”, todavia
o que está envolvido, segundo o autor, não é a amplificação da verdade e sim amplificação do
significado. Por isso, segue-se que “a amplificação do significado é essencialmente o que está
envolvido na criatividade”. Autotranscender-se, nesse sentido, é o processo de ir além do
pensamento dado mantendo o significado, porém, o ampliando. Há significativamente dois
eixos ou pilares do pensamento criativo: a racionalidade entendida aqui como criticidade, pois
o pensar criativo se propõe ir além, mas se mantém responsável por preservar o significado e
se autoavalia na medida em que o preserva, e a criatividade, que não necessariamente pressupõe
inovação e sim ampliação.
Para melhor clarear a natureza do pensar criativo, Lipman (2008a, p. 135) comenta sobre
os esquemas cognitivos: “a teoria do esquema possibilita-nos alcançar uma percepção melhor
de como o julgamento humano é orientado pela compreensão humana; consequentemente, ela
esclarece a natureza do pensar criativo”. Os esquemas são estruturas cognitivas15 “de
informações para representar os conceitos genéricos armazenados na memória”. Conceitos são
organizados em esquemas cognitivos de acordo com os seus significados. “Os significados são
condicionados de acordo com as situações típicas ou normais ou de eventos que exemplificam
aquele conceito” (RUMELHART, 1980 apud LIPMAN, 2008a, p.135). Esquemas cognitivos
são ativos, vão se movimentando, modificando-se e ampliando-se na medida em que o pensador
experimenta situações que exemplificam os significados e os conceitos que fazem parte de um
determinado esquema e incorpora-se a este. Pode-se dizer que esse evento é um movimento
criativo.
Lipman (2008a, p. 293-295) vincula o pensar por si mesmo (pensar autônomo) como “o
paradigma mais apropriado do pensamento criativo”. Para fundamentar essa tese, ele cita o

14
Lipman utiliza a explicação do filósofo e cientista Charles Sanders Peirce sobre a diferença entre raciocínios
explicativos e ampliativos. O raciocínio explicativo pode ser explicado com o exemplo do raciocínio dedutivo,
pois “a conclusão de um argumento dedutivo está presente pelo menos implicitamente nas premissas e apenas
precisa ser explicado”. Já o raciocínio ampliativo pode ser explicado pegando como exemplo o raciocínio indutivo
ou o raciocínio analógico “que não pode ser limitado ao o que é dado” (LIPMAN, 1990, p. 204).
15
Funcionam como gavetas onde são organizadas as informações de acordo com alguns critérios como o
significado.
39

ensaio de Gilbert Ryle (1972) intitulado Thinking and Self-Teaching, o qual faz uma abordagem
sobre como aprender a pensar por si mesmo. Nesse ensaio, Ryle (1972, p. 113-114, tradução
nossa)16 lista algumas atitudes ou ações que bons professores têm ou realizam quando realmente
procuram ensinar seus alunos a pensarem sozinhos. Nessa listagem, Ryle explica que os bons
professores “não se repetem”, procuram diferentes formas de dizer as coisas e apontam vários
ângulos; eles “esperam que façamos as coisas sozinhos a partir daquilo que nos ensinaram”, ou
seja, que aprendamos a fazermos movimentos do pensamento por conta própria, resolver
problemas a tirarmos conclusões afins a partir daquilo que ensinado; eles “[...] nos mostram o
que querem que seja feito e “provocam-nos com perguntas, e então nos questionam sobre nossas
respostas”; bons professores nos conduzem pela mão até certo ponto do caminho depois nos
abandonam para que sejamos capazes de vencer sozinhos a etapa final; chamam atenção para
os problemas, nos fazem perceber o que há de errôneo; ajudam a reunir soluções e “quando
chegamos a uma solução, determinam para nós problemas subsidiários ou paralelos” (RYLE,
1972). Com essa listagem de Ryle, Lipman (2008a) pretende chamar atenção para o fato de
que isso é o que propriamente é feito no ato de pensar por si mesmo e do pensar criativo. Ora,
quando o pensamento se movimenta de maneira autônoma e criativa, há as convicções do
sujeito do pensamento, mas ele se propõe a colocá-las em exame tentando pensar de outras
maneiras. Então, ele procura não se repetir em seu próprio pensamento, buscando outros
ângulos ou pontos de vistas e maneiras diversas pelas quais pode-se apresentar um mesmo
pensamento, no entanto, também não procura repetir meramente os pensamentos ou posições
dos outros sujeitos. Nesse processo, há uma tensão: o sujeito do pensamento se depara com as
sus próprias formas de pensamentos, de convicções e com as formas como as outras pessoas
pensam ou como o mundo se apresenta. Essa tensão é representativa de um diálogo entre
convicções do sujeito e as convicções dos outros. Até um certo ponto, o sujeito do pensamento
parte de suas próprias convicções, mas chega em um momento que o sujeito do pensamento
segue o caminho contextual o qual o seu pensamento segue conforme o desenrolar da situação.
Nesse processo, precisa-se defender as próprias convicções de um lado, desenvolver do outro,
surgem implicações, então tem que rejeitar algumas convicções, buscar razões, modificar
alguns pontos, ampliar outros, pontos subjacentes surgem e esse processo vai “até descobrirmos
nossa própria maneira de fazer, expressar ou realizar, o que equivale a dizer que descobrimos a
nossa própria criatividade”, isto é, houve o pensamento autônomo o qual é o modelo que orienta
o pensamento criativo (LIPMAN, 2008a, p. 295). Por esse processo, o pensamento criativo

16
A listagem de Ryle na versão original pode ser conferida em: (RYLE, 1972, p. 113-114).
40

coloca a questão de que o bom pensamento não é uma repetição mecânica de o que as outras
pessoas dizem. Portanto, o pensamento criativo ganha a igual importância do pensamento
crítico. Posteriormente veremos, no item 3.2.3 deste capítulo, que a escolha do diálogo como
princípio e metodologia da educação reflexiva também implica nos aspectos do pensar criativo.

3.1.3 O pensamento complexo

Lipman (2008a, p. 42 e 207) compreende que além do pensar crítico e do pensar criativo,
o pensar de ordem superior ou multidimensional envolve um terceiro elemento: o pensar
complexo. Para Tonieto (2010, p. 81) o objetivo do pensamento complexo “é a resolução de
situações problemáticas levando em consideração os procedimentos e os conteúdos, evitando,
desse modo, um pensar centrado no método com pouco conteúdo, assim como um pensar
restrito ao conteúdo com pouco método”. Quando o pensamento está envolvido com o processo
de formular julgamentos, há conteúdos, informações, conhecimentos, convicções e
experiências que constituem-se de fatos utilizados para comporem e fundamentarem
conceitualmente o julgamento. Porém, esses conteúdos, convicções e experiências precisam ser
articulados e organizados por procedimentos metodológicos. O pensamento complexo é a
postura cognitiva que ajuda a articular e avaliar o equilíbrio entre a articulação de conteúdo e
método em prol de formar um julgamento. Para essa articulação, o sujeito do pensamento deve
estar ciente das razões, provas e suposições que fundamentam o conteúdo assim como a
pertinência desse conteúdo em situações novas, isso é, analisar de onde veio o conteúdo, como
se sabe, por que é aceito, como ampliá-lo sem condená-lo ao vazio da perda de significado. Um
pensar com muito método e pouco conteúdo corre o risco de ser vazio de conceitos e um pensar
com muito conteúdo e pouco método pode em certas circunstâncias se tornar arbitrário e
inválido. Ora, de nada adiantaria, ter muita informação, porém, não saber metodicamente como
articulá-la. Também pouco adiantaria formas procedimentais abstratas e vazias.
Para Lipman (2008a, p. 42), o pensar complexo é o pensamento “que está ciente das
suas próprias suposições e implicações, assim como está consciente das razões e provas que
sustentam esta ou aquela conclusão”. Logo, não é um pensamento baseado em meras
convicções sem sustentação. É um pensar que pensa sobre os seus próprios procedimentos que
busca se afastar das autoilusões e preconceitos. Por isso, de acordo com Lipman (2008a), o
sujeito do pensar complexo, além de ter e avaliar seu próprio conteúdo, propõe e avalia os seus
procedimentos metodológicos tendo em vista a verificação da validade, pertinência e
adequabilidade desses procedimentos. Esse movimento cognitivo envolve o pensar sobre o
41

pensar procedimental e conceitual, portanto, é um pensar metacognitivo no sentido de ser um


pensar avaliativo do próprio pensar.

3.1.4 A estrutura do pensamento de ordem superior

Lipman (2008a, p. 38-39), evidencia que o pensamento de ordem superior “não equivale
somente ao pensar crítico, mas à fusão dos pensamentos crítico e criativo [...] e inclui o
pensamento flexível e rico em recursos”. Para o autor, não existe pensamento puro crítico assim
como não existe o pensamento puro criativo, visto que, um atravessa o outro, um complementa
o outro. E nessa dimensão se agrega o pensar avaliativo do pensar (pensar complexo).
Porém, ainda existe um outro elemento que está presente no pensar de ordem superior
e que faz parte do pensamento crítico, este é o pensamento cuidadoso17. Para Lipman (2008a,
p. 41), o pensamento de ordem superior envolve valores que “são questões de importância.
Considerando que as pessoas geralmente expressam sentimentos intensos acerca destas
questões, é aqui que o elemento afetivo entra no processo do pensamento”. Segundo o autor,
em certo sentido, não há como separar as questões cognitivas da dimensão afetiva e valorativa
do pensador, ainda mais quando existem questões julgadas que para o sujeito do pensamento
são importantes e nebulosas. Os seres humanos são mais estimulados a pensar sobre uma
problemática quando de alguma forma essa problemática os provoca e aflige. Isso sugere que
pensar em temas-problemas usando apenas a razão (a criticidade) sem emoções é algo orientado
artificialmente. Contudo, no modo do pensar cuidadoso, isso não significa dizer que o
pensamento é dominado pelas emoções e inclinações desenfreadas, porque, por outro lado
emoções sem a orientação da razão tornam-se desmedidas.
O pensamento cuidadoso faz parte da dimensão do pensar crítico, por isso ao se
movimentar rumo a formulação do julgamento, seu fundamento é se guiar por critérios para
que não caia em arbitrariedade. De acordo com Sharp18 (2007, p. 248, tradução nossa) o pensar
cuidadoso ou atencioso (Caring Thinking) é fundado, além do pensamento crítico, pelo criativo
e afetivo. O pensamento cuidadoso “permite escolher o que achamos importante em um

17
Embora que na obra O Pensar na Educação, Lipman dá algumas pistas de uma dimensão afetiva e cuidadosa
do pensar fundada em critérios; segundo Kohan (1998), Lipman inseriu o pensamento cuidadoso algum tempo
depois de ligar os pensamentos crítico, criativo e complexo como estruturantes do pensar de ordem superior. Para
Kohan (1998, p. 110-111), Lipman “[...] no seu trabalho teórico mais importante, Thinking in education (1991),
traduzido por Pensar na Educação (1995) a palavra ‘caring’ (cuidado) nem sequer aparece no índice temático”.
Posteriormente, os trabalhos de C. Gilligan, N. Noddings e M. Nussbaum “forneceram a Lipman, através da noção
de cuidado ‘care’, a ponte que ele procurava para ligar os aspectos intelectuais ao afetivo do pensar”. Isso aconteceu
por volta de 1992, sendo que a primeira edição da obra o Pensar na Educação já havia sido publicada em 1991.
18
Foi importante colaboradora de Lipman na constituição do Programa Filosofia Para Crianças e Jovens.
42

contexto particular (ético, estético ou científico) - determina o que focalizamos [e apreciamos].


De muitas maneiras, é o pensamento cuidadoso que determina nossas percepções morais e
estéticas”19. O pensamento cuidadoso, abrange o pensar ético, ativo, apreciativo, valorativo e
normativo. Para Kohan (1998, p. 108-109), Lipman é influenciado por Justus Buchler, quem
“distinguiu três modos de julgar, correspondentes ao fazer, ao produzir e ao dizer, que denomina
respetivamente, juízo ativo, mostrativo e assertivo”. Como pode-se observar, o juízo
correspondente ao fazer se denomina juízo ativo. Os juízos na função ativa segundo Kohan
(1998, p. 109), “expressam algo sobre o bom ou o mau em uma ação”: o resgate de um náufrago
em que é necessário empregar valores a ação, é um exemplo em que é empregado juízos ativos.
Com essa explicação, o autor sugere que o pensar cuidadoso, o qual Lipman estrutura, agrega
influências dos juízos ativos de Buchler. Esse pensamento de cuidado exprime “aquilo que uma
pessoa considera importante ou valioso; emprega valores no próprio pensar e reconhece, por
sua vez, outros quatro modos possíveis: o pensar valorativo, o ativo, o afetivo e o normativo”
(KOHAN, 1998, p. 111). Phillips (2011, p. 15, tradução nossa) cita que Lipman em seu ensaio
Caring as Thinking na revista Inquiry (1995), define o pensar cuidadoso como “pensamento
que valoriza valores20”, é um modo de pensamento que, valoriza o que é bonito, que valoriza o
que é virtuoso, que valoriza o que é senciente, portanto é ponderado; valoriza o que precisa ser
sustentado, valoriza o destino do mundo e de seus habitantes, ou seja, é um pensamento que
cuida pensando (LIPMAN, 1995 apud PHILLIPS, 2011, p. 15). De forma breve, é possível
afirmar que o pensamento cuidadoso, como uma dimensão do crítico, é um pensar de
discernimento envolvido com critérios que reflete criticamente e valorosamente sobre a ação,
sobretudo emprega cuidadosamente os valores no pensamento, na ação e nas questões do
âmbito ético-moral.
O pensar de ordem superior estruturado por esses pensamentos citados até aqui, como
tal, é temperado por ideias reguladoras de cuidado, verdade e razoabilidade (pertencentes ao
pensar crítico), de significado e ampliação (pensar criativo) e autoavaliação (pensar complexo).
Por isso, pode ser chamado também de multidimensional. Segundo Lipman (2008a, p. 111), o
pensamento de ordem superior é a noção de um pensamento que investiga, que “é experimental,
probatório, provisório, exploratório e questionador”, porque é um pensamento que dialoga com
um mundo complexo que se apresenta ao sujeito do pensamento não de modo simples e sim

19
Citação original: “Caring thinking is what enables us to pick out what we think important in a particular context
(ethical, aesthetic or scientific) - it determines what we focus on. In many ways, it is caring thinking that determines
our moral and aesthetic perceptions” (SHARP, 2007, p. 249).
20
Citação original: “thinking that values value” (LIPMAN, 1995 apud PHILLIPS, 2011, p. 15).
43

como problemático. O pensar de ordem superior inclina-se para a complexidade com a


tendência de buscar a inteligibilidade, almeja produzir bons julgamentos tanto críticos que
perpassam o pensar crítico-cuidadoso, criativo e complexo, como também julgamentos
criativos que perpassam da mesma forma os outros pensares. Na verdade, a ideia de um
pensamento de ordem superior ou multidimensional é dada pela fusão ou interconexão dessas
posturas cognitivas em que uma provoca a outra.
Porém, confirma Lipman (2008a, p. 145), “a estrutura do pensar de ordem superior não
é transparentemente uniforme. Ela é tosca e nebulosa, consistindo de um vasto número de atos
mentais”. E isso equivale a afirmar que a teoria do pensar de ordem superior é complexa e
abrange muitos pressupostos, mas na medida em que há o conhecimento de suas características
e peculiaridades na fundamentação do paradigma da educação para o pensar, pode-se
compreender a sua proposta e possiblidade no campo educacional e sua implicação com a
filosofia e o programa de filosofia para crianças e jovens que abordaremos no capítulo 3.

3.2 A comunidade de investigação e o diálogo: a possibilidade da educação para o pensar


de ordem superior

Para Lipman (2008a, p. 38 e 40), “tão importante quanto a questão do que é o


pensamento de ordem superior é a questão de como ensiná-lo”. Na compreensão do autor, em
relação ao ensino do pensamento de ordem superior, facilmente é cometido equívocos que
fornecem suposições limitadas sobre como ensinar a pensar bem e produzir bons julgamentos,
como, por exemplo, ensinar o pensamento crítico supondo que é equivalente ao ensinar o pensar
de ordem superior, ensinar os alunos o conceito de o que é o pensar de ordem superior supondo
que é a mesma coisa que ensinar a pensar de ordem superior. Ou ainda, cometer a falácia de
supor que ensinando as partes, algumas habilidades, do pensar de ordem superior equivale a
alcançar o ensino de sua totalidade. Pelo contrário dessas suposições, o “pensamento de ordem
superior é o contexto no qual as habilidades cognitivas são aperfeiçoadas”, portanto, o ensino
do pensar de ordem superior deve se dar de modo direto em sua totalidade.
A educação deveria dar conta de desenvolver e proporcionar condições para que os
estudantes possam fazer bons julgamentos com uma estruturação crítica-cuidadosa, criativa e
avaliativa. Segundo Lipman (2008a, p. 33), julgamentos podem ser produtos ou respostas a um
problema, embora existam julgamentos que não são produzidos por questionamentos e
investigação. Os julgamentos que são constituídos a partir da problematização e investigação
são julgamentos bem fundados, que são correspondências do pensar de ordem superior.
44

O que realmente justifica uma educação para o bom julgamento é o papel desse na
formação e continuidade da experiência. É notório que para Lipman (2008a), o ensino do bom
julgamento e do pensamento multidimensional cumpre o seu objetivo quando o sujeito do
pensamento os aplica ou aprende a entendê-los na vida prática, na relação do sujeito com o
mundo imediatamente ou à longo prazo em experiências futuras. Essa concepção configura a
noção de John Dewey sobre a experiência e as ideias. Para Lipman (2008a, p. 159), Dewey
denominou de “pensamento reflexivo” o pensamento que é “consciente de suas causas e
consequências”. Para esse autor, saber as causas das ideias é ter liberdade intelectual que traduz
a postura ativa do pensador em relação ao conhecimento e o pensamento. E “conhecer as
consequências das ideias é conhecer o seu significado”. Conhecer os significados das ideias é
encontrá-las nos aspectos práticos da experiência que afetam o ser humano, como a relação dele
consigo mesmo, com a natureza, com as coisas e com a sociedade. Isso equivale a dizer que o
significado das ideias está “nos efeitos que elas têm sobre a nossa prática e sobre o mundo”. É
pertinente ressaltar, que a educação tradicional, na concepção de Dewey (1979), oferece
experiências, entretanto, o problema se concerne na qualidade dessas experiências. Ao invés de
a educação proporcionar aos estudantes experiências educativas, proporciona o contrário,
experiências deseducativas. Por experiências deseducativas, Dewey explica que é “toda a
experiência que produza o efeito de parar ou distorcer o crescimento para novas experiências
posteriores” (DEWEY, 1979, p. 14). Experiências deseducativas se apresentam tal qual um
obstáculo epistemológico que impede o sujeito de buscar novos conhecimentos ou novas
experiências, o que faz com que o estudante, na escola, fique estagnado e não queira conhecer
o significado das ideias ou distorça o significado. Um exemplo disso, é quando em sala de aula,
os alunos mostram-se insensíveis às ideias e perdem o interesse e motivação em aprender
devido a experiência deles com o ato de apreender. O propósito de relembrar essa noção da
finalidade da educação é o de problematizar as seguintes questões: como ensinar o pensar de
ordem superior de modo com que haja liberdade intelectual do estudante, isto é, como ensinar
os alunos a pensarem de ordem superior e não ensiná-los apenas o que seria tal pensamento?
Como ajudar os estudantes a construírem bons julgamentos e encontrar os significados dessas
ideias em suas relações com o mundo ou na experiência prática?
Para Lipman (2008a, p. 97), os bons julgamentos são baseados na compreensão bem
fundada e na sabedoria prática. E “ambas, a compreensão e a sabedoria prática, são acentuadas
pela deliberação”. Em sentido aristotélico, Lipman defende que a deliberação figura uma forma
de investigação, ou seja, “é o questionamento que ainda não chegou ao estágio da afirmação”.
Deliberar invoca a investigação, discernimento e a experiência, é apontar todos os pontos sobre
45

determinada questão/problema, dialogar com esses pontos e discernir por meio da atitude
investigativa o mais provável, adequável e inteligível. O sujeito do pensamento que delibera,
faz isso levando em conta a sua experiência. E o consenso da deliberação, mesmo que
provisório, gera novas experiências.
Com efeito, o caminho mais viável para estimular o pensamento multidimensional
(pensamento de ordem superior) no campo educacional, é promover a deliberação. E o processo
da deliberação se torna possível pela investigação, na medida em que há a transformação das
salas de aula em comunidades de investigação regradas pelo princípio e metodologia do
diálogo.

