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Pensões e bordeis
A privacidade dos quartos de pensões permitiam o livre viver de alguns homossexuais
que sentiam-se livres para vestir roupas femininas, usar maquiagem, conversar com
seus iguais, etc;
O centro logo passou a expandir o número de pensões e cortiços com o afastamento
da classe mais alta, eram quartos onde famílias poderiam dividi-los ou mulheres e
homens solteiros poderiam ficar;
A maioria das pensões era segregada por sexo, no entanto, as pensões femininas
muitas vezes serviam de fachada para bordeis; já as masculinas abriam brecha para
que casais homossexuais pudessem viver juntos.
A noção de que os homossexuais eram seres transgêneros (do terceiro sexo) era
acentuado quando estes utilizavam de roupas extravagantes, femininas, utilizavam
produtos faciais de uso exclusivamente feminino;
Alguns homens, no entanto, utilizavam apenas uma pequena quantidade de pó de
arroz ou ruge para preservar a figura masculina, mas indicar sua preferência sexual;
A adoção de “nomes de guerra” femininos (Madame Satã, Zazá, etc) eram também
comuns nesse grupo social;
Até 1940, o travestismo era proibido e quem o praticasse poderia ser preso. Desse
modo, alguns homossexuais davam seu jeito de transformar os habituais trajes
masculinos, dando-lhe um toque mais extravagante;
A preocupação com a beleza dos homens, o uso de marcadores femininos eram
bastante mal vistos pela sociedade brasileira;
Nem todos os homossexuais utilizavam de marcadores femininos;
Esses homens que não se encaixavam no típico estereótipo do bicha quase não estão
presentes nos estudos e pesquisas sobre os homossexuais da década de 30;
As identidades de gênero, o comportamento sexual eram mais complexos que os
apresentados nos estudos da década de 30;
O binômio homem bicha passivo e o homem ativo masculino caía por terra, bem
como, a noção do malandro másculo e gay amedrontado (Madame Satã);
Os escritos da década de 30 visavam apenas ao grupo mais específico dos
homossexuais: aqueles que de fato assumiam um persona feminina e viviam de fato
sua sexualidade; os homens que não se encaixavam nesta categoria foram
simplesmente deixados de lados pelos médios, juristas e antropólogos. Nos lugares
públicos encontravam-se bichas, pobres, prostitutos; mas e quanto aos homossexuais
ricos? Por terem dinheiro, acabaram escapando das prisões e também das pesquisas a
respeito desse tipo de interação homoerótica.
Brasil passava por inúmeros conflitos políticos e sociais nas décadas de 20 e 30, no
entanto, a homossexualidade entrou no radar dos profissionais médicos porquê era
vista como uma degeneração, a negação da moral brasileira. Novas ideias, vindas da
Europa, relacionavam a homossexualidade com um desequilíbrio hormonal.
O positivismo brasileiro dava aval à médicos, juristas e criminologistas a resolver os
problemas sociais do país, entre eles estava a homossexualidade.
Eugenia e o papel do Estado em controlar a degeneração social.
Década de 30: início de testes “científicos” em busca da cura para a sociedade
brasileira.
A cura da doença
Afastamento dos ideias tradicionais impostos pela Igreja – o pecado, o desvio moral –
e aproximação com métodos científicos, médicos para tratar os “doentes” – os
homossexuais (homens ou mulheres).
Dr. Ribeiro dizia que não deveriam prender os homossexuais, afinal, sua condição
estava fora de seu controle individual.
Ribeiro propõe dois planos de ação: a educação e criação apropriadas em primeiro
caso, e em segundo plano, o transplante de testículos.
Apesar disso, muitos profissionais acreditavam em fatores externos como meio de
erradicar a doença retornando aos conceitos morais, psicológicos que foram criados a
partir da Igreja Católica.
A homossexualidade quase foi considerada um crime no período inicial do governo
ditatorial de Vargas no final da década de 30 (o Estado Novo), embora tenha deixado
ser crime em 1830 através do Código Imperial. Essa situação revela as dúvidas e
incertezas dos profissionais e políticos a respeito dos homossexuais.
Reeducação ou criminalização?
Diferentemente dos homossexuais de classe baixa, que eram presos com base nos
artigos que falavam de atentado ao pudor ou vadiagem, os homossexuais de classe
média tinham um tratamento diferente: suas famílias poderiam enviá-los a
manicômios para tentar curá-los de sua doença, ou caso não surtisse efeito, ao menos
tentar conter seus desejo sexuais inadequados.
