Você está na página 1de 12

COMO FUNCIONA O FASCISMO – JASON STANLEY

CAPÍTULO 1: O PASSADO MÍTICO

O fascismo assumes diferentes facetas dependendo do contexto e do


período histórico aos que se põe, no entanto, é característica fundamental do
fascismo a busca por um passado glorioso e mítico. É através de uma suposta
reconstrução desse passado que é sustentada a política fascista. Tem-se que o
motivo pela perda de tão grande prestígio seja culpa do globalismo, do avanço
das ideias liberais, etc. Havia, nesse passado, uma uniformidade – religiosa,
racial, linguística – e que fora quebrada posteriormente. A política fascista
apoia e promove explicitamente a hierarquização da sociedade, principalmente
quando defendem a manutenção dos sistemas de gênero e do patriarcado. O
passado mítico é usado apenas como uma conexão a nostalgia, logo, não
importa se é verdadeiro ou falso apenas que funcione para emocionar.
Um outro ponto em comum entre os “fascismos” é o objetivo de
“recuperar” os ideais de uma família tradicional patriarcal. O papel de patriarca,
imbuído de uma imagem forte e de força, é relegada também ao líder político
fascista. A força é o principal poder do autoritarismo. Essa tática foi adotada na
época do surgimento e da consolidação do nazismo: os homens vistos como
provedores e possuidores de força, e as mulheres tinham o dever moral de
serem boas mães e esposas.
Ainda hoje o reforço de países tradicionais de gênero permeiam a
ideologia fascista mundialmente: na Polônia, o partido de direita PiS (traduzido
como Partido da Lei e da Justiça), além de abominar a homossexualidade e
serem declaradamente anti-imigrantista, tem nos papeis tradicionais de gênero
a sua maior arma de propaganda. Esse mesmo partido queria abolir a
permissividade ao aborto em casos de estupro ou incesto; movimentos
semelhantes, no entanto, ocorrem em vários outros países como os EUA e na
Ruanda. O caso da Ruanda é bastante significativo: há uma espécie de Dez
Mandamentos (uma espécie de constituição) e os três primeiros pontos
referem-se a controles de gênero, entre eles a proibição do casamento entre
hutsus e os tutsis (muçulmanos). Em todos os casos há um código em comum
para supressão daqueles que não encaixam no modelo proposto pelo regime
fascista: repressão e, como aconteceu em Ruanda (1994) e na Alemanha
nazista, a limpeza étnica através do genocídio.
Nas eleições de 2016, o candidato Donald Trump teve um vídeo vazado
em que exclamava barbaridades sobre as mulheres. Em resposta, alguns
outros republicanos recriminaram Trump, no entanto, suas falas apenas
repetiam as normas tradicionais de gênero tendo as mulheres como “indefesas”
cabendo aos homens de bem protege-las. Na Hungria, país comandado pelo
primeiro-ministro Viktor Orbán, a família patriarcal fascista também é
característica do regime. A Hungria, desde que Orbán assumiu o cargo, vem
caminhando para um Estado não liberal, ou seja, restritivo e altamente fascista.
Tornou-se lei a purificação étnica e moral das mulheres e homens húngaros.
Para os fascistas, a entrada de ideais liberais não só destroem a família
patriarcal, mas também desmantelam todo o sistema hierárquico e causam
pânico entre a classe dominante. Essa é a história levada a cabo pela política
fascista.
Mas não basta apenas o “retorno” a esta família tradicional patriarcal, os
fascistas vão além: voltam ainda mais no passado em busca de inventar
mentiras a respeito da grandiosidade da região. É uma política
escancaradamente hierárquica e para concretizar essa hierarquia fazem uso do
poder para deslocar a realidade. A grandiosidade foi perdida quando
estrangeiros adentraram em seu país. Esses discurso foi adotado na Alemanha
