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ÍNDICE

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 4

O Pensamento Filosófico de São Tomás de Aquino ....................................................................... 5

1. A Metafísica de São Tomas de Aquino ....................................................................................... 5

2. A Teologia Tomista ..................................................................................................................... 7

2.1. As Duas Teologias: a Natural e a Revelada .......................................................................... 8

2.1.1. Teologia natural ................................................................................................................. 9

2.1.1.1. As Cinco (5) Vias que comprovam a existência de Deus ............................................. 10

2.1.2. Teologia Revelada ........................................................................................................... 11

3. A Filosofia da Natureza em Tomás de Aquino ......................................................................... 12

4. A Antropologia tomista ............................................................................................................. 14

5. A Ética tomista .......................................................................................................................... 17

CONCLUSÃO ............................................................................................................................... 19

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................................... 20


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INTRODUÇÃO

O Pensamento Filosófico de São Tomás de Aquino é o tema que este trabalho pretende abordar. O
mesmo reveste-se de alguma importância pelo facto de trazer considerações teórico-filosóficas
sobre a filosofia de Tomás de Aquino.

O pensamento de São Tomás é considerado, mais ainda do que a de outros grandes filósofos, como
um imponente monumento, encarado facilmente como uma peça única e fora de todo contexto
histórico. É certo que, no que toca à verdade, tem-se de reconhecer que este pensamento tem um
valor absoluto e, portanto, transcendente. A olhá-lo mais de perto, porém, percebe-se que ele traz
igualmente, sob muitos aspectos, a marca do seu tempo. Isso é evidente no que diz respeito ao
gênero literário de seus escritos e um pouco menos, talvez, no tocante ao seu conteúdo. Chegar-se-
á, portanto, a uma compreensão mais adequada do pensamento de São Tomás quando se levar em
conta às condições concretas de sua formação e a maneira pela qual ela foi expressa. É com relação
a este ponto de vista que este trabalho irá se situar.

A partir do pensamento de Aquino, a ideia de ser e de natureza assume fundamental importância


quando se trata da pessoa humana. O ser humano é o ponto de encontro e a síntese do mundo
inteligível e do mundo sensível. Tudo o que se pensa do universo físico sobre a realidade metafísica
é a partir do que é o homem, e levando em conta o seu modo de pensar. Neste estudo, apresentar-
se-á algumas ideias nucleares sobre o significado de metafísica, não apenas no sentido conceitual,
mas como uma singularidade que é corpo e alma.

No que refere aos objectivos, o trabalho pretende de forma geral: analisar o pensamento filosófico
de São Tomás de Aquino. De forma específica, pretende-se: a) apresentar a noção geral da
metafísica tomista; b) discutir a teologia de São Tomás de Aquino; c) identificar o pensamento
cosmológico e antropológico de Aquino; e d) reflectir sobre a ética de Aquino.

O trabalho obedece o método de pesquisa bibliográfica, que consiste na pesquisa e consulta de


obras de São Tomás de Aquino, manuais e outras afins a temática supramencionada. Na sua
estrutura o trabalho parte da introdução, desdobra-se através do desenvolvimento e culmina com a
conclusão, onde faz-se uma síntese geral sobre os pontos focais sobre os quais se desenvolve o
trabalho.
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O Pensamento Filosófico de São Tomás de Aquino1

1. A Metafísica de São Tomas de Aquino

O proêmio do comentário de São Tomás de Aquino à Metafísica mereceu, para ele próprio, vários
comentários e análises, nem sempre muito esclarecedores. Retomar, portanto, a leitura do seu
pensamento é em primeiro lugar uma tentativa de recolher o que de melhor foi dito sobre ele. É
também uma oportunidade de renovar o contacto com um importante aspecto do pensamento de
São Tomás, isto é, sua concepção da metafísica, que aí nos é apresentada de um modo claro e
fundamentado, embora bastante sinteticamente e, portanto, de maneira, muito compacta.

Molinaro (2002: 31) entende que sem perder de foco a transcendência, São Tomás de Aquino
estabeleceu o princípio fundamental metafísico da distinção real entre essência e existência. O
primeiro resultado deste princípio, na metafísica tomista, é separar a distinção entre potência e acto
daquela entre matéria e forma, convertida em uma distinção à parte. São Tomás de Aquino
considera que não só a matéria e a forma, bem como que a essência e a existência estão articuladas
entre si na relação de potência e acto.

A essência compreende não só a forma, mas também a matéria das coisas compostas. Assim
entendida, a essência distingue-se do ser ou existência das próprias coisas. Nas coisas compostas,
essência (matéria e forma) e existência estão relacionadas entre si como a potência e o acto. A
essência está em potência em relação à existência; a existência é acto da essência. A união da
essência com a existência, ou seja, a passagem de potência a ato requer a intervenção criadora. Nas
coisas que são forma pura sem matéria falta, evidentemente, a composição de matéria e forma, mas
nem por isso carecem de essência e existência. Com efeito, também nelas a essência é apenas
potência em relação à existência. E a existência delas, do mesmo modo, exige o intervir criador.

