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Joana Mate Matine

Fundamentos de Ética

O PENSAMENTO ÉTICO DE GILLES LIPOVETSKY

Licenciatura em Ensino de Filosofia

Universidade Pedagógica
Maputo
2020
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Joana Mate Matine

O PENSAMENTO ÉTICO DE GILLES LIPOVETSKY

Trabalho de Pesquisa Científica a ser apresentado à


Faculdade de Ciências Sociais e Filosóficas, Departamento
de Ciências Filosóficas no curso de Licenciatura em Ensino
de Filosofia como requisito parcial de avaliação na
disciplina de fundamentos de Ética. Docente: Escandação
Tivane

Universidade Pedagógica
Maputo
2020
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Índice

Introdução........................................................................................................................................4

CONCEPÇÃO ÉTICO DE GILLES LIPOVETSKY......................................................................5

A Era do Vazio como Característica da Pós-Modernidade.............................................................5

Características da Sociedade Hipermoderna...................................................................................7

a)O Narcisismo................................................................................................................................7

b)Indiferença....................................................................................................................................8

A Ética Pós Moralista......................................................................................................................9

A Implantação de Uma Nova Moral..............................................................................................11

A autonomia ética face a soberania do dever................................................................................11

Renovação ética.............................................................................................................................12

Conclusão......................................................................................................................................15
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Introdução
O presente trabalho tem como tema O concepção ou pensamento ético de Gilles Lipovetsky. O
mesmo enquadra-se na discussão ético-filosófico ao longo do tempo.

As obras, comentários, entrevistas de Lipovetsky mostram-se bastante relevantes para o estudo


das questões relacionadas ao da ética.

O presente trabalho de pesquisa pretende contribuir para uma compreensão mais precisa quanto
ao modo como as mudanças sócias, económicas, assim como políticas ao campo da ética tem se
reflectido também no universo das religiões.

Acredita-se que com a realização do presente trabalho pode responder vários questionamentos
para os quais vamos apresentar apontamentos e considerações mais aplausíveis, dos quais
podemos destacar, se é possível afirmar que a sociedade contemporânea desfruta de um
momento histórico caracterizado por um reencantamento do sentimento de responsabilidade
mútua nas acções entre os indivíduos em todas as esferas sociais da actuação, tendo em vista o
aumento significativo de campanhas e incentivos para a prática de acções responsáveis e que
zelam pela preservação do meio ambiente, pelo bem-estar alheio e pela solidariedade para com
aqueles que vivem em situações desprivilegiadas.

Nos últimos tempos, o debate sobre as práticas éticas tem vindo a ganhar maior destaque a nível
global, como consequência da desmedida intervenção e exploração humana sobre a natureza, na
busca pelo progresso, ou melhor, pelo bem-estar material cuja atitude influenciou negativamente
em muitas áreas do nosso dia-dia.
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CONCEPÇÃO ÉTICO DE GILLES LIPOVETSKY

Biografia

Gilles Lipovetsky, nasceu em Paris, em 1944, é um franco filósofo, Professor de Filosofia na


Universidade de Grenoble, em 1983 publicou sua principal obra, A Era do vácuo, que incidiu
sobre o efémero e frívolo. Na época de seu surgimento, o julgamento foi recebido em França
com uma polemica forte, apesar de certas áreas saudaram como uma espécie de tema ou
paradigma da perfeição reflectir o mundo contemporâneo, visto como pura Evanescence.

Em suas principais obras, sobretudo em A Era do Vazio, analisa uma sociedade pós-moderna,
marcada, segundo ele, pelo desinvestimento público, pela perda de sentido das
grandes instituições morais, sociais e políticas, e por uma cultura aberta que caracteriza a
regulação "cool" das relações humanas, em que predominam tolerância, hedonismo,
personalização dos processos de socialização e coexistência pacífico-lúdica dos antagonismos -
violência e convívio, modernismo e "retrô", ambientalismo e consumo desregrado, etc.

