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Rio de Janeiro – Década de 30-45

- Cultura gay multifacetada, autoafirmativa e consciente;

- Aumento da visibilidade dos homossexuais levou a um aumento no número de escritos


(médicos, juristas, criminologistas) sobre a homossexualidade;

Mudanças na sociedade e na cultura brasileiras

 Aumento significativo do número de habitantes no grandes centros urbanos após a


Primeira Guerra Mundial, principalmente de homens.
 Mudança nas relações de trabalho para as mulheres.
 Transformações desafiaram o sistema de gênero.
 Manutenção da construção bipolar entre ativo/passivo
 Dados daquela época têm de ser analisados com bastante cuidado, uma vez que a
época, a homossexualidade era vista e analisada pelos autores sempre ligadas à
problemas de saúde ou como um desvio moral.
 Homens gays presos descritos como ‘’homossexuais profissionais’’
 Dos 195 homens analisados por Ribeiro, a grande maioria advinha da classe operária e
de classe média-baixa; a faixa etária era, em sua maioria, de jovens (16-31) solteiros.
 Homossexuais efeminados -> a usurpação do papel de mulher
 Zazá e Marina.
 Transgressões do binômio ativo/passivo: homens ‘’masculinos’’ também eram adeptos
da penetração anal; homens “efeminados” também assumiam o papel ativo no sexo
como outros homens.
 Para juntar-se com os termos putos e frescos surgia, na década de 1920, o termo viado
(origem desconhecida, apenas suposição). Esse termo era bastante utilizado para
designar homossexuais, no entanto, o poder destrutivo dessa palavra era grande e
algumas pessoas até mesmo evitavam utilizá-la. Outro termo, o bicha, tornou-se
popular na década de 30: a origem pode estar associado ao próprio grupo social
homossexual, como uma forma de identificação própria. Teorias supõe que é oriundo
de biche, termo francês para corça (o feminino de veado).
 Se de fato o termo bicha surgiu no seio deste grupo social, sua carga simbólica é ainda
maior: um termo que surgiu para indicar uma coesão social e aproximação, logo foi
assimilado pela cultura heterocentrica e passou a indicar exclusão e marginalização do
grupo que o criou.

Os bares e os cabarés da Lapa

 A grande concentração de bares, hotéis, pensões na região da Lapa atraía muitos


homens homossexuais e heterossexuais para a região em busca de sexo.
 Na Lapa a presença de intelectuais, políticos, jovens boêmios, artistas e funcionários
públicos era certa.
 Apesar do grande fluxo de homens interessados em outros homens, não significava
que a região da Lapa era um lugar livre para demonstrações do homoerotismo, pelo
contrário, muitos homens escondiam seus desejos sexuais por outros homens para
continuar obtendo respeito entre os seus; um exemplo disso foi o escritor Mario de
Andrade e do cantor Chico Alves, este último afirmava abertamente para seus amigos
que adorava ter relações sexuais com rapazes mais jovens.
 Madame Satã: homem afro-brasileiro, bicha esclarecida, mas que não se conformava
com os padrões de gêneros estabelecidos na sociedade da década de trinta e buscava
defender-se de todos os ataques referentes à sua atividade sexual homoerótica. Após
sair do Nordeste (região onde nasceu), João Francisco mudou-se para a capital
brasileira e começou a trabalhar em um bordel (na época, jovens
afeminados/homossexuais eram preferidos para trabalhar nestes estabelecimentos,
sob a afirmação de que não perturbariam as prostitutas). Ele acabou eventualmente
tornando-se um prostituto, bem como um malandro.
 MALANDRO: imagem de um homem másculo e viril que não se dava por vencido, sua
navalha, sempre afiada, era sua arma de defesa. A década de 30, acompanhada por
crises financeiras e sociais, trouxe à tona essa figura máscula e quase folclórica do Rio
de Janeiro.
 A imagem de João Francisco passou a se alastrar pela capital quando, em um ato de
defesa, matou um policial que lançava ofensas (‘’viado’’) e o ameaçava fisicamente;
essa fama levou-o a prisão e, logo em seguida, saiu e passou a ser chamado para
proteger alguns bares e pensões. No entanto, a imagem de “Madame Satã’’ retirava
um pouco da sua essência máscula e viril adquirida pela fama de malandro. Assumindo
o título de bicha, João Francisco projetava a imagem de malandro; essa combinação
desestruturava a imagem dúbia do bicha efeminado e do malandro “macho”. A
quebra de ambos os estereótipos provocava confusão entre as pessoas. Apesar de se
declarar e ter orgulho de ser bicha, Madame Satã provocava respeito e medo até
mesmo entre os policiais e na prisão.
 Madame Satã e outros homossexuais que se reuniam na Lapa tinham em comum a
pobreza e a aceitação de seus desejos sexuais; a falta de laços familiares e contato
social, tão importantes para conseguir emprego na cidade, relegaram Satã, Henrique,
Zazá e tantos outros a lugares como bordeis e pensões para buscar um meio de
sobrevivência.

Parques e pederastas em São Paulo

 Crescimento demográfico levou ao crescimento da extensão física de São Paulo;


 Vale de Anhangabaú e processo de remodelação arquitetônica – “central park
brasileiro”
 Logo tornou-se um ponto para encontro entre homens homossexuais; ao seu redor
estavam dispostos vários hotéis, pensões e cinemas – lugares estes que eram pontos
preferidos para o homoerotismo;
 A Avenida São João também se tornaram pontos de encontro para homossexuais;
 O grande recorte étnico, social, cultural e sexual da Avenida São João propiciou o
fortalecimento de uma coesão social entre os frequentadores dos lugares; parte dos
jovens gays poderiam ter aproveitado desse respeito condicionado pela existência de
diferenças entre os frequentadores, como as prostitutas.
 Outro ponto era a elegante Praça da República, próxima dos bordéis e também da
área comercial burguesa ao longo da Rua Barão de Itapetininga;os banheiros da
Estação da Luz também era um ponto de encontro para relações sexuais rápidas.

Salas e estrelas de cinema


 A escuridão do cinema propiciava aos homossexuais um ambienta quase privado para
contatos sexuais, além disso, o preço relativamente baixo das entradas para o cinema
possibilitava que homens não tão bem de vida pudessem procurar, de vez ou outra,
um parceiro sexual;
 Ademais, o cinema não servia apenas como um local para contatos sexuais; os
homossexuais também foram influenciados pelos filmes brasileiros e hollywoodianos;
 Logo, as noções de ideais femininos foram sendo propagadas pelos filmes, revistas,
jornais e rádios e serviram de inspiração para muitos homossexuais;

Pensões e bordeis
 A privacidade dos quartos de pensões permitiam o livre viver de alguns homossexuais
que sentiam-se livres para vestir roupas femininas, usar maquiagem, conversar com
seus iguais, etc;
 O centro logo passou a expandir o número de pensões e cortiços com o afastamento
da classe mais alta, eram quartos onde famílias poderiam dividi-los ou mulheres e
homens solteiros poderiam ficar;
 A maioria das pensões era segregada por sexo, no entanto, as pensões femininas
muitas vezes serviam de fachada para bordeis; já as masculinas abriam brecha para
que casais homossexuais pudessem viver juntos.

Trabalhando para viver


 Geralmente, homens sem dinheiro e que vinham de fora não tinham muitas
oportunidades de emprego, sendo relegados a realizar serviços domésticos em
pensões e também a se aventurar na prostituição;
 A prostituição não era sinal de riqueza para os homens afeminados;
 Aos homens “verdadeiros”, corria-se o risco do conto do suador: ser atraído para um
quarto com um prostituto e acabar sendo vítima de roubo;

Uma leve camada de pó de arroz, um toque de ruge

 A noção de que os homossexuais eram seres transgêneros (do terceiro sexo) era
acentuado quando estes utilizavam de roupas extravagantes, femininas, utilizavam
produtos faciais de uso exclusivamente feminino;
 Alguns homens, no entanto, utilizavam apenas uma pequena quantidade de pó de
arroz ou ruge para preservar a figura masculina, mas indicar sua preferência sexual;
 A adoção de “nomes de guerra” femininos (Madame Satã, Zazá, etc) eram também
comuns nesse grupo social;
 Até 1940, o travestismo era proibido e quem o praticasse poderia ser preso. Desse
modo, alguns homossexuais davam seu jeito de transformar os habituais trajes
masculinos, dando-lhe um toque mais extravagante;
 A preocupação com a beleza dos homens, o uso de marcadores femininos eram
bastante mal vistos pela sociedade brasileira;
 Nem todos os homossexuais utilizavam de marcadores femininos;
 Esses homens que não se encaixavam no típico estereótipo do bicha quase não estão
presentes nos estudos e pesquisas sobre os homossexuais da década de 30;
 As identidades de gênero, o comportamento sexual eram mais complexos que os
apresentados nos estudos da década de 30;
 O binômio homem bicha passivo e o homem ativo masculino caía por terra, bem
como, a noção do malandro másculo e gay amedrontado (Madame Satã);
 Os escritos da década de 30 visavam apenas ao grupo mais específico dos
homossexuais: aqueles que de fato assumiam um persona feminina e viviam de fato
sua sexualidade; os homens que não se encaixavam nesta categoria foram
simplesmente deixados de lados pelos médios, juristas e antropólogos. Nos lugares
públicos encontravam-se bichas, pobres, prostitutos; mas e quanto aos homossexuais
ricos? Por terem dinheiro, acabaram escapando das prisões e também das pesquisas a
respeito desse tipo de interação homoerótica.

Capítulo 03: Controle e cura: reações médico-legais

 Homossexualidade vista como uma patologia nas décadas de 30 e 40; quando as


famílias por si só não conseguiam extinguir o sentimento de dentro, recorriam ao
tratamento de outros para que assim o membro “adoentado” pudesse melhorar de
seu desvio. A polícia, a igreja, os médicos eram esses outros.
 Contudo, apesar de tentar a “regeneração” de alguns desses homossexuais, eles
também resistiam (uns mais, outros menos) e aqueles que saíam de seu castigo sem
qualquer mudança vista por seus médicos eram tidos como “incuráveis”.

A preocupação médico-legal com a homossexualidade

 Brasil passava por inúmeros conflitos políticos e sociais nas décadas de 20 e 30, no
entanto, a homossexualidade entrou no radar dos profissionais médicos porquê era
vista como uma degeneração, a negação da moral brasileira. Novas ideias, vindas da
Europa, relacionavam a homossexualidade com um desequilíbrio hormonal.
 O positivismo brasileiro dava aval à médicos, juristas e criminologistas a resolver os
problemas sociais do país, entre eles estava a homossexualidade.
 Eugenia e o papel do Estado em controlar a degeneração social.
 Década de 30: início de testes “científicos” em busca da cura para a sociedade
brasileira.

Por toda a parte, e em número crescente

 Todos os especialistas que estudaram sobre a homossexualidade concordavam que


era um fenômenos bastante antigo e presente em todas as culturas, desde os tempos
bíblicos (Sodoma), Grécia e Roma, índios brasileiros e até o escritor Oscar Wilde (este
representando o homossexual moderno);
 Em Casa Grande e Senzala, Gilberto Freyre faz menção a “homens efeminados ou
bissexuais” e aos “invertidos”.
 Os médicos tinham a homossexualidade como uma patologia em constante
crescimento.
 Nenhum destes profissionais tentou enumerar a quantidade de homossexuais no país,
embora comentassem um suposto número de “invertidos” em outros países.
 A Igreja ficou longe dos debates a respeito da homossexualidade, e tem-se que esse
afastamento se deu por esta estar passando por um processo de reaproximação com o
Estado brasileiro após a laicização do Estado com a proclamação da República.
 A igreja não era um ponto de referência explícita contra a homossexualidade, mas a
ideias de médicos europeus eram. Entre estes, dois se destacaram: Cesare Lombroso
(EUA) e Gregório Marañón (Espanha).
 Cesare Lombroso: teoria do delinquente nato (problemas no sistema nervoso levaria o
indivíduo a automutilação, a homossexualidade, etc); o método era procurar traços
fenotípicos que confirmassem a degeneração. Influência direta à Leonídio Ribeiro.
 Gregótio Marañón: propunha uma explicação biológica para a homossexualidade;
homossexuais possuíam características masculinas e femininas, os intersexuais; apesar
de utilizar a ciência, ele dizia que a moral, as regras de comportamento, a religião
eram expoentes em um possível cura dos “degenerados”.
 Missexuais, termo cunhado por Afrânio Peixoto é equivalente aos intersexuais.
 As definições de missexualidade, intersexualidade e inverção sexual tocavam em um
ponto muito frágil para a sociedade tradicional brasileira: os papéis normativos de
gênero. Homens com características femininas (missexuais/intersexuais)
desestabilizavam a norma vigente do ser unomasculino/unofeminino; a inversão
sexual dizia respeito a algo que está trocado, não está em harmonia. Logo, os
profissionais que estavam estudante a homossexualidade e suas possíveis causas,
eram também os responsáveis por apresentar possíveis fatores de cura para os
degenerados.