3.2.1 A origem teórica-filosófica da comunidade de investigação

A proposta de educação como uma comunidade de investigação foi primeiramente uma


ideia do filósofo da educação John Dewey. Ele figurou a investigação científica como modelo
para todas as investigações e sua teoria baseava-se na tentativa de reconstruir a educação
segundo os princípios investigativos do modelo científico. Seguindo essa propensão, o autor
alerta que “as escolas prestam-se mais para formar discípulos que pesquisadores”, ou seja, o
filósofo denuncia que a pedagogia educacional tradicional com seus métodos e concepções
transmissórios e desconexos da experiência educativa não são capazes de formar pessoas que
constroem conhecimento por si mesmas e que produzem conhecimento fruto de sua própria
investigação (DEWEY, 1959, p. 372). A defesa desse autor, portanto, é que “o processo
educativo na sala de aula deveria tomar como modelo o processo de investigação científica”, e
por esse viés, tornar a pedagogia e o processo de ensino mais científico tendo em vista que o
processo educacional deve desempenhar o seu papel como formador ou iniciador de
pesquisadores (LIPMAN, 2008a, p. 31).
Dewey foi aluno do filósofo e cientista Charles Sanders Peirce21 quem utilizou o termo
comunidade de investigação no campo da ciência para se referir a comunidade de cientistas
profissionais envolvidos com a investigação. Segundo Lipman (2008a, p. 31), Peirce
compreendia que quando profissionais se envolvem em um grupo cooperativo e colaborativo

21
Filósofo, lógico e cientista norte-americano. Foi a partir de suas ideias que se deu as bases da filosofia
Pragmatista, ele também propõe as bases de sua doutrina dos signos (semiótica) teoria da comunicação, incluindo
escritos filosóficos sobre linguagem, consciência e lógica, raciocínios. Além disso, Peirce, como também cientista,
estudou e teorizou cuidadosamente a metodologia da investigação científica que também é conhecida como teoria
da investigação, sendo o criador da expressão comunidade de investigação. Mais informações em (PEIRCE, 2005,
p. 193 e 284), (PEIRCE, 2008, p. 35-58), (DEWEY, 2008), (LIPMAN, 2008a, p. 157), (TONIETO, 2010, p. 89)
e (BACHA, 1997).
46

na investigação com procedimentos semelhantes (método científico) e objetivos em comum


(solucionar um problema, sair do estado incômodo da dúvida), formam uma comunidade de
pesquisadores. Conforme Tonieto (2010, p. 89-90), Peirce define que a investigação,
basicamente, dá início com a existência de uma dificuldade, uma dúvida, uma crise da crença,
para a qual não há uma resolução de imediato. A dúvida, para Peirce (2008), não é uma simples
proposição em forma de pergunta dada ao pesquisador, deve antes, envolver uma dúvida real e
viva que causa perplexidade e afeta os investigadores. Nas palavras de Peirce, a dúvida real e
genuína tem sua gênese na experiência e é aquela que motiva a investigação, portanto, é “um
estado de desconforto e insatisfação do qual lutamos para nos libertar e passar ao estado de
crença” (PEIRCE, 2008, p. 43; p. 46).
Ao se engajarem por uma dúvida, os cientistas formam um grupo e, em sentido
colaborativo e cooperativo, esforçam-se para chegar em uma possível forma de transcrever o
incompreensível em compreensível. Para isso, é importante o método crítico e lógico, ou seja,
a metodologia científica e a percepção da realidade, pois para Peirce (2008), a investigação
considera as coisas reais independentes da opinião do pesquisador e as teorias que os
pesquisadores criam e se orientam na tentativa de inferir possíveis soluções do problema. A
partir do problema-dúvida, acontece a imaginação ou criação das hipóteses, Bacha (1997, p.
14), explica que Peirce nomeia essa primeira etapa da investigação de abdução. Nas próximas
etapas, dedução e indução, os cientistas buscam testar as possibilidades de solução do problema
com a seleção de alternativas, antecipação de consequências, testes e análise lógico das teorias
hipotéticas, avaliação de efeitos até chegar em um possível resultado que é o estabelecimento
de uma nova crença (BACHA, 1997, p. 116-144).
No entanto, o processo de investigação não para no estabelecimento de uma nova crença
por mais que essa possa ser justificada, a investigação é um contínuo ensaio e erro. Dessa forma,
na compreensão de Bacha (1997, p. 73), Peirce entendeu a investigação científica como crítica,
coletiva, falível e contínua. Isso significa que o produto da investigação científica não é uma
verdade absoluta e pode ser colocado ao exame e reexame em um processo contínuo de
discussão crítica na comunidade de pesquisadores. Ao se detectar a refutação de um resultado
da investigação, há a continuação do processo de pesquisa. Noutras palavras, os problemas de
pesquisa, para Peirce, não surgem do nada, “eles têm sua gênese em alguma crença que se
apresenta como problemática aos membros da comunidade” (TONIETO, 2010, p. 90). A
investigação busca chegar em uma nova crença, passar do desconhecido (dúvida), ao conhecido
(crença). Contudo, os investigadores aceitam a falibilidade do produto de investigação, pois, o
objetivo não é chegar em uma verdade indubitável, a qualquer momento o produto do processo
47

de uma inquirição pode ser falseado e gerar novos problemas que perpetuarão novas
investigações. Assim, o que hoje é estabelecido como crença justificada amanhã pode ser a
origem da problemática para a investigação.
Para Lipman (2008a, p. 31), a partir de Peirce o termo comunidade de investigação foi
ampliando “a fim de incluir qualquer tipo de investigação, científica ou não científica”. De fato,
o termo investigação não está restrito aos cientistas, as pessoas não precisam ser cientistas
profissionais para investigar, pois desde que haja um dúvida que incomoda, pode haver
investigação. De acordo com Lipman (2008a), no estudo sobre a história natural da investigação
científica, Dewey tenta mostrar que os povos, desde os primitivos, eram capazes de desenvolver
algoritmos (métodos) para a solução de problemas no cotidiano os quais são semelhantes aos
procedimentos da investigação científica. Esses procedimentos ou regras para solução de
problemas, eram desenvolvidos de acordo com a história de sucesso desses procedimentos na
resolução de problemas. Dewey identificou que quando esses povos percebiam alguma
dificuldade, eles notavam que alguma crença tida como verdadeira já não se sustentava mais,
então percebiam que havia uma dúvida. A partir da dúvida eles buscavam a solução aplicando
os procedimentos de definir o problema, converter desejos em possíveis resultados, formar
hipóteses como possíveis maneiras de alcançar os objetivos, considerando “imaginativamente
possíveis consequências de agir sobre essas hipóteses e, então experimentar sobre as mesmas
até que o problema fosse solucionado” (LIPMAN, 2008a, p. 158). Sobre essa menção é possível
ressaltar a ideia de que as pessoas, sejam profissionais da pesquisa ou não, podem ser
investigadoras desenvolvendo algoritmos para chegar na solução de situações-problema seja no
cotidiano ou sala de aula, ambiente de trabalho e na sociedade.
Para Lipman (2008a), Dewey, amparado pelas noções de Peirce de uma comunidade
de pesquisadores crítica cuja postura diante do conhecimento é entender a existência da
falibilidade e do contínuo questionamento e correção, traz o termo comunidade de investigação
e o método da investigação científica para a área da educação, mas também aplicou à ciência,
à lógica, à arte, dentre outras áreas de aprendizagem (LIPMAN, 2008a, p. 157). No campo
educacional, propôs a tese de uma reconstrução da educação rumo a proposta da educação como
e para a investigação, refletindo sobre o papel dessa reconstrução para a democracia.
Na tradução22 de Rosenbusch, Lipman citando Dewey entende que a democracia não é
apenas uma noção política, é uma ideia ética, um modo de vida, e como tal deve ser uma “noção
de democracia que investiga e questiona os seus próprios abusos”. A posição que se sublinha

22
Conversa de Lipman anexada no livro de Kohan (1998, p. 176).
48

aqui, é que a noção de democracia não é estática, é formada por ações e noções humanas e
necessita valer-se do questionamento, autocorreção ou investigação para não ser arbitrária. Para
que seja satisfeita essa necessidade, as noções e ações humanas devem valer-se, por
conseguinte, do questionamento e da investigação. Se tal concepção é de fato, nessa transição
para uma democracia como e para a investigação, agrega-se um componente educacional. Para
Lipman (2008a, p. 355), Dewey entendia que “quando a educação se transforma em educação
como investigação e educação para a investigação, o produto social desta mudança institucional
será a democracia como investigação e não meramente democracia”. Pois a educação como e
para a investigação oferece um ambiente comunitário de deliberação que requer um sujeito
agente. Lipman (2008a) entende que a comunidade de investigação em sala de aula é para
Dewey “um microcosmo da Grande Comunidade”, ou seja, representa uma pequena
comunidade democrática, questionadora e pesquisadora que busca resolver os problemas como
injustiças e equívocos com o método da investigação científica. Os integrantes dessa
comunidade, são integrantes também de uma comunidade maior, a sociedade. Quando a
educação é como e para a investigação, prepara os estudantes para serem pensadores-
investigadores e colaboradores que questionam o que há de problemático não apenas em sala
de aula como também em seus mundos cotidianos, culturais e sociais e isso é uma perspectiva
da construção de uma sociedade democrática questionadora e autocorretiva (LIPMAN, 2008a,
p. 373).

3.2.2 A comunidade de investigação na proposta de Lipman

Lipman (2008a) leva em consideração as noções de Peirce sobre a comunidade de


investigação científica e as noções de Dewey sobre a comunidade de investigação na educação.
Sua proposta é não só considerar a aprendizagem como um aspecto importante na educação,
como também “conceber o ensino como uma iniciação no processo de pesquisa” que
proporcione aos estudantes a oportunidade de formarem em sala de aula uma comunidade, um
grupo de pesquisa (LIPMAN, 2008b, p. 17).
Na visão do autor, “onde a experiência seja compartilhada de forma a permitir que os
participantes descubram o significado de sua participação, há uma comunidade” (LIPMAN,
1990, p. 141). Portanto, uma comunidade em sala de aula não é imposta, é construída pelos seus
membros. Quando os membros de uma comunidade passam a ser cooperativos, engajam-se por
problemas em comum, compartilham experiências e descobrem a significação do ato de
compartilhar experiências, pode-se dizer que há uma relação comunitária de comunidade. No
49

entanto, segundo Tonieto (2010, p. 90), a comunidade em sala de aula é um espaço que para
Lipman deve ser organizado de tal forma que possibilite a investigação. Pois formar uma
comunidade não é suficiente para ajudar os alunos a desenvolverem o pensar multidimensional,
é necessário uma “comunidade questionadora, uma comunidade interativa, colaboradora e
pesquisadora” (LIPMAN, 2008a, p. 373). Quando a comunidade passa a ser de investigação,
“aceita a disciplina de lógica e do método científico; pratica o ouvir uns dos outros, o aprender
uns com os outros, o construir sobre as ideias dos outros e o respeitar os pontos de vista uns dos
outros, e ainda exigindo que as asserções sejam garantidas por evidências e razões” (LIPMAN,
1990, p. 170). Nisso se funde a ideia lipmaniana de uma comunidade de investigação em sala
de aula.
A comunidade de investigação na sala de aula é uma comunidade deliberativa envolvida
com a construção de um pensamento mais rico, imaginativo e razoável. Por investigação,
Lipman (2008a, p. 355) entende que é “qualquer forma de prática autocrítica [que engloba a
autocorreção e a autotranscedência] cuja meta é uma percepção mais compreensiva ou um
julgamento mais trabalhado”. Na proposta de Lipman (2008a), os estudantes na comunidade de
sala de aula são desafiados a investigarem problemas que estão ligados aos conhecimentos das
grandes áreas do conhecimento humano e também ligados a experiência prática dos próprios
estudantes. Mas não apenas investigar, a comunidade de investigação é um ambiente em que
os indivíduos aprendem a construírem problemas a partir de alguma crença já justificada, a
duvidarem e desenvolverem o espírito da investigação. A concepção de dúvida de Lipman
(2008a) é semelhante a de Peirce (2008), uma dúvida real que incomoda e gera irritação23 no
pesquisador, nesse caso uma dúvida real que incomoda o estudante e o faz não medir esforços
para sair do estado de dúvida, porque é isso que movimenta a curiosidade do aluno fazendo
com que ele sinta vontade de investigar e discutir. A metodologia utilizada na comunidade de
investigação em sala de aula é análoga ao método empregado pelos pesquisadores: perceber e
evidenciar o que há de problemático, definir objetivos, criar e compartilhar teorias hipotéticas,
selecionar e fundamentar com boas razões a seleção de alternativas, perceber falhas
metodológicas, lógicas e conceituais, testar as teorias, corrigir o processo e seguir o caminho
que a investigação conduz até chegar num julgamento que é falseável, provisório e
experimental, porém, mais trabalhado, porque é produto da prática investigativa em
comunidade.

23
Termo utilizado por Peirce (2008, p. 45), ele afirma que a “irritação da dúvida causa um grande esforço
[investigação] no sentido de se alcançar um estado de crença”.
50

No ensino pela investigação há construção de ideias. Não é, portanto, ensino de um


método vazio de conteúdo que não traz aos estudantes os conhecimentos estabelecidos na
historicidade humana, tampouco é um compartilhamento de pontos de vista em que não há
progresso. Segundo Lipman (2008a, p. 141; p. 146), mesmo que a educação como investigação
não de conta de todos os vastos conhecimentos produzidos ao longo de milhares de séculos,
pensadores-investigadores que buscam fazem bons julgamentos e pensar de diferentes
maneiras, provavelmente evitam saber pouco. Como pode-se perceber e Lipman (2008a, p. 331)
explicitamente adverte, “a comunidade de investigação não é algo sem objetivos. É um processo
que objetiva obter um produto” que é o desenvolvimento das habilidades do pensamento,
construir e desenvolver bons julgamentos, construir conhecimentos fruto da própria
investigação desenvolvendo o pensar de ordem superior. Em segundo lugar, o autor enfatiza
que o processo de investigação também “possui um sentido de direção; movimenta-se para onde
o argumento conduz”. Nesse segundo ponto, Lipman (2008a) incorpora a qualidade terciária
como orientadora da investigação.
O termo qualidade terciária, Lipman (2008a) pega de empréstimo de Dewey e utiliza
para explicar que na prática da investigação há um elemento que determina as prioridades dos
pesquisadores e fornece um senso de direção. Este elemento é a situação contextual que emana
do problema e das expectativas da dúvida do investigador na condução de suas hipóteses. Não
há duas situações iguais, tanto na comunidade da investigação científica quanto na investigação
em sala de aula, existe um contexto único que permeia cada situação-problema investigado. Ou
seja, “a investigação está sempre implicada ou dentro de uma situação. [...] cada situação é
única no sentido que possui a qualidade própria”. E essa última é que conduz a direção da
investigação, disso, a noção lipmaniana de seguir o argumento para onde ele conduz (LIPMAN,
2008a, p. 300-332).
Para Lipman (2008a, p. 140), “a comunidade de investigação é uma matriz social que
gera relações sociais estabelecendo, deste modo, o padrão para uma variedade de matrizes
cognitivas que geram novas relações cognitivas”. Estabelecer relações, julgar relações com
cuidado, ouvir, falar, criar, traduzir o pensamento em palavras e vice-versa, inventar e refutar
teorias são alguns dos múltiplos movimentos que os estudantes realizam em comunidade
deliberativa. Portanto, é um estímulo determinante para esses pensadores-pesquisadores
desenvolverem os pensamentos crítico-cuidadoso, criativo e complexo que são por excelência
pensamentos investigativos e que são utilizados e estimulados na investigação.
Contudo, Lipman (2008a; 2008b) entende que a forma de investigação não é apenas a
da ciência: “a investigação científica é somente uma entre muitas formas de investigações que
51

podem ser encontradas nas artes e ofícios, nas áreas humanas e nas profissões e, na verdade,
em todo lugar em que os seres humanos estejam envolvidos em fazer, realizar ou falar”. Na
investigação em sala de aula, portanto, os procedimentos da pesquisa científica e a lógica são
importantemente considerados, porém há outras formas de investigação “como o diálogo em
sala de aula” (LIPMAN, 2008a, p. 355 e 374, grifo nosso). Nesse aspecto, é possível detectar
que a possibilidade de uma pedagogia mais científica e de um processo educacional mais
científico por meio dos proponentes da investigação é dada pelo diálogo

