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Universidade Federal do Piauí

Centro de Educação Aberta e a Distância

FILOSOFIA DA
EDUCAÇÃO
Carmem Lucia de Oliveira Cabral
Ministério da Educação - MEC
Universidade Aberta do Brasil - UAB
Universidade Federal do Piauí - UFPI
Universidade Aberta do Piauí - UAPI
Centro de Educação Aberta e a Distância - CEAD

Filosofia da Educação

Carmem Lucia de Oliveira Cabral


PRESIDENTE DA REPÚBLICA Luiz Inácio Lula da Silva
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO Fernando Haddad
GOVERNADOR DO ESTADO Wilson Nunes Martins
REITOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ Luiz de Sousa Santos Júnior
SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA DO MEC Carlos Eduardo Bielshowsky
PRESIDENTE DA CAPES Jorge Almeida Guimarães
COORDENADORIA GERAL DA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL Celso Costa
DIRETOR DO CENTRO DE EDUCAÇÃO ABERTA A DISTÂNCIA DA UFPI Gildásio Guedes Fernandes

CONSELHO EDITORIAL DA EDUFPI Prof. Dr. Ricardo Alaggio Ribeiro (Presidente)


Des. Tomaz Gomes Campelo
Prof. Dr. José Renato de Araújo Sousa
Profª. Drª. Teresinha de Jesus Mesquita Queiroz
Profª. Francisca Maria Soares Mendes
Profª. Iracildes Maria de Moura Fé Lima
Prof. Dr. João Renór Ferreira de Carvalho

COORDENAÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO Cleidinalva Maria Barbosa Oliveira


TÉCNICA EM ASSUNTOS EDUCACIONAIS Elis Rejane Silva Oliveira
PROJETO GRÁFICO Samuel Falcão Silva
DIAGRAMAÇÃO Jhayson Phillipe Santos Soares de Lima
REVISÃO Elizabeth Carvalho Medeiros
REVISOR GRÁFICO Maria da Penha Feitosa

C117f Cabral, Carmem Lucia de Oliveira


Filosofia da Educação/ Carmem Lucia de Oliveria Cabral-
Teresina: EDUFPI/UAPI
2010
90 p.

1- Educação - Filosofia 2 - Conhecimento - Teoria 3 - Educa-


ção a Distância
I. Título

C.D.D. - 370.1

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porária e gratuitamente para utilização no âmbito do Sistema Universidade Aberta do Brasil, através da UFPI.
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Este texto é destinado aos estudantes aprendizes que participam
do programa de Educação a Distância da Universidade Aberta do Piauí
(UAPI), vinculada ao consórcio formado pela Universidade Federal do
Piauí (UFPI); Universidade Estadual do Piauí (UESPI); Instituto Federal
de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí (IFPI), com apoio do Gov-
erno do Estado do Piauí, através da Secretaria de Educação e Cultura
(SEDUC - PI).
A disciplina Filosofia da Educação, no campo da formação do edu-
cador, professor e pedagogo, objetiva contribuir com a construção de
uma base teórico-conceitual que dê sustentação à ação docente como
práxis; considerando a especificidade da filosofia ao tratar a realidade na
busca de apreender o sentido que, historicamente, lhe é instituído, bem
como em seu processo de instituição.
Com esta visão de realidade, em confronto constante entre o que
é, com o vir a ser, decorrente do movimento histórico da existencialidade
humana. O conhecimento em sentido amplo é legitimado, bem como pos-
sibilita a produção de novos conhecimentos, levando os profissionais da
educação a buscarem novos e diferenciados modos de trabalhar o pro-
cesso de ensino e aprendizagem.
Desta forma, este texto em sua multidimensionalidade visa de-
senvolver o espírito da pesquisa na realização do princípio do ensinar-
aprender dentro da especificidade da Filosofia da Educação, tendo sua
estrutura disciplinar organizada em seis capítulos:
Unidade 1: A Especificidade da Filosofia. Como Filosofar?
Analisa os modos de se instituir sentido à realidade, distinguindo-os em
suas caracterizações específicas, como: filosófica, científica e o senso
comum, dando ênfase ao processo de produção do conhecimento filosó-
fico.
Unidade 2: As Questões do Conhecer e o Estatuto da Filoso-
fia: as racionalidades históricas. Aborda a gênese do conhecimento, as
questões do conhecer segundo uma perspectiva histórica, que visam ex-
plicar sua produção pela razão humana, desde os teóricos clássicos à
pós-modernidade.
Unidade 3: Filosofia da Educação: conceito, tarefas e educabili-
dade humana. Apresenta a filosofia da educação como campo de conhe-
cimento e sua contribuição para o entendimento das finalidades do edu-
car e das inflexões com que o exercício do filosofar pensa a educação.
Unidade 4: As Orientações Filosóficas e as Teorias Educa-
cionais. Discute a importância da teorização da educação como uma
atividade do trabalho pedagógico, apresentando a vinculação entre as
concepções de ser humano e as propostas formativas.
Unidade 5: A Filosofia da Educação no Brasil. Situa a dis-
cussão da Filosofia da Educação na realidade educacional brasileira,
explicitando as abordagens teórico-filosóficas que orientam o exercício
de filosofar. Em um segundo momento, analisa as abordagens político-
ideológicas com que as propostas de educação vêm sendo aplicadas no
Brasil.
Unidade 6: A Filosofia na Formação Docente. Discute a relação
teoria e prática na formação docente e as implicações ético-políticas e
estéticas, do ser e do fazer docente.
Diante de uma perspectiva de construção de conhecimento da
natureza do exercício do filosofar, este texto objetiva orientar o estudo de
apropriação e aprofundamento da cultura filosófica e dos procedimentos
próprios ao exercício do filosofar, em sua articulação com a formação do-
cente, de forma menos fragmentada, permitindo uma visão de totalidade
da especificidade das abordagens enfocadas.
Assim, partindo-se dessas caracterizações supra, esta propos-
ta disciplinar de Filosofia da Educação ministrada à distância procura
acompanhar as inovações tecnológicas no campo das comunicações e
informação, desenvolvendo os recursos de interatividade entre o discen-
te e o tutor.

Boas leituras Filosóficas!


UNIDADE 1
09 A ESPECIFICIDADE DA FILOSOFIA. COMO FILOSOFAR?
Orientação ao Estudo de Filosofia...................................... 11
O Filosófico, o Científico e o Senso Comum....................... 11
Gênese e Condeito de Filosofia: a atitude e reflexão
filosófica............................................................................. 13

UNIDADE 2
17 AS QUESTÕES DO CONHECER E O ESTATUTO DA FILOSOFIA:
AS RACIONALIDADES HISTÓRICAS
Gênese do Conhecimento: racionalismo e ceticismo ........ 19
Racionalismo Empírico, Racionalismo Idealista,
Romantismo....................................................................... 22
Razão: posições históricas ................................................. 23

UNIDADE 3
31 FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO: CONCEITOS, TAREFAS E
EDUCABILIDADE HUMANA
O Ser e o Vir a Ser Humano: a educabilidade .....................34
Exercício do Filosofar na Educação: as inflexões
filosóficas............................................................................ 35
Pedagogia: o projeto educativo ..........................................37
UNIDADE 4
41 AS ORIENTAÇÕES FILOSÓFICAS E AS TEORIAS EDUCACIONAIS
A Teorização no Campo Educacional: conceito e função da
Pedagogia .......................................................................... 43
As Ontologias do Ser Humano e as Abordagens Filosóficas
da Educação ....................................................................... 43

UNIDADE 5
59 A FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL
A Tradição Filosófica da Educação Brasileira ..................... 61
O Discurso Ideológico na Educação Brasileira ................... 66
As Contradições Político-Ideológicas do Discurso sobre a
Educação ........................................................................... 71

UNIDADE 6
77 A FILOSOFIA NA FORMAÇÃO DOCENTE
A Relação Teoria e Prática na Formação Docente ...............79
As Dimensões Ético-políticas e Estéticas da Prática
Educativa.. ......................................................................... 81
UNIDADE 1

A Especificidade da
Filosofia. Como Filosofar?
10 UNIDADE 01
A ESPECIFICIDADE DA
FILOSOFIA. COMO FILOSOFAR?

Orientação ao Estudo de Filosofia

Os hábitos que se devem desenvolver para que o estudo sobre


determinado assunto proporcione um aproveitamento satisfatório são
definidos a partir da natureza do conhecimento. Um conhecimento
de constituição teórica, em que predomina o raciocínio abstrato,
argumentativo, exige a aquisição de um estilo de leitura analítica,
interpretativa e crítica, com vista à produção de argumentações próprias,
articuladas com o pensamento dos teóricos usados como suporte e a
realidade concreta em que se vive.
Antecedendo ao momento de sistematização do produto da leitura,
a qual deve ser assimilada com o hábito do ato de ler, o leitor cria um
banco de termos significativos, retirados do texto, ampliando o próprio
vocabulário; procura localizar os dados biográficos dos teóricos citados no
transcorrer do texto, enfatizando a produção do mesmo sobre o assunto
estudado, em seguida, centrando-se no conteúdo, procura identificar
o tema central discutido, a problematização com que o autor discute o
tema, bem como as argumentações que sustentam o pensamento do
autor.
Após a realização das etapas citadas, o leitor ganha condições
para elaborar o próprio questionamento, articulando a compreensão
que teve do assunto lido com o entendimento da realidade que vive e
com a realidade da qual quer adquirir uma formação mais sistemática e
consistente.

O Filosófico, o Científico e o Senso Comum

O ser humano em sua constituição antropopsicossocial e cultural

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 11
Saiba mais requer, para uma existência propriamente humana, diferenciando-o dos
Raciocínio abstrato - demais animais, busca a produção de recursos materiais e não materiais,
tipo de pensamento
concentrando-se os primeiros na tecnologia, em seus momentos mais
elaborado somente
com conceitos, sem simples até às esferas mais sofisticadas da atualidade.
o recurso dos dados A modalidade dos recursos não materiais refere-se à produção
concretos, evitando de sentido, conceitos, pensamento, linguagem, que, por sua vez, vão
as interferências expressar as normas, o conhecimento de uma forma geral. Constitui
acidentais.
a dimensão simbólica, do imaginário, da imaginação, com que o ser
humano elabora e expressa sua compreensão de realidade, bem como
sua prática e agir no mundo.

Para saber mais sobre Filosofia acesse:


Saiba mais
Domínio Público - http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa
Dimensão simbólica -
Expressa a realidade Enciclopédia Simpozio - http://www.cfh.ufsc.br/~simpozio/
como uma relação de Mundo dos Filósofos - http://www.mundodosfilosofos.com.br/
sentido instituído em Wikipédia – http://www.wikipedia.org/wiki/Filosofia
um contexto cultural.

Dentro desta produção simbólica da realidade e da atuação


no mundo, distinguem-se tipos ou níveis de elaboração de sentido e
Saiba mais significado, que se constituem nas diversas modalidades do ser humano
O termo "sentido" interagir com o mundo natural, humano e com ele mesmo. Sendo essas
está sendo usado modalidades de caráter do senso comum, mítico, místico, artístico,
como a compreensão
filosófico e científico. Entre os critérios que definem a diferença entre estes
elaborada de alguma
coisa. modos do pensar e expressar humano pode-se destacar as exigências
de formalidade, a abrangência social do reconhecimento da validade e os
procedimentos necessários para elaborá-los.
A formalidade como um dos critérios, situa-se na linguagem
empregada na sistematização e externalização do sentido da realidade.
Caracterizando-se como formal e informal, segundo os preceitos sócio-
históricos e culturais do contexto em que se origina. Nestas condições,
considerando o caráter das interações supra, seguindo o grau crescente
de formalidade, têm-se: o senso comum, mítico, místico, artístico,
filosófico e científico.
Quanto ao critério de abrangência social do reconhecimento da
validade, referindo-se à garantia de certeza da interpretação, explicação

12 UNIDADE 01
e expressão da realidade natural e humana, podem-se enumerar as
modalidades de interações na seguinte ordem crescente: mítico, místico,
artístico, senso comum, filosófico e científico.
Em relação ao critério de procedimentos, visto como a exigência
de instituir, objetivamente, meios, métodos para elaborar a interpretação,
a explicação e a externalização do sentido da realidade, constata-se
que as modalidades de interações humanas se reduzem ao filosófico e Saiba mais
cientifico. O termo de
"realidade" expressa
Dessas duas modalidades, o filosófico além de distinguir-se do
a existência das
científico pelo estilo metodológico em que apresenta uma diversidade coisas de forma
de procedimentos, todos válidos para interpretar e expressar o sentido objetiva e subjetiva.
da realidade, também apresenta diferenças no tipo de certeza que
proporciona. Assim, constata-se na perspectiva histórica a aceitação
social de modos excludentes de apreensão da realidade.
Ressalta-se, entretanto, que as diferenças na elaboração das
modalidades de perceber, interpretar e apreender a realidade, não
determinam a anulação de nenhuma dessas modalidades; podendo-se
mesmo afirmar uma correlação entre os modos: filosófico, científico e do
senso comum.
Com a caracterização das modalidades do ser humano interagir
com o mundo natural e humano, e consigo mesmo, aborda-se, em
seguida, a especificidade do racionalizar filosófico em relação aos
demais modos de racionalidades, explicitando o que a faz ser um campo
de conhecimento que institui relações e interconexões de sentido entre a
percepção humana e a realidade.

Veja alguns textos sobre filosofia e os filósofos no endereço -


http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/textos.htm
http://www.cobra.pages.nom.br/filcont.htm

Gênese e Conceito de Filosofia: a atitude e a reflexão


filosófica

Para um entendimento da especificidade do modo de pensar


filosófico, pode-se recorrer ao momento histórico que vem sendo tomado
como da sistematização de um novo conjunto de princípios, conceitos,

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 13
condições e finalidades, instalado entre os séculos VI e V no mundo
grego.
Nesta época, o modo tradicional do ser humano responder às
indagações sobre as realidades natural e humana demonstrava certo
esgotamento na capacidade de convencimento. Sendo um modo instituído
na linguagem mítica de representação da realidade, que distanciava as
respostas dadas do raciocínio argumentativo-discursivo, que expressa, de
fato, o modo de sistematizar o pensar e a externalização do pensamento
Saiba mais humano.
A linguagem mítica O surgimento e a consolidação desse novo estilo de elaborar o
é elaborada usando
pensamento traduzem um novo modelo de organização social, política e
alegorias, figurações
significativas em uma cultural da Grécia Antiga. Com isso, mudanças na finalidade de se fazer
tradição cultural. a transmissão da cultura, nessa época significando o próprio processo
educativo do povo grego, do que seja cultura e no modo de proceder à
transmissão cultural.
Nesse contexto de mudanças conceituais e de procedimentos do
pensar, as dúvidas e os questionamentos se voltam para a formação
Saiba mais humana nas dimensões sociopolíticas de sua existencialidade no mundo
Sofistas que e nas organizações socioculturais. Tais inquietações se personalizam na
se destacaram: atuação dos sábios ou sofistas e nos chamados propriamente filósofos
Protágoras de
primeiros.
Abdera; Górgias de
Leôncio, Hípias de A diferença essencial entre essas duas personagens históricas
Elide. da filosofia encontra-se no modo de conduzir o exercício do pensar e na
determinação dos fins a que deve atender.
Os sofistas se ocupavam com uma prática discursiva, argumentativa
do convencimento, da persuasão, destituída da preocupação com a
verdade, no sentido de expressar a essência do ser.
Eles conduziam o discurso à aceitação imediata e circunstancial,
o que possibilitava a mudança da argumentação sem comprometimento
dos fins a que se dirigiam. Os filósofos, por sua vez, prezavam pelo
discurso verdadeiro, que expressasse o ser em sua essência, sem os
traços acidentais, circunstanciais adquiridos em suas relações com o
mundo e com os outros.
Desses dois modos de conduzir a construção e os fins do pensar
humano, sobressai-se, como propriamente filosófico, o procedimento que
se volta para a busca da verdade enquanto expressão da essencialidade
dos seres e das manifestações de sentido de ser da realidade.
Por essa intenção de atingir o sentido primeiro que expressa a
constituição e a finalidade própria dos seres e da realidade, a filosofia se

14 UNIDADE 01
faz a partir de uma atitude questionadora e crítica, levando o ser humano
a um processo de desconstrução dos conceitos, das convicções e das
certezas, historicamente, consolidadas.
A atitude filosófica começa pela necessidade de se elaborar
interpretações e compreensões que demonstrem argumentações
consistentes quanto ao sentido de ser da existencialidade dos seres
humanos, dos demais seres e de suas manifestações.
O vivenciar desta atitude, exige que se avalie a constituição
conceitual dos seres e de suas manifestações historicamente instituídas,
buscando atingir o princípio de ser e os fins que os fazem da forma
como se expõem. A atitude avaliativa em que se elabora o julgamento,
um dos movimentos do ato de pensar, na perspectiva filosófica, constitui
o momento da crítica, que deve se processar com rigor, abrangendo a
realidade pensada como um todo, de forma a expressar um sentido de
ser primeiro, em sua singularidade de origem.

