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ESPAÇOS POSICIONAIS EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA:


INTERCULTURALIDADE, ETNOMATEMÁTICA E ETNOGRAFIA CRÍTICA

Conference Paper · July 2015

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Mônica Mesquita Cristiane Coppe


Universidade NOVA de Lisboa
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4º Simpósio Internacional de Pesquisa em Educação Matemática
29, 30 de junho e 01 de julho de 2015

ESPAÇOS POSICIONAIS EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA:


INTERCULTURALIDADE, ETNOMATEMÁTICA E ETNOGRAFIA CRÍTICA

Cristiane Coppe de Oliveira1


Universidade Federal de Uberlândia(UFU)/USP
Monica Mesquita2
Universidade de Lisboa (UL)
Adriana Salete Loss3
Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS)

RESUMO

Enquanto pesquisadoras que buscam problematizar as investigações em Educação


Matemática que valorizam os saberes e fazeres locais, percebemos que no contexto
científico dessa área há um distanciamento entre os processos formativos da
educação formal e não-formal como dinâmica cultural do encontro. Tal inquietação
nos conduziu a retomar na literatura as propostas da Educação Intercultural, do
Programa Etnomatemática e da Etnografia Crítica, com o intuito de encontrarmos os
contributos dessas vertentes para as pesquisas em Educação Matemática. A
proposta de uma Educação Intercultural para a Educação Matemática permite o
desenvolvimento de um olhar pedagógico para dimensões como: globalização,
multiculturalismo, questões de gênero e de etnia, novas formas de comunicação,
manifestações culturais dos sujeitos em suas diferentes etapas do desenvolvimento,
expressões de diferentes classes sociais, movimentos culturais e religiosos, diversas
formas de violência e exclusão. Essas dimensões configuram novos e diferenciados
cenários sociais, políticos e culturais, que influenciam na construção do
conhecimento e de saberes, contemplados, de igual modo, pela Etnografia Crítica e
pelo Programa Etnomatemática. Objetivamos desenvolver uma reflexão teórica
buscando apresentar algumas interfaces entre a educação intercultural, a
etnomatemática e a etnografia crítica. Tal movimento requer a identificação das
possibilidades de novos olhares que podemos construir para as pesquisas em
Educação Matemática, numa dimensão crítica do saber.

Palavras chave: Educação Intercultural. Programa Etnomatemática. Etnografia


Crítica.

1
criscopp@pontal.ufu.br
2
mbmesquita@ie.ulisboa.pt
3
adriloss@uffs.edu.br
509
In: Anais do Simpósio Internacional de Pesquisa em Educação Matemática, 4º, 2015, Ilhéus,
Anais..., Ilhéus, Bahia, Brasil. p.509-520. ISSN 2446-6336.
Espaços posicionais em Educação Matemática: Interculturalidade,
Etnomatemática e Etnografia Crítica

INTRODUÇÃO

A presença do multiculturalismo, de acordo com LOSS (2012), continua a


desafiar a educação para a interculturalidade, em que se dá a promoção da relação
intercultural, ou seja, a interação e reciprocidade entre grupos diferentes para o
reconhecimento da identidade cultural, para o enriquecimento mútuo e para a
solidariedade. Assim, a proposta de Educação Intercultural, conforme Fleuri (2001,
p.53), “se configura como uma pedagogia do encontro até suas últimas
consequências, visando promover uma experiência profunda e complexa, no
encontro/confronto de narrações diferentes [...].
De acordo com SABARIEGO (2002), no contexto europeu existe um
consenso geral dos autores que reconhecem o termo intercultural com a conotação
diferente do multicultural.

O termo multicultural expressa simplesmente a situação real de uma


sociedade com vários grupos culturais que mantêm uma certa
coesão entre si a partir de alguns valores e normas. Enquanto o
termo intercultural afirma explicitamente a realidade do diálogo, a
reciprocidade, a interdependência e expressa um desejo, um método
de intervenção por meio do qual a interação entre as diferentes
culturas seja uma fonte de enriquecimento mútuo (Sabariego, p. 74).