nazista (o Völkisch) e, posteriormente, estendeu-se para outros territórios
como a Índia.
Essa estratégia vista, sobretudo, contar uma história falsa; fetichiza uma
história que está longe de ser a verdadeira. Normalmente também é usada
para suprimir a culpa dessas nações de erros passados, tal como os EUA com
a escravidão. Essa ideia legitima a noção de pureza étnica e racial desse
passado glorioso fictício. Em Mianmar acontece isso com a população
roningya, que sofre com apagamento não só histórico, mas também físico. Na
política fascista, não é aceito que nada que manche a imagem dessa
sociedade gloriosa: a Polônia chegou a proibir qualquer que ousasse falar de
seus movimentos suspeitos com a Alemanha nazista ou semelhantes. A
legislação de apagamento do passado é típico da política fascista.
Na França ocorreu o mesmo com o partido de extrema-direita e
neonazista o Le Front Nacional, comandado por Jean-Marie Le Pen e,
posteriormente, por sua filha Marine Le Pen. O pai de Marina foi condenado
pela negação do Holocausto; a sua filha não agiu diferente: nas eleições de
2017, a qual foi a segunda colocada, alegou que os franceses deveriam “voltar”
a ter orgulho da França e não mais temer sua própria nacionalidade, e isso
passava pelo processo de apagamento de todas as atrocidades que a França
tenha se submetido no passado. Na Alemanha, no mesmo ano, o terceiro
maior partido da câmera de extrema-direita alegou que “nenhum outro país
sofre tanto com histórias falsas que a Alemanha”. A história – falsa – é usada
como arma política, mas também há a seletividade de informações que os
políticos fascistas trazem à tona para evitar qualquer mancha na reputação da
civilização gloriosa.
A história na política fascista é uma arma política. No entanto, nota-se
que essa memória coletiva e o esquecimento de alguns passos dados pelos
antigos é presente em grande parte da população americana, que tendem a
esquecer muito facilmente o genocídio indígena e a escravidão negra em seu
território. Os políticos fascistas apenas aproveitam essa situação para inflamar
ainda mais seus discursos nacionalistas.
A apelação à história para substituir o verdadeiro registro é comum e
essencial na política fascista. Viktor Orbán, na Polônia, exalta o passado
polonês que lutava contra os muçulmanos otomanos no século XVI e XVII com
o intuito de recuperar a “essência cristã do país”. Nos Estados Unidos o mesmo
aconteceu quando decidiu-se embranquecer a escravidão e retirar dos negros,
após a Reconstrução, o direito de voto. O que foi usado para justificar a
retirada desses direitos foi a ideia de que os negros não tinham capacidade
para governar, estavam envolvidos em políticas corruptas e que apenas os
brancos poderiam salvar a nação. Isso é, claro, um mito.
Lançado em 1935, o livro Black Reconstruction de W.E Du Bois trouxe a
verdadeira história por trás desse período controverso. Ele mostra que a
retirada do direito dos votos aos homens negros deu-se pelo menos dos
políticos brancos e as elites de que estes, os negros, fizessem um pactos com
os brancos pobres e ameaçassem sua hegemonia com um movimento
trabalhista. Du Bois mostrou que a época da Reconstrução foi de uma política
muito justa, e que os homens negros tinham grande habilidade política. Foi
apenas na década de 60 que o autor foi notado pelo seu livro.
Historiadores – brancos – fizeram essa reconstrução do período para
apaziguar os sentimentos dos americanos em relação ao passado racista dos
EUA. E fizeram isso conscientemente. Segundo Du Bois, os historiadores que
utilizam de uma história falsa para obter ganhos políticos sob os preciosos
ideais da verdade e da objetividade, são os culpados por transformar história
em propaganda.
CAPÍTULO 2: PROPAGANDA

