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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

DISCIPLINA: HISTORIOGRAFIA FRANCESA

O CONCEITO DE “CIÊNCIA HISTÓRICA” DOS ANNALES


(Estudo Dirigido)

DISCENTE: João Batista Sabino Neto


GUAZELLI, Cesar Augusto Barcellos et al (org.). Questões de teoria e metodologia
da história. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2000.

O CONCEITO DE “CIÊNCIA HISTÓRICA” DOS ANNALES

José Carlos Reis

1. Os Annales pretenderam fazer da história uma “ciência social”, porém o grupo


é marcado pela heterogeneidade. Não obstante, ao longo da história da escola,
quais os conceitos que se mantiveram mais ou menos constantes no centro da
“epistemologia histórica” dos Annales?

Ao adotarem o ponto de vista das ciências sociais, recusando as


influencias da literatura e, sobretudo, da razão filosófica como condutora de
uma sociedade sempre em “progresso”, os Annales quiseram fazer da história
uma ciência social.
Apesar da heterogeneidade dos membros, o que permanece em comum é
o espírito de abertura à história efetiva, às ciências sociais, à experimentação,
a recusa de sistemas, da dogmatização, a utilização de todas as estratégias de
conhecimento permitidas pelo objeto. O que Reis acrescenta como ponte que
coaduna-se entre as gerações são duas posições fundamentais e imóveis: a
adoção do ponto de vista temporal das ciências sociais, isto é, a estruturação
do evento – introduzido por Chaunu definindo-o como tudo aquilo que na
sociedade, ou na economia, tem uma duração suficientemente longa para
escapar ao observador comum, ou seja, por meio de uma história mais ampla e
mais humana, preocupando-se menos com as histórias de eventos e mais
sobre análise das estruturas – e, também, a prática de interdisciplinaridade.

2. Como a história foi concebida na primeira fase dos Annales, sob a liderança de
Febvre e Bloch?

Para se contrapor à historiografia dominante do século XIX, àquela


concentrada nos eventos políticos na maioria das revistas históricas, entre elas
a Revue Historique, Febvre, munido de um certo voluntarismo, idealiza a
história como “um estudo cientificamente conduzido” e não como uma
“ciência”, e a queria como reabertura constante do passado. Com a crise das
ciências naturais no começo do século XX, a ideia de ciência tinha se tornado
mais flexível e, portanto, compatível com a história. Já para Bloch, as ciências
humanas não tinham mais necessidade de renunciar à sua originalidade ou
terem vergonha dela. Ambos definiam a história como a “ciência dos homens
no tempo, a ciência da mudança perpétua da sociedade dos homens. Para
eles, o objetivo dos estudos históricos era a “compreensão da vida passada”.
Febvre era mais intuitivo, mais compreensivo, também muito influenciado
pela geografia histórica, incentivado por Henri Berr e influenciado pelo Vidal de
la Blache, Bloch era mais explicativo que compreensivo, mais durkheimeano,
mais racional e empirista, segundo Burguière. De fato, Bloch quando escreve a
frase “representações coletivas” em seu livro “Os Reis Taumaturgos”, está
bastante associada a Émile Durkheim, tanto quanto a frase “fatos sociais”,
encontrável também nas páginas de sua obra.

3. Na segunda fase, quais as duas tendências de “explicação-compreensão” que


marcam a escola? Que críticas foram levantadas à história serial quantitativa?

Na segunda fase, é notório salientar as tendências que coabitam à


escola, vindas dos fundadores. A “história global” de Braudel, que dizia
“Globalidade não é querer escrever uma história completa no mundo... É
simplesmente o desejo, ao nos defrontarmos com um problema, de ir
sistematicamente além de seus limites”, também usa o termo em vários dos
seus estudos. E a “história serial quantitativa” que surge em 1950, nesta
mesma década, surge a demografia histórica com uma figura proeminente,
embora, à margem do grupo, o Ernest Labrousse. A história serial quantitativa
é formada por historiadores econômicos e demográficos, mais próxima da
história-problema.
Embora a segunda geração, estrutural e conjuntural quantitativista,
tenha vivido um momento de otimismo científico, - que era o propósito da
escola até a segunda geração - com o programa durkheimeano incorporado
em parte pelos fundadores, que foi incorporado por Labrousse e Braudel nessa
segunda geração, nos anos 70 e 80 mostraram o infundado dessa ambição
científica, a terceira geração reconhecia os limites e as contradições entre
história serial e longa duração, pois, quanto mais uma série se estende no
tempo e no espaço, menos ela tenderá a ser homogênea.
A história serial não foi abandona, mas perde seu valor cientificista de
outrora, devido a impossibilidade da comparação, da exatidão e, em última
análise, é notório que a heterogeneidade compromete essa ânsia cientifica.
4. Como a questão da “ciência histórica” é encarada pela terceira geração
marcada pela “história em migalhas” (Dosse)?

