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FACULDADE DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES - FFP

PROFLETRAS

Ateliê de Escrita: a emoção


como fonte motivadora
Autores: Maria das Graças Rodrigues; João Gomes Neto;
Alessandra Castilho da Costa e Sulemi Fabiano Campos.

Trabalho de análise do texto apresentado à Professora Dra Iza


Terezinha Gonçalves Quelhas, na disciplina Texto e Ensino
pelas alunas: Andreia Martins da Silva, Elisabete Anacleto
Pessanha, Nidiane Rodrigues de Albuquerque e Vanessa
Gomes Januário.
CADERNO NOVO

Uma vez eu estava conversando com amigos e a conversa chegou naquele estágio em que só há duas opções: ou ir para
casa dormir ou cair na bobagem. Caímos na bobagem. Afinal é para isso que servem os amigos.
Depois de nos propormos vários desafios do tipo “quem era que melhor gritava de pavor no cinema?”, chegamos a
uma daquelas questões definitivas e definidoras. Qual é a melhor sensação do mundo?
As respostas variaram, desde “banho quente” até “acordar cedo, começar a sair da cama e então lembrar que é
feriado”, passando, claro, por outras menos publicáveis. Mas aí um amigo disse duas palavras que liquidaram a questão.
- Caderno novo.
Todos concordaram. Não foi preciso nem entrar em detalhe, dizer “a sensação de abrir um caderno novo, no
primeiro dia da escola, e alisar com a ponta dos dedos a página vazia, sentindo o volume de todas as páginas vazias por
trás dela, aquele mundo de coisas ainda não escritas... E o cheiro do caderno!” Não houve um que não concordasse que
nenhuma sensação
do mundo se igualava aquela.
O caderno novo também nos provocava uma certa solenidade, lembra? Diante de sua limpeza, fazíamos um
juramento silencioso que aquele ano seríamos alunos perfeitos. E realmente caprichávamos ao preencher o caderno novo
com cuidado respeitoso. Pelo menos até a quarta ou quinta página, quando então voltávamos a ser os mesmos relaxados
do ano anterior.
Mesmo porque aí o caderno não era mais novo.

Luis Fernando Veríssimo.(Revista Veja. São Paulo, abril, 12 out. 1983. n. 788)
INTRODUÇÃO
O texto por nós analisado tem como objetivo
apresentar uma proposta de ensino centrada na
Introdução

escrita, expressa em um suporte teórico e


A emoção como dispositivo enunciativo textual e discursivo
metodológico mínimo, relativo ao ateliê da
escrita, seguido do relato de uma experiência de
aplicação.

A propósito do título do ateliê, os autores


buscaram ao longo do relato de experiência
mostrar quão valiosa é a escolha lexical que
focaliza o tema estabelecido para abordagem do
texto a ser explorado e, em decorrência, para o
apoio das atividades de produção escrita.
Tendo como foco temático a emoção, é esperado que as atividades envolvendo
a subjetividade na linguagem façam emergir, espontaneamente e de forma
recorrente,
Introdução
o uso particular de algumas classes gramaticais como os adjetivos,
os advérbios intensificadores, além de substantivos e verbos com valor
subjetivo como
A emoção comoamor e amar,
dispositivo adoração
enunciativo textual eediscursivo
adorar, ódio e odiar, etc.

Sendo necessário um suporte informacional sobre o tema do ateliê e


considerando-se, ainda, a relevância do embasamento teórico da proposta, esse
trabalho foi dividido em duas sessões pelos autores: na primeira eles fazem uma
breve revisão de estudos sobre a emoção, em uma perspectiva enunciativa,
textual e discursiva, ilustrando com exemplos a exposição conceitual com vistas
ao melhor efeito didático; na segunda, tratam da escrita associada ao
componente da emoção como um procedimento de ensino, baseando-se na
descrição de uma experiência com um ateliê de escrita.
A EMOÇÃO COMO DISPOSITIVO
ENUNCIATIVO TEXTUAL E DISCURSIVO
Objetivo do artigo
Neste tópico do capítulo, os autores trazem alguns aspectos teóricos
relativos à subjetividade na linguagem. Para isso, eles citam a escala feita
pela autora Catherine Kerbrat-Orecchioni (2006:81) para ilustrar como
algumas unidades lexicais contém uma carga semântica mais ou menos
forte de subjetividade:
De acordo com os autores, a partir da leitura dessa escala é possível
inferir que “lexemas como “bom” estão diretamente relacionados com a
expressão verbal das emoções, pois marcam, indissociavelmente, o ser
humano e sua condição de ser no mundo, em sua relação com o outro e
consigo - relação esta que se estabelece, necessariamente, na e por
intermédio da linguagem…”

