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RONALD SETH

40 ANOS DE
ESPIONAGEM SOVIÉTICA

Tradução de CAIO DE FREITAS

EDIÇÕES BLOCH 
Copyright © 1965 Ronald Seth 

Primeira edição brasileira: 1968 

Traduzida de Forty Years of Soviet Spying, publicada por


Canel & Co. Londres 

Capa de Enio Damazio 

Contratados todos os direitos de edição por BLOCH


EDITORES S. A.

Rua Frei Caneca, 511 — Rio de Janeiro, GB — Brasil 

Printed in Brazil 

PREFÁCIO

O motivo que me levou a escrever este livro é simples.


Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, a atenção
pública tem sido despertada por uma série de incidentes
dramáticos. Exemplo: as defecções de Gouzenko, no
Canadá; de Pavlov, na Austrália; e, em particular, os
casos de Nunn May, Fuchs, Pontecorvo, Lonsdale, Blake e
Vassal. Todos esses incidentes vieram evidenciar a
imensa ramificação da espionagem soviética. As
autoridades responsáveis não perderam a oportunidade
de demonstrar, através de intensiva divulgação dos
fatos, o que os espiões russos e os traidores pró-
comunismo representam para nós na era nuclear. E
somente os espíritos extremamente displicentes não se
deixaram impressionar pelas informações, tornadas
públicas.

Examinando a questão com isenção de ânimo, pareceu-


me, entretanto, que o quadro exibido se mostrava, de
alguma forma, destorcido. Fui levado a essa conclusão ao
verificar, em conversa com amigos, que apenas alguns
deles — que não eram peritos em espionagem —
julgavam que, embora tivesse sido maciço o esforço da
espionagem soviética no pós-guerra, contudo, ele mal
ultrapassou o que fora realizado no período anterior ao
conflito.

Penso, também, que o sensacionalismo, que tem


acompanhado as revelações sobre a espionagem
soviética, venha constituindo, igualmente, um erro de
julgamento. Todas as vezes que é dado um alarma sobre
as atividades de um espião nuclear, uma atmosfera de
quase pânico logo o envolve, à guisa de transparente
cortina de fumaça, criada não pelo público em geral —
embora inevitavelmente ele seja afetado —, mas por
diferentes tipos de políticos. O medo deturpa o
julgamento. Em face de tal ameaça, é essencial que se
tenha serenidade, para que o movimento de reação
possa ser eficiente. Pessoalmente, acredito que, se o
público tivesse um exato conhecimento da espionagem
russa, o pânico — ou mesmo qualquer tendência para a
formação de um ambiente de pânico — poderia ser
facilmente neutralizado.

Não são somente os políticos e a imprensa que têm sido


culpados dessa situação. Muitos livros sobre a
espionagem soviética surgiram, nestes últimos vinte
anos, e não há um só deles que se revele isento, até
certo ponto, de sensacionalismo. Em muitos casos,
mostram-se deturpados até no que diz respeito aos fatos.
Nos Estados Unidos, uma importante obra foi publicada:
A Espionagem Soviética — escrita por David J. Dallin.
Talvez por que se trate de um trabalho de erudição,
destinado mais a especialistas e a estudiosos do que ao
público em geral, não teve a virtude de ser largamente
difundido. O Mundo Ocidental, portanto, não dispõe, cm
circulação, de qualquer relato das atividades da
espionagem soviética, do qual se possa valer. Foi para
preencher essa lacuna, pois, que escrevi, este livro.

Não posso alegar que tenha tratado, exaustivamente, da


espionagem soviética. Para se realizar essa tarefa,
muitos volumes seriam necessários. Espero, não
obstante, que tenha alcançado meu duplo objetivo.
Procurei apresentar meu material, de maneira
desapaixonada; e esforcei-me por dar uma impressão,
tão minuciosa quanto possível, da espionagem soviética
nos quarenta anos de sua atividade.

 
Primeira Parte
DESENVOLVIMENTO E
ORGANIZAÇÃO
 
1. A Tradição do Serviço Secreto na
Rússia

Segundo a lenda, nos meados do século IX depois de


Cristo, os russos, concentrados na comunidade comercial
de Novgorod, enviaram a seguinte mensagem a Rurik,
chefe dos Varangianos: “Nosso país é grande e bonito,
mas nele não existe ordem. Venha e nos governe!” Lenda
ou não, o fato é que um Rurik fundou uma dinastia e
esta, no decorrer de um período de quinhentos anos,
fundiu os numerosos pequenos principados, ali
existentes, numa única nação, sob a égide de Moscou.

Esse período histórico foi encerrado por uma invasão


tártara, desencadeada por Batu Khan. Os invasores se
infiltraram no império consolidado e o governaram por
dois séculos e meio, quando, por sua vez, foram
expulsos, em 1492, por Ivã, o Grande. O neto desse herói
foi Ivã, o Terrível — contemporâneo da Rainha Elizabeth I,
da Inglaterra — e do seu reinado nasceram os princípios
do governo autocrático, ao lado dos quais a teoria do
direito divino dos reis, dos Stuarts, parece um simples
arremedo.

Ivã conquistou esse cognome, o Terrível, por sua dureza


e crueldade, embora tenha sido, na realidade, um
administrador de larga visão. Em face da perseguição
que desencadeou contra as classes privilegiadas, sempre
viveu ameaçado de morte. Como medida de proteção
pessoal, organizou, então, uma Guarda Pretoriana,
denominada Oprichniks.

Os Oprichniks ocupam um lugar de relevo nesta


narrativa. Foram os precursores da Okhrana, da Cheka,
da OGPU, da NKVD e da MGB, enfim da polícia secreta
russa, e cuja única função, através dos séculos, tem sido
a de proteger fisicamente os governantes do país, quer o
regime tenha sido autocrático-despótico, quer despótico-
socialista. Que os ditadores da Rússia tivessem
necessidade da proteção dos Oprichniks é perfeitamente
compreensível, quando se leva em conta que só
dificilmente se descobre um deles que não houvesse
governado sem qualquer excesso. Em sua maioria,
sempre se comportaram em oposição ao bem-estar e à
felicidade de seus súditos.

Essa característica da realeza russa torna-se


particularmente relevante, no que diz respeito aos
Romanovs — a dinastia fundada pelo boiardo Miguel
Romanov, em 1612, e que, ininterruptamente, reteve as
rédeas do poder até o advento dos bolchevistas. Durante
os cento e cinquenta anos que precederam o fuzilamento
do último czar, em 1918, três dos seus antecessores
haviam sido assassinados e, mesmo os que morreram de
morte natural, nunca estiveram livres da possibilidade de
um fim violento.

Em face do que até aqui dissemos, duas conclusões


podem ser tiradas. Em primeiro lugar, o medo de ser
assassinado e a forte possibilidade de que isso pudesse
ocorrer tornaram essencial, para os czares, que fossem
protegidos por uma Polícia Secreta, capaz de descobrir as
conspirações antes que viessem a furo. E a segunda
conclusão — um corolário da primeira — é que os longos
séculos de subjugação, em que viveu a Rússia,
condicionaram de tal maneira a massa de sua população
à aceitação da tirania da Polícia Secreta que essa carga,
que lhe tem pesado nos ombros desde o advento de seus
novos líderes até o fim da era stalinista, acabou por lhe
parecer tolerável. De fato, os habitantes do império
moscovita nunca viveram livres dessa opressão. O que
lhes aconteceu foi, tão-somente, a troca de um
despotismo por outro, sem qualquer diferença entre
ambos.

Provavelmente nenhum outro país — excluída talvez a


Prússia, durante o predomínio do grande Guilherme
Stieber, como chefe da Inteligência de Bismarck — já
sofreu maiores pressões do Serviço Secreto do que a
Rússia. Em relação, então, aos últimos cento e cinquenta
anos, essa assertiva não comporta dúvidas. Os czares,
desde Ivã, o Terrível, sempre procuraram preservar suas
vidas, lançando mão da espionagem protetora dos seus
guardas secretos. Não foi, portanto, Nicolau I quem
lançou as bases do sistema que, ainda hoje, influencia a
máquina de espionagem da União Soviética.

Nicolau I não possuía qualquer das tendências liberais


que seu irmão, Alexandre, foi tentado a dar expressão. A
revolta dos Dekabristi — como posteriormente ficou
conhecida, ocorrendo logo no início do seu reinado, teria
eliminado certamente qualquer tendência de semelhante
conteúdo, se, por acaso, uma idéia liberal jamais
houvesse germinado em seu espírito. Sufocou a revolta
rápida e brutalmente. Enforcou os seus chefes. E enviou
mais de uma centena de pessoas — todos, oficiais e
membros de boas famílias — para o exílio na Sibéria.

Esta foi a primeira vez que o exílio na Sibéria — que se


iria tornar uma das mais importantes armas de todas as
subsequentes organizações de segurança da Rússia — foi
empregado como punição. E parece ter sido ele o
precursor de outras inovações, nas tentativas czaristas
de governar pela eliminação.

Determinado a estar preparado, no futuro, para fazer


frente a qualquer sublevação, que lhe pudesse ameaçar
o trono, Nicolau instituiu, então, um Corpo Especial de
Segurança, no comando do qual colocou o Conde
Constantino Benckendorff. Esse aristocrata não deve ser
confundido com seu filho, o Conde Alexandre
Benckendorff, que foi embaixador russo em Londres, de
1908 até sua morte, em 1917. Benckendorff realizou os
desejos do seu senhor, de maneira tão eficiente, que não
tardou a criar uma atmosfera de terror, não somente no
espírito do homem das ruas, mas, igualmente, no seio
das autoridades administrativas. Mesmo assim, Nicolau
não se mostrou satisfeito. Pouco depois, criou uma outra
organização, conhecida como a Terceira Seção, cujo
chefe dispunha do poder de enviar para o exílio, no prazo
de algumas horas qualquer cidadão russo,
independentemente de sua posição, e sem ter de
explicar as razões para tão drástica medida. E o pior: não
havia recurso contra as decisões da Terceira Seção.

O sucessor de Nicolau foi, talvez, o mais humano de


todos os ocupantes do trono russo. Começou a reinar,
como já vimos, com as melhores intenções e, mesmo,
tentou pô-las em prática, adaptando-as, tanto quanto
possível, à sua interpretação das funções da monarquia.
Dissolveu o Corpo Especial de Segurança e a Terceira
Seção e libertou todos os prisioneiros que ainda estavam
vivos nas masmorras da última organização. O
liberalismo de Alexandre II, porém, não chegou a minorar
o sofrimento da grande massa de seus súditos. Ao ser
vítima de uma tentativa de assassinato, reagiu,
instituindo um governo tão impiedoso como havia sido o
do seu antecessor. Quando, em consequência de seus
violentos métodos de repressão, explodiu um movimento
revolucionário, mais amplo e mais ativo que qualquer
outro anteriormente planejado, decidiu lançar mão da
mesma espécie de proteção, com que os últimos czares
se haviam cercado. Mas isso de nada serviu. No dia 13 de
março de 1881, uma bomba explodiu sob a carruagem
imperial e, embora o czar ficasse ileso, alguns membros
da sua comitiva foram mortos ou saíram feridos. Quando
desceu da carruagem, para verificar a extensão do
atentado, outro petardo foi atirado contra ele. Como
resultado da segunda explosão, seu filho Nicolau II
ascendeu ao trono russo.

Nicolau II, talvez levando em conta o completo fracasso


do liberalismo paterno, revelou-se um reacionário, da
maior violência. Uma das suas primeiras providências foi
converter a administração numa autocrática forma de
governo, nunca ultrapassada por outro czar. Para
combater os revolucionários, que intensificavam suas
atividades à medida que se enriquecia o regime,
organizou, à custa de fabulosas despesas e com
tremendo esforço, uma força policial secreta,
denominada Departamento Oficial de Proteção. Do nome
desse Departamento, em russo — Ikhrannoye
Otdyelyenye —, surgiu a sigla com que passou à História:
Okhrana.

Por essa ocasião, os revolucionários não apenas haviam-


se organizado no interior da Rússia, mas, também, no
exterior, e cabia à Okhrana a responsabilidade de manter
sob vigilância esses conspiradores. Para realizar esse
objetivo, ela introduziu um drástico regulamento relativo
à concessão de passaportes e enviou agentes a todos os
conhecidos refúgios de revolucionários, eLivross por
vontade própria. Essa última providência, constituindo
uma característica raramente observada nas atividades
das Polícias Secretas, permaneceu como uma indelével
marca da espionagem soviética. É que, mesmo hoje, as
responsabilidades pelo serviço de vigilância no exterior
estão afetas, em todos os países, às Secretarias de
Estado mais usualmente relacionadas com a segurança
interna — os Ministérios ou os Conselhos de Segurança
Nacional.

No plano doméstico, a Okhrana desenvolveu sua


atividade, lançando mão de um sistema de vigilância em
massa. Essa orientação, por sua própria natureza, exigia
não só a mobilização de um gigantesco número de
agentes das mais variadas espécies, mas, também, a
existência de uma organização bem maior do que
qualquer outra, anteriormente ou desde então criada.
Mas, tanto no que dizia respeito ao modo de realizar o
seu trabalho, quanto à natureza de seus objetivos, a
Okhrana sempre se revelou uma instituição ridícula.
Permanentemente, removia montanhas para, no final,
dar à luz grotescos ratos. Seus dirigentes eram membros
da aristocracia e da burocracia e, para eles, o objetivo
principal não estava na defesa do regime. Preocupavam-
se apenas com sua permanência nos cargos, ou com a
obtenção das promoções, que aspiravam. Esse
comportamento, como seria de esperar, deu origem a
rivalidades, em detrimento dos resultados positivos que,
por sua importância, a organização naturalmente deveria
obter. Além disso, a não-cooperação dos adversários
constituía uma causa de permanente inquietação para o
egoísmo desses policiais. Embora os revolucionários
viessem crescendo em número à medida que se enrijecia
o regime de Nicolau, só ocasionalmente assumiam
atitudes que poderiam ser consideradas perigosas e
ameaçadoras. Desde que — na opinião deles — um
homem podia demonstrar seu valor tanto por conservar-
se no cargo, como pelas promoções que recebesse, os
longos períodos de quietude revolucionária não poderiam
ser, de forma alguma, do agrado dos dirigentes da
Okhrana. Assim, numa tentativa de criar um ambiente de
ação, passaram eles a lançar mão, com frequência, de
um tipo de agente que as organizações de segurança
que se respeitam, só em último recurso empregam — o
agente provocador. Esse repugnante tipo de policial tem
por tarefa aparentar amizade, com o objetivo de realizar
a traição, ou provocar inconfidências que possam ser
interpretadas como subversivas, muito embora ele
próprio soubesse que suas vítimas não passavam de
honrados e pacatos cidadãos. Esses agentes eram postos
em atividade pela Okhrana, tanto no plano interno, como
no exterior.

A extensão do caminho que a Okhrana percorreu, para


poder apresentar alguns resultados, foi, de modo geral,
digna de riso. Quando os bolchevistas — suas antigas
vítimas — assumiram o poder da Rússia, divulgaram os
arquivos secretos da organização, e o que veio a público,
então, dava a impressão a quem se deu ao trabalho de
examiná-lo — de não passar de um amontoado de
fantasias, criadas por um idiota de aldeia. Mas, fantasia
ou não, a Okhrana, pela iniquidade mesma do seu
trabalho, sempre inspirara terror e apreensão no seio dos
inocentes.

A história que Vassal contou, relativa ao início do seu


envolvimento pela espionagem soviética — que é
perfeitamente crível para quem conheça alguma coisa
sobre a maneira como essa organização opera —, indica
que, a esse respeito, a influência da Okhrana ainda
empresta certo colorido às forças russas de segurança.
Não se limita a isso a semelhança que existe entre a
organização do passado e a que, ali, funciona nos
tempos modernos. A atual espionagem soviética, como
fazia a Okhrana, também se apoia, para seu êxito, num
número fabuloso de agentes.

A Okhrana expandiu-se através da Rússia e pesou sobre


a sua cena doméstica pelo período de trinta e cinco anos.
Não estava preparada, porém, para os objetivos, para os
quais havia sido criada. E um deles era justamente
prevenir ou evitar atentados. Dessa forma, ela extinguiu
no desastre que coroou todos os seus fracassos — o
fuzilamento do czar Nicolau, em 1918, na adega de
Ekaterinburg.

Apesar de toda a sua deficiência, a Okhrana, entretanto,


preservou uma tradição de séculos — tradição que,
embora nunca houvesse sido seguida por qualquer outro
país da Europa, não iria extinguir-se nem mesmo com a
sua dissolução. 

 
2. Início da Espionagem Soviética
no Exterior

Os homens que assumiram a responsabilidade de


ordenar e conduzir os negócios da Rússia em 1917 já
dispunham de uma longa experiência das coações
peculiares à Polícia Secreta. É que haviam sido eles,
antes da Revolução, suas principais vítimas. Nessas
condições, estavam a par das deficiências da Okhrana,
mas sabiam, por outro lado, que deveriam proteger-se.
Com efeito, revelar-se-iam inapelavelmente ineptos se
não reconhecessem que, embora já livres do punho de
ferro do czarismo, tinham pela frente grande número de
compatriotas seus que não concordava com a ideologia
que pregavam, nem aceitava o regime que impuseram
ao país.

Durante o período de suas atividades clandestinas, os


revolucionários haviam adquirido certa experiência
prática de espionagem, visto que, para contrabalançar as
investidas da Okhrana, tiveram de se empenhar em
vastas operações secretas. Como não lhes fora possível
obter qualquer instrução profissional, viram-se obrigados
a aprender muitas coisa de segunda mão ou a recorrer
ao próprio bom senso. Como o bom senso constitui a
base desse gênero especial de segurança, representando
mesmo o elemento mais importante para uma
espionagem bem sucedida, temos de concluir que aos
revolucionários não escasseariam meios para fundar uma
organização que possuísse todos os méritos de um bom
serviço secreto, sem acusar qualquer dos defeitos da
tradicional espionagem russa. Já que não realizaram
qualquer dessas coisas, necessário se faz que
procedamos, aqui, a um breve exame do trabalho que
levaram a efeito, e nos estendamos numa apreciação, de
certo modo detalhada, sobre o que parece ser o
procedimento característico, ou a concepção, dos russos
no que diz respeito à espionagem.

Muito embora as atividades da Okhrana houvessem sido


na maioria das vezes ridículas, o partido revolucionário,
dentro da Rússia, frequentemente era, por elas,
perturbado em suas tentativas de se fundir numa
agremiação de força e de ação eficiente. A maior
dificuldade que se apresentava a esses conspiradores era
descobrir qual poderia ser o agente de segurança que,
por acaso, se houvesse infiltrado em seus conselhos,
com o objetivo de denunciar, a seus superiores, tudo o
que pudesse saber sobre a identidade dos
revolucionários e dos planos que tinham em mente
executar. O desprezível duplo-agente Eugene Azeff —
que começou sua carreira como um agente provocador
da Okhrana, quando ainda estudante — obteve
sucessivas promoções enquanto foi considerado, por seu
chefe, como um dos seus mais eficientes operadores. Por
mais de vinte anos, ele liderou a organização terrorista
Narodnaya Volya, para a qual planejava assassinatos e
fabricava bombas com as próprias mãos e, ao mesmo
tempo, traía os companheiros revolucionários,
denunciando-os aos seus patrões da Okhrana.

Existiram outros agentes na Rússia como Azeff — embora


não tão afortunados — e, através desse trabalho em
conjunto, a Okhrana conseguiu descobrir a identidade de
quase todos principais chefes da Revolução, como, por
exemplo, Lenin, Trotsky e o casal Zhitlovsky. Quando
esses líderes foram libertados, ou fugiram da prisão ou
do exílio na Sibéria, viram-se obrigados a buscar refúgio
no exterior, a fim de não terem suas atividades
interrompidas.

A esses homens e mulheres preeminentes juntaram-se


hostes de membros menos importantes do Partido, os
quais se consideravam planejadores ou formuladores de
teorias — mais instigadores de ação do que propriamente
homens de ação —, que deveriam traçar diretrizes, guiar
os destinos da agremiação, dirigir a Revolução e retornar
à pátria para se encarregarem dos negócios do país sob
o novo regime. A sabedoria de terem buscado refúgio no
exterior, de onde podiam orientar suas atividades
revolucionárias, é evidente em excesso para exigir
explicação. Os grupos de emigrados se concentraram,
em sua maioria, nas capitais e nas grandes cidades
européias, entre as quais Viena, Munique, Paris, Zurique
e Londres, e nelas instalaram seus escritórios.

Como inevitavelmente acontece quando um novo


movimento, dirigido por homens de espírito simples, mas
de decisão, passa do estágio incipiente da conspiração
para uma face convida de realizações, surgiram logo, no
seio dos eLivross, numerosas divergências de opinião.
Divergências quer de fórmula, quer de ação. Ocioso será
considerá-las neste momento, exceto que essas
discrepâncias de ponto-de-vista impuseram a
necessidade de um maior contato entre os diversos
grupos e de um mais estreito intercâmbio entre grupo e o
Partido, no interior da Rússia, que deveria ser o exército
da Revolução.

Essa situação exigia, pois, uma constante movimentação


de emissários e, dessa maneira, as duas seções do
Partido adquiriram sua primeira experiência na realização
de uma verdadeira espionagem. Por consenso geral, as
atividades do Partido, no interior da Rússia, seguiam uma
linha clandestina. E essa atitude de cautela — precária,
como era — não poderia ser classificada, realmente,
como sendo espionagem. Era tão importante, porém, que
as mensagens dos líderes emigrados alcançassem seus
seguidores na Rússia — para que suas reações fossem
conhecidas no exterior — que todas as precauções eram
tomadas, no sentido de que os portadores enviados
obtivessem pleno êxito em suas missões. De todas as
atividades desse gênero, as desempenhadas pelo jornal
Iskra, dirigido por Lênin, foram as que se revelaram de
maior envergadura e acusaram mais proveitosos
resultados.

Após ter sido libertado de seu exílio de dez anos na


Sibéria, Lênin fugiu da Rússia para a Alemanha. Nesse
último país, fundou o Iskra — A Faísca, da qual a labareda
nasceria — e, através de suas colunas, divulgava tudo
quanto se relacionava com os interesses do Partido,
particularmente a sua doutrina. Dez mil exemplares do
periódico — juntamente com panfletos de propaganda,
instruções, armas e explosivos — com intervalos
irregulares, eram contrabandeados para o interior da
Rússia. E esse material subversivo, após haver cruzado,
em segurança, a fronteira, era então distribuído, através
de uma rede de agentes especializados, por toda a
extensão do território russo.

A experiência de cada seção do Partido não era utilizada


apenas em atividades de espionagem. A Okhrana fazia
frequentes e bem sucedidos esforços para se infiltrar nos
vários grupos revolucionários existentes tanto no país
como no exterior e, a esse respeito, dois relevantes
êxitos da organização devem ser ressaltados. O primeiro
deles foi representado pelo comparecimento de agentes
da Okhrana, disfarçados em delegados, ao Congresso do
Partido Social Democrático Russo, realizado em Zurique,
em 1897. E o segundo concretizou-se através da eleição,
em 1910, de Kukushkin — um agente da polícia — para
as funções de presidente do Comitê Revolucionário de
Moscou. Os revolucionários estavam cientes dos
esforços, realizados pela Okhrana, no sentido de
introduzir seus agentes secretos nas fileiras do Partido e
se mantinham em permanente vigilância. Desse modo,
acabaram por adquirir valiosa experiência no campo da
contraespionagem.

Os revolucionários, contra-atacando, adotaram uma


tática idêntica a empregada pela Okhrana. Assim é que,
muitos anos antes da época calculada para o
irrompimento da Revolução, já dispunham de numerosos
agentes ocultos em todos os departamentos do governo
czarista, mas excluindo a própria Polícia, o Ministério da
Guerra e grande número de unidades do Exército. Dessa
forma, quando assumiram o poder, puderam contar,
desde logo, com uma vasta corporação de homens
especializados nas atividades de espionagem — embora
essa experiência fosse de certa forma restrita —, para
formar o embrião do primeiro Serviço Secreto Soviético.

Quanto ao conceito que faziam dos requisitos de


precauções que a situação em que se encontravam
requeria, os revolucionários, quando assumiram o
comando do controle nacional, encararam a Rússia como
uma vastidão sem limites, de incalculável população, no
seio da qual se ocultavam numerosos inimigos seus, cuja
quantidade, nem de longe, poderiam avaliar. Faltando
lhes uma verdadeira experiência profissional nesse
campo — como, aliás, em quase todos os demais
aspectos de governo — acreditavam que, para protegê-
los, e também ao novo regime, um vasto corpo de
agentes se tornava necessário. Em face disso, quando
julgaram oportuno, instituíram uma organização que, em
relação a esse objetivo, não só ultrapassou a própria
Okhrana, mas se revelou, mesmo, bem mais complexa
do que esta outra organização, notável pelas mesmas
características: o Serviço Secreto Prussiano, criado por
Guilherme Sileber.

Dentre os membros fundadores do bolchevismo — os


"velhos bolchevistas” — havia um homem que se
destacou dos demais por sua experiência em todos os
gêneros de atividades clandestinas. Era Félix Dzerjinsky
— antigo aristocrata polonês e filho de um grande
proprietário rural. Inicialmente, juntou-se ao movimento
como estudante, tornando-se membro do Partido
Revolucionário Socialista, que abandonou pouco depois,
para aderir ao Partido Social Democrático do Trabalho,
ideologicamente mais aceitável. Quando, em 1903, se
deu a cisão entre os bolchevistas e os menchevistas,
uniu-se aos primeiros, que constituíam a facção de Lênin.
Foi a Dzerjinsky que Lênin deu ordens, em 1917, para
que organizasse o Serviço Secreto Soviético.

Coube a Dzerjinsky, em primeiro lugar, controlar todas as


linhas de comunicação. Desempenhou com tal sucesso
essa tarefa que numerosos membros da administração
Kerensky só souberam que tanto eles como seus
partidários, os menchevistas, não mais estavam no
poder, somente algumas horas após Lenine e os
bolchevistas haverem assumido o controle do governo.

Desse momento em diante, Dzerjinsky dedicou-se, de


corpo e alma, a seus deveres, trabalhando com rapidez.
No dia 20 de dezembro de 1917, dois meses depois de
ter as rédeas na mão e seis semanas após seu partido
haver assumido o poder, elevou o status da Subcomissão
de Segurança, transformando-a na poderosa Comissão
Extraordinária de Combate à Contrarrevolução e à
Sabotagem. Das iniciais das duas primeiras palavras de
seu título em russo — Chrezvychaynaya Komisiya (Ch-k)
— foi tirado o diminutivo Cheka.

As funções desempenhadas pela Cheka eram de dupla


finalidade. Devia organizar, em primeiro lugar, uma força
política, que controlasse as atividades dos
contrarrevolucionários — isto é, de todos os indivíduos
hostis ao novo regime —, estabelecendo,
simultaneamente, um Serviço de Inteligência para fazer
frente às atividades dos espiões do Exército Branco e dos
agentes secretos estrangeiros, como Sir Paul Duke e Sir
Robert Lockhart e seus colegas, originários dos dois
principais países “intervencionistas”: os Estados Unidos e
a França. Competiria à Cheka, em segundo lugar, instituir
um Serviço Secreto exterior. Tão grande foi, porém, a
oposição que o novo regime sofreu, no interior da Rússia,
que o principal esforço dessa Comissão, nos seus seis
primeiros anos de atividade, teve de se concentrar na
manutenção da segurança interna, resultando daí que a
organização de um Serviço Secreto, no exterior, fosse
grandemente retardada.

Embora Lenine não tivesse em mente uma data certa


para o desencadeamento de uma revolução que
colocasse o comunismo na chefia do poder em todos os
países, esse retardamento determinou enorme alteração
em seus planos. Se a Cheka não se podia transformar, de
imediato, num instrumento da revolução mundial,
enquanto isso acontecesse, outra organização deveria
ser criada, a qual, congregando todos os comunistas
estrangeiros, preparasse o terreno para um trabalho mais
intenso da própria Cheka, quando a hora H soasse. E foi
assim que, em 1919, nasceu a Internacional Comunista,
ou o Comintern. Como instrumento de congregação, esse
novo órgão representou um fracasso. Como veículo de
lançamento das bases da espionagem externa, porém,
obteve certo êxito, embora, mesmo nesse terreno, sua
capacidade de ação não se houvesse revelado
particularmente eficiente.

A luta contra as forças da Rússia Branca cessou em


princípios de 1922, e, no dia 11 de fevereiro desse
mesmo ano, a Cheka foi rebatizada com o nome de
Administração Política do Estado (Gosudarstvennoye
Politicheskoye Upravlenye) — a GPU — uma organização
que, enquanto existiu, deveria ser mais temida do que
jamais o foram a Okhrana e a Cheka. Tendo suas tarefas,
no campo interno, sido suavizadas em consequência do
término da guerra civil, ela imediatamente se voltou para
o terreno internacional, onde suas atividades desde logo
foram grandemente intensificadas.

Nos dois anos seguintes, a GPU experimentou a


possibilidade de uma estreita cooperação com o
Comintern, mas, em 1924, quando tiveram início as
relações diplomáticas entre a União Soviética e a Grã-
Bretanha, ela procurou instalar sua rede própria de
espionagem e aprimorou sua organização interna. Desse
modo, podemos dizer que a espionagem russa no
estrangeiro, na forma em que já nos habituamos a
analisá-la, realmente começou naquele ano. O
desenvolvimento, registrado nesse serviço, deu origem,
também, à necessidade de uma alteração em sua
designação, por isso que, em substituição ao nome
primitivo, ela passou a ser chamada "Obiedinennoye
Gosudarstvennoe Politicheskoye Upravlenie”, ou,
simplesmente, OGPU.
A OGPU operou pelo período de 10 anos, mas, ao ser
dissolvida, em julho de 1934, suas funções foram
absorvidas pelo Departamento do Comissariado do Povo
para Assuntos Internos, ou seja, o NKVD. Essa fusão se
prolongou até cinco meses antes do começo da guerra
germano-russa, quando o Departamento foi elevado a
Comissariado, tornando-se conhecido como Comissariado
do Povo para Segurança do Estado, cuja sigla era NKGB.
Essa organização, entretanto, teve curta duração.
Exatamente um mês após a invasão do território russo
por Hitler, foi ela rebaixada de categoria, voltando a
constituir um departamento do NKVD. Funcionou, assim,
por dezoito meses e, então, novamente ascendeu ao
status de Comissariado, em abril de 1943. Quando, em
março de 1946, todos os Comissariados se
transformaram em Ministérios, alterou-se, também, sua
sigla, que passou de NKGB para MGB. Após a queda de
seu infame chefe, Lavrenti Béria, que se seguiu à morte
de seu protetor Stálin, em 1953, o MGB foi novamente
unido ao Ministério do Interior. Essa situação se
prolongou por um ano — até março de 1954 —, quando
se tornou, mais outra vez, uma unidade separada, sob
um novo título — Comitê de Segurança do Estado (KGB)
— e, assim, continua funcionando.

Todas essas alterações, tanto em seu status como em


suas designações, não afetaram, porém, o papel que a
organização desempenha na cena política russa, muito
embora essa sucessão de siglas, mais ou menos
enigmáticas, venha constituindo como como que quebra-
cabeça para os não iniciados no denominado regime das
democracias populares. Nos regimes ocidentais, duas
organizações distintas, funcionando isoladamente e com
uma bem determinada divisão de responsabilidades,
estão encarregadas de assegurar um perfeito serviço de
segurança: uma para capturar espiões que agem dentro
do país — contraespionagem — e outra para realizar
espionagem em países estrangeiros. Na França, a
primeira dessas organizações é representada pelo
Deuxième Bureau; e a segunda, pela Intelligence. Nos
Estados Unidos, essas organizações são representadas,
respectivamente, pelo FBI e pela CIA; e na Grã-Bretanha,
pelo MI 5, o qual, apesar de seu prefixo militar, é
autônomo e só responsável perante o Primeiro-Ministro
—, como acontece com o Deuxième Bureau, e, às vezes,
com o Cinquième Bureau, na França — e pela
Intelligence, popularmente conhecida como o Serviço
Secreto Britânico.