3.2.3 O diálogo como princípio que fundamenta a educação e como uma forma de investigação

O diálogo é um princípio que orienta o processo educacional como iniciação ao processo


de pesquisa e é uma forma (metodologia) de investigação que proporciona a reflexão. É
princípio da educação, porque é fundamento teórico que propõe uma virada de concepções
quanto ao conceito e princípios teóricos e metodológicos de o que é a educação e o
conhecimento, orientando, desse modo, uma nova forma de pensar o processo educacional o
qual torna-se legítimo na medida em que realmente proporciona e guia-se por esse princípio. E,
é uma metodologia na medida em que é o procedimento ou instrumento socrático a partir do
qual se prepara as crianças e jovens para o processo de investigação.
Segundo Tonieto (2007, p. 21), o diálogo desloca a concepção de educação do “aprender
para o ensinar a pensar”, portanto não é apenas uma prática ou um método de investigação que
o professor e os alunos utilizam, é antes de tudo o princípio do sistema educacional pensado
como um sistema ético de relações humanas que almeja desenvolver nos estudantes o
pensamento reflexivo. Conforme Casagranda (2001), o diálogo é a origem da prática
pedagógica. Essa concepção pode ser encontrada também em Benincá (2004), que vincula o
diálogo como qualificação da dimensão pedagógica que objetiva a autonomia, a comunicação,
a ação, a cooperação e a relação humana no sentido horizontal. O contrário disso é o
autoritarismo, atitudes impositivas e determinadas como negação do diálogo no qual aprender
a pensar é ser instruído a pensar como o professor ou como um sistema de informações e
concepções historicamente e culturalmente enraizadas pensam. Nesse sentido, o diálogo torna-
se princípio educativo que permeia concepções de educação, norteia a prática pedagógica e a
posição epistemológica de que conhecer e pensar são atividades em que o sujeito é agente que
dialoga com o mundo, com a cultura, com a realidade e não simplesmente o assimila.
Por outro lado, Casagranda (2001) enfatiza que simultaneamente o diálogo é uma
estratégia que permite a participação dos estudantes e garante a satisfação de alguns objetivos,
52

pois cria condições para o envolvimento no debate de ideias, a formação do espírito


participativo-crítico e desenvolve o hábito da reflexão. Por esse viés, o diálogo torna-se também
uma forma de investigação, de pesquisa por excelência.
Na posição de Lipman (2008a, p. 335-336), o diálogo se diferencia de uma conversação.
Na conversa o tom pessoal é acentuado, pode haver reciprocidade e cooperação, porém não há
avanços, pois a conversa se restringe em um compartilhamento de pensamentos, emoções,
sentimentos, informações e interpretações dentro de uma rede de significados comum. Essa
troca caracteriza-se por ser contínua e não demanda uma construção de ideias sobre ideias e
dificilmente provoca reflexão. Por isso, é apenas uma ação linguística cooperativa que
geralmente permanece em equilíbrio como compartilhamento dos significado do que cada um
fala. A conversação pode ser cooperativa porque na conversa, em comentários cotidianos como
entre amigos, entre namorados, entre família, há termos ocultos e lacunas. Como a conversação
é uma experiência compartilhada de valores e significados comuns entre as pessoas,
cooperativamente elas preenchem as lacunas do que está oculto compreendendo o que as outras
dizem. Lipman (2008a) explica que o papel da conversação, portanto, “é de reunir os
significados do que é dito de maneira dispersa. [...] quando conversamos, nossos comentários
são elípticos, mas preenchemos as lacunas voluntariamente a fim de obtermos uma única e não
interrompida linha de significado à qual cada um pode se prender”, ao fazer isso os sujeitos
utilizam e se adaptam ao princípio cooperativo (LIPMAN, 2008a, p. 337). A discussão guiada
pela conversa se caracteriza por se concentrar nas trocas de opiniões. Nessas trocas, a conversa
pode se tornar manipulativa e persuasiva em que cada participante tem a pretensão de defender
seu ponto de vista.
O diálogo tem suas raízes na lógica da conversa, da troca e defesa de opiniões, posições
e sentimentos, porém sua especificidade é o transcender da conversa como compartilhamento
de significados e de discussões como disputa de opiniões para discussões criteriosas disciplinas
pela lógica. Nota-se que para Lipman (2008a), nesse sentido do diálogo, há um salto de posição,
pois ocorre um progresso da postura cooperativa para a postura colaborativa. Para explicar essa
diferença, Lipman utiliza a metáfora dos jogadores de Tênis e a metáfora dos oficiais de justiça.
Para ele, a conversa é feita cooperativamente “como jogadores de tênis rebatendo a bola
enquanto praticam o esporte de modo cordial e interminável”, mas no diálogo as pessoas
trabalham de modo colaborativo como “oficiais de justiça que trabalham juntos sobre o mesmo
caso”, que deliberam com seus pares com o objetivo de chegar a um veredito e quando surgem
divergências reexaminam provas, voltam ao local do crime e elaboram novas hipóteses
(LIPMAN, 2008a, p. 336; p. 347). Na conversação há o locutor e o interlocutor, primeiro um
53

fala depois o outro e assim vai se estendendo a conversa como alternância de falas e
preenchimentos de significados ao passo que no diálogo os sujeitos colaboram para construir
um significado a partir de uma problemática.
Nas palavras de Tonieto (2010, p. 94), a discussão guiada pelo diálogo não fica
ancorada nas posições e inquietações pessoais. É certo que cada sujeito membro da comunidade
é uma individualidade, com interesses, concepções e pensamentos diferentes, “contudo, no
processo de investigação dialógica é dado um passo além, visto que as individualidades, unidas,
pensam coletivamente sobre as questões humanas que as atingem como seres particulares e
sociais”. Desse modo, no diálogo, há cooperação, princípios de respeito e aspectos
comunicativos, mas a finalidade é trabalhar junto e colaborar para construir a solução de
problemáticas que afetam os indivíduos em particular, que unidos formam a comunidade e que
portanto, são problemáticas que afetam toda a comunidade. O sentido colaborativo se explicita
pelo fato de que na investigação dialógica o objetivo não é defender uma posição pessoal,
embora isso também aconteça no sentido de que cada participante vai defender suas ideias
recorrendo a lógica das boas razões, o objetivo é colaborar com posições e ideias, e pensar
deliberativamente juntos em como essas ideias se tornam legítimas na comunidade de modo
que sejam possíveis hipóteses para resolução das problemáticas levantadas. Mas isso não se faz
sem o respeito, o estabelecimento e mudança de regras em um processo contínuo que a
comunidade de investigação sempre se faz e se refaz. Por esses aspectos, a comunidade de
investigação regrada pelo diálogo é, segundo Abel (2008, p. 217), concebida a imagem de
princípios democráticos24.
Para Tonieto (2010, p. 94),

a investigação dialógica em sala de aula coloca em questão, em desequilíbrio,


concepções que nos pareciam perfeitamente aceitáveis; torna explícito o lado
problemático de determinadas situações, suscitando, assim, o questionamento e a
investigação. Contudo, a explicitação desses problemas só se torna possível na medida
em que há uma prática dialógica.

Pelo diálogo o processo de pesquisa é construído em conjunto pelo confronto dialógico


de ideias. Lipman e seus colaboradores (2001, p. 47) delineiam que até os adultos pensam
melhor sobre suas posições quando se propõem dialogicamente a discuti-las e apresentá-las a
outras pessoas. Isso é de fato, porque no processo de discussão guiado pelo diálogo os
participantes são levados a se envolverem com atividades mentais as quais eles não se

24
Mais detalhes sobre os aspectos democráticos da comunidade de investigação ver (ABEL, 2008, p. 205-206) e
(TONIETO, 2010, p. 94-102).
54

envolveriam se não estivessem dialogando com os outros. Na discussão dialógica, não há


apenas um ponto de vista, mas vários, quando um grupo de pessoas procuram juntas respostas
para os problemas levantados, elas dialogam com todos esses pontos de vista e, então, nesse
processo uma convicção pode ser desiquilibrada por outras, o que faz com que cada participante
pense em suas posições enquanto considera os outros ângulos da questão. Assim, a investigação
prossegue no movimento em que as falas de um participante podem ser repensadas pelo outro,
uns constroem sobre as ideias dos outros, é solicitado provas que sustentam uma fala ou
afirmação, contraexemplos, razões. Para isso, é necessário o princípio cooperativo de ouvir
cuidadosamente os argumentos de todos e de interpretá-los. Nessa maneira de proceder, cada
colocação, cada ato crítico e criativo, gera um leque de problematizações e exigências
subsequentes ou secundárias que desequilibram consensos e convicções que aparentam ser
aceitáveis, o que faz o diálogo não ser linear e progredir seguindo as dificuldades que a
problemática apresenta em que “cada movimento desencadeia uma série de movimentos
confirmatórios ou contraditórios”. Desse modo, Lipman identifica o diálogo como um processo
de “[...] exame, uma investigação, um questionamento” (2008a, p. 342).
Outro aspecto importante referente a questão do diálogo Lipmaniano e que decorre do
que já foi dito aqui, é a compreensão de que é o diálogo que possibilita a reflexão e não ao
contrário. Lipman e seus colaboradores (2001, p. 44) consideram que o pensamento e o diálogo
possuem uma relação, pois “quando as pessoas se envolvem no diálogo, são levadas a refletir,
a se concentrar, a levar em conta as alternativas, a ouvir cuidadosamente, a prestar muita
atenção às definições e aos significados, a reconhecer alternativas nas quais não havia pensado
anteriormente”, nesse processo os participantes pensam sobre o que dizem, sobre o que
poderiam dizer e levantam hipóteses sobre o que as outras pessoas dizem, o que possibilita o
movimento do pensamento e a autocorreção. Com esse movimento processual, os participantes
reproduzem na estrutura do pensamento os procedimentos das discussões e adotam para si
mesmos a postura investigativa de contrapor seus próprios pensamentos, de pensar com
critérios multilógicos, de ser crítico-cuidadoso com as suas próprias opiniões e com a realidade
que se apresenta.
Conforme coloca Lipman (2008a, p. 304), o diálogo é matriz do pensamento, pois o
pensamento contém movimentos que são dialógicos, transacionais e tradicionais. Isso significa
que o pensamento é fruto de uma relação dialógica do sujeito com a realidade externa e consigo
mesmo. O próprio pensar por si mesmo é uma atividade dialógica25. É um diálogo do eu com

25
Foi explicado mais detalhadamente sobre esse aspecto no item 3.1.2 na página 31 desta pesquisa.
55

o mundo26, condição que não aborta os aspectos criativos do pensamento. Os procedimentos


que os sujeitos seguem em um ato de pensar criativo ou autônomo, de dialogar com várias
posições, de empregar critérios, modificar posições, defender o próprio pensamento e
considerar alternativas, segundo Lipman (2008a), são procedimentos do pensamento por
excelência investigativos, e estão entre aqueles que “são características da comunidade de
investigação. Estes procedimentos e técnicas são precisamente aqueles internalizados pelos
alunos, resultando em que as deliberações metódicas da comunidade são traduzidas em
deliberações e ponderações metódicas do indivíduos” (LIPMAN, 2008a, p. 295).
Lipman e seus colaboradores (2001, p. 45) fundamentam a tese de que o pensamento é
a internalização dos procedimentos e comunicações dialógicos do grupo em George Hebert
Mead27 e Lev Vygotsky28. Em consonância com Mead e Vygotsky, Lipman e seus colaboradores
(2001) sugerem que a formação da comunidade de investigação em sala de aula guiada pelos
procedimentos do diálogo é indispensável para estimular os estudantes pensarem por si
mesmos. Lipman (2008a, p. 81) lista uma série de comportamentos característicos de indivíduos
que aprenderam a refletir sobre suas próprias suposições: quando questionam a si mesmos;
refletem sobre as suas razões para pensar em como pensam, baseiam-se em suas próprias ideias;
criam soluções a partir do seu próprio pensamento; preveem contraexemplos para as suas
próprias hipóteses; preveem possíveis consequências das suas próprias ideias; utilizam critérios
específicos quando fazem julgamentos; seguem procedimentos racionais quando lidam com
seus próprios problemas. Segundo o autor, na comunidade de investigação dialógica os alunos
são estimulados a seguir esses procedimentos em grupo, a lidar com problemas, a criar
hipóteses, a buscar razões, a questionar as razões uns dos outros e assim por diante,
desenvolvendo e aplicando o princípio da autocorreção e um vasto número de habilidades
cognitivas. Nesse processo, aos poucos cada indivíduo vai internalizando os procedimentos
dialógicos do grupo até que esses façam parte de seus próprios procedimentos de pensamento.
No entanto, não se segue que todo o tipo de diálogo funcione, Lipman e seus
colaboradores (2001, p. 46) alertam que as crianças e adolescentes “mesmo quando falam
ordenadamente, podem não estar escutando o que cada um está dizendo, nem tentando elaborar
seu pensamento a partir das contribuições das outras pessoas”. Na verdade, pesa sobre a
comunidade de investigação aspectos afetivos, pode ter alunos que se preocupem com a
aceitação de o que eles tem a dizer, escolham não falar ou fiquem a todo tempo preocupados

26
Ver também (LÉVINE, 2008, p. 97-99).
27
Na obra Mind, Self and society [sugestão de edição 1967].
28
Na obra A formação social da mente [sugestão de edição 1994].
56

com o que vão falar sem escutar o outro ou sem acompanhar o desenrolar do diálogo. Eles
também podem estar imitando os procedimentos e respondendo questões de forma mecânica
sem refletir.
Daniel (2008, p. 39) em seus estudos sobre os pressupostos filosóficos e pedagógicos
de Matthew Lipman, enfatiza que, mesmo quando as questões levantadas sejam interessantes
para as crianças e adolescentes, o diálogo não se dá satisfatoriamente logo de início, portanto,
requer aprendizagem e constância. Ele ainda identifica que as discussões interessantes em sala
de aula podem ser:
1. Anedóticas: quando se tem uma problemática interessante para os estudantes e eles tentam
dar resposta, mas falam de forma não estruturada, não se deixam refletir pelas considerações
dos colegas e colocam seus pontos de vistas como conclusões fechadas;
2. Monológicas: quando os alunos começam a entrar em um processo de busca organizada,
porém buscam uma resposta única, não conseguem considerar todos os ângulos do problema
de investigação e têm dificuldades de justificar suas opiniões;
3. Dialógicas: quando os alunos investem na reflexão, constroem sobre as ideias dos colegas,
levantam hipóteses, justificam suas posições e buscam um objetivo comum, mas ainda
apresentam dificuldades de avaliar a pertinência dos seus pontos de vistas, percebem a validade
dos enunciados e a pertinência dos critérios;
4. Dialógica semicríticas: quando os estudantes utilizam procedimentos para resolver uma
problemática, alguns são críticos para questionar os enunciados dos outros, questionam a
validade, utilizam a lógica, no entanto, ainda há alguns alunos que não conseguem ser
criticamente influenciados pelas críticas dos outros e a discussão não se movimenta no sentido
de gerar mudanças de perspectivas da comunidade;
5. Dialógica crítica: quando os estudantes trabalham juntos e não só melhoram a perspectiva da
comunidade como também a modifica, acontecendo um avanço na compreensão. Os critérios
observados quanto a atitude dos estudantes é a preocupação ética e lógica sobre as deliberações,
os alunos buscam naturalmente a divergência, solicitam entre si razões, posicionam-se não de
modo conclusivo fechado, mas de modo hipotético e têm noção sobre a colaboração dos colegas
para enfrentar a problemática que a comunidade de investigação tenta resolver (DANIEL,
2008). É nesse ponto que acontece especificadamente uma discussão dialógica nos moldes que
Lipman (2008b) e Lipman com os seus colaboradores (2001) colocam quando propõem que o
diálogo como processo de iniciação a pesquisa possibilita o desequilíbrio das concepções e
convicções e a decorrente reflexão.
57

Contudo, o valor da educação como processo de iniciar os alunos ao processo de


pesquisa não poderia estar completo sem um componente essencial que é por si próprio um
modelo de investigação reflexivo e dialógico, e que trata de conceitos que são pressupostos nas
outras disciplinas, mas que não são tratados nelas, esse componente é a filosofia. É a partir
disso, que Lipman (2008b; 2008a) cria o seu projeto de filosofia para crianças e jovens proposto
como uma educação para o pensar. No próximo capítulo, projetaremos como essa proposta é
possível e fundamentada pelo paradigma reflexivo da prática crítica.
58

4 O PROGRAMA DE FILOSOFIA PARA CRIANÇAS E JOVENS COMO UMA


PROPOSTA DE EDUCAÇÃO PARA O PENSAR

O Programa de Filosofia para Crianças e Jovens criado por Matthew Lipman é uma
proposta para o ensino de filosofia que tem como paradigma o modelo educacional reflexivo
da educação para o pensar. Seu objetivo é contribuir com esse paradigma na tarefa de ajudar os
estudantes a desenvolverem o espírito investigativo, as habilidades cognitivas para o pensar
multidimensional (pensar de ordem superior) e, principalmente, trazer as riquezas do
pensamento filosófico para a sala de aula a fim de fazer com que os alunos filosofem. No
capítulo anterior, adentramos nos elementos que constituem o paradigma da educação para o
pensar, onde investigamos o que dá o suporte à teoria normativa do pensar de ordem superior
ou multidimensional e a suas possibilidades de ensino as quais identificamos que é a pesquisa
em comunidade estimulada pelo diálogo. Tudo o que foi proposto até agora forma a base
propedêutica para o nosso objetivo geral, que é explicar os elementos teóricos dos quais se
constitui o programa de filosofia para crianças e jovens e definir o significado educacional de
tal proposta.
Para tanto, tomamos como objetivo no presente capítulo, projetar como a filosofia
torna-se uma educação para o pensar na concepção de ensino e de filosofia lipmaniana. Para
alcançar esse objetivo, primeiramente procuraremos explicar por que a filosofia é importante
para a educação para o pensar e como ela é incluída no referido modelo educacional por
Lipman. Após isso, identificaremos a viabilidade da filosofia como contribuinte para o
desenvolvimento dos quatro conjuntos de habilidades do pensamento indispensáveis para o
pensar multidimensional. Em seguida vamos esboçar como a pesquisa ou prática filosófica pode
estimular reflexão e o espírito investigativo dos estudantes desde pequenos com a apresentação
dos sete módulos de filosofia e suas respectivas organizações de habilidades, conteúdo e
pesquisa filosófica criados por Lipman em parceria com colaboradores. Nas últimas seções
daremos continuidade com a identificação da importância dos materiais que Lipman desenvolve
para o ensino de filosofia e o papel atribuído ao professor de filosofia na condução da
comunidade de investigação filosófica.
Tomaremos como textos bases os de Lipman (2008a; 2008b; 1995; 1990; 2000a; 2000b;
1998; 1991) e Lipman com seus colaboradores (2001). Como textos complementares Tonieto
(2007; 2010), Daniel (2008), Kohan (1998), Oliveira (2004), Sharp (1995) e Lorieri (2000).
59