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Tomás de Aquino nasceu em Rocca Seca em 1220, e viveu até 1264. Ele veio de uma família nobre e na sua
adolescência ingressou na ordem religiosa dos dominicanos. Em 1252 se formou em teologia na Universidade
de Paris. Iniciou sua carreira como professor. Suas obras mais famosas são: Suma Teológica, Suma contra os
gentios e O ente e a essência. Devido às suas grandes contribuições intelectuais para a fé cristã, São Tomás de
Aquino foi canonizado e proclamado posteriormente Doutor da Igreja. São Tomás de Aquino viveu durante o
período da Baixa Idade Média e foi nessa época em que começaram a surgir as primeiras universidades, sendo
elas criadas e administradas pela Igreja Católica. Nessas universidades houve a predominância da corrente
filosófica chamada de Escolástica, da qual São Tomás foi o principal expoente.
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Somente no Criador a essência é a própria existência. Nele não há uma essência que seja potência,
porquanto se trata, definitivamente, de acto puro, necessário e eterno.

No desdobramento de sua metafísica, é preciso assinalar que São Tomás de Aquino, mirando o
transcendente, ainda traria a definição de ente, para indicar qualquer coisa que exista. Assim, no
Ser criador, o ser se identifica com sua essência-existência e, por isso, somente ele é tido como Ser
subsistente. Nos seres criados, ao contrário, o ser se distingue da essência, porque neles ela apenas
significa aptidão para ser.

Para Tomás o acto é o ser, quer dizer, a pura e total atualidade do ser: o ser
é o acto de todos atos e também das formas. De modo que, para Tomás,
não vale propriamente a concepção do ser como acto, e sim aquela do acto
como ser. E note-se que também a fórmula: ser como acto não é uma
comparação entre o ser e o acto, mas uma afirmação na qual o acto é
definido como ser (MOLINARO, 2002: 38).
Não sem razão, a metafísica tomista foi definida como filosofia do ser, na medida em que o acto é
o ser que realiza a essência, e esta não passa de um poder-ser. De qualquer modo, como filosofia
do ser, a metafísica tomista cuidaria, efectivamente, da articulação entre essência e existência. São
Tomás de Aquino partia de uma constatação bastante simples, qual seja, a de que o mundo existe,
é real, e não uma mera ilusão. Trata-se de uma realidade, passível de apreensão pelo intelecto,
ainda que também perceptível aos sentidos.

A questão fundamental para Tomás de Aquino, então, era definir o seguinte: se o mundo existe, o
que ele é, tanto que o significado de essência, aquilo cuja natureza é, deve ter como ponto de partida
o de ente, a coisa existente, já que o ser designa o próprio acto de existir (AQUINO, 1981: 63).
Pode-se dizer que cinco pontos fundamentais caracterizariam, a partir desse arranjo a metafísica
tomista: i) a máxima perfeição do Ser criador; ii) a procedência dos seres do Ser por criação; iii) a
participação dos seres na perfeição do Ser; iv) a potência como limitadora dos seres criados; e, v)
a analogia entre os múltiplos seres criados e o Ser criador.

O Ser é a máxima perfeição, porquanto acto puro, no qual há plena e definitiva fusão da essência
e da existência. Não se trata da ideia de Ser, como talvez possa parecer. É uma realidade
transcendente necessária e única em sua perfectibilidade. Entretanto, além desse Ser, existem seres.
O Ser subsistente não pode ser mais de um. Logo, a multiplicidade de seres existentes,
necessariamente, deve ser causada por esse primeiro e perfeitíssimo Ser. Isso remete à noção
fundamental de que os seres criados, multiplicados em várias individualidades, participam na
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perfeição do Ser. Essa participação é comunicativa, isto é, o Ser faz ecoar aos seres a sua
perfectibilidade. Ela é também caracterizada pela transcendência, no sentido de que os seres, por
semelhança, participam do Ser, que é o subsistente exemplar necessário e único.

É preciso que algo limite essa perfeição do Ser, por ser infinita, aos graus finitos que ele possui nos
seres criados. É o que faz a potência, enquanto uma realidade que tem a capacidade de vir a ser o
que ainda não é, porque incompleta e inacabada. É claro que os seres criados, procedendo todos do
mesmo Ser, têm algo em comum e isso os torna análogos. Se seres pertencem ao mesmo gênero,
há entre eles analogia genérica; se pertencem à mesma espécie, a analogia é específica (MONDIN,
1981: 173). Do mesmo modo, entre os seres e o Ser também há analogia no sentido de que a
natureza dos seres criados é semelhante à do Ser criador. São esses os princípios arquitetónicos da
metafísica de São Tomás de Aquino, pilares sobre os quais ele desenvolve todo o seu pensamento
filosófico-teológico a respeito dos mais diversos temas.

2. A Teologia Tomista

Todos os comentaristas do pensamento tomista, são unânimes em dizer que a sua vida e a sua obra
nada mais foram do que um esforço para compreender e elucidar Deus. “Tomás teria um dia
perguntado: ‘Quem é Deus?’. Sua vida foi dedicada inteiramente, de ponta a ponta, a responder
esta pergunta” (NASCIMENTO, 1992: 60). Neste sentido, é particularmente luminoso, o artigo
sétimo da primeira questão da Suma Teológica, onde Tomás coloca Deus como sujeito da teologia.