O autor ainda afirma que o modelo educativo “educação intercultural”, admite


que a diversidade étnica e cultural é um elemento positivo e enriquecedor na vida de
todas as pessoas e pretende ajudar o sujeito a reconhecer e aceitar tanto a própria
identidade como reconhecer as identidades culturais dos outros. Ambos requerem a
formação de um sentimento de pertencimento aberto à pluralidade e do educar em
valores, que tem como meta possibilitar os sujeitos ao conhecimento e ao diálogo
sobre os problemas éticos mais significativos segundo sua experiência vital.
Nesse sentido, tanto a educação formal quanto a educação não-formal podem
ser ressignificadas a partir da perspectiva do diálogo intercultural, no sentido da
troca de experiências, do reconhecimento da diversidade de linguagens e,
consequentemente, da abertura aos etnoconhecimentos e etnosaberes. Tal
ressignificação requer, em primeira instância, que as propostas de
pesquisa/investigação tragam em seus discursos teórico-práticos os fundamentos da
Interculturalidade.
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4º SIPEMAT
Oliveira; Mesquita; Loss

Pela interculturalidade ultrapassamos as fronteiras étnicas em que todas as


vozes, que falam e ouvem, são reconhecidas e respeitadas, bem como, as
experiências, as diferentes linguagens e os conhecimentos da singularidade da cada
cultura são compartilhados no sentido de provocação da construção do
conhecimento.
A Educação Intercultural comporta, também, ultrapassar o egocentrismo
cultural e a visão cartesiana-newtoniana do conhecimento, em que a diversidade é
importante e necessária para a construção do conhecimento e que todos os
conhecimentos são válidos dentro dos seus propósitos de contexto real. Não há
desigualdades de inteligências e nem a hipervalorização de um conhecimento em
detrimento do outro.
Nessa dimensão, para reafirmar o que temos dito, é possível buscarmos as
contribuições da etnomatemática, em que de acordo com D’AMBROSIO (1990), ela
não é apenas o estudo de matemática das diversas etnias, mas o esforço para
colocar a matemática no seu contexto histórico, cultural e social; é a
contextualização do conhecimento que revisitado, reinterpretado e reconstruído
passa a indagar: Conhecer para quê? Conhecer com quem? A favor de quem? De
igual modo, a Etnografia Crítica passa a ser o alicerce teórico-metodológico para a
prática de uma Educação Intercultural, em que todos os saberes estão em igualdade
e, constituem-se como possibilidades diferenciadas de interpretação da realidade e
do conhecimento.
Assim, ao entendermos que a literatura e as experiências com a Educação
Intercultural, o Programa Etnomatemática e a Etnografia Crítica podem fazer parte
do contexto das pesquisas em Educação Matemática, apresentamos as interfaces
entre a Educação Intercultural, o Programa Etnomatemática e a Etnografia Crítica no
que tange a diversidade cultural e a dinâmica do encontro. As interfaces que a
seguir explicitaremos foram construídas em diálogos entre as pesquisadoras autoras
desse texto que acreditam no saber transcultural nos espaços formais e não-formais
da Educação.

EDUCAÇÃO INTERCULTURAL

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4º SIPEMAT
Espaços posicionais em Educação Matemática: Interculturalidade,
Etnomatemática e Etnografia Crítica

