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e-mail: cedetusa@cedet.com.br
Editor:
Thomaz Perroni
Assistente editorial:
Gabriella Cordeiro de Moraes
Capa:
Laura Barreto
Diagramação:
Virgínia Morais
Revisão de provas:
Juliana Gurgel
Mariana Souto Figueiredo
Conselho editorial:
Adelice Godoy
César Kyn d’Ávila
Silvio Grimaldo de Camargo
FICHA CATALOGRÁFICA
Briguet, Paulo.
O mínimo sobre distopias / Paulo Briguet
Campinas, SP: O Mínimo, 2023.
isbn 978-65-85033-15-2
1. Ciência política: Sistemas de governos e Estados: Governos autoritalistas 2. Política e
direitos civis: Direitos civis específicos: Limitação e
suspensão dos direitos civis 3. Literatura: Teoria e filosofia: Natureza e
caráter: Análise e crítica.
I. Autor II. Título
cdd — 321.9 / 323.49 / 801.95
ÍNDICES PARA CATÁLOGO SISTEMÁTICO:
1. Ciência política: Sistemas de governos e Estados: Governos autoritalistas – 321.9
2. Política e direitos civis: Direitos civis específicos: Limitação e suspensão dos direitos
civis – 323.49
3. Literatura: Teoria e filosofia: Natureza e caráter: Análise e crítica – 801.95
www.ominimoeditora.com.br
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Sumário
DISTOPIAS: A DIVINA COMÉDIA DOS TEMPOS MODERNOS
1984: O I DE W S
BIBLIOGRAFIA
N R
DISTOPIAS: A DIVINA COMÉDIA
DOS TEMPOS MODERNOS
Q
uando você descobriu que estamos vivendo dentro de uma
distopia? Qual foi a experiência determinante para que você se
visse como um personagem de 1984, Admirável mundo novo ou
Fahrenheit 451? Vasculhe a sua memória, faça um exame de
consciência, repasse os acontecimentos dos últimos anos. Certamente
você encontrará inúmeros momentos em que a sua inteligência foi
desafiada pela incongruência entre a evidência dos seus sentidos e as
narrativas apresentadas pelo sistema de poder por meio de seu porta-
voz, a mídia. Talvez você não saiba, mas tudo isso que estamos
vivendo e sofrendo atualmente já foi previsto por grandes escritores,
confirmando a profética máxima de Hugo von Hofmannsthal:
A expressão criada por Thomas More foi usada mais tarde, entre o
final do século XVIII e o início do século XIX, para designar
ironicamente uma categoria de pensadores europeus que defenderam a
implantação de sociedades ideais. São os chamados socialistas
utópicos, como Robert Owen (1771−1858), Charles Fourier
(1772−1837), Pierre-Joseph Proudhon (1809−1865), e Louis Blanc
(1811−1882). Eram pensadores excêntricos, para dizer o mínimo. O
francês Fourier, por exemplo, imaginava a sociedade dividida em
falanstérios, pequenas cidades de dois mil habitantes que funcionavam
de maneira mecânica e extremamente organizada.
V ocê já ouviu essa frase? Você às vezes sente que está sendo
observado? Você às vezes pensa que um poder central está
acompanhando e controlando todos os seus passos, todas as suas
palavras e até os seus pensamentos? Então talvez você se identifique
com Winston Smith, o protagonista do romance 1984, de George
Orwell.
O autor da presente carta, condenado ao castigo mais elevado, apela ao senhor com um
pedido de mudança de punição. Provavelmente, o senhor conhece meu nome. Para mim,
como escritor, ser privado de escrever é como uma sentença de morte. Ainda assim a
situação que se delineou é tal que não posso continuar meu trabalho, pois nenhuma
atividade criativa é possível em uma atmosfera de perseguição sistemática, que aumenta de
intensidade ano após ano.9
Lembremos que Orwell escreveu 1984 nos seus anos finais de vida,
devastado pela morte da esposa e pela tuberculose, em meio ao clima
da Guerra Fria que se iniciava. Escritor digno de figurar no panteão da
literatura inglesa, Orwell faz Winston Smith escrever o seu manifesto
em um livro com as páginas em branco. Talvez essa tenha sido a
tragédia de Winston. Ao contrário de Orwell, Winston não soube
encontrar dentro de sua própria alma as vozes da cultura e do espírito,
que são a base de toda ação humana. Ainda assim, o funcionário do
Ministério da Verdade, nosso Virgílio no Inferno da distopia, soube
deixar-nos pelo menos uma mensagem alentadora:
Ao futuro ou ao passado, a um tempo em que o pensamento seja livre, em que os homens
sejam diferentes uns dos outros, em que não vivam sós — a um tempo em que a verdade
exista e em que o que for feito não possa ser desfeito: da era da uniformidade, da era da
solidão, da era do Grande Irmão, da era do duplipensamento — saudações!11
ADMIRÁVEL MUNDO NOVO:
IMAGINE NÃO HAVER PARAÍSO
Um Estado totalitário verdadeiramente eficiente seria aquele em que os chefes políticos de um Poder Executivo
todo-poderoso e seu exército de administradores controlassem uma população de escravos que não tivessem de ser
coagidos porque amariam sua servidão.