Ao se perguntar se Deus é o sujeito da Teologia, responde que sim, porquanto o sujeito de uma
ciência é aquilo de que essa ciência trata. Ora, a teologia, conforme indica a própria etimologia da
palavra, pretende ser um discurso sobre Deus. Logo, o sujeito desta ciência é o próprio Deus (Cf.
AQUINO, 2001: 76). Por conseguinte, como teólogo, o ideal de Aquino não era outro senão
contemplar a Deus para depois transmiti-lo aos outros. Contudo, a importância de se estabelecer
este conceito de teologia em Tomás é salientada por Gilson:

A principal razão que dificulta a tantos historiadores, filósofos e teólogos


nomearem teologia o que eles preferem nomear filosofia é que, em seus
espíritos, a noção de teologia exclui a de filosofia. Para eles, verdades
propriamente filosóficas, que dependem unicamente da razão, não
conseguiriam encontrar lugar na teologia, onde todas as conclusões do
teólogo dependem da fé. E é verdade que todas as conclusões do teólogo
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dependem da fé, mas não é verdade que da fé todas elas podem ser
deduzidas. Portanto, era o sentido verdadeiro do termo teologia que se fazia
necessário encontrar em primeiro lugar (GILSON. 2009: 102).
Tomás de Aquino aproveita o debate aberto por Aristóteles, a fim de conferir o carácter de ciência
à teologia. Diz Aristóteles que há dois tipos de ciência. Umas procedem de princípios que são
conhecidos à luz natural do intelecto, como a aritmética, a geometria etc. Outras, ao contrário,
procedem de princípios conhecidos à luz de uma ciência superior: tais como a música, nos
princípios elucidados pela aritmética. Ora, para Tomás, a teologia é ciência no segundo sentido,
pois ela não toma seus princípios da luz natural da razão, mas sim de uma ciência arquitetónica,
isto é, a ciência de Deus e dos bem-aventurados, a qual ela conhece não por visão, mas por
Revelação. Conforme se pode notar:
É desse modo que a doutrina sagrada é ciência; ela procede de princípios
conhecidos à luz de uma ciência superior, a saber, da ciência de Deus e dos
bem-aventurados. E como a música aceita os princípios que lhe são
passados pelo aritmético, assim também a doutrina sagrada aceita os
princípios revelados por Deus (AQUINO, 1996: 109).
A teologia, enquanto ciência, tem um sujeito e este é Deus. Porém, Tomás de Aquino afirma que
não é qualquer conhecimento de Deus que é objecto da teologia. O objecto desta ciência não é
formalmente aquele conhecimento de Deus que os filósofos, com mescla de erros, conseguiram
alcançar, senão aquele que só Deus conhece de si mesmo, e que é comunicado aos outros por
revelação. Assim, a razão formal desta ciência é o conhecimento de Deus obtido por Revelação:
tudo o que é cognoscível por revelação divina tem em comum a única razão formal do objeto desta
ciência.

2.1. As Duas Teologias: a Natural e a Revelada

Na concepção de Gilson (1995: 657), existem, para Tomás de Aquino dois modos de se conhecer
a Deus antes de vê-lo, face a face, na visão beatífica. Um é aquele pelo qual a razão, a partir das
suas próprias faculdades, eleva-se a Deus por meio das coisas criadas; outro, é quando Deus
mesmo, por sua libérrima vontade, propõe ao gênero humano certas verdades acerca da sua vida
íntima que excedem a razão natural e que são, por isso mesmo, propostas para serem cridas e não
demonstradas. Trata-se, no primeiro caso, da razão que ascende a Deus por meio das coisas criadas;
no segundo, é Deus que se digna descer até nós por meio da revelação.
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Quanto ao objecto material, pode existir identidade entre estes dois modos de conhecimentos,
porquanto ambos dizem respeito às coisas divinas; já no que toca ao objeto formal, existe uma
diferença notável entre as duas ordens: no conhecimento natural sobre Deus, é o homem, através
unicamente de suas faculdades naturais, quem chega a conhecer certas verdades acerca de Deus, e
isto se dá por via demonstrativa; no conhecimento de Deus pela fé, é Deus quem propõe ao homem
verdades que excedem ao intelecto humano e que, portanto, não podem ser demonstradas, mas
devem ser cridas.

A estes dois modos de se conhecer a Deus, teologia natural e revelada, correspondem duas ordens
de verdades conducentes às coisas divinas. Uma é aquela verdade que excede a capacidade da nossa
razão. Por exemplo: o facto de Deus ser Trino; outra, é aquela verdade que a própria razão pode
provar, é o caso da existência de Deus e da sua unicidade. Ora, destas duas ordens de verdades,
oriundas dos dois modos de conhecimento das coisas divinas que nos são acessíveis nesta vida,
procedem, por sua vez, duas teologias. A primeira é a teologia natural, que a razão elabora; a
segunda, é a teologia revelada, que parte do dogma.

2.1.1. Teologia natural

No que concerne à teologia natural, trata-se da coroa da especulação metafísica e é o ápice do


conhecimento humano. De facto, toda filosofia, diz Tomás, encaminha-se para o conhecimento de
Deus como para o seu fim último e, cristianizando a filosofia de Aristóteles, considerou que razão
e fé estavam no mesmo patamar, sendo uma complementar à outra.

Ora bem, dois são os caminhos pelos quais os filósofos chegaram a saber algo sobre a essência
divina: o primeiro consiste em afastar de Deus tudo o que é próprio das criaturas: é a via da negação;
o segundo consiste em atribuir a Deus, causa infinita de todas as perfeições encontradas nas
criaturas, as perfeições puras que encontramos nelas de forma finita e parcial, realizadas: é o
procedimento analógico (GILSON, Op. Cit.).