A homossexualidade era vista como uma perversão sexual e o tratamento seria o
confinamento. Um lugar mais proeminente era o Hospital Psiquiátrico de Juquery em
São Paulo, considerado como um asilo “moderno”.
Normalmente, os diagnósticos dos homossexuais sugeriam uma relação entre
degenerações físicas e a degeneração moral da homossexualidade.
O Juquery apesar de sua reputação, logo passou a ter como maioria de seus pacientes
mestiços e negros, todos da classe mais baixa. Os hospitais privados substituíram-no
aos desejos das famílias de classe média. Uma dessas instituições privadas era o
Sanatório Pinel.
Nos 30 e 40, de acordo com o historiador Kennet P. Serbih, a Igreja Católica não mediu
esforços para esconder do público as aventuras sexuais dos clérigos; uma das medidas
mais famosas era a remoção do clérigo infrator para outro lugar.
Assim como as famílias de classe média, a Igreja Católica também utilizava de
instituições mentais para tratar de seus clérigos transgressores.
Tratamento de choque
Início da década de 30 era comum, entre os médicos, a ideia de que apenas a privação
de contatos sociais era necessária para a cura da homossexualidade. Esse quadro, no
entanto, mudou de figura no fim dessa mesma década: a utilização de eletrochoques
em baixa frequência começou a ser utilizado nos Estados Unidos em 1939, e aplicado
no Brasil por Pacheco e Silva em 1941; além disso, tratamentos como a
convulsoterapia (provocar ataques epilépticos através de medicamentos) e injeções de
insulinas eram práticas bastantes comum.
Alguns interno do Pinel adquiriram colapso nervoso apenas por pensarem serem
homossexuais, mesmo sem sequer terem praticado de fato a homossexualidade.
As terapias (convulsoterapia, insulina e eletrochoques) também foram usadas como
meios para disciplinar os internos mesmo que estes não apresentassem nenhum
indício de problemas psíquicos. Os eletrochoques, principalmente, serviram como uma
forma de puni-los por sua “degeneração”.
Assim como aconteceu no Rio de Janeiro, o período pós-Segunda Guerra também fez
crescer os territórios ocupados pelos homossexuais em São Paulo e também o
surgimento de novas identidades sexuais. As áreas do Centro foram, durante o Estado
Novo, limitadas para as presenças de homossexuais e prostitutas, cenário este que
mudou no ano de 1953 com o fim da lei que limitava as áreas de prostituição na
cidade.
Em 1958, um jovem sociólogo chamado José Fábio Barbosa e Silva, resolveu estudar a
homossexualidade paulistana em São Paulo para a sua tese de mestrado. Os
resultados dessa pesquisa devem ser analisados com cuidado, uma vez que o autor
evitou a presença de homossexuais efeminados e deu maior atenção àqueles de classe
média e que eram mais invisíveis aos olhos da sociedade.
Um dos resultados obtidos pelo jovem foi a de que, quase todos os setenta homens
presentes na pesquisam, tiveram sua primeira experiência homossexual entre os 8 aos
12 anos de idade. Destes, 10% consideravam-se ativos; 63% passivos; 27% como
“duplos”. O número de homossexuais que praticavam a “atividade” no sexo (37%)
pode revelar uma dissonância entre o binômio bicha/homem tão presente na
sociedade e a própria negação da homossexualidade como sendo algo destinado
apenas à uma atividade “passiva”.
Esse estudo também revelou que o comportamento discreto desses homens está
totalmente ligado à manutenção do seu status social. Afinal, em um mundo em que a
homossexualidade era vista como degeneração nenhum deles queria sofrer as
consequências do preconceito.
No estudo, Barbosa e Silva também mapeia os locais mais frequentados pelos
homossexuais: o centro que, durante o dia era destinado ao comércio, nas noites eram
lugares de agitação social. Dentre esses lugares estavam o “T” (a convergência das
avenidas Ipiranga e São João), o Vale do Anhangabaú e a Praça da República.
Os cinemas ainda eram bastante utilizados pelos homossexuais para encontrar
parceiros sexuais, bem como os banheiros públicos do parque eram usados para sexo
rápido.
Os homens tinham códigos entre si para mostrar disponibilidade sexual mantendo sua
essência discreta, esses códigos podiam ser gestos manuais, acessórios, tipos de
roupas, etc.