Tamanhos e formas

 Leonídio Ribeiro procurou colocar em prática as teorias oriundas da Europa em objetos


científicos brasileiros, os homossexuais.
 A pesquisa empreendida por Ribeiro teve amplo apoio do novo projeto de governo
instaurado por Vargas na década de 30.
 O método de Ribeiro consistia em analisar os corpos de seus objetos e classifica-los em
três grupos distintos separados em subdivisões; o protótipo do homem homossexual
nunca foi descrito por Ribeiro, no entanto, é possível dizer que era um homem jovem,
peso abaixo da média, altura mediana e tórax pequeno.
 Essas características físicas presentes nos quase duzentos homossexuais estudados por
Ribeiro, determinavam o que era ou não um “degenerado”.
 Ele analisou também a distribuição dos pelos nos corpos desses homens, como forma
de complementar seus estudos. Esse tipo de investigação, no entanto, fora infrutífera
visto que 60% dos homens tiveram resultados dessa investigação como “normal”, e
apenas 16% resultado de “próximo ao feminino”.
 Ele sugere que a distribuição dos pelos corporais é uma característica biológico
essencial e inerente aos homossexuais.
 Outras características apontadas pelo médico ao reportar “características
homossexuais”: glândura mamárias excessivas, quadris largos, genitália grande, a
“distribuição feminina de gordura”.
 O estudo de Ribeiro ora atribui a homossexualidade a fatores endógenos, biológicos,
ora atribui a fatores externos, como amores desfeitos, separação dos sexos nas
escolas, educação moral pobre.
 O fator biológico era essencial para o homossexual, no entanto, Ribeiro também
deixou a ideia de que os fatores externo poderiam influenciar atenuando ou não o
problema.
 O estudo de Ribeiro apresenta dados inconclusivos e afirmações errôneas baseado em
erros de observação, contudo, isso não impediu que seu estudo servisse de exemplo
para médicos, legistas e criminologistas posteriores.
 Edmur de Aguiar Whitaker: estudo conduzido com oito homossexuais com todos
apresentando “características femininas”, todos considerados por ele como
psicopatas.

Raça, crime e homossexualidade

 Dr. Viriato Fernando Nunes: relacionou a homossexualidade à prática de assassinatos e


mutilação, além de determinar um estereótipo racial baseado em dois casos criminais.
 Este mesmo doutor sugeria um lugar – um hospício – para tratar esses “degenerados”.
 Não há nenhum estudo das décadas de 20 e 30 que afirmem explicitamente a relação
entre raça e homossexualidade, mas a conexão é perceptível nos pequenos detalhes
das obras produzidas no período.
 Dr. Ribeiro fazia a conexão entre o homossexualismo e o sadismo, apontando alguns
criminosos – Febrônio Indio da Silva, por exemplo – como portadores de “traços
femininos”.
 Febrônio Índio da Silva – homem descrito por Ribeiro como mestiço – ganhou um
capítulo só para si no livro sobre endocrinologia e homossexualidade de Dr. Ribeiro.
 Antônio Carlos Pacheco e Silva, diretor de um hospício, escreveu um estudo que
enumerava diversas perversões sexuais, entre elas a homossexualidade, a necrofilia, o
sadismo, entre outros. Para exemplificar esses casos, mostrou quatro situações
distintas, no entanto, duas dessas receberam maior atenção dele: o caso de uma
lésbica negra que se travestia e era tratada como degenerada e tendo a sua cor de
pele associada ao sadismo; o outro caso era o de Preto Amaral, nome que indicava sua
raça. Ambos os casos eram de pessoas não-brancas, indicando que essas pessoas
estavam propensas a serem criminosos, sádicos e homossexuais.
 Para esses autores – Pacheco e Silva, Ribeiro, Nunes – o procedimento correto para
com esses degenerados não era o aprisionamento, mas sim a tentativa de regenerá-lo
através de métodos científicos, da humanização dessas pessoas.
 Apesar de todos os erros metodológicos, análises incoerentes e inverdades
propagadas nesses estudos, estes eram aceitos no meio acadêmico e científico sem
quaisquer contestações. Pode-se explicar isso em parte pelo preconceito dos demais
pesquisadores em relação a raça e a homossexualidade, e também ao sistema de
vantagens/apadrinhamento que era vigente dentro daquela cultura e dificultava a
leitura crítica dos estudos.

A cura da doença

 Afastamento dos ideias tradicionais impostos pela Igreja – o pecado, o desvio moral –
e aproximação com métodos científicos, médicos para tratar os “doentes” – os
homossexuais (homens ou mulheres).
 Dr. Ribeiro dizia que não deveriam prender os homossexuais, afinal, sua condição
estava fora de seu controle individual.
 Ribeiro propõe dois planos de ação: a educação e criação apropriadas em primeiro
caso, e em segundo plano, o transplante de testículos.
 Apesar disso, muitos profissionais acreditavam em fatores externos como meio de
erradicar a doença retornando aos conceitos morais, psicológicos que foram criados a
partir da Igreja Católica.
 A homossexualidade quase foi considerada um crime no período inicial do governo
ditatorial de Vargas no final da década de 30 (o Estado Novo), embora tenha deixado
ser crime em 1830 através do Código Imperial. Essa situação revela as dúvidas e
incertezas dos profissionais e políticos a respeito dos homossexuais.

Reeducação ou criminalização?

 Em 1938 um estudante de Criminologia, Aldo Sinisgalli, publicou um estudo a respeito


da homossexualidade no Brasil. Esse estudo dividia-se em dois: o primeiro analisava os
aspectos mais gerais da homossexualidade no país, e o segundo tratava-se de formas
para lidar com o “problema”. Ele indicou que a maneira mais correta de tratar os
pederastas era através da reeducação, prendendo-os em hospícios para curá-los.
 As propostas de Aldo estavam em consonância com os ideais nacionalista que
imperavam no país no Estado Novo (1937): os pederastas desvirtuavam a sociedade
brasileira e para isso a sua doença deveria ser erradicada, a melhor forma de fazer isso
seria através da ciência e não do encarceramento.
 Dr. J. Soares Melo indicava que não poderia prender homossexuais apenas por serem
homossexuais, uma vez que na época a prática não era considerada crime; logo, ele se
apressou em propor a proibição legal de qualquer tipo de homossexualismo.
 Sinisgalli discordava, pois considerava a homossexualidade um problema psicológico,
logo, os homossexuais não-criminosos deveriam ser tratados como doentes e enviados
para um lar de pederastas para serem curados.
 Propostas para criminalizar atos homossexuais quase foram incluídas no código penal
de 1940, sendo cortadas antes de sua promulgação. Houveram duas propostas: a
criminalização de qualquer ato homossexual que causasse escândalo público (seja
praticado em lugares públicos ou privados) e a possível internação (e não
encarceramento) dos pederastas em julgamento.
 Apesar disso, tendo base alguns procedimentos legais anteriores, as famílias dos
homossexuais estavam aptas a enviá-los a hospícios se assim quisessem.

Instituições mentais e controle social

 Diferentemente dos homossexuais de classe baixa, que eram presos com base nos
artigos que falavam de atentado ao pudor ou vadiagem, os homossexuais de classe
média tinham um tratamento diferente: suas famílias poderiam enviá-los a
manicômios para tentar curá-los de sua doença, ou caso não surtisse efeito, ao menos
tentar conter seus desejo sexuais inadequados.
 A homossexualidade era vista como uma perversão sexual e o tratamento seria o
confinamento. Um lugar mais proeminente era o Hospital Psiquiátrico de Juquery em
São Paulo, considerado como um asilo “moderno”.
 Normalmente, os diagnósticos dos homossexuais sugeriam uma relação entre
degenerações físicas e a degeneração moral da homossexualidade.
 O Juquery apesar de sua reputação, logo passou a ter como maioria de seus pacientes
mestiços e negros, todos da classe mais baixa. Os hospitais privados substituíram-no
aos desejos das famílias de classe média. Uma dessas instituições privadas era o
Sanatório Pinel.

Controlando padres indisciplinados

 Nos 30 e 40, de acordo com o historiador Kennet P. Serbih, a Igreja Católica não mediu
esforços para esconder do público as aventuras sexuais dos clérigos; uma das medidas
mais famosas era a remoção do clérigo infrator para outro lugar.
 Assim como as famílias de classe média, a Igreja Católica também utilizava de
instituições mentais para tratar de seus clérigos transgressores.

Tratamento de choque

 Início da década de 30 era comum, entre os médicos, a ideia de que apenas a privação
de contatos sociais era necessária para a cura da homossexualidade. Esse quadro, no
entanto, mudou de figura no fim dessa mesma década: a utilização de eletrochoques
em baixa frequência começou a ser utilizado nos Estados Unidos em 1939, e aplicado
no Brasil por Pacheco e Silva em 1941; além disso, tratamentos como a
convulsoterapia (provocar ataques epilépticos através de medicamentos) e injeções de
insulinas eram práticas bastantes comum.
 Alguns interno do Pinel adquiriram colapso nervoso apenas por pensarem serem
homossexuais, mesmo sem sequer terem praticado de fato a homossexualidade.
 As terapias (convulsoterapia, insulina e eletrochoques) também foram usadas como
meios para disciplinar os internos mesmo que estes não apresentassem nenhum
indício de problemas psíquicos. Os eletrochoques, principalmente, serviram como uma
forma de puni-los por sua “degeneração”.

O Estado Novo e o Corpo, 1937-1945

 Crescimento do poder estatal;


 Reordenação do corpo político da sociedade; o corpo físico também se inclui.
 Novas revistas que promoviam debates acerca de saúde, educação física (essas,
principalmente, estiveram ligadas à construção de um novo ideal do “Homem
masculino”) passaram a circular no país.
 Nesse período, o número de escritos sobre a homossexualidade no Brasil diminuiu
consideravelmente: 1) como o aporte teórico sobre a homossexualidade vinha da
Europa e, menor medida, dos Estados Unidos, os médicos-legistas brasileiros ficaram
sem meios para produzir seus estudos, uma vez que a Europa e os Estados Unidos
estavam em tumulto político e social graças a Segunda Guerra Mundial; 2) a ideia de
que a homossexualidade era causa por problemas endócrinos caiu em desgraça, uma
vez que, nenhuma cura fora achada para o problema. As teorias de Maráñon e
Lombroso também caíram em descrédito. O abandono das teorias eugênicas a partir
de 1940 tanto pela associação destas com o nazismo alemão e os escritos de Gilberto
Freyre sobre a contribuição africana na construção da sociedade brasileira.
 No entanto, a partir da década de 30 e início da década 40 manuais sexuais serviram
para instruir a população sobre práticas inadequadas, entre elas os conceitos e teorias
sobre a homossexualidade.
 Os médicos que escreviam sobre a homossexualidade no Brasil não faziam apenas
copiar conceitos europeus, mas os aplicavam diretamente no contexto social
brasileiro.
 Na Europa, tanto os ativos quanto os passivo eram considerados homossexuais; já no
Brasil, os médicos tinham uma visão diferente: os homossexuais “passivos”, que
estavam mais próximo da condição de mulher, deixavam de ser homens e passavam a
ser homossexuais; já os ativos mantinham sua essência masculina de penetrador não
compartilhando da mesma essência homossexual do passivo.
 Os “pederastas” passivos e os homens efeminados constituem a maior partes dos
objetos de pesquisa sobre a homossexualidade, isso deve-se ao fato de sua grande
visibilidade no RJ e em SP, como também à sua vulnerabilidade aos mandos e
desmandos da polícia.
 Os textos não eram escritos de fato para os homossexuais, mas sim para médicos,
criminologistas e polícias afim de se conhecer mais sobre essa “degeneração social”. O
impacto desses estudos sobre os próprios homossexuais era quase nulo.
 Nota-se em alguns dos manuais sexuais da década de 30 o retorno aos ideias
tradicionais da Igreja Católica em lidar com esses “desviados”: a homossexualidade
voltou a ser visto como um pecado, e o pecador seria levado diretamente ao inferno.
Todo o trabalho de Ribeiro e outros profissionais no início da década de 30 para
instaurar com “conhecimento científico” a respeito da homossexualidade suas causas
e possível cura, foram interrompidos e substituídos pelas ideias morais e religiosas,
que persistiram até 1970.
CAPÍTULO 4: Novas palavras, novos espaços, novas identidades, 1945-1968.