A política fascista é, em sua essência, um grande perigo para os grupos


que não se encaixam em seus ideais de pureza, no entanto, para conseguir
chegar ao poder precisam utilizar-se de táticas para disfarçar esses
sentimentos pregressos. E como eles fazem isso? Através da propaganda. Os
fascistas conseguem manipular os eleitores, convencendo-os de que estão
apoiando uma determinada coisa, mas na verdade é totalmente ao contrário.
Um exemplo disso foi a atitude tomada pelo presidente Nixon que declarou
“guerra ao crime”: era na verdade, uma estratégia pura e explicitamente racista.
É marco da política fascista promover suas campanhas em torno da
anticorrupção, no entanto, os próprios políticos fascistas são mais corruptos
que aqueles que acusam dessa prática. Quando um fascista denuncia uma
corrupção sob o jugo da lei, na verdade, está julgando uma corrupção nas
normas tradicionais, uma corrupção do seu ideal de pureza. Obama muito
provavelmente era visto como um corrupto, pois se atreveu a assumir uma
posição que sempre foi branca. O mesmo acontece com mulheres, judeus,
homossexuais, muçulmanos que conseguem entrar em ascensão social,
política ou cultural. A política fascista é antidemocrática, mas tenta camuflar
através da propaganda.
Assim que chegam ao poder, os fascistas logo tratam de desarticular o
“Estado de direito” e substituindo juízes independentes por aqueles em que
confiam. A substituição se dá através de leis e é justificada sob acusações de
corrupção ou de parcialidade com o partido fascista que assumia o poder. Ou
seja, a política fascista suprime os poderes que podem limitar seus poderes em
nome de uma suposta “neutralidade mascarada”.
A política fascista também defende a liberdade e as liberdades
individuais, desde que estas estejam funcionando sobre a opressão de outros
grupos. Isso aconteceu mais explicitamente no sul dos EUA durante o período
escravagista. O sul era um terra de liberdade, desde que esta não se
estendesse aos negros, pois eles não eram dignos de se tornarem recipientes
de liberdade. A tática fascista de superioridade racial.
Os fascistas chegam ao poder através de instrumentos democráticos,
contudo, isso não significa que esses instrumentos sejam mantidos após os
fascistas assumirem o poder; isso não aconteceria. Qualquer aparelho que
colocassem em perigo a estabilidade do regime fascista seria desfeito. Hitler no
Mein Kampf idealizava a “verdadeira democracia germânica”, mas nunca
explicitou como seria essa democracia, logo, tem-se que não havia qualquer
indício de ser de fato uma democracia. O uso da liberdade, da democracia para
afirmar os ideais fascistas é comum: é o a utilização do próprio liberalismo para
construir uma postura decididamente antiliberal.
Sócrates, no livro 8 de A República, afirma que a democracia é um tipo
de governo autodestrutivo: a população não sentia a necessidade de um
autogoverno e procurava por um homem forte para governa-los, este mesmo
homem propiciaria o fim da democracia. E os fascistas sempre tiveram este
mesmo pensamento, usaram as táticas democráticas para tentar destruí-las
assim que chegassem ao poder. A liberdade de expressão, uma dos pilares da
democracia, é constantemente alvo dos fascistas: se você é um inimigo
fascista não poderá falar qualquer coisa deles, se você for aliado e precisar de
apoio moral sempre irá conseguir respaldado na “liberdade de expressão”. A
retórica pró-liberdade tomou formas dentro dos partidos de extrema-direita nos
EUA. No entanto, essa liberdade não é nada libertadora e inclusive é capaz de
ser responsável por políticas de genocídio e exclusão social.
O fascismo é, por si mesmo, o avanço do irracional sobre o racional, da
emoção fanática sobre o intelecto. Essa elevação é algo propagado através da
propaganda dos fascistas. O nazismo era de fato um regime irracional, mas era
propagada sob o slogan da “Razão’.