O que surpreende e parece singular ao observador


ocidental, no que diz respeito ao sistema russo, é que a
responsabilidade pela espionagem no exterior é atribuída
a um departamento de Estado, ao qual estão afetos os
problemas da segurança "interna”. Os russos sempre
argumentaram que sua espionagem no exterior não é
uma atividade externa, isto é, ofensiva, mas levada a
efeito simplesmente com o objetivo de defender a
segurança do Estado, ou, por outras palavras, que é uma
atividade defensiva. Logicamente, essa argumentação
não deixa de ter fundamento. Entretanto, seja qual for a
definição ou de que forma são controlados seus órgãos
de espionagem, a ação final do sistema soviético não se
tem revelado inferior, no que diz respeito à eficiência, à
do duplo sistema, em uso em qualquer outra parte do
mundo. De fato, uma boa razão poderia demonstrar sua
superioridade em relação ao sistema duplo, uma vez que
a contraespionagem e a espionagem se apoiam em
bases comuns. A contraespionagem mobiliza seus
agentes meramente para desmascarar espiões, e esses
agentes, por sua vez, empregam os mesmos métodos de
operar, utilizados pelos espiões, no encalço dos quais são
postos a agir.
Se os chefes soviéticos alguma vez tivessem tido a
intenção de transformar seu Serviço Secreto num
sistema de dupla linha de ação — o que nunca aconteceu
—, a experiência que adquiriram no desdobramento das
atividades do Comintern, sem dúvida, os teria forçado a
pensar duas vezes sobre o assunto. Com efeito, o
Comintern não somente fracassou em sua tarefa de
atrair, em quantidade compensadora, os trabalhadores
mundiais para o campo comunista, como, também, os
controladores e planejadores das operações clandestinas,
que ele deveria empreender, revelaram-se
particularmente ineptos para levar a efeito a tarefa que
lhes competia.

Concentrando-se na rápida tomada do poder pelos


comunistas, em antecipação à revolução mundial,
preconizada por Lenine, o Comintern apoiou todos os
movimentos subversivos que tiveram lugar em alguns
países europeus. Lamentavelmente para os objetivos
russos, esses levantes falharam, resultando, desses
fracassos, o quase completo aniquilamento das hostes
comunistas, levado a efeito tanto pelas forças da
democracia como pela reação dos regimes totalitários.
Esses acontecimentos — a supressão da rebelião
spartaquista em Berlim; o aniquilamento, em três
semanas, da República Soviética Bávara; o colapso do
regime de Bela Kun, na Hungria; a derrota infligida por
Mussolini e seus fascistas aos comunistas italianos que
pretendiam provocar uma guerra civil, na Itália —
redundaram numa imensa nódoa nos anais do
Comintern, tão grande mesmo que deu margem a uma
situação de mal-estar, próxima do pânico, em Moscou.

Foi nesse período — que pareceu ser uma fase de grave


perigo para a concepção de uma revolução mundial —
que o colapso da contrarrevolução dos Russos Brancos
aliviou a Cheka da maior parte da pressão que ela vinha
exercendo sôbre o povo, no interior da Rússia, e lhe
proporcionou a oportunidade de voltar sua atenção para
o exterior. Ainda sob a integral liderança de Dzerjinsky, o
recém-criado Departamento Estrangeiro (INO) foi
colocado sob a direção do Primeiro Vice-Presidente da
Cheka, M. A. Triliser, um veterano comunista, com longa
experiência de operações secretas.

O INO, sob as mãos e os aguçados olhos de Triliser,


transferiu-se para o campo de ação do Comintern e,
gradualmente, retirou dele a maior parte das atividades
exclusivamente de Inteligência que, anteriormente, lhe
competiam. As únicas atividades clandestinas que,
efetivamente, permaneceram na esfera de ação do
Comintern foram as de divulgar propaganda e provocar
agitação.

Enquanto o INO da OGPU — como, então, passou a ser


conhecido — operava por si mesmo, certa transformação
— considerada na ocasião, como devendo ser temporária
— simultaneamente se verificava na maneira dos
soviéticos tratarem as potências não-comunistas,
transformação esta que deveria ter reflexos na
consequente estrutura do INO, uma vez que se lhe
abriam novos campos para a espionagem. A situação
econômica da Nova Rússia e, particularmente, a
extremamente grave escassez de víveres compeliram
Lenine e seus co-líderes a abandonar alguns dos
princípios básicos do comunismo revolucionário. Cerca de
três a quatro mil fábricas tiveram de ser devolvidas á
iniciativa privada e, para reestruturar a indústria, tornou-
se necessário que se atraíssem capitais e técnicos
estrangeiros. Em face dessa situação, negociações foram
automaticamente entabuladas com os capitalistas, que
iriam fornecer os recursos financeiros e o know how
técnico de que os russos precisavam, e a adoção dessa
política — como será detalhadamente explicado em outra
parte deste livro — abriu novos rumos para a atividade
do INO.

O abandono do isolacionismo, entretanto, iria criar a


necessidade não só da criação de missões diplomáticas
no exterior, mas, também, a da promoção de encontros
com delegações do comércio, e, em face disso, a OGPU
viu-se-lhe abrirem, igualmente, novas oportunidades. O
Comintern nunca poderia ter tirado partido dessas
oportunidades — não era objetivo seu —, mas ao INO
caberia fazê-lo. A despeito do fato de que essa última
organização houvesse posto sob seu controle os agentes
do Comintern, algum tempo lhe foi necessário ainda para
organizar seus novos equipamentos e, assim, dois anos
se passaram antes que o INO pudesse entrar em ação,
numa frente mais ampla.

Pode-se dizer, entretanto, que, desde 1924, a


espionagem russa nunca olhou para trás. Concebido em
ampla escala para criar uma envergadura mundial, o
Serviço Secreto Soviético, até recentemente,
ultrapassava, em volume de pessoal, qualquer outra
agência nacional de espionagem. (Segundo parece, a
CIA, agora, se lhe iguala numericamente.) Os resultados
apresentados por esse Serviço, pelo menos durante os
últimos 15 anos, por incrível que pareça, não
corresponderam, entretanto, ao esforço feito. De fato,
nada realmente importante fora por ele realizado, antes
que a traição de Nunn May e de Fuchs lhe proporcionasse
a oportunidade de entregar, ao seu Governo, vitais
segredos atômicos, com os quais os cientistas russos
puderam compensar o atraso de dez anos em que se
encontravam, em relação aos seus colegas dos Estados
Unidos e da Grã-Bretanha, no terreno da tecnologia
nuclear. Foi a existência de uma organização assim tão
vasta, mas de capacidade de ação aparentemente tão
falha, que levou as potências não-comunistas a
ridicularizarem as tentativas soviéticas de realizar uma
perfeita espionagem. E essa atitude escarnecedora foi a
causa do grande erro, cometido por aquelas mesmas
potências, de não se conservarem atentas aos padrões
da espionagem soviética e de se mostrarem descuidadas
em relação aos recursos da sua própria
contraespionagem.

Essa atitude, agora, está alterada. O impacto da


humilhação é um eficiente professor. Atualmente a
“ameaça de espionagem soviética" tornou-se uma
manifestação de supercautela em relação ao poder
oculto da Rússia. Conquanto essa precaução represente
uma providência útil e necessária, ainda há pessoas que
veem na atual sensibilidade das nações um perigo, que
deve ser controlado. Julgam que, dela, emerge um medo,
que pode limitar as liberdades fundamentais do homem,
e, no desenvolvimento desse processo, vai-se
preparando — de maneira mais segura do que pelo roubo
de segredos muito bem guardados - o terreno para a
concretização daquele antigo ideal de Lênin, em favor da
instituição de um mundo inteiramente comunista.

Lênin almejava conseguir rapidamente a realização


desse seu mais caro desejo. Quando viu que isso não
ocorreria, profetizou então — sem abandonar seu ponto-
de-vista — que a dominação do mundo, pelo comunismo,
seria atingida em época oportuna. Como um instrumento
para a realização desse desígnio, a espionagem soviética
adquiriu, nos dias atuais, um papel preeminente —
situação esta que foi construída em mais de quarenta
anos de atividade. Quarenta anos, porém, representam
apenas uma fração de segundo na História da
Humanidade e, portanto, essa realização da espionagem
soviética, correspondentemente, não deixa de ser
notável.

A verdadeira medida da altura em que se encontra


atualmente a espionagem soviética pode ser avaliada
somente se seu progresso em sentido ascendente for
seguido; e é isso o que este livro tentará fazer.

Antes de entrarmos em considerações sobre as


atividades especificas, através das quais esse crescente
progresso foi conseguido, torna-se necessário, porém,
que tomemos conhecimento do trabalho de
estaqueamento que lançou os alicerces, sobre os quais a
inteira estrutura do sistema, hoje, repousa — assuntos de
natureza variada, como, por exemplo, organização,
recrutamento e treinamento e, pelo menos, um
componente mais característico desse serviço secreto,
cuja singularidade mais expressiva é a promoção da
expansão de suas atividades, através de uma única linha
de ação. * 

*  Neste livro deverei revelar, de nôvo, a história da


OGPXJ, do NKGB, do MVD, ou do KGB — ou como quer
que o serviço seja denominado.

Em antecipação aos reparos dos meus leitores mais


inclinados a críticas, julgo que devo adiantar que não
ignoro a existência de uma outra e muito importante
organização de espionagem da União Soviética. Trata-se
do Quarto Departamento do Estado-Maior do Exército
Vermelho, mais amplamente conhecido como a
Administração Central de Inteligência (GRU). Este
Departamento foi criado por Trótski quando, entre 1918 e
1925, desempenhava as funções de Comissário de
Guerra, e era sua intenção fazer da GRU a principal
Agência de Informação da União Soviética. Êsse órgão se
assemelha muito aos departamentos de Inteligência
militar de outras potências, usando os diversos adidos à
representação diplomática, e seus auxiliares, como seus
principais agentes.

A superioridade da GRU sôbre outros serviços de


espionagem nunca foi estabelecida, já que o KGB sempre
fôra considerado a principal das agências. A GRU só se
tomou preeminente, entretanto, durante a Segunda
Guerra Mundial, quando a obtenção de Inteligência
verdadeiramente militar se tomou essencial para a
segurança da Rússia.

Mas, aqui, nós nos deparamos, novamente, com um


estranho estado de coisas. A linha divisória entre a GRU
e o KGB — para usar suas atuais siglas — nunca foi
claramente definida, e há muitos casos em que as
atividades das duas organizações se entrelaçam. O KGB
sempre foi considerado como a agência “principal” já que
lhe tem cabido o direito de fazer a triagem do pessoal da
GRU e de manter seus próprios agentes dentro das
fileiras daquela organização, enquanto à GRU é negado o
direito de reciprocidade, em relação ao KGB.

O Exército tem relutado em aceitar essa situação, mas


nunca se mostrou capaz de corrigi-la. Por diversas vêzes,
entretanto, ergueu-se em desafio ao KGB. O único
período em que houve alguma cooperação entre as duas
agências foi durante a Segunda Guerra Mundial.
Terminado o conflito, porém, o KGB readquiriu
novamente a sua superioridade. Justamente porque o
KGB sempre desfrutou dessa superioridade, é que me
concentrei nêle, mas haverá um ou dois casos, nos quais
irei referir-me às atividades da GRU. Quando isso
acontecer, terei o cuidado de identificá-las.
3. Organização e Administração

A organização do KGB foi erigida através dos anos. Seu


desenvolvimento se processou à medida que se
ampliavam os objetivos de suas atividades e a
experiência tornava evidente tanto o que era preciso ser
feito, de tempos a tempos, para a execução de sua
política, como quais as providências que deveriam ser
tomadas para a realização das finalidades exigidas pela
hierarquia soviética. Em várias ocasiões, nos últimos
quarenta anos, verificaram-se alterações de rumo. Estas,
entretanto, tiveram pouco efeito no funcionamento geral
da organização, exceto, talvez, em relação à sua
eficiência operacional. Conquanto não seja possível dar-
se uma detalhada descrição da atual organização do
KGB, as linhas gerais da sua estrutura, sem dúvida,
podem ser revelados, e a revelação dessa síntese
estrutural, aliás, representa tudo quanto nos é necessário
para tornar compreensível a expansão desse órgão, já
que suas atividades constituem assunto da maior parte
deste livro.

O quartel-general do Serviço Secreto Soviético —


comumente conhecido como o Centro — está dividido em
dois Diretórios, cada qual sob a responsabilidade de um
chefe, que tem a categoria de subministro.

O primeiro Diretório, como é chamado, assemelha-se


mais ou menos às Agências de Informações, existentes
em qualquer país. O Segundo Diretório, porém, é
adaptado apenas às peculiaridades da Rússia Soviética.
Conquanto o Primeiro Diretório tenha o subtítulo de
Diretório de Contraespionagem, suas funções são — um
tanto paradoxalmente para a compreensão dos
ocidentais, pelas razões já enumeradas no capítulo
precedente —, entre outras, as de empregar agentes no
estrangeiro para colher informações estratégicas em
geral, e de coordenar e calcular os resultados obtidos
pelas agências de informações, menores e mais
especializadas, do Ministério das Relações Exteriores e
do Ministério do Comércio Externo.

O Primeiro Diretório é constituído de seis divisões


principais, das quais a primeira é a Divisão Estrangeira,
cujas atribuições fazem com que ela seja a de maior
importância. Compete-lhe controlar todos os agentes
secretos, estabelecer tarefas e coletar os resultados
obtidos pelas redes. Além disso, cabe-lhe orientar as
buscas de informações secretas e distribuir as que
houverem sido obtidas.

A Segunda Divisão é a Divisão Operacional. Sob a


orientação da Divisão Estrangeira, ela dirige como o
nome indica, as operações em curso realizadas pelos
agentes, controla as redes, seleciona os espiões a serem
mandados para o exterior, ou aconselha sobre processos
de recrutamento. Por outro lado, essa Divisão opera
sobre o possível material de espionagem que seus
funcionários recrutadores, espalhados pelo mundo, lhe
submetem. Mantém agentes especiais em todas as
embaixadas russas, nos consulados e em qualquer
missão oficial ou delegação soviética no exterior.
Estabelece, ainda, contatos entre as redes, onde essa
providência se faz necessária, e organiza as
comunicações.
A Divisão de Comunicações é responsável pela
manutenção prática dos contatos. Além disso, se um
agente se deixou comprometer e tem de empreender
uma retirada às pressas da cena ou, se escapa após ter
sido preso, é esta Divisão que traça a rota da fuga.
Coube a essa seção do Serviço Secreto Russo a
organização do itinerário da fuga de Pontecorvo e de
Burgess e Maclean para a Rússia.

A Divisão Secreta é, de fato, um serviço de


documentação. É função sua suprir qualquer espécie de
documento forjado de que um agente possa necessitar e,
com esse objetivo, mantém o que se pode considerar a
mais importante coleção de documentos autênticos que
possa existir.

Além de seu departamento de falsificações, essa Divisão


está aparelhada para confeccionar qualquer tipo de
uniforme, fazer mapas ou condecorações que lhe possam
ser solicitados. Uma de suas seções é incumbida de
inventar estórias fictícias, enquanto que outra fornece os
indispensáveis códigos, as tintas secretas, a
aparelhagem para micropontos e os conjuntos de rádio
de que os agentes possam necessitar.

A seção mais interessante, dentro dessa Divisão, é, sem


dúvida alguma, o Index que, provavelmente, será única
no mundo, pelo menos no que se refere à sua
minuciosidade. A Gestapo nazista possuía uma
organização mais ou menos semelhante, mas não era,
nem de longe, tão apegada a detalhes e de alcance tão
vasto quanto essa seção do KGB.

O Index, em síntese, não passa de uma vasta seleção de


biografias de personalidades que possam, mesmo
remotamente, ser de algum uso, em qualquer época,
para a espionagem soviética. Além de informações sobre
a filiação, lugar exato do nascimento, grau de instrução,
carreira, detalhes de família, amigos e os elementos que,
comumente, podem ser utilizados para se fazer uma
idéia do que tenha sido o passado de um homem ou de
uma mulher, essas biografias registram, igualmente, o
pensamento e as simpatias políticas dos biografados,
com detalhes sobre suas relações com os empregados, o
estado de suas finanças — quanto ganham, se têm casa
própria, se possuem automóvel etc. — e a relação das
suas dívidas, o que é de grande importância. Nesses
arquivos, existem, também, informações sobre se o
indivíduo é casado, se é bom chefe de família ou se é
namorador — seja casado ou solteiro —, se bebe (e
quanto?), se sua mulher tem alguma influência em suas
ações e, por fim, toda a “sujeira” que, em relação a ele,
possa ser recolhida, o que, na opinião desses técnicos, é
quase tão importante quanto uma lista completa de suas
dívidas ou um relato de suas inclinações políticas ou da
maturidade de seu senso de julgamento. O objetivo
principal é descobrir tanto as fraquezas como as
resistências desses indivíduos, uma vez que a fraqueza
pode ser aproveitada ou usada como chantagem para
induzir um elemento relutante a colaborar.

O Index foi, inicialmente, introduzido no Serviço Secreto


Russo pela Okhrana, quando esta tentava ter sob
controle os revolucionários, e estes, mais tarde, o
copiaram e o empregaram em suas tentativas de aferir a
lealdade dos membros do Partido e de desentocar
possíveis infiltrações da Okhrana. Foi adotado e
expandido por Mikhail Triliser, quando este se tornou o
primeiro chefe do INO, já que, nas duas décadas
anteriores à Revolução de 1917, ele fora encarregado
dos arquivos do Partido. Da expansão, comparativamente
reduzida, levada a efeito por Triliser, o Index passou a
crescer rapidamente, até se transformar numa
poderosíssima arma nas mãos do famoso Béria,
constituindo a base de seu tremendo poder sobre todos
os demais membros da hierarquia soviética, sem
exceção, mesmo, de Stalin.

O Index contém os nomes e as particularidades não


somente de homens e mulheres que possam ser úteis à
espionagem soviética, mas, também, daqueles cuja
integridade é absoluta e cuja lealdade, ao próprio país,
não pode ser posta em dúvida. Tal fato pode ser
considerado como um indiscutível sintoma de que a
preocupação do domínio mundial é, ainda, um
importante dogma do comunismo, caso uma prova dessa
natureza fosse necessária. O que resta saber é se esses
homens e mulheres, insuspeitos quanto à sua
integridade e lealdade, não seriam justamente as
primeiras vítimas do expurgo, que, com certeza, se
seguiria à revolução mundial, se essa, por acaso, algum
dia fosse levada a efeito.

Calcula-se que cerca de 250 pessoas são empregadas


para manter o Index em dia. A exatidão em todas as suas
informações tem sido testada em diversas ocasiões.

A sexta, e menos importante Divisão do Primeiro


Diretório é a Divisão de Treinamento e Recrutamento,
cujo trabalho será objeto de referência nos subsequentes
capítulos.

O Segundo Diretório, como já foi dito, não encontra


similar fora da Rússia Soviética e dos seus países
satélites, pela simples razão de que a maior parte de
suas funções nunca seria tolerada numa democracia.
A Divisão de Propaganda possui funções que seu
inocente nome pretende encobrir. Seu principal objetivo
é enfraquecer, quebrar e, consequentemente, destruir as
forças da lei e da ordem em países não-comunistas e, por
essa forma, preparar o caminho para um governo
comunista. Para atingir esse fim, essa Divisão mantém
contato com os partidos comunistas nos diferentes
países e se revela especialmente ativa naqueles em que
essas agremiações políticas foram suprimidas por ação
das autoridades. Utiliza-se de seus próprios agentes, cuja
principal missão é angariar informações políticas e criar
grupos subversivos que entrarão em ação quando se
fizer necessário e que, enquanto esperam, estarão
trabalhando silenciosa, mas ininterruptamente, para
minar as instituições em vigor.

A Divisão Individual é a doublé daquela Seção de


Segurança de Estado que, por ordem do Partido, fiscaliza
a fidelidade dos cidadãos soviéticos que vivem na própria
Rússia.

Essa Divisão controla, igualmente, o comportamento dos


cidadãos soviéticos que trabalham no exterior, desde os
embaixadores até os motoristas das embaixadas (estes,
às vezes, são altos membros da Divisão de Estrangeiros
do Primeiro Diretório). Cada missão diplomática ou
consular, toda delegação, quaisquer grupos de atletas,
de atores, de dançarinos, de cantores ou de músicos, que
viajam para fora da União Soviética, levam, como adidos,
agentes da Divisão Individual. Às vezes, esses agentes se
veem na situação de passarem por néscios, em face da
atitude assumida por alguns elementos sob o seu
controle, os quais, como, por exemplo, o bailarino
Nureyev e outros conseguem iludir essa vigilância e pedir
asilo político. Elementos dessa Divisão vigiam, também,
os agentes que trabalham para qualquer das outras
divisões ou seções do serviço de espionagem soviética.

A expansão do comunismo pelos países da Europa


Oriental, no pós-guerra, constitui a razão de ser da
Divisão Aliada. A polícia de segurança e os serviços de
espionagem da Polônia, Tchecoslováquia, Romênia,
Hungria e Bulgária são supervisionados pelos
representantes russos do KGB. Em relação à Alemanha
Oriental, esses departamentos são, atualmente, dirigidos
por oficiais russos, e o mesmo acontecia na Albânia, até
que surgiram, dentro do bloco comunista, as
divergências com o governo de Moscou, sobre a questão
de se retirar o nome de Stálin da lista dos heróis
nacionais. Embora cada um desses países realize
espionagem por sua própria conta, eles operam,
igualmente, em favor da espionagem soviética, do que
resulta ter esta última aumentado enormemente o
escopo de suas atividades. Em muitos casos, a
informação obtida por um agente de um país satélite vai,
diretamente, a Moscou, e pode acontecer que a nação da
qual o agente é originário nunca tenha conhecimento do
fato.

A Divisão Aliada entrou em ação na retaguarda dos


exércitos russos de libertação. A razão por que isso pôde
ser feito é que os russos assim o planejaram, através de
programas de execução a longo prazo, o que nos fornece
um expressivo exemplo do profundo e obstinado
propósito com que eles buscam a dominação mundial
pelo comunismo. Pode-se afirmar, com segurança, que o
Serviço Secreto Russo já está treinando homens em
todos os países, que estarão em condições — quando
chegar a hora — de assumir o poder. Assim aconteceu
com Boleslav Rutkovski, o primeiro presidente comunista
da Polônia, com Piotyr Groza, o Primeiro-Ministro da
Romênia, e com Klement Gottwald, o Presidente da
Tchecoslováquia — todos treinados, com antecedência,
pelo KGB, para o assalto ao poder, e que, durante algum
tempo, foram ativos agentes secretos.

Por um longo período, a espionagem soviética manteve,


também, um olho vigilante sobre os chineses, através da
Divisão Estrangeira, do Primeiro Diretório, e da Divisão
Aliada, da Segunda Diretoria. Essas duas Divisões
repartiram as responsabilidades na tarefa de controlar a
Seção Chinesa, a qual emprega certo número de
comunistas chineses, mais obedientes a Moscou do que a
Pequim. Postos avançados da Seção Chinesa operam,
igualmente, no Vietnam do Sul e no do Norte, no Laus e
no Camboja, enquanto que o posto avançado de Harbin
— tradicional centro de espionagem da Rússia no
Extremo Oriente — controla as redes de Xangai, de
Nanquim e de Fuchow, a fim de colher e de selecionar as
informações fornecidas pelas redes do Japão e de
Formosa.

A quarta maior divisão do Segundo Diretório é a Divisão


Especial. Trata-se de um dos mais antigos departamentos
da espionagem soviética, implantado por Dzerjinsky para
eliminar, pela violência e por assassinatos, os inimigos
da Revolução, nos casos mais complexos em que outras
formas de persuasão não surtiram efeito. Entre 1932 e
1936, essa Divisão constituiu o instrumento de que Stálin
lançou mão, pessoalmente, para ficar livre de seus
adversários. Nesse desempenho, era ela dirigida por
Nicolai Yezhov. Na Segunda Guerra Mundial, era
conhecida como Bureau I, competindo-lhe executar a
política de “terra arrasada”, adotada por Stálin em face
do avanço dos exércitos alemães. Dadas as suas funções
especializadas, essa Divisão tem-se conservado como
um departamento independente, mesmo depois de sua
formal incorporação ao grupo OGPU-KGB, fato este que
ocorreu, em 1934, durante a reestruturação dos serviços
de espionagem, feita sob a orientação de Genrik Yagoda.

A seção responsável pelos raptos e pelos assassinatos


dos divisionistas e de outros inimigos em potencial do
comunismo é a infame Seção Nove — a Seção do Terror e
do Desaparecimento. Embora possa haver algo de
verdadeiro na figura de Bond — isto é, outros serviços
secretos chegam, vez por outra, a matar e a raptar para
atingir seus objetivos —, o Serviço Secreto Soviético é o
único que, atualmente, possui — com a possível exceção
da China Vermelha — uma organização especial para
fazer desaparecer seus inimigos. Detalhes dos trabalhos
realizados por essa Seção serão dados em capítulos
subsequentes.

O sistema de que a espionagem soviética lança mão para


operar “no campo”, pode-se dizer que é constituído de
dois compartimentos estanques e separados, embora os
resultados, obtidos por ambos, atinjam aos mesmos
objetivos. No primeiro deles encontram-se os membros
das embaixadas, o pessoal das legações e dos
consulados e os integrantes de muitas delegações, como,
por exemplo, as missões comerciais e culturais, que vêm
constituindo o recurso favorito de que se utiliza a Rússia
para manter relações com as potências estrangeiras.

O segundo é representado pelo trabalho das redes de


espionagem e o dos agentes individuais. No que diz
respeito à organização das redes, o sistema segue, tanto
quanto possível, as linhas clássicas, isto é, uma rede é
integrada por uma ou duas células, que operam
inteiramente independentes, uma da outra, e que
reciprocamente se ignoram.
A célula se compõe de três ou quatro agentes, e cada um
deles — ou delas — tem sua própria função especial:
coletar Informações, enviar mensagens, operar
radiotransmissores, etc.

Entre o Centro, em Moscou, e todas as agências de


espionagem que operam em determinado país, há
sempre uma figura-chave: o Diretor-Residente. Apesar de
seus poderes reais serem limitados, desempenha ele
relevante papel, uma vez que é uma espécie de guia
central e o canal através do qual, com algumas
exceções, todas as instruções e fundos, vindos do Centro,
são transmitidos às redes e aos agentes individuais.
Igualmente, por intermédio dele, é feito o serviço de
remessa, no mesmo Centro, das informações obtidas por
todas as redes. Ele mantém, por outro lado, ligações com
a Embaixada Soviética e o Partido Comunista locais, por
intermédio dos quais permanece em contato com as
sociedades culturais e de amizade que o suprem de
determinado gênero de informações que,
ordinariamente, não se poderia classificar como sendo de
espionagem. Num país de grande extensão, podem
operar dois ou mais Diretores-Residentes.

Na maior parte das organizações de espionagem, os


documentos são reduzidos ao mínimo possível. Se
qualquer registro escrito puder ser dispensado, tanto
melhor. Este princípio é obedecido, tendo em vista a
necessidade de se obter o maior grau de segurança. A
esse respeito, a organização soviética se mostra,
igualmente, diferente. É exigido que o Diretor-Residente
guarde um completo registro de todas as suas
transações, já que, ao ser transferido de sede — o que
parece acontecer muito comumente —, seu substituto
não tenha dificuldades em executar as funções que lhe
cabiam. Essa característica da espionagem soviética
constitui uma indicação da organização geral do serviço,
o qual, fundamentalmente, é uma burocracia um reflexo
do sistema administrativo do Governo Russo,
considerado como um todo.

O enorme amontoado de papel oficial exigido das redes e


agentes individuais é, parcialmente, a causa da
necessidade do grande número de agentes, de todas as
categorias, para a obtenção de qualquer informação.
Uma vez que todo documento oficial apresentado pelas
redes deve ser estudado — se é que tem uma razão de
ser —, os quartéis-generais devem, necessariamente,
recrutar um corpo de funcionários de adequada
proporção. Tem-se calculado que, ao todo, a espionagem
soviética empregue cerca de cem mil funcionários de
várias categorias. Nesse número, estão incluídos os
agentes profissionais e todo o pessoal de retaguarda
necessário para mantê-los em atividade. (Calcula-se que
a CIA americana também empregue, aproximadamente,
o mesmo número de funcionários.) No caso do Serviço
russo, entretanto, devem ser acrescentadas diversas
centenas de milhares de amadores, espalhados pelo
mundo, e de cujos serviços os soviéticos podem valer-se
em caso de necessidade. Calcula-se que o número
desses amadores se eleve acerca de três quartos de
milhão, mas há quem julgue essa avaliação muito baixa,
já que as cifras verdadeiras, segundo tudo indica, devem
ser bem mais elevadas.

De qualquer forma, a atividade da espionagem soviética


abrange o mundo inteiro, e, se o êxito fosse proporcional
ao número das pessoas nela engajado, o mundo estaria
hoje completamente dominado pelo comunismo.
Felizmente, para as potências não-comunistas,
verificaram-se falhas na organização desse serviço e no
treinamento de seus agentes, o que teve como
consequência a transformação de muitos êxitos num
conjunto de fracassos espetaculares. Levando-se em
consideração, porém, a perseverante determinação e a
paciência quase oriental dos soviéticos, tem-se a
impressão de que os resultados, a longo prazo, daquelas
atividades ainda estão por se fazer sentir. E aí é que
reside o grande perigo. É por isso que cada vez mais se
impõe a necessidade de uma constante vigilância.
4. Recrutamento

A espionagem soviética, como já se viu, é controversa no


tratamento que dá a suas atribuições, à sua organização
e às suas atividades, sobretudo quando a comparamos
com as organizações análogas, existentes em outras
nações. Na seleção de seus agentes, ela apresenta,
ainda, uma nova característica.

O emprego de tão grande quantidade de agentes requer,


naturalmente, um método de recrutamento que não teria
sido necessário numa organização de âmbito menor. Mas
esse método é favorecido pelos objetivos que a
espionagem soviética estabeleceu para si mesma, e em
favor da lealdade ideológica que o comunismo inspira —
lealdade esta que se impõe mais a seus seguidores do
que a que a democracia exige de seus adeptos. Dada a
indefinição dos princípios democráticos — tais como
liberdade de palavra, liberdade individual, governo
parlamentar, etc. —, o comunismo, ao contrário, se
apoia, com inflexível firmeza, exatamente onde o homem
se situa, isto é, em sua vida privada e em suas relações
com o Estado. Não há nuanças no comunismo. Um
comunista nos Estados Unidos, na Inglaterra e na China
— apesar das divergências ideológicas que separam
chineses e russos — é fundamentalmente indistinguível
do comunista russo. Este fato oferece possibilidades, ao
bloco comunista, para um recrutamento em massa de
seus agentes, o que, de forma alguma, é proporcionado
às demais organizações de espionagem.
O pessoal atuante de espionagem soviética divide-se em
três categorias. Há um sólido núcleo central, formado por
agentes profissionais, treinados, de nacionalidade russa.
Existe o setor estrangeiro, integrado por agentes cuja
sincera adesão ao comunismo foi posta à prova, durante
um longo período, e cujos trabalhos os recomendam para
proveitosas oportunidades de espionagem. E há, por fim,
os amadores que podem ser convocados para tarefas
específicas, se a necessidade assim o exigir.