 Com o fim do Estado Novo uma série de governos democráticos instauraram-se no


Brasil, sendo interrompido pela instauração da ditadura militar no ano de 1964. Nesse
período de 25 anos muitas coisas aconteceram, ideias tradicionais foram suplantadas
e a tecnologia começou a avançar dentro do país. A imigração da zona rural para a
área urbana também é um fato marcante deste período; esses imigrantes conseguiam
arranjar emprego principalmente nas grandes fábricas. Após a Segunda Guerra, Brasil
e EUA se aliaram e logo os produtos norte-americanos começaram a espalhar-se
dentro do território nacional; havia começado o período de consumo de massa. O
rádio e, posteriormente, a televisão foram os principais meios utilizados para
propagar a cultura e notícias no país.
 Os papeis de gênero começaram a ruir quando as mulheres passaram a entrar no
mundo do trabalho, a estudar, a votar; no entanto, ainda se exigia que as mulheres
mantivessem-se puras até o casamento e, quando casadas, fossem submissas aos seus
maridos.
 A vida dos homossexuais paulistanos e cariocas também passou por mudanças. Novas
identidades foram criadas, novos espaços foram sendo ocupados. Revistas, televisão,
rádio, fã-clubes de cantores começaram a moldar o que seria a identidade
homossexual daquela época.
“Quem conhece Copacabana, não quer morar em outro lugar”

 A efervescência da subcultura homossexual do Rio e de São Paulo chamava atenção de


muitos homossexuais de outros lugares de países, fazendo com que estes migrassem
para as duas metrópoles em busca de liberdade para seus desejos sexuais.
 A Praça Tiradentes, a Lapa e a Cinelância continuaram a ser pontos de encontro
homossexuais na década de 40, no entanto, era em Copacabana o novo ponto da
agitação social. Lá, um bairro onde moravam pessoas de predominância da classe
média-alta, aconteciam vários shows, apresentações culturais, possuía os melhores
hotéis (Copacabana Palace). Enquanto lugares como a Lapa e a Praça Tiradentes
serviam de pontos de encontro, Copacabana era um lugar para se viver de fato.
 Havia uma clara distinção de classe entre os homossexuais frequentadores de
Copacabana e os frequentadores do centro, no entanto, isso não significa que havia
uma separação entre estes. Homens mais pobres ainda gravitavam em torno de
Copacabana para encontrar parceiros sexuais, e os homens de classe média e classe
média alta frequentavam os cinemas da Cinelândia, os bailes de travestis da Praça
Tiradentes.
 Apesar de toda a permissividade sexual de Copacabana, o lugar não deixou de ser
criticado por alguns jornalistas mais conservadores que declaravam o lugar como um
local de sexo livre e degenerado, com muitos prostitutos (muito deles homossexuais) e
pessoas perigosas. Contudo, foi essa atmosfera de sexo livre que levou os turistas ao
local e também os brasileiros.
 Os bares, os cafés locais eram pontos de encontros para homossexuais em
Copacabana na década de 50, embora sofressem com restrições impostas pelos donos
dos estabelecimentos (estes tinham medo de perder sua clientela homossexual)
ocuparam esses lugares.
 No início da década de 40 e meados da década de 50, os homossexuais não tinham
lugares onde podiam socializar livremente, o que eles faziam era ocupar alguns lugares
para isso, mas quase sempre esses lugares em fechados para evitar esses encontros.
Foi apenas na década de 60 que os empresários começaram a enxergar o potencial
econômico dos homossexuais e então surgiram vários bares exclusivamente gays.
Nessa mesma década a tensões com o estilo de vida homossexual passou a diminuir.
Alguns desses estabelecimentos perduraram por pouco tempo, outros seguiram
funcionando e tornando-se marca registrada da subcultura homossexual carioca. Tem-
se que o primeiro bar exclusivamente gay do Rio de Janeiro tenha sido o Alfredão.

Bichas e praias: defendendo um novo território

 “Bolsa de valores”: uma área da praia de Copacabana conhecida pelos homossexuais


pela qualidade dos encontros e flertes ali encontrados.
 Este local era ponto de encontro sexuais e sociais também. Tornou-se um ponto
importante para a subcultura homossexual carioca; além disso, as diferenças de classe
eram, em parte, suprimidas, visto que a praia era um local público e a integração entre
homens mais pobres com os mais ricos era facilitada.
 Copacabana era bastante frequentada por bichas e nem todo homem “masculino”
gostava de ir lá para encontrar parceiros sexuais. A Praia do Flamengo era um lugar
onde pessoas de classe mais baixa se reuniam, e alguns homens “masculinos” também
usavam-na para encontros sexuais homoeróticos com bichas da classe média-alta.
 Apesar da permissividade sexual de Copacabana, a Bolsa foi alvo de ataques
homofóbicos nos anos de 1954/55 por alguns garotos que alegavam que a frente do
Copacabana Palace não era para bichas.
 Os homossexuais possuíam códigos para sinalizar a presença ou existência de possíveis
agressores: chamavam-nos de “revertérios” ou de “os pássaros de Copacabana”.
Ataques na rua eram comuns e os homossexuais não contavam com a ajuda da polícia.
 A perseguição policial aos homossexuais nas décadas de 50 e 60 eram também
bastante comuns, principalmente na área do Centro carioca. Os policiais muitas vezes
escondiam-se no cinema como civis em procura de sexo com outros homens e, após o
ato, tiravam seus distintivos, prendiam os homossexuais e tentavam tirar dinheiro
destes através da ameaça de revelar seus desejos sexuais para a família. Outros, os
presos nas batidas-policiais, eram detidos sob a alegação de vadiagem. Os que tinham
emprego remunerado conseguiam pagar os policiais, aqueles que não podiam ficavam
dias e dias detidos.
 Apesar de toda a repressão social e da polícia, os homossexuais conseguiram expandir
os lugares gays para socializar que foram tão importante na construção da vida urbana
gay na década de 50.

Concursos de beleza, homens musculosos, estrelas de rádio e fã-clubes

 Os concursos de beleza reuniam muitos homossexuais, uns interessados em exibir-se,


outros a procurar de parceiros sexuais “masculinos”, ou apenas para socializar com
amigos. Embora não se vestissem de mulher, os homossexuais usavam roupas mais
extravagantes neste tipo de evento. Os que se consideravam de fato com uma
essência feminina tinham nas modelos um exemplo a ser seguido do padrão de
feminilidade.
 Na década de 50 algumas revistas de saúde e musculação passaram a circular no Rio
de Janeiro, São Paulo e por todo o país. Apesar da fachada de revista de saúde, este
tipo de publicação chamava a atenção dos homossexuais pela possibilidade de ver
homens musculosos exibindo explicitamente seu corpo. Os editores desta revista
notaram o crescente interesse homossexual nos homens musculosos e passaram a
ousar mais nas fotos, com homens praticamente nus, mantendo ainda a fachada da
revista de saúde e musculação. As revistas eram um tipo de pornografia leve, uma vez
que na década de 50 ainda não eram produzidos vídeos pornográficos homossexuais.
 O rádio na década de 50 também foi um instrumento de grande importância para a
formação dos homossexuais desse período. Assim como os concursos de beleza, os
programas de rádio foram ocupados pelos jovens homossexuais. As cantoras eram
alvo da admiração desses jovens que se tornavam verdadeiros devotos de sua figura;
estes compunham os fã-clubes, que os aproximava verdadeiramente de suas estrelas
favoritas. Para os jovens homossexuais, participar dos shows dessas cantoras,
defende-las dos “haters” era quase como que partilhar da fama desta. As razões de se
tornar fã eram bastante diversas entre os homossexuais, desde o reconhecimento no
tipo de música cantada, até mesmo pelo visual e também por posicionamento
políticos. Ser parte de um fã-clube significava também reunir-se com iguais, fortalecer
amizades. Juntamente com os programas de auditório da TV anos depois, os shows de
rádio propiciavam uma coesão social ao grupo de homossexuais cariocas e paulistas.

Áreas de interação em São Paulo

 Assim como aconteceu no Rio de Janeiro, o período pós-Segunda Guerra também fez
crescer os territórios ocupados pelos homossexuais em São Paulo e também o
surgimento de novas identidades sexuais. As áreas do Centro foram, durante o Estado
Novo, limitadas para as presenças de homossexuais e prostitutas, cenário este que
mudou no ano de 1953 com o fim da lei que limitava as áreas de prostituição na
cidade.
 Em 1958, um jovem sociólogo chamado José Fábio Barbosa e Silva, resolveu estudar a
homossexualidade paulistana em São Paulo para a sua tese de mestrado. Os
resultados dessa pesquisa devem ser analisados com cuidado, uma vez que o autor
evitou a presença de homossexuais efeminados e deu maior atenção àqueles de classe
média e que eram mais invisíveis aos olhos da sociedade.
 Um dos resultados obtidos pelo jovem foi a de que, quase todos os setenta homens
presentes na pesquisam, tiveram sua primeira experiência homossexual entre os 8 aos
12 anos de idade. Destes, 10% consideravam-se ativos; 63% passivos; 27% como
“duplos”. O número de homossexuais que praticavam a “atividade” no sexo (37%)
pode revelar uma dissonância entre o binômio bicha/homem tão presente na
sociedade e a própria negação da homossexualidade como sendo algo destinado
apenas à uma atividade “passiva”.
 Esse estudo também revelou que o comportamento discreto desses homens está
totalmente ligado à manutenção do seu status social. Afinal, em um mundo em que a
homossexualidade era vista como degeneração nenhum deles queria sofrer as
consequências do preconceito.
 No estudo, Barbosa e Silva também mapeia os locais mais frequentados pelos
homossexuais: o centro que, durante o dia era destinado ao comércio, nas noites eram
lugares de agitação social. Dentre esses lugares estavam o “T” (a convergência das
avenidas Ipiranga e São João), o Vale do Anhangabaú e a Praça da República.
 Os cinemas ainda eram bastante utilizados pelos homossexuais para encontrar
parceiros sexuais, bem como os banheiros públicos do parque eram usados para sexo
rápido.
 Os homens tinham códigos entre si para mostrar disponibilidade sexual mantendo sua
essência discreta, esses códigos podiam ser gestos manuais, acessórios, tipos de
roupas, etc.
 O centro era alvo de muito homossexuais pela disponibilidade de homens
“masculinos”. Transgredindo a ideia de passividade, os homossexuais “passivos”
tentavam paquerar alguns desses homens “verdadeiros” para leva-los a cama, no
entanto, esse era apenas o primeiro passo. Ainda, essa iniciativa dos bichas em
paquerar os homens “verdadeiros” contribuiu para a construção da autoconfiança
destes homens e a quebra dos estereótipos em torno da figura do bicha. Após a
paquera, devia-se procurar um lugar para o ato sexual: às vezes o apartamento de um
desses homens ou até mesmo hotéis públicos que permitiam a hospedagem de dois
homens.
 Em São Paulo, assim como no Rio, na década de 50 ainda não existiam
estabelecimentos próprios para o encontro entre homossexuais, sobrando-lhes a
ocupação de lugares onde heterossexuais também frequentavam. Os bares e cafés
atraíam intelectuais, artistas, jovens, homens “verdadeiros”.
 Esses locais (bares, cinemas, banheiros de praças, cafés, restaurantes) tornaram-se
lugares onde pessoas de classe mais baixa e alta pudessem socializar-se. Alguns
homossexuais de classe média preferiam não se reunir nesses lugares públicos,
organizavam jantar particulares entre amigos para a socialização.
 Na década de 60, com a construção da Galeria Metrópole, os homossexuais tiveram
um novo lugar para reunir-se. Tornou-se o ponto gay mais movimentado de São Paulo,
uma vez que a diversa disponibilidade de estabelecimentos (cinemas, bares, cafés)
propiciavam um bom lugar para “paqueras”.
 Os homossexuais, no entanto, não haviam obtido aceitação social nas décadas de 50 e
60 apesar da permissividade sexual dos lugares que frequentavam. Ainda eram vistos
como doentes e sofriam com agressões de muitos companheiros heterossexuais dos
lugares que ocupavam.