Reputado filósofo e sociólogo, é membro do Conseil d’Analyse de la Société, órgão consultivo


do primeiro-ministro francês, e autor de vasta obra sobre as transformações da sociedade
contemporânea. Além de uma nova edição de A Era do Vazio, dele publicou Edições 70 A
Felicidade Paradoxal. Ensaio sobre a Sociedade do Hiperconsumo (2006), A Cultura-Mundo,
Resposta a uma Sociedade Desorientada e O Ecrã Global, estes dois últimos com Jean Serroy
(2010); Os Tempos Hipermodernos (2011), O Ocidente Mundializado. Controvérsia sobre a
Cultura Planetária (2011); O Luxo Eterno. Da Idade do Sagrado ao Tempo das Marcas, em co-
autoria com Elyette Roux (2012); e A Sociedade da Deceção (2012). Da sua obra, destaque ainda
para O Império do Efémero e A Terceira Mulher.

A Era do Vazio como Característica da Pós-Modernidade

A pós-modernidade caracteriza-se pelas profundas mudanças que a humanidade vem se


submetendo. Para Lipovetsky, o facto do homem pós-moderno deambular e muitas vezes
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indeciso e inquieto na procura de feitos novos, dos quais desconhece para onde possa lhe
conduzir, isso traduz na opinião do filósofo francês um vazio.

O vazio da pós-modernidade reflecte a ausência de certezas, tão comuns em tempos anteriores.


É, portanto, um vazio daquilo que o sujeito moderno estava saturado. Para o autor, esse vazio
representa a “derrocada da moral rigorista e o surgimento de uma elaboração ética a arte”, é o
fim de uma época de valorização do sacrifício e condenação do prazer. A era do vazio é a
ausência, mas também novidade.

Mais do que uma ausência, um vácuo, o vazio representa um novo conteúdo. A


modernidade estruturou-se como imaginário do dever e do homogéneo. Cada
indivíduo precisava corresponder ao imperativo moral dominante, mesmo
naquilo que só dizia respeito ao seu espaço privado. A ideia do imperativo moral
dominante, mesmo naquilo que só dizia respeito ao seu espaço privado. A ideia
de imperativo serviu de cobertura para a imposição de visões de mundo e para a
exclusão de todos os que ousaram postular modos alternativos de vida. A
corrosão do imperativo moral, vista por muitos como sinal de decadência da
estrutura social, pode ser, na verdade, considerada uma marca de libertação

(LIPOVETSKY, 2010, p. XI).

A saída da modernidade, traz consigo uma sobrecarga moral, que se caracteriza por uma corrida
desenfreada pelos novos caminhos de liberdade, parâmetros éticos e de comportamento. A isto
acrescenta-se uma forte descrença nas balizas orientadoras da vida pessoal e social. As
instituições como família, igreja, trabalho, poder que anteriormente (modernidade) eram
inquestionáveis, perderam a sua credibilidade, e vai emergindo uma sociedade sem referências.

Para o autor, a perda de referências é ainda mais notória, como demostra no seguinte trecho:

Quem continua acreditando no trabalho, quando o frenesi das férias, dos fins de
semana, dos lazeres, não cessa de desenvolver, quando a aposentadoria se torna
uma aspiração de massa, um ideal? Quem continua acreditando na família
quando os índices de divórcio não param de subir, quando os velhos são
exilados para casas de repouso, quando os casais se tornam livres, quando o
aborto, a contracepção, a esterilização se tornam legais? Quem continua
acreditando no exercito quando escapar do serviço militar não é uma desonra?
Quem continua acreditando nas virtudes do esforço, da economia, da
consciência profissional, na autoridade, nas sanções? A onde de desafeição se
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propaga por todo lado, despindo as instituições de sua grandiosidade e do seu


poder de mobilização emocional (ibid).