O recrutamento para a primeira categoria não oferece


qualquer dificuldade. Em todas as facetas organizadas da
vida na Rússia — serviço militar, universidades e
colégios, Faculdades para os Trabalhadores, órgãos do
Partido e, particularmente, na Liga da Juventude
Comunista (Komsomol) —, há comissários políticos, cuja
missão é manter um olhar vigilante sobre a “lealdade
política” daqueles cidadãos, que se encontram sob a sua
direção. Este é o método usado, pelo Estado, para evitar
que qualquer descontentamento possa dar ensejo a uma
apostasia contagiosa. Ou, por outras palavras, ele
preserva a segurança do Partido e do Governo, ao
impedir que algum comunista “fraco” seja guindado a
uma posição em que possa exercer má influência sobre
os outros, e, também, ao fazer com que os melhores
cargos sejam sempre ocupados pelos mais leais
comunistas.

Em aditamento a essa tarefa, o Comissário deve


conservar- se atento, para descobrir moças e rapazes
que possam apresentar qualidades em potencial, para o
seu aproveitamento como agentes. Quando um
Comissário descobre uma moça ou um rapaz com esses
predicados, comunica a descoberta à Divisão de
Observação e de Distribuição. Em qualquer parte — seja
no Index ou nos registros da polícia local —, deve haver
um dossiê sobre ele, e se do exame dessa ficha for
constatado que, além de suas qualificações pessoais, o
candidato ainda descende de uma família de passado
inatacável, segundo os padrões comunistas, pode ele —
ou ela — ser considerado como já tendo ultrapassado o
primeiro estágio.

O candidato, assim selecionado, fica sujeito, então, a um


mês de observação especial, levada a efeito por um
agente do KGB, agregado à instituição da qual ele faça
parte. Até que o agente apresente seu relatório sobre o
que observou — mesmo que suas conclusões sejam
negativas —, o candidato não saberá que estivera sendo
submetido a um processo de seleção, tendo em vista o
seu recrutamento para o serviço de espionagem. Se,
entretanto, as informações forem favoráveis, ele será
levado à presença de uma Comissão de Seleção. Aí
saberá que está sendo experimentado para servir num
dos departamentos do KGB e, em consequência de haver
sido julgado em condições, receberá a notícia com
entusiasmo. Poucos casos se verificaram, nos quais a
reação do candidato causou desapontamento entre os
membros da Comissão. Nessas oportunidades, não
somente lhe comunicam que a entrevista terminou, mas
o próprio candidato, por seu lado, imediatamente
compreenderá que sua carreira chegou ao fim. É que a
falta de entusiasmo, demonstrada por um candidato, na
ocasião, constitui, na opinião dos dirigentes soviéticos,
uma evidência de sua fundamental incapacidade de ser
intransigentemente leal ao Partido. Sendo aprovado pela
Junta, o candidato é cientificado de que terá um período
probatório e passará por um treinamento que durará de
dois a quatro anos. Até aí, continuará a ignorar que está
sendo treinado para ser espião, e espera-se que não
revele curiosidade em saber o que possa estar sendo
para ele reservado. O candidato só começa a ter
conhecimento oficial de sua situação quando é mandado
servir em algum posto sem importância, numa missão
diplomática no exterior. Sua promoção subsequente
depende, daí em diante, de como venha a se comportar
em cada estágio da carreira.

Este núcleo central é integrado mais ou menos por cinco


por-cento do total dos funcionários, mas representa ele a
espinha dorsal do serviço. São os Diretores-Residentes,
os organizadores, os homens que dão as ordens
transmitidas por Moscou.

A segunda categoria é composta, em sua maior parte, de


homens e mulheres de diferentes nacionalidades — todos
leais comunistas — e que operam quer em sua pátria,
quer num país estrangeiro. O Index os classificou como
dignos de confiança, do ponto-de-vista político, e são
convocados para tarefas específicas, no desempenho das
quais seus contatos e experiência os fazem candidatos
apropriados. Não podem demonstrar preferência em
relação às missões que lhes são confiadas. Ordens lhes
são dadas, e espera-se que eles as cumpram. Se, por
acaso, um deles recusa uma tarefa, sua filiação a
qualquer Partido Comunista lhe será negada, devendo-se
dar ainda por muito feliz se não eliminado.

A experiência do inglês Alexander Foote, que, depois de


uma notável carreira como espião soviético na Suíça,
renunciou ao comunismo e retornou à respeitabilidade na
Inglaterra, é expressiva a esse respeito. Filho de uma
família inglesa, da classe média, Foote nasceu em 1905,
e os primeiros tempos de sua maioridade coincidiram,
portanto, com os anos incertos do entreguerra. Teve uma
boa educação, mas a inquietação, gerada pela
insegurança dos tempos, o afetou e, como aconteceu
com muitos outros jovens, passou a derivar de emprego
para emprego; em consequência, também se deixou
empolgar pelo comunismo. Mas, conquanto frequentasse
as palestras de grupos e os meetings, nunca ingressou
no Partido Comunista. Na realidade, embora devesse
tornar-se um agente soviético por dez anos, nunca foi,
em qualquer tempo, membro do Partido.

Quando teve início a guerra civil espanhola, ele foi


admitido na Brigada Internacional, por recomendação de
dois influentes comunistas ingleses. Desempenhou, ali,
as funções de encarregado dos transportes de batalhão,
mas, como não era membro do Partido, não lhe foi
conferido um posto de confiança. Como encarregado dos
transportes, serviu por dois anos, sendo então mandado,
em férias, para a Inglaterra, a fim de assistir ao
Congresso do Partido Comunista, realizado em
Birmingham, em 1938.

Antes de entrar em férias, foi-lhe comunicado que,


quando retornasse, deveria fazê-lo como motorista de
uma viatura da Cruz Vermelha que faria o percurso entre
a Espanha e a Inglaterra, em intervalos regulares,
transportando suprimentos médicos e auxílio. Na
verdade, Foote não mais voltou à Espanha. Quando, findo
o Congresso, se apresentou na sede do Partido
Comunista, em King Street, em Londres, para receber
instruções, foi informado de que havia, ali, uma
requisição para alguém que dispusesse das
indispensáveis qualificações para executar uma missão
perigosa no exterior. Os chefes do Partido haviam
examinado alguns nomes, e o escolhido fora justamente
o dele.

Embora ninguém lhe pudesse dizer nada, além de que


havia sido convocado para aquela missão, Foote aceitou
a proposta. Houvesse recusado, e não há dúvida de que
sua associação com o Partido Comunista teria acabado
ali. Apresentando-se num endereço em St. John’s Wood,
foi recebido por uma respeitável dona de casa, que logo
o recrutou para a Inteligência Soviética, embora ele não
o percebesse e só viesse a descobri-lo algum tempo mais
tarde. Sabia que não estava trabalhando para os
comunistas ingleses, mas acreditava que pudesse estar
servindo ao Partido Comunista Alemão ou ao Comintern.

Seguindo as instruções, que lhe foram dadas pela dona


de casa, Foote viajou para Genebra e, no dia seguinte à
sua chegada, entrou em contato com uma mulher, em
frente ao edifício do Correio-Geral. Estabelecido o
contato, a mulher se apresentou com o nome falso de
Sônia e, enquanto tomavam um café, disse-lhe que
novos encontros entre eles deveriam realizar-se. Num
desses encontros — por sinal, o último —, foi informado
de que deveria ir para Munique, a fim de preparar
relatórios políticos sobre a Alemanha, e, ao cabo de três
meses, apresentar-se de novo a ela, Sônia, em Genebra.

Se se considerasse o que Foote apresentava então como


qualificação para o serviço de espionagem, a conclusão
seria que ela, de fato, quase nada representava. Antes
de ingressar na Brigada Internacional, fora apenas
mecânico de motores e vendedor de motocicletas. Não
falava fluentemente qualquer idioma, embora pudesse
expressar-se num mau francês e num espanhol ainda
pior. Conhecia, também, algumas frases elementares em
alemão. Ao chegar a Munique, e mesmo depois, não
recebeu qualquer treinamento de segurança, ignorava
tudo sobre códigos ou correspondência secreta e era
completamente inexperiente em operar com um
radiotransmissor.
Tinha a seu crédito, entretanto, ser um inglês de bom
senso, dotado da capacidade de apreender, rápida e
acuradamente, qualquer situação. Esses predicados
devem ter constituído a razão por que os diretores do
KGB a ele recorreram e, nessas condições, não poderia
ser considerado mais que um razoável agente. O valor
desses predicados, porém, foi confirmado pelos
resultados de suas investigações em Munique e,
também, pela correção e concisão do relatório que então
apresentou. Essa missão parece ter sido uma espécie de
teste, a que fora submetido. Se houvesse falhado,
irremediavelmente teria sido demitido do serviço.

Pouco depois da volta de Foote a Genebra, estourou a


Segunda Guerra Mundial e Sônia recebeu instruções para
retirar todos os seus agentes da Alemanha. O verdadeiro
nome de Sônia era Ürsula-Maria Hamburger, membro do
Partido Comunista Alemão, e que, juntamente com seu
marido, Rudolf, trabalhara, durante muitos anos, como
agente soviético no Extremo Oriente e na Polônia. Era
responsável por uma rede que operava na Alemanha,
mas, por motivo de segurança, estabelecera sua base na
Suíça. Sônia recebera ordem para permanecer na Suíça e
fornecer a Foote e a um outro inglês, William Phillips,
instruções sobre a arte e os segredos de se operar um
radiotransmissor.

Foote se revelou aluno aplicado e logo se tornou eficiente


operador de rádio, aprendendo com rapidez os mistérios
de codificar e decifrar mensagens. Entretanto, com
exceção de uma rápida instrução sobre os métodos de
segurança, não fora submetido a qualquer outro
treinamento.

Por essa época, a rede soviética que operava na Suíça


era controlada pelo Diretor-Residente Alexander Rado.
Tratava-se de um húngaro de nascimento, comunista de
longa data, e que havia sido membro do grupo de Bela
Kun. Quando a revolução de Kun fracassou, ele tinha
apenas dezenove anos. Fugiu, então, para Moscou, onde
foi bem recebido nos altos círculos do Comintern. Desde
essa época, ou seja, a partir de 1919, encarregou-se de
serviços secretos, extremamente valiosos para a Rússia.
Em 1936, foi designado Diretor-Residente na Suíça.

Para a rede de Rado é que Foote fora escalado, assim


que se tornou um eficiente rádio-operador. Aí — e só aí —
soube que era membro da espionagem soviética. Não
existe qualquer indicação em suas memórias, publicadas
após sua deserção, de que lhe tivesse ocorrido a idéia de
recusar aquele perigoso trabalho.

Foote obteve tanto êxito em sua atividade de agente


russo que, no devido tempo, foi promovido a substituto
eventual de Rado como Diretor-Residente. Esse fato,
entretanto, se deveu apenas às exigências impostas pela
guerra, porque, desde 1930, os agentes de alta categoria
sempre haviam sido russos, que tinham passado por uma
das escolas de treinamento da União Soviética. Rado
deveu sua indicação, em 1936, à conjunção de duas
circunstâncias: ter sido treinado em Moscou e possuir
longo e excelente acervo de atividades clandestinas.

Os amadores da terceira categoria são os Nunn May, os


Fuch, os George Blake, os Vassall e, porque representam
a maior parte dos agentes apanhados em armadilhas,
são os mais amplamente conhecidos do grande público.

Há dois tipos de amadores que atraem os chefes da


espionagem soviética. O primeiro é o homem que se
encontra numa posição de poder fornecer informações
importantes e vantajosas e que revele, também, uma
boa dose de simpatia pela ideologia comunista. O
segundo é o homem, também em condições de fornecer
valiosas informações, mas que, como se diz, guarda um
cadáver tão aterrador, dentro do seu armário, que se
torna suscetível de ser chantageado. Os primeiros são os
Blake, e os segundos os Vassall.

O método de recrutar agentes varia em cada um dos dois


tipos acima mencionados. O primeiro pode já estar
vinculado a algum grupo, que confesse abertamente
suas simpatias pelas idéias comunistas, embora não as
estenda até o próprio comunismo, como por exemplo, as
sociedades de amizade, os grupos culturais e outros.
Nesses casos, a maneira de agir é simples. A “vítima” é
convidada a se juntar a um grupo de estudo e, aí, sem
que o perceba, habilmente condicionada. Se sua reação a
esse condicionamento for satisfatória, a tarefa para a
qual foi escolhida lhe é, aos poucos e por partes,
apresentada, e essa catequização é levada a efeito com
tanta astúcia que se pode descrevê-la como subliminar.
Então, quando a vítima já se acha plenamente
“desenvolvida”, a franqueza entra em cena. Nessa
altura, o recrutado já se encontra tão profundamente
condicionado a pensar de maneira ambígua que,
sinceramente, acredita que, revelando os segredos de
que tem conhecimento, estará mais ajudando ao seu
país do que servindo á espionagem soviética.

Naturalmente, essa espécie de “desenvolvimento” só


pode registrar êxito quando o candidato já tenha alguma
simpatia pelos ideais comunistas ou, então, seja
violentamente contra a forma de governo de seu próprio
país.

Não há necessidade de se entrar em minúcias sobre o


método de recrutamento empregado para o segundo
tipo. A pessoa que está sendo objeto de observação é
explorada em sua fraqueza. É colocada,
propositadamente, em situações comprometedoras. Por
fim, ameaças de denúncias lhe são feitas, com a
alternativa de exploração de sua fraqueza, se o
candidato é sensível e concorda em cooperar.

Quando o candidato de qualquer dos grupos não está em


contato com uma organização simpatizante, esforços são
feitos para que um encontro ocorra, de forma social. Os
agentes, utilizados nesse gênero de abordagem, são
especialmente treinados e, embora muitas vezes
fracassem no envolvimento de suas vítimas,
aparentemente não julgam que tais tentativas sejam
inócuas, pois que têm lançado mão dessa técnica, por
muito tempo, e ainda a empregavam há cerca de um ou
dois anos.

O treinamento a que se submete um agente amador não


passa de simples e rudimentar instrução técnica, para
estabelecer contatos e passar material de informação.
Seu elemento de ligação será um bem treinado agente
profissional, de maneira que é muito pequena a
possibilidade de que alguma coisa possa sair
completamente errada. De qualquer forma, o bom senso
regula, hoje, a maior parte das atividades de
espionagem, nas quais essa classe de espião é posta a
operar. Como quase todos os integrantes dessa categoria
são sempre homens e mulheres inteligentes, cuja
utilidade será provavelmente limitada a um curto período
de tempo, a direção soviética mostra-se realista ao
adotar o ponto-de-vista de que seria descabido
submeter-se essa espécie de agente a um prolongado
treinamento.
Quando a utilidade potencial do agente é de importância
e o período, durante o qual ele poderia operar — caso
fosse convenientemente treinado — pudesse ser
prolongado além da sua média normal de atividade, aí,
então, um treinamento mais intensivo lhe será dado.
Embora jamais esse fato tenha sido revelado, presume-
se que Vassall — que nunca tivera qualquer experiência
de espionagem antes de começar a trabalhar para a
Inteligência Soviética — haja recebido esse treinamento
mais intensivo. O fato de se haver mostrado capaz de
evitar ser descoberto pelo prolongado período de oito
anos constitui uma segura indicação nesse sentido. De
fato, nenhum amador, que não tenha recebido senão
rudimentos de espionagem e, especialmente, não
conhecesse as técnicas de segurança, poderia
desempenhar, por tão longo tempo, o papel que lhe
cabia, como o fez Vassall.

O preparo profissional, entretanto, é que contribui, em


maior parte, para o sucesso da espionagem soviética. O
número de cidadãos russos apanhados em flagrante
delito de espionagem é extraordinariamente reduzido.
Somente três deles vêm à nossa lembrança: Valentin
Gubitchev, que era o elemento de contato de Judith
Coplon, na América; o Coronel Abel, que foi preso pelo
FBI; e Gordon Lonsdale, que caiu nas mãos dos agentes
do MI 5 e da Seção Especial, na Inglaterra. Pode-se dizer
que Gubitchev nunca teria sido apanhado se Judith
Coplon não estivesse sob suspeita; o Coronel Abel operou
durante trinta anos, antes que o FBI se pusesse em sua
pista; e Gordon Lonsdale deve agradecer sua perda tanto
à estupidez de Harry Houghton quanto ao seu próprio
descuido.

Esses fatos levam à conclusão de que o treinamento


dispensado aos agentes profissionais soviéticos é
perfeito. E, na realidade, o é. Esse treinamento, porém,
dá origem a uma espécie de agente que nunca seria
aceito pelos mestres da espionagem britânica. Nas
páginas que se seguem, explicaremos a razão do não
enquadramento dessa técnica soviética nos padrões do
serviço secreto inglês. 

5. Treinamento e Técnica

Os candidatos que passam pela Comissão de Seleção são


naturalmente de duas categorias — os que estudam em
algum instituto de nível superior (universidade, escola
técnica, academia de oficiais ou a escola de treinamento
do NCO); e aqueles cuja educação está sendo feita ou
concluem seu curso na Faculdade dos Trabalhadores, ou
em qualquer estabelecimento de padrão equivalente,
como os cursos noturnos de Engenharia, de Fotografia,
de Rádio, etc. Os da primeira categoria são,
automaticamente, reservados para treinamento mais
elevado, mas devem concluir o curso que, no momento,
estejam frequentando, antes de serem submetidos ao
treinamento para o serviço de espionagem. Em relação
aos da segunda categoria, cuida-se que um curso
intermediário de treinamento lhes seja ministrado.

O recrutado para um treinamento mais elevado é


destinado a se tornar membro do corpo de agentes de
elite, os quais vão preencher postos em embaixadas,
serão diretores-residentes ou chefes de redes, e aos que
possuem alguma especialização caberá a tarefa de obter
informações secretas da mais alta importância. O
exercício da espionagem requer, entretanto, certo
número de assistentes camuflados — homens que nunca
são vistos, que não participam diretamente das
atividades de espionagem, mas que, de qualquer forma,
são elementos importantes. São eles os especialistas em
rádio, em microfotografias, os decifradores de códigos,
que integram a equipe dos técnicos da organização.
Todas essas funções são desempenhadas por recrutas de
treinamento intermediário.

Acertadamente, o Centro exige que seus operadores,


independentemente de sua categoria, sejam jovens e
gozem ótima saúde, já que a condição física do
candidato é a primeira a receber atenção das
autoridades. O treinamento — seja o candidato um
estudante de grau elevado ou intermediário — se inicia
por um curso intensivo de educação física, em escolas
especializadas. Aí o corpo do recrutado é levado à mais
alta forma física de que seja capaz. Ao mesmo tempo,
aprende noções de combate desarmado, adestra-se na
utilização de armas de fogo e em tudo mais que lhe
possa ser de uso prático, como dirigir um automóvel ou
uma motocicleta. Posteriormente, em qualquer escola
que esteja frequentando, empregará boa parte do tempo
em conservar seu físico em forma. A espionagem
soviética tem produzido alguns dos mais completos
atletas da Rússia.

Quando o treinamento físico estiver completo, o recruta


iniciará, então, seus estudos especializados. O que irá
fazer no futuro já está decidido pela Divisão de
Recrutamento e Treinamento, do Primeiro Diretório. Essa
Divisão, ao examinar o candidato, leva em consideração
não só os conhecimentos de que ele dispõe, mas
também outros predicados, como, por exemplo, a
aparência física e as habilidades naturais que nele
possam ter descoberto. Dois cursos gerais, todavia,
devem ser completados por todos os candidatos: um, das
línguas estrangeiras que lhe foram atribuídas; e o outro,
de técnica de espionagem.

Os cursos que o recruta deve seguir são ministrados por


escolas especializadas. Cada uma delas tem uma
especialização. Por exemplo: se o candidato se destina a
operar em determinado país, passará a ser aluno de uma
escola, especializada em proporcionar o mais completo
conhecimento daquele país — seus aspectos
caraterísticos, sua política e sua economia, os costumes
do povo, etc. Ou então, se ele deve aprofundar-se em
certos pormenores da espionagem — coleta de
informações técnicas ou econômicas, por exemplo —,
frequentará a escola que irá prepará-lo para
desempenhar as tarefas especiais, com o máximo de
sucesso possível. Se terá de ser um rádio-operador ou
um especialista em códigos, será então matriculado em
estabelecimentos que só ensinem essas matérias.

O sistema soviético de treinamento dos seus agentes


difere muito pouco, nesse aspecto, das outras agências
de espionagem, com exceção talvez do sistema britânico.
Este se baseia no bom senso e nas qualidades pessoais
de seus agentes e, com esses elementos, apresenta
resultados tão satisfatórios que intrigam e despertam a
admiração dos dirigentes de muitas outras organizações.
Se há necessidade de um preparo técnico de qualquer
espécie — rádio-operador, por exemplo, —, os ingleses
proporcionarão aos seus recrutados apenas o
treinamento que lhes permita executar essas funções de
maneira toleravelmente boa. Ser-lhes-á dada, também,
instrução elementar sobre o que é preciso fazer para
preservar sua segurança. Na maior parte das vezes,
todavia, o recrutado deverá valer-se de sua própria
iniciativa, para contornar os obstáculos. O fato de o
serviço secreto inglês ocultar, atrás de sua fachada de
verdadeiro sigilo, alguns dos maiores golpes de
espionagem da História, indica que esse sistema de
formação casual de seus agentes ajusta-se
perfeitamente ao temperamento britânico e funciona
com perfeito rendimento.
O sistema soviético, por outro lado — e nisso ele se
parece bastante com o sistema nazista e, mesmo, com o
do Kaiser —, forma agentes tão altamente especializados
que, se forem postos em face de uma situação que não
esteja “no livro”, não saberão como agir. O sistema de
treinamento, empregado pelo Coronel Walter Nicolai e
pelo Dr. Elsbeth Schragmuller, na Primeira Guerra
Mundial, e o de várias agências nazistas de espionagem
da década dos trinta e da Segunda Guerra Mundial,
determinavam absoluta obediência a ordens superiores e
os agentes assim formados acabavam por se revelar
incapazes de usar a própria iniciativa. Só por essa razão,
perderam-se numerosos agentes.

Mas, se os nazistas exigiam obediência absoluta, os


russos, por seu lado, são, a esse respeito, ainda muito
mais exigentes. A submissão à disciplina do Partido e do
Estado controla a vida russa, em todos os sentidos. O
Manual de Organização, publicado pelo Comitê Central
do Partido Comunista Russo, determina: “O Partido exige
tudo de seus camaradas. . . O revolucionário profissional
não pode ser indisciplinado. Nada o pode abalar. O que
dele for exigido, ele o fará.” E os cidadãos soviéticos
estão tão profundamente influenciados por esses
princípios, e se revelam tão condicionados pelos castigos
que têm sofrido por demonstrações de fraqueza ou de
desobediência, que já eliminaram de suas mentes
qualquer noção de iniciativa.

O russo obedecerá a ordens, mas, se elas não forem


contínuas, não agirá por si mesmo. Até 1941, esse medo
acusava reflexos mesmo no Exército. No dia 21 de junho
de 1941, quando as divisões de Hitler atravessaram o rio
Bug, as unidades russas, do lado oposto, enviaram
insistentes mensagens, não-cifradas, dizendo, em tom de
lamento: “Estamos sendo atacados. Que devemos
fazer?” Um dia depois, as tropas alemãs encontraram
intacta a vital ponte de Kodena e, quando interrogaram o
oficial russo, responsável por sua defesa — que fora feito
prisioneiro — por que não a havia destruído, assim que
avistou as primeiras unidades alemãs, ele respondeu:
“Não tinha ordens para fazê-lo e não pude encontrar um
oficial superior disposto a me dar tal ordem, sem
permissão do Comando.”

O recrutado, portanto, é condicionado a obedecer, muito


tempo antes de ingressar na espionagem e, já que a
mais estrita obediência lhe é exigida também durante o
seu treinamento para o serviço secreto, ao concluir o
curso é um espião altamente qualificado, mas acusando
muitas e graves limitações. A preocupação do detalhe,
através da qual o treinamento lhe é dado, tem por
objetivo justamente fazê-lo vencer essas limitações.
Convém ressaltar, entretanto, esta evidência: o
imprevisto, que se pode apresentar em qualquer campo
da atividade humana, acusa seu mais elevado índice de
incidência justamente na prática da espionagem. Dessa
forma, e por não haverem recebido instruções no sentido
de enfrentar o inesperado, numerosos bons espiões
soviéticos têm sido sacrificados.

Esse espírito de obediência é ressaltado ainda por um


terceiro curso geral que todos os recrutas devem seguir
— um curso intensivo de doutrinação política, aliado a
um estudo das atividades revolucionárias. Essa dupla
preparação é destinada tanto a impregnar o candidato
com a idéia do “patriotismo acima de tudo” — como uma
arma contra a sedução das ideologias democráticas e
contra o sistema de vida do Ocidente — quanto a
permitir a formação de homens altamente treinados em
atividades subversivas, os quais, ao mesmo tempo em
que cumprem seus deveres de espiões, possam, se uma
oportunidade se lhes apresentar, levar à frente os
objetivos da revolução.

Não é possível dizer-se com certeza qual o número de


escolas mantidas pela Divisão de Recrutamento e
Treinamento, embora se calcule que se elevem a cerca
de vinte ou trinta. Os recrutados são reunidos em
pequenos grupos, e todos os membros desses grupos
são treinados para tarefas específicas.

O grupo é conservado unido através de todo o


treinamento e tomam-se providências no sentido de que
apenas um grupo frequente a escola, de cada vez. O
objetivo é restringir, tanto quanto possível, o contato do
agente com seus colegas, o que é feito como medida de
segurança.

Iguais medidas estritas de segurança são aplicadas


dentro do próprio grupo. Cada agente tem um nome-de-
guerra pelo qual é conhecido entre os demais figurantes
do grupo, e também por seus instrutores. É-lhe proibido,
sob pena de demissão ou de severo castigo, divulgar seu
verdadeiro nome a quem quer que seja. Todas as cartas
que lhe são escritas, endereçadas para a escola, são
abertas por um ou dois censores, os únicos que
conhecem a sua verdadeira identidade. Essas cartas são
lidas e, se aprovadas, entregues ao destinatário, sem
envelope. Se, ao contrário, é o recrutado quem escreve,
suas cartas são submetidas aos censores, os quais se
encarregam de enviá-las, caso o conteúdo seja aprovado.

Uma vez matriculado na escola, o estudante não mais


poderá ausentar-se dela sozinho. Só deverá fazê-lo com
os demais companheiros de grupo, e sempre
acompanhado de um dos membros da direção do
estabelecimento. Pode receber a visita de dois parentes
uma vez ao mês, e as esposas — a organização admite
agentes casados, já que suas esposas e filhos constituem
excelentes reféns, garantidores do bom comportamento
do agente que trabalhe no exterior — podem frequentar
o baile mensal, realizado no salão da escola. Namoradas,
entretanto, não têm permissão para visitar o
estabelecimento — proibição esta que parece ser uma
consequência da impossibilidade de se testar uma
pessoa num prazo curto. Nos bailes, a hospitalidade é
generosa, e assim o fazem com o objetivo de manter o
estudante materialmente feliz, tanto quanto possível.
Nesse sentido, é aliviado das responsabilidades
financeiras de sustentar a família e de atender às
próprias despesas. Os encargos familiares são pagos
diretamente pelo Ministério do Interior, e suas despesas
pessoais cobertas por um pequeno ordenado, que lhe é
facultado.

Tendo completado satisfatoriamente o curso, o estudante


se torna então aspirante, sendo enviado para servir
numa das unidades da Polícia de Segurança da Rússia.
Durante esse período, é designado para desempenhar
certas tarefas, que o auxiliam a adquirir experiência
prática e a iniciar-se, gradativamente, em seu futuro
trabalho e em sua vida. Nesse sentido, poderá ser
designado, por exemplo, para manter sob vigilância
algum diplomata estrangeiro; fazer-se passar por guia da
Inturist, com a missão de acompanhar visitantes de
outros países — de forma a fazê-lo entrar em contato
com a burguesia estrangeira —, frequentar festas de
comunistas de outras nações, ou de sindicatos; e fazer-se
presente às reuniões de delegados, representando o
papel de guia e de orientar geral. Poderá ser enviado,
igualmente, para uma alfândega ou para um posto da
fronteira, onde seja submetido a testes e a tentativas de
fraude, a fim de que sejam conhecidas suas reações e
posta a prova sua fidelidade política. Deverá, ainda,
participar de certas missões que revelem sua astúcia,
como, por exemplo, testar o sistema de segurança de um
campo de aviação ou de uma fábrica empenhada num
trabalho secreto.

Tendo vencido com êxito esse estágio, o recrutado é


submetido a outra junta. Nesta, são-lhe expostas
novamente as condições do seu serviço, quando então
assinará um juramento de que as observará. Nessa
ocasião, já lhe fora também amplamente esclarecido
que, se violar quaisquer daquelas condições, poderá
perder a vida, e a mesma sorte recairá sobre todos os
seus parentes.

Terminado todo esse treinamento, o recrutado está apto


para entrar em função. Pode ser designado para uma
embaixada, como assessor, ou para substituir algum
elemento de uma rede. Onde quer que vá, entretanto,
terá de adotar não só um novo nome, mas uma
identidade inteiramente nova. Essa identidade deve ser
tão profundamente assimilada que, às vezes, poderá ter
dificuldade em se lembrar de quem realmente seja.

Onde quer que operem, as redes obedecem, quase


sempre, a um esquema. Consiste ele num certo número
de células, cada uma delas ocupando-se de uma tarefa
específica. Na chefia da rede está o Diretor-Residente,
que é a via de comunicação entre o Centro, cm Moscou,
e os vários integrantes da respectiva rede. Recebe as
instruções destinadas aos agentes e as distribui entre as
células. Para ele é enviado, igualmente, o numerário
necessário para a manutenção do serviço, sendo-lhe
exigido que mantenha uma perfeita contabilidade em
relação ao dinheiro gasto. São-lhe endereçadas ainda
todas as informações obtidas pela rede, as quais,
progressivamente, ele transmite para Moscou. O contato
com Moscou é feito pelo rádio, embora, em certas
circunstâncias, o seja por mensagem verbal ou carta,
utilizando-se um emissário. A ligação entre a célula ou o
agente com o Diretor-Residente é processada através de
um intermediário ou mensageiro. O Diretor não mantém
contato com ninguém, exceto com seu emissário-
isolador, ou seu rádio-operador, embora, no último caso,
possa utilizar-se — e frequentemente o faz — de um
emissário-isolador para entrar em comunicação com seu
rádio-operador.

Em tempo de paz, a menos que seja num caso de


emergência, o rádio-operador comunica-se, duas vezes
por mês, com Moscou. Às vezes, age como técnico em
código da rede e, nesse caso, recebe o material que o
Diretor-Residente lhe envia em redação comum e o cifra
para a transmissão, muito embora na maioria das vezes
esse material já lhe chegue às mãos no próprio código
utilizado pelo Residente. Nenhum código poderá ser
utilizado por qualquer outro elemento da organização.