Bibliotecas e livros

 Na década de 50, com exceção das obras já citadas como as de Ribeiro, Lombroso e
Marañón, não existiam tantos livros que falavam sobre a homossexualidade; os que
existiam eram, em sua maioria, estrangeiros. Logo, os estudos médico-legais
realizados na década de 20 e 30 permaneciam como base para a construção do
pensamento médico-legal daquela década. A ideia de que a homossexualidade era
uma doença, decorrente de problemas endócrinos era difundida através destes
escritos.
 Uma obra em particular se destaca: Homossexualismo Masculino, de Jorge Jaime. A
obra em si é semelhante aos tratados médico-legais de Ribeiro e outros, no entanto,
traz uma aproximação quase fidedigna ao que era a subcultura homossexual carioca e
paulista. Dividi em um tratado médico-legal e em um romance (Lady Hamilton), Jaime
aponta a homossexualidade como uma doença, uma perversidade e que deveria ser
controlada através de sanatórios. No entanto, o mesmo autor defende o casamento
entre pederastas, reclama da abordagem violenta dos policiais para os homossexuais;
uma comoção que é destruída após voltar aos termos “científicos”.
 Lady Hamilton, assim como O Bom Crioulo, é uma história trágica e que associa a
homossexualidade com morte e tragédia.
 Há, no entanto, obras que abordam o tema homossexualidade maneira mais leve, tais
como: Frederico Paciência de Mario de Andrade (supõe-se que essa obra seja um
escrito em que o protagonista é o próprio autor, que tentava a todo custo –assim
como o personagem – esconder seus desejos sexuais por outros homens) e Internato
de Paulo Hecker Filho, que conta a história de Jorge e Eli.

Redes Sociais como famílias alternativas


 Visto como párias pela sociedade, os homossexuais estavam sozinhos sem sua família
de sangue e correndo o risco de estarem para sempre isolados. No entanto, a
subcultura homossexual do Rio e São Paulo fornecia a estes um encontro entre iguais,
a formação de redes de apoios e a formação de novas famílias. Esses grupos
apoiavam-se entre si e se auto afirmavam enquanto homossexuais, frequentando
bares, praças, restaurantes juntos. Aliás, nos lugares em que era possível encontrar
parceiros sexuais, também era possível encontrar valiosos amigos.
 Na obra Homossexualismo Masculino, Jorge Jaime publica algumas cartas de
homossexuais que demonstravam as diferenças entra a vivência homossexual nos
Estados Unidos e no Brasil. Estas cartas mostram, por exemplo, a criação de um tipo
de comunicação própria que os ajudassem a esconder suas aventuras homossexuais; a
inversão dos marcadores femininos, com estes referindo-se a si mesmo ou a outros
homens como femininos a fim de gozar com a norma sexual padrão. Há também uma
nítida diferença nestas cartas entre o Brasil e os Estados Unidos: na década de 40 e 50
os EUA já possuíam bares e clubes exclusivamente gay, enquanto no Brasil isso
aconteceria apenas no fim da década de 50 e início de 60.
 Apesar de frequentarem espaços públicos, a promoção de encontros em lugares
particulares ainda era o meio mais seguro para a confraternização entre os
homossexuais brasileiros.

Festas íntimas e jornais caseiros

 Tais festas íntimas além de reunir amigos em torno de um divertimento comum,


também representa uma parte muito importante da subcultura homossexual carioca e
paulista de classe média. As brincadeiras eram constantes e bastante sigilosas.
 Um jornal, o Snob, surgiu como uma divertida crítica à um concurso de “bonecas” em
uma dessas festas particulares no Rio de Janeiro. O que essa turma não esperava era
que o seu modesto jornal faria grande sucesso entre a população homossexual.
 Quando começou a ser publicado em 1963, o Brasil estava em plena confusão política
discutindo reforma agrária, a iminência de um golpe e as constantes greves de
trabalhadores. O jornal pouco falava sobre política, colocando-se numa posição de
centro.
 O jornal tampouco fez uma cobertura do Golpe de 64 mesmo que alguns de seus
membros tenham sido presos por estarem envolvidos com associações de
trabalhadores. Aliás, a tomada de poder melos militares pouco afetou a vida dos
homossexuais fora da militância nos primeiros anos.
 O Snob definia-se como uma publicação para “entendidos” (gays) e exaltava a
feminilidade das bonecas, do seu senso apurado para estética, da sua superioridade
em relação a outros. Em suma, era uma revista feita para homens gays efeminados
reforçando os estereótipos de gênero daquela época.
 A afirmação dos papeis de gênero, do binômio ativo/passivo eram reforçados pelos
próprios bichas: a ideia de que dois ativos ou dois passivos relacionassem entre si era
repugnante.
 A masculinidade era a essência de ser um bofe e a feminilidade era a essência de ser
uma boneca. Para estes, o termo homossexual referia-se apenas ao homem bicha, e
não ao homem “bofe”.
 No entanto, a diversidade sexual era muito mais complexa do que indica o Snob.
 Tias: homossexuais mais velhos da classe média ou alta que sustentavam
rapazes/bichas mais novos.
 O Snob era comandado pelas bichas, embora nem todos os seus membros o fossem
assim.
Rainhas da beleza, outras realezas e seus maridos

 O Snob acabou por tornar-se também um espaço para que as bichas expressassem
seus desejos de forme livre e espontânea, assumindo para si a figura de mulheres reais
e bem sucedidas. Chegou-se até mesmo a publicar uma versão de “Os Dez
Mandamentos” para esse grupo.
 No entanto, era inevitável que surgissem atritos entre esses homens. A competição
para ver quem era a mais bela era constante, apesar do sentimento de união entre
estes na maior parte das publicações da revista.
Surge uma nova identidade

 Apesar da consolidação do binômio bicha/bofe nas publicações da revista, no fim da


década de 60 esses termos passaram a ser questionados dentro da própria revista. O
pioneiro desse movimento de contestação se chama Hélio, ou Gato Preto, que se
reconhecia enquanto um homossexual e não precisava adotar costumes e aparência
feminina. Ele foi bastante influenciado pelos movimentos juvenis que questionavam as
normas tradicionais de gênero.
 Antropólogos que estudaram o movimento homossexual brasileiro registraram a
ascensão de um termo que já existia desde a década de 40, os “entendidos”. Estes
eram compostos por homens de classe média que buscavam distanciar-se dos termos
comumente utilizados pelos gays (bicha, viado, boneca) e assim socializar-se com
outros homossexuais que pensassem igual a eles. Hélio chegou a utilizar esse termo
como homossexuais que não se encaixavam nos termos bicha/bofe.
 A diferença de classes não era de fato um fator de construção na identidade sexual de
indivíduos, mas como a história mostra acabou por se tornar um elemento importante
na análise dos modos e nas maneiras pelas quais os homossexuais adotavam.

Vozes dissidentes e evolução política

 As ideias tradicionais estavam perdendo espaço no Snob e as atribuições de gênero


começavam a ser fortemente questionadas, no entanto, isso não apenas aconteceu
neste pequeno círculo social. Dentro da Igreja Católica alguns dissidentes, embora não
tivessem êxito no que propunham, como o padre e teólogo James Snoek, abordavam a
homossexualidade de maneira mais natural e não condenatória. Eram vozes isoladas e
pouco efeito tiveram dentro da instituição.
 Foi no Snob, entretanto, que as mudanças foram mais visíveis. Um jornal de tom
humorístico logo passou a discutir assuntos políticos no início de 1969, algo que não
era comum. A transformação começava a perpassar ainda mais bichas e bonecas.
Antes de 68 pouco se comentava sobre assuntos políticos na revista, limitando-se
apenas a algumas menções e mesmo assim não era nenhum destaque.
 Influenciados pelos protestos de jovens, estudantes e revolucionário em 1968, os
editores do Snob passaram a enfrentar o assunto política e a posicionar-se de maneira
mais contundente sobre a Guerra do Vietnã, os protestos fora do país e também
dentro do território nacional, principalmente dos movimentos estudantis.
 Apesar dessa mudança, algumas bichas continuavam a tratar esses assuntos como
secundários e as fofocas sobre outras bichas eram mais importantes. No entanto,
Agildo (o editor fundador) e Hélio posicionavam-se abertamente contra o regime
ditatorial e a favor das manifestações pró-democracia mesmo que não participassem
dos movimentos em si. A percepção de sua condição de oprimido enquanto
homossexuais os levaram a poiar as lutas que aconteciam no país.
 Em 1969 foi idealizado até mesmo um Congresso da Associação Brasileira de Imprensa
Gay (ABIG), que não durou muito tempo graças ao aumento das repressões do regime
ditatorial.
 O Snob teve seu fim em 1969, a explicação vem do fato do endurecimento da
liberdade por parte da ditadura militar e o medo que alastrou-se entre a comunidade
de gay. Além disso, Agildo conta que muitas bichas bandearam para os novos bares
gays e abandonaram a publicação.
 Alguns antigos fundadores do Snob, como Agildo, Anuar, Hélio e outros fundadores
voltaram com um novo projeto: o Gente Gay. Esse foi um dos primeiros tipos de
publicações que surgiram nos anos 70 e 80 e marcaram uma nova fase do movimento
de gays e lésbicas no país.

Capítulo 05: a apropriação homossexual do carnaval carioca

 Apesar da presença e ampla participação dos homossexuais no carnaval carioca, o


espaço por eles conquistados não foi de forma alguma dado de bom grado. A história
por trás da ocupação homossexual do carnaval deve ser contada como uma história de
luta e enfrentamento as normas tradicionais sociais. A aceitação de homens vestidos e
imitando trejeitos femininos era apenas aceitável no carnaval, no resto ano se caso
algum homem fosse visto vestindo roupas femininas a polícia com certeza o prenderia.
O Brasil não era nenhum paraíso para os “degenerados”.
 Os baileis de travestis, os bailes de rua tornaram-se importantes espaços ocupados
pelos homossexuais na década de 40 e 50. Já na década de 70, os bailes de travestis
passaram a ser oficialmente como um elemento importante do carnaval carioca.
 Apesar dos bailes evocarem a imagem unilateral dos travestis e dos homossexuais
afeminados, o grande destaque dado a esses eventos pela mídia também trouxe à
tona várias facetas das personalidades dentro da subcultura homossexual carioca.