Ainda sobre essa questão da subjetividade, os autores citam novamente


Kerbrat-Orecchioni (2006), quando afirma que as línguas naturais
dispõem de adjetivos afetivos que expressam, ao mesmo tempo, uma
propriedade do objeto de avaliação e uma reação emocional do
enunciador em relação a esse objeto.
Por outro lado, constata-se que esse movimento cognitivo e discursivo é, por
excelência, uma alternativa para a construção linguística do ponto de vista.
(Ou seja, é uma escolha do enunciador construir seu discurso utilizando
esses adjetivos afetivos)

Assim, segundo os autores, entende-se que o valor semântico veiculado na


situação de comunicação está estreitamente ligado ao efeito emocional que
o uso de lexemas subjetivos produz na cena interativa, permitindo “agir sobre
si mesmo e sobre o outro em tempo real” (cf. Bottineau, 2013: 101).

Vejamos agora os exemplos que os autores trazem, são fragmentos de textos


produzidos em um ateliê de escrita:
Objetivo do artigo

Conforme apontam os autores, no exemplo 1 temos a ocorrência de lexemas


marcados pela subjetividade, como:
- O verbo “adorar”, na terceira pessoa do singular do pretérito imperfeito;
- O verbo sentir, no infinitivo e no gerúndio, respectivamente;
- O sintagma nominal complexo “a sensação de liberdade”;
- O sintagma nominal simple “meu sonho”.
Já no segundo exemplo, os autores trazem um outro ponto de vista
parcialmente diferente acerca dessa questão da emoção, que é a visão do
autor Raphaël Micheli (2010), o qual postula a inexistência de
correspondência entre a emoção que sente um locutor e o que ele exprime.

Considerando essa perspectiva, a análise da função e das manifestações


emocionais poder ser realizada sem que os participantes sintam ou não as
emoções expressas na interação.

Neste caso, a emoção pode assumir uma função argumentativa, como


veremos no fragmento de outro texto, produzido no mesmo ateliê:
Neste exemplo, conforme elencam os autores, temos enunciados claramente
marcados pela emoção que, na progressão sequencial do texto, assumem uma
composição própria de um movimento argumentativo inaugurado. (No qual a
emoção assume uma função argumentativa já no primeiro enunciado com a
escolha do adjetivo “estonteantes”)
Conforme mostram os autores, esse direcionamento argumentativo do
exemplo 2, associado à expressão emocionada do “eu” locutor-enunciador,
pois é construído com pronomes em primeira pessoa (“minha avó”; “me
Objetivo do artigo
entendia”, “eu precisava”...), encontra explicação nas palavras de Platin
(2011), que esclarece a questão desta forma:

Plantin(2011:2)
Comentário dos autores sobre a citação:

Coerentemente com o que afirma Platin (2011), nesse texto em análise, o


movimento argumentativo construído pela emoção em uma relação direta
com a razão pode ser entendido, quando pensado como um recurso retórico
que pretende valorizar, positivamente, um agradecimento implícito à avó
pelo relógio recebido e, sobretudo, pelo efeito que este produziu na vida
posterior desse “eu” emocionado.
O ATELIÊ DA ESCRITA
De acordo com Kavian (2009), os primeiros
ateliêsIntrodução
de escrita surgiram na Europa
francófona com diferentes objetivos. Neste
A emoção como dispositivo enunciativo textual e discursivo
trabalho, interessa a produção textual de
gêneros acadêmicos. Para isto foi proposto um
atêlie articulado com a prática de sala de aula:
O início da atividade é para rememorar situações marcantes nas vidas dos
participantes, induzindo-os a recordar eventos carregados de emoção. Tal
motivação ocorre em coletivo e permite a sugestão de temáticas para começar o
desenvolvimento da prática de escrita.
Objetivo do artigo

Em seguida, busca-se delimitar um período que pode ser a infância, a


adolescência ou a fase adulta. Para ativar a memória e a imaginação, e também
as competências textuais e discursivas deve-se prever o uso de recursos como:
visionamento de filmes, audição de músicas, leituras de gênero,etc.
Quando percebe-se que os alunos já estão motivados e envolvidos em suas
lembranças, desenvolve-se o trabalho com o gênero de discurso acadêmico.
O presente trabalho vai relatar a experiência feita na aula da disciplina “Análise e
produção de material didático para ensino de língua portuguesa” oferecido pelo
curso de Letras por uma das professoras coautoras do capítulo.
O ESTÍMULO E O ENVOLVIMENTO
TEMÁTICO E METODOLÓGICO
Objetivo do artigo
Nesta primeira fase, os alunos são instigados por meio da
rememoração e da discussão de fatos marcantes para eles em
associação com atividades envolvendo recursos tecnológicos
em diferentes mídias.

