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A crise de referenciais éticos na sociedade moçambicana e o papel da

disciplina “ética” na busca de superação desta crise

Tatiane Christine Biersteker Boessenkool1


Universidade Estadual de Ponta Grossa
Assane Meneses António Joaquim Saraiva2
Universidade Rovuma – Moçambique

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivos realizar uma breve retrospectiva histórica da
educação em Moçambique, compreender como tem sido conduzida a disciplina de
Ética no Ensino Superior em Rovuma - Extensão de Cabo Delgado (Moçambique)
e; compreender quais são as maiores dificuldades enfrentadas pelos professores
para conduzir a disciplina ética no Ensino Superior. Os autores usados para
fundamentar o trabalho são: Basílio, Gonçalves, Assane, Gracino, Nascimento,
Uaciquete. Para a coleta de dados realiza-se uma pesquisa qualitativa e aplica-se
um questionário com os professores do Curso de Filosofia na Universidade de
Rovuma. Os resultados preliminares mostram que o Curso de Filosofia evoluiu ao
introduzir uma carga horária considerável da disciplina “Ética” no Ensino Superior;
percebe que há mudanças nas posturas e atitudes dos alunos após a participação
na disciplina “Ética”; ressalta a necessidade da realização de vínculo entre as
experiências do povo moçambicano e as questões teóricas apresentadas em sala de
aula. Propõe a necessidade da realização mais estudos na área “Ética” visando
compreender se os valores iniciais propostos pela FRELIMO se mantém “vivos” na
universidade. Sugere que haja mais parcerias existente entre o grupo de pesquisa
HISTEDBR (Brasil) e a Universidade Rovuma Extensão de Cabo Delgado –
Moçambique objetivando sanar os problemas que os docentes do Ensino Superior
enfrentam em Moçambique.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho faz uma breve retrospectiva histórica da educação em


Moçambique que levaram ao desenvolvimento de um problema ético que a
sociedade moçambicana passou devido a entrada do capitalismo, que acabou por
“esvaziar” os valores éticos construídos pela população até então.

1 Mestre em Educação pela UFPR; Especialista em Educação Especial e Psicologia da Educação –


Professora da rede municipal de Carambeí e Pedagoga do Governo do Estado do Paraná. Aluna da
disciplina isolada “Seminário Especial Liberalismo e Marxismo: contribuição ao debate da educação”
UEPG - Brasil. Email: tcbiers@gmail.com
2 Mestrando em Avaliação Educacional pela Universidade Rovuma – Nampula; Docente do Quadro e
Pesquisador da Universidade Rovuma - Extensão de Cabo Delgado- Departamento de Educação e
Psicologia. Email: assanemeneses@gmail.com
É neste cenário que surge a introdução da disciplina Ética” no Ensino
Superior em Moçambique, tendo como objetivo resgatar as crises de referências
pela qual o povo passou com as perdas de valores constituídos pela população após
a introdução do capitalismo.
Portanto, o presente trabalho tem como objetivos responder os seguintes
questionamentos: Como está sendo conduzida a disciplina de ética no Ensino
Superior em Moçambique? Os conteúdos propostos consideram a trajetória histórica
pela qual passou o povo moçambicano? Quais são as maiores dificuldades
enfrentadas pelos professores? Os professores percebem que existe uma crise de
identidade ética em seus alunos?
Os objetivos propostos para sanar estes questionamentos são: realizar uma
breve retrospectiva histórica da educação em Moçambique, compreender como tem
sido conduzida a disciplina de Ética no Ensino Superior em Moçambique;
compreender quais são as maiores dificuldades enfrentadas pelos professores para
conduzir a disciplina ética no Ensino Superior.