A performance como inversão e reprodução

 Da Matta: o carnaval é uma época em que as classes sociais se unem temporariamente


exprimindo a communitas, onde há a inversão de dois espaços (a casa e a rua);
 No entanto, essa análise de Da Matta pode suprimir a verdadeira realidade: o carnaval
não é uma festa sem diferenças sociais, ela pode representar a consolidação destas.
 Para os homossexuais, transvestir-se durante o carnaval é reafirmar sua essência e não
apenas a inversão da norma padrão dos gêneros. Para esses homens que enfrentam a
hostilidade na rua todos os outros dias do ano, o carnaval é apenas uma arena mais
pública para que possam se mostrar sem medo.
 Outros homossexuais enxergavam o travestismo como a expressão de seus desejos, a
expressão de sua essência feminina escondida. Além disso, há aqueles que mimetizam
e exageram a feminilidade a seu bel prazer.
 Muitos homens acabavam parodiando a paródia feita por Carmem Miranda, vestindo
trajes baianos típicos. No entanto, essa paródia da paródia acaba por suprimir as raízes
afro do traje.
 A utilização de trajes femininos exagerados, imitações e outros podem intensificar
ainda mais os padrões de gênero.
 Para os homossexuais, a communitas de Da Matta era nenhuma. O carnaval, para eles,
era uma festividade para expor a si mesmos junto de seus amigos em uma esfera
pública. Ou seja, para os “bichas” a graça das festividades era o sentimento de
solidariedade e diversão com seus iguais. Suas experiências durante o carnaval
fortaleciam a diferença entre eles e os demais.

Uma história breve

 As raízes do carnaval remetem a população de escravos, negros e pobres que juntos se


divertiam nas ruas desde o século XVII. O carnaval do período colonial permitia que
estes puderam se fantasiar e desfilar pelas ruas satirizando os hábitos e costumes da
elite.
 Já no período Imperial (1822-1889), a elite começou a se interessar pelas festividades;
no entanto, trouxeram um refinamento a essa festa que era inteiramente popular. Foi
daí que surgiram os tão famosos bailes de máscaras semelhantes ao que eram
realizados na Europa. Na década de 30, o governo passou até mesmo a financiar um
baile de máscara sediado no Teatro Municipal no Rio de Janeiro.
 A introdução dos blocos (que já existiam desde a década de 50 do século XIX) trouxe
novas formas a essa festividade.
 No início do século XX, surgiu no Rio de Janeiro um famoso bloco chamado de fancho:
este era uma bloco composto de pessoas pobres, negras, mestiças que saíam as ruas
cantando e dançando.
 Em 1917, o samba começou a se popularizar.
 Já nas décadas de 20 e 30 as primeiras escolas de samba foram criadas, estas surgiam
nas periferias e eram compostos majoritariamente pela população negra.
 Na década de 30 o governo de Getúlio Vargas começou a intervir nas escolas de samba
e passou a regulamentá-la, a fim de torna-las oficiais. O governo passou a subsidiar
estas escolas, promovendo competições entre elas. Na década de 60, o espírito
competitivo tomou conta dessas escolas que competiam pelo dinheiro dado pelo
governo. A comercialização da festa, a figura da mulher mulata hipersexualizada
fizeram o carnaval ser conhecido como “o maior espetáculo da terra”.

A alegria nas ruas

 Em 1930, fora criado um bloco pelas bichas chamado de “Os caçadores de veado”. O
nome é uma sátira a nomenclatura que no dia a dia era usada como uma forma de
atacar os homossexuais. Era nesta época que o travestismo era incentivado como
paródia e como representação dos desejos íntimos dos homens homossexuais.
 Isso não significa, contudo, que todos os homens que trasvestiam-se durante o
carnaval eram homossexuais ou sentiam desejo sexual por outros homens.
 Um caso que ilustra isso é um acontecimento no famoso bloco Cordão da Bola Preta.
Em 1941 eles resolveram parodiar um de seus personagens mais icônicos, o Rei
Momo, e criaram uma versão feminina deste. No entanto, dentro da organização uma
coisa era clara: homossexuais não eram bem vindos, a transgressão de gênero era
temporária e portanto um homem heterossexual era permitido a travestir-se.
 Assim como o Bola Preta, outros blocos também participavam da exclusão de
homossexuais travestidos. Em contrapartida, blocos como os “Caçadores de veado”
atraíam um público cada vez mais gay.

Invasores do espaço
 Na década de 40 notou-se que muitos homossexuais estavam participando dos bailes
de máscara promovidos na época do carnaval. Eram eventos que contavam com a
presença de muitos homossexuais, mas não era promovido como um evento
homossexual.
 A famosa Praça Tiradentes e os teatros ao seu redor favoreceram aos homossexuais a
permissividade de quebrar os padrões de gênero durante o carnaval e se travestir
livremente, embora, não fosse algo realmente promovido ou incentivado.
 No fim da década de 40 e 50, a vida noturna do Rio de Janeiro passara por grandes
mudanças e que renovaram o espírito social daquela praça tão conhecida pelos
homossexuais. Os teatros agora produziam vários tipos de show: comédia, cabarés,
etc.
 Na década de 40 os bailes de carnaval na Praça Tiradentes começaram a ter uma
constante presença de homossexuais.

Rainhas do carnaval e bailes de travestis

 Já no início dos 50 a tática era outra: os bailes homossexuais eram promovidos


pelos empresários que estavam de olho na crescente subcultura homossexual
carioca. Agora existiam muitas possibilidades de bailes carnavalescos para os
homossexuais poderem se reunir. O travestismo não era obrigatório, e registros
fotográficos da época constavam que a maioria dos homens não vestiam fantasia
feminina ou nenhuma.
 Alguns homens vestiam-se de mulher para ironizar as normas de gênero; aqueles
que optavam por fantasias “masculinas” vestiam-se de soldados, marinheiros,
usando togas para representar os romanos. No entanto, as verdadeiras estrelas
das festas eram as bonecas e todo o esplendor de suas fantasias.
 Um desses eventos aconteciam no Teatro João Caetano, que atraía um público de
classe média. Em 1951, os bailes que ali aconteciam passaram a ser subsidiados
pelo próprio governo.
 Antes dos ano 50, a cobertura dos jornalistas para os bailes em que a presença dos
homossexuais era presente existiam duas vias: o uso de termo cifrados para se
referir aos homens que se travestiam, ou o completo apagamento da presença
destes nas festas.
 A partir do momento em que os jornais começaram a abordar abertamente o
travestismo presente nesses bailes, lançou-se um estereótipo da figura do
homossexual como um homem afeminado. A maioria dos homens não travestiam
e não tinham qualquer traço de feminilidade, no entanto, as décadas de 50 e 60
evocavam apenas as imagens dos travestis como ícones da homossexualidade no
carnaval.
 Pode-se dizer que, durante a década de 50, os baileis que aconteciam na Praça
Tiradentes e nas suas imediações eram um local de confluência de classes sociais.
 No entanto, haviam bailes destinados a classe média e outros destinados apenas
aos mais pobres.
 Em 1953, um jornalista chamado Everaldo de Barros escreveu uma matéria sobre
as festividades do carnaval e a presença dos homossexuais. Ele vai na contramão
de todos os outros jornalistas e diz que é no carnaval que os homossexuais
mostram quem realmente são, se despem de suas máscaras que usam o ano todo
e durante os três/quatro dias de carnaval são livres para exercer sua liberdade. Ele
menciona o fato de que os bailes mais populares eram mais socializáveis e
agradáveis que aqueles onde se reuniam as elites.
 Apesar de terem espaços próprios e consolidados no carnaval, os homossexuais
continuavam em sua sanha de ocupar espaço normalmente heterossexuais, como
exemplo o Baile dos Artistas promovido pela classe artística e teatral.
 Na cobertura do Baile dos Artistas não há nenhuma menção ou pouca a presença
de homossexuais ali dentro. O travestismo era justificado pela imprensa como uma
consequência da bebida e da efervescência da festa. Não se sabe se realmente os
homens travestidos eram heterossexuais e a imprensa estava certa, ou se os
homossexuais eram ocultados.
 A imprensa enxergava como homossexuais apenas aqueles travestidos com trajes
exuberantes e estritamente femininos.
 Em 1956 os bailes de travestis começaram a se tornar muito mais sofisticados e
acabou chamando a atenção não só da imprensa como também da elite. As
fantasias se tornavam cada vez mais caras e deslumbrantes e as apresentações
cada vez mais complexas. A cobertura desses eventos, no entanto, fazia uma clara
distinção entre a elite e os homossexuais: ela – a elite – participava apenas pela
curiosidade, e não por uma aproximação com os homossexuais. Os homossexuais
que não se travestiam eram, novamente, excluídos.
 O grosso da elite não frequentava esse espaço, mas sim o evento promovido no
Teatro Municipal a oito quadro da Praça Tiradentes. O evento não estava livre dos
homossexuais, no entanto, estes não adotavam trajes femininos e sim masculino,
mantendo, claro, a essência exuberante de suas fantasias.
 A “alta sociedade” tinha como aceitável apenas que homens se vestissem com
trajes masculino e mulher com trajes femininos. Isso se quebrava ao chegar na
classe operária, onde a transgressão de gênero era a atração principal da festa.

Reações negativas

 Em 1957, toda a atmosfera de aceitação por parte da imprensa em relação aos


bailes das travestis se esvai. A Manchete passa a atacar, com um discurso
moralista, os travestis e seu evento anual de carnaval.
 Assim como a imprensa, a população começou a reagir negativamente aos
bailes de travestis. O Teatro João Caetano foi palco de diversas demonstrações
de violência gratuita e preconceituosa: as travestis entravam no teatro sendo
atacadas por pedras jogadas pela multidão enfurecida.
 As décadas de 50 e 60 foram permeadas pela expansão e consolidação dos
bailes das travestis, no entanto, foram duas décadas que tendiam a uma
aceitação parcial e a repressão violenta. Os bailes tornaram-se lugares
semipúblicos onde homossexuais podiam confraternizar entre si.
 No ano de 1958, tendo em vista toda a confusão do ano anterior, os desfiles
foram proibidos de serem realizados. O baile de 58 fora realizado durante três
dias antes da terça-feira de carnaval. Dessa vez, contudo, a imprensa não se
mostrou hostil e não fez nenhum comentário de reprovação, pelo contrário, a
própria Manchete cobriu o evento e criticou a imprensa que havia falado mal
do evento no passado (ela mesma).
 Se a Manchete havia cessado os ataques aos bailes, o jornal Última Hora
passou a tecer comentários cada vez mais repressivos. Era um jornal de índole
claramente conservadora e se punha contra toda e qualquer demonstração de
“imoralidade ou despudor” heterossexual ou homossexual. Eles buscavam o
retorno a uma carnaval onde reinava a “decência”, no qual havia o respeito “a
moral e aos bons costumes”
 Apesar de toda atmosfera de permissividade do carnaval, que permitia alguns
homossexuais viverem como de fato são, isso não acontecia com todos. Havia
aqueles que não podiam sucumbir ao espírito livre do carnaval pois tinham de
manter uma imagem polida para a família, amigos e a sociedade.