A perspectiva da educação intercultural requer a socialização de experiências


entre as diferentes gerações e culturas, permeada pela metodologia do conflito e da
transformação e que, promova a objetividade do conhecimento considerando e
valorizando a intersubjetividade e a subjetividade humana. “Isto significa uma
relação de troca e de reciprocidade entre pessoas vivas, com rostos e nomes
próprios, reconhecendo reciprocamente seus direitos e sua dignidade. Uma relação
que vai além da dimensão individual dos sujeitos e envolve suas respectivas
identidades culturais diferentes” (Fleuri, 2001, p.53).
A Educação Intercultural possui características lidando com três espaços. O
espaço de culturas antagônicas (a diversidade está presentificada no individual e no
coletivo. A relação intercultural emerge da singularidade e da pluralidade de
concepções, ideias, valores, costumes, crenças, etc., constituindo-se na
reciprocidade e no conflito); o espaço da mediação afetiva (a educação volta-se para
o desenvolvimento da realização do ser humano. É concebida a ideia de que o ser é
um sujeito integral, com diferentes inteligências - físicas, psíquicas, cognitivas,
emocionais, espirituais, sociais, entre outras) e o espaço da autonomia (o educador
compreende o educando como um ser de liberdade. Na relação educativa ocorre a
descentralização do poder, que pelo diálogo problematizam e desproblematizam
experiências culturais).
A Educação Intercultural ainda requer um processo pedagógico de mediação
dos conflitos, em que aos sujeitos é facultada a liberdade para o diálogo, de modo a
permitir a não cegueira frente ao mundo do Eu e do Nós. O intuito da Educação
Intercultural nos processos educativos e formativos é proporcionar aos sujeitos
participantes o desenvolvimento nas dimensões pessoal, relacional e cultural. Por
isso, conforme Torremorell (2008, p.58), “o cenário mediador não coloca uma
pessoa em frente de outra, mas lado a lado”, para a tarefa coletiva e individual da
busca de significados às relações e às ações.
Desse modo, a proposta da Educação Intercultural, mediatizada com os
contributos do Programa Etnomatemática e da Etnografia Crítica podem instigar a
recriação da educação formal e não-formal, em que os sujeitos possam aprender
com e a partir da pluralidade de conhecimentos e, ainda, possam aprender que suas
experiências também são saberes, válidos e necessários, para a interpretação e

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4º SIPEMAT
Oliveira; Mesquita; Loss

compreensão do mundo. Nesse sentido, a Educação Intercultural entrelaça-se às


dimensões das propostas do Programa Etnomatemática e da Etnografia Crítica.

O PROGRAMA ETNOMATEMÁTICA

Os apontamentos que se referem à perspectiva da Educação Intercultural


podem vincular-se ao Programa Etnomatemática, que, segundo D´AMBROSIO
(2001), é um programa de pesquisa com óbvias implicações pedagógicas. Outros
pesquisadores na área, como FRANKENSTEIN & POWELL (1997) e KNIJNIK
(1996), interpretam o termo, apontando-o como um programa de pesquisa que se
desenvolve junto com a prática escolar, reconhecendo que todas as culturas
produziram e produzem conhecimentos matemáticos.
As etnomatemáticas, segundo D´Ambrosio (2014, p.10),
são estratégias do povo para sobreviver (lidar com o cotidiano) e
para transcender (explicar fatos, fenômenos e mistérios e criar
opções para o futuro), característica da espécie humana. O
Programa Etnomatemática é a teorização dessas estratégias. Há
inúmeras etnomatemáticas, praticadas de forma diferente, por grupos
culturalmente identificados (profissionais, trabalhadores, jogadores,
crianças brincando, grupos étnicos confraternizando). É uma forma
de conhecimento explicado em linguagem comum, sem formalismo
próprio, e transmitido por uma pedagogia similar a do ensino mestre-
aprendiz, típica do artesanato. O que é transmitido é aceito e
absorvido, pois funciona na situação específica, satisfazendo as
pulsões de sobreviver e de transcender.

Ainda segundo o autor, a etnomatemática depende de reconhecer


comportamento e conhecimento – que são desenvolvidos pela espécie humana para
satisfazer as pulsões de sobrevivência e transcendência - com uma visão
transdisciplinar, transcultural e holística.
Nesse sentido, o programa Etnomatemática questiona os fatores que
influenciam a educação pensando em um currículo Trivium, ou seja, que considere a
Literacia (capacidade de processar criticamente informação escrita e falada, o que
inclui leitura, escritura, diálogo, mídia, internet); a Materacia (capacidade de
interpretar e analisar criticamente sinais e códigos, de propor e utilizar modelos e
simulações na vida cotidiana, de elaborar abstrações sobre representações do real)
e a Tecnoracia (capacidade de usar e combinar criticamente instrumentos, simples
ou complexos, inclusive o próprio corpo, avaliando suas possibilidades e suas
limitações e a sua adequação a necessidades e situações diversas).
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4º SIPEMAT
Espaços posicionais em Educação Matemática: Interculturalidade,
Etnomatemática e Etnografia Crítica