— Aldous Huxley
E mWorld),
1932, quando publicou Admirável mundo novo (Brave New
Aldous Huxley já era reconhecido como o autor de
Contra-
Nenhum Inferno abaixo de nós Acima de nós, só o céu Imagine todas as pessoas Vivendo o
presente
Você pode dizer que eu sou um sonhador Mas eu não sou o único
Espero que um dia você se junte a nós E o mundo será como um só
(Ato V, I)
Acho que você já entendeu, mas não custa dizer: nós somos os
Selvagens.
FAHRENHEIT 451: O DA VIDA
BOMBEIRO, O FOGO E A ÁRVORE
O livro se virou e lutou, como se fosse um animalzinho branco pego pelo fogo. Parecia muito querer viver, se
contorceu e se acendeu e um sopro de vapor gasoso emanou dele. Folha a folha, foi queimando, como se mãos de
fogo virassem cada página, explorando e queimando com o mesmo fogo. [...] O livro agora era uma tocha cada vez
menor. Só restava Shakespeare.
A figura do bombeiro-incendiário é um
poderoso símbolo da inversão ontológica
da realidade que caracteriza as sociedades
distópicas.
O bombeiro que provoca incêndios é o irmão do jornalista que
desinforma, do médico que se nega a curar, do juiz que desrespeita a
lei, do artista que abomina a beleza, do intelectual que se orgulha da
ignorância, do professor que não ensina, do liberal que defende a
censura, do tolerante que baba de ódio.
O seu despertar não é fácil. Primeiro, ele descobre que sua vizinha
Clarisse, o ser angelical que havia tocado seu coração, desapareceu
repentinamente — provavelmente havia sido executada pelo governo.
Depois, ao revelar suas inquietações para a esposa, Montag confirma
que ela está vivendo em uma realidade paralela, da qual não pretende
escapar. A vida de Mildred resume-se a assistir às intermináveis
novelas que passam em imensas telas instaladas nas paredes e a
interagir com os personagens das novelas como se fossem pessoas da
família.
Mas a pior provação de Montag será enfrentar o capitão Beatty, o
chefe dos bombeiros. Montag decide desafiar a lei e guardar livros em
casa. Pior que isso, começa a lê-los. Certa noite, diante de Mildred e
suas aterrorizadas visitantes, Montag recita os versos de A Praia de
Dover, do poeta metafísico inglês Matthew Arnold (1822−1888):
Ah, o amor, sejamos sinceros
Um com o outro! Pois este mundo, que parece Estar para nós como um país de sonhos
Tão belo, tão diverso, tão recente, Não tem luz, nem amor, nem alegria,
Nem certeza, nem paz, nem pensa a dor; E aqui ficamos como em sombria planície Entre
loucos alarmes de luta e fuga, Onde exércitos cegos chocam-se à noite.30
Claro!
Eu sou A república de Platão. Gostaria de ler Marco Aurélio? O senhor Simmons é Marco
Aurélio.
Quero que conheça Jonathan Swift, autor daquele pernicioso livro político, As viagens de
Gulliver. E esse sujeito aqui é Charles Darwin, e este aqui é Schopenhauer, este outro é
Einstein, e este aqui ao meu lado é o senhor Albert Schweitzer, um filósofo realmente gentil.
Estamos todos aqui, Montag. Aristófanes, Mahatma Gandhi, Gautama Buda, Confúcio,
Thomas Love Peacock, Thomas Jefferson e o senhor Lincoln, se você quiser. Somos
também Mateus, Marcos, Lucas e João.