Que necessidade o ser humano tem de elaborar


conhecimentos não materiais, considerando-se que sua ação no
mundo é marcada pela pragmaticidade de realizações imediatas e
circunstanciais?

1 – Discuta a diferença entre as modalidades de pensar: senso comum,


filosófica e científica.
2 – Explique o procedimento do pensar filosófico na produção de sentido
da realidade.
3 – Discuta a diferença da postura dos sofistas e a postura dos filósofos.
4 – Que tipo de conhecimento deve predominar na formação profissional
docente?

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 15
16 UNIDADE 02
UNIDADE 2

As Questões do Conhecer
e o Estatuto da Filosofia: as
Racionalidades Históricas

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 17
18 UNIDADE 02
AS QUESTÕES DO CONHECER
E O ESTATUTO DA FILOSOFIA: AS
rACIONALIDADES HISTÓRICAS

No capítulo anterior, descrevem-se as modalidades de interação


Saiba mais
do ser humano com o mundo natural e humano em sua tipologia formal:
Abstração: atividade
mítico, senso comum, filosófico e científico.
do espírito, em que
Essas modalidades constituem-se, de fato, nos tipos de retira, separa da
conhecimentos elaborados, todos expressando formalidades próprias, ambiência o que se
bem como graus de abstrações da realidade objetiva na busca de quer compreender
esclarecimentos, explicações do sentido de ser do percebido. Destituindo- em sua consistência
ou constituição
se da abstração da realidade, as intervenções de sentido mais imediatas e particular de sentido.
cotidianas, para atingir uma compreensão mais universal, de abrangência
espaço-temporal mais ampla.
Com a afirmação de que o conhecimento resulta de um processo
de construção, expondo-se em modalidades diversas e com apreensão Saiba mais
diversificada da realidade humana e natural, surge, então, a curiosidade Realidade objetiva:
de saber como o ser humano constrói esses conhecimentos. as coisas percebidas
pelos sentidos, que
Gênese do Conhecimento: racionalismo e ceticismo têm suas existências
definidas exteriores
ao sujeito do
As explicações historicamente elaboradas tomam como questão conhecimento.
central a capacidade do ser humano atingir a realidade nela mesma, em
sua substancialidade, o que significaria a abstração do sentido verdadeiro
da realidade admirada. Nesta perspectiva, destacam-se algumas posições
entre os pensadores que se ocuparam com essa busca em determinados
momentos históricos do conhecimento filosófico.
Entre uma das primeiras posturas resultantes dessa admiração,
encontram-se os pensadores denominados pré-socráticos. A realidade
admirada por estes pensadores, sábios na época, era percebida
constituída por duas naturezas: a physis grega, expressando tudo que
existe, sem intervenção humana, até o próprio ser humano e a ordem

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 19
natural em si; e, o nomos grego, que significa a realidade criada pelo
Saiba mais homem, a ordem cultural, o mundo simbólico das convenções humanas.
O nomos grego
Estas duas posturas dos pensadores pré-socráticos inauguraram
refere-se ao mundo
da cultura, da norma, o modo racional, argumentativo e discursivo de se elaborar a apreensão
do simbólico, criado da realidade e de expressá-la. Eram os físicos explicando os fenômenos
pelos humanos. da natureza de forma especulativa, sem a constatação de fato,
instituindo três campos de conhecimento – a meteorologia, a cosmologia
e a cosmogonia; ou, inferindo sobre a constituição primeira de tudo que
Saiba mais existe, o princípio primeiro, que dota de existência as coisas tais como
A physis grega elas são. É a arché grega.
refere-se à natureza; Esta procura pelo primeiro princípio constitutivo e explicativo
o mundo não criado
do tudo que existe fez surgir pensadores que se aproximam a partir
pelos humanos.
da concepção que defendem sobre qual seja este princípio ou causa
primeira da qual tudo se origina.
Assim, têm-se entre os séculos VII e VI a.C., os jônicos, da cidade
de Mileto, fundada por Tales de Mileto; os pitagóricos, escola fundada
por Pitágoras de Samos; os eleáticos, fundada por Xenófanes, cidade da
Eléia; e os atomistas, fundada por Lucipo e consolidada por Demócrito.
Os sábios que se voltam para a realidade dos nomos, da realidade
criada pelos e para os seres humanos, autodenominaram-se de sofistas,
no século V a.C. A atuação dos sofistas centrava-se na elaboração do
discurso como uma prática educativa, tendo como finalidade preparar
o cidadão adequado às novas exigências do contexto sociopolítico e
cultural ateniense.
Tales de Mileto
Fonte: Google Imagens A prática desses sábios, por se caracterizar como desprendida
dos questionamentos e busca da verdade, bem como por se fazer na
formalidade do discurso persuasivo, historicamente, mesmo influenciando
o campo da educação, não é vista como uma prática de natureza filosófica.
Simultânea à prática dos sofistas, os pensadores propriamente
filósofos desenvolvem seus estilos de elaborar o sentido de ser da
realidade, nesse momento, mais humana do que natural. Dessa forma,
surge um novo procedimento para se buscar o sentido de ser dos seres
humanos e não-humanos, definindo o quê, para quê e o porquê de suas
existências. Classicamente, são citados como representantes desta
época: Sócrates, Platão e Aristóteles.
A preocupação em explicar o sentido e constituição do que existe
surge com a admiração da realidade natural, percebida objetivamente
Pitágoras pelos sentidos humanos, sem uma distinção muito precisa entre o
Fonte: Google Imagens percebido e a realidade de fato, ou seja, entre o pensado e a verdade,

20 UNIDADE 02
torna-se, com os filósofos, uma elaboração argumentativa e discursiva
que deve expressar a verdade. Saiba mais
Ceticismo: postura
Essa crença de que o pensamento constrói o sentido verdadeiro da
filosófica que
realidade, certeza atingida, de formas diferenciadas, por esses filósofos questiona o alcance
primeiros, é questionada por pensadores que duvidam da capacidade da razão humana em
da razão abstrair o sentido mesmo da realidade, porque toda proposição relação à definição
que se elabore em relação à natureza da realidade conduz a novos da verdade.

questionamentos.
Por essa postura filosófica denominada
de ceticismo, termo grego que significa Saiba mais
investigação, busca de dados que garanta Agostinismo: atitude
filosófica instituída
a veracidade, a abstração do sentido da
por Santo Agostinho.
realidade procede por etapas: a suspensão do
juízo (epoché), a insistência na investigação da
certeza (zétesis) e o atingimento da tranquilidade
do espírito (ataraxia), acomodando-se aos
limites da condição do pensar humano na
apreensão do sentido mesmo da realidade.
Os pensadores clássicos que pensavam
desse modo foram Pirro e Sexto Empírico;
ambos influenciaram o estilo de ser filosófico
que surge em confronto com o dogmatismo Saiba mais
imposto pelo domínio dos religiosos no campo
Aquinismo: atitude
do conhecimento, como o agostinismo e o filosófica instituída
aquinismo. por São Tomás de
Até esse momento histórico, que abarca Aquino.
dos pré-socráticos ao Renascimento, visto
por essa perspectiva de apreensão de sentido
da realidade natural e humana, os filósofos
procuram expressar o conhecimento, sem se
voltarem para explicar a construção do ato
de conhecer. Modo filosófico de proceder que
predomina até o século XIV, quando insurge
um confronto de ideias entre as concepções
dogmáticas e as concepções fundadas na crítica,
na dúvida diante da natureza da certeza historicamente hegemônica.

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 21
Racionalismo Empírico, Racionalismo Idealista,
Romantismo

Com esta postura dos pensadores são introduzidos os elementos


básicos que determinam a ruptura entre o pensar a realidade, segundo
os modos clássico e helenístico, e sob a influência de interpretações
desses modos, que caracterizam o ser mediévico.
Inicia-se, então, o exercício filosófico, que institui como realidade
pensada o ato mesmo de conhecer, com a busca de explicação,
esclarecimento mais preciso da origem das ideias, do como se processa
o conhecimento? Qual o alcance do pensar humano na apreensão da
realidade verdadeira? Em que se fundamenta o pensamento para garantir
a certeza?
Com esse questionamento surge uma interpretação dicotômica
da constituição do ato de conhecer, dando funções distintas aos sentidos
e à razão, da mesma forma em relação à origem das ideias, durante o
processo de elaboração do conhecimento verdadeiro.
John Locke
Fonte: Google Imagens Essa dicotomia interpretativa gera o racionalismo empírico,
explicando o conhecimento como resultante das sensações providas
pelos sentidos e das experiências humanas, situando como posterior à
função da razão, negando, consequentemente, a concepção inatista das
ideias, e a interpretação do racionalismo idealista, que explica o ato de
conhecer como um processo de articulação das faculdades do pensar:
abstração, julgamento, raciocínio, confirmando a concepção de que as
ideias são inatas.
Esta forma dicotômica de explicar como se processa o ato de
conhecer, a produção do conhecimento filosófico ou a prática de filosofar
torna-se mais intensa entre os franceses que adotam o racionalismo
idealista, com René Descartes, Leibniz, Spinoza, estendendo-se ao
pensamento germânico em Kant, Fichte, Schelling e Hegel.
O racionalismo empírico sistematiza-se no pensamento inglês
David Hume
Fonte: Google Imagens através de John Locke e David Hume, influenciando a percepção da
realidade, que toma a experiência como mediação no processo de
elaborar explicações de como tal realidade acontece. Os pensadores
que consideram a experiência como um meio necessário à apreensão
da realidade dão suporte à elaboração do conhecimento que parte
da observação, utilizam métodos quantitativos e experimentais,
denominando-os ciência.
Entretanto, o considerar a experiência como parte da produção e
aquisição de conhecimento já se encontra no pensamento dos sofistas e

22 UNIDADE 02
no pensamento de Aristóteles. Em Kant, este modo dicotômico de explicar
a produção do conhecimento, situando sua origem ou nos sentidos ou
como resultante das atividades da razão, torna-se momento subsequente
do ato de apreensão da realidade. Esta concepção kantiana supera a
separação entre os sentidos e a razão, mas institui a existência de duas
realidades: a do noumenon e a do phainomenon.
Como consequência dessa dualidade, surgem pensadores
que priorizam a realidade do noumenon, fazendo uma interpretação,
predominantemente racionalista idealista, como Hegel; já outros filósofos Saiba mais
concebem como única realidade possível de explicação a do phainomeno, Noumenon: termo
como os que criam a abordagem positivista, como Augusto Comte. alemão referente
ao espírito (nous),
Diante dessa crença de que o sentido da realidade, tanto na
às realidades
perspectiva empírica como na perspectiva idealista, resulta das atividades percebidas pelo
da razão de forma disjuntiva, seletiva, classificadora, destituída da pensamento.
vontade, intenções, interesse e sentimentos do sujeito cognoscente,
posicionam-se filósofos que veem a construção de sentido da realidade
como uma expressão particular da existencialidade do ser humano no
mundo. Saiba mais
Esses filósofos partem de princípios que consideram dimensões Phainomenon: termo
da vivência não explicada e controlada pela faculdade racional humana, grego que significa
como a vontade, a liberdade, os sentimentos. aquilo que se mostra,
Assim, por fazerem essa relação e conexão entre a ação humana tal como se mostra a
partir de si mesmo.
em seu contexto sociopolítico e cultural, os sentimentos que permeiam Distinguindo-se
a percepção de realidade, limitando-a ou ampliando-a, bem como com a da ilusão (schein)
definição de um telos, de uma finalidade de ser para a existência humana e da aparência
e sua produção, caracterizam-se como românticos. (erscheinung).

Razão: posições históricas

A razão, como um conceito dos estudos filosóficos, ganha um


sentido distinto do que usualmente é dado. Comumente, esse termo
serve de sinônimo de certeza, motivo, causa, o que, de uma forma geral,
proporciona certa referência de origem e definição mais precisa de algo,
como na frase: “Ele colocou, com razão, a desconfiança na teoria”,
podendo entender que ele tinha uma explicação mais esclarecedora da
questão.
A concepção filosófica de razão faz a relação entre a capacidade do
pensar de forma organizada, sistemática, intencionada e a dimensão da
sensibilidade humana, constituída das paixões, dos sentimentos. A razão

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 23
se constitui na ação de intelegir, na capacidade de apreensão ordenada
das realidades natural e humana. Daí a afirmação dos princípios do
Saiba mais
pensar, porque, para que a realidade seja compreendida, precisa seguir
Princípios do pensar: uma orientação interpretativa, que lhe imprima sentido, fins e forma de
orientam e estruturam
o raciocínio lógico
ser.
formal, sendo: Pelo sentido etimológico, razão é um vocábulo tanto de origem
identidade, terceiro latina – ratio, como grega – logos, ambas, porém, significam reunião,
excluído, da não- ordenamento, medição, cálculo, ou seja, algo organizado, com critério,
contradição.
que proporciona certa visão de algo.
Com essa concepção de razão como a atividade intelectual
que ordena, dando clareza à realidade, historicamente, encontram-
Saiba mais se posições distintas como dos empiristas, tais como: Francis Bacon,
Thomas Hobbes, John Locke, David Hume, Bertrand Russell; dos
Modernidade: período
histórico em que racionalistas, como: Platão, Aristóteles, René Descartes, Leibniz, Kant,
se desenvolve uma Hegel; e dos filósofos que se situam de uma forma mais complexa,
reação à escolástica sem uma definição precisa nesta tipologia clássica, sendo vistos como
e ao espírito
românticos, pessimistas, irracionalistas, niilistas, entre outras nomeações,
medieval; exalta a
razão, o sujeito sendo alguns deles: Arthur Schopenhauer, Sören Kierkegaard, Friedrich
do conhecimento, Nietzsche. Essas posições filosóficas da razão se encontram como
o espírito crítico, base teórica de pensadores contemporâneos, ainda na perspectiva da
tendo como
modernidade, que procuram elaborar uma síntese desta diversidade
expressões máximas
o Iluminismo e as de modos de apreender as realidades humana e natural. Entre estes
ciências, situa-se pensadores, Edmund Russerl elabora uma concepção de filosofia como
entre os séculos XVI ciência rigorosa, extraindo elementos da lógica, da matemática e dos
e XVIII. conceitos de Kant e Hegel, nomeada como fenomenologia.
Em uma perspectiva mais sociopolítica e cultural, filósofos como
Saiba mais Theodor Adorno, Max Horkheimer, Herbert Marcuse procuram explicar a
Diacronismo e construção da razão como consciência instituída historicamente, segundo
Sincronismo: os determinantes do contexto em que as pessoas vivem.
conceitos que se Esses filósofos criadores da Escola de Frankfurt ou Teoria
referem à análise no Crítica, sob a influência do materialismo histórico dialético, o marxismo,
tempo. O primeiro
interliga o objeto de
interpretam a construção do pensamento a partir das interações de conflito
estudo ao movimento e contradições, sendo que, ao enfatizarem as dimensões sociopolíticas e
histórico; já o culturais, concebem duas modalidades de razão: a razão instrumental ou
segundo percebe o técnico-científica e a razão crítica.
objeto de estudo
Outra tendência filosófica que tem uma concepção própria de
em um momento
determinado. razão, seguindo uma orientação mais científica de análise da realidade,
toma como principal a interpretação da forma ou estrutura com que
se apresenta a realidade. Não se fixando na ideia de continuidade ou

24 UNIDADE 02
diacronismo, mas em uma perspectiva de estrutura em si, tal qual se Saiba mais
apresenta no momento histórico, logo, privilegiando o sincronismo, o
Pós-modernidade:
estruturalismo, aproximando-se do modo de ver kantiano.
período da história
Por esta análise estruturalista, filósofos como Michel Foucault, do pensamento que
Jacques Derrida, Gilles Deleuze, concebem a criação científica, filosófica, critica as crenças da
artística, técnica, bem como das sociedades, como inserida em um modernidade, que
têm na ciência e na
contexto histórico descontínuo, cada momento histórico destas criações
razão crítica os meios
se fundando em uma razão estrutural sincrônica. para superação
Entre os filósofos da ciência ou epistemólogos, o estilo estruturalista da exploração
pode ser sentido no pensamento de Thomas Kuhn, ao explicar a história econômica e
das ciências como realizações de momentos revolucionários, em que emancipação
sociopolítica e
instituem ou validam conjuntos de leis, princípios, concepções, hipóteses, cultural humana.
crenças, procedimentos metodológicos e investigativos, chamados de
paradigmas.
Esses paradigmas, ao atingirem os limites de interpretação,
explicação e apreensão da realidade, provocam crise, surgindo espaço
para novos paradigmas se instalarem, como é o caso atual das discussões
em torno dos limites do paradigma da simplicidade ou newtoniano-
cartesiano em relação ao paradigma da complexidade ou sistêmico.
Tendo como um dos representantes Edgar Morin.
Numa posição mais recente, encontram-se os filósofos tidos como
pós-modernos, como François Lyotard e Richard Rorty, que concebem a
construção da razão como redes de linguagem, presas aos momentos de
aceitação e funcionalidade. Vista desta forma, a razão apresenta-se com
uma natureza instável, efêmera, ou mesmo sem consistência real, sendo
meras crenças, mitos do contexto histórico-cultural.