O centro era alvo de muito homossexuais pela disponibilidade de homens
“masculinos”. Transgredindo a ideia de passividade, os homossexuais “passivos”
tentavam paquerar alguns desses homens “verdadeiros” para leva-los a cama, no
entanto, esse era apenas o primeiro passo. Ainda, essa iniciativa dos bichas em
paquerar os homens “verdadeiros” contribuiu para a construção da autoconfiança
destes homens e a quebra dos estereótipos em torno da figura do bicha. Após a
paquera, devia-se procurar um lugar para o ato sexual: às vezes o apartamento de um
desses homens ou até mesmo hotéis públicos que permitiam a hospedagem de dois
homens.
Em São Paulo, assim como no Rio, na década de 50 ainda não existiam
estabelecimentos próprios para o encontro entre homossexuais, sobrando-lhes a
ocupação de lugares onde heterossexuais também frequentavam. Os bares e cafés
atraíam intelectuais, artistas, jovens, homens “verdadeiros”.
Esses locais (bares, cinemas, banheiros de praças, cafés, restaurantes) tornaram-se
lugares onde pessoas de classe mais baixa e alta pudessem socializar-se. Alguns
homossexuais de classe média preferiam não se reunir nesses lugares públicos,
organizavam jantar particulares entre amigos para a socialização.
Na década de 60, com a construção da Galeria Metrópole, os homossexuais tiveram
um novo lugar para reunir-se. Tornou-se o ponto gay mais movimentado de São Paulo,
uma vez que a diversa disponibilidade de estabelecimentos (cinemas, bares, cafés)
propiciavam um bom lugar para “paqueras”.
Os homossexuais, no entanto, não haviam obtido aceitação social nas décadas de 50 e
60 apesar da permissividade sexual dos lugares que frequentavam. Ainda eram vistos
como doentes e sofriam com agressões de muitos companheiros heterossexuais dos
lugares que ocupavam.
Bibliotecas e livros
Na década de 50, com exceção das obras já citadas como as de Ribeiro, Lombroso e
Marañón, não existiam tantos livros que falavam sobre a homossexualidade; os que
existiam eram, em sua maioria, estrangeiros. Logo, os estudos médico-legais
realizados na década de 20 e 30 permaneciam como base para a construção do
pensamento médico-legal daquela década. A ideia de que a homossexualidade era
uma doença, decorrente de problemas endócrinos era difundida através destes
escritos.
Uma obra em particular se destaca: Homossexualismo Masculino, de Jorge Jaime. A
obra em si é semelhante aos tratados médico-legais de Ribeiro e outros, no entanto,
traz uma aproximação quase fidedigna ao que era a subcultura homossexual carioca e
paulista. Dividi em um tratado médico-legal e em um romance (Lady Hamilton), Jaime
aponta a homossexualidade como uma doença, uma perversidade e que deveria ser
controlada através de sanatórios. No entanto, o mesmo autor defende o casamento
entre pederastas, reclama da abordagem violenta dos policiais para os homossexuais;
uma comoção que é destruída após voltar aos termos “científicos”.
Lady Hamilton, assim como O Bom Crioulo, é uma história trágica e que associa a
homossexualidade com morte e tragédia.
Há, no entanto, obras que abordam o tema homossexualidade maneira mais leve, tais
como: Frederico Paciência de Mario de Andrade (supõe-se que essa obra seja um
escrito em que o protagonista é o próprio autor, que tentava a todo custo –assim
como o personagem – esconder seus desejos sexuais por outros homens) e Internato
de Paulo Hecker Filho, que conta a história de Jorge e Eli.
O Snob acabou por tornar-se também um espaço para que as bichas expressassem
seus desejos de forme livre e espontânea, assumindo para si a figura de mulheres reais
e bem sucedidas. Chegou-se até mesmo a publicar uma versão de “Os Dez
Mandamentos” para esse grupo.
No entanto, era inevitável que surgissem atritos entre esses homens. A competição
para ver quem era a mais bela era constante, apesar do sentimento de união entre
estes na maior parte das publicações da revista.
Surge uma nova identidade
Em 1930, fora criado um bloco pelas bichas chamado de “Os caçadores de veado”. O
nome é uma sátira a nomenclatura que no dia a dia era usada como uma forma de
atacar os homossexuais. Era nesta época que o travestismo era incentivado como
paródia e como representação dos desejos íntimos dos homens homossexuais.