Santo Agostinho acreditava que o ser humano só conseguia chegar até um determinado patamar do
conhecimento. Para além disso, seria necessária a iluminação divina. Isso significa que, para este,
não era possível se chegar à verdade no mundo material, somente no Reino dos Céus. Já São Tomás
de Aquino acreditava que era possível gerar conhecimento no mundo terreno no mundo dos
antigos, já que aquilo que é material e concreto é criação de Deus.
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Seguindo as ideias de Aristóteles, São Tomás de Aquino valorizava muito a experiência sensível,
ou seja, a utilização dos nossos sentidos para gerar conhecimento. Aristóteles defendia que só era
possível criar teorias sobre algo se houvesse uma experiência com as coisas materiais. Então, para
São Tomás de Aquino, quando observamos e experimentamos a criação divina, que é o mundo
material, e utilizamos a razão, somos capazes de encontrar diversas respostas sobre o mundo, até
mesmo comprovar a existência de Deus. Deste modo, o fundamento último de toda a teologia
natural é a prova da existência de Deus. Sem ela, toda a abordagem sobre Deus que a razão elabora
perde o seu sustentáculo.

2.1.1.1. As Cinco (5) Vias que comprovam a existência de Deus

Primeira via – Motor primordial: Tudo no universo está em movimento, e para algo se
movimentar, é necessária uma força externa que cause esse movimento. Dessa forma é necessário
que exista algo que deu início ao primeiro movimento, mas que não tinha sido movimentado por
nada. Esse algo, segundo São Tomás de Aquino, é Deus.

Segunda via – Causa eficiente: Todas as coisas possuem causas, sendo elas: i) causa material - do
que as coisas são feitas; ii) causa formal - que são as suas características; e iii) causa eficiente - que
é o que origina/cria alguma coisa. Todo o ser tem uma causa eficiente que o precede. Sendo absurda
a regressão infinita de causas, é necessário que exista algo que não tenha precisado de uma causa
eficiente, tendo causado a si mesmo. Esse algo, segundo São Tomás de Aquino, é Deus.

Terceira via – Ser necessário: Esta via é uma variante da segunda. Ela diz que tudo no universo é
contingente, ou seja, as coisas têm a possibilidade ou não de existirem. E quando existem, não
duram para sempre. Entretanto, as coisas são sempre geradas por outra coisa, têm a sua causa
eficiente em outro ser. Por isso é preciso que exista algo que sempre existiu, ou seja, um ser
necessário (não contingente) e que tenha gerado tudo e que tenha em si mesmo a sua causa
eficiente. Segundo São Tomás de Aquino, esse algo é Deus.

Quarta via – Graus de perfeição: Tudo o que existe no mundo têm um grau de perfeição. Mais e
menos sábios, mais e menos justos, bonitos, bondosos, etc. Entretanto, para que esses parâmetros
de perfeição existam, é necessário que exista algo que possua todos esses parâmetros no nível
máximo possível, para que, assim, seja possível fazer comparações. Só se consegue dizer que
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alguém é muito ou pouco bondoso se houver um padrão ideal de bondade. Segundo São Tomás de
Aquino, o ser perfeito em todos os quesitos que determina esses padrões é Deus.

Quinta via – Governo supremo ou finalidade: Tudo o que existe na natureza tem um papel e nada
existe por acaso; não existe sem ter uma função para a sua existência. Por isso, é necessário algo,
exterior à natureza que define e administra essas funções. Ou seja, é necessário algo que gerencie
o mundo para que as coisas funcionem em harmonia. Segundo São Tomás de Aquino, esse algo,
só pode ser Deus.

2.1.2. Teologia Revelada

Já no que toca à teologia revelada, considera-se que ela é mais perfeita que a teologia natural. Com
efeito, na teologia natural, que é parte da filosofia, consideramos primeiro as criaturas e, depois,
Deus. Na doutrina da fé, acontece o contrário: considera-se primeiro Deus e, à luz de Deus, os seres
criados. Assim sendo, a doutrina sagrada é superior à teologia natural, visto que por ela nos
aproximamos mais da ciência de Deus que, conhecendo a si mesmo em sua essência, conhece
também as criaturas, enquanto verifica que a sua essência é participável.

Embora distintas, a teologia natural e a teologia revelada não entram em desacordo. Ora, os
princípios naturalmente evidentes foram infundidos em nós por Deus, porque Deus é o criador da
natureza. Por conseguinte, tais princípios preexistem na sabedoria divina. Assim, tudo o que
contrariá-los, contrariará, deste modo, a sabedoria divina, e não pode estar em Deus. Portanto, as
verdades da fé, que recebemos também da sabedoria divina por meio da revelação, não podem
entrar em desacordo com o nosso conhecimento natural, posto que também ele, em seus primeiros
princípios, provém da sabedoria divina.