4.1 O ensino de filosofia a partir de uma proposta de educação para o pensar

Na introdução à obra O pensar na educação, Lipman (2008a, p. 14, grifo do autor)


define que os proponentes de seus escritos, na obra em questão, consideram “a capacidade da
filosofia, quando adequadamente reconstruída e corretamente ensinada” para ser um exemplo
de proposta de ensino de filosofia como educação para desenvolver o pensamento
multidimensional. O autor identifica essa possibilidade, porque entende que a pesquisa
dialógica revela-se inerente a filosofia. Desse modo, não é concebível a ideia de uma educação
reflexiva plena sem a inclusão da filosofia desde as séries iniciais, pois a filosofia completa a
totalidade da conexão entre as outras disciplinas e, inclusive, contribui para que os alunos
aprendam a pensar nas disciplinas.
Segundo Lipman (1990), compreender ou pensar em uma disciplina é pensar em sua
linguagem, por exemplo, pensar na linguagem de história é tornar-se um historiador ou pensar
historicamente, pensar na linguagem da matemática é tornar-se matemático ou pensar
matematicamente, pensar na linguagem da filosofia é torna-se filósofo ou pensar
filosoficamente. O que é indispensável para pensar na linguagem que um historiador,
matemático ou filósofo pensa é que se tenha o espírito de investigação, de problematização, de
descoberta e invenção sobre essas áreas do saber e ao mesmo tempo traduzi-las para a
linguagem da experiência do ser humano que lida com elas. Isso é possível na educação
iniciando os estudantes no processo de pesquisa.
Ainda é provável que se possa adicionar sobre o pensar na linguagem das disciplinas,
que uma linguagem ajuda a outra a se autoquestionar, rever seus critérios e a se enriquecer.
Esse é o caso da filosofia inclusa como disciplina. Ela é uma linguagem que contribui para a
autocrítica e autocorreção das outras linguagens assim como essas são para a linguagem da
filosofia, porque as subáreas que compõem a filosofia, tais como a lógica, a ética, a
epistemologia, a estética e a metafisica, estão ligadas às outras disciplinas de modo que elas se
cruzam em ângulos retos fornecendo condições elementares para a não fragmentação do
conhecimento e juntas formam a rede de conexões das disciplinas (LIPMAN, 1995). Na
verdade, Lipman (2000b, p. 17) propõe que o objetivo da filosofia “é buscar as características
genéricas da justeza do raciocínio. Ela se interessa pelos problemas gerais de definição,
classificação, dedução, verdade e significação [...]”. Nesse sentido, a filosofia assume a
responsabilidade de lidar com um núcleo de conceitos de grande amplitude os quais “são
incorporados ou ilustrados em todas as áreas humanas, mas é na filosofia que são analisados,
discutidos, interpretados e esclarecidos” (LIPMAN, 2008a, p. 240). Esses conceitos tradados
60

pela filosofia como abertos, problemáticos, controversos e abrangentes tais como o conceito de
justiça, de bem, de ação moralmente boa, de verdade, de bons raciocínios, de beleza e de
conhecimento, são conceitos que transcendem todas as disciplinas, podem até ser tratados de
maneira específica em outras áreas do saber, moldam os nossos modos de criar, dizer e agir na
experiência, assim como também são encontramos os seus significados na experiência, porém
são, propriamente, conceitos forjados originalmente pelo ato do pensar filosófico.
Uma vez identificado que a filosofia lida com conceitos que compõem um vasto
significado, Lipman (1990, p. 111) ainda adiciona que “o estágio inicial da investigação de um
assunto recentemente descoberto é filosófico. É um estágio no qual as perplexidades são
abundantes, assim como as especulações de como resolvê-las”. A filosofia desde seu início se
preocupou em investigar o que é dado como certo, persegue o problemático, o controverso e é
atraída “pelas dificuldades conceituais que se escondem nas frestas e interstícios de nossos
esquemas conceituais” (LIPMAN, 1990, p. 50). Se assim é de fato, a filosofia por sua própria
natureza incorpora características de investigação e diálogo que se revigoram pela reativação
da dúvida a qual, como vimos no capítulo anterior, é o princípio para todas as formas de
investigação.
Assim, diferentemente das outras disciplinas a filosofia se identifica com a reativação
da dúvida. As outras disciplinas, conforme nos lembra Lipman (1990), estabelecem uma
taxionomia de classificação que, geralmente, se traduzem pelo objetivo de estabelecer a
exatidão, o equilíbrio. Ao passo que a filosofia considera as zonas imprecisas, a necessidade de
admitir que há exatidões parciais ou falhas que desiquilibram a exatidão como nos casos dos
problemas valorativos de ética, bioética e moral, problemas epistemológicos e metafísicos, e
assim por diante. Essas características peculiares da filosofia a tornam uma forte candidata para
o exercício da problematização e do pensar nas outras disciplina, visto que as linguagens das
outras disciplinas também tiveram inicialmente um estágio filosófico e, essa característica
deveria ficar com essas disciplinas sob forma de crítica. A filosofia fornece critérios para fazer
a crítica das críticas das outras disciplinas. Não obstante, a filosofia ainda tem a oferecer
conhecimentos humanísticos, o seu caráter reflexivo e “a familiarização com o processo de
raciocínio, a sua escrupulosa abordagem da análise conceitual e seu próprio compromisso na
investigação autocorretiva” (LIPMAN, 1990, p. 165). Portanto, é propícia para contribuir com
o desenvolvimento do raciocínio e do bom julgamento por ter como subáreas a lógica que
estuda habilidades argumentativas e fornece critérios para distinguir entre raciocínios bons e
raciocínios fracos ou falaciosos, a ética que propõe um pensar cuidadoso sobre os julgamentos,
a estética que se apresenta como uma forma de cognição apreciativa e criativa, a epistemologia
61

que estuda normas cognitivas e o conhecimento. Enfim, em todas as ramificações ou subáreas


da filosofia criação, crítica, cuidado, avaliação e autoavaliação são ingredientes que se
intercruzam, são necessários e peculiares às atividades filosóficas.
Porém, afirmar a contribuição da filosofia para as outras disciplinas e para o
desenvolvimento do pensamento não a coloca em um patamar maior e sim em um patamar de
igual importância. Lembrando que Lipman (1990; 2008a) não pretendia considerar a filosofia
como algo superior, ele pretendia defender a importância da filosofia na educação básica
elencando o porquê seria absurdo não ter filosofia no currículo, principalmente, no da educação
fundamental e média. Desse modo, na compreensão de Lipman (2008a, p. 209), ao propor a
inclusão da filosofia no currículo, a “consequência não é que as outras matérias ficam
enfraquecidas por serem exprimidas em espaços menores de tempo. Esta questão deve ser
comprometida do ponto de vista que a filosofia é uma matéria miscível que permeia as outras
disciplinas, enriquecendo-as”. Mas nada adiantará se as outras disciplinas não forem colocadas
também como propostas que tem objetivos, teoria e metodologia para uma educação para o
pensar.

4.1.1 A filosofia adequadamente reconstruída e corretamente ensinada

Como visto anteriormente, Lipman (2008b, p. 18) defende que não é possível uma
educação reflexiva plena sem a filosofia assim como também não seria possível uma formação
cognitiva adequada sem essa disciplina. Contudo, ele admite que tem que defender igualmente
o raciocínio oposto: é possível que, em determinas circunstâncias, a presença da filosofia no
currículo escolar na educação básica pode não ser viável. Essas circunstâncias são figuradas
quando a filosofia é transformada em uma disciplina erudita e fragmentada em que suas
características e significação são excluídas. Por isso, a ideia lipmaniana de uma filosofia
adequadamente reconstruída e corretamente ensinada. No entanto, como deveria ser uma
filosofia adequadamente reconstruída e corretamente ensinada?
Para Lipman (1990, p. 38), em qualquer forma de ensino, em qualquer disciplina,
“aprender bem alguma coisa é aprender com o mesmo espírito de invenção e descoberta de
quando foi inventada”. Esse espírito de invenção e descoberta é propriamente o espírito da
investigação, o cerne do paradigma reflexivo da educação para o pensar e o que mantém as
disciplinas vivas. Para o ensino de filosofia essa abordagem também é mensurada com a adição
de que o propósito educacional da filosofia é possibilitar o ser humano torna-se ou continuar
sendo um investigador. Lipman entende a filosofia por suas próprias peculiaridades como “o
62

exame autocorretivo dos modos alternativos de [criar]29fazer, dizer e agir” (1990, p. 197), é um
modelo de investigação conceitual (busca estabelecer e criar conceitos) e reflexivo (reflete
sobre a formação desses conceitos e os modos alternativos de aplicá-los na experiência). Esse
modelo possui em suas características práticas, o diálogo e a busca por entender não apenas
como as coisas são, mas também procura entender como as coisas deveriam ser. Noutras
palavras, a prática filosófica é uma forma de investigação normativa. Para descobrir as
alternativas de fazer ou criar, agir e dizer, “os filósofos persistentemente avaliam e examinam
suas próprias pressuposições, questionam o que outras pessoas normalmente têm como certo e
especulam imaginativamente sobre quadros de referência cada vez mais amplos”, e isso é um
movimento de pesquisa colaborativa ou dialógica (LIPMAN; SHARP; OSCANYAN, 2001, p.
144). Nesse sentido, Lipman (1990) e ele com os seus colaboradores (2001), entendem a
filosofia, não como um sistema de conceitos e significados filosóficos já produzidos, esses são
os resultados ou consequências da filosofia. Eles entendem a filosofia como um modo prático,
o fazer filosofia: o filosofar, entendido, aqui, como modo de questionar e buscar de modo
colaborativo, os significados das ideias e da experiência humana. Essa definição lipmaniana de
filosofia não desconsidera o conhecimento filosófico já produzido, pois esse faz parte do fazer
filosofia, não é separado o fazer filosófico do feito filosófico. Por outro lado, também não
desconsidera o processo crítico, criativo e complexo pelo qual a filosofia se define, investiga a
si mesmo e se reativa, pois esse “nos ensina que devemos estar atentos à nossa própria
falibilidade e sermos autocríticos e autocorretivos” (LIPMAN, 2000b, p. 75).
Assim, a filosofia tem, na compreensão lipmaniana, duas funções:

[...] Uma é analítica. Cada disciplina é reflexiva e, pois, crítica quanto ao seu próprio
conhecimento. A filosofia engloba a crítica dessas críticas mediante uma análise
permanente dos critérios e padrões utilizados. [...] A outra função [...] é mais síntese
do que análise, mais especulativa do que empírica” (LIPMAN, 1997 apud LORIERI,
2000, p. 237).

Ligando as partes, a filosofia nas obras e escritos de Lipman, não é separada nem do seu
processo nem do seu produto. O processo é uma urdidura regrada pela lógica, busca rigor
metodológico e argumentativo e se amplia pela forma colaborativa de diálogo e autocorreção
de especulação e análise. O produto é uma urdidura resultante do processo, juntas formam a
trama do pensamento filosófico, o qual, segundo Lipman (1990, p. 20; p. 59), é um modelo

29
Em outra menção que Lipman faz juntamente com os seus colaboradores, sobre a filosofia como exame
autocorretivo e autocrítico das alternativas de fazer, dizer e agir, é substituído a palavra “fazer” por “criar”. Ver
em (LIPMAN; SHARP; OSCANYAN, 2001, p. 144) e contrastar com (LIPMAN, 1990, p. 197).
63

criativo disciplinado pela investigação intelectual, ou seja, a filosofia é um padrão “guiado pelo
ideal de racionalidade”: um pensar multidimensional.
A partir dessas caraterísticas, é possível supor que uma filosofia adequadamente
reconstruída é a que considera o processo e o produto, e se propõe como uma forma de
investigação normativa, ampliativa e criteriosa. Quanto ao ensino de filosofia, Lipman
prossegue com a afirmação de que “a filosofia é a disciplina cuja a forma e pedagogia são a
mesma coisa” (LIPMAN, 1990, p. 53). Sendo a mesma coisa, ensinar adequadamente a filosofia
deve ser da mesma forma como ela é, por natureza, definida e produzida, pelo fazer filosofia.
Por essas características, Lipman (1990; 1995) identifica a convergência entre as peculiaridades
da educação para o pensar, que de certo modo, é construída sobre fundamentos educacionais e
filosóficos, e as peculiaridades próprias da filosofia que também apresenta um significado
educacional de investigação, diálogo e a procura por estabelecer e se guiar por pensamentos
bem elaborados.
No entanto, se as peculiaridades da filosofia e da educação para o pensar chegam a
pontos que se cruzam, poder-se-ia perguntar se uma não substituiria a outra no campo
educacional. Na conclusão de que uma educação reflexiva não seria plena sem a filosofia já
chegamos anteriormente pelas próprias explicações que Lipman (1990) nos fornece. O mesmo
segue com o raciocínio ao contrário, o ensino de filosofia não seria pleno sem a educação
reflexiva, porque a filosofia ensinada na abordagem tradicional, conforme complementa
Tonieto (2007), transforma-se no ensino do produto da filosofia que desconsiderado o processo
torna-se fragmentada.
A filosofia como prática filosófica ou pesquisa colaborativa é uma forma de educação
para o pensar e, é nessas perspectivas que corrobora com a educação reflexiva. A partir dessa
concepção tomada como ponto central, Lipman cria o Programa de Filosofia Para Crianças e
Jovens – Educação Para o Pensar como proposta de ensino de filosofia que objetiva fazer com
que os alunos filosofem e por meio do raciocínio e pensamento filosófico aperfeiçoem cada vez
mais as habilidades de pensamento necessárias para o pensamento multidimensional ou de
ordem superior.
A seguir, abordaremos como a filosofia (como pesquisa filosófica colaborativa) dentro
do Programa de Filosofia Para Crianças e Jovens – Educação Para o Pensar contribui com o
desenvolvimento das habilidades cognitivas ou de pensamento.
64

4.2 As habilidades de pensamento e a pesquisa filosófica colaborativa

Lipman (1995) afirma que um dos ingredientes necessários para levar ao


desenvolvimento do bom pensamento, do pensar na linguagem das disciplinas e para a
construção ou reconstrução de significados é prestar atenção ao aprimoramento das habilidades
de pensamento. Infelizmente, essa atenção não é muito acentuada na educação tradicional e
consequentemente a deficiência das habilidades cognitivas é um dos principais problemas
educacionais. Então, um primeiro desafio a educação reflexiva e para o ensino de filosofia é a
organização de um currículo efetivo que realmente contribua com o desenvolvimento das
habilidades cognitivas.
Antes de mensurar como a filosofia pode contribuir com o desenvolvimento das
habilidades de pensamento, é de suma importância a compreensão sobre o que elas são. Lipman
(2008a, p. 117) explica que uma “habilidade é a capacidade de organizar movimentos e
procedimentos de maneira a alcançar um resultado que se busca”, sendo dessa forma, no caso
das habilidades cognitivas ou de pensamento pode-se dizer que elas “representam a capacidade
para bem realizar movimentos e desempenhos cognitivos”. O desenvolvimento dessa
capacidade é uma condição necessária para o aperfeiçoamento do pensamento
multidimensional uma vez que os elementos que compõem essa forma de cognição, os
pensamentos crítico-cuidadoso, criativo e complexo, são posturas cognitivas movimentadas e
desempenhadas por essa capacidade representada pelas habilidades cognitivas.
Existem muitos tipos de habilidades e comportamentos semelhantes as habilidades,
contudo, para Lipman (2008a, p. 57), habilidades cognitivas as quais ele se refere são aquelas
“habilidades de ordem superior”. Afirmar a existência de habilidades de ordem superior não
sugere que existem habilidades melhores que outras ou que há uma hierarquia de habilidades.
O proposto é que existem habilidades formadas por uma orquestração de outras habilidades
juntas ou por uma série de potências de uma mesma habilidade em que essa é ampliada e variada
tornando-se cada vez mais elaborada, por isso, poderíamos chamá-las de mega-habilidades ou
categorias de habilidades.
Lipman (2008a, p. 79), faz uma contraposição as ideias de Benjamin S. Bloom as quais
propunham uma abordagem de habilidades organizadas em forma de “uma pirâmide de
hierarquia de habilidades”, assim, a proposta lipmaniana defende “uma abordagem contextual,
não hierárquica, da excelência do pensamento”, porque nenhuma habilidade é sozinha melhor
ou pior que outra, “é o contexto que determina o que deve ser considerado como melhor e aquilo
que deve ser considerado pior”, por exemplo, há determinados contextos nos quais podem ser
65

importantes habilidades de comparação e seriação, habilidades consideradas simples. Em


outros contextos é possível exigir-se habilidades de inferência e raciocínio analógico que são
habilidades mais elevadas do que a comparação e a seriação, mas que dependendo do contexto
em que elas são empregadas e orquestradas, as primeiras podem ser tão importantes quanto as
últimas, inclusive, as primeiras são as potências elementares das últimas. Lipman (2008a;
2000b) insiste na posição de que as habilidades não podem ser organizadas de forma hierárquica
por dois principais motivos: primeiro, porque uma pirâmide de habilidades dá a impressão de
que as habilidades tem um nível de importância de acordo com o nível ou categorização em que
elas estão; e, segundo, decorrente do primeiro, quando no campo educacional é organizado o
currículo escolar prestando-se atenção ao desenvolvimento dessas habilidades, facilmente
quem o elabora, ao seguir uma pirâmide de habilidades, as coloca no currículo em ordem
cronológica e não lógica. Isso acarreta o erro constante que a educação comete dando atenção
as habilidades cognitivas mais elevadas apenas, e de forma ainda deficiente, no segundo grau
ou no ensino superior, não levando em conta que “um currículo eficaz ensinará aos alunos de
que maneira as habilidades podem ser empregadas cumulativamente para que uma possa
reforçar as outras”, esse currículo precisa dar ênfase no desenvolvimentos de habilidades
cognitivas elementares, de ordem média e de ordem elevada igualmente em todas as etapas de
ensino, incluindo o ensino das crianças (LIPMAN, 2008a, p. 76).
Para Tonieto (2010, p. 82), as áreas ou categorias das habilidades cognitivas que Lipman
aponta como indispensáveis para todo o processo educacional são quatro: (I) as habilidades de
investigação, (II) as habilidades de raciocínio, (III) as habilidades de organização de
informações ou de formação de conceitos, (IV) e as habilidades de tradução. Sobre essas
habilidades, Lipman (2008a, p. 65) aponta que provavelmente as crianças as adquirem
juntamente com a aquisição da linguagem, no entanto, essas habilidades são adquiridas de
forma ainda rudimentar e pode ser que na medida em que o ser humano se desenvolve
naturalmente e amadurece, essas habilidades não sejam potencializadas por si só. Disso, a
importância do campo educacional dar atenção para o desenvolvimento das habilidades do
pensamento e desenvolver propostas educacionais de como desenvolvê-las de maneira efetiva
e eficiente.
Para ainda avaliar como uma proposta educacional de desenvolvimento de habilidades
cognitivas pode ser adequada e condizente com o objetivo em que ela se ancora, é necessário a
compreensão sobre o que são cada uma das categoria de habilidades do pensamento e como
elas se constituem. Essa compreensão é o que tentaremos construir a seguir:
66

(I) Habilidades de investigação:


Para Lipman (2008a, p. 72), investigar é a prática de busca seguida de autocorreção
“onde um tema é investigado com o objetivo de descobrir ou inventar maneiras de lidar com
aquilo que é problemático [...]”. Nesse sentido, segundo Oliveira (2004, p. 47), as habilidades
de pensamento investigativas “sugerem a ideia de busca do processo de construção de
respostas”, ou seja, é a capacidade de fazer bons movimentos cognitivos em busca de soluções
para aquilo que é problemático, que é estranho, que o sujeito tem como certo e é colocado em
questão.
O conjunto de habilidades de investigação englobam habilidades de indagar sobre uma
questão duvidosa, habilidades de seguir vestígios, fazer construção e teste de hipóteses, fazer
seriação e seleção de alternativas que possam ser possíveis soluções, o que também sugere a
seleção e seriação de o que é possível e provável, habilidade de identificação e explicação de
causas de um problema, de um fenômeno, prever e adiantar possíveis consequências de
solucionar um problema com a seleção de determinada hipótese, identificar causas e efeitos,
meios e fins, meios e consequências, estimar, medir e desenvolver, etc. Para Lipman (2008a, p.
65), as crianças já são investigativas desde pequenas. Quando, por exemplo, elas tentam
adivinhar para onde foi um brinquedo favorito, elas realizam movimentos cognitivos de
investigação em que é colocado hipóteses, elas tentam adivinhar o local, colocam hipóteses e
as testam verificando cada local provável e possível, buscam explicações para o que, no
entendimento delas, é sem solução ou estranho. Essa variedade de habilidades são contínuas
da infância a terceira idade, é através delas que as crianças aprendem a relacionar suas
experiências com o que aconteceu com elas no passado, com o que está acontecendo com elas
no presente e com aquilo que elas tentam adivinhar que vai acontecer no futuro. Cada
movimento cognitivo realizado pela orquestração das habilidades de investigação traz para o
investigador/pensador algo a mais, que acrescenta, modifica ou substitui julgamentos ou
convicções já construídas sobre o mundo. Por assim dizer, Lipman (1990, p. 116) também
associa as habilidades de investigação “com a execução de métodos científicos, tais como
medir, observar, descrever, estimar [...]”.
(II) Habilidades de raciocínio:
O raciocínio é, para Lipman (2008a, p. 76), “o processo de ordenar e coordenar aquilo
que foi descoberto através da investigação. Implica em descobrir maneiras válidas de ampliar
e organizar o que foi descoberto ou inventado enquanto era mantido como verdade”. O
raciocínio representa um aspecto do pensamento que pode ser formulado discursivamente sobre
regras lógicas de coordenação do pensamento e da fala, que é submetido a avaliação, pois pode
67

haver raciocínio válido e inválido os quais tanto podem conter premissas verdadeiras e sólidas
e conclusão verdadeira e sólida como pode ser descuidado e arbitrário. Das habilidades que
constituem as habilidades de raciocínio, pode-se destacar, conforme Oliveira (2004), as
habilidades de inferir conclusões e pressupostos, detectar premissas e conclusões, formular
questões, exemplificar, constatar, deduzir, classificar, fazer comparações e relações de
semelhanças e diferenças, construir símiles, fazer comparações de relações.
As habilidades de raciocínio são indispensáveis para a construção e ampliação dos
significados, quando uma criança lê um texto e consegue inferir os implícitos do texto e
estabelecer relações, pode-se dizer que ela extraiu ou descobriu o significado que esse texto
apresenta. Na descoberta ou na construção do significado a criança contou com uma vasta
coordenação de atos mentais constituídos por movimentos lógicos e as habilidade de raciocínio.
Para explicar essa ideia, utilizaremos o seguinte exemplo, o qual o próprio Lipman (2008a, p.
63) utiliza: “um professor pergunta a uma criança de quarta série “como seria ser a única pessoa
na terra?” e a criança responde que seria como se fosse a única estrela no céu”. Nota-se que por
mais que a pergunta seja simples, a compreensão de seu significado exige um vasto número de
atos mentais de raciocínio e de lógica. Para formular esse raciocínio que a criança fez ao
responder a pergunta, foi estabelecido duas relações e depois mais uma relação de semelhança
entre essas duas relações: a relação entre pessoa e mundo vazio é semelhante à relação entre
estrela e céu vazio. O resultado desses atos mentais é a construção de um raciocínio analógico.
Como pode perceber, foi coordenado nesse ato de pensamento uma potência de habilidades de
raciocínio, das mais elementares como estabelecer e perceber a relação entre duas coisas, às
mais complexas como fazer comparação de relações, que é propriamente fazer relação entre
duas relações. Isso, no entender do autor, demonstra que a criança extraiu o significado da
pergunta. E no momento em que foi construído esse raciocínio, houve também um evento
criativo de ampliação do significado sem prejudicar a verdade ou tornar o raciocínio inválido.
O raciocínio é o “pensamento em movimento exercendo pressão progressiva para
frente” (LIPMAN, 1990, p. 48). Quando as convicções são colocadas em questão e é percebido
a existência de um problema, o pensamento habilmente investigativo procede elaborando,
testando e selecionando hipóteses que determinem a solução da questão, junto com esses atos
e movimentos cognitivos pelas habilidades de raciocínio pode-se ampliar a descoberta,
mantendo-se a verdade, a validade e o significado. Isso pode se dar a partir de um argumento
com premissas solidamente verdadeiras e organizado de modo válido em que tira-se conclusões
afins ampliando-se o significado.
68

Lipman (1995) esboça que as habilidades de raciocínio primárias são adquiridas


durante a aquisição da linguagem juntamente com as palavras e seus significados, portanto, a
lógica natural começa a ser desenvolvida juntamente com a linguagem natural. No jardim de
infância, as crianças fazem uso da lógica do mesmo modo que fazem uso da linguagem, elas
fazem uso do raciocínio de modo que elas conseguem fazer inferências, deduzir consequências
de premissas condicionais, extrair conclusões de premissas, fazem relações entre as coisas e
organizam a fala de modo lógico. No entanto, ao longo do processo educativo é comum as
habilidades de raciocínio, que começam a ser desenvolvidas na infância, terem pouca ou
nenhuma atenção na educação escolar dessas crianças. Conforme sustenta Lipman (1995, p.
20), os professores estão prontos para corrigirem erros de gramática, concordância, leitura,
interpretação e cálculo. Contudo, raramente os professores são instruídos para vigiarem os
tropeções de raciocínio e das exigências lógicas.
Quando em sala de aula os alunos têm, por exemplo, dificuldade de interpretação ou de
leitura, muitas estratégias escolares tentam tratar dessas dificuldades, incentivando as crianças
a lerem mais, a escreverem mais. Essas estratégias são viáveis, todavia é esquecido de tratar o
que está causando realmente tais dificuldades, que é a deficiência das habilidades de raciocínio.
Nesse sentido, Lipman (2008a, p. 56) aponta dois equívocos frequentemente percebidos quanto
ao ensino do raciocínio, o primeiro tem a haver com a diferença entre as habilidades de
raciocínio e as habilidades básicas: as habilidades básicas como ler, escrever, falar, ouvir e
calcular são “a orquestração de vastos números de habilidades e atos mentais altamente
diversificados e desenvolvidos antes”. Essa orquestração é constituída pelas habilidades de
raciocínio em conjunto com outras como as de investigação, tradução e conceituação. Se assim
segue, o raciocínio não faz parte das habilidades básicas, ele é uma condição fundamental sobre
a qual é desenvolvido essas habilidades como ler, escrever, falar e calcular. O segundo
equívoco, consiste em supor que na medida em que o ser humano amadurece, as habilidades de
raciocínio se multiplicam em quantidade e melhoram gradativamente. No entender de Lipman
(2008a, p. 56-57), em parte isso é verdadeiro, mas não totalmente. O que acontece é que “o
repertório básico das habilidades de raciocínio do adulto é relativamente pouco diferente do
repertório da criança”, essa situação é análoga à aquisição da linguagem, o número de palavras
que um indivíduo pode acrescentar em seu vocabulário é variado, no entanto essas palavras só
podem vir de um mesmo repertório, o alfabeto de 23 letras. Portanto, quando o indivíduo está
envolvido com tipos elaborados de pensamento, como construções teóricas altamente
complexas, ele conta com um número relativamente pequeno de habilidades, como as
habilidades de raciocínio e de investigação, que são a base da potência das habilidades
69

altamente complexas e sofisticadas. O que está em questão, nesse caso, não é que o número de
habilidades cognitivas cresça e melhore ao longo da vida do sujeito, é o modo como as
habilidades cognitivas já adquiridas na infância são usadas e aperfeiçoadas de modo que elas
sejam orquestradas e se tornem atos mentais complexos e sofisticados.
(III) Habilidades de organização de informações ou conceituação:
Segundo Tonieto (2007, p. 85) “em estreita ligação com as habilidades de investigação
e de raciocínio estão as habilidades de organização de informações”, essas são habilidades
referentes a capacidade de organização das informações em grupos conceituais os quais figuram
redes de significados. Cada grupo conceitual possui redes de relações que podem ser de
semelhanças ou diferenças. De uma relação é descoberto ou forjado um significado, um grupo
conceitual, é, portanto, uma teia de significados. Na interpretação de Oliveira (2004, p. 47), é
através das habilidades de organização de informações “que os conceitos adquirem sentido,
tornam-se instrumentos de compreensão e possibilitam o conhecimento”. Ainda, prossegue a
autora, habilidades como fazer distinções, fazer conexões, agrupar, classificar, definir,
identificar significados e explicar, são algumas das habilidades envolvidas na capacidade de
organizar as informações em grupos conceituais.
Lipman (2008a) define três tipos básicos de organização de informação, são eles:
sentenças, conceitos e esquemas. As sentenças são unidades básicas de significados, são
constituídas por uma relação de palavras a fim de construir um significado. Podemos citar como
exemplo de sentenças, as perguntas, ordens, afirmações ou declarações, essa última representa
uma forma elementar de julgamento. Os conceitos são constituídos por relações de complexos
que podem ou poderiam definir algo. Noutras palavras, conceitos são formados por um
agrupamento de características relacionadas, as quais representam algo, segundo suas
semelhanças. Os esquemas são estruturas cognitivas dinâmicas e não estáticas nas quais
organizamos o conteúdo da experiência construindo o conhecimento. Os esquemas estão em
constante equilíbrio e desequilíbrio, modificando-se, ampliando-se ou, talvez, rompendo-se,
segundo as experiências do sujeito. Um exemplo simples que representa um esquema é uma
história em forma de narrativa: a sequência como é construída uma narração sofre um
desdobramento progressivo, voos e pousos, equilíbrio e desequilíbrio e isso uma característica
importante para causar interesse e atenção do leitor, pois a cada desequilíbrio, uma dúvida
surge.
De acordo com Lipman (2008a, p. 72), “o pensamento conceitual envolve relacionar
conceitos entre si a fim de formar princípios, critérios, argumentos, explicações”. A resolução
de uma problemática de pesquisa, em sua forma básica, é feita a partir de construções,
70

ampliações e aplicações conceituais. Para Tonieto (2010, p. 85), “[...] a construção de


significados não se dá independente do trabalho com o conceito (seja matemático, seja
filosófico, seja científico), mas a partir dele”. Desse modo, é a partir do trabalho com o conceito
que é possível as redes de relações, lembrando que uma relação dá origem ao significado. A
aquisição de um significado sobre um texto, sobre um tema, uma disciplina, uma pergunta, só
é possível por meio do estabelecimento de ralações, os conceitos.
(IV) Habilidades de tradução:
A capacidade de preservar o significado e o sentido na mudança ou troca, de uma língua
para outra ou um esquema simbólico para outro, ou de uma modalidade de sentido para outra,
representa as habilidades de tradução. De acordo com Lipman (2008a, p. 73), elas se
constituem, por regras da padronização lógica que são o paradigma da tradução. Podemos citar
como habilidades envolvidas no processo de tradução, as habilidades de parafrasear, interpretar,
inferir e perceber implicações. Pode-se traduzir uma música para a poesia, o pensamento para
uma obra artística, um conhecimento de uma disciplina para outra, ou um conhecimento
adquirido na escola para as nossas experiências cotidianas, transferir características de uma
coisa para outra sem que se perca o significado. Na tradução da palavra amor para a palavra
love, por exemplo, acontece uma troca de palavras, mas o significado é o mesmo exceto se for
empregado a palavra love em um contexto específico, como usá-la como uma marca de roupa
ou de perfume. Nesses casos, é necessário as habilidades de tradução interpretativas para
interpretar o contexto.
Muitas vezes no processo de tradução pode-se perder, ou não ser possível preservar, o
sentido e o significado. Entra, portanto, mais um elemento importante que se engloba com as
habilidades de tradução, as habilidades de interpretação. Sendo assim, segundo Tonieto (2010,
p. 87) “[...] o processo de tradução não é mecânico, pois precisa levar em consideração o
contexto no qual se está desempenhando o processo, a partir do qual é possível fazer uma
interpretação de modo a manter o sentido”. É nessa perspectiva, que aprender a pensar em uma
disciplina, em uma linguagem de modo que se possa transitar entre as linguagens, não se dá de
forma que haja apenas a troca de palavras por outras, é necessário preservar o sentido e
significado e se não for possível, é necessário interpretar os contextos em que se faz os
processos pensando na língua desse contexto.
As habilidades de investigação, raciocínio, conceituação e tradução são habilidades
necessárias para pensar nas disciplinas ou nas diversas ciências ou linguagens. É possível que
as disciplinas consigam, quando adequadamente reconstruídas e corretamente ensinadas,
contribuir com o desenvolvimento das habilidades de pensamento. Contudo, segundo Lipman
71

(1990), existe uma disciplina que tem muita aproximação com a investigação, formação de
conceitos, tradução e com o raciocínio. Essa disciplina é a filosofia. Como dito anteriormente,
a filosofia trabalha propriamente com os conceitos, com a especulação e análise detalhada das
redes de relações entre os complexos. Ela é uma forma de investigação e de criação conceitual
por excelência, pois busca com rigor metodológico e lógico explicar, ampliar, desenvolver
conceitos e aplicá-los em problemáticas filosóficas abrindo cada vez mais o leque de relações
e significados. Como a filosofia em si mesma propõe um pensar sobre o próprio pensar e os
conceitos com os quais ela se engaja, são abertos, problemáticos e controversos, a dúvida e a
reativação da investigação são constantes, o que conta ponto com as habilidades de investigação
e de formação de conceitos. Também, relembrando, a filosofia possui como um de seus
componentes a lógica, ramificação ou subárea filosófica que estuda os bons e maus raciocínios
fornecendo critérios e regras pelas quais é possível a reflexão crítica sobre os raciocínios fracos
ou falaciosos distinguindo-os de raciocínios bem elaborados. Não obstante, o desenvolvimento
do raciocínio pela lógica argumentativa é dado pelo trabalho com a interpretação e inferência,
análise da estruturação de argumentos e raciocínios, premissas conclusões, tradução do
pensamento cotidiano para as regras, símbolos e padrões da lógica, preservação do significado
e da verdade os quais são indispensáveis para a leitura, a escrita, a expressão oral, a escuta e a
tradução (LIPMAN, 2008b, p. 24-25). Além disso, as outras ramificações da filosofia, tais como
a epistemologia, a metafísica, a ética e a estética são conjuntos de estudos que trazem a melhor
compreensão e conhecimento sobre o que é o conhecimento, a reflexão sobre o pensamento
traduzido em arte e expressão ou a arte traduzida em pensamento, os princípios da ética
(princípios normativos) em consonância com a lógica (que fornece princípios críticos) e a
estética (princípios de apreciação de o que é belo, bom e desejado) pelos quais é possível o
envolvimento com o pensamento cuidadoso30. Nesse contexto, as ramificações da filosofia tem
muito a acrescentar no que tange a questão do desenvolvimento da excelência do pensamento.
Com essa afirmação, poder-se-ia conjecturar, no entanto, em incluir o ensino dessas
ramificações ou subáreas da filosofia fundidas nas outras disciplinas como temas transversais
ou o estabelecimento de cursos de lógica ou do pensamento crítico para desenvolver habilidades
sem a inclusão da filosofia no currículo como disciplina. Contudo, é importante lembrar que as

30
Lipman (2000b, p. 74) inclui duas formas ou exemplos de pensamento cuidadoso ou atencioso que estão
presentes na filosofia: o pensamento normativo e o pensamento apreciativo. O pensamento normativo tem a ver
com os princípios da ética e do pensamento crítico e o pensamento apreciativo engloba princípios da ética e da
estética. Como diz o autor não apreciamos apenas os belos objetos como também podemos apreciar “a repulsão
ao feio do mesmo modo que nós apreciamos a atração do belo [...] quando nós refletimos sobre nossos sentimentos
e desejos”.
72

áreas da filosofia “tornam-se igualmente vulneráveis à alienação, se forem ensinadas


independentemente da disciplina materna”, a separação fragmenta a globalidade dessas
subáreas, elas devem ser tratadas em integridade, que é a filosofia. Lipman (1990) ainda nos
lembra que as habilidades são melhor desenvolvidas no contexto humanístico da filosofia.
Assim, uma contribuição para a educação reflexiva é a filosofia quando ensinada como
disciplina adequadamente reconstruída e ensinada em sua integridade, como e por pesquisa
colaborativa. Nisso que se funde a proposta de ensino de filosofia lipmaniana como um
programa de ensino para o desenvolvimento das habilidades do pensamento.