Isso não significa, contudo, que todos os homens que trasvestiam-se durante o
carnaval eram homossexuais ou sentiam desejo sexual por outros homens.
Um caso que ilustra isso é um acontecimento no famoso bloco Cordão da Bola Preta.
Em 1941 eles resolveram parodiar um de seus personagens mais icônicos, o Rei
Momo, e criaram uma versão feminina deste. No entanto, dentro da organização uma
coisa era clara: homossexuais não eram bem vindos, a transgressão de gênero era
temporária e portanto um homem heterossexual era permitido a travestir-se.
Assim como o Bola Preta, outros blocos também participavam da exclusão de
homossexuais travestidos. Em contrapartida, blocos como os “Caçadores de veado”
atraíam um público cada vez mais gay.
Invasores do espaço
Na década de 40 notou-se que muitos homossexuais estavam participando dos bailes
de máscara promovidos na época do carnaval. Eram eventos que contavam com a
presença de muitos homossexuais, mas não era promovido como um evento
homossexual.
A famosa Praça Tiradentes e os teatros ao seu redor favoreceram aos homossexuais a
permissividade de quebrar os padrões de gênero durante o carnaval e se travestir
livremente, embora, não fosse algo realmente promovido ou incentivado.
No fim da década de 40 e 50, a vida noturna do Rio de Janeiro passara por grandes
mudanças e que renovaram o espírito social daquela praça tão conhecida pelos
homossexuais. Os teatros agora produziam vários tipos de show: comédia, cabarés,
etc.
Na década de 40 os bailes de carnaval na Praça Tiradentes começaram a ter uma
constante presença de homossexuais.
Reações negativas
No fim de 68, o rumo do país mudou de forma significativa. Sob o jugo do presidente
Médici fora instaurado o AI-5, que fechava o Congresso, que permitiu a cassação de
mandatos de opositores ao governo e o silenciamento de toda a imprensa e voz
dissidente. Obviamente as restrições morais e sócias entraram no pacote e os bailes de
travestis, embora não tivessem sido proibidos, tiveram que usar de táticas para tornar
o evento menos “despudorado” na imprensa.
Não eram apenas os bailes de travestis que sofriam que com as novas políticas do
governo ditatorial: o tradicional baile que acontecia no Copacabana Palace também
sofreu com as táticas de censura do governo. Em 1970 a censura prévia da imprensa
desencorajou os jornais a fazerem publicidade de tais eventos.
A participação de travestis em 71 nos bailes de carnaval fora proibida novamente
graças as políticas governamentais. O intuito das políticas era forçar a extinção dos
tradicionais bailes dos travestis. O problema do governo era de fato com os
homossexuais efeminados, que demonstravam sua orientação sexual em público no
carnaval; provavelmente, a aceitação de homossexuais discretos era maior.
Além dos bailes de travestis, o concurso de fantasias masculinas do Teatro Municipal
também fora cancelado, pois haviam outras demonstrações públicas de
homossexualidade ali. Alguns meses depois, o governo recuou em sua posição de
proibir os bailes de travestis.
Em 74, Geisel iniciava um plano de abertura “lenta, gradual e segura” do país. Devido a
esse cenário mais amigável, os bailes de travestis e as bonecas voltaram a dominar o
cenário carnavalesco. Em 76, mais de 3 mil pessoas comparecerem ao maior baile de
travesti daquele carnaval.
Na década de 70 os bailes começaram a mudar de local e a expandir-se; a antiga Praça
Tiradentes estava deteriorada. A publicidade em cima desses bailes aumentavam e a
estereotipização do homossexual como o homem efeminado, que se traveste no
período do carnaval se consolidou na sociedade brasileira. As palavras “viado”, “bicha”
passaram a figurar junto com “enxuto” e “bonecas”. A aceitação da população pelos
eventos de travestis estava ligado a noção de que aquilo era efêmero – duraria apenas
no carnaval – e não poderia ser restringindo, restando apenas a aceitação.
Os bailes de carnaval não eram os únicos eventos em que se podia ver travestis e
transexuais atuando, pelo contrário, os shows delas começaram a crescer na vida
noturna carioca e paulista na década de 60. Os shows, no entanto, não se restringiam
apenas aos bares gays, mas tomavam conta dos tradicionais teatros.