DESENVOLVIMENTO

Segundo Basilio (2014) o primeiro tipo de educação existente em


Moçambique foi denominado por educação “tradicional”, sendo organizada pelos
anciãos das comunidades, com a função de transmitir os “saberes” culturais, sociais,
morais e políticos a serem adquiridos pelas novas gerações. Este tipo de educação
não é sistematizado e visa tornar os jovens aptos e responsáveis na comunidade da
qual participam.
Na educação tradicional, os líderes locais orientam as ações de todos de
forma com que eles respeitem as tradições e os valores éticos estabelecidos pela
comunidade. Segundo esta educação, aquilo que é proibido não deve ser praticado
por nenhum membro da família, pois caso isso se concretize, há “a ruptura do
equilíbrio na vida do indivíduo ou da comunidade. Para repor esse equilíbrio, é
necessário a realização de um ritual religioso (...) que consiste na manipulação das
forças em desequilíbrio” (GONÇALVES, 2018, p. 1646).
Este tipo de educação é pautado na realização de rituais religiosos, sendo
que a religião faz parte do “universo invisível constituído por forças vivas – dos
antepassados – em perpétuo movimento, se concretiza no mundo visível.” Assim,
nesta cultura há o respeito e a adoração aos antepassados, acreditando-se que eles
“se fazem presentes no cotidiano individual e coletivo” da comunidade
(GONÇALVES, 2018, p. 1646).
Assim, a figura dos “anciãos” na cultura moçambicana é importante, visto que
eles, além de “transmitir” seus saberes a comunidade, são influenciadores da
construção ética do que deve ou não ser realizado na comunidade a que pertencem.
Até hoje encontra-se este tipo de educação nas áreas rurais de Moçambique.
Com a colonização do país, nasce a oferta do ensino dividido em: indígena,
destinado aos povos africanos, baseado no ensino do trabalho manual visando
atender as necessidades do mundo capitalista e o ensino oficial, destinado aos filhos
dos colonos, ”visando prepará-los para prosseguir com seus estudos nos níveis
subsequentes até a universidade” (ASSANE, 2017, p.78). Ambos os currículos
propostos no período colonial eram pautados na valorização da cultura portuguesa,
deixando de lado os aspectos culturais do povo africano.
Para ensinar os africanos, o governo português firmou convênios com
instituições religiosas (principalmente católicas), visando difundir a fé, moralizar e
preparar os africanos para o mercado de trabalho.
Contudo, apesar das “tentativas” do governo em buscar alternativas visando
trazer educação ao povo moçambicano, um recenseamento realizado em 1950
apresentava que quase 98% da população ainda era analfabeta. Diante deste
cenário, o governo português propôs reformas no ensino educacional, porém, seu
principal objetivo visava obter mão de obra qualificada, não conseguindo atingir os
objetivos a que se propunha.
Neste contexto, em 1975, surge a Frelimo (Frente de Libertação de
Moçambique) com os objetivos de criar uma sociedade nova e um ‘homem novo’
com a capacidade e mentalidade livre (capaz de ser independente da ajuda
estrangeira); organizar uma nova nação com o sistema do Estado novo equiparada
às nações modernas; desenvolver uma economia com a base na agricultura e
indústria, dentre outros.
Porém, para conseguir formar este “homem novo”, a Frelimo acabou por
iniciar seu trabalho de libertação nas comunidades rurais, passando a ideia de
“socialização do campo, instituindo as aldeias comunais” (GONÇALVES, p. 1660),
na qual “tudo era de todos”, visando a construção de uma sociedade socialista. Além
disso, passaram a questionar as “antigas” autoridades presentes nas áreas rurais,
trazendo a ideia de que a sociedade existente até então estava desorganizada e
precisava se adaptar aos novos ideais propostos.
Assim, no lugar do “poder tradicional foi implementado o poder popular (...). O
líder tradicional foi substituído pelo secretário do bairro e/ou pelos administradores”
(GONÇALVES, p. 1661), portanto, os valores éticos estabelecidos nas aldeias
exercidos até então pelos líderes tradicionais são substituídos pelo poder instituído
pela Frente. Para alcançar seu projeto, na realização das primeiras eleições para
deputados, a Frente proibiu os líderes tradicionais de se candidatar e, além disso,
integrantes do partido os humilhavam, gerando uma crise de valores éticos na
sociedade moçambicana. Esta imposição da Frente diante das lideranças
tradicionais gerou problemas éticos tanto nas sociedades rurais quanto nas áreas
urbanas, pois a população ficou sem “referenciais” para os conduzir.
Segundo o referido partido, a educação era a solução do problema
estabelecido até o momento: ela deveria romper com as desordens estabelecidas
pela sociedade tradicional (que visava a coerção social), bem como combater com a
mentalidade burguesa colonial existente no país.
Num discurso proferido na 2ª Conferência do Departamento de Educação e
Cultura (DEC), Machel (1973, página Ver referência (aqui não aparece a pagina por
ser uma citação de informações verbais. Mas por outro lado podemos colocar em
notas de Rodape de acordo com a norma ABNT. Indicando o autor, titulo, pais e on
ano) afirma que a educação deveria preparar os moçambicanos para assumirem a
nova sociedade e as suas exigências:

A educação deve dar-nos uma personalidade moçambicana, que sem


subserviência alguma, assumindo a nossa realidade, saiba em contacto
com o mundo exterior, assimilar criticamente as ideias e experiências de
outros povos, transmitindo-lhes também o fruto da nossa reflexão e prática.

Ainda segundo o referido autor, os moçambicanos deveriam adquirir uma


atitude científica, aberta, livre de todos os pesos da superstição e tradições
dogmáticas. Deveria ser criada uma nova atitude na mulher, emancipá-la na sua
consciência e comportamento e ao mesmo tempo inculcar no homem um novo
comportamento e mentalidade em relação à mulher. O desenvolvimento deste
processo dependeria das novas gerações, como retrata Machel (1973, página Ver
referência aqui não aparece a página por ser uma citação de informações verbais.
Mas por outro lado podemos colocar em notas de Rodape de acordo com a norma
abnt. Indicando o autor, titulo, pais e on ano ):

Pela primeira vez na nossa história há crianças, há jovens, que crescem


fora do colonialismo, fora das tradições dogmáticas. Há uma geração, a
primeira, que se forma ao calor da revolução. É esta geração que nos
próximos anos será chamada a prosseguir a tarefa que iniciamos. Eles são
o viveiro donde sairá a planta selecionada, que fará triunfar definitivamente
a revolução. A este nível a missão dos professores e quadros da educação
é extraordinariamente delicada. Porque eles, como nós, cresceram e
formaram-se no mundo antigo, ainda trazem em si muitos vícios e defeitos,
muito individualismo e ambição, muitos gostos corruptos e superstições, que
são nefastos e podem contaminar as novas gerações.

Para alcançar suas metas, a Frente retirou todas as matérias de ensino que
não estavam ligadas às suas ideologias, tentando resgatar a identidade do povo
moçambicano, através da inserção da história e geografia do país. Além disso,
propôs mudanças nos mecanismos de gestão e administração das escolas,
alterações dos currículos escolares, permitiu a participação ativa da população na
escola, dentre outras ações visando buscar alternativas para a construção de uma
sociedade livre de exploração.
O objetivo inicial da FRELIMO era a formação do “Homem Novo”, capaz de
emancipar-se da formação educacional que tinham recebido no país até o momento
até a formação de uma mentalidade independente, capaz de construir um “novo”
poder independente, de cunho socialista.
Muito embora, apesar de todos os esforços feitos para garantir tais
mudanças, na área de educação o país se deparava com vários problemas no que
refere à cobertura da rede escolar, a superlotação das salas de aula, a falta de
profissionais para trabalhar, a falta de materiais didáticos, a péssima condição da
educação e outros problemas que afetavam o setor. Várias foram as reformas
propostas pelo país visando a melhoria da qualidade de educação, contudo, sem
sucessos efetivos.
Em 1992 um relatório elaborado pelo Banco Mundial avaliou Moçambique
como um dos países mais pobres do mundo. “Para suprir esta crise era necessário
reestruturar a política econômica, a abandonar a orientação socialista e abrir-se a
política do mercado livre” (BASILIO, 2014, p. 155). Assim, devido a dependência
econômica do país de investimentos em diversas áreas (inclusive a educacional), o
objetivo tão almejado pelo país não fora alcançado:
O fim da guerra fraticida e do sistema socialista tinha se consumado. O
triunfo do capitalismo fazia-se sentir em todos os quadrantes. Os esquemas
de ajuda em termos de material didático passaram a ser dominados pela
nova realidade capitalista. A moçambicanidade construída até a alçada do
socialismo recebeu influências da onda capitalista. Diante dessa situação, o
governo sentiu-se obrigado a reajustar a lei 4/83 do Sistema Nacional da
Educação com a lei 6/92, pelo Parlamento moçambicano. Essa lei marcou o
início de uma nova reforma educacional e de reconstrução da
moçambicanidade (BASILIO, 2014, p. 153-154)