4.2.1 Metodologia da pesquisa filosófica colaborativa

A pesquisa filosófica colaborativa é desenvolvida em comunidade dialógica de


investigação filosófica em sala de aula. Segundo Oliveira (2004), Lipman indica que o
significado de uma comunidade de investigação filosófica implica em uma proposta teórica e
metodológica do projeto de filosofia para crianças e jovens. Como parte metodológica, é “um
conjunto de procedimentos e atitudes que garantam uma discussão coletiva sobre temas
filosóficos” e que procuram desenvolver as habilidades do pensamento rumo ao pensar
multidimensional (OLIVEIRA, 2004, p. 48). É importante abrir um parênteses aqui para
ressaltar que há argumentos31que defendem que a filosofia na educação tem um valor em si
mesmo, portanto, destruir-se-ia a sua integridade se ela fosse vista na educação como meio para
alguma algo específico, por exemplo, meio para desenvolver algumas habilidades e
competências. Essa consideração é certa, mas para não cairmos em mal entendidos, não é uma
crítica referente as ideias de Lipman. Se remotamente houvesse a possibilidade de aplicá-la às
ideias que estamos desenvolvendo aqui, no contexto em que Lipman entende a filosofia ao
afirmar o valor educativo da filosofia para o desenvolvimento das habilidades cognitivas e do
bom pensamento, é válido apontar que a filosofia não é colocada como um mero meio, está
sendo um fim em si mesma considerando que o valor da filosofia é ser e provocar o pensamento.
Para Lipman (2008a; 1990), abordagem da pesquisa filosófica colaborativa representar
os temas centrais da história da filosofia traduzidos, sem a perda de significado filosófico, para
uma linguagem mais comum e acessível a idade e série dos estudantes. Tal abordagem tem

31
Sílvio Gallo (2007, p. 17) faz um alerta quanto a interpretação e foco do ensino da filosofia. Para ele, “ao ensinar
filosofia tomando como objetivo central o desenvolvimento de certas competências e habilidades específicas,
como de leitura de textos, articulação de saberes e sua contextualização corremos o risco de desfilosofar a aula de
filosofia pela perda de seu conteúdo específico.”
73

como principal objetivo “induzir o comportamento filosófico” nas crianças e jovens fazendo
com que eles investiguem de modo colaborativo respostas para problemas filosóficos
(LIPMAN, 1990, p. 206-207). Para isso, é proposto que as crianças e jovens, na aula de
filosofia, formem uma comunidade de investigação e por meio do diálogo, metodologia base
utilizada pelos filósofos para construir conhecimento filosófico como, por exemplo, o filósofo
grego Sócrates, se construa pensamentos que revelam movimentos característicos do
comportamento filosófico.
Em linhas gerais, a sugestão de Lipman (2008a), sobre como a pesquisa filosófica
colaborativa deveria iniciar, tem como ponto de partida a provocação de uma dúvida seguida
da identificação de um problema. Como é uma proposta de ensino como iniciação ao processo
de pesquisa, uma sugestão é começar pela apresentação de um texto. Mas não um texto erudito
ou descritivo, é mais adequado um texto narrativo em forma de história que seja mediador entre
a cultura e o indivíduo, e o mais importante, que seja provocativo e que coloque em questão
situações do cotidiano e da experiência dos estudantes elucidando problemas filosóficos. As
novelas filosóficas, as quais ainda trataremos nas próximas seções, são exemplo de materiais
que compõe o Programa de Filosofia Para Crianças e Jovens e que são sugestões para se utilizar
nessa etapa. Uma outra etapa32, seria partir da leitura do texto seguido de provocações e
tentativas de compreender os significados que o texto apresenta, pois só pode ser afirmado que
um texto cumpriu a sua função, quando é compreendido o seu significado. O texto não tem um
valor em si mesmo, ele é considerado por Lipman e seus colaborados (2001) como um pretexto
para desencadear a dúvida e a discussão filosófica. Em um próxima etapa, os estudantes deverão
ser incentivados a formular perguntas, dúvidas as quais eles consideram interessantes e que de
modo direto ou indireto podem ter ligação com o significados que o texto apresenta. Segundo
Daniel (2008, p. 38), nessa etapa de coleta de perguntas, supõe-se que o aluno não apenas
aprenda a formular perguntas, mas perguntas “de ordem filosófica”. Essa tarefa não é difícil

32
Explicaremos os desdobramentos da metodologia da pesquisa filosófica colaborativa em sala de aula
organizando em etapas por fins de organização textual da nossa pesquisa. No entanto, talvez, essas etapas não
sigam uma sequência fiel dos passos delineados por Lipman, porque na edição do Pensar na educação que
utilizamos (2008a, p. 349-351), da tradução brasileira, parece que Lipman não define de modo fechado os passos,
ele aponta uma sugestão com pontos de explicações que são critérios pelos quais podemos nos basear para
organizar as etapas metodológicas do ensino de filosofia e a prática pedagógica. Contudo, nas edições de 1991 e
1995 da tradução brasileira, dessa mesma obra, a tradução aponta que Lipman define esses passos metodológicos
como estágios. Na nossa presente pesquisa, interpretamos esses passos como critérios que orientam a metodologia
da aula de filosofia, mas não são fechados ou encarrados como uma receita pronta para ensinar a filosofia como
investigação. Kohan (1998, p. 85-110), por exemplo, baseado nos critérios que Lipman define, propõe como
sugestão para o ensino de filosofia os cinco passos ou partes de uma aula de filosofia para crianças e jovens: 1
Atividade prévia ao trabalho textual, 2. Apresentação do texto, 3. Problematização do texto, 4. Discussão
filosófica, 5. Atividade posterior à discussão.
74

quando o texto ou provocação inicial cumpre o seu papel e o professor de filosofia apresenta
competência para desenvolver nos estudantes o engajamento pela dúvida filosófica. É
necessário apontar que quando os alunos se propõem a formular as questões, muitas questões
poderão surgir, no entanto, é preciso de um ponto em comum para iniciar a discussão. Por causa
disso, Lipman (2008a) sugere como uma próxima etapa a elaboração da agenda filosófica a
qual tem como finalidade organizar as perguntas de acordo com o interesse dos estudantes
valorizando todas, mas selecionando uma para a discussão e as outras poderão ser agendadas
para discussões futuras. O próximo passo é a discussão colaborativa. Uma vez definido qual é
o problema filosófico que precisa ser pesquisado começa a busca de respostas para o problema.
Essa busca é feita de modo dialógico, isto é, colaborativo. A colaboração é posta em prática
pelo equilíbrio e desequilíbrio do pensamento em que os estudantes manifestam suas hipóteses,
suas convicções, seus conceitos ou tentativas de explicações que eles acreditam ser prováveis
para contribuir com a solução do problema. Ao mesmo tempo, a comunidade testa
deliberativamente as consistências dessas hipóteses.
Inicialmente pode haver discussões e manifestações de convicções pessoais e de senso
comum, mas a proposta é superá-las, analisando-as em conjunto, pensando em como seria se
fosse de outro modo e passar a um nível de discussão de ideias. Podem haver divergências entre
as hipóteses, entre colocações e opiniões, o que faz os membros da comunidade pensarem
melhor sobre suas convicções ao mesmo tempo em que tentam considerar as convicções dos
demais. Isso é importante, porque é apenas com o desequilíbrio de pensamento que provoca no
indivíduo o engajamento por buscar respostas. Na perspectiva de Lipman e de seus
colaboradores (2001, p. 52), quando se trata de problemas filosóficos, esse desequilíbrio é mais
provável ainda, pois “a filosofia implica precisamente esse permanente esforço de lidar com
questões que não permitem nenhuma solução simples, e que exigem contínuas reformulações”.
Os estudantes serão incentivados a refletir sobre as colocações dos colegas, construir ideias
sobre essas colocações, contrapô-las, defendê-las com a busca ou exigência de razões e
explicações para fundamentá-las ou descartá-las. Nesse sentido, as colocações dos estudantes
são colaborações para a resolução do problema filosófico. Para o fechamento da discussão
Lipman (2008a) sugere a síntese da discussão, porém, as respostas ao problema não devem ser
colocadas como únicas e absolutas.
A parte metodológica do Programa de Filosofia Para Crianças e Jovens é apenas uma
parte da proposta, como veremos a seguir, Lipman desenvolveu um vasto currículo de filosofia
como pesquisa colaborativa. Nesse currículo, cada série, desde as séries iniciais com crianças,
75

tem um programa de investigação filosófica com propostas de desenvolvimento de habilidades


cognitivas organizadas de modo lógico (não hierárquico).

4.3 O projeto de filosofia para crianças e jovens como iniciação ao processo de pesquisa
filosófica colaborativa desde as séries iniciais

Lipman (1990) demonstra ter grande atenção à educação das crianças. Para ele, é infeliz
a educação que fecha as portas das crianças à filosofia. Pois as crianças e a filosofia
compartilham o mesmo espírito de especulação e deslumbramento quando tentam entender os
aspectos estranhos que estão além da superfície das coisas e das experiências. Sobre essa ideia
Lipman comenta em sua conferência, intitulada Filosofia Para Crianças e o Ensino do
Pensamento33(1991), que ao longo do tempo, os adultos não alimentam o espírito de
questionamento e de busca pelo significado de suas experiências. Assim, os fenômenos, os
detalhes mais profundos e complexos das simples experiências passam despercebidos, e o
adulto assume uma postura cognitiva passiva diante das coisas, das ações e das ideias. Ao
contrário disso, os filósofos e as crianças demonstram o mesmo deslumbramento e inquietação
com a complexidade profunda das coisas. Para Lipman (1991, p. 10, tradução nossa)34, além da
superfície das coisas há “alguma inspiração louca”, algum significado, um aspecto mágico e
extraordinário das coisas e das experiências “que só filósofos e crianças notaram até agora”. As
crianças acham o mundo interessante, maravilhoso e enigmático quando não encontram uma
explicação fácil para o que ele representa. Perguntas simples, mas com um vasto significado,
são feitas pelas crianças toda hora, por exemplo: por que determinada relação tem esse
significado e não outro? O que é um significado? O que é uma relação? Por que temos que agir
desse modo e não de outro? Como é possível o corpo das pessoas crescer? Para onde vai o nosso
pensamento quando dormimos? Como são os lugares quando não os observamos? Por que os
animais não falam como as pessoas? O que é a amizade?
O que não tem nenhuma explicação ou que tem uma ampla rede de significado como
essas perguntas move a curiosidade das crianças e elas sentem prazer ao se colocarem na
condição de investigadoras para descobrir e explicar os fenômenos. Segundo Lipman (1991),
as crianças são perseguidas pelos seus próprios pensamentos, esses são uma parte delas e elas
percebem que são enigmáticos. Talvez não exista inquietação mais filosófica que as interfaces

33
Essa tradução é nossa, o título original da conferência é: Philosophy for Children and the Teaching of Thinking.
34
Citação original: “[...] deep down there is some crazy inspiration to it all that looks beneath the surface of things,
and then sees the bewitchedness and the extraordinary uncanny aspect of things that only philosophers and children
have hitherto noticed”.
76

do pensamento humano. Por essa característica natural das crianças e da filosofia, Lipman e
seus colaboradores (2001), afirmam que as crianças não só são capazes de desenvolver
comportamentos filosóficos ao fazer filosofia como também elas acham prazeroso fazê-la.
Conforme Tonieto (2007, p. 41), Lipman ainda nos mostra que a relação entre as disciplinas e
a filosofia é demonstrada nas perguntas das próprias crianças. Essas perguntas manifestam a
busca por conceitos amplos e gerais que só a filosofia pode ajudar a resolver, como por
exemplo, “o que é um número?” “o que é o colonialismo?” “o que é gravidade”, “o que é uma
explicação?”. Por isso, “talvez em nenhum outro lugar a filosofia seja mais bem vinda do que
no início da educação escolar [...] (LIPMAN, 1990, p. 20).
É evidente que Lipman (1990), ao persistir na ideia de trazer a filosofia para as crianças
desde as séries iniciais, não está considerando que deve-se ensinar as crianças os sistemas
complexos e eruditos da história da filosofia que são vistos normalmente em universidades.
Seria realmente inoportuno e exaustivo para as crianças conhecer os vastos e abstratos sistemas
filosóficos. Por outro lado, a filosofia pode ter um significado educativo muito maior para as
crianças quando apresentada em seu modo simples e característico como espírito crítico de
busca, descoberta e invenção. Por isso, a necessidade de tradução dos pensamentos filosóficos
para linguagens acessíveis e a apresentação da filosofia como pesquisa filosófica colaborativa.
Isso mostra, que a filosofia pode ser simples e ligada com as experiências do ser humano. Desse
modo, está bem longe de não proporcionar experiências educativas.
Outro contraponto à ideia de trazer a filosofia para crianças, conforme nos lembra
Lipman, são os argumentos que recorrem às menções do filósofo Platão no livro sétimo da
República quanto ao ensino de filosofia aos jovens. Lipman (1990) questiona se realmente
Platão considerou a filosofia inadequada para os jovens. Após uma análise minuciosa da
questão, o autor explica que Platão condenou o ensino de filosofia reduzido a retórica em que
é ensinado os jovens imitarem comportamentos filosóficos mas que na verdade são
comportamentos que apenas se valem da disputa de ideias, argumentação e refutação sem
preocupação colaborativa com a questão filosófica. Portanto, o que Platão condenou “não era a
prática de filosofia pelas crianças enquanto tal, mas a redução da filosofia aos exercícios
sofísticos na dialética ou retórica, cujo os efeitos sobre as crianças seriam particularmente
devastadores e desmoralizantes” (LIPMAN, 1990, p. 31). Não que seja necessário banir a
argumentação e a refutação no ensino das crianças. O que é posto em questão é transformar a
sala de aula em disputas argumentativas. Praticamente, no ensino de filosofia proposto pelo
Programa Filosofia Para Crianças e Jovens, os estudantes são estimulados a argumentar e
refutar teorias se assim for entendido que é o exercício de pedir e explicar em que razões e
77

critérios se baseiam determinadas convicções. O problema da retórica e da disputa de ideias é


reduzir a discussão filosófica à elas.
A filosofia não é inapropriada às crianças, em última instância a inserção da filosofia
no currículo escolar é justificada porque as crianças gostam da filosofia e são inquietas com os
problemas filosóficos. Assim, seria um erro supor que apenas adultos têm racionalidade para
ser investigadores de problemas filosóficos, portanto, fazer filosofia não é uma questão de idade
nem uma questão de experiência em quantidade. Uma vez definido essa questão que se refere
a relação produtiva das crianças com a filosofia, Lipman (1990) se interessa por explicar como
é possível afirmar que as crianças manifestam comportamento filosófico em sala de aula
durante as investigações filosóficas. Para ele, “temos que admitir a possibilidade de as crianças
poderem ser capazes de fazer mímica ou imitar um comportamento filosófico sem de fato se
envolverem nele, do mesmo modo que uma criança poderia emproar-se com roupas de adultos
sem, desse modo, tornar-se adulto” (1990, p. 199) . Todavia, a imitação não acontece em todos
os casos, é possível identificar quando a criança realmente se envolve com a filosofia ou com a
pesquisa filosófica: quando os movimentos característicos do comportamento filosófico são
persistentes até mesmo em outras disciplinas ou fora do contexto escolar, as crianças
demonstrarão mais facilidade para identificar problemas filosóficos em suas experiências
diversas. Lipman (1990, p. 200) explica que o comportamento das crianças que se envolvem
com a filosofia é igual a menção do filósofo Wittgenstein ao notar que um “barbeiro mantém a
prática usando a tesoura mesmo quando não está cortando cabelo [...]”. Em sala de aula é
possível perceber esses movimentos, quando espontaneamente as crianças solicitam razões com
respeito e cooperação, procuram determinar a validade das inferências, elaboram argumentos,
interpretam significados, buscam clarificar conceitos, elaboram perguntas e assim por diante.
Mas, como proporcionar tudo isso às crianças e aos jovens?
A pesquisa filosófica colaborativa não é dada por um empreendimento facial, também
não é de primeira ou de qualquer forma que ela se realiza. E preciso organizar o currículo da
filosofia como a pesquisa filosófica e, dependendo da série/ano, o modo como é abordado o
conhecimento humanístico da filosofia, pensar sobre a formação e papel do professor, organizar
materiais e modelos de investigação, os temas e as investigações apropriadas as idades dos
estudantes e as habilidades de pensamento envolvidas com cada discussão. Lipman (1990)
procura dar conta de todos esses pressupostos em seu projeto de ensino de filosofia. Nesse
projeto, considerado a propensão natural das crianças a se engajarem por questões filosóficas e
manifestarem comportamento filosófico, o autor organiza sete módulos de ensino de filosofia
que contemplam as crianças das séries iniciais aos jovens de ensino médio. Esses módulos, os
78

quais constituem o currículo da Filosofia Para Crianças e Jovens, trazem as narrativas


filosóficas escritas pelo próprio Lipman e seus colaboradores. Tais narrativas acompanham
manuais e planos de investigações que abrangem as diferentes subáreas da filosofia que são
organizados da seguinte maneira:
1. Elfie e o módulo da investigação criativa e imaginativa
A novela filosófica Elfie, publicada em sua segunda edição em 1988, é destinada para
as crianças da pré-escola de aproximadamente 5 a 6 anos de idade. Para o nosso atual contexto,
equivale a dizer que a novela é destinada para o ensino de filosofia para crianças do último ano
da Educação Infantil e 1º ano do Ensino Fundamental.
Segundo Lipman (2008b), a novela filosófica Elfie dá enfoque especial para o
desenvolvimento das habilidades cognitivas de comparação e agrupamento, percepção e
discernimento de semelhanças e diferenças, estabelecimento e identificação de relações entre
as coisas e as ideias, formulações de explicações e contagem de histórias. O módulo de
investigação filosófica o qual acompanha os episódios dessa novela dá primazia para o
pensamento criativo e imaginativo das crianças.
2. Issao e Guga e o módulo da investigação conceitual:
Publicada sua primeira versão em 1982 e a segunda em 1986, Issao e Guga é uma
narrativa filosófica que trabalha com o desenvolvimento das habilidades de classificação,
exemplificação, análise de ambiguidades, estabelecimento de relações e conceituação. É
destinada as crianças de 6 a 8 anos de idade das séries/anos inicias da educação fundamental
(1°, 2º e 3º anos).
Ambos as novelas, Elfie e Issao e Guga são traduções que trazem a pesquisa filosófica
colaborativa nas áreas da filosofia da natureza, teoria do conhecimento e antropologia
filosófica. E são organizadas com o propósito de iniciação ao processo de formação da
comunidade de investigação filosófica tendo como norte o desenvolvimento da aquisição da
linguagem com a atenção as formas de raciocínio implícitas na conversação cotidiana. Propõem
desenvolver a consciência perceptiva e trabalham com o estímulo ao compartilhamento de
perspectivas em comunidade.
O módulo de investigação filosófica que acompanha a novela Issao e Guga dá enfoque
para o desenvolvimento do pensamento conceitual das crianças, ou seja, trabalha com
perspectivas que exigem o estabelecimento de relações, agrupamentos de informações,
características e a formação de conceitos filosóficos.
3. Pimpa e a investigação analógica:
79

Pimpa é uma novela filosófica destinada ao currículo de ensino de filosofia do 3º e 4º


ano do Ensino Fundamental, com crianças de 9-10 anos de idade. Tal proposta explora temas
ligados a causalidade, tempo, espaço, pessoa e grupo com ênfase nas áreas da Filosofia da
Linguagem e Metafisica. Nessa narrativa, as habilidades propostas estão ligadas ao módulo da
investigação filosófica analógica. A analogia é um raciocínio bem característico do pensamento
filosófico e as crianças que aprendem a fazerem comparações e relações entre as coisas e as
ideias, logo começam a fazerem relações de relações, o que caracteriza o pensamento analógico.
Lipman (2008b) sublinha a importância das habilidades dos módulos anteriores para então as
crianças lidarem com as formas de raciocínio analógico desse módulo e para desenvolverem as
habilidades de seriação, de construção de símiles, metáforas, analogias e aplicação de conceitos.
Alguns dos problemas filosóficos que a novela filosófica Pimpa apresenta, podemos citar, a
investigação sobre o que é uma relação, e um exemplo de pensamento filosófico criativo
proporcionado e desenvolvido pelas crianças é a analogia e a metáfora por serem pensamentos
que se constituem a partir do raciocínio ampliativo.
4. A Descoberta do Ari dos Telles e o módulo da investigação Lógica:
Segundo Oliveira (2004), A descoberta do Ari dos Teles é considerada a primeira
narrativa filosófica que Lipman escreveu a qual deu início ao currículo de filosofia para crianças
e jovens. Essa novela faz parte do módulo da investigação lógica cuja as discussões propostas
se amparam nas subáreas de lógica e teoria do conhecimento. Esse módulo de investigação
filosófica é destinado às crianças ou pré-adolescentes de 10 a 13 anos de idade do 5º, 6º, 7º e 8º
anos do Ensino Fundamental. A ênfase dada nessa proposta de ensino de filosofia está na
investigação sobre o discurso e o raciocínio com importância para o desenvolvimento do
pensamento crítico e da aquisição da lógica formal e informal. E se concentra no
desenvolvimento das habilidades de construção de inferências, padronização, identificação da
lógica nas relações e nas analogias, desenvolvimento do raciocínio lógico, verdade e validade
no discurso cotidiano, análise e identificação de contradição e falácias.
5. Luiza e o módulo da Investigação ética:
A novela filosófica Luiza, material destinado aos jovens de 12 à 15 anos, faz parte do
módulo da investigação ética destinado para o 7º, 8º e 9º ano do Ensino Fundamental e para o
1º ano do Ensino Médio. O ponto central da investigação ética é o trabalho com temas éticos e
sociais com enfoque especial para o desenvolvendo do pensamento crítico e cuidadoso35. Temas