As apresentações, obviamente, bebiam da fonte dos bailes carnavalesco, mas não se
limitava apenas a isso. Eram shows realmente profissionais, com mudanças de cenário,
figurinos, dançarinos, atores. Era um verdadeiro show. E assim como as travestis no
carnaval, alcançaram uma aceitação parcial do grande público e da imprensa. O
público não era só gay, as classes mais altas e a grande imprensa começaram a
frequentar os teatros onde havia shows de travestis.
Entre 65 e 67 os espetáculos de travestis expandiram em número, mesmo com a
consolidação do regime militar no país. Os teatros circundavam a tão famosa Praça
Tiradentes. Não era nenhuma novidade que homens vestidos de mulher se
apresentassem em palcos, no entanto, havia uma grande diferença: os homens agora
não parodiavam o visual feminino, mas de fato incorporavam um ideal de beleza
feminino, sensual e extravagante. Era como se os travestis fossem mais “femininas”
que as mulheres de fato. Rogéria destacou-se como um dos maiores nomes dessa
época.
A ascensão de Rogéria não demorou muito e ela começou uma carreira internacional
de sucesso, ganhando aceitação do público, da imprensa e da sua família. Com relação
a aceitação de sua família, Rogéria conta que foi um processo até bem fácil e sem
maiores problemas. Não se sabe ao certo se de fato a narrativa de Rogéria seja a
correta. O que se tinha de comum era que os homossexuais eram mais facilmente
aceitos pela família quando podiam sustenta-la, como aconteceu com Rogéria devido
ao seu enorme sucesso.
Rogéria, bem como outros travestis, fizeram sucesso por apoiar-se na imitação dos
ideias tradicionais de beleza feminina, ou seja, encarnando uma persona com quem se
identificavam ou queriam ser.
A maioria dos homossexuais não se travestiam, mas o sucesso estrondoso dos travestis
fez com que boa parte da subcultura homossexual sentisse orgulho e
representatividade olhando para a recepção do público com os travestidos. Um fato
que exemplifica isso é a constante cobertura, repleta de elogios, do Snob sobre os
shows das bonecas.
Em 69, o prestígio dos espetáculos de travestis entrou em declínio e o número de
shows diminui consideravelmente. Isso deve-se em grande parte a política moralista
do governo Médici e a sua constante perseguição aos homossexuais. Porém, a prática
do travestismo não parou e aumentou consideravelmente. No entanto, o palco agora
era outra: os teatros foram substituídos pelas ruas, e os shows pela prostituição. O
travestismo que antes era comum apenas no carnaval, tomou conta das ruas o ano
todo.
Desfiles de escola de samba
Travestis e michês
Os travestis e os michês ganharam fama no fim da década de 60 e início de 70 nas ruas
cariocas e paulistas. O ganho de poder econômico da classe média incentivou o
consumo deste tipo de atividade, e a perda de poder econômico por parte da classe
mais pobre levou alguns homens e mulheres a adentrarem no mundo da prostituição.
Bem como homens afeminados que não tinham oportunidade de emprego apenas por
serem quem são, restavam-lhe apenas as ruas.
Os travestis, diferentemente do que acontecia no passado, não se limitavam apenas a
utilizar de roupas tidas como femininas, eles iam além: utilizavam da ciência,
hormônios e cirurgias, para se adequarem ainda mais a sua persona feminina.
A ascensão de figuras como a Rogéria promoveu uma verdadeira curiosidade na
sociedade em como seria transar com uma travesti. No final da década de 70 o
mercado de travestis no Brasil já era internacionalmente conhecido e chegava-se até
mesmo a exportar travestis para fora.
A prostituição não era de fato um crime, no entanto, aqueles que a praticassem
estavam sujeitos ao jugo da polícia e eram enquadrados ou na lei de “vadiagem” (caso
não conseguissem provar um emprego fixo) ou de “atentado ao pudor”.
Entre 76 e 77 fora criado em São Paulo um registro com mais de duzentos abordagens
de travestis, alguns desses registros sobreviveram e mostram alguns dados
interessantes: de 18 a 24 anos eram as maiorias dos presos; a maior parte provinha de
áreas urbana (51%); de acordo com os relatos a maioria dos registros eram de homens
que possuíam emprego fixo, no entanto, na prostituição conseguiam duas vezes mais
que a sua renda fixa.
O crescimento da prostituição ilustra um crescente interesse dos homens de classe
média não em mulheres, mas sim na busca consciente por “homens vestidos de
mulheres”. Muitas travestis sequer passavam por cirurgias de mudança de sexo, logo,
não justifica a ideia de que eram mulheres de fato.