Apesar dos factos narrados serem desesperadores, ainda existe uma esperança, uma vez que as
instituições ainda insistem em injectar sentido e valor onde actualmente reina um deserto apático,
resultado da desmontagem dos mecanismos de legitimação da moral.

A desordem d pensamento é, na realidade, uma desordem de referências, que atinge, até mesmo,
a referência cardeal: o valor da pessoa humana. Hoje em dia, o lugar onde deveria reinar
princípios e valores reguladores, orientadores, inspiradores do agir humano, revela-se um vazio.
Sem esses parâmetros, a esfera privada se torna determinante, e viver sem finalidades
transcendentais parece algo perfeitamente possível.

Os grandes alcances da sociedade pós-moderna não trazem uma satisfação plena ao indivíduo de
nosso tempo, mas apresentam um inevitável paradoxo.

Características da Sociedade Hipermoderna

Lipovetsky defende a ideia que a pós-modernidade foi uma fase transitória da modernidade para
a hipermodernidade.

O desenvolvimento da tecnologia genética, a globalização liberal e dos direitos humanos, o


termo pós-moderno perde o seu sentido e não se encaixa mais, tendo esgotado a sua capacidade
de exprimir o mundo que se anuncia. Contudo, alguns traços da pós-modernidade, como a
eficiência técnica, a lógica consumista e a centralidade do indivíduo não apenas permanecem,
como também fortalecem e passam a ditar os caminhos do novo tempo.

a) O Narcisismo

Na concepção de Lipovetsky, a sociedade hipermoderna não se encontra confinada numa ilha,


esta sociedade encontra se ligada em laços afectivos com o passado e uma estreita vinculação
com o futuro. Se por um lado a modernidade visava a superação da menoridade como defendia
Kant, por seu turno, a hipermodernidade assume uma nova meta, ficar eternamente jovem. Nessa
empreitada da luta pela juventude se revela marcante o narcisismo, consequência do
individualismo pós-moderno fomentado pelo processo de personalização.
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Instala-se um novo estágio de individualismo: o narcisismo designa o surgimento de um


perfil inédito do indivíduo nas suas relações consigo mesmo e com o seu corpo, com os
outros, com o mundo e com o tempo no momento em que o capitalismo autoritário cede

lugar a um capitalismo hedonista e permissivo (LIPOVETSKY, 2010, p. 85).

O narcisismo hipermoderno representa o desprendimento do domínio outro, a ruptura com a


padronização de massa. Todo empenho externo (nação, trabalho, família, religião) agora assume
uma nova direcção: o próprio Eu, centro das preocupações, embalado pelo espírito da “eterna
juventude”, o corpo é promovido a um verdadeiro objecto de culto, rodeado de cuidados e
investimentos constantes (saúde, higiene, rituais de controle, cuidados médicos e farmacêuticos,
etc.). Impõe-se um novo imaginário social do corpo, ele perde o seu status de alteridade e
materialidade muda, e ganha dignidade e respeito, o que torna intolerável toda perspectiva de
envelhecimento.

No narcisismo hipermoderno, o corpo passa a ser objecto de atenção, preocupação e inúmeros


cuidados como nunca, passa a ser fonte de prazer para o narcisista, o investimento nele não visa
necessariamente ser melhor, mas sentir-se melhor. Além de produtos nele não visa
necessariamente ser melhor, mas sentir-se melhor.

O autor defende a ideia de que, a idade não é mais limite para o narcisista, o narcisista olha para
o seu reflexo no espelho, não para ver os rastros da sua beleza, mas sim para angustiar-se com as
rugas que começam a aparecer, com o excesso do peso, com a aproximação da morte.

b) Indiferença

Quando o Eu se torna celebridade, até os ídolos se tornam “estrelas de um só verão”, como


defende o autor, o vazio dos sentimentos, o desmoronamento dos ideias, enfim, o “deserto”
criado pela pós-modernidade, é todo feito de diferença, (LIPOVETSKY, 2010, p.142).