Enfim, Tomás de Aquino aduz vários motivos pelos quais julgou Deus ser conveniente revelar até
mesmo aquelas verdades que poderiam ser alcançadas naturalmente. Dentre estes motivos, destaca-
se: destas verdades depende a nossa salvação; ora, somente com muito labor alguns poucos homens
conseguiriam chegar ao conhecimento delas e não sem mescla de erros; donde, para que todos
tivessem acesso a estas verdades com mais rapidez e sem perigo de errar, Deus dignou-se revelá-
las. São verdades de fé quanto ao modo, mas não quanto à essência.
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3. A Filosofia da Natureza em Tomás de Aquino

A respeito da investigação da natureza, duas observações podem ser feitas. A primeira refere-se à
operação e suas condições. A segunda, por sua vez, diz respeito à sua origem. Quanto à primeira
observação, Tomás a considera a partir das noções de imperfeição e perfeição:

Algo é dito anterior a outro na geração e no tempo e, novamente, na


substância e no complemento. Como, portanto, a operação da natureza
procede do imperfeito para o perfeito e do incompleto para o completo, o
imperfeito é anterior ao perfeito na geração e no tempo, porém o perfeito é
anterior ao imperfeito na substância. Assim como pode ser dito que o
homem é anterior ao menino na substância e no complemento, enquanto o
menino é anterior ao homem na geração e no tempo. Porém, embora nas
coisas geráveis o imperfeito seja anterior ao perfeito e a potência seja
anterior ao ato – considerando que na mesma coisa haja anterioridade do
imperfeito sobre o perfeito, e da potência sobre o ato – dizendo de modo
simples, convém que o ato e o perfeito sejam anteriores; porque o que reduz
a potência ao ato, é, em si mesmo, ato, e o que reduz o imperfeito ao
perfeito, é, em si mesmo, perfeito. A matéria, com efeito, é anterior à forma
na geração e no tempo; aquilo do que algo se torna é anterior ao que se
torna. Porém, a forma é anterior à matéria na substância e no ser completo
(completo esse), porque a matéria não possui ser completo senão pela
forma (GILSON, 1995: 576).
A natureza é caracterizada por Tomás de Aquino, nessa passagem, como causa da mudança
substancial, notadamente, da geração. A explicação da natureza como causa da geração é
estabelecida a partir de três termos: para haver geração, são requeridas três coisas, a saber, ser em
potência, que é a matéria; o não ser em acto, que é a privação; e aquilo pelo qual a potência é
reduzida a acto, isto é, a forma. Nessa passagem, a noção de matéria, enquanto ser em potência,
significa o substracto permanente que torna possível a geração e a corrupção. A privação, o não ser
em acto, refere-se ao substracto que está em potência para qualquer forma, pois, estando sob uma
determinada forma, está privado de qualquer outra, não obstante seja capaz de adquiri-la.

A noção de forma, por sua vez, refere-se à forma do agente natural que é dita o aquilo pelo qual a
operação dá início à geração de uma determinada substância. Todavia, ao voltar para a primeira
passagem citada, constata-se que a forma também é dita o término da geração quando é atribuída
ao efeito da operação do agente natural. Nos dois casos, a potência deve preceder o acto
temporalmente, ou seja, a matéria precede temporalmente o agente natural e a forma adquirida no
término da geração. Isso porque, quando o agente natural dá início à redução da potência ao acto,
ele assim procede a partir do ser em potência, que é a matéria, sendo a forma do efeito adquirida
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no término da geração. Portanto, a consideração da operação da natureza, a partir da noção de


imperfeição, estabelece que a potência precede temporalmente o acto e, ademais, a matéria precede
a forma, e o incompleto precede o completo.

Para Torrel (1999: 56) a ideia de que a natureza é uma criação envolve igualmente um término, um
fim: natura é, em São Tomás, algo referente à consecução de um movimento, ao término da
geração, e não apenas à origem. Origem e fim: para que se possa entender melhor esse aspecto da
concepção de natureza em Tomás de Aquino, convém não perder de vista outro sentido de natura,
isto é, a forma em que algo subsiste. Levar em consideração este sentido evita uma possível
interpretação equivocada, em circunstâncias cujo uso de natureza se refira não diretamente a todas
as coisas, mas antes a algo que lhe diga respeito sob a ótica da doutrina da Trindade, inseparável
de sua doutrina da Criação.

Compreender a natureza como efeito torna o sentido dessa noção em Tomás diferente do sentido
elaborado por Aristóteles, pois, para este, designar a natureza como efeito não tem sentido, uma
vez que sendo a matéria não criada, o mundo e a natureza são eternos no sentido de não criados.
Nessa medida, embora a fórmula da definição de natureza em Aristóteles e em Tomás permaneça
a mesma, o sentido é radicalmente distinto. Para sustentar essa interpretação, observa-se que, para
Tomás, é indissociável a relação entre natureza, movimento e a divindade que cria e conserva os
entes naturais em relação.

O significado de natura em Tomás de Aquino tem assim um alcance mais largo que aquele de
Aristóteles, já que a concepção aristotélica de physis é considerada à luz da compreensão cristã de
Criação. De facto, a ideia judaico-cristã de Criação exerce um papel central no pensamento de
Tomás de Aquino. Essa ideia é indispensável, enquanto pretende tornar inteligível a redução de
todas as coisas a uma origem. Origo significa um certo modo de acção, enquanto generatio, um
certo modo de algo ou para algo. A origem de uma coisa, portanto, não é entendida como algo
intrínseco a ela, mas como um caminho que parte de uma coisa ou termina em outra. Há aqui,
portanto, um movimento de transição de começo a um fim. Com isso Santo Tomás de Aquino está
se confrontando implicitamente com a concepção grega de arkhé. Na perspectiva de Santo Tomás
de Aquino, o termo “origem” mantém uma dupla significação, isto é, natureza e criatura.
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4. A Antropologia tomista

O estudo da antropologia tomista mostra que esta abrange tudo aquilo que se refere ao
enraizamento e desenvolvimento das virtudes no ser humano. A partir da metafísica do Ser, São
Tomás de Aquino voltar-se-ia para um dos temas de seu maior interesse, qual seja, a própria
antropologia. Entre os infinitos seres criados, o Tomás dedicou intenso estudo sobre o ser humano.
Para ele, no ser humano há uma união substancial de alma e corpo. Contudo, não há nele mais do
que uma só alma. Trata-se da alma racional e ela desempenha, inclusive, as funções sensitiva e
vegetativa. E também não há mais do que uma só forma, a própria alma. É assim que fica
resguardada a unidade substancial do ser humano (AQUINO, 1981: 63).

