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UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE

CENTRO DE HUMANIDADES – UNIDADE ACADÊMICA DE HISTÓRIA


COMPONENTE CURRICULAR: OFICINA DE METODOLOGIA DA ESCRITA DA
HISTÓRIA
DOCENTE: PÁVULA MARIA SALES
DISCENTE: ADRIAN MARCELO PEREIRA DA SILVA

DOS SANTOS, Reinan Ramos. A intriga de Paul Veyne. XXIII SEMINÁRIO DE


INICIAÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA DA PUC-RIO. 2015. Disponível em:
<https://www.pucrio.br/ensinopesq/ccpg/pibic/relatorio_resumo2015/relatorios_pdf/
ccs/HIS/HIS-Reinan%20Ramos%20dos%20Santos.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2023

A prática de refletir sobre as contribuições teóricas e metodológicas pressupõe


uma abertura ao entendimento e imbricações das teorias que, concordando ou não,
fundamentam pressupostos que se fazem ver e sentir no fazer historiográfico do século
XXI. As proposições de Paul Veyne, apresentadas por Reinan Ramos do Santos, tem em
vista um ideal básico: dispor de significações racionais e fechadas as atividades de
olhar, pensar e escrever história. Diante de um cenário em que a visão sobre o passado é
restrita às histórias nacionais ou de grandes heróis, baseados em documentos oficiais, o
autor suscita uma reflexão transgressora: a de que a história não é um caminho
ordenado, mas um campo em que o historiador age sobre itinerários possíveis, em
outras palavras, abre caminho para interpretações diversas.

A proposta de uma história múltipla, menos engessada, advém da concepção


dupla que o autor possui sobre o uso do termo “história”: uma com h maiúsculo, cuja
origem remonta ao Iluminismo; e a história enquanto atividade intelectual. Deste modo,
ao debruçar-se sobre os documentos, entendidos como uma partícula do passado e, que,
ao trabalho do historiador ganha forma e sentido através da escrita.
Duas noções que avultam na leitura do texto são as que, filosoficamente,
correspondem à lógica aristotélica de um mundo dividido em supralunar e sublunar. O
mundo supralunar corresponderia a uma realidade estável, cuja existência seria descrita
em um grau de organização própria e que não encontraria ecos no mundo sublunar. Este,
por sua vez, corresponderia ao mundo dos humanos, um território em perpétua
construção, em devir. Deste modo, cabe aos historiadores dedicar-se ao caos, ao
inquieto e ao inteligível. O próprio mundo supralunar que, na teoria aristotélica, seria
um “mundo perfeito” não existe; não há uma ordem natural a ser seguida ou imitada.

Nesse contexto, uma reflexão surge: quais os limites da objetividade na “ciência


histórica” e quais seriam os seus impactos na prática historiográfica. Pensar em uma
perspectiva próxima a do autor referido é, a meu ver, uma transgressão aos limites
impostos pela dureza na qual a disciplina história é vista, tanto pelo senso comum tanto
pela própria academia. Um mundo “novo”, portanto, se revela e a sua complexidade
inquieta.

Em seguida, no texto articulam-se dois conceitos básicos: o de campo


acontecimental e o de intriga. O primeiro refere-se ao mundo das coisas, onde o
acontecido toma forma, impulsionado pelo contexto histórico, social, econômico e
político, seria, portanto, o domínio pelo qual a atuação dos historiadores seria completa.
Já a intriga é, em resumo, os caminhos narrativos – ou itinerários – seguidos pelos
profissionais da história; assim, o trabalho do historiador pressupõe uma escolha,
singular, parcial. Nos é alertado, sobretudo, que a intriga só se faz possível a partir de
uma relação entre o pesquisador e os documentos. De acordo com estes pressupostos
além de trabalhar com o concreto, com a desordem, o papel do historiador de decifrar
ou organizar a “bagunça da casa” é sempre parcial, uma rota entre tantas outras
possíveis.

No tocante à relação entre a História Serial e os documentos há uma prerrogativa


primeira, a de desatar os nós de um emaranhado confuso de ideias, que seria o campo
acontecimental, a fim de propor uma visão dos acontecimentos. Apenas através da
organização e da análise rigorosa dos documentos que o acontecido viria à tona.
Interessa, portanto, uma organização em série de documentos que possam dar base a
interpretações de mudanças ou permanências ao longo da história da humanidade. Essa
abordagem permite uma visão ampla dos acontecimentos, permitindo ver o oculto, ouvir
o silêncio e sentir o intangível.
Além disso, podemos inferir outras questões relevantes, como, por exemplo, a
definição de “explicação histórica” e “narrativa”. Tendo como base o texto referido,
entendemos que não há uma diferença clara entre ambos, apesar de serem dois
elementos distintos. A explicação histórica se dá através de um conjunto de narrativas,
ou de intrigas, pelas quais o historiador percebe o passado, desvenda os silêncios e
esclarece o que antes era obscuro. As narrativas são múltiplas o que indica, também,
uma multiplicidade histórica, a sua variabilidade e a sua diferença.

Ao abordar as diferenças no campo da história, o autor se põe em um terreno


perigoso: desafiando as normas de uma história total, propõe uma história das
diferenças humanas que é, em sua essência, complexa. Se, anteriormente, a diferença
era uma espécie de tabu, para Veyne ela é o alvo concreto: o que dizer de um documento
que, suspostamente, já disse de tudo? A sua totalidade é apenas uma abstração. Com o
método da organização em série dos documentos objetiva-se desvelar o que não é
comum, o não-dito, o invisível, portanto, o diferente. Aquém da fronteira do
esquecimento, este é alçado a uma posição prestigiosa.

Por fim, encerramos este texto com o reconhecimento do trabalho de Paul Veyne
que, concordando ou não, possui inquietações e problemáticas inerentes à prática
historiográfica. As concepções de narrativa, de intriga e até mesmo do mundo sublunar
suscitam discussões da mais diversas: deste a subjetividade do pesquisador até mesmo
ao que é considerado ou não um acontecimento ou um fato histórico.

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