Uma nova era na celebração do carnaval

 Apesar dos insultos e da constante pressão negativa do público e da mídia, os bailes de


travestis cresciam em número na década de 60. Um desses eventos, o Baile dos
Enxutos, tornou-se um componente essencial do carnaval no início dessa mesma
década.
 A imprensa, que ainda oscilava entre a depreciação e a aceitação parcial e divertida,
começou a notar a importância dos homossexuais no carnaval. A imprensa popularizou
o termo “enxuto” que, junto com “travesti”, caracterizavam o homossexual masculino;
além disso, fazia-se alusão à homossexualidade como o “terceiro sexo”.
 Em 1961, os concursos de fantasias – antes proibidos pelo governo – foram
reintroduzidos, mas mantendo a proibição dos tradicionais desfiles. Nesta época todo
o furor com as roupas dos travestis havia cessado e agora era encarado com uma certa
“normalidade”.
 O Última Hora, jornal que antes tecia comentários moralista em relação aos bailes de
travestis, agora era responsável por anúncios desses bailes. Presume-se que essa
mudança de comportamento tenha se dado tanto por uma aceitação maior, como
também pela quantidade enorme de dinheiro que os organizadores destinavam a
publicidade na imprensa.
 Aliás, o Baile dos Enxutos era realmente um sucesso: patrocinado pela Antárctica,
participantes vindos de outros países da América do Sul e também de outros
continentes.
 A polícia, no entanto, não dava tréguas aos bailes e as restrições continuavam. Os
homens que queriam exibir suas fantasias agora não poderiam mais entrar no teatro já
fantasiados para evitar qualquer tipo de hostilidade vinda do público.
 Muitos homossexuais reuniam-se nesse evento não para mostrar suas fantasias, mas
também para dançar, cantar, paquerar etc. A estrutura dos teatros também permitia o
sexo leve e, até mesmo a organização de orgias.
 Aqueles que não conseguiam entrar nos eventos, muito provavelmente eram detidos
pela polícia e soltos na quarta-feira de cinzas. Como uma forma de protestos, os
homens saíam da delegacia fantasiados e realizavam um verdadeiro show nas escadas
do local. A imprensa começou a noticiar esse espetáculo público, e o evento começou
a atrair cada vez mais pessoas em torno da delegacia para ver o show das bonecas que
não puderam se mostrar durante os dias de carnaval.
 Já em 1964, a famosa marchinha “Olha a Cabeleira do Zezé” começou a ser entoada
em todos os bailes de carnaval. A música fazia uma clara alusão aos homossexuais e
aos travestis e servia tanto como uma forma de reafirmar sua própria orientação
sexual, no caso dos homossexuais, e também era usado como forma pejorativas pelos
heterossexuais.
 Em 1966 dois bailes rivais atraíam a atenção do público: o Baile dos Enxutos e o Baile
das Bonecas. Em 1968, os dois bailes tiveram grande sucesso de público. Neste ano,
havia a esperança de que houvesse um afrouxamento do regime militar instaurado há
quatro anos atrás. Pela primeira vez, houve a liberdade real no carnaval: os travestis
puderam participar de todos os bailes, aqueles em que antes sua entrada era proibida
e sua presença malvista.
 Toda essa aceitação e não hostilidade estava ligada diretamente a uma abertura geral
da sociedade em 68 e isso criava esperança para que as coisas continuassem a evoluir
no caminho democrático. Os movimentos estudantis ganhavam força contra o regime
militar e a população começava a enxergar o que era realmente a ditadura. O
Tropicalismo e outros movimentos contraculturais surgiram para desafiar o sistema
vigente e reafirmar uma cultura brasileira plural.

Uma mudança temporária para pior

 No fim de 68, o rumo do país mudou de forma significativa. Sob o jugo do presidente
Médici fora instaurado o AI-5, que fechava o Congresso, que permitiu a cassação de
mandatos de opositores ao governo e o silenciamento de toda a imprensa e voz
dissidente. Obviamente as restrições morais e sócias entraram no pacote e os bailes de
travestis, embora não tivessem sido proibidos, tiveram que usar de táticas para tornar
o evento menos “despudorado” na imprensa.
 Não eram apenas os bailes de travestis que sofriam que com as novas políticas do
governo ditatorial: o tradicional baile que acontecia no Copacabana Palace também
sofreu com as táticas de censura do governo. Em 1970 a censura prévia da imprensa
desencorajou os jornais a fazerem publicidade de tais eventos.
 A participação de travestis em 71 nos bailes de carnaval fora proibida novamente
graças as políticas governamentais. O intuito das políticas era forçar a extinção dos
tradicionais bailes dos travestis. O problema do governo era de fato com os
homossexuais efeminados, que demonstravam sua orientação sexual em público no
carnaval; provavelmente, a aceitação de homossexuais discretos era maior.
 Além dos bailes de travestis, o concurso de fantasias masculinas do Teatro Municipal
também fora cancelado, pois haviam outras demonstrações públicas de
homossexualidade ali. Alguns meses depois, o governo recuou em sua posição de
proibir os bailes de travestis.
 Em 74, Geisel iniciava um plano de abertura “lenta, gradual e segura” do país. Devido a
esse cenário mais amigável, os bailes de travestis e as bonecas voltaram a dominar o
cenário carnavalesco. Em 76, mais de 3 mil pessoas comparecerem ao maior baile de
travesti daquele carnaval.
 Na década de 70 os bailes começaram a mudar de local e a expandir-se; a antiga Praça
Tiradentes estava deteriorada. A publicidade em cima desses bailes aumentavam e a
estereotipização do homossexual como o homem efeminado, que se traveste no
período do carnaval se consolidou na sociedade brasileira. As palavras “viado”, “bicha”
passaram a figurar junto com “enxuto” e “bonecas”. A aceitação da população pelos
eventos de travestis estava ligado a noção de que aquilo era efêmero – duraria apenas
no carnaval – e não poderia ser restringindo, restando apenas a aceitação.

O circuito anual do travestismo

 Os bailes de carnaval não eram os únicos eventos em que se podia ver travestis e
transexuais atuando, pelo contrário, os shows delas começaram a crescer na vida
noturna carioca e paulista na década de 60. Os shows, no entanto, não se restringiam
apenas aos bares gays, mas tomavam conta dos tradicionais teatros.
 As apresentações, obviamente, bebiam da fonte dos bailes carnavalesco, mas não se
limitava apenas a isso. Eram shows realmente profissionais, com mudanças de cenário,
figurinos, dançarinos, atores. Era um verdadeiro show. E assim como as travestis no
carnaval, alcançaram uma aceitação parcial do grande público e da imprensa. O
público não era só gay, as classes mais altas e a grande imprensa começaram a
frequentar os teatros onde havia shows de travestis.
 Entre 65 e 67 os espetáculos de travestis expandiram em número, mesmo com a
consolidação do regime militar no país. Os teatros circundavam a tão famosa Praça
Tiradentes. Não era nenhuma novidade que homens vestidos de mulher se
apresentassem em palcos, no entanto, havia uma grande diferença: os homens agora
não parodiavam o visual feminino, mas de fato incorporavam um ideal de beleza
feminino, sensual e extravagante. Era como se os travestis fossem mais “femininas”
que as mulheres de fato. Rogéria destacou-se como um dos maiores nomes dessa
época.
 A ascensão de Rogéria não demorou muito e ela começou uma carreira internacional
de sucesso, ganhando aceitação do público, da imprensa e da sua família. Com relação
a aceitação de sua família, Rogéria conta que foi um processo até bem fácil e sem
maiores problemas. Não se sabe ao certo se de fato a narrativa de Rogéria seja a
correta. O que se tinha de comum era que os homossexuais eram mais facilmente
aceitos pela família quando podiam sustenta-la, como aconteceu com Rogéria devido
ao seu enorme sucesso.
 Rogéria, bem como outros travestis, fizeram sucesso por apoiar-se na imitação dos
ideias tradicionais de beleza feminina, ou seja, encarnando uma persona com quem se
identificavam ou queriam ser.
 A maioria dos homossexuais não se travestiam, mas o sucesso estrondoso dos travestis
fez com que boa parte da subcultura homossexual sentisse orgulho e
representatividade olhando para a recepção do público com os travestidos. Um fato
que exemplifica isso é a constante cobertura, repleta de elogios, do Snob sobre os
shows das bonecas.
 Em 69, o prestígio dos espetáculos de travestis entrou em declínio e o número de
shows diminui consideravelmente. Isso deve-se em grande parte a política moralista
do governo Médici e a sua constante perseguição aos homossexuais. Porém, a prática
do travestismo não parou e aumentou consideravelmente. No entanto, o palco agora
era outra: os teatros foram substituídos pelas ruas, e os shows pela prostituição. O
travestismo que antes era comum apenas no carnaval, tomou conta das ruas o ano
todo.
Desfiles de escola de samba

 As escolas de samba começaram a ganhar destaque midiático e também a atenção da


elite na década de 60 e principalmente no fim desta mesma década. A participação de
homossexuais na idealização dos desfiles não começou aí, mas é notável o aumento da
participação homossexual nos preparos e no desfile das escolas no fim da década de
60. Isso deve-se em parte as restrições impostas pelo regime militar e a constante
vigilância aos bailes de travestis.
 Nos anos 60 e 70 o carnaval passou por um processo de mercantilização e atraía cada
vez mais fama, logo, todo o show passou por uma série de requintes e tornou-se um
evento pra lá de luxuoso e ostentatório. Os homossexuais participavam ativamente da
confecção das roupas, do enredo, etc. E a presença dele passou a ficar cada vez mais
recorrente a medida que o show necessitava de mais brilho, cor, extravagância.
 Homossexuais logo passaram a ocupar lugares de destaque nos desfiles de carnaval. O
padrão estético advindo do Baile dos Enxutos e dos homossexuais discreto imperaram
nas produções carnavalescas.
 Na década de 70 já não tinha mais volta: o carnaval era sim aberto aos homossexuais e
ninguém lhes tiraria isso. Esse fato pode-se ser visto menos como um afrouxamento
das normas governamentais do que uma resistência nunca antes vista frente a uma
sociedade tradicional.
 Toda a participação homossexual no carnaval – bailes, shows, desfiles de escola de
samba – tornaram esta, a época a mais proeminente da cultura gay carioca e paulista.
E a apropriação destes lugares do carnaval não tem apenas consequências no período
carnavalesco, mas também traz consequência para todo o ano.

CAPÍTULO 06: “Abaixo a repressão: mais amor e mais tesão”, 1969-1980.

 Toda a atmosfera de esperança em 68 de uma democratização do país foi por água


abaixo no final do ano quando foi instaurado o AI-5. O Ato Institucional mais perverso
da ditadura brasileira, que fechou o Congresso, cassou mandatos de opositores,
censurou a imprensa e abriu portas para a tortura de dissidentes do regime. Em
Setembro de 68 – após o sequestro do embaixador americano por um grupo de
guerrilha - atos subversivos poderiam ter como sentença a morte. No mês seguinte,
um Congresso montado pelo regime foi instituído para dar prosseguimento à posse de
Emílio Garrastazu Médici. A atmosfera violenta fez com que grandes artistas da
música, de teatro, etc, saíssem do país para evitar serem pegos pelo regime.
 A década de 70 veio para coroar o regime militar: a seleção brasileira vencendo a copa
e o slogan “Brasil, ame-o ou deixe-o’’, a década do “milagre econômico” e o apoio da
classe média e alta ao regime. Ao mesmo tempo, a classe trabalhadora e os mais
pobres foram duramente afetados com os efeitos do regime militar na economia. E
não havia saída para isso, já que os sindicatos haviam sido desarticulados.
 Em 72 restaram poucos grupos de resistência ao regime uma vez que a maioria tinham
sido presos ou mortos. Já em 74, tendo garantido estabilidade econômica, social e
militar, Médici foi substituído por Geizel.
 O que os militares não esperavam era uma crise econômica que logo acabaria com
seus planos e serviria de ponte para a construção de sua derrocada. A dívida externa
aumentou consideravelmente e as benesses antes conseguidas pela classe média/alta
se extinguiram e, logo esse dois grupos se juntaram aos trabalhadores nas críticas ao
regime militar. Insatisfeitos, a população mostrou esse sentimento nas urnas: o MDB,
único partido legal de oposição, venceu as eleições em 74. Com isso, Geisel teve de
repensar a política do regime e decidiu optar por iniciar o plano “lento, gradual e
seguro” de redemocratização brasileira.
 Nesse mesmo período, grupos da ala progressista da Igreja e também de esquerda
começaram a se organizar e a construir uma frente ampla para atacar a ditadura. A
partir daí os movimentos feministas, negro, etc, ganhariam força pedindo pela
democracia, condições de trabalho melhores e também por um salário justo.
 Em 77, a ditadura viu surgir um movimento gigante de estudantes contra o regime.
Nos anos posteriores foi a vez dos trabalhadores do ABC paulista, através de greves
recorrentes e enormes, mostrarem sua insatisfação. O MDB teve outro grande êxito
nas eleições de 78.
 Os movimentos sociais passaram a ser parte fundamental da luta contra a ditadura. Há
de se destacar o movimento negro e o movimento feminista. É através do partido
feminista que a luta pelos “direitos gays” começaram a ser debatidos. Mulheres e
homossexuais enxergaram a relação entre a homofobia e o machismo que os
cercavam.
 As mulheres, por sua vez, não faziam questão de priorizar as questões de gênero, pelo
contrário, estavam juntas com a classe trabalhadora e as reivindicações desta. Jornais
feministas começaram a se proliferar e a ganhar fama por todo o país. Do mesmo
modo, jornais gays independentes foram criados e passaram a circular pelo território
nacional.
 Após as greves dos metalúrgicos em 78, Geisel viu que não tinha outra escolha a não
ser aceitar as insurreições e decidiu escolher o general João Baptista Figueiredo para
sucedê-lo. A ditadura militar brasileira teria finalmente seu fim em 1985.
 Os anos finais da década de 60 e início de 70 foram o período mais duro da ditadura,
no entanto, foi também o período que o espaço urbano homossexual também
cresceu. Travestis e michês trabalhavam nas ruas cariocas e paulistas. Bares,
discotecas, restaurantes, saunas eram lugares comum para os homossexuais
brasileiros. Além disso, nesses anos viu-se surgir um pequeno grupo de militantes
homossexuais em busca de reconhecimento e respeito através da política.