Razão e pensamento: método

Conforme as colocações acima, a razão promove um movimento


de construção de sentido da realidade humana e natural, o que faz por
proceder de forma organizada e segura de um fim a atingir, seja com uma
garantia de validade histórica, seja com uma garantia incerta. Assim,
pode-se afirmar que a razão conduz a percepção humana na apreensão
da realidade, atividade que se configura como o ato de pensar, de elaborar
o pensamento.
O pensamento vai se constituir em algo elaborado pela razão,
na busca de um conhecimento mais preciso, perseguindo a intenção de
verdadeiro, expressando-se tanto como abstrato e intelectual quanto

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 25
Saiba mais prático, de agir no mundo.
Em um sentido geral, o termo pensamento, na acepção do verbo
Consciência:
latino pendere, quer dizer suspensão, avaliação, o que induz as ideias, os
estado de espírito
que demonstra juízos e as opiniões já produzidas, que devem ser revistas. Já na acepção
possuir noção de dos verbos cogitare e intelligere, que significam, respectivamente, meditar,
acontecimento ter atenção e reunir, escolher, ganha a concepção de ser uma atividade
exterior à mente,
da inteligência de ter diante de si algo e escolher, reunindo caracteres
ou na própria
dinamicidade mental, com os quais elabora ideias, conceitos, juízos, raciocínio, valores.
como distinguir Desta forma, pode-se considerar a ação de pensar como o
objetos e qualidades movimento que envolve as atividades intelectuais, a imaginação, a
dos objetos. memória, articulando as experiências sensíveis, os elementos da
linguagem e as dimensões da consciência, exercitando a reflexão, a
crítica, a análise, a síntese, a interpretação e a conclusão.
Saiba mais
Com esta concepção, o pensamento tem como finalidade primeira
Consistência interna: a elaboração de conceitos, que expressam relações e interconexões de
articulação lógica das significados próprios de cada ser, obtido pelo processo de abstração.
ideias, estruturando
Enquanto uma expressividade de conexões e interconexões de
de forma consistente
a elaboração do significados, os conceitos resultam da ação dos juízos ao avaliar as
pensamento. qualidades, os atributos, as propriedades e predicados próprios de um
ser, promovendo a afirmação positiva ou negativa de seu sentido e
consistência real.
Resultam do pensamento a formulação de explicações
fundamentadas, dentro das exigências de constatações formais e
os princípios de racionalidade e demonstração, podendo-se, assim,
considerá-las verdadeiras ou falsas a partir da consistência própria com
que se expressam. Estas explicações atendendo a este nível de exigência
constituem uma teoria.
Para que esse processo de abstração de caracteres e apreensão
do sentido de ser e de realidade apresente consistência interna e nexos
com o que está sendo pensado, requer a elaboração desse processo
segundo orientações sistemáticas, que constituem o método. O método
representa procedimentos definidos conforme as situações e natureza da
realidade que se quer construir ou apreender o sentido, sendo definido,
também, pelo tipo de razão ou racionalidade com que se percebe a
realidade observada.
De forma que, na elaboração das teorias, no percurso histórico
do conhecimento filosófico, instituíram-se procedimentos metodológicos:
dialógicos ou maiêuticos (Sócrates), dialéticos (Platão, Hegel, Marx),
demonstrativos (silogismo aristotélico), cartesianos ou dúvida metódica

26 UNIDADE 02
(Descartes), fenomenológico ou époche (Edmund Husserl), analítico dos
filósofos analíticos (Ludwig Wittgenstein, Gilbert Ryle), genealógico (F.
Nietzsche), arqueológico (M. Foucault), hermenêutico (Dilthey, Heidegger,
Gadamer), da complexidade (Edgar Morin), entre outros.
Outros procedimentos definidos a partir da natureza da realidade
da qual se quer abstrair o sentido podem ser vistos em suas características
gerais, como: dedutivo (das realidades virtuais/idealizadas, como
a matemática); indutivo (das realidades que se pode observar),
Saiba mais
desenvolvido por experimentos e hipóteses, que constituem os mais
apropriados das ciências naturais; os das realidades humanas, em suas Métodos filosóficos:
http://www.wikipedia.
condições histórico-culturais, expressas pelos significados, práticas,
org/wiki/Filosofia
comportamentos, sendo, portanto, compreensivo-interpretativos.
Do exposto, pode-se perceber que os procedimentos metódicos
das elaborações teóricas no campo da filosofia diversificam-se com os
filósofos não com a natureza da realidade a ser pensada, enquanto, no
campo da cientificidade, os métodos são determinados pela natureza do
problema a ser investigado.

Pensamento, verdade e ideologia

O pensamento sistemático, historicamente, apresenta diferenças


nos aspectos de validação e aceitação. Primeiramente com os Sofistas,
em que a verdade resultava de habilidades de elaboração formal do
discurso, sendo a persuasão, o convencimento, o critério de validação;
com Sócrates e Platão, o reconhecimento de validade era dado pela
consistência interna dos argumentos, com a intenção de atingir sua
constituição primeira, sua essência.
Com Aristóteles, mesmo elaborando um novo procedimento
de validação, não concordando com o estilo argumentativo socrático-
platônico, ainda considera a realidade constituída de uma verdade que
deveria ser extraída pelo ato de pensar. A verdade estaria na evidente
correspondência entre o pensamento elaborado e a realidade admirada.
Outra postura diante da questão da validade do pensamento,
encontra-se em Descartes, para quem o sentido verdadeiro de tudo
resultaria de um processo detalhado de investigação que começaria com
a negação dos traços falsos da realidade imediata, excluídos pela dúvida
metódica, atingindo, então, as ideias claras e precisas.
Com esta certeza de que a razão proporciona a verdade, o que,
aliás, predomina durante a modernidade, tem-se a tendência filosófica

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 27
dos Iluministas ou Enciclopedistas – D’Alembert, Condorcet, Rousseau,
Kant, Voltaire, entre outros.
Esses filósofos acompanham a introdução dos princípios de
cientificidade no processo de produção de conhecimento, negando
validade ao estilo essencialista de pensar a realidade, exaltando o
racionalismo em uma perspectiva de abstrair a verdade das realidades
naturais e humanas. A razão vista como a fonte de aquisição da
consciência do ser e de realidade do mundo, sob duas interpretações
de sua constituição, uma naturalista e outra romântica, torna-se o fator
determinante do pensar dos filósofos.
A posição de excelência que é atribuída à razão imerge em um
processo de descaracterização filosófico e político, com a produção de
uma concepção de mundo, concepção de sociedade e concepção de
ser humano, divergentes com as que se fundavam em uma explicação
de realidade mística, considerando a realidade como uma doação
sobrenatural. O ser humano é visto na condição natural, composto
por uma dimensão orgânica e outra dimensão psíquica, que sofre a
intervenção de fatores socioculturais.
O pensar humano, a atuação humana no mundo, as interações
sociais, políticas, simbólicas e produtivas expressam as condições
materiais de existência. Não a pré-determinação do destino, conforme
concluíram os filósofos políticos (Feuerbach, Marx, Grasmci), que
procuram olhar o mundo e o homem sob o prisma dos determinantes
socioeconômicos, políticos e culturais. Desta forma, expõem as práticas
de condução intelectual ou ideologia a que se expõe o ser humano,
através das instituições sociais.
Da mesma forma, a base do pensamento (ou organização
do sentido de realidade, expressa na linguagem, nos processos de
abstração), está permeada de sentimentos, emoções, valores, interesses
e outras tendências de naturezas imprecisas, não observáveis, logo, não
factuais, a que Freud chamou de inconsciente. Assim, a constatação
dessas dimensões sociopolítica e psíquica, respectivamente, a ideologia
e inconsciente, desvela a fragilidade da razão e o lugar de produção
da verdade, bem como o conceito de verdade não mais traduz a
realidade, tornando-se conceito particular, comprometido com o contexto
sociocultural e histórico em que é produzido.

28 UNIDADE 02
As transformações espirituais que demarcam o capital cultural
da humanidade têm definido mudanças radicais nas concepções
de mundo, sociedade, vida e do próprio ser humano. Por esta
perspectiva, a humanidade se caracteriza, na atualidade, como
detentora de uma espiritualidade emancipada?

1. Pesquise os pensadores pré-socráticos e discuta a repercussão de


suas ideias no campo de conhecimento filosófico e científico.
2. Escolha um filósofo empirista e um filósofo racionalista e elabore um
confronto do conceito de razão.
3. Comente a consistência da apreensão do sentido de ser e de realidade
elaborada pela atitude filosófica irracionalista.
4. Analise a relação entre a razão cética e a racionalidade científica.
5. Explique as implicações dos conceitos de ideologia e inconsciente
nas crenças de liberdade e emancipação humana, fins da racionalidade
moderna.
6. Caracterize a condição pós-moderna em confronto com o pensamento
da modernidade.

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 29
30 UNIDADE 03
UNIDADE 3

Filosofia da Educação:
Conceitos, Tarefas e
Educabilidade Humana

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 31
32 UNIDADE 03
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO:
CONCEITOs, TAREFAS E
EDUCABILIDADE HUMANA

Com a concepção de que o exercício do filosofar tem como Saiba mais


fim a elaboração do sentido de ser e da realidade, conforme colocado
Axiologia: área da
anteriormente, a partir da abstração dos caracteres determinantes da
Filosofia que pensa
realidade, do fenômeno, do sujeito, enquanto um ser em si, a busca os valores em sua
da relação entre a filosofia e a educação conduz à afirmação de que essencialidade
tal relação se dá como dimensão do ser educação, ao se considerar (Max Scheller) e
natureza prescritiva
a educação como um processo de construção e aperfeiçoamento da
(Emmanuel Kant).
consciência no ser humano.
Pela educação o ser humano elabora a própria existencialidade
do que é e do que possa vir a ser no mundo, na sociedade, assimilando Saiba mais
e identificando-se com os referenciais sociais, políticos e culturais Epistemologia:
vivenciados. Esta ação deve se realizar de uma forma pensada, refletindo área da filosofia
com criticidade as implicações que tal modo de ser pode acarretar. que estuda o
conhecimento com
Esses fins dados à educação definem a relação constitutiva
o objetivo de avaliar
com a filosofia como de natureza antropológica, axiológica, política consistência e
e epistemológica. A significação antropológica se encontra nos fins coerência teórica,
próprios do educar, ou seja, na ação necessária da educação com vista metodológica e
a promover, em um primeiro momento, a hominização do ser natural; ética, em especial
o conhecimento
em seguida, humanizá-lo como um processo formativo de elevação
científico (Gaston
espiritual, na condição de ser pensante, que age por escolha e decisão e Barchelard, Hilton
só se realiza na/com a interação consigo, o outro e o mundo. Japiassu, Luis Carlos
Desta forma, a educação enquanto definidora do ser e do vir a ser Bombassaro).
humano, requer princípios condutores do agir interativo que caracteriza
a existencialidade humana, sendo, esses princípios, éticos e estéticos
fundadores de um estilo político de ser humano, com o qual se expressa
de forma autônoma e emancipada nos ambientes sociopolíticos e
culturais.
A natureza epistemológica da relação entre filosofia e educação se

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 33
Saiba mais explicita na atitude reflexiva e crítica com que deve conduzir o processo
formativo – o devir humanizador – do ser natural em ser humano pela
Hominizar: transmitir
assimilação da cultura. Para a concretização consciente e comprometida
as qualidades de
ser humano – a dessa formação, o educador, mediador do processo, deve saber
espiritualidade, caracterizar, identificar e avaliar as abordagens teóricas, metodológicas
tornando-o mais do e instrumentais que dão suporte às propostas e práticas educativas.
que um ser natural,
Com este entendimento de educação e da relação entre filosofia e
um complexo
sociopsíquico educação, definir um sentido de ser para a filosofia da educação significa
biológico. conceber a educabilidade humana como uma realidade a ser estudada
em sua constituição e finalidade de ser, segundo as dimensões acima
colocadas.

www.criticanarede.com/ filos_epis.html
www.inep.gov.br/pesquisa-online
www.scielo.br
www.cobra.pages.nom.br
www.ditudo.etc.br/ciência/ciência_humanas/filosofia.html
www.wikipedia.org/wiki/Filosofia
www.ghiraldelli.pro.br/Filosofia_da_educaçao
www.wikipedia.org/Portal:Educa
www.pedagogiaemfoco.pro.br
www.centro-filos.org.br
www.dominiopublico.gov.br/pesquisa

O Ser e O Vir a Ser Humano: a educabilidade

A resposta dada à questão “para quê educação?”, é de natureza


filosófica, por buscar a finalidade de ser do ato de educar, e expressa
uma constituição antropológica ao identificar educação com o processo
de internalização de um projeto cultural de complementação. Por esse
processo, o ser natural, condição primeira do ser humano, transforma-se
em um indivíduo com traços tipicamente humanos, expressão complexa
constituída de uma rede de relações antropobiopsicossocial, a qual se

34 UNIDADE 03
institui em um contexto sociopolítico e histórico. Saiba mais
Com efeito, pela educação se processa a formação da consciência
Antropologia: campo
humana, o que implica na realização da educabilidade humana, do conhecimento que
construção do caráter específico de uma identidade própria, ampliando tem como objeto de
a condição natural pela capacidade de educar-se e ser educado. estudo o homem,
Processos tipicamente humanos, considerando-se que a hominização e em sentido genérico.
No aspecto científico
a humanização são condições adquiridas historicamente nas interações estuda o homem
humanas, da mesma forma, os fins a que se destina. como ser natural e
Contudo, a educabilidade humana não se esgota nesta dimensão cultural. No aspecto
antropológica de assimilação das normas, tradições, comportamentos, filosófico estuda o
homem como ser
crenças e concepções do contexto que vivencia.
vontade, de escolha,
O processo de educação que se realiza ao longo da existencialidade que elabora sentido
humana constitui um projeto de emancipação dos condicionantes e para atuar no mundo
determinantes de uma menoridade espiritual, em que o ser humano (Emmanuel Kant,
Ernst Cassirer,
se encontra destituído de uma consciência autêntica e autônoma, por
Henrique C. de Lima
conseguinte, sem identidade e liberdade, sendo expressividade de uma Vaz).
condução intelectual autoritária e alienante.
A estruturação do processo educativo, que se realiza como
educabilidade e historicamente situado, remete às formas com que se
vivencia ou se conduz às finalidades próprias do projeto educativo. Estas
finalidades educativas ganham o sentido que a consciência ou a condição
do pensar a realidade humana em sua complexidade natural, psíquica,
social, política, produtiva e simbólica, atributo do indivíduo, alcança em
relação à individualidade humana e na condição de ser social.