Assim como os travestis, os michês também ganharam destaque na sociedade e na
imprensa brasileira da década de 70. Os michês eram garotos, heterossexuais (assim a
maioria afirmava), que exalavam masculinidade e eram bancados pelas “tias” (homens
mais velhos interessados em rapazes).
O mundo dos michês permitia uma certa mobilidade social após um tempo sendo
bancado pelas “tias”, algo que seria praticamente impossível se tivessem seguido em
empregos comuns.
Após 68, houve uma dissolução geral da oposição de esquerda ao regime militar;
apenas pouco restaram. O medo acabou por fechar jornais (o Snob, por exemplo), fez
com que artistas optassem pelo exílio, e a esperança morreu ali. No início da década
de 70, com o advento da contracultura permeando a cultura brasileira com força,
novas táticas de desestabilização social iniciaram. Os dois anos que se passaram, 68-
70, foram de muita instabilidade social e política.
Os pontos mais desenvolvidos pelos manifestas eram a rejeição à sociedade de
consumo e a desestabilização dos códigos sexuais, como a virgindade feminas antes do
casamento e a heterossexualidade normal de homens e mulheres. Artistas que
representavam oTropicalismo (Gal, Caetano, Gil) falavam quase que abertamente
sobre suas aventuras homossexuais e passavam a imagem de despudor frente a
sociedade tradicional.
O que se iniciou com uma atitude mais “conservadora” de Gil e Caetano, teve seu
ápice nas figuras das Dzi Croquettes e de Ney Matogrosso.
Os Dzi Croquette, grupo formando em 77 em São Paulo, realizavam shows que pouco
se assemelhavam aos bailes de travestis da década de 60, pelo contrário, os
dançarinos vestiam roupas tanto femininas quanto masculinas, a fim de evocar essa
dupla persona.
Havia uma fluidez marcantes nos personagens interpretados no palco por este grupo
que punha em cheque toda os códigos sociais do que era homem e mulher.
O grupo lutava pela liberdade sexual a qualquer custo. As representações andróginas e
as músicas que cantavam levantaram a questão sobre sua identidade sexual. Eram
homens efeminados, mas que ainda conservavam a sua masculinidade. A empresa não
os chamou de homossexuais, mas sim de “travestis sem bichismo” ou “travesti sem
cara de homossexual”. Por fim, preferiram adotar o termo “andrógino” para eles.
Esse termo “andrógino” no entanto, é também um marcador social, uma vez que era
apenas designados a homens de classe média; enquanto que homens mais pobres
eram chamados de travestis, sempre associando-os a prostituição e a
homossexualidade.
Os Dzi Croquettes foram importante para levar a mensagem de aceitação entre os
próprios homossexuais, já que o movimento gay era quase nulo não só no Brasil mas
também internacionalmente.
Ney Matogrosso foi responsável por influenciar um novo tipo de comportamento
masculino no país. Inicialmente como vocalista dos Secos e Molhados, Ney atraía a
atenção de homens e mulheres com seu jeito excêntrico, maquiagens incomuns,
roupas idem. Em 75 ele deixa a banda e parte para carreira solo, e é aí que começa a
de fato ganhar ainda mais destaque.
Ney falava abertamente e com orgulho de sua homossexualidade e é claro que isso
influenciou muitos homossexuais na maneira de como tratavam a si próprios. Na
cabeça das pessoas era difícil aceitar que ele era homossexual, já que havia traços
ainda marcantes de masculinidade em sua figura andrógina.
A aceitação de Ney, obviamente, não era universal mas estava dentro de um espectro
muito amplo de um movimentação de tolerância com a homossexualidade. Livros,
revistas e jornais com a temática gay passaram a se tornar frequentes no país nesse
período. E, dessa vez, apresentando uma imagem positiva dos homossexuais.
A exemplo disso temos a produção de mais significativo sucesso: Greta Garbo, quem
diria, acabou no Guarujá. A peça tem como protagonista Pedro e Renato. Pedro é um
“entendido” que se apaixona por Renata que acaba de chegar ao Rio de Janeiro; o
primeiro encontro dos dois é na Cinelândia. Gasparino Damata e Aguinaldo Silva foram
autores que ficaram conhecidos por suas obras que retratam homossexuais nas
décadas de 60 e 70.