Bares, discotecas e saunas

 Se a subcultura homossexual carioca ou paulista não sentiram os efeitos imediatos do


regime militar em 64, entre 1968-1972 foram anos realmente difíceis para a
comunidade gay dessas duas metrópoles. As batidas policias eram frequentes e
arbitrárias. A Galeria Metrópole (lugar de concentração de homossexuais) fora
severamente atingida nesses quatro anos.
 Eram medidas que causavam precaução nos homossexuais – as vezes até medo.
Jornais como o Snob e outros semelhantes finalizaram suas atividades por medo do
regime. No entanto, os lugares de entretenimento gay não sofreram perseguições
depois de 72 e passaram a funcionar com relativa liberdade. Através de subornos os
donos dos estabelecimentos acalmavam os policiais e conseguiam manter seus
negócios. Era de se esperar que esses locais sofressem com restrições diante de um
governo tão conservador, mas isso não aconteceu.
 Há hipóteses que tentam entender o porquê dos lugares de entretenimento gay não
terem sofrido com ataques repressivos dos militares: há quem diga que era por medo
de uma insurreição gay, o que não se sustenta uma vez que até mesmo
internacionalmente o movimento gay politizado não tinha força política. Outra
hipótese é a da que a homossexualidade não era uma afronte direta ao regime
ditatorial, logo não recebeu tanta atenção assim dos militares. Aliás, futebol e carnaval
eram usados como armas para suprimir – mesmo que por instantes –a repressão da
população em relação ao regime.
 A atividade gay explícita não era aceita, obviamente, mas aquelas que aconteciam em
ambientes públicos destinados para encontros conseguiam escapar da repressão. Em
parte por que era difícil o controle dentro dos lugares, e a possível insurreição vinda
por parte dos gays era insuficiente e sequer colocava medo nos militares. Os bailes de
travestis, como não aconteciam publicamente e já havia certa tolerância, também não
foram tão afetados pelas políticas militares. Mas as tentativas de esconder a
efeminação eram constantes, até mesmo no baile de fantasias masculinas que
acontecia no Teatro Municipal.
 Aproveitando o boom do “milagre econômico”, empresários investiram em
estabelecimentos para o público gay de classe média. Várias boates, saunas e
discotecas ficaram famosas nesse período. Havia outras boates, por exemplo, que
facilitavam a entrada de homossexuais menos favorecidos. Assim como os bailes de
carnaval, esses locais serviam para socialização entre iguais e a reafirmação da
diferença.
 As boates gays mais luxuosas até mesmo proibiam o contato entre os presentes, para
evitar qualquer demonstração de “imoralidade”.
 Os cinemas, por sua vez, continuaram a ser um dos locais mais frequentados por
homossexuais para o encontro de possíveis parceiros sexuais. Os donos faiam vista
grossa para essas atividades, uma vez que os homens interessados em sexo com
outros homens traziam um lucro significativo a estes estabelecimentos.
 Nos anos 70, o Rio de Janeiro e São Paulo presenciaram uma verdadeira explosão de
locais destinados ao público gay. As saunas se popularizaram e tornaram-se um ponto
de encontro entre homens de classes sociais diferentes. Outras saunas faziam questão
de afirmar apenas a presença de homens de elite em seu interior.
 Os territórios no Rio de Janeiro – Copacabana, Lapa, Cinelândia – e São Paulo – no
centro – se expandiram para o público gay: Ipanema e Avenida Paulista. Nessa mesma
época, surgiram bares exclusivamente para o público lésbico.
 As praias também ainda eram lugares de confraternização e entretenimento
homossexual. Além da “bolsa de valores”, os homossexuais também ocuparam outras
praias como a do Flamengo e parte da praia de Ipanema. Neste último havia a
confraternização com público adepto da contracultura, os hippies, que demonstravam
bastante tolerância com a homossexualidade.
 Em suma, pode-se notar que apesar de também ter sofrido com os ataques da
ditadura militar, a subcultura homossexual mais se expandiu do que retraiu.

Travestis e michês
 Os travestis e os michês ganharam fama no fim da década de 60 e início de 70 nas ruas
cariocas e paulistas. O ganho de poder econômico da classe média incentivou o
consumo deste tipo de atividade, e a perda de poder econômico por parte da classe
mais pobre levou alguns homens e mulheres a adentrarem no mundo da prostituição.
Bem como homens afeminados que não tinham oportunidade de emprego apenas por
serem quem são, restavam-lhe apenas as ruas.
 Os travestis, diferentemente do que acontecia no passado, não se limitavam apenas a
utilizar de roupas tidas como femininas, eles iam além: utilizavam da ciência,
hormônios e cirurgias, para se adequarem ainda mais a sua persona feminina.
 A ascensão de figuras como a Rogéria promoveu uma verdadeira curiosidade na
sociedade em como seria transar com uma travesti. No final da década de 70 o
mercado de travestis no Brasil já era internacionalmente conhecido e chegava-se até
mesmo a exportar travestis para fora.
 A prostituição não era de fato um crime, no entanto, aqueles que a praticassem
estavam sujeitos ao jugo da polícia e eram enquadrados ou na lei de “vadiagem” (caso
não conseguissem provar um emprego fixo) ou de “atentado ao pudor”.
 Entre 76 e 77 fora criado em São Paulo um registro com mais de duzentos abordagens
de travestis, alguns desses registros sobreviveram e mostram alguns dados
interessantes: de 18 a 24 anos eram as maiorias dos presos; a maior parte provinha de
áreas urbana (51%); de acordo com os relatos a maioria dos registros eram de homens
que possuíam emprego fixo, no entanto, na prostituição conseguiam duas vezes mais
que a sua renda fixa.
 O crescimento da prostituição ilustra um crescente interesse dos homens de classe
média não em mulheres, mas sim na busca consciente por “homens vestidos de
mulheres”. Muitas travestis sequer passavam por cirurgias de mudança de sexo, logo,
não justifica a ideia de que eram mulheres de fato.
 Assim como os travestis, os michês também ganharam destaque na sociedade e na
imprensa brasileira da década de 70. Os michês eram garotos, heterossexuais (assim a
maioria afirmava), que exalavam masculinidade e eram bancados pelas “tias” (homens
mais velhos interessados em rapazes).
 O mundo dos michês permitia uma certa mobilidade social após um tempo sendo
bancado pelas “tias”, algo que seria praticamente impossível se tivessem seguido em
empregos comuns.

Transformações culturais e figuras andróginas

 Após 68, houve uma dissolução geral da oposição de esquerda ao regime militar;
apenas pouco restaram. O medo acabou por fechar jornais (o Snob, por exemplo), fez
com que artistas optassem pelo exílio, e a esperança morreu ali. No início da década
de 70, com o advento da contracultura permeando a cultura brasileira com força,
novas táticas de desestabilização social iniciaram. Os dois anos que se passaram, 68-
70, foram de muita instabilidade social e política.
 Os pontos mais desenvolvidos pelos manifestas eram a rejeição à sociedade de
consumo e a desestabilização dos códigos sexuais, como a virgindade feminas antes do
casamento e a heterossexualidade normal de homens e mulheres. Artistas que
representavam oTropicalismo (Gal, Caetano, Gil) falavam quase que abertamente
sobre suas aventuras homossexuais e passavam a imagem de despudor frente a
sociedade tradicional.
 O que se iniciou com uma atitude mais “conservadora” de Gil e Caetano, teve seu
ápice nas figuras das Dzi Croquettes e de Ney Matogrosso.
 Os Dzi Croquette, grupo formando em 77 em São Paulo, realizavam shows que pouco
se assemelhavam aos bailes de travestis da década de 60, pelo contrário, os
dançarinos vestiam roupas tanto femininas quanto masculinas, a fim de evocar essa
dupla persona.
 Havia uma fluidez marcantes nos personagens interpretados no palco por este grupo
que punha em cheque toda os códigos sociais do que era homem e mulher.
 O grupo lutava pela liberdade sexual a qualquer custo. As representações andróginas e
as músicas que cantavam levantaram a questão sobre sua identidade sexual. Eram
homens efeminados, mas que ainda conservavam a sua masculinidade. A empresa não
os chamou de homossexuais, mas sim de “travestis sem bichismo” ou “travesti sem
cara de homossexual”. Por fim, preferiram adotar o termo “andrógino” para eles.
 Esse termo “andrógino” no entanto, é também um marcador social, uma vez que era
apenas designados a homens de classe média; enquanto que homens mais pobres
eram chamados de travestis, sempre associando-os a prostituição e a
homossexualidade.
 Os Dzi Croquettes foram importante para levar a mensagem de aceitação entre os
próprios homossexuais, já que o movimento gay era quase nulo não só no Brasil mas
também internacionalmente.
 Ney Matogrosso foi responsável por influenciar um novo tipo de comportamento
masculino no país. Inicialmente como vocalista dos Secos e Molhados, Ney atraía a
atenção de homens e mulheres com seu jeito excêntrico, maquiagens incomuns,
roupas idem. Em 75 ele deixa a banda e parte para carreira solo, e é aí que começa a
de fato ganhar ainda mais destaque.
 Ney falava abertamente e com orgulho de sua homossexualidade e é claro que isso
influenciou muitos homossexuais na maneira de como tratavam a si próprios. Na
cabeça das pessoas era difícil aceitar que ele era homossexual, já que havia traços
ainda marcantes de masculinidade em sua figura andrógina.
 A aceitação de Ney, obviamente, não era universal mas estava dentro de um espectro
muito amplo de um movimentação de tolerância com a homossexualidade. Livros,
revistas e jornais com a temática gay passaram a se tornar frequentes no país nesse
período. E, dessa vez, apresentando uma imagem positiva dos homossexuais.
 A exemplo disso temos a produção de mais significativo sucesso: Greta Garbo, quem
diria, acabou no Guarujá. A peça tem como protagonista Pedro e Renato. Pedro é um
“entendido” que se apaixona por Renata que acaba de chegar ao Rio de Janeiro; o
primeiro encontro dos dois é na Cinelândia. Gasparino Damata e Aguinaldo Silva foram
autores que ficaram conhecidos por suas obras que retratam homossexuais nas
décadas de 60 e 70.