35
Porém não significa dizer que o módulo não tem em vista desenvolver o pensamento criativo e avaliativo, a
proposta dos sete módulos é promover a fusão desses pensamentos.
80

como a justiça, a mentira, a verdade, a liberdade e determinismo, a morte, as tentações, a


natureza das regras e padrões, a discriminação, os direitos das pessoas e os direitos dos animais
são bastante abordados nesse módulo. Das habilidades que visa desenvolver, destaca-se as
habilidades de trabalhar e identificar critérios, percepção e interpretação de contextos nos quais
os estudantes empregam julgamentos críticos, morais e estéticos, desenvolver a empatia e
detectar pressupostos valorativos. Segundo Lipman e seus colaboradores (2001), esse módulo
é pensado como continuação do anterior, a Descoberta do Ari dos Telles e a investigação lógica,
procura, portanto, fazer a fusão dos princípios lógicos (princípio do pensamento crítico) com
princípios éticos (princípios do pensamento cuidadoso).
Quanto a questão relacionada ao ensino da ética, a qual é uma subárea específica da
filosofia, Lipman (1990, p. 69) explica que a ética é o estudo normativo das formas da condução
da ação em sentido moral, ou seja, é a teoria da conduta moral. Nesse sentido, a conduta humana
está sujeita a um tipo de apreciação, essa apreciação é a moral, “que resulta em determinados
tipos de conduta, que denominamos melhores, piores, errado, bons, ruins”. A ética representa a
tentativa filosófica de examinar as bases racionais de tais estimativas e de delinear teorias que,
entre outras coisas, sugerissem modos em que princípios éticos pudessem vir a auxiliar as
condições morais da vida humana”. Portanto, é um dos ramos da filosofia de extrema
importância para a educação de valores. No entanto, é importante lembrar que o ensino de ética
não pode ser pela tentativa de incutir nas crianças valores e preceitos, isso retiraria do ensino
de ética a sua especifica matriz, a filosofia. Sendo dessa forma, a proposta de investigação ética
deve oferece um espaço de reflexão pela qual as crianças possam assumir posição crítica e
cuidadosa em relação aos valores.
6. Satie e o módulo da investigação estética:
A narrativa filosófica Satie não foi ainda traduzida para a língua portuguesa, ela compõe
o currículo de ensino de filosofia destinado para a educação de jovens de 13-17 anos. Segundo
Lipman (2001, p. 81), a história Satie “explora a maneira de lidar e superar os bloqueios de
escrever. E ao mesmo tempo, trata de temas subjacentes ao ato de escrever tais como a
experiência e o significado, critérios de avaliação do trabalho escrito, a relação entre pensar e
escrever, a natureza da definição” além de trazer discussões filosóficas a respeito da distinção
entre arte e artesanato. Em seus aspectos básicos Satie faz parte do módulo filosófico de
investigação estética e tem como base o desenvolvimento de habilidades referentes a percepção
estética, textualidade, expressividade, sentido, relações e significado ligadas ao
desenvolvimento de tradução do pensamento para palavras ou para a arte e vice e versa. Para
isso, pressupõe-se habilidades de raciocínio lógico como planejar, inferir consequências e fazer
81

suposições. No entanto, sobre a questão da escrita, Lipman (1990, p. 145) nos lembra que a
escrita adequada não só envolve habilidades de raciocínio como também envolve apreciação e
arte: “considerações como graça e surpresa, textura e ritmo, paixão e inteligência”. Portanto, no
entender do autor, o campo da filosofia que tem mais a acrescentar com o desenvolvimento
desses aspectos é a área de estética. No módulo de investigação estética, considerando as
habilidades que possibilitam a relação do pensamento com a escrita, Lipman (1990) sugere que
há uma série de temas a serem trabalhados, como a natureza da experiência, a relação da arte
com a experiência, a relação do pensamento com arte, a relação do pensamento com a escrita,
atenção, relações estéticas, perfeição e exatidão, e os significados.
7. Marcos e o módulo da investigação social
Marcos é uma novela filosófica que tem como público alvo os jovens de 2º e 3º ano do
Ensino Médio e da Educação de Jovens e Adultos. Publicada a sua segunda versão em 1980,
porém ainda não traduzida para a língua brasileira, trata-se de um modelo narrativo pertencente
ao módulo filosófico de investigação social o qual procura abordar temas ligados às área de
filosofia social e política como, por exemplo, temas ligados aos aspectos da sociedade,
organização social, comunidade e comportamento humano. Algumas das habilidades a serem
desenvolvidas por esse módulo, destaca-se “praticar a democracia”, ser “solidário” “respeitar
regras” “reconhecer e exercer direitos” e dar e solicitar boas razões (KOHAN, 1998, p. 96). Nas
palavras de Lipman (1990) um currículo de estudos sociais deve ser pensado como uma
educação que possibilite os estudantes a pensar de modo reflexivo sobre as leis, o governo, as
instituições sociais, a comunidade, a natureza humana, a liberdade e a justiça. Portanto, o
módulo da investigação social propõe que o estudo social não é uma questão de meramente
tornar o aluno familiarizado com as civilizações, com as instituições e as regras sociais. A
proposta de investigação social descrita por Lipman (1990, 136) salienta que é importante que
os estudantes saibam “compreender e identificar as situações sociais em que se encontram” e
relacionar com aquelas civilizações, instituições e regras que foram conhecidas e estudadas nas
aulas. Outro aspecto importante, é que as habilidades de pensamento dos alunos devem ser
exercitadas, estimuladas e reforçadas constantemente. Assim, Lipman categoriza que um
currículo de estudos sociais adequado deveria:

(a) tratar os conceitos fundamentais das ciências comportamentais como


essencialmente contestáveis e não como estando dos limites da discussão; (b) tentar
combinar e unir as habilidades cognitivas específicas com conceitos específicos, de
modo que os alunos se sentirão cognitivamente preparados para compreender e
analisar os conceitos que lhes cabem discutir; e (c) apresentar materiais factuais ou
empíricos de uma maneira que demande reflexão dos alunos, exigindo que
82

considerem as consequências ou implicações possíveis das generalizações empíricas,


as razões que levaram as pessoas a agir de determinadas maneiras, a possibilidade de
contraexemplos (1990, p. 136).

Nesse sentido, Marcos e o módulo da investigação social, que assim como os outros,
traz para os estudantes de ensino médio a pesquisa colaborativa filosófica e o desenvolvimento
das habilidades cognitivas sem deixar de lado os conhecimentos humanísticos e sociais tratados
pela história da filosofia. Desse modo, seria um erro supor que a proposta de ensino de filosofia
de Lipman é pensada apenas para as crianças de ensino fundamental ou é uma proposta que
desconsidera o conhecimento humanístico elaborado ao longo da história da filosofia. O que
acontece, é que os módulos de investigação, os planos, as habilidades e as narrativas filosóficas
são elaborados de acordo com a faixa etária dos estudantes em cada etapa de ensino. Por
exemplo, as crianças pequenas pouco se interessariam por saber sobre quem foram os filósofos,
embora, na forma de narrativas, a proposta do programa de ensino de filosofia de Lipman traduz
a investigação e os conhecimentos que os filósofos desenvolveram. Ao longo do processo, o
qual é contínuo da educação infantil à educação superior, o nível de complexidade aumenta e
as abordagens filosóficas que a proposta traz se avançam e se englobam em um esquema
pensado em que os módulos se complementam e produzem redes de relações entre eles no
currículo de ensino de filosofia. Nessa perspectiva, quanto a questão da investigação filosófica
colaborativa e as novelas filosóficas na educação média, Lipman e seus colaboradores (2001,
p. 81) salientam que “o currículo para o 2º grau deveria ser formado por uma série de
abordagens que representassem uma área de especialização filosófica mais avançada. Novelas
distintas, cada qual com o seu próprio manual, deveriam ser criadas nas áreas de ética,
epistemologia, metafisica, estética e lógica”.
Em síntese, cada um dos sete módulos de investigação desenvolvidos por Lipman e
colaboradores prepara os estudantes para pensar nos subsequentes. Todas as habilidades de
alguma maneira são privilegiadas em todos os módulos, mas em cada um há enfoques diferentes
os quais são preparações para as próximas etapas. Por exemplo, o primeiro módulo, a
investigação criativa e imaginativa apresenta Elfie, narrativa que “focaliza o fazer distinção,
conexão e comparação, habilidades que preparam o caminho para o tratamento mais sofisticado
de classificação e comparação encontrados em Pimpa” (LIPMAN, 1990, p. 169). Assim
acontece com os próximos, a investigação lógica pressupõe que anteriormente os alunos tenham
desenvolvidos habilidades de investigação analógica e conceitual, a investigação ética
pressupõe as anteriores como a lógica e assim acontece com as demais. Lipman (1990; 2000b),
afirma que essa organização é dada de forma lógica, um valor normativo para organizar e
83

elaborar os currículos de ensino de filosofia com base no planejamento de correspondência dos


estágios de desenvolvimento cognitivos anteriores com o próximo. Com isso, as habilidades
desenvolvidas anteriormente no próximo módulo de investigação filosófica serão revistas nos
subsequentes de modo a potencializá-las.
Ainda quanto a organização do currículo de filosofia há algumas pressuposições, como
por exemplo, evitar a doutrinação e o dogmatismo, demonstrar imparcialidade quanto as
diferentes abordagens filosóficas: epistemologia não é melhor do que lógica, Platão não é pior
do que Aristóteles, ou seja, o currículo deve ser “representativo da filosofia em seu conjunto”
(LIPMAN, 2008b, p. 18). Outro aspecto importante, é que as crianças não aprendem a pensar
e investigar por decreto, “o que se pode fazer é criar um ambiente favorável para o bem pensar,
e reconhecer que as criança têm diferentes estilos de comportamento mental, cada um dos quais
necessita ser alimentado de forma mais ou menos diferente” (LIPMAN; SHARP;
OSCANYAN, 2001, p. 127). Portanto, ao confrontar o currículo com a crianças este deve
fundar-se no desafio intelectual e a provocação da emoção estimulante, isto é, estimular o
sentimento de desafio e curiosidade. Assim, o modo como são pensados os módulos de
investigação filosófica, as novelas ou textos filosóficos e a competência do professor de
filosofia não podem ser separados da representação pedagógica que o programa de filosofia
para crianças e jovens apresenta para a educação, pois são condições para que a proposta se
realize de fato e não estacione na mera teoria. Estudar esses dois últimos pontos mencionados
é o que nos propomos nas próximas seções.

4.4 O lugar e a necessidade das novelas, textos e narrativas filosóficas na metodologia da


proposta de filosofia para crianças e jovens

É quase que um consenso geral a ideia de que o texto é um grande aliado do professor
para trazer aos estudantes uma forma de melhor compreensão sobre os temas da filosofia. No
entanto, é recorrente ser posto em questão o seguinte: que tipo de texto? em que momento
abordá-lo? qual é a sua necessidade?
Na metodologia da pesquisa filosófica colaborativa do Programa de Filosofia Para
Crianças e Jovens, o texto pode ter uma finalidade especial, a de motivar os estudantes a
engajarem-se pela dúvida filosófica. Nessa perspectiva, na interpretação de Lipman (1990), os
textos em forma de romances e narrativas filosóficas são uma exigência crucial para motivar os
estudantes a formarem comunidades de investigações filosóficas. Uma forma de fornecer esses
textos é dramatizar a filosofia. Nessa proposta, dramatizar a filosofia significa “[...] situá-la
84

dentro da modalidade de narrativa ficcional” (LIPMAN, 1998, p. 113). Essa é uma forma de
tradução das discussões filosóficas das diversas áreas da filosofia para uma linguagem comum,
acessível e divertida para as crianças. Mas não apenas isso, as novelas que compõe o projeto
lipmaniano de filosofia sustentam a hipótese de “o texto que dá início ao processo de pensar
deve ser ele mesmo um modelo desse processo” (LIPMAN, 2008a, p. 313). Ao ser dessa
maneira, é mais propício que as crianças pensem melhor e se engajem na pesquisa filosófica
colaborativa quando elas têm acesso a modelos fictícios de investigação que representem
crianças da mesma idade envolvidas com o questionamento e com a pesquisa em grupo. Esses
modelos devem mostrar aos educandos as formas práticas de encontrar o pensamento filosófico
nas experiências que eles têm com o mundo. Portanto, a pressuposição sobre as novelas
filosóficas, é que essas ilustrem os conceitos ou relações de cunho filosófico sendo aplicados
pelas crianças fictícias da história em suas próprias práticas. Também demonstrem o
movimento cognitivo que essas crianças fictícias realizam, movimentos e comportamentos de
busca, descoberta, invenção e de incorporação da perplexidade diante das problemáticas
filosóficas. Essa organização é pensada de forma à provocar a dúvida, ajudar as crianças a
construírem e reconstruírem experiências educativas e terem exemplos de como desenvolverem
ou iniciarem seus próprios processos de questionamentos e pesquisas.
Para a elaboração da literatura filosófica para as crianças, Lipman (2008a) sugere a
mudança da natureza do texto. Assim, ao invés de textos descritivos na terceira pessoa, é
necessário centrar a atenção em textos narrativos na primeira pessoa. Ao invés de textos em que
se apresente o conhecimento filosófico “mastigado” para as crianças e jovens, é viável utilizar
textos enigmáticos que iniciem o processo de investigação, de dúvida e invenção que deu
origem a este ou aquele conhecimento. Consequentemente, esse movimento de
problematicidade dá vida ao processo de discussão das problemáticas envolvidas. No entanto,
isso não sugere que ao longo do processo de ensino não se possa utilizar textos descritivos ou
que não se possa fundir a narração com a descrição, contudo, o ponto inicial é a história em
narrativa e dramatizada a qual pode-se denominar de texto dialógico. Essa condição é
importante, porque segundo a proposta lipmaniana, o texto dialógico não se coloca como
superior ou como uma autoridade cognitiva a qual descreve ao leitor a verdade que ele deve
seguir e abstrair, o que permite a afirmação de que no texto dialógico o leitor e o texto pensam
e questionam juntos, onde o leitor se identifica com o drama filosófico que o personagem vive.
Isso é possível, porque o texto dialógico apresenta ambiguidades, insinuações, ironias,
problematicidade que não só se esgotam por si só com uma resposta e não são tão claros, então,
85

é preciso extrair os significados implícitos e problemáticos que o texto apresenta e pensar em


como resolvê-los.
Para bem escolher ou criar os textos narrativos dialógicos como materiais didáticos para
o ensino de filosofia ou para o ensino como iniciação a pesquisa para qualquer outra disciplina,
Lipman (2008a, p. 315) enumera três critérios ou características básicas, a saber, I “a
aceitabilidade literária”, II “acessibilidade pedagógica” e III “aceitabilidade intelectual”:
respetivamente, o texto deve ter uma qualidade literária aceitável, para isso é necessário que os
autores que se proponham a escrever os textos tendo em vista, de modo específico, a destinação
desses textos (que são para o ensino das crianças e jovens) e a maneira pela qual se abordam as
problemáticas. Disso segue-se o próximo ponto, os textos precisam ser elaborados conforme a
idade das crianças para as quais o material é destinado, entretanto, isso não significa,
principalmente no caso da filosofia para crianças, que os textos devem ser abster de ideias
abstratas. Na compreensão de Lipman (2008a, p. 314), “as crianças pequenas consideram
atraentes as ideias complexas como o verdadeiro, justo, bom, correto e pessoa”, ideias abstratas
que figuram conceitos filosóficos, porém, ligam-se de forma concreta na experiência das
crianças de tal modo que elas sentem curiosidade e ficam perplexas ao se depararem com
problematizações dessa natureza. Essa posição implica no último ponto o qual é a aceitabilidade
intelectual do texto. No que tange a esse aspecto, Lipman faz uma crítica aos materiais
desenvolvidos para fins didáticos, o autor argumenta que a exigência de que os livros didáticos,
sejam “claros e não ambíguos parece que eliminam a necessidade do pensar complexo de ordem
superior por parte dos alunos” (2008a, p. 362). O mais importante é perceber que as noções de
textos claros e não problemáticos sejam deixados de lado e passem a ser instigantes e recheados
de implícitos, insinuações, ambiguidades e situações controversas.
As novelas filosóficas do programa de filosofia para crianças e jovens são compostas
por capítulos e acompanhadas de planos de discussões e exercícios filosóficos os quais servem
de modelos de perguntas sobre determinado conceito tratado em uma das narrativas ou em um
capítulo dessas narrativas. Pelo o que se pode perceber, a filosofia dramatizada ou traduzida
para a linguagem das crianças é pensada tendo como ponto inicial a provocação da dúvida, por
isso, na metodologia da pesquisa filosófica colaborativa, as novelas filosóficas são consideradas
textos primários, são pretextos para iniciar os estudantes à investigação. No entanto, seria falsa
a suposição de que apenas a novelas filosóficas escritas por Lipman valem como textos
dialógicos para iniciar a discussão filosófica, há, de certo, outros, como a poesia, textos curtos,
letras de música. Ainda pode-se recorrer a textos de segunda ordem. Todavia, se ressalta a
importância das novelas filosóficas, pois foram pensadas para compor a metodologia do
86

programa de filosofia escritas para fins de tal proposta. Portanto, são uma parte da ideia do
programa.