Acesso à informação
No ano de 76 fora lançado o “Gente Gay”, publicação criado por Anuar Farad, Agildo
Guimarães e outros editores do Snob, especificamente para o público homossexual.
No início, era restrito apenas para a comunidade gay a fim de impedir ataques da lei
de censura.
O termo “gay” passou a se popularizar na década de 70, bem como havia acontecido
com “entendido”. E isso deve-se em grande parte ao sucesso do movimento “gay
power”.
O Gente Gay preservou alguns elementos do Snob, mas o conteúdo passou por uma
verdadeira transformação; os autores, que antes utilizavam codinomes femininos, por
vezes optavam por utilizar seus nomes reais.
Com relação ao conteúdo, as fofocas do universos dos redatores continuaram, mas
agora também noticiava-se o movimento gay internacional. Além disso comentavam
sobre a subcultura homossexual e as novidades, além de prestigiarem obras de ficção
homoeróticas.
O jornal foi tão bem recebido que os seus editores resolveram ampliar sua circulação;
esta decisão, no entanto, pôs fim ao jornal. Os criadores do jornal não tinham
experiência para lidar com um grande negócio e acabaram acumulando dívidas
gritantes por não conseguir vender todos os exemplares impressos. Além disso, havia
ainda a concorrência do recém-inaugurado Lampião da Esquina, que imprimia cerca de
15 mil exemplares por semana.
Em São Paulo dois jornais também se destacaram: o Entender e o Mundo Gay. Ambos
tiveram uma vida muito curta.
Mesmo com o fracasso dessas publicações, a ousadia e a tentativa de sua existência
moldou a consciência de vários homossexuais. Os editores não tinham mais vergonha
de assumir seus nomes publicamente e a exaltar a subcultura homossexual. A
atmosfera política mais amena da década de 70 também trazia a esperança de uma
organização política do “gay power” brasileiro.
Agrupando-se
No ano de 1976, o escritor paulista João Silvério Trevisan, após uma estadia em São
Francisco veio para o Brasil e fundou o primeiro grupo de organização homossexual de
São Paulo. Embora efêmero, há de se considerar a importância deste grupo. A
associação no entanto encontrou uma barreira intransponível: deveria acontecer uma
associação entre o movimento gay e a esquerda naquele momento político?
A instabilidade política do Brasil necessitava de união, o que não era bem visto pelos
gays daquela época. E essa aversão a uma associação com a esquerda era justificada: o
Partido Comunista Brasileiro, hegemônico até a década de 60, apresentava a
homossexualidade como um sério desvio de caráter. Aguinaldo Silva, editor do
Lampião da Esquina, criticava e muito o PC por sua postura antigay. Fernando Gabeira,
apesar de não declarar a si mesmo como homossexual, fazia duras críticas a postura
antifeminista e antigay de alguns grupos de esquerda.
Apesar de toda a confusão envolvendo a esquerda, alguns membros da associação de
Trevisan viam a necessidade de união entre os dois grupos. Esse impasse iria persistir
em outro grupo gay formado agora no Rio de Janeiro em 76.
Esse grupo fora chamado de União do Homossexual Brasileiro e a primeira reunião
fora marcada para acontecer nos jardins do Museu de Arte Moderna. O convite
distribuído proclamava a justiça para todos de modo igualitário, também a liberdade
bem nos moldes do movimento estudantil. O encontro estava marcado para acontecer
no dia 4 de junho. O evento, no entanto, não se realizou. No dia do evento, as forças
policias da ditadura cercaram o local e impediram que o evento acontecesse. A união
dos homossexuais brasileiros significava, para a ditadura, um ponto de ruptura que
não poderia ser aceito. Tolerava-se a sua união em estabelecimentos de
entretenimento, mas organização política e social já era demais.
No ano seguinte, a atmosfera política mais amenas significou um importante
progresso para o movimento gay. A imprensa agora cobria com muita simpatia os
movimentos por direitos de gays e lésbicas que aconteciam no exterior. A partir desse
ponto, um grupo de intelectuais gays reuniu-se e decidiram criar um jornal gay, o
Lampião da Esquina. Aguinaldo Silva estava entre seus criadores.
O jornal começou com uma circulação de cerca de dez mil exemplares pelo país. O
conteúdo ia de comentários políticos, cobertura dos movimentos gays internacionais,
promoção de estabelecimentos gays. O jornal de início propunha representatividade
para diversos grupos – negros, mulheres, ecologistas, homossexuais – mas o seu
conteúdo era predominantemente homossexual. Isso não significa, contudo, que os
outros assuntos não eram abordados. Diferentemente do Gente Gay, o Lampião
contava com pessoas especializadas e que souberam conduzir o editorial ao sucesso.