Dentro de uma análise antropológica, São Tomás de Aquino parte da premissa de que tudo o que
existe é bom, por participar da bondade infinita do Ser. Disso decorre a concepção optimista e
positiva que o escolástico tem do ser humano: ele é um ser bom por natureza. Diferentemente dos
demais seres criados, que buscam seu bem por vias impulsivas, o homem pode exercer escolhas,
na medida em que é, por natureza, um ser racional. O homem pode atingir seu fim, sem os
determinismos impulsivos, porque a liberdade lhe é constitutiva e guia até mesmo as suas
necessidades. No pensamento tomista, os seres humanos são dotados de uma recta razão, que
orienta suas livres escolhas. Compreende-se essa liberdade pelo próprio uso dela nas escolhas, o
livre-arbítrio, que caracteriza o agir humano orientado por essa razão de retidão. Uma razão que é
uma espécie de bússola, que guia as acções livres direccionadas para a realização do bem.

O homem não é, como os Anjos, um ser puramente espiritual. Tem um


corpo, material, extenso, composto de partes diferenciadas. Esse corpo não
é um simples agregado acidental das partes que o compõem. Uma
observação atenta da nossa maneira de ser convence-nos de que ele tem
unidade substancial. Sou eu, por exemplo, que me nutro, sou eu que me
movo, sou eu que sinto; é a mim que dói quando me magôo na mão, e não
à mão que magoei. São meus todos os órgãos do meu corpo, meus todos os
actos que eles executam. Sou eu que existo, em mim mesmo, plenamente;
é para a minha vida que estão dispostas todas as partes do corpo; sou, no
sentido que a palavra tem em metafísica, uma substância (BOEHNER;
GILSON, 2000: 468).
Tomás se esforça para pensar o homem como uma unidade substancial de corpo e alma. Neste
caso, pode se falar da distinção entre união acidental e união substancial. A união acidental é aquela
que se dá entre a substância e os seus acidentes. Nela, a união não passa da existência de uma
entidade em outra. Já a união substancial consiste na composição de dois seres que, tomados
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separadamente, permanecem incompletos, mas que, unidos, completam-se, formando um só ser.


Ora, a união substancial é a que se dá entre matéria e forma, é a união existente entre alma e corpo.

Para Tomás de Aquino, no homem, em consequência desta unidade substancial entre corpo e alma,
realiza-se uma união tão intrínseca entre as acções e o sujeito delas que, os actos das suas
faculdades, isto é, das faculdades do sujeito da acção, tanto das sensíveis quanto das inteligíveis,
são chamados atos da pessoa e não simplesmente das faculdades (Cf. VAZ, 2000: 12). Assim,
quando se saboreio uma maçã, não é o meu paladar que a saboreia, mas sou eu quem, por meio do
meu paladar, saboreia-a. Quando quero fazer uma coisa, não é a minha vontade que quer, mas sou
eu quem quer realizar determinada acção. Do mesmo modo, se o meu intelecto conhece algo, não
é o meu intelecto que conhece simplesmente, mas sou eu quem, por meio do meu intelecto,
conhece. Nos exemplos citados, embora a acção seja realizada por um “que”, elas devem ser
atribuídas e reduzidas a um “quem”, ou seja, por meio das faculdades é o “sujeito” quem age.

Todas as diversificações da natureza humana pressupõem a mais radical de todas, que constitui os
indivíduos. O que faz com que um homem seja um homem é a sua natureza e, enquanto natureza
só se realiza numa pluralidade, em si ilimitada de indivíduos. Este aspecto da individualidade é um
dos menos compreendidos em Tomás de Aquino. No homem, tanto como no animal ou em todo o
ser material, a matéria é a raiz da individuação, é por sua união à matéria que a forma, isto é, a
alma se faz indivíduo. Por si mesma, a forma constitui a espécie, não o indivíduo. A partir disso,
compreende-se que:
Pessoa é a substância individual de natureza racional (Persona est
rationalis naturae individua substantia). Pessoa significa o que há de mais
perfeito em toda natureza, a saber, o que subsiste em uma natureza racional
(persona significat id quod est perfectissimum in tota natura,
scilicetsubsistens in rationali natura). Ora, tudo o que diz perfeição deve
ser atribuído a Deus, pois sua essência contém em si toda perfeição.
Convém, portanto, atribuir a Deus este nome de pessoa. Não, porém, da
mesma maneira como se atribui às criaturas [...] Com efeito, como nas
comédias e tragédias se representavam personagens célebres, o termo
pessoa veio a designar aqueles que estavam constituídos em dignidade. Daí
o uso nas igrejas de chamar personalidades àqueles que detêm alguma
dignidade. Por isso, alguns definem pessoa dizendo que é uma hipóstase
distinta por uma qualidade própria à dignidade (persona est
hypostasisproprietatedistincta ad dignitatem pertinente). Ora, é grande
dignidade subsistir em uma natureza racional. Por isso, dá-se o nome
depessoa a todo o indivíduo dessa natureza. Mas a dignidade da natureza
divina ultrapassa toda dignidade, por isso, o nome de pessoa ao máximo
convém a Deus (AQUINO, 2001: 92).
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A substância é aquilo que é apto a existir em si e não em um outro. Opõe-se a acidente. A substância
é a primeira das dez categorias. Faz-se necessário esclarecer que algo pode entrar no significado
de um termo menos geral sem entrar no significado do termo mais geral. Assim, racional está
incluído no significado de homem, mas não no de animal. Pois racional diz respeito ao ato da
inteligência que consiste em ir de uma coisa a outra, de tal sorte que a partir do conhecimento do
que é conhecido se alcance o conhecimento do que é desconhecido. A substância racional da pessoa
afirma que ela é capaz de constituir a terceira operação do espírito, a abstracção.

