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Hōfuna Haru – 36 Anos, Samurai Ryuujin

Jun e Andressa, um par improvável para se encontrar em Tamu-ra. Um deles, um


shugenja respeitado, responsável por curar as mazelas da população geral em tempos de
paz. A outra, uma bárbara que chegou às costas do Império semi-morta, boiando em um
destroço de madeira que era o único resquício do barco em que viajava. Seu lar havia sido
o Trono de Sugora, que ela e seu povo chamavam de Montanhas Sanguinárias ao norte
da grande área de Tormenta que lá se instalara.

Em meio a uma vida de violência e morte constantes, Andressa se viu vítima do


acaso quando uma enorme besta surgiu das águas durante uma viagem de pesca que
deveria ser rotineira. Mesmo que todos a bordo estivessem armados, mesmo que a força
descomunal dos tripulantes lhes concedesse uma velocidade sem par na água, nada era
capaz de escapar das ondas geradas pelo mero caminhar da criatura.

Pela benção, ou maldição, dos deuses chegou a Tamu-ra ainda viva, mesmo que
por um fio. Os exploradores que a encontraram levaram-na imediatamente para Nishidori,
a cidade murada, e o ajuntamento mais próximo. Lá foi tratada por Jun uma parte da
grande equipe de shugenja designada a tratar os feridos militares e civis em caso de ataque
de Kaiju, mas que enriquecera como curandeiro particular de nobres.

O tratamento foi difícil, mesmo com milagres disponíveis. A mesma criatura que
tinha causado a morte dos companheiros de Andressa também havia ocasionado dezenas
de naufrágios do lado de cá da costa, e os curandeiros, milagrosos ou não, se viam
atolados de trabalho. Ainda assim sobreviveu, e mesmo que não tivessem a mesma
cultura, nem falassem a mesma língua (a princípio), ao longo dos meses seguintes um
amor dali floresceu.

Por mais que houvessem subido nos ranques da hierarquia social, o clã Hōfuna só
passou a existir como tal após o nascimento de Haru. Um Ryuujin na família era algo
importante e assim houve festa. Por decoro, todos aqueles que foram convidados
compareceram, mas por trás de todos os sorrisos de porcelana eram poucos os que não
questionavam o fato de um ser quase divino ter saído de uma estrangeira que amamentava
no meio do salão.
A verdade era que, se não fosse mulher, Andressa provavelmente teria sido feita
soldado contra bakemono no momento em que ficou de pé pela primeira vez na
enfermaria, após ter sido tratada. Mesmo seus costumes “bárbaros” se aproximavam e
muito da ideia de honra compartilhada no Império de Jade. A fraternidade daqueles que,
às vezes literalmente, matam um leão por dia para sobreviver é evidente, para aqueles que
verdadeiramente a possuem. E seus ombros de lenhador falavam por si mesmos.

Crescendo nesse ambiente ao mesmo tempo acolhedor e hostil, Haru desde cedo
percebeu que mesmo a Honra não era perfeita. Mesmo aqueles considerados bons pelos
padrões de Lin-Wu ainda sentiam inveja, medo, raiva, sentimentos tão “feios” que todos
se esforçavam para esconder atrás de uma máscara para que sua honra não fosse
manchada.

Devotou-se desde os dez anos buscando respostas para perguntas nada simples:
Se todos o amavam e o consideravam um presente, por que então tantos odiavam sua
mãe? Por que aprender a lutar com um samurai de lata era honrado, mas com sua própria
carne era um pecado? Assim, durante o dia e sob as vistas de seu pai, aprendia dogmas e
técnicas ancestrais. Sob o olhar da lua, aprendia técnicas guerreiras com sua mãe,
sobretudo como usar sua força para sobrepujar o inimigo, e o uso de armas de duas mãos.

Este pequeno ato indecente compartilhado apenas pelos três fez com que seus
braços se tornassem cada vez mais fortes, sua honra cada vez mais ferrenha, e sua noção
de certo e errado cada vez mais absoluta em si mesma. Lutar era para aqueles que podiam,
se seus braços e pernas aguentam que você lute, então lute. Estudar era para os aptos, se
Lin-Wu te abençoou com uma mente forte, então use. Bem e mal não existem, o que
existe é o equilíbrio e a Honra.

Durante a época em que passou em Tamu-ra, Andressa não deixou de lutar, fosse
usando seu Nodachi contra bandidos, fosse usando palavras entre os nobres. Mas apenas
numa dessas situações ela tinha vantagem. O desenvolvimento rápido de Haru, por mais
que sempre parecesse cansado, tornou ambos os ataques menos frequentes, bastava um
olhar para saber que o Ryuujin era mesmo filho dela e ninguém ousava desafiar os
desígnios do Dragão, ou a força de seu presente mortal.