Exercício do Filosofar na Educação: as inflexões


filosóficas

Pensar a educação na perspectiva da educabilidade humana, que


se faz como formação emancipadora da consciência de realidade e no
sentido de ser um devir humanizador, caracteriza a abordagem filosófica,
que se constitui em uma dimensão do educar, pelas inflexões que realiza
ao analisar crítica e reflexivamente o projeto educativo.
Este exercício ou inflexões do filosofar, com a finalidade de
explicitar o sentido e realidade de ser do educativo enquanto ato formativo,
implica na definição interpretativa destes dois indicativos: o “para quê”
da educação no ambiente da existencialidade do ser humano e “o quê”
educativo conforme as exigências sociopolíticas, culturais e históricas do
contexto em que se realiza.
A compreensão da educação, precisando em que consiste de

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 35
Saiba mais fato qual seria aquele princípio primeiro, o arkhé grego, buscado pelos
filósofos primeiros, originador do educativo na essencialidade dos fins
Subjetividade: o que
a que se dirige, expõe a relação necessária entre educação e o ser
se refere ao sujeito,
expressando suas humano, enquanto se determina a reciprocidade, isto é, o ser humano no
singularidades; modo estado natural só se torna humano pelo processo educativo, bem como o
como a realidade educativo, ontologicamente, existe para atender a tais fins, confirmando,
é apreendida pelo
desta forma, a estrutura educanda humana.
sujeito (Emmanuel
Kant). Com esta dimensão antropológica da educação, tendo o ser
humano no centro do processo, ressalta-se a complexidade da formação
humana, vista na articulação do ético, político, científico, estético,
Saiba mais tecnológico etc. Dessa forma, a especificidade dada ao ser humano
Mediato: o que é pelo processo educativo, torna-o intencionado e comprometido com a
dado à consciência construção de uma realidade fundada no princípio da diversidade, do
por meio de múltiplo e democrático, desde que a educação enquanto formação
intermediário, por
desenvolva uma consciência política, crítica, ética e sensível.
mediação (Hegel,
Marx). O tornar-se humano, acontecimento que envolve a subjetividade
e as interações sociais, consiste propriamente no processo educativo. A
realização do educativo se faz como um fenômeno pensado, intencionado.
Saiba mais Supondo tanto uma concepção de homem quanto uma visão de mundo,
Imediato: modo de sociedade, de vida. Intencionado, desta forma, o educativo se realiza
de obter os dados como um projeto de amplitude imediata, de forma conjuntural, e mediata,
da realidade de assegurando o sentido próprio de ser da existência humana dentro destas
forma direta, sem
concepções. Confirma-se, assim, a presença da condução ideológica e
intermediário; o que
a consciência capta utópica, simultaneamente, nos processos formativos de ser humano.
diretamente (Henri Pensar o educativo como projeto de formação do ser e do vir a
Bergson, Edmund ser humano requer o entendimento de que, enquanto ato intencionado,
Husserl).
a educação se faz em um ambiente de imbricações teóricas, axiológicas
e teleológicas, instituindo-se como uma práxis. Sistematicamente, o ato
educativo se constitui com a interconexão dos conhecimentos particulares
das ciências empíricas e das orientações reflexivas e críticas de natureza
filosóficas, na busca de apreender as finalidades de ser, “o para quê”
educar.
Além destes indicativos das inflexões filosóficas em relação ao
educativo, nos quais a relação filosofia e educação se expressa nas
dimensões antropológica e ontológica, a filosofia se ocupa, também, do
esclarecimento da linguagem utilizada no campo da educação.
A filosofia, com esta tarefa, segue as orientações de que as
palavras constituem conceitos com sentido determinado a partir de um
tipo de racionalidade, podendo-se identificar um estilo de linguagem mais

36 UNIDADE 03
elaborada, sofisticada, típica de um ambiente específico de conhecimento, Saiba mais
como o científico e o filosófico. Da mesma forma, há a linguagem comum,
Teleológico:
em que os termos não expressam com rigor o que significam, sendo este
conhecimento dos
estilo predominante na educação. fins, das finalidades
A atividade filosófica de análise da linguagem, mesmo já presente das coisas, opõe-
entre os sofistas e filósofos como Platão, só adquire expressividade se a busca das
origens; o interesse
como um modo de pensar filosófico com as interpretações de realidade
está no sentido, no
instituídas pelos empiristas, mediante o que tendências filosóficas com propósito das coisas
teorias e procedimentos metodológicos próprias são sistematizadas. (Emmanuel Kant).
Dentro de um processo histórico, define-se o neopositivismo como a
abordagem filosófica que tem na linguagem o objeto de análise. Saiba mais
Práxis: relação
Pedagogia: o projeto educativo
teoria e prática
que caracteriza
Nesta perspectiva de considerar o processo educativo como uma a ação humana
práxis, intencionalmente estruturada, observa-se a necessidade de um transformadora da
natureza e de si
suporte teórico-metodológico e instrumental com vistas à concretização
mesma (Karl Marx).
do ato educativo, enquanto elaboração de um projeto formativo, bem como
realização prática. Desse modo, a educação se transforma em um objeto
de análise que deve ser pensado, avaliado, planejado e organizado, com Saiba mais
a finalidade de proporcionar o devir formativo humano.
Razão: capacidade
A ação de pensar o educativo, segundo procedimentos formais, de descobrir/
sistemáticos, configura-se no saber fazer pedagógico, que envolve um estabelecer relações
conjunto de aportes teórico-metodológicos para fornecer uma base sólida e interrelações entre
aos projetos educativos e conduzi-los enquanto uma práxis. as coisas, a partir
de certos princípios
A pedagogia vista assim implica em uma função sistemática
pré-estabelecidos.
que pensa a práxis educativa, o que se confirma com uma análise Usa da faculdade de
etimológica e histórica do termo grego paidagogía, qual apresenta uma julgar na busca da
ambiguidade semântica. Isto é, inicialmente, significava a condução, verdade.
não necessariamente intelectual, da criança, do jovem, ao ambiente de
aprendizagem, mas, por extensão de sentido, passou a ser interpretado
como o campo de conhecimento que pensa as dimensões teórica e
instrumental da educação.
Assim, a pedagogia se torna um conhecimento que tem como
finalidade não só explicar ou expressar uma compreensão de uma
determinada realidade, mas também de avaliar, planejar e conduzir a
realização dessa realidade, definindo, assim, uma especificidade fundada
em uma razão teórico-prática.

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 37
Saiba mais O pensar a especificidade da pedagogia como um conhecimento
teórico-prático provém da complexidade da ação educativa, objeto de
Interdisciplinar:
estudo da pedagogia, a qual, para se fazer acontecimento, necessita
procedimento
pedagógico de ser sistematizada, pois não se dá naturalmente, como um fenômeno
pesquisa e ensino espontâneo. O educar é um ato intencionado, planejado e tecnicamente
que articula duas conduzido à finalidade preestabelecida a atingir.
ou mais disciplinas
Com a compreensão do educativo como atividade intencional
na interpretação da
realidade. comprometida com referenciais conceituais de ser humano, conforme
o contexto sociopolítico, cultural e histórico, da mesma forma, com
a dimensão produtiva deste contexto, pensá-lo, pedagogicamente,
implica em um saber-fazer complexo. Isto é, um pensar interdisciplinar
que abarque as dimensões científica, filosófica e pragmática do fazer
educativo.
Assim, situar o saber fazer pedagógico na dimensão das
inflexões filosóficas sobre a educação, consiste na busca de definição
das abordagens teóricas, orientadoras dos fins para os quais um projeto
educativo é proposto. Os fins ou telos educativos instituem um conjunto
de valores e conceitos performativos do ser social que se propõe formar,
definido conforme contexto sociocultural, político e histórico em que se
deseja formá-lo.
Historicamente, encontra-se uma diversidade de projetos
educativos, sistematizados e conduzidos por pedagogias divergentes,
tendo em comum uma dimensão antropológica e uma natureza ético-
política.

Pedagogia em foco < http://www.pedagogiaemfoco.pro.br>


DiretórioDiTudo – <http://www.ditudo.etc.br/ciencia/ciencias_
humanas/filosofia.html>
Epistemologia - <http://criticanarede.com/filos_epis.html>
INEP - < http://www.inep.gov.br/pesquisa/cibec/ >
Scielo Brasil - http://www.scielo.br/scielo.php/script_sci_home/
lng_pt/nrm_iso >
Cobras Page - < http://www.cobra.pages.nom.br/ >
Wikipédia - < http://pt.wikipedia.org/wiki/Filosofia >
Wikipédia/ Portal Educação - < http://pt.wikipedia.org/wiki/

38 UNIDADE 03
Portal:Educa%C3 %A7%C3%A3o >
Portal da Filosofia < http://www.centro-filos.org.br/ >
Domínio Público - < http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/
PesquisaObra Form.jsp;jsessionid=D525DFD144ED4FA9FACD3
256505E0945 >

Considerando, o atual momento histórico das organizações sociais,


em que a racionalidade instrumental, tecnocrática e com uma forte
tendência para uma espiritualidade utilitária, pragmática, o projeto
educativo ainda pode ser concebido como proposta de um devir
formativo do ser social?

1. Discuta a concepção de educação trabalhada no texto.


2. Explique as dimensões antropológica, política, axiológica e
epistemológica da educação.
3. Comente a ocupação da educação com a hominização e humanização
do ser humano.
4. Discuta o conceito de educabilidade como finalidade da educação.
5. Explique as inflexões filosóficas em relação à educação.

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 39
40 UNIDADE 04
UNIDADE 4

As Orientações Filosóficas
e as Teorias Educacionais

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 41
42 UNIDADE 04
AS ORIENTAÇÕES FILOSÓFICAS
E AS TEORIAS EDUCACIONAIS

A Teorização no Campo Educacional: conceito e função Saiba mais


da Pedagogia
Devir: no sentido
etimológico do latim
Na perspectiva de considerar o processo educativo como uma significa chegar;
práxis intencionalmente estruturada, observa-se a necessidade de um aplicado por Heráclito
suporte teórico-metodológico e instrumental com vistas à concretização com o sentido
do ato educativo enquanto elaboração de um projeto de formação, bem de movimento,
expressando algo
como a realização prática deste projeto. Desta forma, a educação se
que existe em
transforma em um objeto de análise que deve ser pensado, avaliado,
processo.
planejado e organizado com a finalidade de proporcionar o devir formativo
humano.
A ação de pensar o educativo, segundo procedimentos formais, Saiba mais
sistemáticos, configura-se no saber-fazer pedagógico, que envolve um Paradigma: no
conjunto de aportes teórico-metodológicos e instrumentais para fornecer sentido próprio
uma base sólida aos projetos educativos e conduzi-los enquanto uma significa modelo;
práxis. na concepção de
Esses projetos educativos, historicamente elaborados, Thomas Kuhn é
expressam um referencial conceitual de ser humano e de modelos de um conjunto de
conceitos, princípios,
sociedade, situando-se, desta forma, no interior de um paradigma sócio,
leis, teorias,
antropológico, político e cultural. metodologias, típico
Diante desta concepção e considerando a diversidade de contextos de uma abordagem
socioculturais, da mesma forma, a duração histórica da humanidade científica da
se abre em um leque de perspectivas teóricas de natureza científica e realidade.
filosófica, propondo modelos de formação.

As Ontologias do Ser Humano e as Abordagens


Filosóficas da Educação

Com a concepção de que os fins da educabilidade seja promover

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 43
Saiba mais a formação humana na perspectiva de atingir a totalidade do ser
social, constituído na contextualidade histórico-cultural, encontram-se
Ser Social:
orientações diferenciadas do dever-ser ou de como deve ser o devir
condição humana
após se sujeitar formativo do ser humano, sendo este definido conforme um conjunto
às orientações de conceitos e valores selecionados por princípios político-ideológicos
socioculturais, hegemônicos, ou que visam confrontar as concepções e crenças que dão
políticas e históricas
sustentação ao momento histórico.
da sociedade.
Um modo de apresentar essas perspectivas teóricas se encontra
na produção do filósofo Bogdan Suchodolski (1986), que, partindo de
uma lógica dicotômica e disjuntiva, concentra essas perspectivas a
Saiba mais partir de duas concepções da construção do pensamento humano: o
Espiritualidade: essencialismo e o existencialismo.
dimensão pensante A primeira concepção afirma que os conceitos são produções
do ser humano,
idealizadas, sem relação necessária com a ambiência humana, com o
distinta da matéria,
condição corpórea; contexto sociopolítico e cultural, instalando um distanciamento entre o ser
também usada em si e o ser empiricamente exposto, tomando-os como duas realidades
como sinônimo de distintas. Nessa concepção, encontram-se pensadores, tais como Platão,
inteligência. que pregam a razão como o centro irradiador das ideias, bem como os
que seguem a concepção de matéria propalada por Aristóteles.
Para esses filósofos, a espiritualidade humana se constitui de uma
Saiba mais
substancialidade imaterial, que, mesmo sendo uma realidade idealizada,
Retidão: ocupa uma posição determinante no ato de decisão da ação humana no
característica da
mundo concreto, definindo o que deve ser válido e aceito como legítimo
razão reta, justa, que
age com prudência, para o bem viver. Desta forma, somente a razão reteria condições para
que contem virtude dar respostas e decidir sobre a existencialidade humana no mundo.
moral e/ou virtude Na concepção existencialista, a dimensão empírica humana, sua
intelectual.
atuação no mundo, com todas as implicações que os desejos, os prazeres,
os sentidos em geral possam vir a ter nas decisões e escolhas do bem
e da retidão, torna-se a referência para a construção dos conceitos.
O ser humano elabora as concepções de bem, de mundo, de vida, a
partir de sua prática concreta, considerando os aspectos indefinidos
da irracionalidade humana, dos quais a razão não consegue extrair ou
imprimir sentido de ser justificável.
Como primeiras manifestações de conformidade do pragmático
como dimensão significativa do ser humano, pode-se colocar o modo
de pensar e agir dos sofistas, que afirmavam a condição social e
circunstancial da realidade humana.
Com a densidade do conhecimento sobre os seres vivos em geral e,
em especial, sobre o ser humano, o entendimento de que a espiritualidade

44 UNIDADE 04
resulta da atividade da razão vai sendo contestada, primeiro, pela crítica Saiba mais
à atuação humana na sociedade, expondo as contradições dos hábitos e
Lógica: atividade
preceitos morais vigentes, o que caracteriza as produções renascentistas.
que organiza,
Em seguida, na própria dimensão da produção do conhecimento, com a estruturalmente, as
busca de explicações mais precisas dos fenômenos naturais, quando idéias, constituindo
é sistematizado um procedimento metodológico que apresenta um alto argumentos em
que as ideias
grau de precisão ao explicar os fenômenos empíricos.
podem aparecer
Essa explicação resulta no surgimento do método científico, relacionadas,
consequentemente, de um tipo de conhecimento fundado no mundo mesmo quando de
empírico, que vai constituir a ciência, conceito dado a um modo de natureza diferentes,
explicação quantitativa, metódica e experimental da realidade natural e demonstrando
relações conjuntivas,
humana que se instalou e se consolidou durante o momento histórico da ou aparecer sem
modernidade. relação, de forma
Em confronto com estas concepções opostas e contraditórias disjuntiva, separadas.
sobre a natureza do ser humano, há o essencialismo e o existencialismo,
com ênfase na razão, na empiria e na prática, segundo uma lógica
disjuntiva. Daí surgem explicações desta natureza, que a consideram uma
Saiba mais
realidade constituída pela articulação dessas dimensões, confirmando Lógica dialética:
uma ontologia do ser humano fundada em uma lógica conjuntiva, que atividade de
estruturação
busca articular o pensamento com a ação na explicação da realidade
das ideias em
humana. argumentos a partir
Observa-se que explicar a realidade humana com esta articulação do princípio de
entre pensamento e ação caracteriza-se na concepção de práxis elaborada contradição, motor da
história humana.
a partir dos princípios da lógica dialética e dos princípios do materialismo
histórico, que fundamentam a produção teórica dos marxistas e dos
teóricos da teoria crítica.
A materialidade refere-se à concepção de que a constituição
do ser humano é uma realidade sócio-histórica, política e cultural,
distanciando-se das perspectivas puramente idealistas que defendem
uma essencialidade produzida pela razão, desvinculada da ação humana
no mundo. Da mesma forma, posiciona-se contrária às perspectivas
que concebem o ser humano somente como ser empírico, sendo
suficiente a atuação no mundo de forma a garantir a constituição de uma
espiritualidade, que tem nos sentidos a mediação com o mundo.
Com esses entendimentos históricos da realidade humana,
fundados em concepções ontológicas divergentes, situam-se as teorias
educacionais que têm como fins a formação deste ser, atendendo às
concepções antropológicas, sociopolíticas e culturais que caracterizam
o momento histórico, bem como, os determinantes socioeconômicos que

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 45
Saiba mais interferem na concretização dos projetos educativos.
Para que as teorias educacionais tenham o alcance teleológico
Modelos
desejado, ou seja, formar o ser humano dentro de uma contextualidade
antropológicos: tipos
de ser humano que sócio-histórica, os teóricos da educação apresentam taxionomias
se deseja formar com diversas das teorias pedagógicas, segundo os modelos antropológicos
o processo educativo. que pretendem confirmar.
Diante desta proposição, considerando a diversidade ontológica
supra, um modo de classificar essas teorias, consiste no uso das
Saiba mais concepções cosmológicas e antropológicas em que se fundam como
Concepção princípios de articulação ou disjunção entre elas.
cosmológica:
usada no sentido Abordagens essencialistas da educação
interpretativo
da estruturação
e organização Com uma visão de mundo e de ser humano constituído por uma
das dimensões essencialidade imutável, atemporal, logo, com a pretensão de intocáveis
sociocultural, política pelas oscilações históricas da existencialidade humana no interior de um
e histórica da
contexto sociocultural, encontram-se os modelos formativos centrados
realidade humana.
em base racionalista, vendo na intelectualidade, no aperfeiçoamento
espiritual enquanto emancipação os fins a realizar.
Situa-se, nesta perspectiva, o projeto educativo da Grécia Clássica,
a Paidéia, que objetivava formar o ser humano como um todo, segundo
o ideal platônico de formação, que influenciou os projetos educativos
renascentistas e da modernidade, principalmente com a concepção de
emancipação humana.
Além do idealismo platônico, há o realismo aristotélico que propõe
a formação pelo aperfeiçoamento das potencialidades do ser humano.
Tendo como telos atingir as formas que organizam a matéria, configurando-
lhe uma performance, bem como o controle sobre os instintos naturais,
as manifestações passionais, considerando a razão como a faculdade
mais elevada.
Outros modelos antropológicos fundados no essencialismo,
voltados para a formação de um ser idealizado, encontram-se nas
concepções de René Descartes (1596-1650), Leibniz (1646-1716), E.
Kant (1724-1804), Fichet (1762-1814), Hegel (1770-1831) e W. Dilthey
(1833-1911), que, mesmo diferentes no modo de caracterizar a essência
humana, têm em comum, entre outros aspectos, uma visão transcendente
da espiritualidade humana.
A fenomenologia idealiza uma proposta formativa, tendo como
finalidade o desenvolvimento da consciência humana, com o entendimento