Segundo Gardeil (2013: 536), para Tomás de Aquino o ser humano constitui extraordinário e
desconcertante mistério. Como matéria está submetido às misérias e servidões do contingente, mas,
como espírito, pela via intelectual torna-se familiar do absoluto e é capaz de grandes superações,
através de ideais elevados. Para entendermos isso, devemos considerar essa unidade composta ou
unidade na dualidade de corpo e alma. Parece que o corpo nós conhecemos bem, mas a alma torna-
se mais difícil conhecê-la. Todavia, não podemos negar essa dimensão natural, que somos nós
mesmos, e da qual depende o exercício de nossa personalidade.

Tanto quanto os modernos, Santo Tomás define a pessoa pela consciência e pela liberdade. No
entanto, censuram-lhe o facto de que comece por dizer que a pessoa é uma substância. Se ela não
fosse uma substância, e uma substância individualizada, não seria real, e todas as riquezas que
evocam as palavras consciência e liberdade não seriam mais que uma ideia abstrata, seriam irreais,
não pertencendo de fato a um ente. Em suma, para ser realmente um centro de consciência e uma
fonte de liberdade, é-lhe preciso primeiramente ser: apenas as “substâncias primeiras” ou
hipóstases são ou existem (NICOLAS, 2000: 42).

A verdade é que Santo Tomás nunca separa a pessoa da natureza no ser humano. É a pessoa que
existe, mas numa natureza determinada que a especifica e com traços individuais que a
particularizam. Tudo o que faz e sofre, no tempo, acrescenta-se a ela. Sobretudo o que cria por sua
liberdade. Mas só pode se realizar em conformidade com sua natureza. A pessoa é a natureza
singular, no estado de autopossessão de si mesma e, por conseguinte, de liberdade. Deve-se dizer,
que todos os seres, e a pessoa humana em particular, tem sua ratio, seu sentido ou razão de ser, na
hierarquia da criação divina e encontra a realização de sua existência ordenando-se ao fim último,
que é o Absoluto, pois o relativo não satisfaz plenamente. Isso deve ser entendido de modo singular,
aplicando a cada pessoa em sua experiência única.
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5. A Ética tomista

A ética construída por Tomás de Aquino está fundamentada no pensamento metafísico. Para ele,
como para toda tradição clássica, a Ética tem como fundamento necessário uma metafísica, e a
estrutura inteligível do agir humano repousa na continuidade entre o especulativo e o prático.
Tomás introduz a reflexão ética, desenvolvida com propriedade, onde visa integrar a totalidade da
ética pessoal e social dentro da construção teológica, assegurando a consistência e autonomia
humana dessa ética em uma sabedoria de inspiração evangélica.

A ética tomista irá estruturar-se no carácter realista por meio de princípios e observância das
normas, que é a própria ética de Aristóteles: “o encontro do senso de justiça de Aristóteles; com
este suplemento da solidariedade que vem da Bíblia, manifesta-se em um ponto central, que tem
hoje a maior atualidade” (SCIADINI, 2000: 121) Para Tomás, a justiça tem a função de
estabelecer a igualdade nas relações e instituições e, com isso, combater o vício da corrupção, que
torna as pessoas contaminadas pela ganância. No Novo Testamento, Tomás observa que este vício
adquire uma dimensão de pecado e de idolatria. Por isso, Tomás exalta demasiadamente a justiça
e constrói uma ética da justiça e da solidariedade. Ora, para Aristóteles, “somente a justiça, entre
todas as virtudes, é o ‘bem de um outro’, visto que se relaciona com o nosso próximo, fazendo o
que é vantajoso a um outro, seja um governante, seja um associado” (ARISTÓTELES, 1987: V.1).

Toda a ética tomista é construída a partir desta rica concepção de natureza humana. Para Tomás, a
ética pressupõe o natural. Afirma ele que as coisas naturais são pressupostas pelas morais. Por isso,
a moral, em Tomás, é o ser do homem. Daí ele dizer que a acção humana, nas coisas morais, ordena-
se para o fim comum de toda vida humana. De sorte que, diferentemente das coisas relacionadas à
arte, onde o erro diz respeito apenas a um fim particular, a saber, à obra a ser feita, se tratando de
moral, quando o erro implica o desvio do que é consoante a natureza humana enquanto tal, o
homem é culpado enquanto homem. Ora, desta concepção resulta uma ética encarnada, melhor,
uma ética que integra corpo e alma.