Assim, com a aprovação da lei 6/92, inicia-se a política de massificação da


educação. Nela completa-se o fim de revolução tão desejada em Moçambique. Os
“ideais” propostos pela Frelimo não são atingidos. Surgem os ideais capitalistas,
baseados na competição, no individualismo, na alienação...
Segundo Marx o capitalismo traz consigo uma série de problemas, sendo que
a “origem” deles está vinculada as relações de “trabalho” que os indivíduos
estabelecem entre si.
Desde o início da humanidade, o homem interage com a natureza e desta
interação, extrai da natureza o que necessita para sua sobrevivência. E, ao interagir
sobre a natureza, acaba por humanizar-se.
Nas sociedades mais antigas o trabalhador participava de toda a produção
dos bens que produzia (seja para seu consumo ou para a troca de mercadorias), ou
seja, era ele o mentor de tudo o que produzia. Isso levava com que o indivíduo
tivesse controle de toda produção dos bens que fabricava, permitindo com que o
trabalhador conhecesse todo o processo de produção de uma determinada
mercadoria.
Com o passar do tempo, como as sociedades foram evoluindo, e com a
Revolução Industrial a “maneira” de desenvolver o trabalho também se modificou: o
que era controlado e realizado por uma só pessoa passa a ser fabricado por várias
pessoas. O homem passa a não ser mais o responsável por toda a cadeia produtiva
de um produto, o que o acaba o alienando porque, além de não ter mais o controle
de todo o processo produtivo, obriga-se a vender sua força de trabalho por não ter
meios de produção que necessita para produzir o que deseja. Portanto, para poder
sobreviver, recebe um “salário”, trocando sua força de trabalho como se fosse uma
“mercadoria” a fim de obter verbas que garantam sua subsistência.
Assim sendo, a sociedade passa a organizar-se basicamente em duas
classes sociais: os que detém as condições de produção (classe dominante) e os
que trabalham para obtenção de seu salário (classe dominada). A classe dominante
acaba por exercer poder sobre a classe dominada, transformando sua força de
trabalho em mercadoria como trazem GRACINO e NASCIMENTO (2019):

Durante o processo histórico de dominação de uma classe pela outra, a


classe que detém os modos de produção buscou subsídios políticos e
poder, avançando e apropriando-se do capital, que, posteriormente, tornou-
se o elemento primordial e diferenciador da divisão de classes. O trabalho
transformou-se em mercadoria, com valor econômico determinado e
regulado pelas leis de mercado.

Contudo nessa forma de organização social o dinheiro que “sobra” do que o


trabalhador produz (denominado de mais valia) fica com o detentor dos meios de
produção, permitindo com que a classe dominante enriqueça cada vez mais com o
produto do trabalhador, visto que este não detém os meios de produção.
Marx faz uma crítica a sociedade capitalista, visto que além de promover a
divisão de classes sociais, permite que a burguesia exerça “poder” sobre o
proletariado, explorando a força de trabalho da minoria com o principal objetivo de
obtenção de lucros, e além disso, esta relação de trabalho acaba por alienar o
homem.
Com a “entrada” do capitalismo no país, o “ideal” de formação do “Homem
Novo” rompe-se, a população ficou sem “norte” diante dos desafios éticos que a
sociedade exigia: os valores éticos dos antigos anciãos não eram mais aceitos, os
valores de igualdade social foram desfeitos, portanto: Como reagir diante da
construção de novos valores éticos exigidos pela sociedade capitalista? Que valores
o capitalismo defende? O que seguir? Como a população enfrenta os valores
propostos pelo capitalismo?
Para tentar solucionar o “déficit ético” no país decorrente da implementação
do capitalismo no país é aprovada a lei 6/92 na qual há a oferta da disciplina de
Filosofia no Ensino Secundário Geral, tendo carga horária de 60 horas anuais,
sendo um de seus conteúdos o tema “Ética”, visando resgatar os valores perdidos
pela população até o momento. Nesta disciplina os principais conteúdos trabalhados
são: Emergência da Filosofia; Dimensões antropológicas, cultural e ética do
homem; Teoria do conhecimento; Noções básicas da lógica; Filosofia Africana:
Convivência política entre Homens; Filosofia da educação (INIDE, 2013, p. 8)
Já a disciplina “Ética” existe apenas no Ensino Superior nos cursos de
Filosofia, com carga horária semestral de 100 horas, tendo no seu programa de
ensino as Unidades temáticas e conteúdos apresentados no quadro a seguir:

Tabela 01 – Plano da disciplina de Ética no Curso de Filosofia – Universidade de


Rovuma – Moçambique - 2021
Unidade Temática Conteúdos
1.Introdução a Ética 1.1Metaética;
1.2Ética Normativa
1.3Ética aplicada
2.O Surgimento da Ética 2.1 A Ética em Sócrates
3. A Ética em Platão 3.1. A Ideia do Bem em Platão
4. Ética em Aristóteles 4.1 A virtude e a felicidade aristotélica
5. A Ética Estóica 5.1 Primeira fase da Ética estóica
5. 2 Segunda e Terceira fase da Ética Estóica
6.A Ética de Epicuro 6.1 A Ética Epicurista
7. As Virtudes de Santo 7.1 A reabilitação actual da ética de virtudes –
Agostinho e Tomás de Aquino Alasdair MacIntire
Fonte: UNIVERSIDADE DE ROVUMA - Extensão de Cabo Delgado. Plano analítico
da disciplina da Ética. Moçambique, 2021.

Portanto, a disciplina “Ética” é trabalhada tanto no Ensino Secundário quanto


no Ensino Superior, contudo, resta-nos questionar: Será que a disciplina de ética
está conseguindo relacionar a história do país com os desafios propostos pelo
capitalismo?
Para responder tal questionamento, foram aplicados questionários com
professores que trabalham a disciplina “´Ética” no Ensino Superior no Curso de
Filosofia.
O tempo médio de atuação no Ensino Superior dos profissionais pesquisados
é de 4 anos, sendo que a carga horária da disciplina é de aproximadamente 140
horas XXX horas. 1 professor marcou 18 horas é isso? No Curso de Filosofia. (18
horas, 100 horas e 150 horas).
Os conteúdos trabalhados pelos professores pesquisados correspondem aos
conteúdos apresentados na tabela anterior.
Ao serem questionados a respeito da relação entre os conteúdos trabalhados
em “Ética” com a história do povo moçambicano, apenas 1 professor afirmou que é
possível fazer a relação da “Ética” com a história de Moçambique, sendo que os
demais professores não fazem esta relação, o que nos leva a repensar a respeito da
importância de se trabalhar a criticidade dos conteúdos propostos no Ensino
Superior.
Quando questionados sobre a existência de defasagens éticas em seus
alunos diante da implementação do capitalismo no país, os professores acreditam
que os alunos apresentam defasagens de posturas e atitudes éticas. Contudo, ao
exemplificar quais são os problemas éticos apresentados pelos alunos, as questões
éticas estão relacionadas com foco em ideias liberais (implementadas pelo
capitalismo): “o interesse pelo fácil e imediato em detrimento do esforço e da
meritocracia” (P 01), a “falta de interesse pela excelência” (P01). Assim sendo,
torna-se necessário repensar o papel da Filosofia visando ampliar os desafios éticos
vivenciados pelo povo moçambicano.
Ao responder a questão referente se os alunos são capazes de interpretar a
realidade em que vivem de outra maneira após a participação na disciplina de
“Ética”, todos os professores acreditam que os alunos mudam sua forma de pensar
após a participação na disciplina, “através de mudanças de atitudes e
comportamentos” (P01), “embora de forma tímida, tomam consciência da urgente
necessidade de valores éticos na nossa sociedade e nas nossas instituições,
começando a exigir de si próprios” (P02), “sentimos melhorias nos alunos em termos
comportamentais” (P 03), portanto, percebe-se que a disciplina de “Ética” está
auxiliando os alunos a ampliar o conhecimento de mundo que possuem.
Quanto as dificuldades apresentadas pelos professores para trabalhar a
questão “Ética” no Ensino Superior constam a falta de obras existentes nas
universidades sobre o tema “Ética” e falta de bibliotecas.
Uma sugestão proposta visando contribuir para o enriquecimento do tema
“Ética” no país foi elencado por um dos professores pesquisados trazendo que é
necessário a realização de “debates abertos e francos, visando a conscientização e
o comprometimento dos estudantes como agentes da transformação social rumo a
uma sociedade livre da corrupção”. Outro professor sugeriu que todos os
professores trabalhem de maneira crítica com seus alunos, levando-os a refletir
sobre os desafios que o povo moçambicano enfrenta.
Portanto, percebe-se que a simples inclusão da disciplina “Ética” no Ensino
Superior não é suficiente para sanar os desafios éticos pelos quais vivem o povo
moçambicano: é necessário repensar o direcionamento que vem sido ofertado na
disciplina “Ética” visando contribuir para a construção de cidadãos críticos e
reflexivos da sociedade da qual fazem parte.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após o levantamento de dados com alguns professores que atuam no Ensino