Para os relatórios longos, o Serviço Soviético de


Espionagem está usando, atualmente, e de maneira
extensa, a micro-fiImagem, o que requer a presença, na
rede, de um técnico nessa especialidade. Quando os
microfilmes são utilizados, o Diretor-Residente os coloca
anexos a inocentes cartas e os envia para Moscou, pelo
correio comum, ou então são endereçados a um país
vizinho, de onde o adido militar se incumbirá de mandá-
los para a Rússia no interior da mala diplomática. Esse
contato com o adido militar é feito através de linha
dupla: o Centro o utiliza quando julga que as
comunicações radiofônicas são deficientes, ou então
para a remessa de fundos.
Normalmente, os agentes são pagos na moeda corrente
do país em que estão trabalhando, mas o valor é
calculado em dólar americano. Um Diretor-Residente
recebe, aproximadamente, de 80 a 160 libras por mês,
de acordo com a posição social que seu disfarce requer.
Um rádio-operador pode receber entre 30 a 60 libras
mensais, mas a maioria dos agentes é paga na base das
tarefas realizadas. Ocasionalmente, um agente, já de
longa estabilidade, pode ser remunerado através de um
salário fixo. As tarefas especiais geralmente dão direito a
uma gratificação extra. De modo geral, os níveis dos
ordenados são baixos e, frequentemente, quando o
agente já ganha algum dinheiro, proveniente da sua
profissão simulada, só percebe a retribuição que lhe é
devida por despesas especiais que, por acaso, seja
obrigado a fazer, quando em ação de espionagem. Os
soviéticos adotaram esse sistema, baseados na
comprovação de que nada desperta maior atenção do
público do que um empregado ou um jornalista viver
acima do que possa ganhar em seu trabalho. Por outro
lado, há casos em que certos agentes recebem salários
tão elevados que não estão em proporção com os
deveres que lhes competem. Vladimir Petrov, que
desertou na Austrália, onde era funcionário de categoria
da embaixada russa, recebia o equivalente a 450 libras
australianas, o que corresponde ao salário do Diretor do
Serviço de Segurança Britânico.

Quando os salários não são pagos no local em que o


agente exerce sua atividade, são creditados na conta
particular do espião, aberta num banco em Moscou.
Acontece então que, se o agente tem uma longa carreira
de atividades, um razoável pé-de-meia estará acumulado
para quando ele se aposentar, uma vez que essa quantia
está acima e é independente da quota paga à sua
família, se for casado.
Os métodos de operação utilizados pelos agentes,
quando em ação, serão mais bem compreendidos nos
próximos capítulos, quando o trabalho das redes
específicas for descrito. Será útil revelar desde já,
entretanto, alguns breves detalhes de como, na prática,
esses espiões desenvolvem as suas atividades.

Não obstante a ocorrência de alguns casos de


importância — particularmente o de Lonsdale, em que a
não observância de certas normas de segurança resultou
na descoberta da inteira rede de espionagem; o de Harry
Houghton, que, com sofreguidão, esbanjava dinheiro nos
bares em torno de Portland; e, por fim, o próprio estranho
comportamento de Lonsdale, ao estabelecer contato com
Krogers, ao invés de o fazer através de um emissário-
isolador —, a insistência dos soviéticos no que se refere a
segurança parece quase uma obsessão.

Não nego que alimento grande admiração pelo Centro,


no que diz respeito a essa atitude. Muitos espiões
soviéticos têm sido apanhados, mas isso vem ocorrendo
mais por falta de precaução do que por outro motivo.
Qualquer pessoa que tenha um conhecimento, superficial
que seja, da história da espionagem, logo se convence
de que o cuidado, quase sempre desagradável,
dispensado às normas de segurança, é sobejamente
compensado pela certeza de uma relativa imunidade ao
perigo do desmascaramento. No entanto, por maior que
seja a precaução que se tenha na articulação de um
perfeito sistema de controle, o que é exigido dos agentes
soviéticos a esse respeito pode ser considerado
fantástico. Em face de tanta precaução, a teoria, que
somos tentados a apresentar, é a de que essa insistência
oficial acaba sendo a causa do cansaço dos mais
astuciosos agentes, os quais, assim, se deixam colher, ao
deixarem pistas que, mais cedo ou mais tarde, os levam
à ruína.

Essa insistência, em relação à segurança, aparece em


todos os aspectos das operações da espionagem russa.
Provavelmente, porém, onde melhor ela pode ser
observada é nas providências tomadas por ocasião do
estabelecimento do contato entre dois agentes. Essas
providências, em qualquer situação, são sempre
reduzidas ao mínimo possível, mas, quando planejadas,
obedecem a um plano minuciosamente concebido.
Vejamos um exemplo. A respeitável dona-de-casa de St.
John’s Wood deu a Alexandre Foote as instruções, que ele
devia seguir, para encontrar seu contato em Genebra.
Essas instruções eram as seguintes: “No dia imediato à
sua chegada a Genebra, você terá de estar em frente ao
edifício do Correio Geral, no momento exato em que o
relógio soar as doze horas. Usará um cachecol branco,
por fora do casaco, de modo a que seja bem visível, e,
em sua mão direita — não na esquerda, e lembre-se
disso —, deverá levar um cinto de couro. Um segundo ou
dois após a última badalada das doze, uma mulher se
aproximará de você. Em uma das mãos, ela levará uma
bolsa de corda trançada, no interior da qual você poderá
ver um embrulho de papel verde, e na outra mão terá
uma laranja. A mulher se dirigirá a você e iniciará a
conversa nestes termos: “Desculpe-me, mas onde
comprou esse cinto?” E você responderá: "Num
ferragista em Paris.” E tudo se passou como havia sido
recomendado.

As maiores recomendações se fazem no sentido de que


os agentes sejam absolutamente pontuais em seus
encontros. Se um ou outro não consegue chegar na hora
exata, o outro não deve esperar, para não atrair a
atenção. Nesse caso, novos entendimentos são feitos, de
forma a que outro encontro se realize, mas em local
diferente.

Não apenas na realização dos contatos a segurança é


imprescindível. Para evitar frequentes reuniões, são
inventadas "caixas de correio”. Trata-se de locais em que
informações escritas podem ser escondidas pelo agente
e apanhadas, mais tarde, pelo contato. Algumas dessas
“caixas”, ideadas pelos soviéticos, são tão
melodramáticas que parecem retiradas de alguma novela
fantástica. Certa vez, na Suécia, essa “caixa de correio”
era uma lata enferrujada, escondida num lugar distante,
situado num dos subúrbios de Estocolmo. Algumas vezes,
as livrarias públicas são usadas, e o agente deixa a sua
mensagem, em código, num livro predeterminado. O
contato penetra na livraria mais tarde, e a copiará.
Grampos de cabelo, colocados em certa posição, numa
cerca de arame, têm servido, igualmente, para transmitir
uma mensagem.

Todo o sistema de funcionamento, assim como a


estrutura interna de uma rede, é concebido para
disfarçar, ao máximo, a identidade do maior número
possível dos agentes operadores. Esse cuidado tem se
revelado de tanto êxito que, quando uma rede é
denunciada, em consequência da deserção de um
agente, as autoridades nunca estão certas de que
poderão desmontá-la por inteiro. E, na realidade, jamais
o conseguem. Mesmo quando Igor Gouzenko exibiu um
acervo de documentos, relacionados com a existência de
um anel de espionagem atômica, no Canadá e nos
Estados Unidos, só oito anos mais tarde é que a política
canadense descobriu que uma rede paralela havia
continuado a funcionar imperturbavelmente, apesar do
desmantelamento da organização chefiada por Zabotin.
Em vista de todas essas circunstâncias, não pode haver
dúvida de que, hoje, a espionagem soviética é uma das
mais poderosas armas não apenas da URSS, mas
também do mundo comunista. Estende seus tentáculos
por todo mundo, a cada ano que se passa, introduz, em
sua estrutura, novos instrumentos de agressão, sempre
concebidos tendo em vista a imposição de uma eventual
supremacia do comunismo no mundo. Se esses objetivos
têm de ser frustrados, um violento antídoto deve, então,
ser aplicado, e de maneira drástica.

A aplicação desse antídoto não constitui, como se poderá


supor, uma responsabilidade das agências de
contraespionagem.

Por ocasião do julgamento de Vassall, a Dame Rebecca


West escreveu, em seu sumário do processo: “O
problema da segurança é tão agudo, hoje em dia, que o
público deve fazer o que lhe estiver ao alcance para
preservar a sua salvação. O Parlamento e a imprensa
precisam também abandonar os interesses partidários e
orientar a comunidade, a una voce, sobre a extensão, a
natureza e também os prováveis efeitos da espionagem
inimiga.”

Nossa intenção aqui é justamente realizar esse objetivo.


Estudando as realizações da espionagem soviética no
passado, talvez possamos — segundo esperamos —
adquirir alguma noção do que nos espera no futuro,
tendo sempre em mente o aperfeiçoamento, tanto das
técnicas das operações de espionagem, como o da
vulnerabilidade do ambiente político. 

 
Segunda Parte
ENTRE AS GUERRAS

2. Alemanha

Em 1918, na opinião dos líderes soviéticos, a efetivação


da revolução mundial não era um ideal de execução a
longo prazo, mas que deveria ser conseguido o mais
rapidamente possível. No tumulto que se estabeleceu em
larga área da Europa, tanto Oriental como Ocidental, logo
em seguida ao armistício, acreditaram eles que o terreno
já estava preparado para uma rápida vitória. E, nesse
sentido, nenhum outro país lhes pareceu mais propício
para a realização de seus desígnios do que a Alemanha.

O proletariado alemão tinha uma longa tradição de


atividades clandestinas que, considerada em termos de
duração, quase igualava a dos trabalhadores da Rússia.
Já em relação à experiência de lutas de classe, inspiradas
pela segunda revolução francesa, ele se encontrava bem
à frente dos russos. Embora a tentativa de acabar com o
jugo autocrático da dominação prussiana houvesse
falhado, os socialistas alemães, apesar desse fracasso,
por cerca de meio século mantiveram acesa a flama do
ideal libertário e, assim, conservaram-se revolucionários
em potencial.

Essa realidade tornou-se evidente no primeiro mês do


último ano da guerra, quando levantes populares
aconteceram em Hamburgo, Munique e outras cidades,
e, embora esses movimentos houvessem sido
temporariamente dominados, recrudesceram e tomaram
vulto entre janeiro e novembro de 1918. A 3 de outubro
de 1918, quando a derrota da Alemanha já era uma
certeza e o desespero das massas atingira um perigoso
nível, outro tipo de revolução sem sangue proporcionou à
Alemanha seu primeiro governo parlamentarista, sob a
direção do Príncipe Max de Baden. Essa transformação
política permitiu que os socialistas participassem do
Gabinete, mas, mesmo assim, ela não teve força para
evitar a revolta do proletariado, que, secretamente e
desde muito, estava em fermentação.

Essa revolução, que começou por criar sovietes de


trabalhadores e de soldados, nos moldes dos de Moscou,
foi inspirada pelo Spartaknsbermegung (designação
derivada de Spartacus, que liderou a guerra dos escravos
contra Roma, nos anos de 73 a 71 antes de Cristo).
Tratava-se de um movimento de socialistas da extrema
esquerda. Influenciados pelo sucesso dos bolchevistas na
Rússia, os espartaquistas tentaram estabelecer, na
Alemanha, uma ditadura do proletariado. O movimento
fracassou, entretanto, pois os menos extremistas, os
social-democratas, havendo obtido o apoio de elementos
de classe burguesa e auxiliados pelo que restou das
forças armadas, rapidamente esmagaram a revolta.

Após a morte dos líderes espartaquistas, Karl Liebknecht


e Rosa de Luxemburgo — nas mãos de Noske, socialista
de direita que, em 1919, era o Ministro do Interior, o
movimento declinou, já sem ímpeto e falho de
orientação. Apesar disso, surgiu, pouco depois, das
cinzas da agremiação extinta, um poderoso Partido
Comunista Alemão. Embora a tentativa espartaquista
houvesse sido muito séria, e pudesse mesmo ter sido
vitoriosa, caso mais bem organizada, mesmo assim os
comunistas alemães, nos dezoito meses que se
seguiram, fizeram sucessivos e inúteis esforços no
sentido de persuadir o proletariado a tomar, pela força, o
poder. Essas tentativas não lograram êxito porque,
embora fosse respeitável o prestígio de que o movimento
desfrutava, essa situação foi inteiramente anulada pela
descoordenação de seus levantes cheios de violência, os
quais proporcionaram ao governo razões justas para a
supressão do movimento, o que se realizou sem qualquer
derramamento de sangue.

O próprio governo, entretanto, enfrentava dificuldades


naquela época, embora de outra natureza. Quando lhe
foram apresentados os termos do Tratado de Versalhes,
os democratas se recusaram a assiná-lo e o Gabinete
renunciou. Os socialistas e o Partido Romano Católico de
Centro puderam então formar uma coalizão e, assim, o
socialista Müller e Bell, do Partido Romano Católico do
Centro, assinaram o referido tratado.

A Assembléia Nacional que, desde as eleições da


Constituinte em 1919, vinha-se reunindo no teatro em
Weimar, transferiu-se, então, para Berlim, e os
democratas tornaram a se aliar ao governo. Durante os
nove meses seguintes, respirou-se um clima de relativa
paz no país, só perturbado por uma tentativa de tomada
de Berlim, levada a efeito, no dia 13 de março de 1920,
por forças armadas irregulares. Esse assalto ficou
conhecido como o putsch de Kapp. Os membros do
Gabinete fugiram para Stuttgart e dali conseguiram fazer
frustar-se o atentado reacionário, proclamando uma
greve geral. Seguiu-se uma revolta comunista no Ruhr, e
por que, para sufocá-la, as forças alemãs tecnicamente
iriam violar as cláusulas do armistício, tropas francesas
logo ocuparam Francforte. Esse foi o último e sério
levante verificado naquele período, muito embora a vida
do país continuasse a ser ainda pontilhada, por algum
tempo ainda, de frequentes agitações industriais que,
muitas vezes, chegaram à violência.
Em face desse ambiente de inquietação geral, não seria
de admirar que os líderes soviéticos, certos de que a
revolução mundial estava prestes a estourar, julgassem a
Alemanha um local de especial atração para o
estabelecimento, em seu território, de um posto
avançado revolucionário. Dessa base, dentro das
fronteiras alemãs, os líderes vermelhos julgavam que
poderiam planejar suas atividades subversivas e dirigir
sua espionagem mais diretamente contra a Europa
Ocidental e de modo mais eficaz do que conseguiriam
fazê-lo da longínqua Moscou. No último capítulo,
referimo-nos ao fato de como o Centro controlava, de
Berlim, a espionagem na França. A França, porém, não
deixava de ficar em plano secundário quando se
comparava o que ali fora feito com o que se operou na
própria Alemanha, pois, embora àquele país fosse, na
época, a potência líder da Europa, a Alemanha, contudo,
apresentava possibilidades diferentes e mais sedutoras
— possibilidades nas quais a União Soviética, fazendo
desesperados esforços para instituir uma fase industrial,
estava mais egoisticamente interessada.

Os objetivos russos na Alemanha, portanto, tinham dupla


finalidade: fazer o que lhe fosse possível para
estabelecer ali um estado comunista e obter, por outro
lado, qualquer gênero de informação sobre os
empreendimentos industriais, através dos quais os
técnicos alemães procuravam reconstruir o seu
desmantelado país. Foi para levar avante esses objetivos,
e como medida temporária para conseguir um amigo
num mundo hostil, que a Rússia, em 1920, sugeriu o
reatamento de suas relações diplomáticas com a
Alemanha, resultando daí, dois anos mais tarde, o
Tratado de Rapallo. Esses dois acontecimentos iriam
tornar possíveis os extraordinários sucessos que a
espionagem soviética obteve na Alemanha, e que se
prolongaram até o advento do hitlerismo. Sem esses
acontecimentos, o êxito obtido pela Rússia não revelaria
nem a metade da dimensão que realmente teve.

O período em que a espionagem atingiu a sua maior


intensidade pode ser estabelecido entre os anos de 1920
e 1925. Talvez tenha sido uma coincidência o fato de
que, justamente nessa fase, os métodos e a organização
da espionagem soviética deixariam seu estágio de
amadorismo, para se expandir e florescer em padrões
altamente profissionais e técnicos. Já que a intenção do
comando soviético era desencadear, o quanto antes, a
revolução mundial, apoiando-se na sólida base de uma
Alemanha comunista, a GRU — a agência militar de
Inteligência — revelou-se, nesse país, muito mais ativa
do que em qualquer outra parte da Europa.

A espionagem militar tinha duas linhas de atividades,


uma das quais não podia, de fato, ser classificada como
de espionagem. Tratava-se do plano russo de organizar
um novo exército alemão. Antigos oficiais deveriam ser
conquistados pelos soviéticos e, sob a orientação do
golem de Moscou, iriam formar, então, o núcleo de uma
poderosa organização militar. A Alemanha foi dividida em
seis distritos militares, cada um deles sob o controle de
um comunista alemão, assessorado por um conselheiro
russo, designado pelo Centro. A idéia da organização
desses distritos era, justamente, a de constituir uma
força militar subterrânea, a qual, quando estivesse
completamente estruturada, poderia emergir, juntar-se
aos russos, impor um regime comunista à Alemanha e,
então, enfrentar o resto da Europa. Tratava-se de um
plano bem urdido e admiravelmente concebido, mas que
fracassou em outubro de 1923, quando as greves e os
levantes ocorridos nesse mês encontraram as forças
alemãs completamente leais a seu governo. Procurando
reduzir suas perdas, os russos reconsideraram seu
critério na maneira de realizar a espionagem militar e,
prontamente, instituíram uma nova agência, com
instruções tanto para colher informações militares
propriamente ditas como para operar nas linhas normais
da espionagem.

Durante os poucos anos que se seguiram à adoção dessa


diretriz, esse plano foi seguido à risca e, embora seu
êxito inicial fosse de pouca monta — exceto no que se
referia ao volume de informações obtidas —, os dois
últimos anos anteriores ao advento do nazismo
trouxeram-lhe resultados compensadores. Como havia
acontecido na França, também a indústria de aviões, na
Alemanha, constituía o alvo de maior interesse, do ponto-
de-vista militar, para a União Soviética, já que, nesse
campo, vinham-se verificando, com frequência,
surpreendentes descobertas.

Para preparar um esforço concentrado nesse setor, um


preeminente engenheiro soviético, Alexandrovski, foi
enviado à Alemanha em 1927. Tinha por missão procurar
colher todo e qualquer gênero de informação sobre a
engenharia aeronáutica, tal como ela vinha sendo levada
a efeito na Alemanha. Mesmo antes de desembarcar em
solo alemão, esse emissário russo tivera a oportunidade
de entrar em contato com aquela indústria, através de
Eduard Ludwig, um jovem técnico em aviação que, em
1924, trabalhara no escritório da Junkers, em Moscou.
Durante essa sua permanência na capital soviética, e
que se prolongou por cerca de um ano, fora abordado por
elementos da Inteligência soviética, que lhe prometeram
animadora recompensa, se, quando de sua volta à
Alemanha, viesse a cooperar com os russos. Ludwig não
hesitara em concordar. Assim, ao regressar à pátria em
1925, deixou a Junkers e empregou-se na Dornier, onde
permaneceu o tempo justamente necessário para se
informar sobre o que ali estava acontecendo e inteirar-se
dos planos em elaboração. Feito isso, obteve um posto
no Instituto de Pesquisas Aeronáuticas em Berlim. No ano
de 1927, já sabia tudo o que desejava saber sobre a
indústria alemã de fabricação de aviões e, quando
Alexandrovski chegou a Berlim, encontrava-se preparado
para lhe fornecer todas as informações.

Infeliz ou felizmente, conforme o lado em que se coloque


o leitor, essa cooperação não durou muito. O
intermediário entre Alexandrovski e Ludwig era um letão
de nome Scheibe, através de quem o engenheiro russo
solicitava ao técnico alemão os documentos que
deveriam ser retirados dos arquivos do Instituto de
Pesquisa Aeronáutica, relativos aos motores de avião
secretos. Ludwig retirou os documentos e os passou a
Scheibe e este, por sua vez, os entregou a um homem
chamado Ernst Huttinger para serem fotografados.
Antes, porém, que as cópias fossem tiradas, as
autoridades do Instituto deram por falta dos documentos.
As subsequentes investigações levaram a Ludwig e, em
julho de 1928, ele, Huttinger e Scheibe foram presos.
Alexandrovski, porém, conseguiu escapar.

As autoridades alemãs discriminaram entre a


espionagem militar e a espionagem industrial, sendo que
os réus da primeira classificação eram geralmente
tratados com penas severíssimas. Assim, Scheibe foi
condenado a seis anos de prisão; Ludwig, a cinco; e o
fotógrafo, a três.

Alguns casos de menor importância passaram a alertar


as autoridades alemãs sobre a evidência de que os
russos estavam realizando espionagem militar em
grande escala, no interior do país. A realidade,
entretanto, não deixou de lhes criar alguns embaraços.
De acordo com o plano do governo soviético de atrair a
cooperação de técnicos estrangeiros para a organização
da sua indústria, a colaboração entre os dois países
tornara-se muito estreita. De qualquer forma, amizade
não podia justificar que os alemães abrissem mão de
segredos de importância nacional e, nessas condições, o
serviço de contraespionagem conservou-se em
permanente alerta, pegando o pessoal miúdo, pelo
período de um ou de dois anos, na expectativa de que
um fato de relevância ocorresse.

O segundo grande golpe, sofrido pelos soviéticos, teve


lugar em 1931, em face da deserção do escritor
comunista Hans Schirmer.

Em 1928, os alemães assentaram a quilha do primeiro


cruzador a ser construído de acordo com as cláusulas do
Tratado de Versalhes. Uma vez que sua tonelagem
deveria ser limitada, os desenhistas navais consumiram
muitos anos de estudo, tentando criar um tipo de navio
que, deslocando reduzido peso, compensasse essa
limitação, através da adoção dos mais modernos
requisitos técnicos. O cruzador era, obviamente, um alvo
certo para a espionagem soviética e, logo na primavera
de 1929, um pequeno núcleo de agentes russos foi
desmascarado.

No ano seguinte, a contraespionagem alemã nada


conseguiu descobrir, e seria bem possível que assim
continuasse a acontecer, não fosse o caso criado por um
indivíduo chamado Hans Schirmer. Em fevereiro de 1930,
Schirmer, tão imprudentemente como poderia sê-lo,
escreveu uma carta para O Chefe da Divisão de
Espionagem do Centro do Partido Comunista de
Hamburgo, na qual, declarando-se antigo operário das
docas daquela cidade, afirmava estar em condições de
fornecer informações de interesse, que poderia obter
através de contatos de que, naquelas docas ainda
dispunha.

Estranhamente, Schirmer recebera uma resposta,


solicitando maiores detalhes sobre o que poderia
informar, antes que um contato direto fosse efetivado.
Rejeitou a proposta, dizendo que só forneceria
informações pessoalmente. Diante dessa recusa, foi
combinado que ele deveria encontrar-se com um homem
chamado Herbert Sanger.

Sanger era o pseudônimo de Lother Hoffmann, um antigo


agente russo, que, quando os alemães prenderam os
integrantes da primeira célula, fora mandado para
Hamburgo, com a incumbência de instalar ali outro
núcleo revolucionário. Tratava-se de um espião
profissional e, conquanto isso conte para se compreender
a impunidade do seu grupo pelo período de dezoito
meses, esse fato faz com que se torne difícil
compreender, por outro lado, as razões que o levaram a
marcar àquele encontro com Schirmer.

Nessas entrevista, Hoffmann declarara a Schirmer que


“eles” já possuíam bons contatos nos estaleiros, embora
pudessem interessar-se por informações sobre as
tendências políticas dos trabalhadores e dos oficiais. Ao
se encerrar a palestra, nada havia ficado combinado
entre os dois, embora Hoffmann houvesse dado a
Schirmer um endereço para o qual poderia escrever,
evitando-se, assim, o perigoso processo de que haviam
usado, encontrando-se na rua. Meses se passaram então,
e Schirmer não tivera mais quaisquer notícias de
Hoffmann. Esse desinteresse parece que desagradou ao
missivista, que, irritando-se, dirigiu-se, em outubro de
1930, à contraespionagem naval, denunciando seu
contato com Hoffmann. Colocou-se, igualmente, à
disposição das autoridades para cooperar com elas no
sentido de desmascarar Hoffmann, o que foi aceito.

Seguindo instruções que lhe foram dadas pelo serviço de


contraespionagem, Schirmer escreveu a Hoffmann,
informando-o de que estava de posse de documentos de
grande importância. Hoffmann mordeu a isca e, nos
meses que logo se seguiram, passou a se encontrar com
Schirmer para receber os falsos documentos, que lhe
eram fornecidos pelo serviço de contraespionagem.

Nesse ínterim, a contraespionagem conseguira


desmascarar as atividades de Hoffmann, identificando
seus diversos agentes e, em maio de 1931, todo o lote
de conspiradores foi preso. Esse sucesso, entretanto,
chegou tarde demais para reparar o mal que a rede já
causara. Nos dois anos em que ela estivera em atividade,
todos os detalhes do novo cruzador alemão haviam sido
passados para os russos.

Entre os agentes que mais concorreram para o êxito do


GRU, na Alemanha, devem ser incluídas as filhas do
General Kurt von Hammerstein, um dos representantes
da hierarquia militar alemã, que, em 1930, fora nomeado
chefe do Oberkommando des Heeres (Alto Comando das
Forças Armadas). Nessa época, larga percentagem do
corpo de oficiais alemães era favorável à colaboração
militar com a Rússia e, entre eles, se encontrava
justamente o referido General Hammerstein, que realizou
muitas viagens a Moscou, para se entrevistar com os
líderes soviéticos.

Hammerstein tinha duas filhas que possuíam uma visão


política bem mais avançada do que a sua, a de um
militar conservador. Naturalmente, a tendência política
dessas moças era conhecida nos círculos da Inteligência
soviética, e Werner Hirsch, editor do jornal A Bandeira
Vermelha, órgão do Partido Comunista Alemão, foi
designado para se aproximar delas e procurar conhecê-
las bem. Se, através desses contatos, julgasse que eram
de fácil receptividade, deveria doutriná-las e alistá-las
como agentes.

Hirsch obteve tamanho êxito no desempenho de sua


missão que, num espaço de tempo relativamente
reduzido, as duas moças já haviam ingressado no GRU,
fornecendo aos seus agentes todos os documentos
militares de valor que o pai trazia consigo para casa.
Ocuparam-se elas nessas atividades por vários anos e,
na opinião de elementos dos círculos soviéticos,
“estavam classificadas entre os melhores agentes que
operavam junto ao Exército alemão”.

Embora a espionagem militar soviética se tivesse iniciado


com grandes esperanças na Alemanha, e conquanto
houvesse obtido assinalado êxito no recolhimento de
informações úteis, os esforços requeridos para a
consecução desses objetivos foram relativamente pobres
em relação aos que teve de fazer para conseguir alguns
resultados na coleta de segredos industriais. Neste
terreno, sua base de operações fora instalada na
Delegação Soviética de Comércio, a Handelsvertretung,
que possuía seu quartel-general na Lindenstrasse, em
Berlim.

Sempre que a União Soviética estabelece relações


diplomáticas com um país, julga da maior importância —
acima, mesmo, da instalação de sua embaixada — a
criação imediata de uma organização permanente de
comércio. A Handelsvertretung de Berlim era uma réplica
da Arcos, que funcionava em Londres, e da Amtorg, que
agia nos Estados Unidos. Dentro de sua função legal,
essas delegações de comércio eram da maior relevância
para a União Soviética, mas essa situação variava de
acordo com o entusiasmo demonstrado pelos líderes
políticos do país em que elas eram instaladas e com o
grau de interesse do governo russo nas indústrias do
mesmo país. Na Grã-Bretanha, em meados da década de
vinte, o entusiasmo por essas relações comerciais não
era muito grande, e a Arcos não chegara a ser uma
instituição de importância. Na Alemanha, entretanto,
onde o retorno à normalidade repousava na reabilitação
de sua indústria destruída pela guerra, e, nessas
condições, o incremento de suas exportações para
qualquer país apresentava-se como um fator essencial, a
Handelsvertretung já desempenhava um papel de
incontrastável relevo. Em face dessa situação, os
alemães não desconfiaram — como os ingleses o haviam
feito em relação à Arcos — das intenções do governo
soviético, ao abarrotar os escritórios de sua delegação,
que funcionava na Lindenstrasse, de numeroso corpo de
funcionários. Esse fato, aliado à maneira branda com que
oficialmente a espionagem industrial era encarada, foi de
enorme ajuda para a espionagem clandestina que a
Handelsvertretung exercia dentro da indústria alemã.

Outro fator que muito auxiliou a espionagem industrial


na Alemanha foi a boa vontade demonstrada pelo Partido
Comunista Alemão em cooperar. Contrariamente ao que
fez o Partido Comunista Francês, seu homônimo alemão
estava preparado, e mesmo ansioso, para fornecer
pessoal para os serviços da espionagem soviética que
operavam no país. E, com efeito, os agentes, que o
Partido forneceu, representavam o que havia de melhor
em suas fileiras. Possuíam a tradicional eficiência alemã
e eram capazes de conduzir uma operação secreta com o
maior êxito possível. Entre os principais agentes que
trabalhavam naquele período, devem ser citados Hans
Kippenburger, um antigo líder da Organização Estudantil
Comunista; Leo Flieg; Wilhelm Zaisser, que por muitos
anos, desde a guerra, fora Chefe de Polícia da Alemanha
Oriental; Arthur Illner, que se tornara famoso como
sequestrador e assassino; e Ernst Wollweber, Ministro de
Segurança do Estado, na Alemanha Oriental.

Calcula-se que cerca da metade dos secretários do


Partido, em Berlim, eram membros da organização
clandestina do Handelsvertretung, enquanto haviam sido
mobilizados, igualmente, e tendo em vista as mesmas
atividades, tanto os membros da Organização Estudantil
Comunista, como os filiados aos sindicatos da mesma
ideologia. Certamente que não havia falta de agentes em
potencial para os trabalhos a serem realizados, mas o
Centro considerava tão importante àquele tipo de
espionagem que alguns dos seus melhores e mais
experimentados profissionais foram colocados em postos
fictícios na Handelsvertretung, para dirigir as operações.
A contribuição alemã para a espionagem soviética, entre
os anos de 1922 e 1933, foi enorme, e o acervo de
informações obtidas se revelou ainda maior — tão
grande e tão extenso que se torna impossível avaliar-lhe
a importância.

Baseada nas redes comunistas locais, dirigida por


membros do Partido na própria Alemanha, mas
controlada por profissionais russos de primeira classe, a
espionagem soviética, no campo industrial, de ano para
ano crescia e se expandia. Era possível que a
contraespionagem estivesse a par do que ocorria no país,
mas, mesmo levando em conta essa circunstância,
embora se mantivesse em permanente vigilância, quase
nada podia fazer, já que lhe faltavam meios e recursos
para impedir o trabalho dos agentes clandestinos. O que
as forças de segurança apenas conseguiam realizar era
arranhar a superfície daquela broca que, incessante e
pertinazmente, solapava o país, assistindo, sem poder
evitá-lo, a que cada vez mais ela se aprofundasse nos
filões das conquistas industriais alemãs e retirasse deles
o que era de interesse para o desenvolvimento da
nascente industrialização soviética. Diante dessa
realidade, algumas fabulosas empresas alemãs, como,
por exemplo, a I. G. Farben, a fim de aliviar as despesas
do governo e, ao mesmo tempo, para se protegerem,
organizaram seus próprios serviços de segurança. Essa
providência sempre ajudou, mas os reflexos que teve
sobre o esforço e as realizações da espionagem soviética
escassamente foram notados.