46 UNIDADE 04
de que mantém uma relação direta com o mundo, elaborando, nesta Saiba mais
relação, as representações e interpretações que passam a ser a
Na abordagem
realidade para a consciência que o idealizou. O filósofo Edmund Husserl
fenomenológica, para
(1859-1938) procurou articular o idealismo cartesiano que se reduz à o aperfeiçoamento
individualidade do eu com o criticismo kantiano, no que se refere às da consciência
possibilidades do conhecimento fenomênico. humana, que elabora
a racionalidade
Com base nesta abordagem teórico-metodológica, pensadores
do mundo vivido,
como M. Heidegger (1889-1976), M. Merleau-Ponty (1908-1961), H-G projetando
Gadamer (1900) e P. Ricoeur (1913) desenvolveram novas perspectivas possibilidades de
de formação, em que enfatizam não mais a consciência em si, transformação,
considerando-a capaz de apreender diretamente a realidade, mas com mudança no modo
de interpretação e
o aperfeiçoamento de mediações, tais como a percepção e a linguagem. representação do
Ainda fundados nas ontologias de mundo e de ser humano mundo, acarretando,
essencialistas, enfatizando, entretanto, as manifestações psíquicas assim, outras
como os instintos e as pulsões, não a razão, surgem dois novos modelos condições para a
existencialidade do
antropológicos em suas concepções de formação humana. Um sob
ser humano.
orientações das ideias da psicanálise freudiana, elaborando teorias
educacionais fundadas nos princípios políticos da autogestão, da liberdade
e antiautoritária. Entre os teóricos que tomam as dimensões desejantes
e utópicas, tanto no aspecto individual quanto no aspecto social, como
referências para a análise da realidade para projetar um estilo formativo,
encontram-se T. Adorno (1903-1969), F. Guattari (1930-1992), J. Deleuze
(1925-1995), H. Marcuse (1898-1978), com concepções antropológicas e
de fins educacionais diferenciadas.
Com certa particularidade, nesse contexto que prioriza o
essencialismo e as dimensões mais voluntárias do ser humano, podem
ser inseridas as abordagens educacionais da Escola de Frankfurt, através
do pensamento de T. Adorno, M. Horkheimer (1895-1973), H. Marcuse
(1898-1979) e W. Benjamin (1892-1940), entre outros, que desenvolvem
uma análise da condição humana a partir dos princípios psicanalíticos
freudianos, do pensamento marxista e influências hegelianas.
Situados neste modelo antropológico, mas defendendo uma
consciência sócio-histórica e política, estes teóricos trabalham os
princípios de liberdade, emancipação e superação das estruturas
capitalistas, procurando desvelar as estruturas dissimuladoras da
ingerência política nas dimensões socioculturais em que se fundam os
projetos educativos.
Encontram-se ainda as teorias de cunho político anarquista, que
propagam um modelo antropológico centrado no ser em si, a formação

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 47
Saiba mais do indivíduo deve ser o fim da educação. A educação deve formar no
indivíduo uma consciência autogestora da existencialidade no mundo,
Ser em si: termo
na sociedade, visto que pregam o fim do Estado e demais instituições
usado para designar
a existência particular sociais, por considerá-las instâncias repressoras.
dos seres, presente Como representantes dessa abordagem situam-se Max Stirner
em Hegel, Sartre. (1806-1856), com um anarquismo individualista; P. J. Proudhon (1809-
1865), Saint-Simon (1760-1825), Fourier (1772-1837), defendendo a
implantação do sistema socialista e o fortalecimento da concepção
científica de mundo; F. Ferrer i Guardia (1859-1909), A. S. Neill (1883-
1973) propõem uma educação antiautoritária.
Empolgado com o avanço científico-tecnológico da primeira metade
do século XX, bem como enraizado na concepção freudomarxista, P.
Goodman propaga a ideia de desescolarização da educação, assumida
por Ivan Illich (1926-2002), que visa uma formação libertadora do ser
humano.

Abordagens positivistas, existencialistas e histórico-críticas da


educação

Jean Jacques Rousseau


A apresentação dessas abordagens teóricas, constituindo um
Fonte: Google Imagens
único bloco, justifica-se pela abrangência conceitual de homem a ser
formado pelo projeto educativo, bem como pela cosmovisão que lhe
serve de contexto, que se caracteriza por um conjunto de traços que se
fazem presentes com maior ou menor intensidade nessas abordagens.
A concepção de mundo e de ser humano em questão situa ambos
em uma realidade natural, mas retrabalhada pela produção cultural
humana. De forma que o mundo passa a ser visto como passível de ser
conhecido e transformado pelo conhecimento científico-tecnológico, bem
como o homem, que tem sua condição de ser reduzida a uma realidade
orgânica, empírica, podendo ser explicada como as demais realidades
naturais, fenomênicas.
O ser humano além de se constituir em um fenômeno natural é
um fenômeno sociocultural, necessitando, porém, de instrução para
assumir uma dupla natureza. Dito de outra forma, para passar da primeira
natureza (biológica) para a segunda natureza (sociocultural).
Diante dessa ambiguidade existencial humana, os teóricos
elaboram propostas explicativas que buscam contemplar os limites e
possibilidades da formação humana. Entre essas explicações, algumas
teorias tendem para uma visão empirista da realidade, considerando o ser

48 UNIDADE 04
humano vazio de espiritualidade, mas retendo condições para assimilar
o conhecimento que lhe for dado pela realidade objetiva em que está
inserido.
Essa concepção expressa os princípios do empirismo clássico
presente no pensamento de J. Locke (1632-1704), D. Hume (1711-1776)
e dos iluministas, entre eles, Condillac (1715-1780) e Rousseau (1712-
1778). Orientados pelos princípios empiristas de que as certezas são
experimentais, negando as orientações cartesianas dominantes até o
século XVII, adotam a natureza como um princípio regulador universal,
centrando nos sentidos, nas sensações, a fonte do conhecimento humano.
As diversas teorias pedagógicas que influenciam afirmam a
importância da interferência externa para o desenvolvimento psíquico,
como M. Montessori (1870-1952); das atividades sensório motor, com
as atividades lúdicas de Fröebel (1782-1852); a formação social, ética e
intelectual, com J. F. Herbart (1776-1841); e, propriamente pedagógicos,
com J. A. Coménius (1592-1670).
Em pensadores como Rousseau, a concepção naturalista de
ser humano afirma-se como instinto, sentimento, espontaneidade. A
partir desses referenciais, elabora um conceito de sociedade danificada
pelas transformações científico-tecnológicas, e uma noção de natureza
humana que deve ser resguardada dos malefícios que o convívio
social pode provocar, diante do que propõe uma educação que deve
estimular a curiosidade espontânea da criança para pensar e produzir o
conhecimento.
A concepção naturalista, centrada nos sentidos, já se faz presente
no pensamento filosófico renascentista, em Montaigne (1533-1592),
Erasmo (1467-1536), Copérnico (1473-1543), entre outros.
No campo da pedagogia, as concepções rousseaunianas se fazem
presentes na proposta pedagógica de Pestalozzi (1746-1827). Esse
teórico desenvolveu sua pedagogia sob a orientação de que o indivíduo é
uma unidade entre espírito-coração-mão, que implica na tríplice atividade
do conhecer-querer-agir, correspondendo à educação da inteligência, da
moral e da técnica (ARANHA, 2006).
Assim, com o avanço e consolidação da visão naturalista de
mundo, natural e humana, intensificam-se os estudos experimentais da
natureza, no campo da física e da química, o que dá um grande impulso
ao conhecimento científico e à produção tecnológica, proporcionando
transformações radicais nos meios de produção, consolidando, da
mesma forma, o modelo de sociedade industrial.

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 49
Nesse contexto de desenvolvimento científico-tecnológico surgem
pensadores como A. Comte (1798-1857), que toma como objeto de
estudo a realidade humana, considerando-a como um fenômeno natural
observável, pois tem nos sentidos a única fonte de atingir o conhecimento.
Essa posição teórica faz da realidade humana um acontecimento
positivo, que se institui seguindo leis e etapas necessárias para o seu
surgimento como fenômeno. O pensamento de Comte vai influenciar o
evolucionismo de H. Spencer (1820-1903), o cientificismo de J. Stuart-
Mill (1806-1873), a sociologia de E. Durkheim (1858-1917), explicitada
em seus estudos sobre a educação.
As ideias positivas de Comte também se fazem presentes nas
propostas educacionais de July Ferry, fim do século XIX, nas quais
procura obter um princípio uniformizador das opiniões das pessoas.
As concepções naturalistas da realidade humana, base das ideias
empiristas e positivistas, conduzem a uma interpretação de liberdade que
se transforma em princípios da organização socioeconômica e política
das sociedades, tendo em J.J. Rousseau (1712-1778), T. Hobbes (1588-
1679), J. Locke (1632-1704), David Ricardo e Adam Smith (1723-1790),
os pensadores clássicos.
No campo da educação, as ideias de liberdade, autonomia,
iniciativa, criatividade e indivíduo promovem mudanças nos princípios
educativos, decretando a substituição do modelo de escola tradicional
para o modelo de escola nova.
Essas novas abordagens mantêm os critérios dos fenômenos
da natureza como intérpretes da realidade humana, mas negando a
concepção tradicional de educação diante das explicações científicas
do conhecimento, do ser humano e das exigências e disposições das
crianças para aprender. O novo modelo de educação passa a se orientar
pelo princípio pragmático do interesse do educando, com a justificativa de
que partindo do interesse do educando o processo educativo se realiza
de forma mais satisfatória.
O princípio de interesse exaltado por Rousseau, Claparède, M.
Montessori (1870-1952), O. Decroly (1871-1932), J. Dewey (1859-1952)
e G. Kerschensteiner (1854-1932), Binet, entre outros pensadores e
práticos da educação, expressa uma orientação pragmatista que afirma
que só conhecemos os efeitos e consequências dos conceitos que
damos aos objetos, não os objetivos propriamente. Com essa perspectiva
defendem a ideia de verdade como as consequências satisfatórias
que obtemos atuando no mundo. Um dos principais representantes da

50 UNIDADE 04
escola nova, J Dewey, apresenta uma dimensão pragmática em seu Saiba mais
pensamento, primeiro, por considerar a razão como um instrumento,
Positividade:
um recurso humano para elaborar a ação, segundo, ao considerar a
condição da
experiência como o próprio conhecimento, a realidade se constitui no existência concreta
que a experiência nos proporciona como percebido. de algo; o fato real,
Dessa forma, as abordagens filosóficas que abandonam as instituído.
concepções antropológicas, idealistas, essencialistas, afirmando a
positividade do ser humano, introduzem novos princípios e critérios
para a apreensão da realidade, o que resulta na construção de outro
paradigma educacional, denominado de Escola Nova.
A concepção naturalista do ser humano, enquanto uma
expressividade positiva, torna-se, também, referência para pensadores
que, mesmo não se fundamentando nas explicações científicas segundo
o modelo dos fenômenos naturais, preocupam-se com a construção do
sentido de ser humano e da validade de sua existência no mundo.
Com Arthur Schopenhauer (1788-1860) e Sören Kierkegaard
(1813-1855), o termo existência ganha uma nova semântica, passando a
se referir à atuação humana de forma objetiva e distinta do modo de ser
dos demais seres no mundo.
Outro teórico que contribui para a sistematização dos
questionamentos existenciais é Friedrich Nietzsche (1844-1900), pondo
em questão o sistema de valores que vinha se consolidando como
representação do ser humano perfeito, idealizado desde a Grécia
Clássica até o Cristianismo vigente em sua época.
Essa postura questionadora da existência humana evidencia
situações vivenciadas subjetivamente, mas. Negada por uns, como
insignificante para uma explicação positiva da realidade, e por outros,
vista como interferência que danifica a realidade, resulta do confronto
entre a razão universal da modernidade, o irracionalismo e a razão
singular, que insurge no interior da modernidade como uma posição
dissidente.
Encontram-se entre essas situações a própria noção de
singularidade do indivíduo, e o entendimento de existência, liberdade,
vontade, experiência, como originárias de dimensões que a racionalidade
não atinge com suas explicações óbvias, a presença de crenças nas
decisões e a perspectiva de que a vida é o imediato, não transcendência.
O ser humano se constitui em um projeto, em possibilidade de vir a ser,
sendo o expressar da vontade de sua própria liberdade de escolhas e
decisões.

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 51
Saiba mais Entre os filósofos que apresentam um pensamento existencialista
encontram-se os que adotam a sistematização fenomenológica, como
Reificação: termo
M. Heidegger (1889-1976), J.P. Sartre (1905-1980), M. Merleau-Ponty
derivado do latim
"res", que significa (1908-1961). Dentre outros pensadores que questionam as situações
coisa, usado como vivenciadas pelo ser humano sem um procedimento metodológico
transformação das preciso, pode-se citar K. Jarpers, A. Camus, Dostoievsky, G. Marcel.
ações humanas em
Outra postura filosófica que insurge do confronto com as
coisas com vida
própria, que passam concepções de mundo, de ser humano e de sociedade dominante na
a determinar a vida modernidade, põe em questão o conceito de realidade objetiva, em
humana. que os seres humanos constroem suas histórias de vida. Com estes
pressupostos e a aplicação dos princípios da lógica dialética e das
Saiba mais concepções materialistas e históricas da existência e produção humana,
os filósofos políticos Karl Marx (1818-1883) e F. Engels (1820-1895)
Fetichismo: no
elaboraram um projeto sociopolítico e cultural revolucionário do contexto
vocabulário marxista
significa a perda das socioeconômico dominante.
origens da produção Tal proposta origina-se das conclusões a que chegaram ao
material e imaterial, analisar a sociedade capitalista, afirmando que as relações travadas em
ganhando um tom
seu interior se caracterizam como de dominação, reificadoras, levando
de natural, anulando
suas origens sociais. à construção de uma falsa consciência da realidade social. Instala-se,
assim, uma prática fetichizada que oculta a verdadeira finalidade das
instituições sociais e das relações no seu interior.
Com essa visão de falsa consciência, Marx imprime um sentido
diferenciado do tradicional ao conceito de ideologia, passando a significar
um recurso mediador da dominação, ao propagar, na forma de discurso
e práticas diversas, os conceitos e valores das classes dominantes como
verdades universais. A base teórica do pensamento de Marx contempla os
princípios do materialismo histórico dialético, que considera a consciência
como uma produção resultante da prática humana no mundo.
As orientações teóricas do materialismo histórico dialético usadas
por Marx expressam-se como um princípio de interpretação científica,
ao conceber a realidade humana como fatos resultantes das práticas
produtivas. Elabora, assim, uma concepção materialista da sociedade,
que, por sua vez, tem sua constituição feita pela articulação entre a
base material produtiva e a base não material, na qual se concentram as
instâncias ideológicas e reguladoras da sociedade.
Essa composição da sociedade expressa a relação entre a
infraestrutura produtiva e a superestrutura, constituída pelas instâncias
políticas, repressoras e ideológicas, que, no movimento histórico, têm
suas origens determinadas pela base produtiva. Nesta perspectiva, o ser

52 UNIDADE 04
humano constitui-se com uma configuração dual, enquanto ser natural é Saiba mais
dado; já enquanto ser social é um devir histórico, que se produz a partir
Alienação: situação
dos determinantes sociopolítico, econômico e cultural.
em que o produtor
Enquanto um ser social, que necessita adquirir as condições perde o direito
mínimas de sobrevivência material, cria as práticas de transformação sobre o que produz,
da realidade natural, o trabalho, com o qual produz a cultura, constituída tornando-se alheio à
própria produção.
de recursos materiais e não materiais. Historicamente, tais práticas se
tornam os meios de produção da sobrevivência material humana, vindo a
ser privatizados por grupos que retêm condições concretas para privatizá-
los.
Com a privatização dos meios de produção e a desvalorização
da força de trabalho, as práticas sociais passam a ser reguladas
pelos setores produtivos, desde o ato de produção à socialização da
mercadoria. Esse processo caracteriza a alienação real do ser humano,
ao ter a produção de seu trabalho transformada em uma coisa a ser
trocada como mercadoria, negando, assim, os fins históricos que deveria
ter.
O marxismo como uma proposta teórico-metodológica de
análise do sistema capitalista, nas versões política e produtiva, mesmo Anton Makarenko
apresentando limites conceituais, atraiu pensadores rigorosos na análise Fonte: Google Imagens
da realidade humana, como G. Lukács (1885-1971), A. Gramsci (1891-
1937), L. Althusser (1918-1990), a Escola de Frankfurt (1923), entre
outros.
Esses adeptos elaboraram concepções educacionais a partir
de princípios, conceitos e finalidades das práticas sociopolíticas e
culturais, que colocam a cultura capitalista sob críticas desestruturantes
e revolucionárias, culminando na proposta de outra sociedade, fundada
nas concepções socialistas e comunistas pregadas por Marx.
Como demonstração da pedagogia marxista, ou inspirado no
pensamento marxista, A. S. Makarenko (1888-1939) organizou e conduziu
o processo educativo de crianças abandonadas na Rússia, aplicando o
princípio pedagógico de autogestão.
Historiadores da educação como Aníbal Ponche e M. A. Manacorda
(1914) elaboraram uma revisão histórica, usando os conceitos e
princípios de análise da realidade próprios do pensamento marxista.
Georges Snyders (1917), diante da repercussão da escola nova, resgata
a tendência da educação diretiva, centrada nos conteúdos, com o objetivo
de resguardar a criança da alienação e manipulação ideológica.

