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UNIVERSIDADE EDUARDO MONDLANE

Faculdade de Filosofia
Departamento de Graduação

Ericson Sembua
Manuel Honwana
Maria Maposse
Rosalina Cossa

Modelos de Felicidade na Sociedade actual moçambicana em Brazão Mazula

(Licenciatura em Filosofia)

Trabalho de investigação científica


apresentado à Unidade Curricular de ÉTICA
II na Faculdade de Filosofia da UEM como
requisito parcial de avaliação.

Docente:
Mestre Nazarete Justino Raice

Maputo
Março de 2023
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ÍNDICE

INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 3

Modelos de Felicidade Em Moçambique ................................................................................... 5

1. Modelo Discriminatório ......................................................................................................... 6

2. Modelo Utópico ...................................................................................................................... 7

3. Modelo Globalizante .............................................................................................................. 8

CONCLUSÃO .......................................................................................................................... 10

BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................................... 11
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INTRODUÇÃO
Este trabalho versa sobre Os Modelos de Felicidade na Sociedade actual moçambicana em
Brazão Mazula, abordando as suas principais características e o pensamento do autor sobre a
sua forma de manifestação.

O conceito de felicidade desempenha um papel significativo na ética, pois é frequentemente


considerada um dos principais objectivos da vida humana. Muitas teorias éticas, antigas e
modernas, visam orientar os indivíduos para a felicidade e o bem-estar, seja como objectivo
final ou como condição necessária para uma vida boa. Ademais, o conceito de felicidade
também é incorporado às discussões sobre direitos humanos, justiça social e papel do governo
na promoção do bem-estar. Deste modo, o presente exercício académico, está fundado sobre a
seguinte questão: de que forma é concebida a felicidade e suas manifestações na sociedade
moçambicana?

Muitas teorias éticas também argumentam que todo o indivíduo tem uma responsabilidade
moral de promover a felicidade e o bem-estar, tanto para si quanto para os outros. Por
conseguinte, a felicidade é uma questão importante na ética porque está ligada ao florescimento
humano, à responsabilidade moral, aos princípios éticos, questões sociais e políticas e
responsabilidade pessoal. Ao compreender o papel da felicidade na teoria e na prática ética,
pode-se trabalhar para promover uma sociedade mais justa, equitativa e satisfatória para todos.

A realização deste trabalho tem como objectivo geral: conhecer os modelos de felicidade
apresentados por Mazula. Para atingir tal intuito, foram definidos como objectivos específicos:
a) caracterizar o pensamento de Mazula sobre felicidade; b) mostrar o pensamento de autores
consultados por Mazula; c) analisar a relação e o grau de aplicabilidade dos modelos de
felicidade de Mazula na realidade actual moçambicana.

Para responder aos objectivos propostos para este trabalho, foi aplicado o método de pesquisa
bibliográfica, procurando, de forma crítica, analisar e interpretar os escritos de variados autores,
com destaque ao autor que é objecto de análise no trabalho.

Brazão Mazula, sob o auxílio de Agostinho de Hipona e de outros filósofos, apresenta três
diferentes modelos de felicidade para a actual sociedade moçambicana, que se manifestam de
três formas distintas. O primeiro modelo de felicidade apresentado por Mazula é o Modelo
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Discriminatório, o segundo é o Modelo Utópico e o último é o Modelo Globalizante. Quanto


às formas de felicidade, a primeira é a Felicidade Orata, que é uma forma ignorante de
felicidade; a segunda é a Felicidade Parasita; e a última é a Felicidade Caduca.

O trabalho está dividido em três partes fundamentais, buscando cada uma delas, abordar e
contextualizar cada modelo de felicidade em Mazula.
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Modelos de Felicidade Em Moçambique

Para fazer-se ao tema da felicidade, Brazão Mazula1 parte do pressuposto cicerano segundo o
qual a filosofia é uma espécie de "sabedoria e arte de viver a traz a felicidade verdadeira"
(CÍCERO apud MAZULA, 2008: 59). Neste pressuposto, a verdadeira felicidade só poderia
ser alcançada por meio de uma vida de virtude, que envolvia o cultivo da sabedoria, coragem,
justiça e moderação. Deste modo, a felicidade não seria apenas uma emoção ou prazer fugaz,
mas sim um estado de ser alcançado por meio de uma vida virtuosa e do cumprimento dos
deveres para consigo mesmo, com a família e com a sociedade como um todo.