CAPÍTULO 03: O ANTI-INTELECTUALISMO

Uma das primerias decisões tomados pelos fascistas – estejam no poder


ou não – é atacar as instituições e aqueles que possam vir ameaçar o seu
regime autoritários. Um dos maiores inimigos dos fascismo é a educação, a
especialização e a linguagem. As universidades, um lugar em que convergem
todos os três tópicos, são alvos preferenciais dos fascistas. A educação dentro
da política fascista tem como único objetivo o estudo do passado mítico e a
consolidação da ideia hegêmonica.
Nas últimas décadas as universidade foram verdadeiros centros de
manifestações contra o sistema racista, sexista, classista e anti-guerra (anos
60). São manifestações legais, que não podem ser reprimidas, no entanto, os
fascistas dão um jeito de tentar reverter a situação: tendem a trocar a narrativa,
ou seja, fazem com que os protestos sejam vistos como algo ruim e que deve
ser combatido. Protestos acabam tornando-se, na visão fascista, baderna. Uma
vítima dessa tentativa de reverter o discurso, foi o Black Lives Matter, que
surgiu em 2015 buscando uma maior atenção para a hierarquia racial nos EUA.
Há uma intensa e explícita tentativa de retirar toda a credibilidade das
universidades em que há vozes dissidentes do regime fascista. Um método
bastante utilizado e que mais tarde se difundiu para além dos EUA, é a tática
de falar que o seu direito – ou o direito de pessoas da direita – de liberdade de
expressão está sendo sufocado por universidades esquerdistas. David
Horowitz, membro da extrema-direita americana, critica duramente as
universidades e os professores que considera “transgressores”. Ele criou
instituições que visavam a contratação de professores de direita, para que
houvesse uma “expansão do debate” dentro do universo acadêmico. No início
Horowitz era apenas mais um dentro da extrema-direita, no entanto, ele
ganhou notoriedade e suas táticas e esquemas passaram a ser usados com
força contra as universidades. O próprio governo Trump está associado ao
esquema de Horowitz. A deturpação do que seria “liberdade de expressão”
tornou-se essencial na retórica fascista para promover ataques ao
“politicamente correto” nas universidades.
As acusações de supressão da liberdade de expressão, obviamente,
carecem de legitimidade e não podem ser levadas a sério. Além disso, a
propaganda anti-intelectual costuma visar principalmente docentes e outros
funcionários “marxistas” ou da esquerda num geral. Algumas disciplinas, como
os estudos de gênero, são atacados enquanto há uma demasiada promoção
de outras (consideradas “úteis”). As universidades tornam-se, na visão dos
fascistas, propagadores de uma doutrina baseada no “marxismo cultural”.
Muitas vezes as pessoas que são taxadas como “marxistas” sequer tem
alguma aproximação com as teorias de Marx. A perspectiva dominante, a
fascista, tem que estar sempre em primeiro plano e, para isso, deve-se suprimir
todas as outras perspectivas que sejam críticas ao sistema hegemônico. E é
por isso que o feminismo é atacado, bem como os estudos afro-americanos e
ou estudos sobre o Oriente Médio nos EUA. A ideologia patriarcal fascista
rejeita veemente os estudos de gênero, por isso os ataques aos movimentos
feministas são recorrentes: o nacional-socialismo na Alemanha nazista atacava
o feminismo usando como justificativa uma possível tentativa de esterilização
das mulheres arianas.
Na Rússia aconteceu o mesmo, as universidades foram reorientadas,
sob o comando de Vladimir Putin, a serem críticas aos excessos liberais do