Contudo, é preciso ressaltar que não é somente de indiferença que a hipermodernidade


sobrevive, pese embora o EU seja o centro das preocupações, individualismo produz também um
efeito inverso, a sensibilidade em relação ao outro.

Segundo o Tocqueville apud LIPOVETSKY (2010, p. 167), enquanto a indiferença exterior


aparece como reflexo da prioridade que o indivíduo dá a si mesmo, a sensibilidade é uma
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confirmação de que o homem hipermoderno é ainda capaz de se indignar com situações que vão
contra a dignidade humana. O crescimento acentuado da indiferença ou desinteresse se confirma,
por exemplo, no ambiente de ensino. O prestígio e a autoridade dos professores desaparecem
quase completamente, e seu ensinamento se torna mais um dentre tantos meios de propagação do
saber.

A indiferença do hipermoderno, também se faz sentir na política, através da apatia e abstenção.


O interesse dos cidadãos pelos aspectos políticos e principalmente nas eleições se comparam ao
interesse pela loteria, pela previsão do tempo no final de semana. Nessa perspectiva, a qualidade
do divertimento determina a audiência, a política é obrigada a adoptar um estilo de animação na
tentativa de mobilizar a população.

A Ética Pós Moralista

Gilles Lipovetsky, em seu “Crepúsculo do Dever”, parodiando, obviamente, o “Crepúsculo dos


Ídolos”, de Friedrich Nietzsche, propõe-se a analisar, com rigor pós-moralista, o actual estágio
da sociedade dita pós-moral.

Este estágio decorreria de uma drástica ruptura da ética tradicional, regida pelo acendrado culto
ao dever, tendo como paradigma, dogma e postulado, a exaltação do desapego benemérito em
relação à sua vontade pessoal, com a ética hedonística e libertária, que privilegia o
individualismo em todas as instâncias valorativas possíveis (COSTA, 2012, p. 178).

Lipovetsky, com a frieza de um legista, disseca o cadáver da moral estabelecida, gestora


de duzentos anos do arcabouço democrático no mundo ocidental, segundo a qual o
indivíduo é obrigado a manter, perenes e sacralizadas, virtudes cingidas pelos laços
heterónimos ditados por exigências de padrões costumeiros engessados, para os quais o
conceito de dever é relativo e nunca, absolutamente, uma conduta de escolha própria ou
uma conquista eclodida na necessidade de prover um projecto axiológico estritamente

pessoal (ibid).

A sociedade pós-moralista não é, para Lipovetsky, como pode parecer, uma ruptura sem
onerosidade nem complicações. O bem-estar consumista e hedonista não se deslinda das
obrigações de responsabilidade colectiva, apenas deixa o indivíduo livre para fazer o bem, sem
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remorso e sem compromissos com qualquer ordem preestabelecida, tendente a anular a liberdade
de fruir do prazer e das satisfações pessoais.

A época pós-moral é uma ruptura sem retorno, mas a ruptura é com o tradicionalismo dos
interditos morais preestabelecidos pelos oráculos que ditam o que se deve fazer para merecer o
acolhimento e a estima dos seus coaldeados. Com efeito, o que há não é uma negação radical do
bem em si, como costuma se entender, mas a liberdade de tratar esse mesmo bem a nosso modo,
sem que o nosso direito de gozar a existência seja controlado por vontade que não a nossa.

A responsabilidade moral com o ecossistema, o Estado e o indivíduo, continua com sua


importância, até mesmo por imperativos de sobrevivência em grupo. É claro que as regras são
mais deontológicas e mais lógicas do que éticas, porque visam, sobremodo, ao dever de coexistir
do que ao de parecer bom.

O paradoxo, ou a aparente negação da sociedade pós-moralista em si mesma, é o espectro virtual


de graves chamamentos à eticidade no estado consumista, materialista e amoral em que vivemos,
onde a relação homem-homem é superada pela relação homem-coisa. As massivas campanhas
em favor da bioética, do ecossistema e da saúde pública, não significam a negação do egotismo
ou a exaltação humanística da fraternidade, mas a necessidade de manter boas regras no interior
da nave-mãe Terra, em que todos se aboletam (ibid, p. 179).