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 53
Abordagens sistêmicas da realidade educacional

Com uma concepção antropológica originária da atuação concreta


do homem no mundo, com certa variação quanto aos conceitos de
história, crítica, ser humano e sociedade, apresenta-se um conjunto de
teorias que dão à educação finalidades mais formais, como trabalhar as
estruturas lógicas, linguísticas e cognitivas.
Essas estruturas são vistas como paradigmas socioculturais,
elementos mediadores das interações inter e intragrupos, com o objetivo
primeiro de evidenciá-los como os elementos que constituem a base
estruturante da existência humana. Um traço típico dessas abordagens
está na intenção de anular ou neutralizar as interferências subjetivas,
não se envolvendo com a dimensão individual do ser humano.
Os teóricos dessa abordagem têm em comum uma forte admiração
pela cientificidade, não de natureza empirista, que capta a realidade por
sensações específicas, reorganizando-a por combinações das partes,
segundo as explicações do ato de conhecer, contidas no pensamento de
J. Locke e os positivistas lógicos.
Os teóricos denominados de estruturalistas veem a realidade
como um sistema composto por estruturas que correspondem a um
conjunto de elementos interligados de forma indissociável, tendo em
vista a conservação de sentido de ser da realidade em questão – natural
e humana. A postura dos teóricos dessa abordagem diverge quanto ao
campo de conhecimento ao qual se dedicam, bem como em relação às
orientações teóricas em que fundam as abordagens. Com base comum
na linguística, C. Lévi-Strauss (1908) atua na antropologia e sociologia; J.
Lacan (1901-1981) trabalha com a psicanálise; M. Foucault (1926-1984)
dedica-se à epistemologia das ciências humanas e à análise do poder em
diversos discursos; R. Barthes (1915-1980) desenvolve a crítica literária.
Diante desta postura teórica, o modelo antropológico instituído
retira do indivíduo o privilégio de ser a referência no ato de conhecimento.
A filosofia da consciência é substituída pela filosofia do conceito, o que
leva à superação do sujeito cartesiano/kantiano do conhecimento e das
crenças no princípio de continuidade histórica e da universalidade da
razão. A história busca a origem e a processualidade dos fatos, o sistema
visa o sentido expresso na organização dos fatos em questão.
Essa interpretação de realidade como sistema apresenta uma
organização que gera modelos de seu modo de ser, tanto nos aspectos
constitutivos quanto em sua funcionalidade.

54 UNIDADE 04
A possibilidade de expressar a realidade em modelos facilita o
entendimento que se procura ter quanto ao que a mesma significa de
fato. Para tanto, deve atender a critérios como: ter uma organização
sistêmica, em que seus elementos são interdependentes; apresentar
uma estrutura ajustável e de reações previsíveis quando alterado em
partes; os elementos que o constituem devem manter uma inter-relação
de sentido e de funções.
Sob essas abordagens teóricas, encontram-se teorias pedagógicas
diversas, como as que se voltam para os recursos tecnológicos,
propagadas por B. F. Skinner (1904-1990) e M. McLuhan (1911-1980),
que desenvolvem uma postura conservadora, reprodutivista da sociedade
científico-tecnológica.

Abordagens filosóficas emergentes

As abordagens filosóficas supracitadas ainda apresentam validade


histórica e de apreciação da realidade, quando procuradas dentro de
seus limites conceituais e metodológicos. Entretanto, a densidade com
que os conhecimentos filosóficos e científicos se expressam atualmente,
e a diversidade de articulações entre eles, que a complexidade
interpretativa da realidade exige no processo de busca de entendimento
e inventabilidade, pedem ao sujeito cognoscente a elaboração de novos
paradigmas de conhecimento.
Tal solicitação paradigmática resulta da insatisfação que as
tradicionais teorias, historicamente consolidadas, provocam, quando
aplicadas como mediações na busca de compreender as atuais
configurações com que a realidade, natural e humana, se expressa.
Dentro de um contexto nomeado pós-moderno, o que implica em
uma posição posterior à modernidade, não só no aspecto temporal, mas
em referência à realidade que deve apresentar, a realidade se expõe
como um contexto sociocultural, político e econômico com um grau de
complexidade inédito na história da humanidade. Essa complexidade
se constitui pelas contribuições das descobertas científicas e invenções
tecnológicas, ao que se acrescenta a criatividade interpretativa do sentido
de ser da vida, dos entes animados e inanimados, enfim, da realidade
que se cria, historicamente.
Assim, no plano da teorização emergem novos referenciais de
análise e interpretação que não se sustentam no estilo conceitual e
metodológico até então consolidado. Pensadores de origens diversas

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 55
Saiba mais vêm elaborando novas abordagens teóricas, cuja amplitude de ruptura
com os estilos existentes os define como um novo paradigma com
Transdisciplinar:
implicações nas diversas áreas do conhecimento: Ilya Prigogine, físico-
conhecimento que
apresenta uma químico; M. Serre (1930), epistemólogo; F. Capra, físico.
interpretação da A produção de Edgar Morin (1921), objetivando atingir a
realidade resultante complexidade com que se apresenta a realidade humana e natural,
da articulação de
nega os princípios newtonianos e cartesianos e elege os princípios inter
outras interpretações
de naturezas e transdisciplinares gerados nas interações de áreas de conhecimento
diversas. diversas, implicando, desta forma, em uma concepção de organização
sistêmica, em que os saberes fragmentados e desarticulados, vistos como
completos em si, não mais contemplam a realidade a ser conhecida.
Entre outros teóricos que também buscam expressar uma
interpretação da realidade natural e humana, dentro de abordagens
negadoras dos paradigmas filosóficos tradicionais, encontram-se Jacques
Derrida (1930), Jean-François Lyotard (1924) e Jean Baudrillard (1928).
Esses teóricos evidenciam as relações simplificadas entre
o significado e o significante, enquanto estruturas que requerem
mediações para adquirir consistência real, de fato. Diante do que
ressaltam as interferências implicativas da racionalidade limitante da
expressividade humana, dos desejos, das manifestações inconscientes,
das dissimulações políticas e econômicas, como fatores ou elementos
que prejudicam ou conduzem a ação humana para situações limites e, às
vezes, sem continuidade de sentido.
A presença dessas abordagens emergentes no campo da educação
vem definindo um repensar das matrizes conceituais e metodológicas,
aplicadas tanto na dimensão do ensino quanto na dimensão da produção
do conhecimento da realidade educacional.
Teóricos que procuram abordar a educabilidade segundo novas
perspectivas se fazem presentes nos campos do currículo, da didática,
da avaliação, da metodologia de pesquisa educacional. Tais propostas,
consequentemente, refletem no campo da formação docente.
Outro campo educacional em que também se percebe a presença
dessas abordagens se constitui na política educacional, recorrendo e
validando propostas educativas em modalidades não convencionais e
tradicionalistas, com os recursos das novas tecnologias de informação
e comunicação, o que se ilustra com a atual estrutura dos cursos de
educação a distância.

56 UNIDADE 04
Historicamente, a Filosofia da Educação tem procurado, em
sua função de instituir sentido (crítico, reflexivo, sistemático) às
realidades apreciadas, elaborar uma diversidade de abordagens
teóricas, tanto sobre o ser humano quanto o para quê da educação.
Assim, como explicar sua contribuição na formação do ser social?

Elabore um quadro demonstrativo, relacionando as abordagens


filosóficas da educação e os tipos de educação que orientam, expondo
as características, filósofos, os educadores e as épocas que viveram.

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 57
58 Unidade 05
UNIDADE 5

A Filosofia da
Educação no Brasil

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 59
60 Unidade 05
A FILOSOFIA DA
EDUCAÇÃO NO BRASIL

A Tradição Filosófica da Educação Brasileira Saiba mais


Renascimento
A tradição filosófica brasileira acompanha os modos de pensar
Português: http://
instituídos na cultura europeia, devido às condições com que foi marcado www.wikipedia.org./
o processo civilizatório resultante da atuação estrangeira em seu território. wiki/filosofia
Como um fato histórico, a realidade cultural brasileira, ou que se tornou
brasileira, origina-se da transposição do modelo socioeconômico, político
e cultural vivenciado no renascimento português. Saiba mais
De forma que, no âmbito da produção intelectual, a produção
Ratio Studiorum:
brasileira tem suas raízes no estilo tomista de racionalizar os conceitos http://www.
de realidade, postura filosófica sistematizada por Santo Tomás de Aquino centrorefeducacional.
(1225-1274), a partir de uma releitura das obras de Aristóteles, em com.br
que procura conciliar a visão de mundo grego-pagã com os princípios,
concepções e valores propagados pelo cristianismo romano medieval.
Com efeito, a realidade educacional brasileira, historicamente,
inicia-se com a instalação da ordem religiosa da Companhia de Jesus
pelos jesuítas. Essa educação trazida pelos colonizadores portugueses
teve a finalidade de transmitir a cultura europeia, nos aspectos religiosos
e humanistas, no novo espaço territorial que tomavam posse, o que ainda
se passou no século XVI, no ano de 1549.
No aspecto organizacional da educação, a Ordem possuía um
conjunto de diretrizes político-pedagógicas denominadas de Ratio atque
Institutio Studiorum, que significa “Organização e Planos de Estudos”,
elaborados pelos próprios jesuítas. A natureza da educação proposta era
as humanidades que, então, constituía a base de formação do modelo
antropológico europeu.
A formação humanista clássica corresponde à assimilação do
estilo de pensar e dos valores dominantes na cultura clássica greco-

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 61
romana. Esta base cultural, entretanto, era trabalhada somente após
uma revisão literária, em que se excluíam as ideias pagãs, fazendo uma
releitura, uma ressignificação segundo os preceitos cristãos.
A educação desta época visava formar o ser humano transcendente
em relação à realidade concretamente vivida. Fundada nas concepções
essencialistas, tanto na perspectiva aristotélica como kantiana, a
educação proporcionava o caráter propriamente humano ao educando.
Na continuidade da formação intelectual brasileira, vão confrontar-
se, de forma mais radical, a racionalidade humanista propalada pelos
representantes do catolicismo, principalmente, como fundamentação da
educação formal, escolar, e a racionalidade positivista, introduzida no
Brasil somente no final do século XVIII, após as reformas pombalinas em
Portugal. Intensifica-se, assim, a penetração dos ideários cientificistas
segundo as concepções iluministas, com a instalação da Corte Portuguesa
no Brasil, no ano de 1808.
O ideário iluminista, visualizando a modernização da sociedade
sob a reorganização político-econômica inspirada na revolução industrial,
chega ao Brasil, mas entra em choque com o modelo econômico pós-
colonial monoculturalista agrário. E, mesmo com a proclamação da
República (1889), tendo o lema positivista de origem ainda em Augusto
Comte (1789-1857), “Ordem e Progresso”, a espiritualidade brasileira
continua, tradicionalmente, centrada na racionalidade humanista clássica.
Como indicativos da influência positivista nas reformas de ensino
promovidas no início do século XX, os legisladores propõem a introdução
das disciplinas científicas no currículo escolar, bem como é adotada a
laicidade como princípio do Estado em relação à religiosidade.
Ainda no campo político, os princípios do liberalismo penetram
nos ideais dos grupos que hostilizam a política tradicionalista,
conservadora, de estilo aristocrático, que emperra os movimentos
inovadores, principalmente no setor econômico, preservando o modelo
agroexportador da monocultura.
No plano propriamente educacional, somente entre as décadas
de 20 e 30 do século XX vão surgir movimentos questionadores das
políticas hegemônicas do setor. Surgem associações como a Associação
Brasileira de Educação – ABE, que agrega pessoas envolvidas com
este setor e reivindicam mudanças substanciais na organização e
operacionalização de políticas educacionais, absorvidos pelos ideais
liberais que pregam a obrigatoriedade e gratuidade da educação e a
crença de que a educação é o fator, por excelência, da transformação

62 Unidade 05
das condições socioeconômicas e políticas.
Com essas crenças surgem os movimentos do “entusiasmo pela
educação” e o “otimismo pedagógico”, ainda, em confronto com a política
tradicional de educação nos aspectos do planejamento, organização e
funcionamento, o que implica nos conceitos de sociedade e formação
do tipo de homem para o momento histórico. Um grupo de educadores
elabora um documento reivindicador, que ficou conhecido na história
como Manifesto Pioneiro da Educação Nova, lançado em 1932.
O documento idealizado sob a inspiração dos princípios liberais
da proposta da Escola Nova, tendo como filósofo mestre John Dewey
(1859-1952), foi elaborado com a participação de diversos educadores
da época, entre eles: Fernando de Azevedo (1894-1974), Anísio Teixeira
(1900-1971) e Lourenço Filho (1897-1970). O movimento dos pioneiros
da educação passou para a história como uma concepção humanista
moderna.
Vistas por uma perspectiva de hegemonia, estas duas tradições
sobressaem na realidade educacional brasileira o humanismo cristão,
fundado na releitura dos clássicos greco-romanos, buscando a realização
de um modelo antropológico essencialista, desvinculado de sua realidade
imediata, do contexto sócio-histórico e cultural, e o humanismo moderno,
aplicando as concepções filosóficas do positivismo, do pragmatismo e
do existencialismo, com o objetivo de educar para a vida na sociedade
democrática.
Com uma repercussão menor, convive com estas tradições o
pensamento filosófico alemão, através das ideias de Kant, Fichte, Hegel,
Schelling, de tradição idealista, bem como a tendência filosófica eclética
francesa, principalmente com as ideias de Victor Cousin (1792-1867).
O predomínio da tradição humanista clássica e a influência
da tendência eclética no campo educacional, se fazem sentir na
intelectualidade nacional até a década de 30 do século XX, momento
histórico marcado por diversos acontecimentos de natureza sociopolítica
e econômica que abalam as certezas históricas, introduzindo situações
problemáticas que se transformam em confrontos ideológicos no campo
sociopolítico e econômico.
Na esfera da intelectualidade, a década citada representa o início
de outras influências teóricas, como as de origens marxista e anarquista,
a primeira mais academicista, já a outra no campo do trabalho.
Entretanto, no âmbito educacional, o confronto de ideias se
intensifica entre os humanistas clássicos e os humanistas modernos de

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 63
Saiba mais base teórica positivista, com as reivindicações do modernismo econômico
industrial e a urbanização da sociedade brasileira. Tendo como outros
Representantes da
indicativos fortes deste confronto, a instalação das instituições superiores
Fenomenologia e do
Existencialismo no de educação e a instalação das instâncias político-administrativas com a
Brasil: Joel Martins, função social de atender ao setor educacional.
Creusa Capalbo, Tendências não marcadas por estas duas tradições, como a
Dulce Maria Critele,
Fenomenologia e o Existencialismo, que, mesmo se caracterizando como
Maria Aparecida
Biccudo, entre outros. do tipo humanista, apresentam suas próprias problemáticas referentes ao
ser humano e à sua existencialidade, são introduzidas no Brasil através
das universidades, não pela atuação mundana do filósofo.
O Existencialismo evidencia as questões da liberdade, da
autonomia plena de ser humano fundado em uma concepção ateísta de
mundo; já a Fenomenologia propõe tanto uma teorização quanto uma
metodologia própria para analisar a racionalidade humana, vista como
uma construção da consciência. A representação destas tendências na
produção intelectual brasileira só se faz presente em meados do século
XX.
De forma mais marcante, a Fenomenologia se faz sentir no campo
da pesquisa educacional, enquanto uma alternativa contrária aos modelos
fundados no positivismo experimental e quantitativo. Já o Existencialismo
marcará presença na criação literária, não demonstrando preocupação
com a sistematização do conhecimento, típico do campo da cientificidade
e da filosofia.
Diante dos transtornos políticos, culturais e ideológicos das
décadas de 50 e 60 envolvendo diversos países, através de manifestações
de insatisfação com o modelo de sociedade vigente, nos âmbitos civil
e político, mas situando-se na particularidade da sociedade brasileira,
constata-se o ressurgimento da literatura marxista como referência de
análise da realidade social, econômica, política e educacional. De forma
que se encontram representantes das mais diversas interpretações do
marxismo no campo da produção do conhecimento, como se confirma
historicamente.
Com a perspectiva de desvelamento da realidade, com a finalidade
maior de formar o ser humano como um ser social consciente, crítico e
transformador, a tendência educativa fundada no pensamento marxista,
com uma ênfase nas dimensões sociopolítica, cultural e histórica
da formação humana, ganha adeptos como Moacir Gadotti, Wagner
Gonçalves Rossi, Carlos Rodrigues Brandão, Paulo Freire, Dermeval
Saviani, Antonio Joaquim Severino.