Nas práticas educativas em Matemática, em sua grande maioria, há um


distanciamento da temática cultural na sala de aula, isentando a ciência de qualquer
relação ou estabelecimento de novos discursos para uma educação intercultural.
Temas como diversidade, pluralidade cultural, racismo, discriminação, que fazem
parte do cotidiano dos espaços educativos, não são levados em conta, criando-se
um vácuo entre a relação educador-educando e a aprendizagem matemática. De
igual modo, tal constatação também é feita no que tange o caráter das pesquisas em
Educação Matemática.
Percebemos, por um lado, que a área de Matemática apresenta dificuldades
em contribuir, significativamente, com a divulgação e a valorização sociocultural da
história dos diferentes povos sem privilegiar o olhar exclusivamente eurocêntrico.
Um exemplo de tal fato é pensarmos que a origem da matemática inicia-se com o
povo grego, desconsiderando a oralidade dos povos africanos e babilônicos ou
mesmo pensar que quase nada se produziu em termos de conhecimento
matemático, por não se apresentar em fonte escrita. Por outro lado, vemos que a
proposta da Educação Intercultural pode levar os educandos a perceberem as
dimensões culturais, sociais e políticas da matemática.
Assim como a proposta da Educação Intercultural, no Programa
Etnomatemática, sugere-se a ideia de perfil de um novo educador. Esse perfil deve
envolver aspectos conceituais, sem se preocupar com mecanização das técnicas.
Deve dedicar tempo para ser um comentarista crítico e um animador cultural com
objetivos maiores da educação, que são o estímulo à criatividade e a tomada de
consciência de cidadania. Isso o levará a agir e a partir de experiências do cotidiano;
e o cotidiano tem que ter um papel fundamental na formação do professor.
Tal como considera D´Ambrosio (2014, p. 14-15)
o professor deve ter um novo perfil, não um mero repetidor e
cobrador de resultados, mas um estimulador de criatividade e um
despertador de consciência, um comentarista crítico e companheiro
dos alunos na procura do novo.

Considera-se relevante a prioridade de aprofundamento dessa discussão, no


que se refere à formação do professor de Matemática, pois conforme apontam
COSTA & OLIVEIRA (2010),
são recorrentes os discursos de que o ensino da matemática deve
estar voltado para uma melhor compreensão da realidade, dos
fenômenos sociais, do desenvolvimento da cidadania, contribuindo
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4º SIPEMAT
Oliveira; Mesquita; Loss

para com as transformações socio-históricas. Entretanto,


cotidianamente, muitos professores de matemática consideram que,
no ensino da disciplina, não lhes cabe explorar questões de
importância fundamental tais como os preconceitos raciais e/ou
culturais. Outros, alegam que sua formação (tradicional) não contribui
para que eles façam as necessárias associações entre conteúdos
matemáticos e tais problemas. De fato, não são raros aqueles que
manifestam o desejo, mas também as dificuldades de redimensionar
suas ações, de modo a abrigar reflexões referentes à diversidade
cultural e racial. (Costa e Oliveira, 2010, p.3)

A recriação de um novo perfil de educador e de pesquisador para a Educação


Matemática exige a reconstrução das concepções, das teorias e das práticas
metodológicas, que podemos, entre tantas possibilidades, buscar olhar a partir da
Etnografia crítica.

ETNOGRAFIA CRÍTICA

Assim como a Educação Intercultural e a Etnomatemática, a Etnografia Crítica


posiciona-se como ferramenta educacional política, a qual também convida o ser
humano a parar de se sentir estranho no mundo, a ser um construtor ativo de sua
própria história.