O autor de “Crepúsculo do Dever” explicita, ainda, o chamado imperativo narcísico, em


contraposição ao imperativo categórico kantiano, o bem teleológico visado pelo indivíduo, que
se afirma com os ideais do pós-moralismo. Para ele, a ética da felicidade própria para satisfazer
seus gozos pessoais não expira no consumismo ou na exacerbação da libido sem culpa. O corpo
também deve ser cultuado com tudo aquilo que possa satisfazê-lo no conforto, na higiene, no
culturalismo físico das academias, nos cuidados estéticos e dietéticos, e nas preconizações da
longevidade (LIPOVETSKY, 2005, p. 92).

Sendo o culto de si mesmo, o narcisismo supera as instâncias valorativas do imperativo


categórico e aí estaria simbolizada a contestação adversativa da moral tradicional e da ética a ela
pertinente.
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A Implantação de Uma Nova Moral

Para Lipovetsky, o tempo em que nos encontramos, é caracterizado por uma série de
acontecimentos constantes em prol de socorro mais efectivo e a pessoas desprivilegiadas em
termos económicos. Encontramos uma camada ou grupos de pessoas com um capital e que com
suas iniciativas provem shows em grande escala a fim de atenderem a demanda cada vez maior
de pessoas marginalizadas pela dinâmica social.

Os “empresários da fama”, é o termo que o nosso autor usa para referir a apropriação da
necessidade de acções altruístas feitas pelos ícones sociais e segundo os interesses da midia.

A era moralista era disjuntiva; pós-moralista é conjuntiva: harmoniza o strass e a


emoção, os decibéis e o ideal, o prazer e a boa intenção. Não se trata mais de inspirar o
senso austero e impositivo do dever, mas de sensibilizar, entreter, mobilizar

concretamente o público por via do rock e dos pop-stars (LIPOVETSKY, 2000, p.


111).

O novo paradigma ético vai se impondo em várias esferas de uma forma subtil, estabelecendo-se
nas consciências e se manifestando em várias esferas sociais. Contudo, o autor ressalta que neste
novo paradigma, a moralidade em si, como a compaixão por aqueles que sofre não é o que atrai
mais, mas sim o espectáculo. Não há possibilidade do retorno da moral tradicional, uma vez que
a nova moral tem no sofrimento alheio a sua maior virtude e usa-o para atender às exigências de
suas demandas.

As acções voluntárias que tem vindo a ganhar espaço nos últimos tempos, fazem parte do novo
paradigma que o autor chama de “altruísmo indolor das massas”. Segundo o autor, é notória que
a glorificação do ego não conduz à extinção do desejo de prestar serviços. Nossos meios sociais
não exaltam o altruísmo a título ideal obrigatório, mas o voluntariado assistencial goza da
simpatia da opinião pública.

A autonomia ética face a soberania do dever

É inegável o carácter religioso da moral na idade moderna e pós moderna e que ainda hoje se faz
sentir na nossa sociedade. Num mundo com sucessivas transformações no âmbito das relações
humanas, mudaram significativamente os comportamentos. A moral do dever, surge como uma
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imposição externa, perdeu o seu espaço para uma moral mais personalizada, onde o critério
determinante é o próprio sujeito e seus direitos subjectivos.

O crepúsculo do dever de um lado e a aurora da liberdade de escolha de outro lado.


Concomitante à chegada da moralidade e o estabelecimento de uma sociedade democrática, os
condicionamentos morais religiosos perderam grande parte de sua influência (LIPOVETSKY
apud VALDIER, 2003).