Ocidente. As universidades russas, então, passaram a figurar seus programas
curriculares como antifeministas e antigays, estudos de gênero, anti-aborto,
etc. Na Húngria e na Polônia os debates acerca dos estudos de gênero
também se fazem presentes, tidos como “transgressores”. Na Húngria essa
disciplina é até mesmo comparada ao marxismo-leninismo (mais uma vez, o
marxismo é utilizado como uma espécie de símbolo do mal). Nos EUA não é
diferente: em 2010, na Carolina do Norte, o presidente da Universidade da
Carolina do Norte, Tom Ross, foi destituído do cargo após uma ação conjunta
de republicanos de extrema-direita e do governador do estado americano.
É preciso deixar claro que a inclusão de discursos inflamados e de
ataques a direitos humanos não deve ser promovido, ou seja, o discurso
fascista deve ser afastado das universidades. É preciso garantir o estudo a
partir dos vários pontos de vistas e não apenas de um único, o do dominante.
Portanto, caba as universidades serem lugares para a expressão real de
liberdade de expressão e não de confrontos ideológicos sem fundamentos
impulsionados pelos devaneios da extrema-direita.
A educação, na ideologia fascista, tem como função incutir o sentimento
nacionalista nos estudantes através do estudo do passado mítico. Logo, as
universidades e escolas devem ser lugares onde o patriotismo, o saudosismo a
um passado inexistente, reinem. Há a promoção das hierarquias de classe, de
religião e também de raça (a europeia, branca). É aí também que entram a
supressão de disciplinas ligadas as áreas das ciências humanas e a
supervalorização de disciplinas que sirvam de aporte para uma futura carreira
de trabalho. Isso também significa suprimir a construção de um pensamento
crítico em torno do sistema hegemônico, tornando os cidadãos uma massa de
manobra. Tornar a educação um lugar onde apenas obras de autores brancos
europeus têm vez é arriscar que haja uma tentativa de impor a história branca
europeia como a única correta e que não pode ser questionada.
Viktor Orbán, primeiro ministro húngaro, seguiu bem a cartilha fascista
de suprimir a liberdade de expressão real e implantar o sentimento nacionalista
na educação. Assim que chegou ao poder, Orbán fez um reforma severa no
sistema educacional que considerava um verdadeiro reduto de ideais liberais; o
currículo fora modelado para promover o nacionalismo e o retorno ao passado
mítico. Na Túrquia, um movimento semelhante acontece promovidos por
Erdogán.
Os ataques constates as universidades, a educação num geral e aos
profissionais não é apenas uma tentativa de consolidar os termos hegemônicos
fascistas; é também a ação concreta dos líderes fascistas para agirem como
quiserem e sem qualquer tipo de crítica aos seus movimentos. Os debates
sofisticados são substituídos por um diálogo simples e populista, com a total
supressão da linguagem científica. A tática fascista é eliminar a possibilidade
de um debate político sólido e que seja de fato informativo, não uma
propaganda. Hitler utilizou e muito dessa tática de “popularização” da
linguagem. A retórica fascista não consiste em informar, mas sim de influenciar.
É a razão sendo suplantada pela emoção, pela irracionalidade.
Assim, a extrema-direita atua atacando professores considerados
“marxistas”, profissionais qualificados, o feminismo, atos antirracistas e
semelhantes. O debate político é substituído por um debate ideológico. Se as
universidades cederem aos ataques fascistas, tornarão lugares engessados e
totalmente anti-educação.
CAPÍTULO 04: IRREALIDADE