Enquanto perspectiva teórico-metodológica, o processo da prática etnográfica


crítica centra-se em (1) desmistificar a atitude de pesquisa focando a literacia
científica para todos – generaliza-a enquanto um ato humano, (2) proporcionar o
entendimento de que não há apenas uma racionalidade, (3) descobrir e documentar
coletivamente conhecimentos do cotidiano que nem sempre são reconhecidos no
discurso hegemônico acadêmico e (4) permitir vivenciar minuciosamente o
movimento de construção sociocultural da prática de pesquisa, favorecendo uma
análise das desigualdades socioeconômicas culturais na “perspectiva do oprimido”.
(TRUEBA, 1999)

Na história de membros da cultura etnográfica, a necessidade de alguns em


resistir a domesticação imposta pela condição hegemônica e apolítica das pesquisas
etnográficas desenvolvidas até meados dos anos 60 questionando para além do “o
que é isso?”, trazendo a possibilidade holística do “o que poderia ser isso?”, é um
dos indicadores que marca o processo de nascimento da Etnografia Crítica
enquanto perspectiva teórico-metodológica (THOMAS, 1993). Tal domesticação

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Espaços posicionais em Educação Matemática: Interculturalidade,
Etnomatemática e Etnografia Crítica

assenta-se na violência de como práticas e pensamentos estereotipados são


construídos dentro de uma norma de produtividade da estrutura social acadêmica –
na cultura acadêmica, e como estes produzem práticas de reprodução do processo
de desigualdade socioeconômico cultural.

Desta forma, a Etnografia Crítica caracteriza-se pela intencionalidade política


do ato de pesquisa – utilizando os conhecimentos tanto para a mudança
socioeconômica quanto para o questionamento da ordem simbólica cristalizada que
nos permeia (ANDERSON, 1989; THOMAS, 1993). Confluindo com sua
intencionalidade, esta perspectiva teórico-metodológica clama pela diluição do
centrismo exercido pelo pesquisador confluindo para um novo paradigma na
pesquisa – pesquisar “com” e não “para”, transformando a pesquisa num ato
popular, onde o terreno comum da academia passa a ser os problemas mundanos
(MESQUITA, 2014) e transformando a postura, bem como a posição, do
pesquisador etnográfico.

A Etnografia Crítica, no campo da pesquisa em Educação, teve seu


surgimento nos anos 60, via antropólogos educacionais (ANDERSON, 1989), sendo
ela própria constituída via um exercício interdisciplinar. A literatura específica em
Educação começa a surgir nos anos 80 (BARTON, 2001). Desde o seu surgimento
no campo educacional, a Etnografia Crítica tem sido criticada por ser considerada
muito focada em teorias de produção e reprodução, a-histórica, com uma agenda
ideológica e sem métodos adequados de pesquisa (ANDERSON, 1989).

Atualmente, percebemos dois movimentos ligados a prática etnográfica crítica


na pesquisa em Educação: ampliação e resistência. O movimento de ampliação
fortalece tanto a agenda ideológica (com movimento botton-up, de abertura, que
contempla a imprevisibilidade,...) quanto o abraço às causas humanitárias-
ambientalistas, por meio do desenvolvimento da pesquisa enquanto práxis, bem
como os alicerces teórico-metodológicos desta prática. Do processo de ampliação
surge o rigor à análise de práticas culturalmente hegemônicas, à documentação dos
conflitos culturais em contextos de aprendizagem por meio de lentes de gênero,
classes socioeconómicas, etnicidade e raça, à verificação da reprodução da ordem
social bem como à valorização do direito de voz em uma linguagem própria e por
meio de sua própria experiência.

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Oliveira; Mesquita; Loss

Do movimento de ampliação nasce o movimento de resistência; por um lado o


pesquisador resiste em se colocar em um processo de transformação, o qual sentiria
reflexos em sua própria condição de sobrevivência, e por outro lado, o próprio
sistema hegemônico acadêmico resiste a uma posição dicotômica de sua própria
prática – o movimento de legitimar uma perspectiva teórico-metodológica que
caminha para uma educação emancipatória.

A Etnografia Crítica aparece em um movimento crescente e discreto dentro da


pesquisa em Educação Matemática, contribuindo para manifestar a colaboração
crítica entre todos os participantes, buscando estabelecer interfaces com o
Programa Etnomatemática e com a Educação Intercultural e procurando desvendar
questões sobre o papel das aulas de matemática na reprodução socioeconômica e
cultural das classes sociais, assim como papéis de gênero e do preconceito racial e
étnico em diferentes processos educacionais. (MESQUITA, 2008; DE CARVALHO,
2011; MESQUITA, PAIS, FRANÇOIS, 2014).