É importante informar a turma sobre os princípios pedagógicos


do ateliê, como procedimento de ensino de línguas, observando
o papel da proposta no que se refere à construção de aparato
metodológico de ensino teórico e prático.
Para a motivação inicial, foi feito um planejamento: exploração rememorativa
da infância ou da adolescência, visionamento de um filme sobre memórias
pessoais, discussão sobre o filme e por fim, produção textual escrita. Estas
atividades foram feitas no primeiro encontro do ateliê.
Objetivo do artigo

Como estratégia, a professora narrou fatos de sua vida pessoal, acentuando em


sua fala, traços de emoção. Em seguida, todos assistiram ao filme Vida de
menina. O enredo desse filme é baseado no diário da personagem principal que
fez registros escritos de acontecimentos de sua infância e de sua adolescência.

Após o visionamento do filme, a professora começou a discussão e os


comentários por parte dos participantes, fazendo-os procurar os componentes
de emoção que eles perceberam.
A ESCRITA
● Proposta de atividade de produção escrita individual;

● Apresentação de um protocolo de escrita, que solicitava: “Escolha um


lugar que você conheceu na infância, uma dessas frases que durante a
infância foi repetida (comporte-se direito, não se põem os cotovelos
sobre a mesa…), e a lembrança de um barulho que lhe tenha
surpreendido, angustiado, divertido(...)”;
● Tempo para produção escrita: 15 minutos;

● Os textos foram entregues à professora, ficando combinado que ela os


traria no encontro seguinte para darem continuidade ao ateliê.
O texto se apresenta de fácil leitura e compreensão, possuindo
um vocabulário simples, coerência, coesão e cumpre o papel
de chamar a atenção do leitor já no primeiro parágrafo e o
prende até o fim da leitura.

Além disso, o modo como as palavras foram organizadas, dando


um toque poético e nostálgico ao texto permite ao leitor
imaginar as cenas, as pessoas e o cenários. Poder-se-a dizer que
não é um fato, mas um poema.

Apresenta uma sequência de emoções, lógica em todo o corpo


e é claro sobre o que deseja transmitir.

O texto é maravilhoso.
Fonte: SILVA, Ana Cristina da.
A REESCRITA
Nessa fase do ateliê, os alunos foram deixados
Introdução
livres sobre a reescrita de seus textos, e esse
procedimento foi dispositivo
A emoção como adotadoenunciativo
pela professora após a
textual e discursivo

exposição oral dos comentários (socialização do


texto).

Segundo Marin (2012), é importante que num


primeiro momento, os participantes procurem
escrever sem se preocupar com a ortografia, a
gramática, a sintaxe ou as “belas frases”, mas
que se deixem levar pela própria escrita.
A proposta de reescrita a partir das próprias decisões dos alunos sobre a
escrita
Objetivo de seus textos, favoreceu uma reflexão sobre a escrita de outras
do artigo

pessoas e, certamente, sobre a sua própria. Dessa forma, os alunos


entregaram-se mais e mais à proposta do ateliê, conferindo:

● maior autoconfiança em relação à escrita;

● consciência crítica relativa às suas possibilidades (ou ao seu


potencial) para escrita de textos acadêmicos.
A SOCIALIZAÇÃO
● Fase realizada pelo colega interlocutor/leitor que após a oralização do
Objetivo do artigo
texto para o grupo, comenta o texto lido e analisado.

● Os alunos agem como se fossem professores e desempenham o papel


de comentarista com seriedade e respeito.

Esse tipo de atividade promove um envolvimento coletivo,


evidencia a necessidade de cooperação mútua e a prática
da autoavaliação, com base na reflexão crítica sobre as
próprias práticas de escrita.
A AVALIAÇÃO DO PROFESSOR
na última fase do ateliê a avaliação do primeiro texto solicitado pela
professora levou em conta:

1- O resgate pelo autor de algum evento passado,ou seja, se cumpriu o


protocolo de escrito fornecido;
2- a emoção como fonte desencadeadora do texto;
3- os fatores da textualidade da textualidade, conforme estudados por
Beaugrande e Dressler (1997): coesão, coerência, intertextualidade,
informatividade, situacionalidade, intencionalidade e aceitabilidade;
4- alguns aspectos da superfície linguística (questões de congruência
nominal e verbal, entre outros), em uma escrita minimamente compatível
com o nível de alunos do ensino superior.
● em outras aplicações cada professor fará suas adaptações avaliativas
conforme o nível escolar de seus alunos, não perdendo de vista a função
primeira
Objetivo do artigo do ateliê que deve ser o incentivo às práticas de escrita e

produção textual.