64 Unidade 05
Outra tendência influenciada pela tradição marxista, pelo
pensamento psicanalítico e por elementos do pensamento hegeliano é
a Escola de Frankfurt ou Teoria Crítica, que tem sua orientação acolhida,
primeiro, pelos movimentos contraculturais organizados por estudantes
e profissionais das instituições educacionais e de comunicação mais
presentes na década de 60 do século XX.
Como um segundo momento de expressividade da Teoria Crítica
entre os teóricos brasileiros, têm-se as décadas de 70 e 80 deste mesmo
século, em que suas proposições, categorias e procedimentos de análise
da cultura, do poder, da ideologia e da formação, tornam-se referências
para os estudos da realidade sociocultural, política e econômica como
fator determinante da formação humana. Encontram-se tais preocupações
nos trabalhos de Bruno Pucci Wolfgang Leo Maar, Antônio Álvaro Soares
Zuin, Bárbara Freitag.
Em contraste com estas abordagens filosóficas que obedecem às
exigências da razão, são introduzidas no Brasil as tendências filosóficas
que prezam as manifestações das pulsões, dos sentimentos, dos desejos,
sob a influência de pensadores como Nietzsche e Freud. Este, passando
por uma releitura, considerando seus princípios e concepções a partir de
interpretações de pensadores contemporâneos como Lacan, F. Guattari,
J. Deleuze, M. Maffesoli, Baudrillard, filósofos da dialética negativa da
Escola de Frankfurt, ao indicar elementos da irracionalidade humana
como presentes na atuação humana no mundo.
A psicanálise freudiana contribui com esta abordagem ao ir além
da interpretação naturalista do ser humano, introduzindo a concepção de
sujeito pulsional libidinoso, que nega a supremacia da razão na busca
pelo desejo.
As estruturas lógicas dominantes do sujeito da modernidade
cartesiano ou kantiano são substituídas por estruturas inconscientes,
desejantes, que expressam realidades micros da subjetividade, como um
processo arqueológico que busca as interferências mais profundas no
inconsciente do pensamento que guia a atuação humana. Caracteriza-
se como genealógico ao redefinir o sentido dos valores que orientam as
certezas e compreensão de ser das realidades construídas historicamente
pelas filosofias e as religiões, bem como pela cientificidade cartesiano-
newtoniana.
Com esses fundamentos teóricos de natureza filosófica mais
os políticos de raízes anarquistas, instalam-se entre os educadores os
ideais da educação libertária, orientados pelos princípios da autogestão,

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 65
da autonomia, da liberdade. Tendo como concepção antropológica o ser
humano formado pelo social, esta tendência da educação atua sob a
influência de anarquistas como Bakunin (1842-1912) e Proudhon (1809-
1912) em suas origens. No Brasil, ganha destaque na produção e prática
de Maria Lacerda de Moura (1887-1944), José Oiticica (1882-1957),
Maurício Tragtenberg (1929-1998), Sílvio Gallo.
As abordagens filosóficas da educação brasileira situadas nas
tradições e tendências historicamente consolidadas apresentam esta
diversidade de concepções antropológicas e teleológicas do educar.
Sendo que, no limiar do século XXI, as problemáticas históricas da
realidade sociopolítica e cultural brasileira ainda persistem, como o
analfabetismo, agora ampliado para o funcional e o tecnológico, a questão
qualificação do profissional que trabalha com a educação, preocupação
central da década de 20 do século XX, mas que ainda não foi superada.
As inovações teóricas no campo educacional brasileiro
vêm introduzindo novas concepções de formação nas dimensões
antropológicas, epistemológicas e axiológicas, como o paradigma da
complexidade proposto por Edgar Morin (1921), a proposta de formação
centrada na categoria de competência de Phillippe Perrenoud (1944),
influenciadas pelas perspectivas neopragmáticas de Richard Rorty
(1931-2007).
As influências destas concepções têm maior expressividade no
campo da formação geral e superior, centrada nas abordagens filosóficas
que leem a realidade humana e natural como estruturas interativas,
segundo um modelo ecológico.

O Discurso Ideológico na Educação Brasileira

Em sua modalidade de senso comum, o conhecimento é vivenciado


de forma natural, sem o questionamento das mediações desenvolvidas no
atingimento dos fins de sua aplicação. Os critérios usados nas escolhas
e nas decisões tomadas, retirados da tradição, são vistos sob um ângulo
pragmatista, destituído de princípios avaliativos mais consistentes do que
a pertinência à realização imediata da finalidade que intenciona a ação.
Com essa perspectiva, a dimensão conceitual que fornece as
referências do contexto sociocultural e histórico, tornando a ação adequada
e consequente, adquire a conotação de intrínseca à experiencialidade.
As questões de seu sentido próprio e de suas implicações valorativas são
substituídas pela eficiência do uso, tornando-se, senão uma verdade,

66 Unidade 05
mas uma referência conceitual validada.
Entretanto, a aplicação do conhecimento com a finalidade de
formação do ser social, fim do processo educativo sistemático e intencional,
tem suas dimensões conceitual e valorativa avaliadas quanto ao alcance
e implicações do sentido. Isto porque a educação também desempenha a
função sociopolítica de transmissão do modelo de sociedade, garantindo
seu fortalecimento e continuidade.
A relação entre o conhecimento e o contexto sociopolítico e
cultural, mediada pela educação em suas modalidades formal e informal,
expressa historicamente o processo pelo qual as instâncias reguladoras,
o Estado, a comunidade e as agências produtoras disseminam e impõem
suas cosmovisões, concepção de homem, concepção de vida, bem como
o conjunto de valores e princípios éticos que situam e orientam a atuação
do ser humano no interior da sociedade a que pertence enquanto membro,
cidadão.
Visto assim, o conhecimento processado educativamente ganha
conotações que não se tornam explícitas, sendo elaborados e transmitidos
de forma dissimulada, por representarem interesses particulares de
grupos e segmentos dentro do contexto social mais amplo, conforme as
conclusões de teóricos reprodutivistas, como: Bourdieu (1961, 1970),
Establet (1977), Althusser (1970).
Sob tais condições, o projeto educativo vivenciado através do
sistema educacional da sociedade, ao tempo que proporciona a base
cultural que permite a produção e o aperfeiçoamento dos meios de
produção, também educa a espiritualidade humana segundo padrões
de comportamentos e interesses correspondentes às necessidades das
agências reguladoras.
O modo de interpretar a função social da educação ficou conhecido
como ideológico, isto é, as propostas e práticas educativas, mesmo
estando a serviço das agências reguladoras, procuram dissimular as
finalidades reais sob a alegação de educar o ser humano para uma
convivência harmoniosa e consonante com o modelo de sociedade.

Conceituando ideologia

O termo ideologia em seu sentido etimológico origina-se da


palavra grega eidos – ideias e da palavra logos – ciência, conhecimento,
etc., que, justapostas, denotam o sentido de “discurso ou ciência das
ideias”.

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 67
Outro sentido que este termo ganha, historicamente, surge com
o iluminista francês Destutt de Tracy, com a publicação de “Elementos
de Ideologia” (1801), que, partindo do seu sentido etimológico, mas
aplicando-lhe a concepção materialista, explica a produção das ideias
como resultante das atividades fisiológicas do organismo. Para o pensador,
ideologia se constituía no método por excelência para o conhecimento
do ser humano, aproximando o grau de certeza com que explicava a
realidade humana com o das ciências físico-matemáticas, explicando,
teoricamente, o contexto sociopolítico e econômico da sociedade.
Entretanto, a partir de um acidente político entre Napoleão
Bonaparte e o grupo iluminista a que pertencia o teórico francês citado,
o termo ideologia passa a ser usado por Napoleão para designar uma
postura metafísica, especulativa de interpretação da realidade, de
natureza mais idealizada do que explicativa da fenomenalidade objetiva
dos fatos sociais e políticos.
Desse modo, tomando a ideologia no sentido metafísico idealista
e como um princípio das interpretações do contexto sociopolítico e
econômico da sociedade, Karl Marx, em sua produção A Ideologia
Alemã (1846), faz uma releitura da natureza interpretativa da ideologia,
afirmando que é ilusória, que expressa uma falsa consciência da realidade
sociopolítica ao situar a origem dos fatos nas ideias.
Esta concepção de ideologia é revista no texto 18 Brumário, de
Luís Bonaparte, publicado pela primeira vez em 1852, em que passa a
significar o modo de pensar a realidade enquanto abstrações conceituais,
prescritivas e simbólicas que orientam a ação do ser social, as quais
procuram expressar o sentido que confirma as ideias dominantes no
contexto sociopolítico, definidoras de um modelo de realidade.
A ideologia é vista como a expressão dos conceitos e princípios
que dão sustentação teórica aos discursos e práticas sociais. Para o
teórico Michael Löwy (1987), implica no domínio da cientificidade do
conhecimento da realidade humana e social, isto porque confrontaria
a noção de verdade das ciências com as interpretações parciais e
comprometidas com os interesses sociopolíticos e econômicos dos
contextos sociais, o que limitaria a clareza do conhecimento sistemático.
Em uma perspectiva epistemológica do conceito de ideologia situa-
se o entendimento de ideologia em um estilo clássico que procura explicitar
a origem do termo em sua concepção sociopolítica. Outros estilos de
abordagens desta atividade da consciência, que é a ideologia com uma
base teórica diferenciada, sem, contudo, negar a interpretação marxista,

68 Unidade 05
vão descrever a questão ideológica como dimensões pertencentes aos
discursos.
O filósofo Paul Ricoeur (1913-2005), com uma análise estruturalista,
influenciado pela fenomenologia-hermenêutica, pela psicanalítica e a
marxista, afirma que há uma relação estreita entre o discurso científico e
o discurso ideológico. Considerando que os discursos e as práticas não
são neutros, ambos se constituem de dimensões teóricas e valorativas.
Para este filósofo, o discurso ideológico se faz presente em toda e
qualquer orientação prática e política, enquanto um elemento intrínseco,
próprio das construções simbólicas, que requerem interpretações dentro
de contexto sociocultural e político.
Outra concepção inovadora de ideologia em relação ao modo
clássico foi elaborada por Nico Poulantzas (1977), que discorda de
Lukács e Gramsci diante do historicismo e negatividade com que
interpretam a presença da ideologia, relacionando-a à problemática da
falsa consciência e da alienação.
Para Poulantzas, o discurso ideológico tem a função de dissimular
a condição de ser da realidade factual, criando, no imaginário, um discurso
coerente que sustenta as práticas concretas no interior da sociedade,
enquanto percebe a ciência com a função social de desvendar a realidade,
explicitando uma constituição interpretativa verdadeira.
Com uma interpretação particular de ideologia, mas sob inspiração
teórica crítica marxista, a Escola de Frankfurt contesta a concepção de
ciência moderna elaborada pela racionalidade positivista e suas radiações
para a técnica e a indústria.
Os filósofos desta Escola elaboram um discurso negativo do uso
do conhecimento científico e da tecnologia nos sistemas capitalistas.
Afirmam que nesses sistemas a razão instrumental, operatória, predomina
no campo da cientificidade do conhecimento, transformando-o em um
recurso eficaz de dominação e manipulação do ser humano e da natureza,
gerando a ideologia tecnocrática.
Por esta concepção ideológica, a tecnocracia, a ciência seria o
único conhecimento verdadeiro, atendendo aos princípios positivistas da
neutralidade, universalidade e objetividade, identificando a realização
existencial do ser humano com a posse dos instrumentos técnicos.
Pela interpretação desses teóricos, a função social da ideologia,
enquanto pertencente ao discurso sociopolítico e cultural, apresenta uma
dimensão negativa, distinguindo-se quanto ao envolvimento das ciências
como produtora de discurso, em que surge tanto como desveladora

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 69
Saiba mais das dissimulações, quanto fortalecendo a dissimulação e pretensão de
dominação da lógica instrumental.
Marilena Chauí -
Marilena Chauí (1980), teórica e pesquisadora brasileira, caracteriza
http://widiopedia.org/
widi/Filosofia o discurso ideológico como um discurso competente e lacunar, que passa
de uma relação direta com a realidade para um discurso representativo
e normativo da realidade social, sendo esta uma das competências do
discurso ideológico, vivenciada pelo distanciamento que o ser humano
toma da realidade imediata para viver momentos históricos fictícios e/ou
alheios à historicidade da ambiência social.
A análise dessa teoria centra-se no discurso científico, enfatizando
a tendência de fragmentação da realidade natural e humana pelas
interpretações dos especialistas, que passam a perceber a realidade a
partir de um discurso sobre não mais das dimensões socioculturais e
políticas.
Outra competência do discurso ideológico, para esta autora,
percebe-se em sua perspicácia de inverter a posição explicativa das ideias
em relação às relações sociais e políticas, quando, na verdade, são as
ideias que têm o sentido definido nas relações sociopolíticas. Tomando-
se a realidade como originária das ideias, a legitimidade do poder – o
Estado – se fortalece, enquanto autorrepresentação, dissociado do social,
tornando-se regulador de si mesmo, com o poder de autojustificar-se.
O aspecto lacunar do discurso ideológico surge como uma
necessidade de definição do ser ideológico, pois, para se expor como tal
não pode explicar/expor a realidade social e política integralmente, porque
se autodestruiria. Com essas características do discurso ideológico,
Marilena Chauí dá à ideologia a função social de exercitar uma visão
velada da realidade em que os elementos conceituais e valorativos
dominantes são tomados como as referências padrões.
Diante dessas concepções de ideologia que expressam
conotações diversas de sua função social, enquanto elemento constitutivo
do discurso e das relações sociopolíticas e culturais, convém esclarecer
que, substancialmente, a ideologia apresenta uma natureza que se
caracteriza, segundo Severino (1986), como:

- Resultante da interação entre determinantes


socioculturais e a atividade da consciência diante da
realidade;
- Constituída de representações – conteúdos conceituais
– que visam explicar a realidade, bem como de posições
avaliativas que validam e legitimam as condições sociais;

70 Unidade 05
- Relações de poder com que os agentes sociais, as
instituições e pessoas exercem domínio uns sobre os
outros;
- Atividade da consciência coletiva, que manifesta
representações e valores internalizados,
inconscientemente, nas relações sociais.

As discussões sobre ideologia, nas últimas décadas do século XX


e início do século XXI, tendem para a sustentação do fim, ou melhor, do
esgotamento desta atividade, suporte teórico e político da conformação
dos modelos socioculturais que venham a ser dominantes ou não.
Invalidando esse discurso do esgotamento da ideologia, constata-
se, no âmbito político-econômico, a fragilidade estrutural do modelo
neoliberal, do discurso do multiculturalismo como princípio de conservação
da diversidade e o discurso da globalização como mediação política de
interação internacional.
No âmbito da produção de conhecimento, a perda da hegemonia
do paradigma Newton-cartesiano em favor de um paradigma processual e
dialético, que elege os princípios de incerteza e da transdisciplinaridade,
confirma a condição histórica da produção humana, bem como da
natureza polissêmica da realidade.