Entre 1924 e 1929, verificou-se um fluxo quase


constante de casos de espionagem industrial — roubo ou
entrega a países estrangeiros de segredos industriais ou
de outra natureza — em tramitação nos tribunais
alemães. A condescendente atitude oficial em relação a
este tipo de espionagem, aliada à política governamental
de colaboração com a Rússia, resultou na imposição de
sentenças tão inócuas que tanto a União Soviética como
o Partido Comunista Alemão sentiram-se encorajados a
prosseguir em seu trabalho. Assim é que, em 1928, a
atividade dos espiões assumiu aspectos alarmantes e
prosseguiu nesse mesmo ritmo acelerado até o início da
era nazista, em 1933. Durante esse período, ela assumiu
tais proporções que o governo alemão se viu na
contingência de adotar uma atitude mais severa.

Sob o regime czarista, a grande empresa alemã de


produtos químicos Solvay, situada em Bernburg, próximo
de Dessau, mantinha uma filial em Moscou. Com a
ascensão dos bolchevistas, essa sucursal foi
desapropriada e nacionalizada e, em 1928, teve sua
reconstrução programada de acordo com as exigências
do primeiro Plano Quinquenal. Como o governo soviético
se recusara a atender às reclamações de indenização,
formuladas pela matriz, a única maneira que os russos
acharam para obter o know-how, através do qual
poderiam atualizar e fazer funcionar aquele conjunto
industrial, foi tentar seduzir técnicos alemães, altamente
especializados, e levá-los para a Rússia, a fim de que
lhes prestassem assistência.

Com esse intento, instruíram um de seus agentes, um


russo chamado Luri, para que se aproximasse de Meyer,
um químico experiente, que conhecia todos os novos
segredos da Solvay, e lhe oferecesse o posto de gerente-
geral da fábrica de Moscou. O salário que lhe reservaram
era excepcionalmente elevado. Meyer aceitou a oferta,
mas necessitava de maiores conhecimentos do que
aqueles que já possuía e, antes de viajar para a Rússia,
tentou obtê-los de antigos colegas. Um desses
compreendeu o intuito que ele secretamente alimentava,
e o denunciou à polícia. Meyer foi preso, julgado e
sentenciado a quatro meses de prisão.

Nos últimos meses de 1930, um oficial de segurança da


Krupp, em Magdeburg, deteve um dos principais
desenhistas da fábrica, chamado Kallenbach, quando
deixava, certo dia, o escritório, e exigiu que sua pasta
fosse examinada. Nessa pasta foram encontrados
detalhes de patentes secretas e desenhos de novas
máquinas. Subsequentes investigações revelaram que
Kallenbach e mais dois outros desenhistas estavam
agindo sob instruções de seu antigo chefe, um
engenheiro de nome Russki, o qual, por sua vez, fora
contratado para trabalhar na Rússia — e sua partida já
estava marcada. Kallenbach foi condenado a quatro
meses de prisão, e seus comparsas estiveram detidos
por algumas semanas.

Poucas semanas mais tarde, um engenheiro russo,


Feodor Volodichev, admitido como empregado da
Siemens, auxiliado por dois jovens assistentes alemães,
foi apanhado quando remetia para os escritórios da
Handelsvertretung especificações sobre as últimas
invenções relativas à telegrafia, a microfones e a
teletipos. Volodichev foi condenado a quarenta dias de
prisão.

Assim prosseguiu o serviço de espionagem até 1931,


quando as autoridades alemãs decidiram que não mais
podiam mostrar-se indiferentes às atividades
clandestinas da Handelsvertretung, à qual acusaram
abertamente da prática de atos ilegais.

O caso que mais irritou a opinião pública, e obrigou o


governo a tomar conhecimento dele, foi o que envolveu
um engenheiro austríaco de nome Lippner. Lippner fora,
de forma perfeitamente legal, contratado pela
Handelsvertretung, como conselheiro de petróleo, em
que era perito. Mal começara a desempenhar suas
funções na delegação quando, certo dia, foi abordado por
um homem chamado Glebov, pertencente ao Centro, que
lhe solicitou fosse obter da I. G. Farben, em
Friedrichshafen, determinada informação secreta,
relacionada com a exploração do petróleo. Lippner
recusou-se, demitiu-se imediatamente de seu emprego e
processou a delegação, para receber a soma de 9 000
marcos, pela qual haviam sido contratados seus serviços.
A Handelsvertretung depôs em juízo que desconhecia
quem fosse aquele Glebov, declarando, ainda, que não
seria válido qualquer documento que por ele estivesse
assinado. Glebov não foi encontrado. A imprensa alemã
reagiu com certa violência e o governo não pôde mais se
dar ao luxo de encolher os ombros e continuar não
tomando conhecimento de casos daquela natureza.

Na primavera de 1931, ocorreu um incidente que deu


então ao governo alemão a oportunidade de demonstrar
que não poderia tolerar, por mais tempo, aquela
ultrajante, e quase aberta, espionagem. A rede que
estava envolvida no caso era relativamente grande.
Tratava-se do Sindicato Revolucionário da Oposição —
uma extensa organização comunista —, composto de
cerca de duas dúzias de agentes, todos comunistas
alemães, e dirigido por Erich Steffen. Tanto Steffen como
sua mulher eram empregados da Handelsvertretung. O
objetivo que tinham em mira: a obtenção das últimas
descobertas químicas da empresa I. G. Farben, sendo
que numerosos elementos da rede eram engenheiros,
químicos e operários que trabalhavam para esse grande
conjunto industrial. O chefe da célula, em Ludwigshafen,
era um homem chamado Karl Dienstbach, que,
anteriormente, fora empregado da Farben, cujos
laboratórios estavam instalados naquela cidade. Havia
sido despedido da fábrica, mas, apesar disso, conseguira
manter relações íntimas com elementos que
trabalhavam em todas as indústrias situadas nos maiores
centros industriais da região.

Cautelosos, em face das lições aprendidas na França, ao


invés de apresentar longos questionários aos seus
contatos, os soviéticos passaram a adotar a política de
lhes extrair as informações, pouco a pouco. Entretanto, o
grande número de agentes que trabalhavam na rede
constituía um perigo, já que cada um deles tentava obter
informações de vários contatos e, nessas condições, a
quantidade de pessoas envolvidas era bem mais elevada
do que o aconselhado pelas boas normas de segurança.
Mais uma vez, o fracasso de uma rede soviética foi
motivado por ausência de capacidade de julgamento, por
parte dos seus chefes, do caráter de um dos agentes que
integravam a organização. Karl Kraft fora solicitado a
fornecer certa fórmula secreta, relacionada com a
amônia e o ácido carbólico, e imediatamente participou
aos seus superiores a proposta que lhe havia sido feita.
Instruíram-no, então, para que mantivesse contato com o
agente Heinrich Schmid, enquanto as investigações eram
levadas a efeito. A apuração do que ocorria levou cerca
de dez semanas, com os seguintes resultados: a) a rede
possuía ramificações extensas; b) suficientes provas
foram obtidas para que a contraespionagem pudesse
prender Steffen, Dienstbach e grande número de
integrantes da rede. Numa busca, realizada na residência
de Steffen, foram encontradas fórmulas, listas dos nomes
de seus agentes e seus endereços e, como resultado
dessa proveitosa diligência, somente alguns poucos
membros da rede puderam escapar.

Quando o caso foi oficialmente anunciado, ficou


claramente evidenciado que o governo de Berlim, já
desde algum tempo, estava a par do fato de que o
Partido Comunista Alemão vinha-se empenhando em
obter segredos industriais, utilizando-se, para isso, da
colaboração de alguns técnicos, aos quais eram feitas
tentadoras ofertas de empregos na Rússia. Embora o
comunicado oficial não se houvesse referido
abertamente ao papel representado pelos russos nesses
acontecimentos, não deixara de ficar implícito, no texto,
que as autoridades germânicas não ignoravam,
igualmente, a atuação que nos mesmos eles tiveram.

Pouco tempo após sua prisão, Dienstbach confessou tudo


quanto sabia, mas nada informou sobre a participação
dos russos na questão. Quando tentaram descobrir quem
estava por trás de Steffen, ficou decidido que uma busca
seria realizada nos escritórios da Handelsvertretung. O
Ministério do Exterior, entretanto, não permitiu que essa
drástica providência fosse tomada, sob a alegação de
que a delegação soviética possuía imunidades
extraterritoriais. Como era de se esperar, a
Handelsvertretung apressou-se em oficialmente negar
que, de qualquer forma, pudesse estar implicada no
caso.

Na realidade, o responsável pelas atividades dessa rede


era um cidadão russo, conhecido só por Alexandre.
Tratava-se de uma alta patente da espionagem russa,
embora figurasse, na lista da representação diplomática
soviética, como simples funcionário da embaixada. Por
intermédio da organização Defesa do Trabalho
Internacional, Alexandre se encarregou de tentar
inocentar os acusados. O advogado por ele escolhido
tinha não só a função de representar os prisioneiros, mas
também, a de visitar regularmente os demais contatos,
que ainda se achavam em liberdade, a fim de se
assegurar de que não cometessem qualquer indiscrição.

Esta última tarefa, ele a desempenhou com pleno êxito.


No que diz respeito à sua atuação no tribunal, porém, ela
se revelou inferior ao que Alexandre esperava, já que as
provas coligidas contra os acusados eram indiscutíveis e
esmagadoras.

Em face, entretanto, do que dispunham as leis relativas a


espionagem industrial, as sentenças tiveram de ser
brandas. Steffen, Schmid e Dienstbach só foram
condenados a dez meses de prisão, e a sentença dos
demais acusados não ultrapassou o período de quatro
meses.
Essas sentenças tiveram o efeito de levantar tal clamor
público que, em março de 1932, foi baixado um decreto
presidencial, tornando mais rigorosas as penas para os
crimes de revelação de segredos industriais, as quais
passaram a ser de três anos de prisão, caso esses
segredos fossem entregues a firmas competidoras; e de
cinco anos, se revelados a representantes de firma ou de
governo estrangeiros.

Por volta de março de 1932, verificaram-se sintomas de


alterações no panorama político alemão. De semana para
semana, os nazistas se mostravam mais ativos, e um
crescente apoio popular lhes reforçava a campanha pela
posse do poder. Se os governos ocidentais não davam
mostras de estar pressentindo a próxima transformação,
já não acontecia o mesmo com os russos, que, em face
do que ocorria, começaram a se preparar para enfrentar
a nova realidade. Através do Comintern, todos os
comunistas alemães de certa projeção receberam
instruções para se prepararem para um mergulho na
clandestinidade, nela permanecendo por um período de
tempo razoavelmente longo. As agências soviéticas, por
sua vez, receberam ordem para se conservarem em
estado de alerta, destruindo toda a documentação que
não fosse julgada imprescindível e enviando para Moscou
a considerada necessária.

Essas providências mal haviam sido tomadas, e eis que,


em janeiro de 1933, Hitler assume o poder. No governo,
uma das suas primeiras preocupações foi a de extinguir o
Partido Comunista, com uma celeridade e uma rudeza
raramente antes vistas na História. Embora os líderes, no
momento, se achassem a salvo, por se encontrarem em
seus esconderijos e acobertados por falsas identidades, o
Partido, como expressão de um movimento ideológico,
em poucos meses, praticamente deixara de existir.
Conquanto muitos dos colaboradores da espionagem
russa pudessem ainda andar à solta, era por demais
perigosa para eles uma retomada de suas antigas
atividades e, de qualquer maneira, se o tentassem, nada
conseguiriam fazer por falta de auxiliares e de contatos.
Por outro lado, se bem que as precauções tomadas, com
a devida antecedência, houvessem evitado que as
agências russas fossem desmascaradas, também elas
passaram a se sentir tolhidas, em face da aterradora
atividade da nova força de segurança criada pelos
nazistas, a Geheimestaatspolizei, ou seja, a Gestapo. Os
líderes clandestinos, por seu lado, não estariam em
segurança por muito tempo. Sob tortura e ameaça de
morte, muitos dos que conheciam os esconderijos
daqueles líderes logo revelaram o que sabiam, e os que
escaparam de ser presos foram compelidos a salvar suas
vidas, fugindo para o exterior.

Algumas das agências russas foram varejadas pela


Gestapo, mas nada ali foi encontrado que as
comprometesse, no que diz respeito a espionagem. Essa
violência provocou protestos da Rússia, com ameaças de
represálias nas relações comerciais, mas a Gestapo não
se impressionou com a reação. Ela tateava o caminho
que trilhava, pois, sem experiência em assuntos de
espionagem, procurava aprender como os cordéis
deviam ser manipulados. Bons alunos, cedo seus agentes
agiam com desenvoltura, infiltrando-se mesmo nos
círculos mais fechados das agências soviéticas.

Em face dessa situação, a espionagem soviética, que


sempre se apoiara na extensa cooperação do Partido
Comunista Alemão — sabido que é que o sucesso russo,
nesse terreno, sempre foi devido, em qualquer país, à
eficiente colaboração dessas agremiações locais —,
decidiu que deveria sustar a ampla atividade que desde
muito vinha desenvolvendo na Alemanha. A
reorganização — como essa nova tática foi denominada
— só deixou uma pequena rede funcionando na
Alemanha, e mesmo esta foi reduzida mais tarde, quando
Stálin efetuou os expurgos de 1936 e 1937, ocasião em
que foram afastados do serviço ativo os mais capazes
agentes profissionais russos.

A espionagem levada a efeito na Alemanha, entre os


anos de 1933 e 1939, não passava, pois, de uma fração
da que fora realizada na década anterior. Os agentes que
operavam dentro do país eram dirigidos de fora e não
tinham contato algum com o resto dos comunistas ainda
existentes em território alemão. Tal atitude acabou por
introduzir no sistema russo uma nova concepção das
atividades da espionagem.

Destacando-se entre os líderes desse novo estilo de


atividade subterrânea na Alemanha, surgiu Ernst
Wollweber, que granjeara grande reputação em Moscou,
pela capacidade e pela astúcia demonstradas no
desempenho das funções de chefe de atividades
subterrâneas, desde o advento do nazismo. Sob o
disfarce de membro do Bureau do Comintern para a
Europa Ocidental, localizado em Copenhague, fora
encarregado de organizar uma rede, que deveria recrutar
seus integrantes principalmente nos Sindicatos de
Marítimos. Wollweber selecionou entre trinta e quarenta
homens — a maioria, de origem escandinava —, muito
embora entre eles houvesse incluído também alguns
comunistas alemães. As funções que deveriam
desempenhar eram menos de espionagem que de
sabotagem — “diversionismo”, no jargão comunista —, e
seus alvos seriam os navios e quaisquer fábricas, em
todos os países, fora da Alemanha, que estivessem
ajudando os nazistas a se rearmarem. Exemplo: as
estações de força que atendiam aos campos de minério
de ferro da Suécia.

Essa rede conseguiu sobreviver, apesar das diversas


incursões realizadas pela contraespionagem, até 1941,
quando Wollweber e seus associados suecos foram
presos, recebendo ele a sentença de três anos de prisão.
Por essa época, entretanto, a guerra não só havia dado
origem a outras redes de grande atividade, mas também
projetado um ou dois agentes, os quais, agindo
isoladamente, iriam adquirir tal reputação que, cedo,
figurariam entre os mais brilhantes ases da espionagem
internacional.
3. Grã-Bretanha

Provavelmente, pouco importava à Inglaterra que, ao ver


dos soviéticos ou na sua própria opinião, a França
pudesse ser considerada a principal potência européia,
nos primeiros anos do pós-guerra, ou seja, na década dos
vinte. Já esclarecemos a extensão da espionagem russa
no solo francês, e resta pouca dúvida de que, caso
Moscou achasse conveniente realizar, também na Grã-
Bretanha, um serviço de espia em escala semelhante,
dadas as conquistas industriais britânicas, ela não
estaria, de fato, livre de tal espécie de conspiração
interna. Embora isso não tivesse ocorrido, nem assim os
ingleses puderam escapar ao interesse da espionagem
russa.

Em 1924, a hostilidade, demonstrada pela Inglaterra


capitalista em relação à Rússia comunista já havia sido
reduzida, e, quando Lênin anunciou que desejava a
cooperação dos países ocidentais, no campo industrial,
de forma a poder reorganizar sua própria indústria, a
Grã-Bretanha foi a primeira a lhe estender a mão. Assim,
no dia 2 de fevereiro de 1924, as relações diplomáticas
entre os dois países foram estabelecidas. *

A cooperação industrial entre os dois governos


importaria, inevitavelmente, na instalação de uma
delegação de comércio em Londres. Conhecida na
Inglaterra como Arcos Ltd., ela alugou dois grandes
blocos de escritórios em Moorgate, na City, e, assim
instalada, deu início aos seus tradicionais dois tipos de
atividade: o legal, representado por transações
comerciais, e o ilegal, através de incursões clandestinas.

Na Inglaterra, a espionagem soviética sempre esteve em


desvantagem. Como já vimos, no período inicial das suas
atividades, a organização soviética sempre teve por base
a cooperação dos Partidos Comunistas locais, e os êxitos
que obtinha dependiam, inteiramente, da força e do
número de adeptos dessas agremiações. Na Grã-
Bretanha, o Partido Comunista, em comparação com o da
França ou o da Alemanha, não passava de uma filial da
Internacional. Os socialistas britânicos tanto se
projetaram, desde o fim da guerra, e seus pontos-de-
vista eram considerados tão esquerdistas, no ambiente
conservador da Inglaterra, que pareciam satisfazer
plenamente às aspirações políticas dos trabalhadores.
Desde o início, os ingleses estiveram protegidos,
portanto, contra qualquer espionagem, verdadeiramente
intensa, que os soviéticos contra eles pudessem ter
desejado lançar. Mesmo assim, porém, não se haveriam
de conservar de todo imunes a esse tipo de atividade.

Por um par de anos, a Arcos operou em suas duas


esferas de ação, sem ser perturbada por qualquer
oposição, da parte das autoridades britânicas, tendo em
vista o que naquela ocasião vinha ocorrendo na França.
Parecia, de fato, que o inglês, simplório, honesto e
confiante, não alimentava qualquer suspeita de que a
Arcos não era, absolutamente, o que aparentava ser, e
que aquele estado de coisas poderia ter, assim,
continuado, se o governo soviético, ou melhor, o Partido
Comunista Russo, não houvesse, em 1926, cometido um
grave erro.

Durante a greve geral ocorrida naquele ano, o Partido


Russo mandou mais de um quarto de milhão de libras
para que os mineiros ingleses pudessem sustentar seu
movimento. Essa atitude provocou um profundo
ressentimento no seio do governo inglês, que o
considerou imperdoável interferência nos assuntos
internos do país. O Congresso dos Sindicatos Ingleses
interpretou da mesma forma a atitude russa, e o dinheiro
foi devolvido. Winston Churchill, que era então Ministro
da Fazenda, e reconhecido antigrevista, ameaçou, em
face do acidente, romper todas as relações comerciais
com a Rússia.

Esse incidente serviu para que todo interesse se voltasse


para a Arcos, pois logo surgiu na mente das pessoas que
haviam entrado em contato com a organização que o
reduzido volume de negócios mantido pela Inglaterra
com a União Soviética não justificava a manutenção, nos
escritórios da agência, em Moorgate, de um corpo de
funcionários de mais de trezentas pessoas. Foi também
descoberto, pelo M I 5, que pelo menos um dos chefes da
delegação comercial, N. K. Jilinsky, era membro da
espionagem russa, e que o Conselheiro Comercial da
Embaixada, Igor Khopliakin, trabalhava também como
agente secreto. Em consequência de todas essas
descobertas foi que o governo britânico retirou de L. B.
Khinchuk, sucessor de Khopliakin, as imunidades
diplomáticas de que desfrutava — fato este que parece
ter preocupado, de certa forma, os chefes das agências
soviéticas na Inglaterra, pois um despacho — que, aliás,
caiu em mãos do M I 5, — do Encarregado de Negócios
para o Subcomissário Soviético para os Assuntos
Estrangeiros, Litvinov, pedia autorização para suspender,
temporariamente, a remessa para Moscou de todos os
documentos relacionados com espionagem.

Verificou-se, entretanto, outro incidente,


independentemente das investigações realizadas pelo MI
5, nos negócios da Arcos, que inspirou esse pedido. Um
jovem técnico da Real Força Aérea fora surpreendido
roubando desenhos e cálculos secretos, descobrindo-se,
depois, que tinha a intenção de enviá-los à Arcos, como,
aliás, antes já tinha feito.

Não muito depois desse inquietante episódio, ocorreu


ainda outro, envolvendo, mais uma vez, o setor
aeronáutico — aviões, armas e particularmente um novo
tipo de monoplano, todos ainda em lista secreta —, bem
como uma metralhadora fabricada pela Vickers. O
indivíduo envolvido nesse incidente era um inglês que,
aparentemente, se tornara espião mercenário e
procurava vender suas informações a quem mais lhe
pagasse, acabando por se ver integrado nas fileiras da
organização soviética na Alemanha.

Isso aconteceu em 1926. Em princípios de 1927, foi


notada a falta de um documento secreto do governo,
referente a planos estratégicos para bombardeios aéreos.
A Divisão Especial e o M I 5 comunicaram ao governo
estarem convencidos de que esse documento havia sido
remetido, igualmente, para a Arcos, recomendando
assim, fosse feita uma diligência nos escritórios da
organização, em Moorgate. Após longas discussões sobre
possíveis implicações políticas dessa providência, o
primeiro-ministro Stanley Baldwin autorizou que se
realizasse a investigação.

Na madrugada de 12 de maio, a polícia da City e a Polícia


Metropolitana cercaram os escritórios da agência, em
Moorgate, e os policiais solicitaram autorização para
penetrar. Quando chegaram ao porão do edifício,
encontraram ali dois homens e uma mulher queimando
papéis. Um deles era o cifrador-chefe da embaixada
soviética, Anton Miller, e o outro, um funcionário da
Arcos, chamado Robert Kopling.

Miller lutou para não ser preso, mas foi subjugado e,


quando o revistaram, encontraram, em seu poder, uma
lista dos esconderijos dos agentes e das “caixas-postais”,
relativas não só à Europa, como também às Américas do
Norte e do Sul, e um bom número de países do
Commonwealth. O documento justificou a apreensão,
pela Divisão Especial e pelas autoridades da
contraespionagem, de toda a documentação encontrada
na agência, e um vasto acervo de papéis foi levado para
ser examinado.

Esses documentos provaram, além de qualquer dúvida,


que a Arcos vinha sendo usada para encobrir atividades
de espionagem, pois, entre os papéis ali recolhidos,
foram encontradas cópias de diversos documentos do
governo britânico e uma lista de alguns agentes russos,
que vinham agindo na Grã- Bretanha. O documento que
provocou a incursão policial, entretanto, não foi
encontrado. Acreditou-se, na ocasião, que um membro
da organização tivesse fugido com ele, através de um
túnel secreto, construído pela Arcos e só muito mais
tarde descoberto.

O governo britânico não estava disposto a se mostrar


complacente, como o alemão o havia sido. Na verdade, a
revelação de que “todos os nossos centros militares e
navais, Aldershot e Plymouth em particular”, haviam sido
varejados por agentes soviéticos proporcionou às
autoridades maior estímulo no sentido de que se
mostrassem duras. Assim, as relações diplomáticas com
a União Soviética foram rompidas, a delegação comercial
suspendeu seus negócios e, por dois anos, nenhum russo
teve permissão de entrar no país.
Os três anos de atividade da Arcos representaram a
única tentativa séria, levada a efeito pelos russos, de
realizar espionagem na Inglaterra, no período anterior à
Primeira Guerra Mundial. E é possível que, após esse
esforço, houvessem chegado à conclusão de que a Grã-
Bretanha, de fato, nada de valioso lhes poderia fornecer,
em matéria de informações secretas.

*  Seguiu-se a França, dois dias depois, e, imitando o


gesto dos franceses, reataram relações diplomáticas com
a Rússia a Itália, a Escandinávia, a Áustria, a Hungria e a
Grécia. 
4. Os Estados Unidos

O reconhecimento diplomático da União Soviética, pelos


Estados Unidos, não foi levado a efeito senão em 1933,
quando se iniciou a primeira administração Roosevelt.
Essa circunstância não impedia, entretanto, que, muito
antes dessa época, a Rússia já houvesse estabelecido
duas organizações comerciais na América, as quais, em
1924, se fundiram na Amtorg Trading Corporation.

A Amtorg era uma réplica da Arcos e da


Handelsvertretung, e agia como um disfarce para
atividades subterrâneas nos Estados Unidos, como suas
duas irmãs vinham fazendo na Inglaterra e na Alemanha.
A espionagem na América do Norte, entretanto, teve um
desenvolvimento moroso, antes de ser realizada em
larga escala, principalmente porque — ainda mais do que
na Grã-Bretanha — o Partido Comunista local era
pequeno demais para poder fornecer os numerosos
contatos que tornassem compensador o esforço a ser
feito. Na realidade, houve mesmo uma razão adicional,
no caso da América: durante muito tempo, os comunistas
norte-americanos foram olhados com suspeição por
Moscou, já que os anos de depressão nos Estados Unidos
haviam levado para as fileiras do Partido grande número
de intelectuais, os quais emprestaram à agremiação
antes um caráter mais de arregimentação de
desempregados do que o de um movimento de
verdadeiros proletários revolucionários, o que seria mais
desejável.
Esses fatores, entretanto, não impediram que alguma
espionagem fosse realizada, principalmente na área
industrial, e mesmo no terreno militar, sendo que as
características do Partido, nesse período inicial, eram as
convencionais de qualquer agremiação de espionagem
do mesmo gênero.

Entre os pioneiros da espionagem na América


encontravam-se Lydia Stahl, que já conhecemos na
França, e Alfred Tilton. Lydia era fotógrafa, e competia-
lhe fotografar os documentos obtidos por Tilton. Já as
funções de Tilton consistiam em organizar um serviço de
emissários para vender os documentos fotografados por
Stahl, e para isso recrutou marítimos comunistas. Tilton
regressou a Moscou em 1930 e Lydia foi transferida para
a França em 1932.

O substituto de Tilton foi Nicholas Dozenberg, que, como


seu antecessor, era um imigrante letão. Filiara-se ao
Partido Comunista norte-americano, logo que este se
organizara, e o deixou em 1927, ao ser recrutado para o
serviço de espionagem. A principal missão de Dozenberg
era a de organizar uma empresa de filmes romeno-
americana, da qual a filial, em Bucareste, iria servir de
disfarce para a realização de espionagem naquele país.
Desgraçadamente para a Inteligência Soviética, essa
empresa teve de enfrentar sérios problemas na Romênia.
Cem mil dólares seriam necessários para manter a filial
em Bucareste e, naquela ocasião, a União Soviética não
dispunha de meios de lançar mão dessa quantia em
moeda norte-americana. Nessas condições, recorreu a
um processo ilegal. Dozenberg, encarregado da
operação, falsificou, em Cuba e no Brasil, notas de cem
dólares, que logo foram passadas nesses dois países. Em
face desse êxito, recebeu instruções para arranjar 100
000 dólares, em notas falsas, para serem postos em
circulação em Nova York.

Para ajudá-lo nesse negócio, de alguma forma perigoso,


Dozenberg procurou a cooperação de um médico russo,
Valentin Burtan, o qual embora sendo membro de uma
organização comunista anti-stalinista, era, igualmente,
amigo de um líder dos comunistas stalinistas, Jack
Stachel. Burtan tornou-se então vice-presidente da
empresa romeno-norte-americana de filmes.

Um dos pacientes de Burtan era um certo E. Dachow von


Bülow, alemão não-comunista e ex-oficial do Exército
alemão — que tentara ganhar a vida, na América do Sul,
contrabandeando armas. Burtan tinha certa ascendência
sobre von Bülow, pois, de tempos em tempos, o socorria
em suas dificuldades financeiras. Em face disso, e
prevalecendo-se desses antecedentes, obteve a
cooperação de von Bülow para a distribuição do dinheiro
falso.

Von Bülow tinha um plano, tão temerário quanto fácil de


ser operado. Entre seus muitos amigos ambíguos,
encontrava-se o Ministro das Finanças da Guatemala, e
estava certo de que esse ilustre personagem, se
convenientemente recompensado, seria capaz de trocar
os dólares falsos por outros verdadeiros, por intermédio
do Banco Nacional da Guatemala.

Auspiciosamente se iniciaram, então, as negociações


entre Nova York e a Guatemala. Pouco depois, porém,
evidentemente alguma coisa errada ocorreu. A
Guatemala, subitamente silenciou e não pôde ser
persuadida a falar de novo. Esse fracasso, entretanto,
não desviou von Bülow de seu intento. Lembrou-se,
então, de outro amigo, um detetive particular de
Chicago, chamado Smiley. Smiley concordou em
cooperar e, imediatamente, contratou um grande
número de distribuidores.

O negócio prosseguia, com êxito satisfatório, quando um


dos distribuidores foi preso em flagrante, por um policial
de Chicago, ao tentar passar uma nota falsa de cem
dólares. Interrogado, confessou o jogo, e o mesmo fez
Smiley. Somente o Dr. Burtan permaneceu calado.

Desde os dias do escândalo ocorrido em 1865, que


provocara a dissolução do Serviço Secreto, do qual
Lafayette Baker havia sido o chefe, a administração só
dispusera de uma pequena força secreta, vinculada ao
Departamento do Tesouro. Competia a essa força exercer
vigilância sobre possíveis moedeiros falsos, pois, desde o
início da existência da América como nação
independente, falsificação de dinheiro sempre fora
considerada crime grave. Assim aconteceu até 1934,
quando o Dr. Burtan foi levado ao tribunal, resultando
desse julgamento a condenação do médico a 15 anos de
prisão e ao pagamento de uma multa de 10 000 dólares.

Dozenberg escapara para o exterior e foi transferido para


a Romênia. Por volta de 1939, desertara, retornando à
América, onde passara algum tempo na prisão, por haver
feito falsas declarações, com o intuito de obter um
passaporte. Nessa ocasião, mudou o nome e
desapareceu no anonimato.

Em 1925-26, novo Diretor-Residente foi nomeado para os


Estados Unidos. Seu nome era Tschatzky e serviu como
um dos integrantes do quadro do pessoal da Amtorg.
Chamado de volta a Moscou em 1928, nenhum substituto
lhe foi dado até 1931, já que os russos não conseguiram
descobrir um agente adequado para o posto. O escolhido
nesse ano foi Mark Zilbert, um dos mais destacados
líderes da espionagem soviética.

Entre as tarefas de Zilbert encontrava-se a de obter


segredos navais. Seu contato para essa tarefa era um
comunista chamado Solomon Kantor, que trabalhara
anteriormente como desenhista da Arma Engineering
Corporation — firma encarregada de atender a
encomendas secretas da Marinha norte- americana.
Embora já não ocupasse uma posição que lhe permitisse
obter, pessoalmente, as informações de que Zilbert tinha
necessidade, Kantor dispunha de um contato que ainda
trabalhava para a Arma — um indivíduo chamado Wiliam
Disch — o qual, havendo manifestado desejo de
cooperar, fora entrevistado por Zilbert. Após esse
primeiro encontro, os dois passaram a se avistar com
regularidade, todas as semanas, durante os seis meses
que se seguiram. Em cada encontro, Disch entregava a
Zilbert os documentos secretos que ele desejava e, em
recompensa, recebia entre cem e duzentos dólares.

Sem que Zilbert desconfiasse, entretanto, Disch, após


sua primeira entrevista, procurara seus patrões e
contara-lhes o que estava ocorrendo. Os industriais, por
sua vez, levaram o fato ao conhecimento do
Departamento de Inteligência Naval.