Superior referente ao tema “Ética em Moçambique” podemos elencar algumas
considerações.
Em relação à condução da disciplina “Ética” no Ensino Superior, percebe-se
que o país vem crescendo em relação a evolução dos currículos propostos (em
especial em Filosofia), visto que oferta a disciplina visando levar a reflexão por parte
dos alunos (que serão futuros professores) a repensar sobre a questão ética na
sociedade. Nas questões apresentadas pelos professores, percebe-se que eles
verificam mudanças nas posturas e atitudes dos alunos após a participação deles na
disciplina, fator esse que contribui para uma postura crítica e reflexiva dos alunos
sobre a realidade em que vivem.
Contudo, apesar de ofertar uma carga horária considerável
(aproximadamente 140 horas anuais) do tema “ética” no Ensino Superior nos Cursos
de Filosofia, ainda há questões a serem pensadas buscando vincular as
experiências do povo moçambicano as questões teóricas apresentadas em sala de
aula, visto que há professores do Ensino Superior que ainda não conseguem fazer
estas relações.
Com relação as dificuldades encontradas pelos profissionais na condução da
disciplina, devido à falta de material disponível, sugere-se que estes problemas
possam ser minimizados através da parceria existente entre a Universidade
Estadual de Ponta Grossa através do grupo de pesquisa HISTEDBR (Brasil) e a
Universidade Rovuma Extensão de Cabo Delgado (Moçambique). Além disso,
sugere-se que sejam organizados eventos entre as universidades de Moçambique
direcionadas a discussão do tema “Ética” no país, bem como a consulta por parte
dos professores universitários a obras literárias de livre acesso à internet (como
obras de Locke, Marx, dentre outras).
Propõe-se a realização mais estudos e pesquisas na área “Ética” visando
compreender se os valores iniciais propostos pela FRELIMO se mantém “vivos” na
universidade visando formar alunos e futuros professores críticos e reflexivos sobre
a sociedade da qual fazem parte.

Referências

ASSANE, A.I. Práticas curriculares no ensino básico: tecendo e narrando redes


de experiências na formação continuada dos professores da disciplina de Ofícios em
Moçambique. Niterói, 2017. Universidade Federal Fluminense.

BASÍLIO, G. O estado e a escola na construção da identidade política


moçambicana. Maputo, Publix, 2014. (pp. 113-207).

GRACINO, E. R.; NASCIMENTO, I, M. O vínculo homem-trabalho-educação: Uma


relação ontológica. Espacios. Vol. 40 (Nº 41) Ano 2019. Pág. 24

GONÇALVES, A.C.P. Modernidades moçambicanas e educação: da crise de


referências ao vazio de sentido. Educação e Realidade. Porto Alegre, v. 43, n. 4, p.
1653-1676, out/dez. 2018.

INIDE. Programa de Filosofia ensino geral 12ª classe: formação de professores


do 1ᵒ ciclo do ensino Secundário. Moderna, 2013.

MACHEL, 1973

MOÇAMBIQUE. “Educar o homem para vencer a guerra, criar uma sociedade


nova e desenvolver a pátria”. Mensagem do Camarada Samora Machel,
Presidente da Frelimo, à 2ª Conferência do Departamento de Educação e Cultura –
DEC). In: Colecção “Estudos e Orientações” nº 2 Nov. 1973.

UACIQUETE, Adriano Simão. Modelo da administração da educação em


Moçambique 1983-2009. 2010. 124 p. Dissertação (Mestrado em Ciências da
Educação) – Departamento de Ciências da Educação, Universidade de Aveiro.
Aveiro, 2010.

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