4.5 O papel e a formação do professor na condução da comunidade de investigação


filosófica

É possível que o programa de filosofia para crianças e jovens como uma proposta de
educação para o pensar não se concretize de fato se não for compreendida pelo professor e
também se não for compreendido que o papel do professor é o ingrediente principal dessa
proposta. Como nos lembram Lipman e seus colaboradores (2001, p. 120), “o currículo de
Filosofia para Crianças não foi, de modo algum, planejado para não depender dos professores”.
O professor deve ser um sujeito consciente de que faz parte da comunidade de investigação e
deve compreender o seu papel e a sua prática para trazer à tona a educação reflexiva e filosófica.
A respeito dessa questão, uma primeira coisa a ser sublinhada é a existência do dilema teoria
ou prática: ou seja, para um professor ser realmente competente em uma disciplina, cujas as
metas é educar para o pensar, é necessário dominar os aspectos teóricos quanto ao
conhecimento que deve trazer a disciplina e as maneiras pelas quais a educação reflexiva pode
se concretizar em sala de aula ou dominar a prática do fazer isso acontecer.
Nos dizeres de Lipman (2008a, p. 30), “se não formos capazes de compreender a prática
– as maneiras em que a educação reflexiva pode de fato ocorrer na sala de aula – poderemos
ser, muito provavelmente, vítimas dos mal-entendidos, assim como aqueles cujas vidas são
cheias de prática e vazias de teoria”. Isso significa que no contexto em que a educação reflexiva
é sistematizada, não existe o dilema teoria ou prática, as duas são necessárias e uma corrobora
a outra. A prática vazia de teoria é insuficiente assim como a teoria vazia de prática. Também
essa questão vale para todo o campo do processo educacional e no campo da docência de
filosofia não é diferente. O professor de filosofia empenhado em desenvolver nos estudantes a
atitude do pensamento investigativo e filosófico por meio do Programa de Filosofia Para
Crianças e Jovens tem que ter competências filosóficas e competências pedagógicas. Isso
equivale a afirmar que o professor deve dominar o conhecimento filosófico básico das diversas
subáreas da filosofia necessário ao exercício de ensino na disciplina de filosofia. Não obstante,
o professor “não só deve saber filosofia, mas deve também saber como introduzir esse
conhecimento [de forma adequada e] no momento adequado [...]” (LIPMAN; SHARP;
OSCANYAN, 2001, p. 119). Por assim dizer, segundo Lipman e seus colaboradores (2001), o
papel atribuído ao professor na comunidade de investigação filosófica é o de mediador ou
87

facilitador. Essas duas expressões são facilmente compreendidas de modo equivocado no


contexto em que são empregadas para definir a importância do professor no Programa de
Filosofia para Crianças e Jovens. Nesse contexto, mediar ou facilitar em sala de aula, significa
a ação de vigilância quanto aos procedimentos das crianças e jovens na condução do processo
de investigação e o equilíbrio entre procedimento e conteúdo. Em outras palavras, o professor
tem o papel de líder problematizador que conduz a investigação. Todavia, essa posição não tem
nada a ver com a ideia de que o professor não possa ser filósofo em sala de aula ou que não
possa ensinar filosofia. A atitude não muito fácil de fazer as crianças e adolescentes filosofarem
demanda do professor conhecimento na área e a prática de ser filósofo. A prática de ser filósofo
implica na ideia de não ser dogmático e sim questionador. Os objetivos dos textos dialógicos
ou novelas filosóficas e os planos de discussões não são efetivos sem o professor. Assim,
segundo Lipman e seus colaboradores (2001), isso significa dizer que o professor é quem pode
fazer os temas e as dúvidas filosóficas surgirem, é quem pode fazer com que a filosofia se
relacione com as inquietações e experiências dos alunos, é quem pode garantir que a discussão
seja realmente filosófica. E pode julgar em que momentos é melhor introduzir a história da
filosofia, abster-se dela ou traduzi-la.
Para de fato o professor exercer especificamente esse papel, Lipman (1990) aponta a
importância da formação docente, no entanto é percebido alguns problemas. O fato é que “os
pedagogos usam de práticas de ensino restritas: num extremo, dão suas aulas usando uma
linguagem que os futuros professores devem se desdobrar para entender. No outro, falam a
linguagem do professor (que, de alguma maneira supõem ser a linguagem de sala de aula”
(LIPMAN, 1990, p. 174). O que acontece é que se supõe que os futuros professores traduzam
a linguagem de ensino dos seus professores para uma linguagem acessível, mas essa tarefa
dificilmente acontece e os professores que vão para sala de aula transferem a tarefa de tradução
para seus alunos. O resultado, no campo de ensino de filosofia, é o preconceito com a filosofia
ao ser identificada como um sistema muito complexo e erudito para trazer as crianças e jovens,
porque de fato nessas condições é. No entanto, essa situação advém da formação do professor.
Quanto a essa problemática elencada, Lipman (1990, p. 175) sustenta o argumento de que os
professores ensinam da mesma forma como eles são ensinados. Um paradigma de educação
que busque desenvolver a reflexão e o pensamento e a filosofia como uma forma de ensino que
representa um exemplo de educação para o pensar, demandam que os professores sejam
vigilantes reflexivos, críticos e autocorretivos com o seu conhecimento e com a sua própria
prática e que sejam provocativos para fazer os alunos pensarem. Portanto, é necessário que os
88

professores sejam ensinados da mesma forma ou em um mesmo modelo de como eles irão
ensinar, isso é, os professores devem ser ensinados em um modelo reflexivo e de investigação.
Um outro problema, que é delineado por Lipman (1990) sobre a formação do professor
na abordagem tradicional, é que houveram tempos em que deu-se muito enfoque no
conhecimento do conteúdo da disciplina e tempos em que deu-se muito enfoque para o
treinamento dos professores de modo que eles dominem os métodos de ensino. O problema do
primeiro enfoque é que muitos professores podem dominar um vasto número de conhecimentos
de uma disciplina mas que não sabem como ensiná-los (vazio da prática) e o problema com o
segundo enfoque é ter “professores bem treinados em ‘método de ensino’ mas que não sabiam
suas matérias” (vazio de teoria). Sobre essa questão, o autor ressalta que é o momento de pensar
a formação de modo a “encontrar o equilíbrio entre método e conteúdo educacional” (LIPMAN,
1990, p. 174-175).
Assim o paradigma educacional da educação para o pensar e o programa de filosofia
para crianças e jovens como uma proposta de educação para o pensar não só implicam em uma
questão de repensar a natureza da filosofia e o significado que ela comporta para a educação
assim como repensar a educação básica e o seu currículo teoricamente e metodologicamente,
implicam em repensar a formação do professor e do professor filósofo, no equilíbrio entre
método e conteúdo, estendendo-se esse compromisso aos cursos de formação de professores,
às pesquisas educacionais e filosóficas e à universidade.
89

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente produção constituiu-se a partir do objetivo geral o qual pretendia investigar


os elementos teóricos que justificam o projeto lipmaniano de ensino de filosofia para crianças
e jovens como uma proposta de educação para o pensar a fim de explicar o significado
educacional que a proposta fundamenta e o porquê de sua possibilidade pedagógica. A partir
desse objetivo, procurou-se construir uma resposta satisfatória para a seguinte pergunta: quais
são os elementos teóricos que justificam o programa de filosofia para crianças e jovens de
Matthew Lipman como uma proposta de educação para o pensar?
Definimos os seguintes objetivos específicos: (I) Reconstruir os parâmetros
introdutórios do modelo educacional reflexivo da Educação Para o Pensar, apontado nas obras
de Lipman, para compreender o que é e qual a pertinência para o programa de filosofia para
crianças e jovens; (II) sistematizar as bases teóricas que figuram a teoria do pensamento de
ordem superior, a qual sustenta o paradigma da educação para o pensar e apontar como esse
pensamento pode ser provocado na educação básica; (III) projetar como a filosofia torna-se
uma educação para o pensar e identificar as possibilidades pedagógicas do Programa de
Filosofia Para Crianças e Jovens para o desenvolvimento do pensamento.
Tendo em vista a problemática posta e tais objetivos, foi dividido a pesquisa em três
capítulos onde tentou-se dar conta de primeiramente reconstruir uma compreensão mínima e
adequada sobre a proposta de educação mais ampla na qual Lipman se amparou a qual é
identificada como o paradigma reflexivo da prática crítica ou paradigma da educação para o
pensar. Depois, propusemo-nos a adentrar nesse paradigma com um estudo sobre a teoria do
pensamento multidimensional (pensar de ordem superior) e suas possibilidades de ensino que
é pela formação da comunidade de investigação cuja o elemento que dá norte as concepções e
a metodologia de pesquisa é o diálogo ou colaboração. Por fim, detemo-nos propriamente na
posposta lipmaniana de ensino de filosofia para crianças e jovens, as novelas filosóficas e os
módulos de investigação e suas implicações teóricas e relacionais com a própria natureza da
filosofia e com o paradigma da educação para o pensar.
Após ser desenvolvido esse processo rumo a solucionar a questão proposta, percebemos
que a primeira noção que é preciso ter clara é sobre a relação do Programa de Filosofia Para
Crianças e Jovens e a Educação Para o Pensar. No início desta pesquisa tinha-se como certo
que o programa de filosofia para crianças e jovens mentalizado por Matthew Lipman e a
educação para o pensar eram dois termos que representavam a mesma proposta, pois ambas as
expressões eram encontradas juntas, muitas vezes, interpretava-se que elas eram sinônimos e
90

ambas eram apontadas e descritas nos escritos de Matthew Lipman. Porém, ao longo do
desenvolvimento da presente produção, das leituras, releituras e sistematizações foi possível
descobrir que o programa de filosofia para crianças e jovens e a educação para o pensar não são
a mesma coisa, embora os princípios teóricos que as justificam estabelecem entre essas duas
uma relação de semelhança e complementaridade uma da outra. Conclui-se, portanto, que por
trás do programa de filosofia para crianças e jovens de Matthew Lipman há uma ampla proposta
de educação que não apenas vale para o ensino de filosofia como também para todo o campo
educacional. Essa proposta é colocada pelo paradigma da educação para o pensar ou paradigma
reflexivo da prática crítica. Esse paradigma é um modelo educacional que nasce da insatisfação
quanto à possibilidade pedagógica da educação tradicional em desenvolver um pensamento
mais elaborado e autônomo. O paradigma da educação para o pensar se opõe ao paradigma
tradicional de educação propondo uma mudança teórica-metodológica nas concepções de
formação de professores, concepções de materiais didáticos, de ensino e construção do
conhecimento, desenvolvimento das habilidades de pensamento e metodologia de ensino.
Enquanto o primeiro propõe uma educação centrada em desenvolver nos estudantes a postura
intelectual do pensamento autônomo, o último não consegue atingir esse objetivo com
qualidade, porque a sua teoria e metodologia são restritas à transmissão de conteúdos os quais
são detidos por cada disciplina. Para essa transmissão, são selecionados conhecimentos
específicos ou produtos de determinadas áreas de investigação e classificados em disciplinas.
No entanto, essa classificação é fechada tornando o conhecimento fadado a ficar em uma
redoma que o torna fragmentado de modo que perde o significado, pois a possibilidade de fazer
relações entre os conhecimentos das diversas disciplinas é comprometido. Esses conteúdos
fragmentados são transmitidos aos estudantes por uma concepção de relação assimétrica entre
professor e aluno, onde o professor é quem sabe e o aluno é quem recebe esse saber. Nesse
modelo de educação, não há aprendizagem significativa nem desenvolvimento do pensamento
autônomo e quem é educado nessas proporções julga que sua experiência com o processo de
educação é desconexo de sua realidade. Nesses moldes, a educação é reconhecida como
irrelevante e desmotivadora. Esse reconhecimento por parte dos estudantes é apenas um dos
sintomas que o modelo educacional tradicional provoca, pois, além disso, há pouco incentivo
para o desenvolvimento das habilidades de pensamento necessárias para o bom
desenvolvimento da leitura, cálculo, escrita, expressão e interpretação.
Uma vez identificado que o paradigma educacional tradicional é deficitário, Lipman
supõe a necessidade de repensar a educação, apontando o paradigma da educação para o pensar.
Esse paradigma traz implicações teóricas e metodológicas quanto ao modo de ensino, como se
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entende por ensino, o papel do professor e a forma como se deve pensar o currículo escolar e a
formação dos professores. Assim, na educação para o pensar, a proposta é desenvolver nos
alunos um pensamento mais crítico e cuidadoso, criativo e avaliativo, a fusão desses
pensamentos resulta em um pensamento multidimensional ou de ordem superior. Ou seja,
resulta em um pensamento com conteúdo e procedimentos, ambos esses dois elementos
manifestam criação, cuidado e autocorreção ancorados em regras, razões e critérios. Tendo em
vista o desenvolvimento desse pensamento, a proposta teórica e metodológica da educação para
o pensar figura a ideia de transformar o processo de ensino e aprendizagem em uma iniciação
ao processo de investigação em comunidade na qual a forma de investigação é o diálogo, ou
seja, é a colaboração rumo à descoberta e invenção. As concepções de relação entre aluno e
professor, conhecimento e aluno também são dadas pela concepção de diálogo, o que equivale
a dizer que o diálogo não é apenas uma metodologia, sua significação teórica abrange todo o
processo educacional, desse modo, é um elemento teórico que guia a educação para o pensar.
Sendo dessa forma, o paradigma da educação para o pensar nos propõe um pensar em todo o
campo da educação, visto que a proposta de iniciar os alunos ao processo de pesquisa pelo
diálogo rumo a desenvolver o pensamento multidimensional é proposto para todas as
disciplinas seja a filosofia, a história, a matemática e implica na formação dos professores, na
seleção e escrita de novos materiais didáticos, no consenso entre a necessidade de equilíbrio
entre conteúdo das disciplinas e iniciação ao processo de pesquisa.
Os elementos teóricos que constituem o referido modelo educacional tem bases
educacionais filosóficas nas ideias de John Dewey, quem propõe que a educação deve ser
reconstruída rumo a torná-la uma proponente de investigação para formar pessoas
pesquisadoras e autônomas que pensam de modo reflexivo na sociedade. E bases científicas em
referência a teoria da comunidade de investigação dos cientistas e da dúvida como princípio
para todas as investigações do filósofo e cientista Charles Sanders Peirce. Ambos os autores
contribuíram com a defesa de Lipman sobre o modelo educacional da educação para o pensar.
Tendo como base o paradigma da educação para o pensar, Lipman cria o programa de
filosofia para crianças e jovens a partir da compreensão de que a filosofia quando ensinada de
modo correto e reconstruída de modo adequado, pode ser uma contribuição ou um exemplo de
educação que é dialógica e que inicia os estudantes ao processo de pesquisa. Nesse sentido, o
programa de filosofia para crianças e jovens é alicerceado em dois pilares, o primeiro no grande
pilar do paradigma da educação para o pensar e o segundo na capacidade da própria filosofia.
Esses dois pilares se relacionam pelo seguinte motivo: a filosofia possui características próprias
como, o modo como ela consegue provocar a reativação da dúvida constante, o diálogo o qual
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é um princípio filosófico e a investigação conceitual que implica no processo do fazer filosofia,


isto é, no processo de pesquisa colaborativa (ou dialógica) filosófica que também podemos
traduzir como filosofar que é um processo que engloba o pensamento criativo guiado pela
racionalidade e autocorreção, ou seja, um forma de pensamento multidimensional. As outras
disciplinas por suas exatidões têm dificuldade de provocar a reativação da dúvida, na qual a
filosofia pode ajudar. Não obstante, a filosofia completa a rede de conexões entre as disciplinas.
Na educação tradicional a filosofia perde a sua significação essencial que é o filosofar, na
educação para o pensar a filosofia consegue manter a sua totalidade não ficando restrita ao
conteúdo nem restrita ao método, ambos são fundidos sendo que no processo de reconstrução
da filosofia, o ponto de partida é a pesquisa filosófica colaborativa. Portanto, como se pode
percebe, a significação da filosofia é protegida na educação para o pensar e a educação para o
pensar é reforçada pela filosofia. Nessa perspectiva, há uma relação entre a filosofia e a
educação para o pensar, incluindo algumas de suas semelhanças.
O programa de filosofia para crianças e jovens de Matthew Lipman constituído por sete
módulos de iniciação a investigação filosófica que comportam narrativas filosóficas, que têm
como ponto de partida a incitação à dúvida e a relação com o cotidiano dos estudantes,
pressupõe toda essa discussão teórica que vimos até aqui e que apresentemos de modo mais
detalhado no desenvolvimento desta pesquisa. A filosofia e a educação para o pensar, não são
a mesma coisa, mas a filosofia só pode ser ensinada de modo pleno em sua totalidade quando
proposta como investigação colaborativa como uma educação para o pensar e esta pode ser
melhor desenvolvida com a filosofia. Assim, o programa de filosofia para crianças e jovens
torna-se uma proposta de educação para o pensar na medida em que há essa relação do
paradigma da educação para o pensar e a filosofia. Nessa relação ambas se fortalecem e disso
constrói-se o significado educacional do programa de filosofia para crianças e jovens.
Considerando tudo isso, é possível compreender que os elementos teóricos que
justificam o programa de filosofia para crianças e jovens de Matthew Lipman como proposta
de educação para o pensar são construídos a partir de uma relação entre filosofia e um
paradigma pensado para toda a educação, cuja as características de diálogo, investigação e ideia
de pensamento elaborado e bem pensado são quase que convergentes. Contudo, o programa de
filosofia para crianças e jovens é uma proposta de ensino de filosofia para a educação básica
abrangendo a educação de crianças de todo o ensino fundamental à adolescentes do ensino
médio. E a educação para o pensar é um modelo de educação que abrange todas as disciplinas,
as áreas do saber, e por que não, implica em um pensar em todo o campo educacional, inclusive
traz a responsabilidade de repensar os cursos de formação docente, de repensar as estratégias
93

de ensino e os princípios epistemológicos os quais possibilitam a compreensão da constituição


do conhecimento. Além disso, traz novos desafios aos pesquisadores da educação e da filosofia
para pensar nas relações entre pensamento, educação, formação docente, formação do professor
de filosofia, relação universidade-escola, matérias e metodologias desenvolvidas tanto para a
filosofia quanto para as outras áreas. A partir dessa relação entre filosofia para crianças e
educação para o pensar é possível explicar que o significado educacional do programa de
filosofia para crianças e jovens de Matthew Lipman como proposta de educação para o pensar
é dado pela condição de dispor de um objetivo bem delineado, com uma fundamentação teórica
consistente e propor uma metodologia, com materiais próprios, planos de discussões e
sugestões de formação docente a fim de alcançar tal objetivo. Mas, em última instância,
poderíamos dizer que teoricamente a possibilidade da proposta de ensino de filosofia como
educação para o pensar é comprovada, inclusive ela aponta caminhos os quais a sua pedagogia
torna-se possível. O que nos falta é aplicá-la e perceber como ela pode ser uma educação para
o pensar, o que seria uma outra parte de sua significação educacional. Ainda é possível
questionar em como estender a educação para o pensar e a atitude de formar e conceber o ensino
iniciando as pessoas no processo de pesquisa para todo o campo de educação, inclusive, a
educação universitária. Sobre essas questões, não temos condições de propor uma resposta na
presente pesquisa.
94

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