Contudo, apesar da predominância do valor de escolha pessoal, o carácter de dever continua a


fazer parte da moral na modernidade, só que a partir do próprio indivíduo. Por fim, passo
definitivo é a instauração da sociedade do pós-dever, configuração própria de uma época em que
o sujeito humano se reserva o direito de rejeitar tudo o que não o realiza ou que vai contra a sua
liberdade. É improvável sacrificar-se, a não ser por si mesmo, em vista de algo mais realizador
(idem).

Renovação ética

O maior ganho com a renovação ou com a nova ética, é o sujeito humano, não mais um
cumpridor das imposições ético-morais. Nesta ordem de ideia, um agir ético, é agir em agir em
vista da própria realização e bem-estar.

Essa nova abordagem ética, não encontra inspiração nas formas antigas da ética religiosa, porém,
aceita e preserva seus referenciais humanistas.

A nova ética está longe de ser um retorno, depois de um longo período de ocaso, ela é baseia-se
se sobretudo, no distanciamento do sistema em que a moral funcionava no passado, ela constitui
uma renovação, que traz em si uma novidade própria que diferencia substancialmente os valores
ético-morais actuais dos tradicionais. Esta nova forma de agir ético, encontra no individualismo
pós-moralista a renovação ética e uma das manifestações que lhe dá um impulso vial.

Embora a ética tenha readquirido foros de legitimação, não houve uma


reinstalação da antiga e sólida moral de nossos antepassados no cerne da vida
social, mas apenas a emergência de uma regulamentação ética de um género
inusitado. Aquilo que muito impropriadamente se denomina de “retorno da
moral” serve apenas para acelerar a saída da época moralista das democracias, já
que se trata do estabelecimento de uma moral sem obrigações nem sanções,
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segundo as aspirações da massa, que se mostra inclinada por um individualismo-

hedonista democrático (LIPOVETSKY, 2004, 105).

O retorno da ética, implica uma ética desligada do dever irredutível, da imposição severa, da
imolação ao próximo, ao trabalho, à família, à nação, da supremacia do esforço sobre as benesses
da fruição. É preciso lembrar que o homem é ávido de regras justas e equilibradas, mas sem
renúncia pessoal: “queremos regulamentações, não imposições, especialistas não fiscais da
moral” (ibid, p. 105). Enquanto uma ética de natureza obrigatória causa repulsa, uma ética de
sentimento evita tolher a liberdade do individuo com nomas extrínsecas.

A ética que acaba de retornar, rejeita toda lógica do dever, do imperativo categórico , do
cerceamento da liberdade individual, ao passe que reflecte uma crescente valorização da ética
nos mais diversos aspectos sociais da vida social. Nessa nova abordagem ética, busca-se proteger
de todo tipo de imposição que possa frear a caminhada individualista. Essa renovação ética, vai
instaurar a época pós-moralista, sobrepondo direitos e liberdades às obrigações morais, ganha
força um novo paradigma ético não contrárias aos interesses pessoais, mas favorável à promoção
de um mundo liberto das rígidas demarcações.

O enfraquecimento ou abandono da moral tradicional não significa exactamente uma ausência


total de valores morais. Com a personalização da moral adaptou-se aos novos valores de
autonomia individualista, assumido um carácter profundamente livre, emocional e indolor. É
desta forma que o autor francês vê a renovação ética.

Por detrás de toda revitalização ética, vê-se o triunfo de um moral indolor,


última fase da cultura individualista democrática, desvinculada, em sua lógica
mais profunda, tanto das conotações de moralidade como de imoralidade. Em
nossos dias, o que desperta maior reprovação não é a norma ideal, mas sim uma
eventual reactivação do conceito de dever absoluto, a tal ponto que o moralismo

ficou sendo equiparado, socialmente falando, ao terrorismo e à barbárie (ibid,


p. 136).

Essa moral indolor, visa libertada de toda imposição externa ao sujeito, é uma reacção evidente a
qualquer imolação pessoal ou sacrifício. O sujeito aceita o desafio da responsabilidade, mas
rejeita tacitamente o dever incondicional, configurando-se desta forma ao que Lipovetsky chama
de minimalismo ético, caracterizado por uma ética compatível com o primado do ego, onde toda
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generosidade, solidariedade, compromisso social e institucional, não são incompatíveis com o


individualismo, desde que não sacrifiquem o sujeito.