Por isso, não é fruto do acaso a escolha da obra que Guy Montag faz
para se tornar ele próprio um homem-livro: “E do outro lado do rio,
está a árvore da vida que produz doze frutos, dando o seu fruto de mês
em mês, e suas folhas servem para curar as nações”.33
O bombeiro escolheu a vida eterna — e deve ser por isso que a sua
história tocou tanto o meu coração, quando a ouvi pela primeira vez,
há 40 anos.
— perguntou ela.
(Lc 5, 6−8)
Q
uando li pela primeira vez as três distopias mais famosas —
1984, Admirável mundo novo e Fahrenheit 451 —, eu era um
adolescente afastado de qualquer senso religioso. Jovem
militante, irritavam-me em Orwell as evidentes críticas ao sistema
comunista. Lembro-me de um ensaio de Isaac Deutscher (o biógrafo
de Trotsky) em que o autor atacava ferozmente a utilização de 1984
como propaganda anticomunista; e eu concordava com Deutscher. À
época, jamais me incomodou o espírito descrente de Orwell.
Tampouco o jovem idiota que eu era tinha horizonte intelectual para
compreender o espiritualismo oriental de Huxley ou para interpretar
as referências de Bradbury ao Eclesiastes e ao Apocalipse. E foi só
aos 50 anos — duas décadas depois de meu retorno à Igreja Católica
— que vim a conhecer O senhor do mundo, a distopia cristã que
Robert Hugh Benson publicou em 1907.
O Senhor disse-lhe:
“Que fizeste! Eis que a voz do sangue do teu irmão clama por mim desde a terra”. (Gn 4,
9−10)
Marcado por Deus com um sinal para que ninguém o matasse, Caim
é condenado a vagar pelo mundo e vai morar na terra de Nod, a leste
do Éden.
Até este ponto, a história de Caim é conhecida por todos. Há, porém,
mais um detalhe sobre Caim que, em geral, fica esquecido. Após
conhecer sua mulher — cujo nome não sabemos —, Caim se torna
construtor da primeira cidade, a primeira pólis.
Caim não pede perdão a Deus depois de cometer o seu terrível crime;
ele não se arrepende do que fez, porque prossegue em sua rebelião
metafísica contra o Criador. Entre os descendentes de Caim, está
Lamec, que diz a suas mulheres:
Por uma ferida matei um homem, e por uma contusão um menino. Se Caim será vingado
sete vezes, Lamec o será setenta e sete vezes. (Gn 4, 23−24)
Bom dia. Senhor Paulo Briguet? Bom dia, sou eu mesmo. Em que
posso ajudar? Somos da Comissão Checadora. Temos aqui um
mandado de busca e apreensão de livros.
O vira-lata latiu.
O senhor dos anéis. Então você acredita mesmo que o mundo será
salvo quando vier um Rei? Espera o dia em que os Orcs sejam
exterminados? Caiu na conversa de um velho tradicionalista católico?
Acha que nossas crianças precisam ouvir histórias racistas e
preconceituosas? Vai pra pira!
BIBLIOGRAFIA
ALIGHIERI, Dante. A divina comédia. 4ª ed. São Paulo: Editora 34,
2017.
. A divina comédia. 7ª ed. São João del-Rei: Villa Rica Editora, 1991.
BRANDÃO, Ignácio de Loyola. Não verás país nenhum. 28ª ed. São
Paulo: Global Editora, 2019.
2 ORWELL, 1984, 2021, p. 11. (Os detalhes de cada edição se encontram na Bibliografia ao
final do livro).
3 Ibid., p. 24.
4 Ibid., p. 92.
5 Ibid., p. 158−159.
6 Ibid., p. 63−64.
8 Ibid.
11 Ibid., p. 34.
12 Relativo a Ivan Petrovich Pavlov (1849−1936), fisiologista russo, que ficou famoso por
suas experiências de condicionamento com cães, relacionando estímulos externos a respostas
fisiológicas.
14 Ibid., p. 76.
15 Ibid., p. 117.
16 Ibid., p. 65.
17 Ibid., p. 64.
18 Ibid., p. 55.
19 Ibid., p. 56.
20 Ibid., p. 59.
21 Ibid., p. 280.
22 Ibid., p. 8.
23 Ibid., p. 9.
28 Ibid., p. 87.
29 Ibid., p. 63−64.
30 Ibid., p. 115.
31 Ibid., p. 155.
32 Ibid., p. 167.
33 Ibid., p. 180.
39 Ibid., p. 202.