O primeiro número do Lampião fora lançado em 78 e já se posicionava contra os
desmandos da censura ditatorial: a capa trazia Celso Curi e fazia a defesa dele
enquanto homossexual e alertava para a necessidade um movimento gay unificado e
forte.
O sucesso do Lampião fez com que, em São Paulo, surgisse um dos grupos mais fortes
e duradouro do movimento gay, o Somos. De início, era um grupo voltado para a
tomada de consciência gay, assim como queria Trevisan em 66. Depois foram
desenvolvidos subgrupos responsáveis por promover debates diversos: política,
cultura, sociedade, etc. No fim de 78 houve uma discussão a respeito do nome (antes
de ser Somos, o grupo era nomeado por Núcleo de Ação pelos Direitos dos
Homossexuais) e acabou-se optando pelo Somos após uma discussão bastante
acalorada. É válido destacar que nessa reunião todos os nomes que continham a
palavra “gay” foram rejeitados de forma unânime, isso explica-se pelo medo de
internacionalizar o movimento gay brasileiro e de se tornar apenas uma cópia do
movimento internacional.
Em fevereiro de 79, membros do Somos e do Lampião participaram de um ciclo de
debates públicos na USP. Os representantes foram muito bem recebidos e as
discussões que se seguiram foram bastante acaloradas. De um lado, havia quem
apoiasse a construção de um movimento gay à brasileira naquele momento; de outro,
representado por alguns estudantes de esquerda, um grupo que considerava a
preocupação feminista, gay e negra secundários naquele momento. O resultado foi a
separação entre esses dois grupos, o que dificultava a ação contra o regime militar.
Nesse mesmo evento, entretanto, as lésbicas puderam falar abertamente da
discriminação que sofriam.
Como resultado da formação do Somos, do sucesso do Lampião e dos debates na USP,
os estudos sobre a homossexualidade não mais se apoiavam nos escritos médicos-
legais das décadas de 30 e 40, e agora apresentavam a homossexualidade forma
natural e não condenatória.
Obviamente, com todo o sucesso do movimento gay, a ditadura não iria deixar barato
e o alvo escolhido fora o Lampião. Com a ajuda de artistas, da própria imprensa, o
jornal foi salvo de ser fechado pelos desmandos ditatoriais. O regime acusava o jornal
de “ofender a moral e os bons costumes”.
Em abril de 1980, cerca de mil gays e lésbicas reuniram-se no teatro Ruth Escobar para
o Primeiro Encontro Nacional de Grupos Homossexuais Organizados.
No mês de maio, cerca de cinquenta homossexuais juntaram-se aos trabalhadores do
ABC paulista em sua paralisação geral contra a ditadura. Esses homossexuais levavam
cartazes que associavam a homofobia às péssimas condições de trabalho e buscavam
visibilidade para os seus iguais.
Alguns gays e lésbicas começaram a firmar laços com a esquerda e alguns setores
antiditadura, mas isso não teve reveses para esses homossexuais. Na verdade, o
controle ditatorial praticamente menosprezou o ativismo político de grupos
homossexuais. Os arquivos do DOPS mostram a intenção de atacar alguns membros do
Lampião, mas não havia nenhuma citação a sua condição de homossexual ou a
homossexualidade em si.
Esse apoios de alguns setores de gays e lésbicas a grupos de esquerda significou, mais
tarde, o afastamento de um setor do Somos que não concordava com essa
aproximação. Logo após a presença dos cinquentas gays e lésbicas na mobilização do
1° de Maio, fora criada uma outra organização, o Outra Coisa.
Essa separação foi alvo de alguns artigos do Lampião, já que o Somos era a
organização mais importante do movimento gay. No entanto, após uma batida policial
que fez mais de mil gays e lésbicas como vítimas, o movimento se uniu em prol de seus
irmãos. Em 13 de junho de 1980 mais de quinhentos homossexuais reuniram-se nos
degraus do Teatro Municipal para protestar. Em seguida, a multidão fez uma passeata
para demonstrar seu desprezo pelas prisões arbitrárias que haviam acontecido, eles
entoavam “Abaixo a repressão, mais amor e mais tesão”. O movimento gay brasileiro
havia nascido.