● espera-se que no ateliê o processo avaliativo seja contínuo, formativo,


participativo e dialógico.

● os sujeitos são heterogêneos, logo, espera-se que que os textos


produzidos no ateliê também sejam bem diferentes entre si em forma,
estilo e conteúdo, mesmo que tratem da mesma temática e sigam o
mesmo protocolo de escrita.
ENFIM, UM USO POSSÍVEL
Baseado no relato de experiências, o ateliê se coaduna com um ensino que
pressupõe o uso de procedimentos que propiciem a construção conjunta do
Objetivo do artigo
conhecimento, em processo contínuo e que possam ocorrer de forma
prazerosa, respeitando as diferenças e promovendo as atividades
colaborativas.
Segundo os autores, o ateliê tem sido exitoso no sentido de estímulo e
crescimento dos participantes. (Eles escrevem mais e melhoram a cada
fase)
Notou-se também que o trabalho envolvendo a emoção por meio da
rememoração motiva individual e coletivamente o grupo e melhora a
autoconfiança.
Além do prazer de escrever, a geração de dados permite a descrição da
expressão emocional em uma perspectiva enunciativa, textual, discursiva.
Objetivo do artigo
Os autores presumem que o uso costumeiro de ateliês substituirá a
insatisfação dos professores com os trabalhos escritos de seus alunos por
uma atividade de ensino situado, que valoriza a expressão das emoções
dos alunos em sua produção escrita e oral.

O ateliê, no contexto de um ensino que leva em conta a sensibilidade


autoral dos alunos, os torna mais sensíveis também ao outro, ampliando
seu senso crítico e seus pontos de vista e desenvolvendo também sua
competência argumentativa. (maior visão de mundo)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em nossa percepção o ateliê de escrita é uma ótima atividade para incentivar o
aluno à doescrita
Objetivo artigo em sala de aula, tendo como método buscar nas lembranças e

na emoção o estopim que irá motivá-lo.


Acreditamos que é possível variar a atividade apresentada no ateliê tornando-a
mais subjetiva e dando ainda mais liberdade ao aluno na sua escrita.
Uma das propostas que pensamos foi a de colocar as palavras soltas e pedir
aos alunos que as observem e, se alguma delas lhes despertar alguma
lembrança ou acontecimento, poderão escrever sobre isso.
Outra possibilidade seria que as palavras não fossem apresentadas, e sim
pensadas pelos alunos a partir das suas lembranças, desenvolvendo a seguir, a
prática textual escrita.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Outras possibilidades de estímulo à escrita
Objetivo do artigo

● Memorial
● Memórias Literárias
● Poema
● Diário
● Relato pessoal
● Letra de canção
REFERÊNCIAS:
BEAUGRANDE, Robert-Alain de; DRESSLER, Wolfgrang Ulrich. Introducción a la lingiística del texto. Barcelona: Ariel, 1997.
BOTTINEAU, Didier. "Oups! Les émotimots, les petits mots des émotions: des acteurs majeurs de la cognition verbale
Introdução
interactive". Langue Française. n. 180, 2013, pp. 99-112.
BRASIL. Projeto
A emoçãodo como
Programa de Mestrado
dispositivo Profissional
enunciativo textualem Letras (Profletras), 2012. (Versão impressa dis-ponível na
e discursivo
Coordenação Nacional do Profletras, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte).

FIELHER, R. How to Do Emotions with Words: Emotionality in Conversations. In: FUssEL, S. (ed.) The Verbal Communication
of Emotions. Londres: Lawrence ErIbaum, 2002, pp. 79-106.
KAVIAN, Eva. Écrire et faire écrire: manuel pratique d'écriture. 2. ed. Bruxelles: De Boeck Duculot, 2009.
KERBRAT-ORECCHIONI, Catherine. L'Énonciation: de la subjectivité dans le langage. 4. ed. Paris: Armand Colin, 2006.

MARIN, Béatrice. Jeux d'écriture: pour ceux qui aiment écrire et ceux qui n'osent pas. Paris: Le Courrier
du Livre, 2012.
MiCHELI, Raphaël. L'Émotion argumentée: l'aboliton de la peine de mort dans le débat parlementaire français. Paris:
Éditions du Cerf, 2010.
PLANTIN, Christian. Les bonnes raisons des émotions: principes et méthode pour l'étude du discours émotionné. Bern:
Peter Lang, 2011.

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