Em Agostinho, Mazula busca a concepção de felicidade segundo a qual “a vida feliz consiste
no perfeito conhecimento e na posse ou no gozo de Deus como Bem absoluto e perfeito”
(AGOSTINHO apud MAZULA, 2008: 60). Assim, Agostinho pensa a felicidade como um
estado espiritual de paz interior e contentamento que está enraizado em nosso relacionamento
com Deus e conhecimento d’Ele que só pode ser alcançado amando e servindo a Ele.

Mazula recorda ainda a concepção de outros grandes nomes da filosofia sobre felicidade,
revelando que Sócrates, Platão e Aristóteles entendiam a felicidade como a posse do bem
supremo, e que consistia no aperfeiçoamento do homem como tal, desenvolvendo actividades
que o diferenciam de todas as outras coisas, de tal maneira que “quem quiser viver feliz deve
viver segundo a razão, não segundo a riqueza” (MAZULA, 2008: 59). É então nessas e noutras
concepções de felicidade que Mazula busca a determinação de um modelo para a sociedade
actual moçambicana e as suas formas de manifestação.

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Brazão Mazula nasceu a 18 de Outubro de 1944, em Messumba, província do Niassa, norte de Moçambique. Frequentou o
Ensino Primário na Escola da Missão Anglicana de Messumba de 1951 a 1957, depois de algum tempo na Missão Católica de
Massangulo. Fez o 12º Ano da Escola Normal de Formação de Professores Indígenas na Missão Católica do Marrere, em
Nampula, e no Colégio-Liceu Vasco da Gama, de Nampula. Graduou-se em Filosofia e Teologia, entre 1964 e 1971, no
Seminário Maior de S. Pio X de Lourenço Marques.

Em 1973, é ordenado sacerdote pela diocese de Vila Cabral, hoje Lichinga. De 1973 a 1976 deu aulas no Colégio-Liceu de S.
Teotónio e foi Reitor do Seminário Menor de Cuamba e mais tarde Director daquele Colégio. Depois de ter desistido do
sacerdócio, tornou-se funcionário do Ministério da Educação e Cultura, exercendo várias funções, de 1976 a 1988. Fez
mestrado em Ciências da Educação e, em 1993, obteve o grau de Doutor (PhD) em História e Filosofia da Educação, pela
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), com a classificação máxima. Em 1994, foi indicado pelas forças
políticas para presidir à Comissão nacional de Eleições, dirigindo e organizando as primeiras eleições multipartidárias.

Foi Reitor da Universidade Eduardo Mondlane de 1995-2006. Publicou várias obras, entre as quais “A Universidade na Lupa
de Três Olhos: Ética, Investigação e Paz”, “Pensar a Educação Perfeita: Comemorando Einstein 100 Anos Depois”,
Moçambique: Eleições, Democracia e Desenvolvimento”, “A Utopia de Pensar Educação” e outras. É, actualmente, docente
na Faculdade de Filosofia da UEM, e reitor da UTDEG.
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1. Modelo Discriminatório

O Modelo Discriminatório de felicidade é aquele cuja natureza "marcou a sociedade


moçambicana na época colonial" (MAZULA, 2008: 94). Historicamente, nessa época, as
aspirações do povo moçambicano eram consideravelmente ilimitadas e paupérrimas; escravos,
assimilados, privilegiados, entre outras categorias sociais, aspiravam condições e valores como
a atenuação do xibalo2 por parte de seus donos, um olhar menos desprezível por parte dos
brancos, o respeito, a dignidade própria do homem, a instrução, um pouquinho mais de
liberdade.

Note-se que as aspirações e os valores do povo moçambicano nessa época, embora ilimitados
e paupérrimos, eram os mais genuínos possíveis; era uma forma ética de aspirar a felicidade,
algo que quase não se vive nos dias de hoje, talvez seja por conta dessa crise de valores éticos
que Mazula (ibidem: 75) confessa que "o desafio da [actual] sociedade moçambicana
consistirá [...] em caminhar para um modelo ético de felicidade" e — acrescente-se — esse
modelo deve resgatar os valores aspirados antigamente, aprimorá-los e contextualizá-los para
a actualidade sem restaurar as condições anteriores, mas melhorando as actuais.

Como então se há-de caminhar para um modelo ético de felicidade? – Santo Agostinho, em
Vida Feliz, aposta em algumas condições, as quais já se fez referência, a saber: ciência, cultura
e instrução. Isso significa que a sociedade actual moçambicana precisava de ser educada de tal
modo a absorver valores éticos que o possam guiar no caminho rumo à felicidade.