Nessa época, esse Departamento, embora fosse


integrado apenas por uma dúzia, quanto muito, de
agentes, aos quais competia a missão de proteger a
Marinha dos Estados Unidos das manobras de espiões
estrangeiros, já se revelava uma organização
inteiramente dedicada ao serviço, e os seus homens
eram todos altamente capacitados. Desde a dissolução
do serviço secreto de Lafayette Baker, em 1865, após o
escândalo atrás referido, esse Departamento constituía o
único serviço secreto norte-americano em funcionamento
— com exceção do Serviço Secreto do Tesouro —, e não
fora ele formado senão quando a América entrara em
guerra contra a Alemanha do Kaiser. Nas décadas dos
vinte e dos trinta, o DIN desempenhou seu papel com
admirável perfeição, numa ininterrupta batalha contra a
quase esmagadora superioridade das espionagens
japonesa e soviética. Quando o FBI extinguiu a ameaça
dos gangsters de Chicago e de outros de menor
importância, recebeu instruções para realizar,
igualmente, serviço de contraespionagem. Nessas
condições, essas duas agências, entre si, passaram a
representar um formidável obstáculo para quem quer
que, secretamente, procurasse causar danos aos Estados
Unidos.

O Departamento de Inteligência Naval deu instruções a


Disch, no sentido de que mantivesse seus contatos com
Zilbert, preparou os documentos que ele devia entregar-
lhe. Todas as vezes que Disch ia a um encontro com
Zilbert, era seguido, e a entrevista não deixava de ser
observada, embora houvessem fracassado todas as
tentativas de se descobrir para quem Zilbert trabalhava.

Depois de algumas semanas, entretanto, o


Departamento teve a sua atenção despertada pela
tentativa, feita por um japonês, para penetrar na base
naval de San Diego. Em face dessa ocorrência, o caso
Zilbert-Disch fora transferido para a área de vigilância do
FBI, e este logo teve uma inspiração, no sentido de
descobrir quem eram os chefes ocultos do espião
estrangeiro. Na primeira ocasião em que Disch iria fazer
a entrega de um punhado de documentos, recebeu
instruções para dizer a Zilbert que precisava de ter
aqueles papéis de volta, no período de uma duas horas.
Zilbert concordou, e os agentes do FBI então o seguiram,
constatando que, após complicado percurso, ele entrara
nos escritórios da Amtorg. Ficaram, assim, sabendo que
se tratava de um agente russo.

Até hoje, não foi explicada a razão por que os policiais


não o agarraram, mas, segundo tudo faz crer, o FBI
desejava obter provas mais tangíveis para incriminar
Zilbert. Os agentes do FBI acharam muita graça,
entretanto, quando souberam que a falsificação das
informações, que Disch passava a Zilbert, acabara por se
tornar conhecida dos técnicos da espionagem em
Moscou. O inevitável aconteceu: Zilbert rompeu seu
contato com Disch, e, embora não houvesse deixado logo
os Estados Unidos, nem assim foi detido.

Outro agente de Zilbert era o jovem norte-americano


Robert Switz, que já conhecemos da França. Embora
treinado para realizar o trabalho fotográfico que antes
competira a Lydia Stahl, qualificou-se como piloto e,
antes de ir para a França, fora incumbido de obter
informações sobre as bases norte-americanas no
Panamá. Uma célula entregava-lhe as informações, e os
documentos eram copiados por um escriturário do
Exército norte-americano, Robert Osman, o amante de
uma das agentes de Switz, uma moça russa chamada
Frema Karry.

Tudo correu bem até que, certo dia, uma carta


endereçada a Herman Meyers, em Nova York, não pôde
ser entregue, sendo devolvida para o Panamá. Ali, o
envelope foi aberto, e verificou-se que continha cópias
de documentos de caráter secreto, relativos às
instalações e fortificações na Zona do Canal. Uma
investigação se realizou, constatando-se que as cópias
datilografadas daqueles documentos haviam saído da
máquina de escrever de Osman. Este recebeu ordem de
prisão e, sendo julgado por uma corte marcial, acabou
condenado a 20 anos de prisão, ao pagamento de uma
multa de 10 000 dólares, e sofreu dispensa desonrosa. A
sentença foi suspensa, entretanto, por um novo
julgamento nos Estados Unidos. Mas, quando isso
aconteceu, Switz já viajara para a França.

No princípio da década dos trinta, a Amtorg


transformara-se numa imensa empresa, dando trabalho a
cerca de setecentos a oitocentos empregados, a maioria
dos quais era de comunistas norte-americanos. Suas
ramificações de espionagem haviam-se tornado
vastíssimas. Um dos seus funcionários era o comunista
norte-americano Robert Pitcoff. Ele deixara o Partido em
1934, e, em 1939, depusera perante o Comitê sobre
Atividades Antiamericanas — investigação relativa às
atividades comunistas —, onde declarara: “Existiam
comissões que estavam estudando vidros; outras que se
dedicavam à aviação; e havia também uma que se
preocupava com a indústria química e com diversos tipos
de indústria, como a manufatura de papéis e coisas
desse gênero. Quase todo o campo das atividades
industriais vinha sendo estudado por essas comissões.”

Esse foi, na realidade, o período da maior atividade


desenvolvida pela espionagem soviética no campo
industrial dos Estados Unidos e, a despeito da constante
vigilância do FBI, que se achava a par de muito do que
ocorria, e frequentemente fazia prisões, os resultados
desse trabalho devem ter sido extremamente
proveitosos. Por outro lado, entre 1930 e 1933, a
espionagem militar praticamente não existia.

A razão dessa disparidade residia no grande desejo,


alimentado então pelos líderes soviéticos, de assegurar o
reconhecimento diplomático da Rússia pelos Estados
Unidos. Embora os aborrecimentos, criados pela Amtorg,
pudessem ser deixados de lado — já que a opinião
pública norte-americana não se mostrava impressionada
com a perda de fórmulas ou desenhos secretos —,
sabiam os russos, naquela ocasião, que um escândalo,
envolvendo algum objetivo militar, teria toda
probabilidade de obter uma repercussão bem diferente.
Essa conclusão fora imposta naturalmente pela
experiência dos russos em relação a esses assuntos,
adquirida em outros países. O efeito do dinheiro
falsificado e o caso de Osman demonstraram que a
reação norte-americana poderia ser igual à dos ingleses
e à dos franceses, em face de qualquer ameaça à
segurança dos seus segredos militares.

Nessas condições, os agentes profissionais foram


retirados dos Estados Unidos e transferidos para outros
lugares e, embora as células e as redes fossem mantidas,
nenhuma espionagem militar foi levada a efeito, entre
1933 e 1935. Quando, porém, os soviéticos deram início,
de novo, ao seu trabalho, segundo tudo indica, foram
enviadas ordens para se reconquistar o tempo perdido.
Com efeito, por volta de 1936, essas atividades atingiram
elevado nível, apesar das muitas “liquidações” e
defecções que obedeceram às normas gerais do primeiro
grande expurgo de Stálin, na Rússia. Na realidade, essas
defecções e “liquidações”, durante o período de 1936 a
1939, constituíram um exemplo muito ilustrativo de
causa e efeito — como esses dois fatores parecem afetar,
periodicamente, a espionagem soviética.

Neste ponto, torna-se necessária uma referência a uma


final diferença que existe entre a organização soviética e
a de qualquer outro país. Trata-se do funcionamento da
Nona Seção da Divisão Especial do Segundo Diretório,
que é conhecida como a Seção do Terror e do
Desaparecimento.

A criação dessa Nona Seção parece haver sido inspirada


por uma ficção, tipo James Bond, tão estranha é sua
concepção para o modo de pensar e de agir dos
ocidentais. Na verdade, entretanto, não se trata de uma
invenção, imaginada por um novelista de espionagem,
mas de uma força muito ativa e poderosa que se destaca
no cenário das atividades políticas da União Soviética.
Instituída numa época em que o criador de James Bond
não passava de um simples rapaz, essa seção funcionou
originalmente entre 1918 e 1920, — ou seja, durante os
anos do Terror — como a agência encarregada das
execuções. Nessa condição, era um dos principais
departamentos da Comissão Extraordinária, dirigida por
Dzershinsky, para combater a Contrarrevolução e a
Sabotagem. Mais tarde, porém, tornou-se uma seção
separada, adida ao Comitê Executivo Central. Suas
funções, nesse período, estavam quase inteiramente
restritas ao trabalho da comissão de execuções dentro da
Rússia. Mais tarde, por volta de 1932, isto é, depois da
demissão de Zinoviev, Rykov e Bukharin das suas
posições de mando, ela se tornou um instrumento
pessoal de Stálin, e, quando levada a efeito a
reorganização das agências de espionagem, em 1934, foi
então incorporada ao novo NKVD.

Muito antes disso, porém, a Nona Seção,


independentemente da forma com que se apresentasse,
tinha sido empregada, fora da Rússia, para eliminar
agentes considerados indignos de confiança, e para
liquidar destacados comunistas, quer eles se houvessem
envolvido, ou não, em atividades de espionagem. O
método era tanto o rapto quanto a remoção para a
Rússia, onde se realizava a execução, após um
julgamento secreto. Às vezes, verificava-se uma
alteração nas normas, sendo adaptado o assassínio no
próprio local em que se encontrava a vítima. As funções
dessa Nona Seção eram, igualmente, de duplo caráter:
silenciar, para sempre, os agentes que poderiam trair
importantes segredos de espionagem, transmitindo-os
aos inimigos do comunismo, e, pelo terror, fazer com os
agentes secretos ou preeminentes comunistas
desistissem de tentar qualquer deserção.

A partir dos meados da década dos trinta, os raptos e as


liquidações tornaram-se tão frequentes que pouca
atenção despertavam. Mas o primeiro rapto que chegou
ao conhecimento do público — o do General Kutyepov,
ocorrido à porta do seu apartamento em Paris, em 1930
— constituiu verdadeira sensação. Mesmo assim, em
pouco tempo já estava esquecido, pois, embora os raptos
e os assassínios continuassem a efetuar-se, durante os
sete anos que se seguiram não foi senão após o
desaparecimento de Juliet Poyntz, em Nova York, e a
morte de Ignace Reiss — antigo agente profissional e que
fora Diretor-Residente, durante algum tempo, na França e
na Suíça —, ocorridos ambos em 1937, aliados ao
assassínio de Trotsky, no México, em maio de 1940, que
o interesse público se mostrou excitado outra vez. Mas,
como acontecera nos casos anteriores, rapidamente os
esqueceu. Se o público, porém não estava, de fato,
preocupado com esses atos de terror, cometidos dentro
da soberania dos seus próprios países, os desertores o
estavam, muito embora, mesmo em face do que vinha
ocorrendo, diversos deles revelassem a coragem de
desafiar a Nona Seção.

É verdade incontestável que alguns norte-americanos


comunistas, nos meados da década dos trinta,
trabalharam, uma vez ou outra, como agentes da
espionagem soviética.

Juliet Poyntz, por exemplo, tinha sido, de fato,


preeminente membro do Partido Comunista, antes que
concordasse, em 1934 em fazer espionagem para a
Rússia. Depois de um período de treinamento em
Moscou, voltou para Nova York com a incumbência de
descobrir novos agentes para a rede norte-americana.
Mas alguma coisa, na certa, lhe acontecera, quando
ainda se encontrava na Rússia, pois, ao retornar aos
Estados Unidos, já não era uma convicta da ideologia,
como o havia sido nos doze precedentes anos. Não
obstante isso, aparentemente tentou levar a efeito, da
melhor maneira que lhe permitiam suas habilidades, a
tarefa de que fora encarregada, até que o expurgo e os
julgamentos, realizados em Moscou em 1936, finalmente
cristalizaram suas dúvidas. Assim, abandonou a
espionagem — tornando-se um agente, seguira a praxe
tradicional, pedindo demissão do Partido — e retirou-se
para a vida privada, a fim de redigir suas memórias. Com
a primeira palavra que escreveu, assinou, porém, a
própria sentença de morte.

Certo dia, na primavera de 1937, deixou seu


apartamento e, desde então, nunca mais foi vista. Cario
Tresca, líder trabalhista americano, acusou abertamente
o NKVD pelo seu assassínio e, cinco anos mais tarde, ele,
por sua vez, foi morto no que pareceu um acidente, na
esquina da Quinta Avenida com a Rua Quinze.

Juliet Poyntz fora apenas um dos destacados agentes da


década dos trinta, nos Estados Unidos, que se havia
desiludido. Outro foi Whittaker Chambers. Este, como
Juliet Poyntz, filiara-se ao Partido na década dos vinte,
sendo introduzido no serviço de espionagem pelo OGPU.
Inicialmente, trabalhara para o Daily Worker e era, então,
o editor do New Masses. Em 1932, passara a colaborar
com o movimento clandestino e, dois anos mais tarde,
recebera a incumbência de reorganizar alguns
comunistas, funcionários do governo em Washington,
numa nova rede.

Entre os seus contatos, segundo declarou mais tarde,


achava-se Harry Dexter White, assistente do secretário
do Tesouro; Abraham George Silverman, da Junta de
Aposentadorias das Estradas de Ferro; o Dr. Gregory
Silvermaster, do Departamento de Agricultura, e Alger
Hiss, do Departamento de Estado. Como outro ramo de
suas atividades, Chambers — segundo informou,
posteriormente — formara, com dois outros comunistas,
John Sherman e Max Lieber, o Sindicato dos Escritores
Americanos, do qual a verdadeira finalidade era, de
acordo com seu próprio depoimento, dar cobertura legal
a determinadas operações clandestinas soviéticas no
exterior.

Em 1938, entretanto, Chambers renegou a ideologia


comunista, mas não pôde decidir que caminho deveria
seguir em relação ao problema da própria sobrevivência,
com o qual então passara a se defrontar. Divisionistas
desse tipo tinham duas estradas para escapar às
atenções da Nona Seção: procurar a proteção das
autoridades norte-americanas, contando- lhes tudo; ou
tentar comprar ao NKVD sua sobrevivência, através do
recurso de procurar um esconderijo e, em seguida,
esforçar-se para convencer essa organização da sua
intenção de permanecer em silêncio.

Para enfrentar esse problema, Chambers escondeu-se


pelo período de um ano e decidiu, então, tentar um
entendimento. Foi a Washington para ver o Presidente
Roosevelt, mas a pessoa mais importante com quem
conseguiu entrevistar-se foi o Sr. Adolf Berle Júnior,
assistente do secretário de Estado, que se encarregava
do setor de segurança. Nesse encontro, Chambers não
contou tudo o que sabia. Ressaltou as ligações e
simpatias comunistas de algumas autoridades, mas não
esclareceu se essas autoridades tinham sido agentes da
espionagem soviética. Nem mencionou Harry Dexter
White e Silverman, que se encontravam entre os mais
ativos e importantes colaboradores.

Roosevelt não se mostrou impressionado, quando Berle


Júnior transmitiu-lhe o que Chambers lhe contara. Os
indivíduos, que Chambers mencionara, eram altamente
conceituados em seus respectivos departamentos e
possuíam excelente folha de serviço. Nessas condições,
nenhuma providência foi tomada.

Dois anos mais tarde, Chambers fêz nova tentativa.


Desta vez, procurou o FBI, mas, como anteriormente, só
narrou parte do que sabia. Na realidade, dez anos
deveriam passar-se entre a data em que deixara de ser
agente russo até o dia em que, finalmente, revestindo-se
de coragem, revelou sua história completa. Muitas das
pessoas denunciadas por ele ainda eram membros da
administração norte-americana, mas mantinham
contatos com a espionagem soviética, e as
consequências dessas denúncias desaguaram numa das
mais sensacionais “causas célebres” de espionagem de
todos os tempos.

Esse rápido esboço da ficha de Chambers toma bem


claro como a espionagem soviética, no terreno militar,
obtivera êxito em se infiltrar nos Estados Unidos, durante
os meados e o final da década dos trinta. Por volta de
1938, ela penetrara na administração dos Estados Unidos
de forma realmente extensa, e não pode haver dúvidas
de que essa infiltração fora grandemente auxiliada pela
atitude oficial, que Chambers havia experimentado. O
descaso parecia vir de cima, da cúpula, talvez porque
Roosevelt, que implicitamente acreditava em sua
habilidade para “manobrar” Stálin, mostrava-se pouco
disposto a tomar qualquer atitude que pudesse ser
interpretada como antissoviética. Temia que uma
providência drástica viesse a prejudicar suas chances de
negociar, com Stálin, em termos proveitosos.

Se a contraespionagem norte-americana enfrentava


qualquer caso de espionagem, tratava-se, naturalmente,
de outro assunto. Houve, por exemplo, o caso de Mikhail
Gorin. Gorin era um agente russo profissional. Chegara
aos Estados Unidos como funcionário da Amtorg, e dessa
empresa fora transferido para Los Angeles, como gerente
da Intourist — a agência oficial de turismo da União
Soviética. Em Los Angeles, entrara em contato com um
oficial da Inteligência Naval dos Estados Unidos,
chamado Hafis Salich, o qual, no desempenho de seus
deveres oficiais, tinha acesso a certas informações
secretas a respeito do Japão.

No primeiro encontro, Salich, que era de nacionalidade


russa e ainda possuía parentes na Rússia, recusou-se a
aceitar quaisquer das sugestões de Gorin. Este, então, no
estilo tradicional, referiu-se aos seus parentes e obteve o
resultado que desejava. Daí em diante, esse oficial
passou a entregar a Gorin os documentos secretos da
Marinha, muitos deles referentes à espionagem japonesa.
Ao todo, Salich entregou mais sessenta e dois
documentos secretos, e poderia prosseguir nesse
fornecimento por mais tempo do que o que realmente
fez, se Gorin não cometesse o mais extraordinário
disparate — verdadeiramente inexplicável — que um
agente da sua experiência poderia praticar. Esqueceu
alguns dos documentos, fornecidos por Salich, no bolso
de um terno, que enviou para a lavandaria. Esta,
imediatamente, entrou em contato com a Inteligência
Naval e, em consequência desse descuido, ambos foram
logo presos.

Hoje, no curso normal dos acontecimentos, ser


desmascarado constitui um risco ocupacional da
espionagem, e os espiões-chefes são condicionados a
enfrentar descaradamente essas situações embaraçosas.
Mas, no clima que se respirava em 1938, e levando-se
em conta a provada habilidade profissional de Gorin
como espião, dúvidas surgiram no espírito dos dirigentes
da espionagem soviética, nos Estados Unidos, sobre a
sua lealdade. Poderia estar acontecendo que ele, de fato,
preparasse sua deserção?

Nas mãos do FBI, Gorin violou outro regulamento da


espionagem, que todos os agentes soviéticos eram
ensinados a obedecer. (O caso Gorin ilustra muito bem
como os supertreinados agentes russos podem revelar
fraquezas, quando têm de enfrentar situações
embaraçosas.) Já em mãos da polícia, solicitou permissão
para telefonar à embaixada russa em Washington.
Concedida a permissão, pediu para falar ao embaixador,
Constantin Oumansky, a quem perguntou o que deveria
fazer. Oumansky, também grandemente perturbado,
decidiu enviar o vice-cônsul soviético — que, na
realidade, era um agente do NKVD em Nova York — para
se avistar com Gorin na prisão de Los Angeles. Enquanto
isso, ele próprio procurou Summer Welles, que exercia,
na ocasião, o cargo de secretário de Estado, para
protestar energicamente contra a prisão de Gorin,
acusando o Departamento de Justiça de se comportar de
maneira que não era estritamente legal, embora a base
dessa alegação tenha constituído outro problema para
Welles resolver.

Tendo apresentado seu protesto, Oumansky visitou então


Loy Henderson, da Divisão de Negócios Europeus do
Departamento de Estado, a quem solicitou que Gorin
pudesse ser visitado pelo Vice-Cônsul Ivanushkin. Apesar
do fato de que, desde 1933, Roosevelt e Stálin haviam
assinado um acordo, no sentido de que os cidadãos
norte-americanos, presos na Rússia, poderiam ser
conservados incomunicáveis, durante os três primeiros
dias de sua detenção, e não obstante esse documento
reconhecer a reciprocidade do estabelecido em suas
cláusulas, Henderson concedeu a permissão solicitada.

Quando Gorin e Ivanushkin se encontraram, este último


disse, de forma perfeitamente clara: “Não admitiremos
nada. Ignoraremos os papéis encontrados no terno.” O
FBI julgou essas expressões como sendo uma
advertência oficial a Gorin, no sentido de que nada
revelasse do que sabia.

Nos dias que se seguiram, o embaixador fez sucessivas


tentativas para obter a soltura de Gorin mediante fiança,
mas o Departamento de Estado recusou-se a intervir. O
detido não gozava de imunidades diplomáticas, e
tratava-se, portanto, de assunto a ser resolvido pelos
tribunais civis. Em maio de 1939, ambos foram julgados
e considerados culpados do crime de espionagem. Gorin
recebeu uma sentença de seis anos de prisão e Salich,
uma de quatro. Imediatamente, os soviéticos
apresentaram um recurso em favor de Gorin e, durante
os dois anos seguintes, a causa se arrastou através da
Corte de Apelação, até que, em janeiro de 1941, a
Suprema Côrte manteve o veredicto do julgamento da
primeira instância.
Como os dias da guerra se aproximavam, a espionagem
soviética nos Estados Unidos adquiriu novo ímpeto,
alcançando seu clímax de atividade. As estatísticas
demonstram como o esforço de guerra entre as redes e a
contraespionagem progrediu. Entre 1933 e 1937, o FBI
investigou a média de 35 casos de espionagem por ano;
em 1939, a cifra elevou-se para 250 nos precedentes
doze meses, isto é, de junho de 1938 a junho de 1939,
enquanto que, no último semestre de 1939, mais de
1400 casos foram investigados. Somente em alguns
poucos deles, naturalmente, as investigações
determinaram que prisões fossem feitas e que se
instaurassem processos, mas a extensão da atividade de
espionagem é acuradamente refletida nessas duas ou
três estatísticas.

Os esforços feitos e os resultados alcançados, durante


esse período, parecerão, entretanto, quase
insignificantes, se os compararmos com o que foi obtido
durante a década que se seguiu.
Terceira Parte
A SEGUNDA GUERRA
MUNDIAL  
1. Adaptando-se à Mudança dos
Tempos

Após o caso da Arcos, os russos não realizaram qualquer


outra tentativa de espionagem, em larga escala, na Grã-
Bretanha, antes do rompimento da guerra. Na França,
igualmente, em fins de 1934, o esforço foi grandemente
reduzido, após o escândalo da denúncia da rede de
Switz. As redes na Alemanha nazista viram-se forçadas a
sair da atividade, pela supressão do Partido Comunista
Alemão, e tanto pela crescente eficiência da
contraespionagem, por parte da Gestapo — a
Sicherheitsdienst —, como pela reinstalação da agência
de contraespionagem militar, a Abwehr.

O meio e o fim da década dos trinta constituíram um


período de calmaria para a organização russa — um
período alongado pelos expurgos de Stalin, os quais
atingiram, de maneira igualmente profunda, tanto as
fileiras do NKVD como o Exército e o Partido. Mas, dos
três organismos, foi o NKVD o que mais rapidamente se
recuperou.

O efeito, neste caso, foi o mesmo que o verificado no


Exército, no fim dos primeiros seis meses da guerra entre
a Alemanha e a Rússia, quando uma nova elite de jovens
oficiais, divorciados das técnicas ultrapassadas dos
Voroshilov e dos Budenny, se formou e se projetou. Sob o
impulso do recém-nomeado chefe dos serviços de
segurança, Lavrenti Béria, uma nova geração de agentes
foi rapidamente formada.

Para aqueles que caíram vítimas das suas forças


desintegradoras, esses expurgos representaram um
vento mau que soprou através do NKVD, mas foi ele
seguido por uma brisa benigna de mudança, que trouxe,
com suas novas técnicas, a possibilidade de um êxito até
então não experimentado por qualquer agência soviética
dedicada a atividades clandestinas.

O principal objetivo dos soviéticos era a Alemanha, já


que se fizera evidente que, dentro em breve, Hitler,
através de provocações, iria arrastar as potências
ocidentais para uma guerra. Além disso, pesava na
balança o fato de que, a despeito do comportamento
peculiarmente dissimulador de Stálin, todos os
integrantes da hierarquia soviética, nas poucas semanas
que antecederam o desencadeamento da operação
“Barbarossa”, já estavam convencidos de que, mais cedo
ou mais tarde, o ditador nazista voltaria sua atenção
para o Leste. Assim sendo, nada recomendava que a
atenção de Hitler fosse atraída, pois inúmeras coisas
deviam ser feitas, a fim de colocar o país num potencial
pé-de-guerra, caso o julgamento da força tivesse de se
inclinar, de qualquer jeito, a favor da Rússia.

Desde que o estabelecimento de redes no território


alemão seria certamente julgado, por Hitler, provocação
suficiente para desencadear uma guerra defensiva
contra o país ao qual essas redes pertencessem, o Centro
decidiu estabelecer certo número de organizações, cujos
agentes operariam individualmente dentro da Alemanha,
mas recebendo instruções de uma base instalada na
Bélgica, na Holanda, na Dinamarca ou na Suíça — base
esta que, igualmente, controlasse essas organizações.
No nono mês de 1939 que precedeu o irrompimento da
Segunda Guerra Mundial, com discrição, mas com grande
eficiência, essas bases foram instaladas, portanto, nos
países mencionados. Os chefes e os operadores
chegaram, e a estrutura de cada uma delas foi preparada
para fazê-las entrar em ação ao primeiro sinal, que, no
caso, seria o rompimento das hostilidades.

Cada base era autossuficiente. Todas estavam equipadas


com transmissores de ondas curtas, rádio-operadores,
técnicos em códigos, correios, intermediários e agentes
que deveriam operar dentro da Alemanha como “caixas-
postais” — dispondo, efetivamente, de todas as
facilidades para a coleta, tão simples quando possível, de
informações, e sua transmissão para Moscou. A direção
de cada rede foi colocada em velhas e experientes mãos,
que, por algum motivo, haviam escapado ao holocausto
das brutais eliminações de Stálin. Os homens que essas
mãos iriam controlar, entretanto, representavam, em sua
maioria, gente nova, treinada em obter, por eles
mesmos, as informações ou em descobrir fontes de
informação, trabalhando ao longo de instruções, de
caráter geral, fornecidas pelo Centro.

O Centro ainda controlava todas as atividades da


espionagem soviética. Incumbia-lhe designar as tarefas;
aprovar os agentes que seriam recrutados; manietar,
tanto quanto possível, os Diretores-Residentes, de forma
a privá-los de toda ação independente; e por fim, frustrar
qualquer manifestação de espírito de iniciativa. Uma
grande inovação, entretanto, fora introduzida: não se
achavam ali representadas as três agências — NKVD,
GRU e Comintern — que, no passado, haviam mantido
organizações separadas. Embora coubesse ao Centro a
última palavra, existia, então, para todos os intentos e
propósitos, somente uma agência soviética no exterior.
Os espiões, independentemente da agência para a qual
pudessem trabalhar, caso fossem mandados para o
exterior, deviam dar seu esforço e sua obediência à rede
da agência já estabelecida no local para o qual eles
haviam sido designados. E não havia como não fazê-lo, já
que todos sabiam que, no final, seria o Centro que
receberia e avaliaria os resultados do seu trabalho.

As redes entravam em atividade imediatamente, quando


se tornou certo que a guerra entre a Alemanha e a
Polônia terminaria por uma vitória dos nazistas. Durante
todo o período da “guerra simulada’’, elas operaram com
grande acuidade e eficiência. Com sua sede instalada
fora do território alemão, e somente com os agentes
locais operando no interior do Reich, essas redes
procuravam-se garantir, por isso que, se um desses
agentes caísse nas mãos da contraespionagem, pelo
menos a principal estrutura da organização estaria salva.
O agente perdido poderia ser substituído, e o trabalho
prosseguiria sem qualquer interrupção.

Na realidade, tudo correu bem, embora os resultados


obtidos escassamente justificassem o esforço feito. Essa
situação, porém, não parecia preocupar o Diretor, o chefe
do Centro. As redes se afirmariam, de fato, quando a
guerra irrompesse entre a Rússia e a Alemanha.

Antes que isso acontecesse, porém, a Bélgica, a Holanda


e a Dinamarca deixaram de ser nações neutras, sendo
que a França fora dividida em duas partes. Os
verdadeiros alicerces do plano foram retirados, como os
calços são removidos por baixo do casco seco de um
navio que vai ser lançado ao mar. Os agentes da
contraespionagem alemã se espalharam por toda parte
e, como muitos judeus se encontravam entre os
proeminentes membros das redes, passaram eles a
representar um novo e imprevisto perigo. Não obstante
todas essas dificuldades, as redes tiveram de persistir, já
que constituíam as únicas organizações capazes de se
infiltrar nos segredos alemães, e, até que ocorresse um
dos mais vergonhosos capítulos da história da
espionagem russa, elas trabalharam com coragem,
determinação e razoável proporção de êxito.

 
2. As Redes na Bélgica e na
Holanda

A rede que funcionava na Holanda, e era de importância


secundária em relação à que operava na Bélgica, foi
organizada por Johann Wenzel, alemão de antiga filiação
ao Partido Comunista da Alemanha. Seu segundo no
comando era um comunista holandês, Anton Winterink.
Este fizera parte do pessoal da agência do Comintern
encarregada de auxiliar os comunistas que estavam
presos, mas, quando houve a “reorganização”, e
recebera ordem do Centro para servir na rede holandesa,
seguiu o modelo tradicional, afastando-se das atividades
do Partido.

A rede holandesa possuía sua estação de rádio própria,


operada por um indivíduo chamado Wilhelm Vogeler,
enquanto quatro dos seus agentes ativos eram três
homens — Lutterman, Nagel e Gouloose — e uma
mulher, Hendrika Smit. Embora independente, essa rede
era obrigada a manter estreita ligação com a sua irmã
belga, e três correios se encarregavam de preservar essa
vinculação: Jacob e Hendrika Hilboling e Maurice Peper.

Durante o período em que a guerra caíra em ponto-


morto, a rede holandesa permaneceu inativa, de acordo
com as instruções vindas do Centro. Quando, porém, os
alemães invadiram a Holanda, ela recebeu a
incumbência de informar sobre os movimentos realizados
pelas tropas alemãs no interior do país. Como será
descrito mais adiante, essa organização não permaneceu
em atividade por muito tempo.

A rede belga era muito mais extensa, tanto em


organização quanto em relação às suas finalidades, e,
considerada em conjunto, revelava-se mais importante
do que sua vizinha do Norte. Tratava-se de uma
deliberada política do Centro, como se pode verificar pelo
fato de que o indivíduo designado para dirigi-la era um
judeu polonês de notável experiência em espionagem,
chamado Leopold Trepper, que iria ser,
consequentemente, nomeado Diretor-Residente de todas
as redes que operavam na Europa Ocidental.

Além de ser um profissional muito experimentado,


Trepper constituía, igualmente, uma espécie de raridade
na espionagem soviética. Possuía talento especial para
fazer rápidos e seguros julgamentos; estava preparado
para agir por sua própria iniciativa e era
extraordinariamente audacioso. Escapara de um expurgo
por ter tido a capacidade de convencer Stálin sobre a sua
lealdade, e o fato de ser um dos poucos agentes, de
maior experiência, a continuar vivo após o segundo
expurgo de 1938, automaticamente o credenciou para
ocupar um elevado cargo.

O segundo no comando, depois de Trepper, era um letão


— antigo oficial do Exército Vermelho —, Victor Sukulov.
Na idade de dez anos, segundo se afirmava, lera um
livro, Diário de um Espião, que era o relato das atividades
imaginárias de um agente britânico, chamado Edward
Kent, escrito pelo novelista russo N. G. Smirnov, e ficara
tão profundamente impressionado pela brutalidade do
caráter desse herói que decidira tomá-lo por modelo.
Parece haver algum fundamento nessa história, pois um
dos falsos nomes de que Sukulov se utilizou, em sua
carreira, foi justamente o de Edward Kent.