O desmonte da realidade proporcionado pela política fascista perpassa


pela destruição das instituições democráticas e pela condenação das
universidades. Quando a figura de um único político, ou partido, toma para si
toda a cena política e propaga seus ideais antidemocráticas e fantasiosas, a
realidade é descredebilizada. Por exemplo, quando a liberdade de expressão é
usada pelos fascistas, ela própria está sendo vítima desse discurso. A
informação é substituída pelo poder.
Um das formas mais eficazes de solapar a realidade de acordo com os
ideais fascistas é utilizar de teorias da conspiração para propagar suas
fantasias a fim de reunir a massa. Isso aconteceu nos EUA em 2016, na
Polônia, na Rússia, na Alemanha nazista, etc. As teorias da conspiração não
são informações comuns, algumas chegam até ser absurdas demais para se
acreditar, no entanto, o objetivo delas não é ser comum, e sim de suplantar
dúvidas naqueles que as ouvem em relação aos seus alvos.
Seguindo essa ideia, a imprensa liberal é também atacada por
supostamente não cobrir a realidade e darem força aos “males” que os
fascistas denunciam. A instituição democrática da imprensa é colocada contra
a parede. A teoria do Os Protocolos dos Sábios de Sião, base da ideologia
nazista, é talvez a teoria conspiratória mais famosa e bem sucedida de século
XX. Essa teoria diz que há um plano de domínio econômico e social por parte
dos judeus em todo o mundo. No entanto, ficou comprovado que essa história
nada mais que uma versão parodiada de um livro de Maurice Joly.
Nas eleições presidenciais estadunidenses de 2016, a candidata
democrata Hillary Clinton e toda sua equipe sofreram ataques incisivos em
forma de teorias conspiratórias. A mais notória foi a teoria do Pizzagate: essa
teoria vinculava Clinton e membros de sua campanha ao tráfico sexual de
crianças. A acusação, obviamente, era falsa. E a intenção não era dar
credibilidade a essa alucinação, mas sim vincular a imagem de Clinton a um
crime e desestabilizar a confiança dos eleitores. As teorias da conspiração não
devem ser tidas como informações comuns, até porquê seu intuito não é esse.
Seu objetivo é difamar seus alvos e não precisa ser necessariamente algo
minimamente plausível.
Donald Trump e os políticos de extrema-direta poloneses se
beneficiaram e muito da prática de difundir teorias da conspiração. Trump teve
espaço na Fox News para falar sobre uma suposta falsidade ideológica do
presidente Obama que, de acordo com Trump, seria um muçulmano disfarçado
de cristão para tomar o poder nos EUA. O PiS, partido de extrema-direita
polonês, utilizou de táticas parecidas com a de Trump para se promover
politicamente. E se não há espaço na mídia para essas teorias, quem as
articula logo falam sobre mascarar a realidade que eles propõem. Ou seja, se a
grande mídia não fala e não discorre sobre as conspirações é porquê ela está
se beneficiando da irrealidade. E novamente, não é necessário que esses
discursos sejam minimamente plausíveis, já que seu intuito é semear o
descrédito às instituições democrática. Viktor Orbán, por exemplo, tem um
discurso que o filantropo George Soros opera uma plano de extensão global de
dominação dos povos e não faz questão de esconder isso.
As teorias da conspiração não funcionam, obviamente com base na
racionalidade. A razão é suplantada pela emoção e pelo medo. As teorias
tornam-se racionais quando atuam sobre o medo. A população está pouco se
importando se são falsas ou não, se atinge os medos, os seus preconceitos,
ela logo irá se tornar parte da “realidade” e a razão estará de fora do discurso
político.
Se estamos numa democracia liberal, e a verdade sempre prevalecerá
nesse sistema, por qual motivo as teorias da conspiração são tão famosas e
tão amplamente divulgadas? John Stuart Mill fez uma defesa apaixonada sobre
a liberdade de expressão, e que ela deveria ser estendida a todos mesmo aos
mal intencionados. Na sua visão, o debate de opiniões opostas (não
importando se um lado utilizasse de falsidade) iria trazer a verdade à tona.
Podemos falar de um “mercado aberto de ideias” onde o fim seria a verdade
baseada na razão. Mas esse tipo de pensamento não enxerga a realidade dos
consumidores dessas ideias: há aqueles que preferirão a verdade, e outros
não. O modelo de Mill entende a conversação apenas como um meio de
informar, mas não se atenta de que também é usada para alavancar medos,
aprofundar preconceitos e instigar a mentira. A linguagem é usada para
transmitir emoções.
Enfim, permitir a propagação de todos os tipos de ideias, inclusas as
teorias da conspiração, é um erro para a democracia liberal e deve ser evitada
a todo o custo. A razão não deve ser suplantada pela emoção.
Quando a irrealidade faz sucesso, a imagem do “homem” prevalece, o
debate político é suplantado pelo poder e pela irracionalidade. Não há mais
uma realidade comum na qual possa se acreditar. Além disso, a política
fascista não busca apenas descredibilizar as instituições democráticas e as
universidades, mas tende também a provocar a divisão entre grupos sociais.
As relações de bem estar entre os cidadão estremecem na política fascista.
Donald Trump emergiu no cenário político por apresentar-se de modo