CONSIDERAÇÕES EM ABERTO

No exercício do pensar a proposta de estreitamento entre a Educação


Intercultural, o Programa Etnomatemática e a Etnografia Crítica em um processo
dialógico, nunca conclusivo, identificamos algumas interfaces como: o
reconhecimento da diversidade cultural; a metodologia crítica, participativa,
colaborativa e mediadora; a pedagogia do conflito, do transcultural, do holístico e do
ato emancipatório; o reconhecimento e o estudo da diversidade de saberes; e, a
proposta de construção de projetos de intervenção para a construção da cidadania
ativa.

Tais interfaces podem possibilitar a construção de projetos de investigação e


de vivências educativas e pedagógicas a serem desenvolvidas em cursos de
formação inicial, de modo, a permitir aos futuros educadores,
[...] reconhecer e valorizar as expressões culturais particulares de
todos os agrupamentos humanos, não só por uma razão
epistemológica, evitando assim todas as formas de etnocídio
epistêmico, mas também por razões éticas e políticas, pois sem a
garantia de sua identidade, as pessoas humanas não podem ser
autônomas, livres e emancipadas (Severino, 2013, p. 42).

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Espaços posicionais em Educação Matemática: Interculturalidade,
Etnomatemática e Etnografia Crítica

Dessa forma, o educador e pesquisador buscam desenvolver uma educação


intercultural na perspectiva de penetrar no universo de preconceitos e
discriminações presentes na sociedade brasileira. Essa realidade se apresenta entre
nós com um caráter difuso, fluído, muitas vezes sutil, e está presente em todas as
relações sociais. A “naturalização” é um componente que a faz em grande parte
invisível e especialmente complexa.
Para a promoção de uma educação intercultural, segundo nos orienta
CANDAU E KOFF (2006), é necessário reconhecer o caráter desigual, discriminador
e racista da nossa sociedade, da educação e de cada um (a) de nós. Desenvolver
estratégias nessa perspectiva é fundamental. Questionar o caráter monocultural e o
etnocentrismo que explícita ou implicitamente impregnam os currículos escolares.
Articular igualdade e diferença: é importante articular no nível das políticas
educativas, assim, como das práticas pedagógicas, o reconhecimento e a
valorização da diversidade cultural, com as questões relativas à igualdade e ao
direito à educação, como direito de todos (as). Resgatar os processos de construção
das nossas identidades culturais, tanto no nível pessoal como no coletivo. As
histórias de vida e da construção de diferentes comunidades socioculturais são
elementos fundamentais nessa perspectiva. Promover experiências de interação
sistemática com os “outros”: para sermos capazes de relativizar nossa própria
maneira de situarmo-nos diante do mundo e atribuir-lhe sentido, é necessário que
experimentemos uma intensa interação com diferentes modos de viver e expressar-
se. Os autores ainda consideram que é necessário reconstruir a dinâmica
educacional: a educação intercultural não pode ser reduzida a algumas situações
e/ou atividades realizadas em momentos específicos, nem focalizar sua atenção
exclusivamente em determinados grupos sociais. Trata-se de um enfoque global,
que deve afetar todos os atores e a todas dimensões do processo educativo, assim
como os diferentes âmbitos em que ele se desenvolve. No que diz respeito à escola,
afeta a seleção curricular, a organização escolar, as linguagens, as práticas
didáticas, as atividades extraclasse, o papel do professor, a relação com a
comunidade etc. Favorecer processos de “empoderamento”, principalmente
orientados aos atores sociais que historicamente tiveram menos poder na
sociedade, ou seja, menores possibilidades de influir nas decisões e nos processos
coletivos. O “empoderamento” começa por liberar a possibilidade, o poder, a

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4º SIPEMAT
Oliveira; Mesquita; Loss

potência que cada pessoa tem, para que ela possa ser sujeito de sua vida e ator
social.

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