Originalmente, fora escolhido para organizar a rede que


operaria em Copenhague, mas, em sua viagem para a
capital dinamarquesa, indo de Paris permaneceu alguns
dias em Bruxelas, e, enquanto ali se encontrava, a guerra
foi declarada. Em consequência disso, o Centro deu-lhe
instruções para ficar na Bélgica, como assistente de
Trepper.

Além desses dois agentes, os integrantes da rede eram


um sobrinho de Molotov, Mikhail Makarov; um tenente da
Força Aérea Vermelha, que agia como técnico em códigos
e rádio-operador; Anton Danilov, oficial do Exército
Vermelho, que desempenhava as funções de “gerente”
do quartel-general da rede; e Sophie Pozanska, judia
polonesa, técnica em chaves de cifras e guardiã da seção
de documentos falsos utilizados pela organização.

Entre um exército de agentes de menor importância,


menção deve ser feita a Leo Grossvogel, alemão que
organizou os disfarces comerciais; a amante de
Grossvogel, Simone Phelter, funcionária da Câmara de
Comércio Franco-Belga, que agia como correio entre
Bruxelas e Paris; August Sesee, notável técnico e rádio-
operador; e Abraham Raichman, polonês, especialista em
falsificação de documentos de identidade.

Deve ser acrescentado a essa já enorme lista de nomes o


do Coronel Konstantin Yefremov, engenheiro militar e
especialista em gases venenosos. Tomou por disfarce o
papel de um estudante finlandês, e era tão perfeito em
estabelecer sua nova identidade que, segundo um
relatório da Gestapo, “até os botões de suas cuecas
eram de fabricação finlandesa”.
O quartel-general da rede fora instalado na metade de
uma villa, situada à Rua Attrebates, n.° 101, em
Etterbeck, subúrbio de Bruxelas. Na outra metade da
casa, morava uma idosa viúva — a proprietária da villa
—, tão inocente que nunca tivera qualquer suspeita
sobre o verdadeiro papel que representavam seus
inquilinos.

Essa rede era uma organização complexa e, portanto,


algum tempo foi necessário para que sua instalação
pudesse efetivar-se. Quando, porém, a guerra irrompeu
no Ocidente, ela já se achava em condições de entrar em
ação. O plano original do Centro fora o de utilizar essa
rede somente em caso de guerra entre a Alemanha e a
Rússia. Com exceção das ordens dadas, no sentido de
que as agências alemãs e, em particular, a organização
Todt, sofressem infiltração após a invasão da Bélgica, o
plano foi aprovado. Para realizar essa tarefa, Trepper
fundou a firma Simexco, cuja finalidade era fornecer
materiais de construção à organização Todt e, por esse
meio, conquistar a confiança dos funcionários alemães
dessa organização e obter acesso aos segredos relativos
à ofensiva alemã. Durante o reduzido espaço de tempo
em que funcionou, as realizações dessa rede foram de
grande monta.

Quando a Alemanha, finalmente, atacou a Rússia, em


junho de 1941, a rede belga entrou imediatamente em
plena ação. Pode-se ter uma idéia da atividade que as
redes holandesa e francesa desenvolveram, naqueles
primeiros dias, analisando-se os relatórios da Gestapo e
da Abwehr, nos quais foi declarado que, em 1941, os
postos de escuta dessas duas agências de
contraespionagem registraram nada menos de
quinhentas mensagens, enviadas do Ocidente para o
Centro. Tão boas eram as técnicas de rádio, então
utilizadas, que as tentativas, realizadas pela
contraespionagem alemã, no sentido de descobrir o local
onde esses aparelhos operavam, resultaram inúteis,
embora deva ser ressaltado que, naquela ocasião, o
sistema de descoberta de emissões ainda se achava num
estágio de desenvolvimento que poderia ser considerado
rudimentar. E isso não foi tudo: os códigos usados
resistiram a todas as tentativas de decifração realizadas
pelos técnicos alemães.

As autoridades em Berlim mostravam-se desorientadas e


irritadas, e tanto Himmler quanto Canaris, chefes
respectivamente da Gestapo e da Abwehr, enviaram
ordens urgentes no sentido que as transmissões russas
fossem localizadas a qualquer custo e o mais
rapidamente possível. Como resultado de um esforço
concentrado, no outono de 1941 a principal estação
emissora foi localizada “em algum lugar na Bélgica”, e os
russos, na ignorância dos progressos realizados pelos
alemães nas técnicas de localização de transmissões,
efetivamente traíram a si próprios, ao fazerem remessas
de mensagens tão excessivamente frequentes e
regulares, quanto demasiadamente longas — cinco horas
por dia.

Em consequência disso, na noite de 13 de dezembro de


1941, tropas alemãs, sob a orientação da Abwehr, deram
uma batida no número 101 da Rua Attrebates.
Descobriram o transmissor, certo número de documentos
falsos, suprimentos de tinta invisível e Mikhail Makarov,
Sophie Poznanska e Rita Arnould. Desgraçadamente, e
para seu desapontamento, não descobriram quaisquer
detalhes dos códigos.

Enquanto a batida se realizava, Trepper chegara a casa,


ignorante do que acontecia. Pensando com rapidez,
entretanto, conseguiu convencer os alemães de que não
passava de um vendedor ambulante de coelhos e, em
face disso, teve permissão para se retirar.

Sophie Poznanska, por sua vez, aproveitou a confusão e


tomou seu tablete de cianeto, antes que os excitados
alemães percebessem o que ela estava fazendo. Makarov
morreu sob torturas, sem trair um simples pormenor,
mas Rita Arnould não somente contou tudo o que sabia,
mas igualmente entregou, voluntariamente, à Abwehr
uma fotografia de Trepper, que ela nunca deveria ter
possuído. Quando sua utilidade chegou ao fim, foi
decapitada. Trepper, conhecido como o “Grande Chefe”,
e Sukulov, chamado o “Pequeno Chefe”, fugiram para a
França, onde a rede local, sob a direção geral de Trepper,
funcionava na Zona Não-Ocupada, enquanto Yefremov,
não comprometido por Rita Arnould, assumiu a direção
do que restou da rede belga, sendo Johann Wenzel
levado da Holanda para ajudá-lo.

Essa iniciativa representou, mais tarde, uma atitude das


mais infelizes tomadas pelo Centro. É que Rita Arnould
havia também denunciado Wenzel. Com frequência, ele
ia a Bruxelas e visitava a villa da Rua Attrebates. Não
obstante a denúncia, continuou a operar, com sucesso,
pelo período de seis meses, até que, em junho de 1942,
quando localizado seu transmissor pela Abwehr, foi
preso.

Por essa ocasião, a Abwehr tivera a idéia do que, mais


tarde, se transformaria no Spiel. Embora seus agentes
tivessem fracassado na tentativa de decifrar os códigos,
utilizados nas transmissões da villa, mais tarde, quando
uma busca mais rigorosa ali foi levada a efeito, os
alemães encontraram alguns papéis rasgados, contendo
grupos de letras. Através desse material, recorrendo a
cuidadosa e persistente paciência, seus técnicos
conseguiram reconstituir o código, ocorrendo então a
Canaris que essa descoberta seria valiosa, não somente
para descobrir quais as informações que os russos
haviam obtido, mas, igualmente, pelo prejuízo que
poderia ser feito à espionagem soviética, se mensagens
falsas fossem transmitidas, em código, para o Centro.
Quando, entretanto, estavam prontos para realizar esse
programa, Makarov, que poderia ter sido usado nessa
tarefa — e, de fato, devia ser usado * —, estava morto, e
o Centro já mudara seus códigos.

Naquela ocasião, entretanto, a Abwehr dispunha de novo


operador em Wenzel e, além disso, de um operador que
conhecia os novos códigos. No princípio, recusou-se a
cooperar, mas, quando lhe foi exibido seu dossiê, em
poder dos alemães, e lhe propuseram a alternativa de
ser morto ou fazer o que lhe fosse ordenado, rendeu-se.
Sendo um agente de longa prática e havendo sido
Diretor-Residente, as informações de que dispunha para
oferecer à Abwehr eram relevantes.

De qualquer forma, parece que Wenzel não traiu


Yefremov, pois este último foi preso, em julho de 1942,
quando Raichmann, técnico em falsificação de
documentos, entregou um retrato dele a um inspetor de
polícia belga, chamado Mathieu, em quem confiava, mas
que, na realidade, estava então colaborando com os
alemães. Em face da desorganização em que caíra o
departamento de falsificação, com a apreensão, no
interior da villa, de seus cunhos de borracha, Raichmann
solicitara a Mathieu que pusesse um carimbo oficial
naquela fotografia de Yefremov, o que se fazia necessário
para a obtenção de um novo passaporte. É que o agente
russo decidira mudar sua nacionalidade, deixando de ser
finlandês para se tornar holandês. Mathieu concordou em
entregar, ele próprio, o passaporte a Yefremov, quando
lhe fosse possível carimbá-lo, e, quando os dois se
encontraram, o agente russo foi preso.

A princípio, Yefremov se recusou a dar qualquer tipo de


informação à Abwehr, mas, de uma forma ou de outra, a
organização alemã descobriu que seu prisioneiro tinha
grande apego à família, que se encontrava na Rússia.
Ameaçaram-no, então, de enviar uma mensagem ao
Centro, declarando que ele denunciara Wenzel. Essa
denúncia faria certamente com que os russos, em
represália, prendessem e, provavelmente, executassem
sua família toda. Diante de tal ameaça, Yefremov cedeu
e, uma vez que começou a falar, tornou-se, rapidamente,
excelente colaborador.

Como resultado da confissão de Yefremov, Maurice Peper


e Hendrika Hilboling — os correios entre os grupos belgas
e holandeses — foram presos. Madame Hilboling
recusou-se a colaborar e foi executada. Peper, porém,
denunciou Winterink, que dirigia a rede holandesa desde
a partida de Wenzel para Bruxelas. Winterink, também,
inicialmente se recusou a falar, mas foi em seguida
convencido a fazê-lo e, em troca, traiu o resto dos
integrantes da rede.

Assim, quase com um golpe só, as redes da Bélgica e da


Holanda foram inteiramente desmanteladas. A
dinamarquesa nunca fora estabelecida e, nessas
condições, de toda a enorme organização soviética no
Ocidente, só restaram em funcionamento as redes da
França e da Suíça. 

*  A técnica individual de transmissão de um rádio-


operador é tão pessoal quanto a sua caligrafia. Embora
mensagens, contendo todos os sinais de identificação,
possam ser transmitidas, se ela não for operada pelo
agente designado para agir em determinada estação, os
que as recebem saberão, imediatamente, que um falso
agente está fazendo funcionar o aparelho emissor. Era
essencial para os alemães, portanto, que agentes
capturados pudessem transmitir, para eles, suas
mensagens falsas, embora, num período superior a
dezoito meses, na Holanda, no curso do que,
posteriormente, se tomou notório como sendo o England
spiel, operadores alemães, de fato, transmitiram
mensagens e o quartel-general das comunicações do
Departamento Executivo de Operações Especiais não
reconheceu que a “caligrafia" não era dos seus agentes
na Holanda.

3. A Rede de Espionagem Russa na


França

Quando Trepper assumiu a direção da espionagem


soviética na França, já funcionavam nesse país duas ou
três redes, que agiam independentes umas das outras,
mas em contato direto com o Centro. De todas as redes
ocidentais, a da França havia-se tornado a mais
importante para a União Soviética. Essa importância se
acentuara ainda mais durante a vigência do pacto nazi-
soviético, o qual, em grande escala, se parecia com a
guerra, em ponto-morto, que Hitler conduzia contra as
potências ocidentais. Mesmo quando os alemães
invadiram a França em 1940, a rede francesa não se
encontrou na mesma situação em que estiveram suas
irmãs da Bélgica e da Holanda. Mesmo após a divisão do
país em duas partes, foi-lhe possível, pelo período de
alguns meses, fornecer bom volume de informações
exigidas pelo Centro. Essa central de Moscou desejava
ser informada sobre os seguintes assuntos: planos
estratégicos dos exércitos alemães; relações entre os
líderes nazistas e o Alto Comando; o local em que se
encontrava Hitler e onde estava instalado seu quartel-
general; o poderio da Luftwaffe; a situação da Alemanha
em relação a combustíveis; e os movimentos realizados
pelas tropas nas costas da Bélgica e da França.

Entre as redes estabelecidas na França, antes da


chegada de Trepper, as de maior importância eram o
grupo do Comintern, chefiado por um indivíduo com
nome inglês, Henry Robinson — que, na realidade, era
filho de um rico comerciante de Francforte — e o grupo
liderado por um russo aristocrata que se tornara
comunista, Vasili Maximovich. Esses dois grupos
deveriam fornecer a Trepper a maioria das informações
mais valiosas obtidas por suas bases no país.

Apesar de sua formação de integrante da classe


privilegiada, Henry Robinson fora comunista desde a
organização do Partido na Alemanha. De fato, fora um
“spartaquista”, o que, na realidade, significava haver
sido um precursor da GCP, à qual Clara Schabbel — sua
amante — também pertencera. Por volta de 1930, servira
como chefe da seção secreta do Comintern, tendo
adquirido, nessas funções, largo círculo de amigos e
conhecidos entre os políticos e as autoridades
administrativas da França. Adotou, então, a cidadania
francesa. No início da guerra, havendo-se separado de
Clara Schabbel, residia num hotel de segunda categoria,
sendo considerado por todos um intelectual
extremamente excêntrico.

Fazia parte do seu grupo certo número de destacados


agentes. Ali estavam: Maurice Aenis-Hanslin, engenheiro,
que atuava como correio entre o grupo e a rede suíça;
Louis Mourier, que desempenhava as vitais funções de
“caixa-postal”; e, por fim, Medardo Griotto, gravador,
cuja arte e habilidade eram grandemente apreciadas por
todos os integrantes do grupo.

Vasili e sua irmã Anna Maximovich eram filhos de um


nobre russo emigrado para Paris após a derrota dos
russos "brancos” em 1922, ali morrendo, viúvo e na
miséria. A criação e a educação dos dois filhos, que
deixara na orfandade, ficaram a cargo do bispo de Paris,
Monsenhor Chapital, que dispunha de fundos para
socorrer estrangeiros necessitados. Vasili formou-se em
Engenharia; Anna, em Medicina, especializando-se em
Psiquiatria e em Neurologia.

Paradoxalmente, em face dos seus antecedentes, os


Maximovich foram atraídos pelo comunismo e, embora
nunca se houvessem filiado ao Partido e tornado públicas
suas simpatias pela nova ideologia, frequentavam os
círculos dos russos “brancos” que, discretamente, no
período de fins de 1920 até princípios de 1930, vinham
sendo cortejados pela embaixada soviética.

Ao irromper a guerra, Anna, que fundara uma casa de


saúde para doentes mentais, passara a financiar, com os
lucros que ali obtinha, os simpatizantes da organização
União dos Defensores. Em consequência disso, foi presa,
mas, tendo conseguido provar que cuidava de pacientes
legítimos, logo a libertaram. Vasili, durante algum tempo,
não fora incomodado pelas autoridades. Por volta de
outubro de 1939, entretanto, a polícia o internou num
campo em Bernet, perto de Toulouse, que primitivamente
havia sido criado para recolher comunistas espanhóis,
fugidos da truculência de Franco, e que então passara a
ser um centro de detenção de russos.

Nesse campo permaneceu até que se deu a invasão da


França, quando foi libertado, sob o compromisso de
servir de intérprete a um general alemão, de tendências
anti-hitleristas.

Por essa ocasião ou, mais exatamente, alguns meses


antes dessa data, Trepper estava organizando seu
próprio grupo na França e tinha sido nomeado para o
posto de Diretor-Residente da espionagem russa em
território francês. Com a assistência de Feo Grossvogel,
fundara, em 1939, uma firma de produtos têxteis, mais
ou menos idêntica às que haviam sido estabelecidas em
Bruxelas e Ostende, como se pode ver pela semelhança
dos nomes — Simexco, na Bélgica, e Simex, na França —
, e que serviria como disfarce para suas operações.
Funcionando em escritórios, instalados nos Campos
Elíseos, a Simex dispunha, igualmente, de uma filial no
Bulevar Haussmann e ainda de uma outra em Marselha.
Após a queda da França, foi instalada uma terceira filial
na Zona Não-Ocupada.

Entre os membros destacados do grupo francês de


Trepper se encontravam seu assistente e secretário, Hillel
Katz, e sua secretária particular, Suzanne Cointe. Os
membros de fachada da Simex eram Alfred Corbin, o
diretor-gerente ostensivo, e Robert Breyer, os quais, ao
mesmo tempo que cuidavam das operações legais da
firma — fornecendo materiais de construção às
organizações alemãs —, operavam no campo da
espionagem, embora em escala de certo modo reduzida.
A cobertura proporcionada pela Simex deu a Trepper e a
seus assistentes entrada franca em todos os locais em
que se realizavam construções, inclusive em alguns
trabalhos levados a efeito nas fortificações e, dessa
maneira, grande número de informações lhes chegaram
ao conhecimento.

Trepper e Robinson não começaram a cooperar senão


após a queda da França, mas, durante seu breve contato,
este último forneceu valiosas informações ao primeiro.
De todos, porém, o que obteve maior êxito foi Vasili
Maximovich. Trepper entrou em contato com Vasili logo
depois de este assumir suas funções de intérprete.
Quando manifestou desejo de trabalhar para Trepper e o
Centro deu a indispensável permissão, embora
recomendando que devia agir com cautela,
imediatamente numerosas informações, da mais alta
importância, começaram a ser levadas ao Grande Chefe.

Maximovich ampliou suas próprias fontes pessoais,


ficando noivo de uma solteirona, de 44 anos de idade,
Anna Margarete Eloffmann-Scholtz, que era uma das
secretárias para assuntos confidenciais da Administração
Militar Alemã em Paris. Embora Vasili não pudesse ser
considerado um homem bonito, ao beirar a idade dos
trinta e oito — na verdade, era atarracado, barrigudo, e
sofria de uma inchação na perna —, para Fraulein
Hoffmann-Scholtz representava a mais preciosa aquisição
que uma solteirona de meia-idade poderia esperar para
marido.

O noivado, aprovado pelo Centro, foi comemorado com


uma festa esplêndida, na qual, com exceção do noivo,
todos os presentes eram violentamente anticomunistas.
Seus chefes alemães encararam igualmente aquela
ligação com prazer, tendo Maximovich recebido então
uma permissão especial para visitar o quartel-general da
Administração Militar, quando quisesse e tantas vezes
quantas desejasse. Poucos agentes soviéticos, talvez
somente com duas notáveis exceções — Rudolf Rössller,
que operava com a rede de Genebra, e Richard Sorge,
em Tóquio —, tiveram melhores facilidades para realizar
seu trabalho do que Vasili. Não somente tinha acesso
pessoal a praticamente tudo o que ocorria no quartel-
general da Administração Militar, mas sua esposa
revelou-se ansiosa por ajudá-lo, levando-lhe todos os
rumores que suas colegas femininas lhe transmitiam.

As informações que Maximovich enviava ao Centro,


através de Trepper, incluíam relatórios sobre as reações
francesas em face dos seus intrusos hóspedes; o inteiro
esboço da economia militar alemã — tanto na França
como nos demais países ocupados —; a seriedade da
situação de mão-de-obra; detalhes do que ocorria nos
campos de concentração e identidade dos que ali se
achavam recolhidos. Documentos secretos lhe eram
“emprestados” por algumas horas, os quais, depois de
copiados, eram devolvidos, antes que dessem por sua
falta.

O esforço de espionagem realizado por Maximovich nem


era um solo, nem um dueto. Entre seus agentes se
incluíam dois dos intérpretes que serviam ao
comandante alemão em Paris e, através deles, recebia
detalhes exatos das forças alemãs no interior da capital
francesa e em seus arredores, seus suprimentos e
equipamentos, seus movimentos, os quais lhe
proporcionavam, igualmente, um retrato, de conjunto, da
situação militar na França. Kathe Völkner, secretária do
chefe do Arbeitseinsatz, o Departamento de Trabalho
Forçado, transmitia-lhe informações de idêntica
importância. Kathe, que fora acrobata de certa reputação
e viajara por toda a Europa — de norte a sul e de leste a
oeste —, inclusive a Rússia, com seu amante, Johann
Podsiadlo, fora salva de ser internada pelos franceses, no
começo da guerra, graças aos bons ofícios da
organização soviética. Ambos aprenderam taquigrafia e
datilografia e, quando os alemães ocuparam Paris, Kathe
conseguiu o emprego em que então se encontrava,
enquanto Johann foi tomado como intérprete por uma
outra organização de recrutamento.

Anna Maximovich, irmã de Vasili, integrara-se igualmente


no grupo. Com a ajuda de Trepper, abriu uma nova
clínica na linha de demarcação entre as Zonas Ocupadas
e Não-Ocupadas. Essa localização transformara seu
pequeno hospital não somente num excelente ponto de
encontro para os agentes clandestinos, mas, igualmente,
numa fazenda bem administrada e produtiva, em
condições de fornecer gêneros alimentícios para muitos
dos que não dispunham de cartões de racionamento.

Ali, ela atendia aos seus pacientes verdadeiros, assistida


pelo Dr. Jean Darquier, cujo irmão era o Comissário-Geral
para os Assuntos Judaicos no governo do Marechal
Pétain. Como Jean Darquier era pessoa de sua confiança,
essa ligação abriu uma fonte de informações não
somente relativas às questões judaicas, mas também
relacionadas com uma larga variedade de assuntos de
ordem geral, todos de grande interesse para Moscou.
Desde que o casamento de seu irmão com Fraulein
Hoffmann-Scholtz realçara grandemente a posição de
Maximovich com os alemães, não tardou que oficiais do
exército de Hitler procurassem tratar-se com Anna, de
suas enfermidades nervosas, provocadas pelo esforço de
subjugar um povo orgulhoso e agitado. Esses oficiais
constituíram também nova fonte de informações. Nessas
condições, levando-se em conta todas essas
circunstâncias, a rede de Maximovich adquiriu
considerável importância no fornecimento de Inteligência
ao Centro.

Tudo corria bem, até que ocorreram as prisões e o


desmantelamento da rede da Bélgica, o que, como era
de se esperar, fez com que os alemães concentrassem
sua atenção no que se passava na França. Uma vez mais,
foram os rádio-operadores que caíram em primeiro lugar.
Em junho de 1942, os técnicos da Abwehr, encarregados
de detectar a direção das irradiações clandestinas,
levaram os policiais alemães ao Dr. Herz Sokol e a sua
esposa, Miriam. Essas prisões colocaram Trepper,
pessoalmente, em grande perigo, pois ele os havia usado
como seu principal veículo de comunicação com Moscou.
Afortunadamente, o doutor e Sra. Sokol, ambos
poloneses e veteranos comunistas, se recusaram a falar,
durante algum tempo. Quando, porém, a Sra. Sokol ouviu
a ameaça, feita pelos alemães, de que seu marido seria
fuzilado diante dos seus olhos, fraquejou e confessou.
Denunciou tudo o que sabia sobre Trepper, mas não
sabia o suficiente para comprometê-lo. Frustrada e
irritada, a Abwehr executou os dois, sem maior
preocupação.

A maior ameaça à rede soviética na França veio dos ex-


integrantes da rede belga, que haviam concordado em
colaborar com os alemães. Esse fato revela, de maneira
expressiva, a falta de habilidade de alguns dirigentes do
Centro, que, permitindo a existência de um chefe na
direção ou relacionado com duas organizações,
funcionando em dois países separados, comprometiam a
segurança de ambas as redes. Em outubro de 1942,
oficiais da Abwehr, que haviam sido responsáveis pela
apreensão da rede belga, chegaram a Paris, levando em
sua companhia alguns daqueles agentes-colaboradores.
Logo após o desembarque desses elementos na capital
francesa, umas duas vintenas de agentes soviéticos, ou
de pessoas suspeitas de serem agentes, foram presas.

O objetivo principal que tinham em mira era,


naturalmente, Trepper — o Grande Chefe —, sobre quem
já sabiam muitas coisa. Possuíam uma fotografia sua,
fornecida por Rita Arnould; não ignoravam o papel que
desempenhara na rede de Bruxelas; e estavam cientes
também de que se encontrava na França. Só não sabiam
onde Trepper estava morando.

Numa tentativa de fazê-lo aparecer, os alemães levaram


Raichmann a Paris e lhe prometeram que, se conseguisse
entrar em contato com Trepper, teria a vida poupada.
Raichmann comprometeu-se a fazer o que pudesse e,
embora houvesse tido a oportunidade de trair diversos
agentes soviéticos, denunciando-os ao serviço de
contraespionagem alemã, no curso das suas
“investigações”, não conseguiu induzir Trepper a se
mostrar.

Mas, se Raichmann fracassou, os dias de Trepper


pareceram, entretanto, contados, quando um intérprete
que trabalhava na Simex — a firma que organizara como
disfarce para suas atividades —, uma antiga russa
“branca”, Maria Kalinina, e seu filho Evgeni, um dos
motoristas da organização, denunciaram o verdadeiro
papel daquela empresa industrial. Avisado com
antecedência, Trepper mergulhou na clandestinidade e,
embora muitas iscas fossem postas para atraí-lo, nunca
as mordeu.

Trepper caiu, finalmente, nas mãos dos alemães, em


consequência de sua própria falta de cuidado. Num
diário, que deixara em sua secretária, na Simex, anotara
uma hora marcada com seu dentista. Para um agente da
sua experiência, esse fato constitui falta inadmissível, e
ainda pareceu quase incrível, ao saber-se que o Grande
Chefe compareceu ao encontro marcado, mesmo
sabendo da deserção dos Kalinin. Dessa forma, foi preso,
no dia 16 de novembro de 1942, quando se achava
sentado na cadeira do dentista.

No princípio, Trepper recusou-se a falar. Quando soube,


porém, que, se insistisse no mutismo, seria entregue à
Gestapo, que utilizava métodos mais persuasivos que a
Abwehr para arrancar confissões, concordou em dar
algumas informações, que não repugnavam em demasia
à sua consciência. Uma vez mais, torna-se surpreendente
que um agente de tão longa experiência não
compreendesse que, quando um homem na situação em
que ele se encontrava começa a falar, não há limite, de
fato, para o que possa revelar. Quanto mais informações
dava, mais o parafuso se apertava, e, por fim, viu-se
colaborando francamente com os alemães.

O primeiro assistente que denunciou foi seu secretário,


Hillel Katz, a quem pediu que o encontrasse na estação
do metrô da Madeleine. Quando Katz foi acareado com
Trepper, este lhe ordenou revelasse tudo o que sabia.
Katz obedeceu e, quando já havia dito tudo, os alemães o
executaram.

Entre os dois, Trepper e Katz, também foi atraiçoado


Henry Robinson, o chefe da rede, que, depois de
Maximovich, era que operava com maior êxito. Robinson
foi preso no dia 21 de dezembro de 1942.

A maior traição de Trepper, porém, foi sua denúncia de


Vasili e Anna Maximovich e de toda a rede de que
dispunham. A prisão desses agentes destruiu todas as
organizações soviéticas que tinham Paris por base —
redes tão astuciosamente estruturadas e que tanto
sucesso vinham alcançando.

Esses fatos, entretanto, não significam que tenha


chegado ao fim a espionagem soviética na França. Victor
Sukulov, o Pequeno Chefe, que escapara ao cerco das
tenazes da Abwehr em Bruxelas, transferira-se para
Marselha, onde vinha dirigindo com êxito uma excelente
organização. Existia ainda outra que operava em Lyon —
um dos centros da resistência francesa —, dirigida por
Jezekiel Schreiber. Em poucos meses, essas duas redes
também haviam sido desmanteladas, e a mesma
desprezível história de traição fora repetida.
É difícil compreender o completo fracasso dos principais
agentes russos — homens cheios de bravura e com
longos anos de serviço prestados à espionagem
soviética. Desgraçadamente, não dispomos de suficiente
espaço para analisar, em detalhe, o colapso moral e a
quebra de lealdade, dos quais, segundo razoavelmente
se deveria esperar, deveriam estar isentos homens como
Trepper, Sukulov, Katz, Raichmann, os Kalinin,
Máximovich, Henry Robinson e outros. Todos eram
comunistas veteranos e, nessas condições, dever-se-ia
pensar que a ideologia que professavam iria impedir que
colaborassem com os fascistas. Além disso, constituíam
uma elite de agentes altamente treinados, e essa
circunstância também deveria tê-los condicionado a
preferir a morte à desonra. Enquanto estavam operando,
revelaram todas as gamas de engenhosidade, todas as
escalas de coragem, uma completa devoção às
incumbências que lhes foram atribuídas. Tudo isso, sem
dúvida, torna a traição que praticaram ainda mais difícil
de ser compreendida.

Trepper colaborou com a Abwehr em seu “jogo do rádio”


e, por meses e meses, operou uma estação transmissora
para os alemães. Como resultado dessa sua atividade, a
Resistência Comunista Francesa, um dos grupos de
resistência mais poderosos e ativos em toda a França, foi
tornada praticamente sem eficiência.

Com permissão para viver numa residência particular,


situada à Avenida Foch, com sua amante, Geórgia de
Winter, conseguiu ludibriar a guarda que o vigiava, em
junho de 1943, e nunca mais foi visto pelos alemães.
Chamado de volta a Moscou, no término da guerra,
obedeceu submissamente, embora devesse saber que
seu destino seria a execução — fato este que lhe toma a
deserção ainda enigmática.
Mais danosas, entretanto, foram as atividades de
Sukulov, e os motivos que o levaram à traição que
praticou foram simples e pessoais. Ao ser preso, recusou-
se, firme e secamente, a dizer qualquer palavra. Nem
ameaças nem torturas o fizeram mudar de atitude. Ao
contrário, pediu para ser executado.

Um dia, porém, foi acareado com sua amante, Margarete


Barcza. De acordo com o Der Stern, que publicou, no dia
17 de junho de 1951, declarações feitas por agentes da
Gestapo, relativas ao desmantelamento das redes
francesas e ao “jogo do rádio”, o que aconteceu foi o
seguinte: “Ao ver Barcza, Sukulov mostrou-se furioso.
Avançou para ela e a abraçou, com uma ternura de que
só um russo é capaz. Voltando-se, então, para o
Comissário, exclamou: Deixe que ela vá em liberdade, e
eu lhe contarei tudo. . . Ajoelhou-se diante do oficial e
chorou como uma criança.”

Os alemães aceitaram a proposta e, dentro de poucas


semanas, Sukulov, acompanhado de Margarete Barcza,
estava de volta a Marselha, operando um transmissor
para o “jogo do rádio”. Iludiu completamente o Centro, o
qual, por sua vez, continuou a lhe enviar instruções,
recebendo, em troca, informações preparadas pelos
alemães. Sukulov chegou mesmo a se oferecer para
tentar entrar em contato com a rede que operava na
Suíça, mas o agente britânico que a dirigia estava muito
prevenido contra ele, e o golpe falhou. Essa tentativa pôs
termo à sua utilidade para os alemães, pois o relatório
que Foote enviara ao Centro fez com que seu diretor
mandasse instaurar inquéritos, a fim de apurar o que de
fato ocorria na França. Em face das investigações
realizadas, ficara apurado que Sukulov tinha estado a
serviço dos alemães nos últimos quatro ou cinco meses.
Sukulov retirou-se com os alemães, quando a França foi
libertada, enquanto Barcza montou uma casa para
ambos, em Bruxelas. Ali, ele a visitava, de tempos a
tempos, enquanto vivia clandestinamente, para escapar
tanto à atenção dos russos como à dos aliados. Pouco
tempo depois da guerra, viajou para os Balcãs, e ali
desapareceu. A Segunda Seção do Terror e do
Desaparecimento, segundo tudo indica, conseguira, por
fim, pegá-lo.
4. A Orquestra Vermelha e Outras

Embora não por culpa sua, Victor Sukulov foi,


igualmente, envolvido na apreensão e na supressão de
uma das notáveis organizações da espionagem soviética
que operavam durante a guerra. Conhecida como a
Orquestra Vermelha — Die Rote Kapelle  *  —, era
admirável, tanto por seus membros integrantes quanto
pelas informações que pôde transmitir para Moscou,
durante os quatorze meses de sua existência.