Acesso à informação

 Mesmo com a censura da imprensa na década de 70, alguns jornais conseguiam


publicar alguns artigos e notícias a respeito do movimentos de gays e lésbicas que
aconteciam internacionalmente. As reações dos jornalistas eram mistas (variavam
entre a hostilidade e a simpatia).
 A imprensa alternativa além de criticar os mandos e desmandos da ditadura também
veiculavam notícias que não eram vistos graças aos censores, isso incluía a pauta da
homossexualidade. O efêmero jornal “Já” do Rio de Janeiro foi o responsável pela
criação de uma coluna chamada de “Gay Power” escrita por Sylvio Lamenha (não se
sabe se era o nome real do autor). Os artigos da coluna diferiam bastante do que era
publicado, por exemplo, no Snob. Havia a promoção de estabelecimentos gays,
notícias a respeito do crescimento de um movimento político gay no exterior, etc.
 A influência estrangeira, aliás, foi de grande importância para a formação de uma base
política para os homossexuais brasileiros. Rogéria foi a primeira a travesti a fazer um
discurso em que colocava as bichas como uma minoria oprimida.
 O jornal O Pasquim é um exemplo de um editorial que foi de desprezo completo aos
homossexuais para uma aceitação parcial. Havia um certo respeito pela figura de
Rogéria, embora com pitadas de sarcasmo, nas matérias sobre ela. Isso deve-se ao fato
de que ela era uma persona feminina e encarnava isso com muito êxito, logo, não
havia a desestabilização dos papeis de gênero nela. O que não acontecia com as
bichas, que eram constantemente agredidas pelo jornal. Foi apenas a partir da década
de 70 que o jornal passou a mudar a forma como tratava homossexuais e lésbicas.
 Se O Pasquim era linha dura com os homossexuais, principalmente os efeminados,
outros jornalistas iam na contramão disso. Em fevereiro de 76 é uma coluna para o
jornal paulistano Última Hora que tratava de falar sobre personalidades homossexuais
nacionais ou não, promoção de alguns estabelecimentos gays. O jornal obteve
bastante aceitação por parte do público homossexual. A coluna, escrita pelo jovem
Celso Curi, inspirou outros homossexuais a mostrarem a realidade gay a partir de seu
próprio ponto de vista em jornais famosos.
 Enfim, a mídia tradicional passava por uma brusca mudança em relação ao modo pelo
qual tratavam homossexuais em seus editoriais.

Jornalismo independente gay

 No ano de 76 fora lançado o “Gente Gay”, publicação criado por Anuar Farad, Agildo
Guimarães e outros editores do Snob, especificamente para o público homossexual.
No início, era restrito apenas para a comunidade gay a fim de impedir ataques da lei
de censura.
 O termo “gay” passou a se popularizar na década de 70, bem como havia acontecido
com “entendido”. E isso deve-se em grande parte ao sucesso do movimento “gay
power”.
 O Gente Gay preservou alguns elementos do Snob, mas o conteúdo passou por uma
verdadeira transformação; os autores, que antes utilizavam codinomes femininos, por
vezes optavam por utilizar seus nomes reais.
 Com relação ao conteúdo, as fofocas do universos dos redatores continuaram, mas
agora também noticiava-se o movimento gay internacional. Além disso comentavam
sobre a subcultura homossexual e as novidades, além de prestigiarem obras de ficção
homoeróticas.
 O jornal foi tão bem recebido que os seus editores resolveram ampliar sua circulação;
esta decisão, no entanto, pôs fim ao jornal. Os criadores do jornal não tinham
experiência para lidar com um grande negócio e acabaram acumulando dívidas
gritantes por não conseguir vender todos os exemplares impressos. Além disso, havia
ainda a concorrência do recém-inaugurado Lampião da Esquina, que imprimia cerca de
15 mil exemplares por semana.
 Em São Paulo dois jornais também se destacaram: o Entender e o Mundo Gay. Ambos
tiveram uma vida muito curta.
 Mesmo com o fracasso dessas publicações, a ousadia e a tentativa de sua existência
moldou a consciência de vários homossexuais. Os editores não tinham mais vergonha
de assumir seus nomes publicamente e a exaltar a subcultura homossexual. A
atmosfera política mais amena da década de 70 também trazia a esperança de uma
organização política do “gay power” brasileiro.

A consolidação de uma nova identidade

 Nas décadas de 50 e 60 os homossexuais brasileiros, poucos, passaram a formular uma


nova identidade em comum. No entanto, foi apenas na década de 70 que essa nova
identidade se consolidou entre a subcultura homossexual do Rio de Janeiro e de São
Paulo. A influência do movimento gay internacional, a aceitação maior do público as
travestis, padrões de gêneros menos rígidos são responsáveis pela construção dessa
nova identidade. No entanto, isso não significa que abrangeu todos os homossexuais,
há claramente uma distinção de classe nessa nova identidade.
 Peter Fry já declarava que o termo “entendido” na década de 60 como uma identidade
em comum, e de fato era. Os entendidos eram todos homossexuais, e os papeis de
“ativo” e “passivo” adquiriram maior fluidez.
 No entanto, a pesquisa de Barbosa e Silva declara que há fatos que Peter Fry ignora
nessa sua análise. O termo entendido não tinha apenas um significado como, por
exemplo, era usado no Snob para designar bichas que gostavam de homens
“masculinos”. Outros homossexuais não gostavam da palavra por acharem um símbolo
dos homossexuais enrustidos, e preferiam usar a palavra bicha até mesmo para
ressignificá-la. Na década de 80 o termo “gay” se popularizou, embora a díade
continuasse a existir: o “homem” e o “gay”.
 Um novo sistema sexual surgiu entre os bichas na década de 60 com o declínio da
generificação da sociedade brasileira: tanto o passivo quanto o ativo eram
considerados homossexuais, e não havia a dissolução da masculinidade e a
homossexualidade. Os papeis sexuais eram considerados fluidos. O comportamento
social mais liberal do país e as influências estrangeiras foram essenciais para essa
mudança de postura em relação a aceitação dos homossexuais. A homossexualidade
deixava de ser, para os bichas, uma doença.

Agrupando-se

 No ano de 1976, o escritor paulista João Silvério Trevisan, após uma estadia em São
Francisco veio para o Brasil e fundou o primeiro grupo de organização homossexual de
São Paulo. Embora efêmero, há de se considerar a importância deste grupo. A
associação no entanto encontrou uma barreira intransponível: deveria acontecer uma
associação entre o movimento gay e a esquerda naquele momento político?
 A instabilidade política do Brasil necessitava de união, o que não era bem visto pelos
gays daquela época. E essa aversão a uma associação com a esquerda era justificada: o
Partido Comunista Brasileiro, hegemônico até a década de 60, apresentava a
homossexualidade como um sério desvio de caráter. Aguinaldo Silva, editor do
Lampião da Esquina, criticava e muito o PC por sua postura antigay. Fernando Gabeira,
apesar de não declarar a si mesmo como homossexual, fazia duras críticas a postura
antifeminista e antigay de alguns grupos de esquerda.
 Apesar de toda a confusão envolvendo a esquerda, alguns membros da associação de
Trevisan viam a necessidade de união entre os dois grupos. Esse impasse iria persistir
em outro grupo gay formado agora no Rio de Janeiro em 76.
 Esse grupo fora chamado de União do Homossexual Brasileiro e a primeira reunião
fora marcada para acontecer nos jardins do Museu de Arte Moderna. O convite
distribuído proclamava a justiça para todos de modo igualitário, também a liberdade
bem nos moldes do movimento estudantil. O encontro estava marcado para acontecer
no dia 4 de junho. O evento, no entanto, não se realizou. No dia do evento, as forças
policias da ditadura cercaram o local e impediram que o evento acontecesse. A união
dos homossexuais brasileiros significava, para a ditadura, um ponto de ruptura que
não poderia ser aceito. Tolerava-se a sua união em estabelecimentos de
entretenimento, mas organização política e social já era demais.
 No ano seguinte, a atmosfera política mais amenas significou um importante
progresso para o movimento gay. A imprensa agora cobria com muita simpatia os
movimentos por direitos de gays e lésbicas que aconteciam no exterior. A partir desse
ponto, um grupo de intelectuais gays reuniu-se e decidiram criar um jornal gay, o
Lampião da Esquina. Aguinaldo Silva estava entre seus criadores.
 O jornal começou com uma circulação de cerca de dez mil exemplares pelo país. O
conteúdo ia de comentários políticos, cobertura dos movimentos gays internacionais,
promoção de estabelecimentos gays. O jornal de início propunha representatividade
para diversos grupos – negros, mulheres, ecologistas, homossexuais – mas o seu
conteúdo era predominantemente homossexual. Isso não significa, contudo, que os
outros assuntos não eram abordados. Diferentemente do Gente Gay, o Lampião
contava com pessoas especializadas e que souberam conduzir o editorial ao sucesso.
 O primeiro número do Lampião fora lançado em 78 e já se posicionava contra os
desmandos da censura ditatorial: a capa trazia Celso Curi e fazia a defesa dele
enquanto homossexual e alertava para a necessidade um movimento gay unificado e
forte.
 O sucesso do Lampião fez com que, em São Paulo, surgisse um dos grupos mais fortes
e duradouro do movimento gay, o Somos. De início, era um grupo voltado para a
tomada de consciência gay, assim como queria Trevisan em 66. Depois foram
desenvolvidos subgrupos responsáveis por promover debates diversos: política,
cultura, sociedade, etc. No fim de 78 houve uma discussão a respeito do nome (antes
de ser Somos, o grupo era nomeado por Núcleo de Ação pelos Direitos dos
Homossexuais) e acabou-se optando pelo Somos após uma discussão bastante
acalorada. É válido destacar que nessa reunião todos os nomes que continham a
palavra “gay” foram rejeitados de forma unânime, isso explica-se pelo medo de
internacionalizar o movimento gay brasileiro e de se tornar apenas uma cópia do
movimento internacional.
 Em fevereiro de 79, membros do Somos e do Lampião participaram de um ciclo de
debates públicos na USP. Os representantes foram muito bem recebidos e as
discussões que se seguiram foram bastante acaloradas. De um lado, havia quem
apoiasse a construção de um movimento gay à brasileira naquele momento; de outro,
representado por alguns estudantes de esquerda, um grupo que considerava a
preocupação feminista, gay e negra secundários naquele momento. O resultado foi a
separação entre esses dois grupos, o que dificultava a ação contra o regime militar.
Nesse mesmo evento, entretanto, as lésbicas puderam falar abertamente da
discriminação que sofriam.
 Como resultado da formação do Somos, do sucesso do Lampião e dos debates na USP,
os estudos sobre a homossexualidade não mais se apoiavam nos escritos médicos-
legais das décadas de 30 e 40, e agora apresentavam a homossexualidade forma
natural e não condenatória.
 Obviamente, com todo o sucesso do movimento gay, a ditadura não iria deixar barato
e o alvo escolhido fora o Lampião. Com a ajuda de artistas, da própria imprensa, o
jornal foi salvo de ser fechado pelos desmandos ditatoriais. O regime acusava o jornal
de “ofender a moral e os bons costumes”.
 Em abril de 1980, cerca de mil gays e lésbicas reuniram-se no teatro Ruth Escobar para
o Primeiro Encontro Nacional de Grupos Homossexuais Organizados.
 No mês de maio, cerca de cinquenta homossexuais juntaram-se aos trabalhadores do
ABC paulista em sua paralisação geral contra a ditadura. Esses homossexuais levavam
cartazes que associavam a homofobia às péssimas condições de trabalho e buscavam
visibilidade para os seus iguais.
 Alguns gays e lésbicas começaram a firmar laços com a esquerda e alguns setores
antiditadura, mas isso não teve reveses para esses homossexuais. Na verdade, o
controle ditatorial praticamente menosprezou o ativismo político de grupos
homossexuais. Os arquivos do DOPS mostram a intenção de atacar alguns membros do
Lampião, mas não havia nenhuma citação a sua condição de homossexual ou a
homossexualidade em si.
 Esse apoios de alguns setores de gays e lésbicas a grupos de esquerda significou, mais
tarde, o afastamento de um setor do Somos que não concordava com essa
aproximação. Logo após a presença dos cinquentas gays e lésbicas na mobilização do
1° de Maio, fora criada uma outra organização, o Outra Coisa.
 Essa separação foi alvo de alguns artigos do Lampião, já que o Somos era a
organização mais importante do movimento gay. No entanto, após uma batida policial
que fez mais de mil gays e lésbicas como vítimas, o movimento se uniu em prol de seus
irmãos. Em 13 de junho de 1980 mais de quinhentos homossexuais reuniram-se nos
degraus do Teatro Municipal para protestar. Em seguida, a multidão fez uma passeata
para demonstrar seu desprezo pelas prisões arbitrárias que haviam acontecido, eles
entoavam “Abaixo a repressão, mais amor e mais tesão”. O movimento gay brasileiro
havia nascido.

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