A ética tomista, embora se apresente enquanto uma ética da liberdade ou das virtudes, ou mais
especificamente da razão prática (prudência), tem seu fundamento na ética aristotélica enquanto
uma ética eudaimónica. Neste ponto, é considerável o fato de haver uma correlação entre vontade
e razão prática na ética filosófica tomista ou mesmo uma identidade destes termos enquanto
fundamentação para seu pensamento.
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Todo o pensamento ético de Aquino radica na aceitação dos princípios cristãos, através da razão e
da fé, em perfeita harmonia, num processo de clarificação dos conceitos e procura de significados,
para fazer da escuridão, luz e da confusão, clareza. Com esse processo, Tomás de Aquino procura
estudar o lugar e a natureza dos seres humanos na ordem cósmica criada por Deus. Em ordem a
solucionar esse problema, procura respostas para as seguintes questões: Como podemos descobrir
uma verdade? Como pode a pessoa ordenar a sua vida em função do Bem? Consciente de que a
ética deve ser fundada no conhecimento teológico e no conhecimento filosófico, na fé e na razão,
Aquino procura conciliar a visão aristotélica com o conhecimento profético e revelado dos
Evangelhos.

Lima Vaz (1999: 98) entende que a ética tomista é eminentemente teleológica. Aquilo que todos
os seres humanos procuram é a felicidade, um conceito polissémico, cuja complexidade semântica
o filósofo enuncia nos seguintes termos: "é uma certa completude, e uma vez que diferentes
espécies de coisas estão equipadas com vários graus de perfeição, o termo admite vários
significados". A felicidade exige uma finalidade última apropriada, isto é, uma finalidade
iluminada pelo Bem. À semelhança de Aristóteles, na Ética a Nicómaco, Aquino defende que só
pode haver uma única finalidade última. Embora haja muitas finalidades que podem contribuir para
a finalidade última, a verdade é que as riquezas, a honra, a fama, o poder, a saúde e os prazeres dos
sentidos, sendo coisas boas, não são finalidades últimas. Senão repare-se: uma pessoa pode usar o
poder para oprimir os outros, a saúde para matar um inocente ou as riquezas para explorar o seu
semelhante.

Podíamos, ainda, perguntar: como é que foi criada a riqueza? Como é que se adquiriu a honra?
Como é que se conquistou a fama? Como é que se conquistou o poder? Aquino ultrapassa este
paradoxo, afirmando que, esses bens só são elementos constituintes da felicidade, quando são
ordenados correctamente em função da razão e da fé. Quais são, então, as características que tornam
a felicidade possível? A primeira condição é a existência de uma vontade boa, isto é, correctamente
orientada, ordenada e controlada pela razão e pela fé. A compreensão e o prazer, não sendo pré-
requisitos, andam associados à felicidade, pois os amigos, os bens materiais essenciais à vida e a
saúde são necessários à felicidade, mas não são suficientes.
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CONCLUSÃO

Culminado o trabalho intitulado: O Pensamento Filosófico de São Tomás de Aquino, conclui-se


que a análise sobre o pensamento filosófico de Tomás de Aquino abre caminho para a compreensão
do pensamento filosófico do Ocidente. Para a cultura cristã, Tomás é mestre de vida espiritual e
teólogo. Sua contribuição para o mundo moderno vai além de uma reflexão filosófico-teológica:
desenvolveu uma sólida harmonia entre razão e fé.

O pensamento de Tomás teve influências nos séculos posteriores: na arte e na poesia, na teologia
moral cristã e em debates dogmáticos. A pesquisa sobre o pensamento de Tomás de Aquino revela
uma necessidade própria de entender o mundo ocidental e suas transformações ao longo dos
séculos, como também e principalmente, analisar a natureza do homem.

A sabedoria teológica de Aquino, portanto, não comporta apenas mistérios, mas também objectos
demonstráveis unicamente pela razão, como é o caso da existência de Deus e da sua unicidade.
Ora, isto a torna apta para entrar em diálogo com os não crentes. Por outro lado, a teologia de
Tomás não se identifica com a fé pura, sequer quando estuda os dogmas. Com efeito,
diferentemente do acto de fé, no qual assentimos às verdades divinamente relevadas tão somente
em virtude da autoridade de Deus, em teologia, aderimos a estas mesmas verdades por possuírem
um nexo inteligível entre si.

Tomás de Aquino, a exemplo de Aristóteles, desenvolve uma teoria ética teleológica, na que a ideia
do bem é suprema. Para ambos, os actos humanos derivam sua qualidade moral da sua relação com
o último fim do homem. Essas categorias, bem e fim, são originadas na metafísica e, por isso,
identificam a ética de Tomás como ética filosófica. Nesta perspectiva, a acção ética do ser humano
é uma disposição para sua realização e perfeição como ser dotado de razão e liberdade.

O pensamento tomasiano desenvolveu-se em um ambiente marcado significativamente pela


racionalidade escolástica e pela influência dos poderes espiritual e temporal. A partir dos princípios
da metafísica, São Tomás de Aquino encaminhou suas reflexões para uma antropologia que
caracteriza as criaturas humanas como seres racionais e livres, capazes de ordenação de suas ações
para o bem, que é o fim próprio a ser alcançado dentro da perspectiva teleológica. O ser humano,
como agente racional e livre, é apto a orientar suas ações para a perfeição e ordem. Isso implica
uma ordenação de fins, segundo uma escala de perfeições.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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