A terceira geração abandona àquela ambição de história cientificista na


longa duração, e, prefere abordar o real histórico em sua multiplicidade não
totalizável, como face de um poliedro de mil faces, ou seja, não há articulação
global, não há interpretação de todos os fatos, não homogeneidade e transição
de níveis, não há síntese total pensável, não há historiador, sujeito histórico,
capaz de um olhar absoluto. Para Dosse foi uma traição, uma descontinuidade,
pois na segunda geração a história pretendeu ocupar um lugar central, uma
visão unificadora, total, da sociedade, enquanto a terceira geração abandona a
“história global”, abandona a “história geral”, a história se fragmentou.
Por outro lado, a terceira geração enfatiza o aprofundamento nas
estruturas, o projeto amadurece, pois abre o leque para “estruturas mentais”,
que se tornam o interesse central da pesquisa histórica, são plurais, múltiplas,
heterogêneas, dispersas. O historiador pode tematizar tudo sob qualquer
perspectiva.

5. Resuma a discussão do conceito de “história global, destacando os dois


sentidos desta expressão”? (20-25 linhas).

Para Reis, o conceito de história global é impreciso e confuso. Pois se


a história-ciência fosse globalizante, já estaria fadada ao fracasso, pois esse
conceito é vago e impreciso.
Tentemos explorar essa ideia de “história global”, que parece mais ser
mais uma expressão do que um conceito. Essa expressão teria a nosso ver
dois sentidos: pode querer dizer “história de tudo” e “história do todo”. No
primeiro sentido, seria a consideração de que “tudo é história”, não havendo
mais regiões que seriam interditadas ao historiador; no segundo, seria uma
ambição de apreender o “todo de uma época, seria uma abordagem holística
de uma sociedade, o que levaria, talvez, a uma contradição com a história-
problema.
“História de tudo”, que significa simplesmente o alargamento do
campo histórico, e que é compatível com a história-problema, tornou-se o
centro das propostas dos Annales. Todas as relações sociais e humanas
tornam-se tematizáveis no passado. O que se faz é recusar a distinção entre
um passado estritamente histórico, um passado que não seria histórico e a
consideração de que todo passado tem dignidade historiográfica e é
tematizável pela pesquisa histórica. Nessa acepção, a história total significa
que a história se edifica sem exclusão.
No sentido de “história de tudo”, a história global se tornou uma
problematização exacerbada do passado-presente, fragmentando-o em objetos
múltiplos, em temporalidades múltiplas e a disciplina histórica em
especialidades múltiplas. Mas não é um caos sem nenhuma possibilidade de
ordenação e comunicação, pois não seria incompatível com a história-
problema. A terceira geração manteve o projeto de “história de tudo”, mas
rompeu com a ambição de uma “história do todo”

6. O que resultou do abandono da “história global/geral” na terceira geração dos


Annales? Como essa geração encara o fato de problematizar e estudar “tudo”
e não mais o “todo”?