Um outro conceito que o francês faz menção é a ética mediática, que se caracteriza pela
caridade, assim como como os apelos à solidariedade. A moral emocional foi reciclada segundo
as leis do espectáculo, com um grande poder de encantamento que tem na midia o instrumento
de difusão dos novos costumes e práticas.

Para o autor, a caridade televisiva não origina compromisso, mas fundamenta e estimula uma
consciência ética efémera e indolor; não instaura um reavivamento das virtudes, mas determina a
vitória do consumismo individualista, com grande poder de mobilização altruísta, a eficácia das
campanhas mediáticas está condicionada ao facto de que não entram na rotina, mas sempre
despertam experiências novas.
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Conclusão

Conclui-se do presente trabalho que, para Lipovetsky existe três eixos que caracterizam e
condicionam o pensamento ético da sociedade moderna: a tecnociência, o mercado e o
individualismo democrático. Porém, esses pontos tiveram diversos obstáculos como a religião, os
partidos políticos e a lógica da família. Hoje, esses limites foram rompidos, principalmente pela
comunicação.

Para o autor, actualmente, vive-se em uma sociedade hiperindividualista em que não há mais
valores, impera o narcisismo contemporâneo, fazendo com que desapareçam os grandes ideais
sacrificiais. Ele afirma que “ninguém, nem mesmo a Igreja, vai dizer que temos que morrer por
um ideal”. Ainda sim, há uma moral da hipermodernidade. O pensador utilizou as grandes
catástrofes climáticas como exemplo: “Quando há uma grande tragédia, todos os países e a mídia
se mobilizam para ajudar”, explica. Para o professor de filosofia, isso ilustra a regulação ética da
nossa sociedade. Ao mesmo tempo em que os indivíduos são autônomos e livres, eles dão
atenção a determinadas questões que são colocadas principalmente pela imprensa. “As
prioridades morais vêm da mídia, do exterior das pessoas”.

Essa questão chama atenção para o facto do desenvolvimento, que Lipovetsky caracteriza de
ética emocional e indolor. O individualismo existe, mas não apenas como a visão moral que
caracteriza como egoísmo sendo um mal e o indivíduo centralizado apenas em si mesmo e com
coração seco. Na verdade, o que acontece é uma autonomia, as pessoas responsáveis por suas
próprias vidas. E isso não acaba com a solidariedade e a ética.

O filósofo destaca também sobre o fato de não existir mais uma única verdade moral. Com o fim
da era teológica, os homens puderam discutir, “é a entrada da lógica democrática na moral”,
conta. Porém, Lipovetskty fala que não basta confiar na moral: “não podemos pensar que através
de uma regulamentação ética viveremos em um mundo melhor”. Para ele, o drama da nossa
época é encontrar um meio-termo entre mercado e estado e tecnociência e meio-ambiente. “Sem
informação, sem a inteligência do homem e o investimento do estado, não poderemos resolver
esse problema”.
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Bibliografia

COSTA, Renato d Lima. Ética e religião em Gilles Lipovetsky: Uma análise da obra “A
Sociedade Pós-moralista”, PUC, São Paulo, 2012.

LIPOVETSKY, Gilles. A Era do Vazio: Ensaios sobre o Individualismo Contemporâneo,


Manole, 2ª Ed. São Paulo, 2010.

___________________. Os Tempos Hipermodernos, Editora Barcarrolla, São Paulo, 2004.

___________________. A Sociedade Pós-moralidade: O Crepúsculo do Dever e a Ética Indolor


dos Novos Tempos Democráticos, Manole, São Paulo, 2005.

VALDIER, P. Moral em Desordem: um Discurso em Defesa do ser Humano, Loyola, São Paulo,
2003.

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