A vida começava a melhorar. E pouco após seu aniversário de 15 anos, Haru não
parava de pensar em auqndo seria sagrado samurai. Segundo sua mãe, receberia de
presente a espada que usava durante todos esses anos para auxiliar em sua jornada, e
segundo seu pai, estava finalmente entendendo verdadeiramente os dogmas de Lin-Wu,
logo, receberia poderes do deus.

Mas tudo que é bom dura pouco, e num dia de celebração, no qual o próprio
imperador declarou feriado para o casamento de seu executor, veio a Oni-ame, a chuva
de demônios, a Tormenta. Tudo foi um caos, as ruas correndo com o sangue daqueles
sendo massacrados aos montes se misturando ao ácido que chovia do céu, devorando
tudo. A violência que seguiu naquele fim de tarde nunca deixou Haru, por mais que se
lembrasse pouco do ocorrido. Sua mãe lhe contara histórias sobre guerreiros que se
deixavam levar pelo calor da batalha numa espécie de fúria e superavam sua própria força,
ignoravam danos letais, mas como uma bebida, depois restava apenas ressaca na mente.

Lembrava-se, contudo, de seu pai despejando seu próprio inferno sobre a horda
que tentava entrar pelos portões de nossa propriedade, quando ficou claro que os insetos
não deixavam sobreviventes para curar. De sua mãe dando-lhe sua grande espada junto
com ordens de proteger um grupo de pessoas que estava em perigo ali perto. De uma
criatura horrenda no chão a seus pés, morta. De um rosto Ryuujin que o tinha ajudado, ou
talvez fosse o contrário, E acima de tudo uma promessa de voltar.

Deu conta de si já em Ramnor. Conhecia as histórias sobre o lar dos Kaiju, mas
mesmo que sua herança viesse em parte dali a única lembrança de sua família era a
nodachi meio corroída de ácido que levava nas mãos. Durante semanas os refugiados
marcharam para encontrar outros grupos e unir-se, levando tudo o que podiam,
trabalhando por restos, nunca roubando. Preferindo a morte antes da desonra.

Chegaram em Valkaria com um terço a menos dos números que um dia tiveram,
suas roupas estavam maltrapilhas, mas limpas, seus rostos magros e seus olhos cansados,
mas seu caminhar era altivo, nada iria abalar os tamuranianos, fosse terremoto, fosse o
inferno. Ali expandiram o que outros pouco antes já haviam construído, Nitamu-ra o que
pensavam ser o último bastião de sua cultura.

Haru fez de tudo um pouco para ajudar, mas no fim, foram seus braços que lhe
ganharam direito a vida, nesta terra estrangeira onde o respeito aos Ryuujin se limitava
apenas aos mais agarrados a tradição. Seus cabelos o marcavam, então os raspou. Seus
olhos eram diferentes, mas ninguém que não fosse de Tamu-ra suspeitaria deles em
Valkaria, com suas mais variadas raças e cores. Assim, trabalhou com afinco e trouxe
ouro para a comunidade que crescia ali. Carregava lenha, limpava tavernas, ajudava a
erguer pedras durante construções, vivia com o mínimo possível e doava o resto.

Seu único bem material de maior valor que o de uma refeição era a lâmina que
havia recebido de sua mãe, enquanto ela matava criaturas e mais criaturas com as armas
que pegava do chão, para garantir sua fuga e de outras pessoas, numa carnificina brutal.
Havia sido corroída, mas através de favores, restaurada por um ferreiro habilidoso. E em
sua lateral estavam gravadas as palavras que ele juntara num haiku. O poema e os kanji,
para seu pai, as palavras nele, para sua mãe.

Força, um brado retumbante

Leva lâmina dançante

Contra a Tempestade vermelha.

Era importante que fosse preservada, pois, novamente sob a luz da lua, era a
ferramenta de treinamento do aspirante a samurai. Sua Honra havia sido manchada pela
fuga, sua fraqueza grande demais para que pudesse fazer algo que não fugir, aceitava isso
e ajudou como pôde em todo o período depois. Não lhe pesava a consciência. Mas a
promessa de retorno ainda estava lá, voltaria para casa e isso era certo como o sol que
nascia a cada dia. Tudo o que nasce morre, e tudo o que morre renasce.

Seu retorno se deu com uma das primeiras levas de peregrinos. Agora com o dobro
da idade, uma vida de diferença, avistava novamente Nishidori e decidiu deixar o cabelo
crescer solto ao modo bárbaro.

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