A história global por si só, é um conceito confuso e impreciso de se


definir. Já nos anos 60, Foucault buscava defini-la para opor-se a ela. Para
Foucault, como um pós-estruturalista, analisava que o projeto de uma história
global é o da restituição do conjunto de uma civilização, do principio de uma
sociedade, da significação comum a todos os fenômenos de um período, da lei
que dá conta de suas coesões, do “rosto de uma época”. Já para Hexter, uma
história global/geral, jamais atingiu a articulação a que pretendia, pois só reunia
um conjunto de dados e informações, uma superposição de temas incontáveis,
enfim, mais uma cacofonia do que uma sinfonia. Ainda segundo Hexter, a
história global entra em contradição com a história-problema com a definição
dos três tempos, formalizada por Braudel, pois o tempo se fragmentaria os
tempos. Em última análise, a história geral fragmenta-se em objetos múltiplos,
temporalidades múltiplas e a disciplina histórica em modalidades múltiplas. Os
Annales também falharam na marginalização da política e ao desenfatizarem
outras áreas falharam na realização do seu projeto totalizador.
Já o estudar o “tudo”, que significa alargar o campo histórico, analisar a
profundidade das estruturas, as particularidades, e isso coaduna-se com o
grupo, pois atinge a almejada história-problema. Nesse sentido, a história deve
tratar de todas as dimensões do social e do humano: o econômico, o social, o
cultural, o religioso, o técnico, o imaginário, o artístico, o familiar, o simbólico, o
erótico...
7. Como o autor (J. C. Reis) se coloca diante da avaliação da “história em
migalhas” feita por François Dosse?

Dosse avalia a terceira como traidores do projeto dos fundadores dos


Annales, pois abandona a ideia de uma história globalizante por uma história
em migalhas. Para ele, a história deve continuar sendo ciência da mudança e
da transformação da sociedade e não uma respiração natural, regular e
imutável.
Segundo Reis, Dosse quer o poder, o retorno à uma instituição
autoritária, centralizadora, asfixiadora da diferença, em que até ele (Dosse) não
se enquadra. Para derrotá-la, ele não apresenta o “novo” contra o “antigo”,
como era o de esperar, mas o retorno à tradição, a fundação, a memória,
contra a decadência, o extravio, a descontinuidade, o esquecimento e a
traição. Para Dosse a história sempre foi ligada a poderes, ela tomou essa
forma de história fragmentada, devido a poderes aos quais ela estava inserida,
ou sobreposta, apenas uma hipótese de Dosse, como afirma Reis.
Reis ainda define a avaliação de Dosse como ele sendo um “marxista
iluminista”, pois ele tem uma visão iluminista da história e do homem: acredita
na razão e na história como um processo de emancipação universal do homem

8. Na lista de perdas e ganhos (a-k), comente quatro pontos que você julga mais
importantes, considerando a função social do conhecimento histórico.
Justifique sua escolha.

a) A passagem da síntese à especialização, é importante para


cientificidade da história, pois pode-se analisar através da história-problema, de uma
forma mais profunda e delimitada, com várias documentações bem embasadas, a fim
de preencher lacunas não preenchidas.

h). Passagem da revolução ao imobilismo, vemos que essa utopia racional


dos iluministas em que a sociedade é sempre unida e conduzida pela razão
globalizante, esse “espírito universal”; é a humanidade em busca da
liberdade, em que o sujeito é singular-coletivo e capaz de construir um
mundo histórico-social é contestada pelos Annales, tornando-os céticos à
mudança, devido a perda de ingenuidade em relação à mudança repentina,
pelas experiências na sociedade, devido ao entrechoque de forças não
confiáveis, ocasionando muitas desgraças. Pois ocorre uma distância, entre
a intenção, o discurso e a ação.

k) Passagem de uma identidade epistemológica da história à não


identidade. A perda foi bem significativa para os que adornam a história
apenas como uma história puramente cientifica, por outro lado julgo a
importância dos conceitos de temporalidade, historicidade, subjetividade
como um caráter também cientifico, pois a partir do momento que se insere
a narrativa bem fundamentada pelos regimes de historicidade com
alternâncias relativas entre historiadores, pode-se considerar várias
interpretações que possa trazer o debate historiográfico sempre em
questão, o que torna, a rigor, um aspecto científico

i) Passagem da desmemoria à memória.

Essa história de memória dos grandes agentes políticos, sujeitos


imutáveis é puramente ultrapassada, devido a esse grande avanço da
historiografia que sofre influência e sucessivas continuidades de desprezo
pelos Annales, julgo ser importante revisitar o passado para desconstruir
narrativas presentes acerca de grupos sociais dominantes e sujeitos
históricos que querem se manter imutáveis, mas discordo quando, pela
vontade de potência almeja controlar o futuro.

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