diferente do que, por exemplo, Hillary Clinton. Trump dizia defender o bem
comum, mas fazia isso atacando o bem comum. A premissa de que numa
democracia representativa os candidatos ideais para se eleger seriam aqueles
que dizem defender os valores democráticos, caiu por terra. Os casos de
corrupção e a não correspondência das expectativas do eleitorado, fez com
que figuras como Trump, que se apresentam como algo “novo”, emergissem e
ganhassem força no cenário político. Mas, além disso, é óbvio que esse tipo de
figura também alcança os eleitores que rejeitam os valores democráticos. Se
Trump quer angariar os eleitores pró-democracia, ele também tem de angariar
os antidemocracia. A política antidemocrática de Trump é explícita e ele não
faz questão de esconder isso. A verdade, mesmo ela sendo perigosa, soa
muito bem aos eleitores norte-americanos.
Platão já havia falado dos perigos que a democracia poderia passar com
a emergência da figura de um demagogo, que iria aproveitar-se da liberdade
democrática e colocar a si mesmo como um “substituto”. A extrema
desigualdade econômica é mortal para uma democracia liberal, onde pessoas
privilegiadas não enxerguem o seu privilégio e achem que estes foram
conquistados, e não consequência de décadas de exploração de outros grupos
sociais minoritários. A democracia liberal não pode resistir a desigualdade
extrema.
A realidade, na política fascista, é destruída e a democracia liberal se
extingue e a hierarquia prevalece.
CAPÍTULO 05: HIERARQUIA
Ao longo dos séculos e das décadas passadas nota-se um constante
aumento no interesse em expandir a cidadania para todos os habitantes
independentes de suas crenças, raça, gênero ou orientação sexual. É a
chamada igualdade liberal. Essa política, no entanto, não encontra forças na
teoria fascista e é tida como uma ilusão e uma quebra com o estabelecido pela
natureza. Isso quer dizer que, na visão fascista, a desigualdade é criada pela
natureza para manter o bom funcionamento da sociedade.
Há uma tendência humana de organizar a sociedade hierarquicamente e
a política fascista se aproveita disso, mas coloca a hierarquia como um fato
imutável. A ideia de que homens são superiores a mulheres é, por exemplo,
natural e assim deve permanecer para manter-se o “equilíbrio”. Em 1861, o
vice-presidente da Confederação, Alexander H. Stephens, proferiu um discurso
que ficou conhecido como Discurso da Pedra Angular, neste discurso ele
rejeita totalmente os ideias de liberdade propostos na Constituição
estadunidense e faz uma crítica forte aos estadunidenses abolicionistas. A
hierarquia de raça era presente naquela época e ainda é hoje. Algumas vozes
dissidentes no meio acadêmico alertam para uma possível relação genética
entre raça e crime, obviamente tentando macular a imagem do negro. Steven
Pinker, acreditava que um grupo de judeus era mais inteligente que outro.
Aqueles, os fascistas, que se dedicam a confrontar os ideais de igualdade e
buscar a causa natural delas, são vistos como corajosos e desbravadores por
não se renderem ao liberalismo.
A campanha de Trump mostra muito bem a ideia de que hierarquias
existem e devem de fato serem mantidas: quando Trump esbravejava seu ódio
pelo beneficiários “não merecedores” das benesses do governo dos EUA.
Quando tentado explicar o que seriam essas pessoas, os apoiadores de Trump
falaram de “preguiçosos”. Mas é costume nos EUA associar a imagem de
negros à preguiça. Os ideais de liberdade liberais são para todos, e não
apenas para alguns.
Estabelecer uma hierarquia nada mais é que um modo de obter poder e
glória. Os ideais do liberalismo recebem críticas de dois lados: da esquerda e
da direita. Os da esquerda argumentam que o ideal libertário não se aprofunda
nas raízes da desigualdade e que pode cair em contradição, sem uma
investigação necessária e profunda. Já os de direita argumentam que a
liberdade liberal é uma arma dos oprimidos para oprimi-los, através do ganho
de poder. Ambas as críticas, no entanto, se igualam na reclamação de que a
liberdade liberal ignora as distinções de poder. A esquerda diz que isso
consolida as desigualdades, e a direita argumenta que o “compartilhamento de
poder” causará a perda do status dos opressores.
A igualdade, segundo o fascista, é o cavalo de troia do liberalismo. Além
do temor de perder o status que possuem, os fascistas encaram também o
medo do reconhecimento igualitário através dos ideias de liberdade política
liberal. Os fascistas veem os liberais e os marxistas como promovedores de
“infecções”, que buscam tirar seus poderes através da igualdade política.
A hierarquia é usada também no fascismo como ferramenta de controle:
pode ser facilmente usada para alcançar o grupo dominante e tentar alertá-lo a
respeito de uma tentativa de “usurpação de poder” e assim ver a liberdade
liberal como uma fonte de vitimização. Há a construção de um mito sobre a sua
próprio superioridade. Impérios em declínio são bastante suscetíveis ao
discurso de vitimização e hierarquia fascista, afinal, estes são construídos e se
mantêm graças à uma hierarquia. Assim que a hierarquia imperial entra em
colapso, os problemas estruturais da sociedade são revelados. A política
fascista prospera no ambiente em que há muito ressentimento, humilhação e
destroços.