Essas condições são "um desafio de educar o homem para ser sábio, homem capaz de adquirir
honestamente os bens (a riqueza) e de usa-los com moderação e temperança, porque na
sabedoria está a plenitude, a moderação do espírito e o equilíbrio" (ibidem: 75), deve ser por
esta razão que Adorno crê que essa espécie de educação faz-se por meio da família, da escola
e da universidade, Habermas inclui o direito como sistema de integração social e Mazula
acrescenta a religião como um sistema de valores. Ademais, Habermas observa que tais
sistemas só funcionam plenamente quando coordenam as suas acções.

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Xibalo é um regime de trabalho forçado através do qual a administração colonial fornecia mão-de-obra barata aos colonos
de grandes propriedades.
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Eventualmente, neste modelo, "a felicidade é plenitude espiritual" (AGOSTINHO, 1998:144),


essa concepção tem uma condicional material com a Educação (Filosofia, Ciência & Cultura),
uma vez que para ser feliz é imperioso que se possua a sabedoria, mas, posto que "a felicidade
[pelo menos nessa perspectiva] é a comunhão com a Trindade" (ibidem:156), então a
verdadeira felicidade acaba tendo uma bicondicional material com a Sabedoria de Deus e, por
conseguinte, com a vida religiosa, cuja esperança é paradisíaca

2. Modelo Utópico

O modelo utópico de felicidade refere-se à "felicidade material no período pós-independência"


(MAZULA, 2008; 67). Esse modelo, nesse período, é marcado por uma forma de felicidade
oratiano, também conhecido como forma não-inteligente de felicidade, em figuração de Orata,
apresentado por Agostinho em Vida Feliz como uma pessoa cuja felicidade repousa no gozo de
uma grande abundância de bens perecíveis, mas, ainda assim, indigente, ignorante, estulto e
infeliz. Nesse paradigma, a felicidade implica a posse de bens que mais se almejam e maioria
dos bens que se podem possuir são perecíveis, então, em algum momento, ainda se estará
propenso a crises de infelicidade. Assim, "se alguém quiser [realmente] ser feliz, deverá
procurar um bem permanente, que não lhe possa ser retirado em algum revés de sorte"
(AGOSTINHO 1998:130). Deste modo, para Agostinho, possuir Deus é sinónimo de
felicidade, pois Ele de ninguém pode ser retirado e nele se pode cancelar toda a infelicidade e,
isto posto, consumar-se a vida.

A forma oratiana de felicidade no modelo utópico de felicidade para a sociedade moçambicana


revela alguns problemas no sistema político nacional, desde a sua génese, em campos diversos,
ora, Orata é apresentado como um símbolo de indigência e corrupção. O Seminário Savana
(06.07: 2001) faz a seguinte descrição do Orata moçambicano:

— Se vale da sua posição política no Aparelho do Estado para distribuir favores a


amigos e familiares;
— Estando a si confiada a gestão pública, faz gestão ruinosa para benefício próprio;
— Se apropria ilicitamente dos recursos públicos para benefício individual;
— Quando há eventos de carácter internacional convida, discretamente, seus familiares
e amigos para a prestação de serviços, ganhando numa semana o que outros empresários
ganham em dois anos;
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— Usa a sua posição de direcção e influência para ficar com metade do parque
imobiliário público para fins pessoais e familiares;

Note-se que são exactamente estes e mais pormenores da mesma natureza que caracterizam o
sistema político nacional desde a pós-independência. Mazula (2008: 72) acrescenta que o
Savana "esqueceu-se de dizer que o Orata moçambicano acaba matando, com o objectivo de
queimar arquivos vivos de possível denúncia da sua corrupção". Se mata, no entanto, deve ser
porque, apesar do luxo que exibe, do bem-estar que aparenta, vive inseguro.

Em suma, a forma oratiana de felicidade no modelo utópico da sociedade moçambicana é


marcada por um sistema político indigente e corrupto. Com a expulsão do colono, a esperança
do povo era a melhoria de todas as condições necessariamente possíveis e possivelmente
necessárias, esperança essa morta pelo sistema político corrupto e indigente que substituiu o
colono.

3. Modelo Globalizante

Entenda-se o conceito de globalização como sendo "a crescente interligação e


interdependência entre Estados, organizações e indivíduos do mundo inteiro, na esfera das
relações económicas, ao nível da interacção social e da política" (CAMPOS & CANAVEZES,
2007: 10). Esse fenómeno implica acontecimentos, decisões e actividades em determinadas
regiões do mundo, posto que tem significado e consequências em regiões muito distintas do
globo.