As Contradições Político-Ideológicas do Discurso


sobre a Educação

Com a concepção de que a educação se constitui em uma atividade


sociocultural, política e histórica, tendo como função a formação do ser
social, situando-o no modo de ser da sociedade, em suas dimensões
simbólicas e não simbólicas, percebe-se que a intervenção de fatores
reguladores da construção da consciência, definindo o quê, o para quê e
o como as propostas e práticas educativas devem ser, constitui mesmo
uma necessidade primária de referenciais definidores do ser humano,
implicando, dessa forma, na conservação dos modelos de organização
socioeconômica e políticas tradicionais.
Mesmo que a educação não se reduza a esta função de reprodução
de modelo de sociedade, até mesmo porque estas organizações são
históricas, a atividade educativa, nas modalidades formais e não-
formais é definida com uma natureza política e pedagógica de condução
intelectual, o que a torna um campo sólido e fértil para incorporar o
discurso ideológico.
A perspectiva sociopolítica que faz da educação um processo de

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 71
propagação da ideologia teve como primeiro sistematizador o filósofo
político Antonio Grasmci, que concebe a ideologia com duas modalidades
históricas: as orgânicas e as arbitrárias. Na modalidade orgânica, a
ideologia mantém a estrutura social em sua organização e funcionamento.
Outro aspecto do pensamento de Grasmci, relevante para o
esclarecimento da ideologia, consiste na concepção de sociedade como
composta pela sociedade civil e pela sociedade política, enfatizando a
função que ambas desenvolvem enquanto componentes da superestrutura
social. A sociedade política, que corresponde ao Estado, desempenha a
função de comando, de impor condutas sociais que visam à disciplina.
A sociedade civil, constituída pelas instituições privadas, promove o
consenso, a adesão passiva à visão de mundo hegemônica.
A relação orgânica entre a estrutura (as forças produtivas) e a
superestrutura (âmbito político e ideológico), sob o comando de uma
classe, consolida um sistema hegemônico. Desta forma, define um
momento histórico, segundo Grasmci, um bloco histórico.
Das relações de hegemonia determinadas através do consenso ou
aceitação da visão de mundo do grupo dominante surge a presença da
instituição educação. Isto porque a visão de mundo abarca a dimensão
cultural com elementos do senso comum, da filosofia, dos costumes e da
moral, que devem ser trabalhados pelas propostas educacionais. Assim,
com esta função social, a educação contribui para a confirmação do
consenso social, ao configurar, propagar e reproduzir a ideologia.
A relação entre a educação e a ideologia se tornou um tema
analisado com acepções diferentes. Em Grasmci, o consenso social gira
em torno da visão de mundo que se constitui na ideologia. Para Louis
Althusser, a discussão da ideologia deve ser feita no campo da ciência,
considerando a atuação ideológica como mistificadora da realidade,
servindo como instrumento de dominação no interior da sociedade de
classes. Com uma interpretação política da sociedade de classes, explica
a estrutura social composta por aparelhos ideológicos e aparelhos
repressivos do Estado.
No conjunto desses aparelhos situa a escola como um dos
aparelhos ideológicos do Estado, os quais retêm a função de reproduzir,
através do conhecimento e dos valores, a orientação intelectual dominante
da sociedade. Para Althusser, a reprodução garante a manutenção
das relações sociais de trabalho do sistema capitalista, principalmente
através da qualificação dos trabalhadores.
Com essa concepção reprodutivista da educação no sistema

72 Unidade 05
capitalista surgem os trabalhos de Pierre Bourdieu e Jean Claude
Passeron e Christian Baudelot e Roger Establet. A produção desses
teóricos enfoca a educação enquanto o meio propagador da ideologia
dominante, a partir da realidade sociopolítica e educacional francesa.
Na realidade brasileira, a ideologia como um tema de análise ocupa
os estudos de educadores como Carlos Jamil Cury (1986), que elabora
uma análise sistemática da função da orientação intelectual comprometida
com os grupos sociopolíticos e econômicos hegemônicos da sociedade
brasileira, e das posturas teóricas do liberalismo e tradicionalista dos
grupos que tinham a atuação fundada na visão de mundo do catolicismo.
Nesse estudo, Cury enfoca o uso da instituição política e da
instituição escolar como os meios privilegiados de propagação dos
interesses político e econômicos, dos valores e da cultura das classes
hegemônicas, divididas entre os grupos adeptos da postura liberal
e os grupos que agregam a postura do catolicismo. O confronto entre
estes grupos, para o autor, constitui a própria realidade sociopolítica da
sociedade brasileira, acirrando-se nos conflitos de interesses no interior
das instituições políticas e escolares, que refletem o impasse maior no
setor da produção econômica.
Outro estudo da dimensão ideológica como componente das
instituições sociopolíticas e culturais brasileiras encontra-se nos estudos
de Antonio Joaquim Severino (1986), que desenvolve uma análise da
realidade educacional brasileira, em que apresenta três momentos
históricos da ideologia. O primeiro momento corresponde ao Brasil
Colônia e ao Brasil Império, de 1500 até a proclamação da República em
1889, em que predomina a visão de mundo cristã; o segundo momento
abarca a mudança de paradigma católico para o paradigma liberal na
educação, logo após a instalação do regime militar, em 1964.
O terceiro momento, em que a presença da ideologia se diferencia
como elemento comum à prática e ao discurso educacional, caracteriza-
se pelo predomínio de uma racionalidade funcional, pragmática e
instrumental, insurgindo-se no período histórico da ditadura militar,
em 1964. Fortalecendo-se com os encaminhamentos teóricos e
políticos vinculados aos interesses dos grupos econômicos nacionais e
internacionais. A ideologia desse momento passa à história denominada
de tecnocrática, ou seja, o domínio da técnica, o que se intensifica com o
avanço cientifico e tecnológico em todos os campos da atuação humana.
Com esta caracterização e distribuição de modelos ideológicos na
realidade educacional brasileira, Joaquim Antonio Severino desenvolve

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 73
Saiba mais uma análise da natureza política dos intensos confrontos que marcaram
momentos de decisões das propostas educativas nacionais. Entre esses
Paulo Freire - Http://
momentos, pode-se citar: a implantação do modelo educacional e de
widiopedia/widi/
Filosofia ensino dos jesuitas; o movimento de mudança de paradigma jesuítico
para o paradigma escolanovista e a implantação do paradigma tecnicista.
O estudo da relação entre ideologia e educação apresentado
por Creusa Capalbo (1978) enfoca os fins das práticas educativas a
partir do discurso, da linguagem, evidenciando categorias próprias das
discussões teóricas elaboradas segundo as abordagens do marxismo,
do estruturalismo e da fenomenologia, em que desenvolve perspectivas
particulares de categorias, como: consciência, falsa consciência e
conscientização, esta, trabalhada por Paulo Freire.
Além desses estudos mais amplos que objetivam explicitar,
dentro de um período histórico longo, a presença comprometedora
dos interesses ideológicos como apanágio das orientações políticas
dominantes nos diversos setores que constituem tanto a sociedade
política quanto a sociedade civil brasileira, encontram-se análises da
natureza ideológica de situações particulares, como: a ideologia do
livro didático, no que se refere às concepções de gênero, sexo, etnia
e às condições socioeconômicas usadas como referências naturais da
realidade sociocultural; das estórias em quadrinhos, com os modelos de
personagens heroicos e anti-heroicos.

A educação brasileira em suas orientações filosóficas e políticas


proporciona uma formação que objetiva a autonomia intelectual
do educando, situando a questão em uma perspectiva histórica?
Ao analisar a educação como uma das instâncias ideológicas no
interior das organizações sociais, pode-se conceber a proposta
formativa comprometida com a emancipação humana?

74 Unidade 05
1. Elabore uma crítica ao campo do conhecimento filosófico brasileiro,
enfatizando sua originalidade e compatibilidade com a realidade cultural
nacional.
2. Analise a contribuição do conhecimento filosófico na construção do
processo educativo, tanto enquanto uma proposta mais ampla, quanto
uma proposta singular de sala de aula.
3. Caracterize a orientação filosófica presente nos processos educativos
que vivenciou, considerando a diversidade de abordagens de teorias
filosóficas estudadas.
4. Explique a interferência da ideologia nas propostas educativas, dentro
de uma perspectiva histórica.
5. Na realidade educacional brasileira, as propostas educativas
sustentam seus compromissos de finalidades em orientações filosóficas
ou ideológicas, observando as análises dos teóricos citados no texto?
6. Qual a possibilidade de uma proposta educativa ser desvinculada das
orientações ideológicas? Que função a filosofia desempenharia nesta
perspectiva?

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 75
76 Unidade 06
UNIDADE 6

A Filosofia na
Formação Docente

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 77
78 Unidade 06
A FILOSOFIA NA
FORMAÇÃO DOCENTE

A Relação Teoria e Prática na Formação Docente

A formação docente, em sua constituição complexa, envolve um


corpus de saberes específicos da prática para a qual objetiva proporcionar
um suporte teórico-metodológico e instrumental. Dota o docente de
possibilidades para refletir, crítica e autonomamente, a concepção
de educação, bem como a concepção de ser humano situado em um
contexto sócio-histórico, político e cultural.
Com a finalidade de pensar e sistematizar o conhecimento, a
Filosofia da Educação, por sua vez, deve orientar o projeto educativo
construído junto ao educando, com vistas à concretização de sua
educabilidade, da mesma forma que define, com maior solidez e
sensibilidade, o tipo de pessoa/cidadão, que se deseja que esse educando
venha a ser.
Para que esta formação desenvolva uma percepção analítica
consistente, apreendendo a realidade educativa de forma avaliativa,
indo além das atitudes imediatistas, pragmáticas e de controle, deve se
assentar em um conjunto de princípios, conceitos, valores e referenciais
metodológicos que expresse um paradigma interpretativo desta realidade
como construção. E o educador deve perceber-se como autor/ator da
ação que institui, sempre na perspectiva de instituir-se em conjunto com
os demais participantes.
Ao se conceber o processo de formação, em seu estágio inicial,
como a mediação para o melhoramento das condições cognitivas e
sensitivas que se retêm, objetivando a sistematização e execução da ação
educativa, ou seja, de elaboração/reelaboração e realização do ensinar
e aprender (FREIRE, 1996), diante das exigências de emancipação
e autonomia do pensar e agir dos autores/atores deste ato, torna-se,

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 79
significativo e necessário fazer a articulação entre a teoria e a prática,
segundo uma lógica conjuntiva.
A ação docente ao assumir a concepção do ensinar e aprender como
um devir que se realiza em momentos simultâneos e inter-relacionados,
confirmando-se em princípios dialéticos, os quais articulam teoria e
prática de forma a se instituir uma práxis, usa o conceito interpretativo de
teoria, não como mera especulação infundada, conforme o entendimento
do senso comum, mas como o processo racional de observar e expressar,
sistematicamente, “o quê” do observado, assim como uma possível
explicação do fato, situação ou realidade olhada com consistência.
A teoria vista como um produto do ato do pensar sistemático,
metódico, organizado, constitui o próprio conhecimento científico da
realidade que se está observando. De forma que situar, no âmbito da
formação docente, o ato de pensar como teorização do ato de ensinar
e aprender que se faz como prática interativa entre os autores/atores
do processo educativo, significa compreender a formação como uma
natureza complexa que não se reduz à aquisição do conhecimento de
áreas específicas, exigindo a contribuição de saberes diversos e de
naturezas distintas.
E com esta compreensão de formação, que se processa a partir
dos aportes desses saberes, surge a necessidade de uma estratégia
articuladora destes subsídios, com vistas a instituir uma configuração
unitária da pluralidade de saberes. Historicamente, esta estratégia se
caracteriza pela natureza interdisciplinar, sendo apreendida como
um método que elabora explicações com uma estrutura complexa,
possibilitando, assim, atingir a constituição multidimensional da realidade.
O procedimento interdisciplinar presente no processo de formação
docente, em que elabora uma compreensão complexa de sua realização
ao articular os saberes pedagógicos do ato de ensinar e aprender, entre
si, e estes ao saber específico, conteúdo disciplinar da ação educativa,
visa expressar uma realidade unificada no aspecto do sentido de ser da
formação, pois não nega a diversidade disciplinar que participa de sua
constituição.
A estruturação da abordagem disciplinar e da abordagem
interdisciplinar apresenta características que as tornam, formalmente,
distintas: nos aspectos epistemológicos com que interpretam a realidade;
na concepção e produção de conhecimento; nos princípios de organização
curricular; no significado do cotidiano ao relacionar os saberes; nas
questões metodológicas da cientificidade (OLIVEIRA, 2006).

80 Unidade 06
Assim sendo, a formação se constitui em um processo que se Saiba mais
faz na articulação da teoria com a prática, promovendo a autonomia e
Ética: condição
a consciência crítica dos autores/atores do processo. No que se refere
de algo que se
ao docente, por se ocupar mais diretamente com o processo formativo, caracteriza como
comporta observar que este profissional deve preservar o rigor, a reto, prudente, que
criticidade, a atitude ética e estética, o compromisso com a diversidade respeita os princípios
do bem viver.
cultural e o espírito de curiosidade que o leve a questionar e buscar
mais conhecimentos, aspectos que situam sua prática nas concepções
pedagógicas e educativas críticas (FREIRE, 1996).
Saiba mais
As Dimensões Ético-políticas e Estéticas da Prática
Estética: termo
Educativa usado no sentido
de sensibilidade à
A compreensão da formação docente a partir das características natureza da realidade
da práxis, em que as dimensões teórica e prática da ação educativa são e à harmonia entre
os elementos que a
valorizadas indistintamente, ambas participando com o mesmo grau de
constitui.
importância, do mesmo modo, e sendo percebidas como devir, desperta
a curiosidade de conhecer as atitudes docentes que levam à realização
satisfatória desta ação. Saiba mais
Diante da configuração teórica-prática da ação docente, observa-
Política: tudo que se
se que a realização pragmática com que se concretiza a torna necessitada,
refere às relações
também, de uma instrumentalização, de um referencial tecnológico com sociais nos aspectos
vista a atingir seus objetivos. A isso se acrescenta uma natureza política, do poder, em suas
por se fazer como interação entre pessoas, envolvendo, assim, valores, dimensões micro e
interesses, princípios e conceitos que expressam atitudes particulares, macro.
implicando, desta forma, em uma necessária postura ética.
Com essas dimensões intrínsecas à ação docente, ético-política
e tecnológica, convém precisar com qual sentido tais dimensões se
imbricam no ato de ensinar e aprender. A dimensão ética, que formalmente
se expressa em consonância com a política, explicita a natureza de saber
fazer bem a ação educativa (RIOS, 1999), sendo este fazer bem uma
referência aos fins aos quais se orienta o educar.
O agir humano interagindo com o mundo e com o outro caracteriza-
se com um ser político definidor do que deve ser o bem e quais devem
ser os critérios de escolha, seleção e decisão do que é conveniente fazer
ou não fazer. Daí a estreita relação da política com o campo ético, visto
em um sentido geral, como determinante dos fins e dos meios com que o
ser humano elabora a ação.
Esta ação, enquanto ação ética, deve se orientar com
responsabilidade, compromisso e liberdade, realizando-se pela livre

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 81
vontade do sujeito dentro do alcance de um ato prudente, ou seja,
que não fira ou agrida o modo de ser do contexto sociocultural que,
historicamente, instituiu as normas de conduta.
A preocupação de não violentar a ambiência não faz da ética uma
manifestação conservadora em si, mas de natureza comprometida com
uma retidão do agir, a razão reta que indica as finalidades esteticamente
confirmáveis. Propriedade que se estende às políticas conservadoras e às
políticas não conservadoras tida como estando acima das contingências
mundanas, pois se faz essencialmente reta.
Essas características e propriedades abstraídas da formação
docente delineiam um tipo de profissional que deve demonstrar
competência e compromisso no desempenho das funções que assume no
conjunto das atividades educativas, considerando que a práxis educativa
representa a mediação entre o indivíduo e sua transformação em pessoa,
cidadão e profissional.

Para o professor exercer suas funções docentes precisa de uma


formação específica?
Como o conhecimento filosófico articula-se com o processo de
formação do professor? E, especificamente, com a formação do
professor do campo das ciências naturais?

82 Unidade 06
1. Analise a afirmação de que a formação docente é de natureza complexa.
2. Explique as dimensões ético-políticas e estéticas como fatores que
contribuem na definição conceptual da prática docente.
3. Caracterize a formação docente segundo as teorias expostas no
Capítulo das Abordagens Filosóficas da Educação.
4. Explique como o princípio de interdisciplinaridade pode ser aplicado no
processo de formação docente.
5. Analise a natureza da práxis com que se caracteriza a formação
docente.

Carmen Lúcia de Oliveira Cabral

Possui graduação em licenciatura plena em Filosofia, pela


Universidade Federal do Piauí (1985); graduação em licenciatura plena
em Pedagogia, pela Universidade Federal do Piauí (1988); mestrado em
educação, pela Universidade Federal do Piauí (1999); e doutorado em
educação, pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2003).
Atualmente, é professora adjunta 2, da Universidade Federal do Piauí.
Tem experiência na área de educação, com ênfase em Filosofia da
Educação, atuando, principalmente, nos seguintes temas: pedagogia,
epistemologia da pedagogia, formação docente, educação e filosofia.

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