CAPÍTULO 06: VITIMIZAÇÃO

A emergência de grupos minoritários para posições que antes eram


ocupadas antes apenas pelo grupo dominante é vista como uma ameaça ao
seu reinado de opressão. Quando em 1866, a Lei dos Direitos Civis, promulgou
uma expansão da igualdade política para afro-americanos ela logo foi barrada
pelo presidente Andrew Johnson naquele mesmo ano, com a justificativa de
que seria um privilégio para os negros e algo que a raça branca não teve. Nos
EUA o mito da democracia racial prevalece: o poder econômico de brancos e
negro é o mesmo desde a época da Reconstrução. Não enxergar a realidade
não é ingenuidade, é um projeto.
Quando confrontados com uma expansão cada vez mais acelerada das
minorias, os membros do grupo dominante ficam temerosos e esse medo pode
e é usado como uma ferramenta política de grupos de direita. A ideia de dividir
o poder é impensável para o grupo dominante.
Como resposta à discriminação sofrida, grupos minoritários se puseram
à frente levantando bandeiras nacionalistas para defender-se: os judeus
sionistas contra o antissemitismo, os afro-americanos contra o racismo tóxico.
O uso do nacionalismo nas lutas anti-opressão também foi usada por Gandi na
luta anticolonialista na Índia. Esse tipo de nacionalismo, o que surge através
da opressão, não é fascista. E a diferença está justamente na finalidade da
luta: a busca pela igualdade. Na política fascista, o nacionalismo está atrelado
à dominação.
Essa diferença entre nacionalismo que surge através da opressão e do
nacionalismo pró-opressão se sustenta com base na visão que ambos tem
sobre a liberdade. Quando os membros do grupo dominante veem seus hábitos
e costumes sendo desmontados pela busca por igualdade, sentem-se como
estivessem de fato sendo oprimidos pelos grupos minoritários. A angústia
domina em ambos os tipos de nacionalismo.
Esse sentimento de angústia do grupo dominante é utilizado facilmente
na política fascista para justificar a opressão seja ela atual ou não. E é muito
fácil controlar alguém através da vitimização e do ressentimento por ela
sentido. A desigualdade estrutural é escondida pela política fascista que,
obviamente, não tem interesse de expor e de discuti-la publicamente. Os
brancos principalmente veem-se ameaçados com a constate luta pelo
reconhecimento da igualdade negra. O uso de um passado mítica é essencial
no sentimento de vitimização dos brancos, em sua maioria homens, e gera
uma expectativa, quando essa expectativa não é correspondida o que resta
apenas é a vitimização.
A política fascista aproveite deste sentimento para colocar um alvo nas
costas de um grupo que nada tem a ver com o este sentimento. A punição
desse grupo é o alvo da política fascista para suprir a expectativa dos
indivíduos aos quais quer ter em seu controle. Um exemplo é o patriarcado e a
misoginia: o patriarcado é uma estrutura que coloca ambos os gêneros como
opostos e um superior (masculino) ao outro (feminino); a misoginia é algo que
as mulheres sofrem quando a expectativa patriarcal não é correspondida.
No entanto, é preciso ter cuidado com as análises e perceber que o que
nasceu como um movimento em busca pela igualdade logo pode se tornar um
sistema opressivo. A exemplo dos sérvios que foram claramente alvos de
ataques no passado e vítimas de forte opressão e isso nem tão no passado:
milhares de sérvios foram assassinados na Segunda Guerra Mundial nos
campos de concentração. A atual geração sérvia tem, em seu interior, famílias
cujo passado é permeado pela opressão. E foi com a justificativa de opressão
sérvia no passado, que um grupo nacionalista perseguiu populações
muçulmanos minoritárias. A vitimização é também uma máscara para o
nacionalismo que surge sobre a opressão.
O nacionalismo é um componente mais que essencial na política
fascista. Há a construção de um “nós” e o “eles”: o “nós” está em perigo graças
ao “eles”, logo, o inimigo deve ser punido severamente. O sentimento de
ameaça nacional é capaz de mover um grande contingente de massa contra
um grupo minoritário que nada tem a ver com que fora dito pelos fascistas.
Viktor Órban, primeiro ministro da Húngria, propaga uma suposta “perseguição”
em massa de cristãos europeus. Ele justifica uma perda da “verdadeira nação
europeia” usando como base a expansão das políticas de imigração. O “eles”
nesse caso são os imigrantes. Órban emerge como uma figura política de
poder, sendo ele o único capaz de retomar de volta a glória do país como
defensora do cristianismo; os refugiados são vistos como monstros e
solapadores da hegemonia nacional húngara.

Você também pode gostar