O Modelo Globalizante de felicidade é o que cuja natureza "a globalização económica nos
promete na aldeia mundial" (MAZULA, 2008: 94). Este modelo de felicidade é o vigente, pelo
que se faz o caso tanto em Moçambique quanto aos confins do globo terrestre. Diferentemente
da época colonial e da pós-independência (marcados pelos modelos discriminatório e utópico,
respectivamente), a época hodierna ostenta uma cosmovisão e política extremamente viciosas,
resultantes de uma crise de valores que derivam de factos socioeconómicos ainda não
superados, cuja causa acusa a defectiva gestão política.

No modelo globalizante de felicidade, onde domina o sistema político capitalista, as formas de


felicidade são a parasita e a caduca, ambas corruptas.
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A forma parasita de felicidade "esconde-se na manta da solidariedade africana, pela qual


membros da família alargada se justificam" (MAZULA, 2008: 73). Essa espécie de
solidariedade na dependência parasita, como observa o autor, é improdutiva, não ajuda a
ninguém, pelo contrário, arruína a economia, perpetua a indigência, cria conflitos vingativos e
torna a todos mais pobres, portanto, não felizes. Diz-se que essa forma de felicidade é parasita
porque promove a vida a partir do trabalho alheio e da coisa pública.

A forma caduca de felicidade, no modelo globalizante, observa-se no ímpeto cego das pessoas
através do qual coloca-se os bens materiais acima de quaisquer condições e valores. Neste
modelo, nota-se que o dinheiro é o novo deus da época e as várias formas de consegui-lo —
lícitas ou ilícitas — são uma espécie de religião. Um facto curioso é que o dinheiro, tal como
deus, por tanto que se busque e/ou se ache, nunca é suficiente; há sempre a necessidade de ter
mais e mais e, assim, acaba-se sendo escravo do dinheiro como se costuma ser servo de deus.
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CONCLUSÃO

Essa pesquisa postula três modelos de felicidade e suas quatro formas de manifestação na
sociedade moçambicana. Os modelos de felicidade são: o modelo discriminatório, que marcou
a época colonial; o utópico, que marcou a pós-independência; e o globalizante, que é o vigente.
Nesses três modelos, a felicidade se manifesta de forma oratiana, ética, caduca e parasita.

No entanto, das perspectivas de Mazula e seu rol de influências, a conclusão a que se chega
nesta pesquisa é de que a felicidade, para qualquer sociedade e em qualquer moldura espácio-
temporal, é a totalidade virtuosa de prazeres. Contudo, tais prazeres são um estado da alma,
logo, podem variar em circunstâncias determinadas. Por conseguinte, é necessário que o prazer
seja moderado e não extremo, pois, do contrário, a felicidade deixaria de ser a totalidade
virtuosa de prazeres e haveria a totalidade viciosa de prazeres.

Isto posto, saiba-se que a felicidade não se limita apenas à alma como unidade de sentimentos,
mas abrange todas as dimensões em que se pode repartir o homem. Costuma-se dizer que o
homem é composto de Corpo, Alma & Espírito, portanto, a totalidade de prazeres deve abranger
essas três dimensões. Todas as partes constitutivas do homem podem contribuir para a sua
felicidade.

Manifestamente, a actual sociedade moçambicana não é feliz — esse facto é superável. O órgão
que gere e/ou rege a felicidade de uma sociedade é o sistema político a partir de Ciência,
Técnica & Filosofia (ou Educação), mas não resulta num Estado corrupto, caduco e parasita.

A política é um sistema prático; praticar algo significa produzir um comportamento com base
nessa coisa; a felicidade é um comportamento virtuoso; a linguagem de toda a prática é a ética;
portanto, a melhor alternativa para a superação do problema da felicidade seria o modelo ético,
que parece inviabilizado pelo sistema político.
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BIBLIOGRAFIA

Obra Principal:
MAZULA, Brazão. (2008). Ética, Educação e criação da riqueza: uma reflexão
epistemológica. Maputo: Texto editores.

Obras Complementares:
AGOSTINHO. (1998). Solilóquios e A Vida Feliz. Trad. Adaury Fiorotti. São Paulo: Paulus.
CAMPOS, Luís. CANAVEZES, Sara. (2007). Introdução à globalização. Caraça: Instituto
Bento Jesus.

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