Durante o período da “cooperação” nazi-soviética, que se


estendeu da assinatura do Pacto Ribbentrop-Molotov até
o irrompimento da guerra entre a Alemanha e a Rússia
em 1941 — e coincidiu, aproximadamente, com a
eliminação das redes soviéticas de antes da guerra,
instaladas em território germânico, como em outros
países da Europa Ocidental —, verificou-se uma fase de
calmaria na política mundial. Mas, como aconteceu
naqueles outros países, se uma espionagem ativa não
estava em curso, esse período de calmaria foi utilizado,
na Alemanha, para a instituição de uma organização que
poderia operar quando a guerra viesse a irromper entre
as potências fascistas e comunistas.

Por motivos que se desconhecem, entretanto, a


organização desse “aparelho” de espionagem foi deixada
a cargo de agentes profissionais, adidos à embaixada da
Rússia em Berlim. Esses agentes, ainda por outras razões
que não puderam ser descobertas, entraram em pânico
ou retardaram o trabalho até 22 de junho de 1941,
quando, então, procuraram realizá-lo, mas deixando
apenas vagamente concluído. O resultado foi que,
quando a embaixada preparou sua mudança e
abandonou rapidamente o país, no dia seguinte à
irrupção da guerra entre a Alemanha e a Rússia, o
pessoal da Inteligência a acompanhou, e ali foram
deixados apenas como que uns simples ossos de uma
rede, e não o esqueleto completo de uma organização
dessa natureza.

Deve ser recordado naturalmente que, em face do


desmantelamento dessas organizações no período
anterior ao nazismo e da quase supressão do Partido
Comunista Alemão, as reservas de talentos locais foram
seriamente afetadas, quer quanto à sua quantidade, quer
no que diz respeito à sua disponibilidade. Não obstante
esses embaraços, levando-se em conta o caso da Rote
Kapelle, não há dúvida de que, se o esforço das agências
soviéticas fosse mantido durante o período de 1939 a
1941, uma rede poderia ter sido organizada e estaria em
condições de entrar em imediata e efetiva ação, tão logo
o Dia D viesse. Isso não aconteceu, porém. O pequeno
grupo que foi recrutado não era apenas inexperiente em
técnicas de espionagem, mas também impropriamente
preparado para o que, nos melhores círculos de
espionagem, se denomina grave risco de segurança.
Apesar dessas deficiências, esse grupo venceu a maior
parte das dificuldades que se lhe apresentaram e só caiu
vítima dos detectores de radiotransmissão da Abwehr.

Os líderes do grupo eram Harro Schultze-Boysen e Arvad


Harnack, ambos homens de reais qualidades. A tarefa
que lhes competia era reunir, para a execução de uma
missão coletiva, certo número de colaboradores que
ultrapassassem, em qualidades, a maioria dos membros
ordinários da espionagem soviética daquele tempo.
Originalmente, o círculo formado fora constituído de uma
pequena parte do grande grupo antinazista de
Resistência Comunista. Embora fosse tradicional que os
comunistas russos e alemães se limitassem a realizar
apenas o papel de Resistência, aqueles novos recrutados
se mostraram bem menos importantes e eficientes nesse
setor de que o foram em suas atividades de espionagem.

Harro Schultze-Boysen, era filho de um oficial alemão


aristocrata. Servira na Marinha, durante a Primeira
Guerra Mundial, e foi chefe do Estado-Maior do General
Der Flieger Friedrich Christiansen, comandante-chefe, na
Holanda, durante a Segunda Guerra Mundial. Quando
atingira a idade de quinze anos, Schultze aderira à ala
direita do movimento antinazista, mas não por muito
tempo, pois breve passaria para o extremo oposto. Em
1932, quando tinha vinte e dois anos, era o porta-voz de
um grupo de jovens progressistas. Por causa dessas
atividades, foi preso e encarcerado pela Gestapo, quando
os nazistas assumiram o poder. Essas experiências
empurraram-no naturalmente para a extrema-esquerda e
para o comunismo. Suas simpatias pelo comunismo não
impediram, entretanto, que se tornasse membro do
Ministério da Aeronáutica da Alemanha, no qual, em
tempos de operação, esteve servindo como oficial da
Inteligência.

Quando atingiu a idade de vinte e seis anos, Schultze-


Boysen casou-se com uma neta do Príncipe Philip von
Eulenberg — Libertas Haas-Heye —, que lhe iria ser de
grande ajuda, já que iniciou efetivamente suas atividades
de espionagem no mesmo ano do seu casamento, isto é,
1936. Nessa época, enviava informações aos vermelhos
espanhóis, relativas à Inteligência alemã.
Nesse ano, começou a reunir em torno dele um grupo de
homens de orientação política idêntica à sua. Nunca foi,
entretanto, um comunista ortodoxo. Embora suas
simpatias estivessem cem por-cento com os soviéticos,
seu caráter — era instável e emocional em excesso —
não lhe permitiria nunca obedecer em qualquer
circunstância, ao que fosse ditado por Moscou.

Imediatamente antes de Hitler invadir a Rússia, Schultze-


Boysen foi apresentado a um agente soviético que
integrava o quadro do pessoal da embaixada e cujo
papel era assistir Bogdan Kobulov, que, sob o disfarce de
conselheiro da embaixada, estava encarregado de
estabelecer uma rede que deveria operar na Alemanha,
após a irrupção da guerra. Esse agente, que disfarçara
com êxito sua identidade, sob o falso nome de Alexander
Erdberg, viu imediatamente em Schultze-Boysen o tipo
de homem de que necessitava. Em breve, era ele
escolhido pelo Centro para ser um dos três diretores da
referida rede. Seus companheiros seriam Arvad Hamack
e Adam Kuckhoff.

Harnack era bem diferente de Schultze-Boysen: dez anos


mais velho e membro de uma famosa família de filósofos
alemães. Como Schultze, entretanto, cedera, a princípio,
aos grupos de extrema-direita, no fim da Primeira Guerra
Mundial, e então derivara para o comunismo. Era, porém,
um verdadeiro comunista, um marxista.

Quando um grupo de intelectuais comunistas alemães


fundou, em 1931, uma sociedade de propaganda do
comunismo, denominada Sociedade Para Estudo da
Economia Planificada, Harnack destacou-se entre esses
idealistas. Embora essa sociedade, que dispunha de
pleno apoio de Moscou, não tivesse sido criada,
originalmente, para fazer espionagem, acabou sendo
solicitada, entretanto, a fornecer certas informações a
Moscou.

Em 1932, um pequeno número de sócios dessa entidade


— entre eles, Harnack — visitou a Rússia, numa viagem
de estudo. Essa excursão, segundo tudo faz crer,
desempenhou papel importante em relação ao futuro
desenvolvimento político de Harnack. Suas qualidades
intelectuais foram notadas pelos dirigentes soviéticos,
que logo o convidaram para realizar espionagem em
favor do governo de Moscou. Ele concordou com a
proposta e, com a possível exceção de George Blake, a
espionagem soviética provavelmente nunca dispôs, em
seus quadros, de um agente, como ele, tão altruísta em
seus motivos. De fato, Harnack só se envolvera em
espionagem por motivos puramente ideológicos, e nela
permaneceria pelos próximos dez anos, sem levar em
consideração qualquer outra circunstância.

Ao regressar de Moscou, Harnack solicitou e obteve um


cargo no Ministério da Economia da Alemanha. Constitui
um mistério indecifrável o recurso de que se valeu para
ocultar sua visita à Rússia. Com efeito, ele não iria ser
desmascarado senão quando a Orquestra Vermelha fosse
desmantelada — época em que o papel que
desempenhava na organização tornou-se conhecido.

É óbvio que Harnack era uma dessas raras criaturas —


um espião de nascença. Embora não houvesse recebido
qualquer treinamento, durante sua longa carreira,
sempre observou os princípios básicos da segurança, e
nem uma só vez deixou escapar a mais leve insinuação
sobre suas atividades secretas. Tanto êxito obteve que
logo passara a ser considerado, no Ministério da
Economia, como modelo do que um oficial deve ser —
um burocrata consciencioso e trabalhador.
No fim da década dos vinte, passara dois anos nos
Estados Unidos, através de uma bolsa de estudos da
Fundação Rockefeller. Durante sua permanência ali,
conheceu Mildred Fish, conferencista de literatura, com
ela se casando. A Sr.a Harnack não necessitara de muita
persuasão para adotar as idéias do marido. Quando ele
retornou de Moscou, ela se mostrava tão entusiasmada
quanto ele em relação a suas novas funções. Ao ser
desmantelada a Orquestra Vermelha, pelos alemães, foi
presa, juntamente com o marido, e julgada, embora
nunca fosse confirmado que alguma vez se tivesse
empenhado em atividades de espionagem.

O terceiro membro do triunvirato, Adam Kuckhoff, era


conhecido escritor e produtor de teatro. Tinha cerca de
cinquenta anos quando a Orquestra Vermelha foi
organizada. Como os outros dois, iniciara a vida política
como nacionalista-direitista e, com o advento do
nazismo, aderira ao comunismo, como o meio mais
efetivo de derrubar a ditadura. Sua esposa, Margarete,
que o ajudara em todas as suas atividades antinazistas,
era funcionária do Departamento de Política Racial,
dirigido por Alfred Rosenberg. Kuckhoff, dos três, foi o
que desempenhou papel de menor importância.

Em torno desses três líderes, agruparam-se


aproximadamente cem pessoas. Viam-se, entre eles,
alguns membros do Partido Comunista Alemão, embora
não dispusessem de muita influência. Os restantes eram
jovens comunistas, ideologicamente sem base, mas
fanáticos em seu ódio a Hitler e a tudo o que ele
representava, e uma diminuta parte de não-comunistas
— que não conheciam, exatamente, por que ideais
estavam lutando, a não ser que eram antinazistas.
O grupo que realizava espionagem ativa era constituído
de uma pequena fração do conjunto e guardava seu
segredo com discrição, embora isso não tivesse sido
suficiente para salvar os demais, quando a tragédia os
avassalou. Os dois principais líderes — Schulze-Boysen e
Harnack —, o primeiro na Inteligência do Ministério da
Aeronáutica, e o segundo no Ministério da Economia,
encontravam-se em excelentes posições para coletar
informações da maior importância. Os demais
integrantes do grupo achavam-se, igualmente, bem
situados. Horst Heilmann trabalhava no departamento de
decifração de códigos na Wehrmacht; Johann Graudenz,
viajante de fábricas de freios que fornecia à Luftwaffe,
fazia os registros da produção aeronáutica dos nazistas;
Erwin Gehrts trabalhava em outro departamento do
Ministério da Aeronáutica; Herbert Gollnow tinha acesso
aos segredos da contraespionagem da Wehrmacht;
Gunther Weisenborn era funcionário do serviço nacional
de rádio; enquanto outros se encontravam firmemente
entrincheirados no Ministério do Exterior, no Ministério da
Propaganda, no Ministério do Trabalho, na Administração
Municipal e em vários departamentos importantes.

A Orquestra Vermelha era a única rede que funcionava


na Alemanha, mas, ao lado dela, existiam também uns
dois agentes isolados, independentes, que ali estavam
operando. Os mais importantes deles eram Hans
Kummerow e Rudolf von Schelihä, cuja antecipada
remoção da cena, levada a efeito pela
contraespionagem, deixara o campo livre para a
Orquestra Vermelha. Esses dois agentes eram,
entretanto, personalidades tão interessantes que
merecem uma menção especial.

Kummerow era destacado engenheiro e inventor.


Participara da espionagem industrial, realizada em pleno
dia, na década dos vinte, quando enviara para Moscou
particularidades de sua invenção do radar primitivo e da
guerra química. Considerado ainda homem de grande
utilidade quando a guerra irrompeu, os russos tentaram
enviar-lhe um rádio-operador, só para ele, já que não
dispunha de meios para se comunicar com o Centro.
Desgraçadamente, esse operador, atirado em
paraquedas, foi preso ao tocar a terra e, sob torturas,
confessou tudo. Kummerow e sua esposa foram presos e
executados em 1943.

Von Schelihä era um tipo bem mais agradável. Penetrou


na órbita do Centro quando conselheiro da embaixada da
Alemanha em Varsóvia. Descendente de uma família
aristocrática e diplomata de carreira no velho estilo,
casara-se com uma mulher muito rica. Possuía, porém,
hábitos excessivamente extravagantes, particularmente
no que dizia respeito a amantes. Nessas condições,
apesar de a sua própria renda não ser desprezível e da
fortuna da esposa, logo se enredara em grandes dívidas.
Foi quando teve a idéia de vender os segredos do
governo que eram de seu conhecimento a quem mais
oferecesse por eles. Os ingleses, durante algum tempo,
foram seus fregueses, mas, quando souberam que,
simultaneamente, ele cedia o mesmo material aos
russos, interromperam as transações. Os russos não se
mostraram tão exigentes, e Von Schelihä continuou a
servi-los; poderia ter continuado a fornecer esses
segredos ainda por muito tempo, sem ser desmascarado,
não fosse a falta de rádio-operadores. A partida da
embaixada soviética de Berlim, em junho de 1941,
deixara Schelihä sem um canal de comunicação com
Moscou. Um especialista em rádio, Kurt Schulze,
recebera instruções para ajudar o diplomata e sua
assistente, Ilse Stöbe. Mas, quando isso aconteceu,
parece que Schelihä tinha pensado no perigo que estava
correndo e se tornara relutante em prosseguir na sua
cooperação com Moscou. O Centro, por sua vez, não
desejava perder os serviços que ele vinha prestando e
arranjou para enviar um correio, de paraquedas, para
fazer uma chantagem contra Schelihä.

O homem escolhido em primeiro lugar para investigar as


razões da relutância de Schelihä fora Victor Sukulov. Isso
ocorreu antes que Sukulov tivesse sido preso e
começasse a colaborar com a Abwehr — na realidade,
antes do desmantelamento da rede belga. Tendo-se
avistado com Schelihä e arranjado para que Kurt Schulze
fosse o vínculo radiofônico dele com Moscou, Sukulov
enviou um relatório, em código, para o Centro, dando
conta do desempenho da missão que lhe fora confiada. A
Abwehr interceptou esse relatório, e seus técnicos
conseguiram decifrá-lo, com a ajuda do traidor belga,
Wenzel. O Centro ignorava o que se passava.
Desconhecia, também, o fato de que Ilse Stöbe havia
sido presa, antes que a decisão de enviar um chantagista
a Berlim fosse tomada.

O resultado foi que uma mulher, agente da Gestapo,


apresentando-se como Ilse Stöbe, se encontrava no
apartamento de Schelihä, quando o chantagista, Heinrich
Koenen, chegou. Tiveram uma conversa esclarecedora,
antes que os oficiais da Gestapo o detivessem. Ilse
recusara-se a falar, mas Koenen concordou em colaborar,
resultando daí que Schelihä fosse preso; e ambos,
Schelihä e Ilse Stöbe, foram executados no dia 22 de
dezembro de 1942.

Com a remoção de Kummerow e de Schelihä do cenário


alemão, a importância da Orquestra Vermelha cresceu
proporcionalmente e, por quatorze meses, o grupo mais
do que compensou os desastres sofridos em
consequência da eliminação daqueles dois agentes.
Conseguiu a Orquestra enviar para Moscou informações
de vital importância, como, por exemplo: planos
estratégicos do Alto Comando alemão; movimentos e
localização dos esquadrões aéreos de Goering; planos
para ataque aos comboios ingleses que seguiam para a
Rússia; estatísticas da produção aeronáutica mensal; a
situação dos exércitos, que se encontravam na Rússia,
em relação a combustíveis; e muitas outras de menor
relevância, mas sempre dignas de serem sabidas.

Desde iniciadas suas operações, entretanto, as estações


de detectação das emissões de rádio da Abwehr e da
Gestapo vinham tomando conhecimento das atividades
de transmissores clandestinos, dentro das fronteiras
alemãs, e haviam iniciado uma incessante busca para
localizá-los. Como já vimos em páginas anteriores, a
espionagem soviética sofrera seu primeiro golpe com o
desmantelamento da rede belga e, quando a segunda
rede — da qual Hermann Wenzel era o operador — foi,
igualmente, apreendida e Wenzel se tornara um traidor,
revelando a cifra dos seus códigos, muitas das
mensagens, previamente cifradas, puderam ser lidas.

Nessas condições, ao mesmo tempo que Victor Sukulov


fora enviado para descobrir o que se passava com
Schelihä, recebeu instruções também para examinar que
ajuda poderia prestar à Orquestra Vermelha, de Schulze-
Boysen e Harnack. Sukulov encontrou os dois agentes em
Berlim, verificando então que a maior dificuldade com
que lutavam se relacionava igualmente com a falta de
facilidades para transmissões e recepções
radiotelegráficas de primeira categoria. Sukulov removeu
essas dificuldades e retornou à Bélgica, somente para,
dentro de poucos dias, escapar de ser preso e ter de
fugir para a França.
Entre as mensagens captadas pela Abwehr, estava
aquela que lhe havia sido enviada, dando-lhe instruções
para ir à Alemanha e entrevistar-se com Schulze-Boysen
e seus companheiros. Nela, o endereço de Adam
Kuckhoff era dado, e algumas particularidades foram
reveladas em relação aos outros dois. Essas pequenas
informações, entretanto, mostraram-se perfeitamente
suficientes para que eles pudessem ser identificados, e,
com base nessa apresentação, os três foram presos.
Schulze-Boysen, no dia 30 de agosto de 1942; sua
mulher, alguns dias mais tarde; e os Harnack, no dia 3 de
setembro.

Antes de prender Schulze-Boysen, a Gestapo tinha


controlado seu telefone e, como resultado dessa
providência, pôde entrar em contato com cerca de uma
centena de outras pessoas do grupo maior. Nem todos
eles, porém, caíram nessa armadilha. Alguns membros,
entre os quais Libertas Schulze-Boysen, concordaram em
colaborar. No período de alguns dias, a Orquestra
Vermelha tinha deixado de existir na Alemanha.

O julgamento dos principais réus iniciou-se no dia 15 de


dezembro de 1942. Os Schulze-Boysen, os Harnack e os
Schumacher, Hans Copp — o rádio-operador —,
Heilmann, Gehrts, Kurt Schulze — o operador de Schelihä
—, Graudenz, Gollnow e Erika von Brockdorf sentaram-se
no banco dos réus. Desses quatorze, onze sofreram a
pena capital, mas Mildred Harnack e Erika von Brockdorf
viram-se condenadas à prisão. As sentenças de morte
foram executadas poucos dias após o veredicto, tendo as
vítimas ficado penduradas em ganchos para carne. De
acordo com o princípio de que "aqueles que se metem na
sombra da traição põem em leilão suas vidas”, Hitler
ordenou novos julgamentos para as duas mulheres, que,
consequentemente, foram condenadas à morte e
guilhotinadas.

Dos restantes, os Kuckhoff tiveram seu julgamento no dia


3 de fevereiro de 1943, juntamente com outros. Todos
foram condenados à morte. Frau Kuckhoff, porém — e
isso não deixa de ser curioso —, foi absolvida.
Considerando a situação em conjunto, pode-se dizer que
cerca de cinquenta desses agentes foram presos e
executados.

As autoridades nazistas envolveram todo o caso da


Orquestra Vermelha em tão profundo sigilo que somente
quando a guerra terminou é que a completa história
desses julgamentos e dessas execuções pôde ser
revelada. O Ministro das Finanças, Walther Funk, segundo
se diz, não soubera da prisão de Harnack senão nas
vésperas da sua execução.

A Orquestra Vermelha e os agentes isolados não


constituíram o único esforço realizado pela espionagem
soviética no interior da Alemanha. As autoridades russas
ficaram impressionadas com a organização britânica,
denominada Departamento Executivo de Operações
Especiais — SOE — e decidiram criar, em seu próprio
país, uma entidade similar. Nessas condições, antes que
os norte-americanos chegassem à Inglaterra para saber o
que os ingleses lhes poderiam sugerir em relação à sua
projetada organização — Escritório de Serviços
Estratégicos (OSS) —, os russos já haviam enviado
técnicos a Londres, com a incumbência de recrutar
alguns dos “cérebros” do SOE. Eu mesmo submeti-me a
treinamento pelo SOE, para uma subsequente missão na
Europa Oriental, e até hoje me recordo do mal-estar que
assaltou os instrutores ingleses - quando os russos
chegaram —, em face daquela decisão de lhes permitir
que tomassem conhecimento dos segredos da
organização.

De que esse medo era justificado não resta a menor


dúvida, levando-se em conta as subsequentes atitudes
da Rússia nesse campo. O técnico incumbido de
estabelecer uma organização desse tipo na Rússia foi o
misterioso Alexander Erdberg, que trabalhara na
embaixada russa em Berlim. Os agentes que deveriam
integrar a organização eram escolhidos, em sua maioria,
entre os muitos mil que tinham fugido dos exércitos
alemães em ofensiva e se mostravam suficientemente
fortes e jovens para se submeterem a um rigoroso curso
de treinamento em armas e paraquedas, enquanto os
selecionados para atuar na Alemanha eram jovens
comunistas emigrados.

Tudo faz crer que os russos não compreenderam


exatamente as dificuldades que teriam de enfrentar para
instituir missões dessa natureza. A necessidade desses
agentes era urgente, e o seu treinamento, portanto, foi
acelerado. A grande maioria deles constituía, na
realidade, riscos de segurança de primeira classe, no
momento em que tocasse a teria. E isso porque havia
sido demasiadamente apressada a instrução que
receberam para as funções de agentes secretos. Rádio-
operadores foram postos em atividade, dotados de uma
instrução que só serviria para atirá-los, de saída, nas
garras das unidades de detectação de emissoras que,
cada dia, se revelavam mais eficientes. Seus códigos,
necessariamente simples, eram, entretanto, tão
rudimentares que as mensagens neles transmitidas
poderiam ser perfeitamente sem cifra. Nessas condições,
os russos nenhuma tentativa fizeram — ou assim parece
— para instituir o tipo de organização de “recepção” em
campo, que tanta significação tinha para esse tipo de
agente, e que os ingleses, utilizando o mesmo gênero de
pessoal e a mesma qualidade de organização de
resistência clandestina, com tanto sucesso haviam
construído.

Tudo faz crer, igualmente, que as autoridades de Moscou,


responsáveis por essa organização, não mereciam fé e
encaravam sua tarefa com um cinismo raro, mesmo
entre os russos. Talvez dispusessem de vastos recursos
humanos, aos quais podiam recorrer, mas, se isso era
verdadeiro ou não, o fato é que usavam seus homens e
suas mulheres com uma prodigalidade quase
inacreditável.

Eu mesmo caí vítima da Abwehr, mas isso não foi devido


a qualquer falta da OSE, nem por culpa minha. Durante
os primeiros estágios de convívio com a Abwehr, três
acontecimentos deveriam revelar a atualidade de todos
os pontos acima referidos. Em primeiro lugar, passei
minha primeira noite de prisão numa cela ocupada por
um jovem agente russo, que seria fuzilado na manhã
seguinte. Descobrimos uma linguagem comum, e eu, em
conversa que se prolongou por grande parte da noite,
soube que ele não completara ainda dezenove anos, que
recebera um treinamento de cinco semanas antes de ser
lançado atrás das linhas alemãs e fora preso, dois dias
mais tarde, quando operava seu rádio. Não se tratava de
um traidor. Havia sido, entretanto, rigorosamente
torturado, e disso possuía provas evidentes no corpo.
Era, antes de tudo, leal ao seu país, aos seus dirigentes e
à sua ideologia.

Em segundo lugar, uma moça agente, com a idade de


dezoito anos, foi posta em minha cela, com a insinuação
de que devíamos aproveitar bem o pequeno tempo que
nos restava. Embora desconfiássemos um do outro,
suspeitando um truque, e apesar de eu ter alegado, com
veemência, que preferia ficar sozinho, deixaram-nos
juntos por algumas horas. Vencendo nossa recíproca
repulsa, conversamos um pouco.

A moça não era russa, mas natural de um dos países


orientais subjugados pelos alemães. Fora treinada,
durante seis semanas, para servir como rádio-operadora
— os cursos mínimos de rádio da SOE eram de três
meses —, e atirada, num paraquedas, com um grupo de
cinco homens. Acabara presa, dentro de uma semana,
através das transmissões do seu rádio. Sentia-se
desiludida. Sabia não ter sido convenientemente treinada
e, mais tarde, conseguiu prolongar a vida, por curto
espaço de tempo, aderindo ao “jogo do rádio”.

Em terceiro lugar, encontrava-me num bloco de vinte


celas, destinado a confinamentos solitários. Cada cela,
com exceção da minha, estava ocupada por quatro ou
cinco agentes russos. Um guarda me disse que tinham
caído do céu como folhas no outono. Em cada duas ou
três manhãs da semana, as celas eram esvaziadas, já
que seus inquilinos, algemados juntos e levados para o
pátio, debaixo da minha janela, em grupos de doze ou
mais, eram fuzilados a metralhadora.

Na Alemanha existiam possibilidades para a organização


“de comitês de recepção”, mas pouca ou nenhuma
tentativa foi feita para organizá-los e treiná-los. Dada a
suspeição dos seus chefes, os agentes nunca foram
enviados em menos de dois — exceto em casos raros —,
com medo de que corressem para o inimigo mais
próximo e se rendessem. Tratava-se de uma base
extremamente precária para, sobre ela, construir uma
força dessa natureza, pois, a menos que os dirigentes
soviéticos tivessem confiança em seus agentes, estes,
por seu lado, não podiam confiar naqueles a que
serviam. Se uma análise pudesse ser feita do número dos
que colaboraram e das razões que, francamente,
confessaram terem dado motivo a essa colaboração, não
seria surpreendente se essa falta de confiança fosse
encontrada na raiz mesma da maioria das deserções.

Desde que a Alemanha estava fora do alcance dos aviões


de longo curso da Rússia — e mesmo que tivessem
aviões capazes de voar as distâncias em questão, a
maior parte do voo teria de se realizar sobre território
inimigo, sempre bem provido de barragem aérea —, os
dirigentes soviéticos solicitaram aos ingleses que
colaborassem com eles, fazendo o transporte de seus
agentes. Os ingleses concordaram. Embora nunca
houvessem sido reveladas as cifras do número de
agentes efetivamente entregues, elas, segundo se
supõe, não devem ter sido elevadas, já que o número de
espiões postos dentro da própria Alemanha não era
grande. Quase todos os que foram atirados não
escaparam de ser presos em curto prazo, e uma boa
proporção dos que não foram apanhados se rendeu.

O mais logo período de liberdade de que habitualmente


gozavam os primeiros agentes fora de cinco meses.
Assim aconteceu com Wilhelm Fellendorf e sua
companheira Erna Eifeer, que chegavam a Hamburgo em
maio de 1942, sendo presos em outubro. Seus
sucessores, Albert Hossler e Robert Barth, tendo sido
atirados em agosto de 1942, dois meses mais tarde já
estavam presos. O terceiro, Heinrich Ivoenen, enviado
para chantagear Schelihä, chegou ao apartamento do
último seis dias após sua aterrissagem, sendo
imediatamente detido. O próximo par desceu em
fevereiro de 1943, próximo de Freiburg, na Floresta
Negra, e já encontrou a Abwehr a aguardá-lo. Os dois
tentaram escapar, abandonando o equipamento, e
conseguiram mesmo entrar em contato com um
veterano comunista alemão, Heinrich Müller. Apanhados
pouco depois, foram executados, juntamente com Müller
e sua esposa.

Quando os russos começaram a empurrar de volta os


exércitos nazistas e o seu front foi-se aproximando da
Alemanha e do alcance da sua aviação, a cooperação dos
ingleses foi sustada. Isso ocorreu mais ou menos em
meados de 1943. Daí em diante, grande número de
agentes foi posto no interior do território germânico, e
essa operação era realizada pelos próprios russos.
Nenhum deles comportou-se melhor do que seus
antecessores. Desde que, por essa época, os russos
passaram a se utilizar de prisioneiros de guerra,
confessadamente antinazistas, a média de colaboração
tornou-se mais elevada do que nunca. Erdberg, segundo
tudo indica, estava ciente dessa situação e, não
obstante, acelerou suas entregas, provavelmente
baseado no princípio de que, descarregando largo
número de agentes, só alguns deles poderiam decidir-se
pela deserção, logo após a aterrissagem. Essas últimas
remessas eram integradas por agentes ainda pior
equipados — especialmente no que dizia respeito à
documentação e às técnicas de segurança — do que os
atirados em épocas anteriores. O cinismo de Erdberg,
segundo parece, aumentou, ao invés de diminuir.

Considerada em seu conjunto, essa fase da espionagem


soviética representa, possivelmente, a menos fecunda de
todas. Certamente, pouco contribuiu para as
subsequentes vitórias russas, e teria sido bem mais
humano se os soviéticos abandonassem o projeto, após
os primeiros fracassos.
Por outro lado, os sabotadores, que eram treinados e
transportados pela mesma organização, desempenharam
importante papel. Sua tarefa, porém, não era tão difícil.
Sendo enviados, em largos grupos, para trás das linhas
alemãs, competia-lhes uma tarefa simples ou dupla:
teriam de provocar o maior estrago possível ou iriam
juntar-se aos guerrilheiros, ocultos nas florestas, para
treiná-los e liderá-los em operações de sabotagem. Os
arquivos alemães demonstram que esses bandos valiam
certamente o esforço requerido para colocá-los em
atividade.

Os arquivos de guerra da espionagem soviética revelam


plenamente que ainda havia muito para essa
organização aprender em relação à escolha dos agentes
e ao seu treinamento, antes que sua reputação pudesse
classificá-la entre as grandes agências do mundo. Que a
lição foi levada a sério, a experiência atual cabalmente o
demonstra! 

*  A Orquestra Vermelha foi o nome que os alemães


deram à rede. Esse nome foi tirado do jargão da
espionagem russa, que chamava certo tipo de
radiotransmissor de “caixa de música” e ao rádio-
operador “músico”. O nome cobria todas as redes
germânicas, na Europa ocupada pelos nazistas, mas era
especialmente aplicado à que funcionava no interior da
própria Alemanha. 
5. A Grande Rede Suíça

No capítulo 4 da primeira parte deste livro, descrevemos


como Alexander Foote foi recrutado pelo serviço soviético
de espionagem. Fizemos ali também uma ligeira
biografia desse homem, realmente notável, até o
momento em que ingressou na rede suíça. Antes, porém,
de prosseguirmos na descrição do trabalho de
espionagem desse grupo, será conveniente ressaltar as
qualidades humanas de Foote. Elas retratam melhor sua
personalidade, já que se tratava de um agente sem
treinamento especializado em técnicas de espionagem.

Em primeiro lugar, e acima de tudo, Foote era um inglês


de bom senso, que possuía, além disso, a habilidade de
apreender e avaliar qualquer situação, com perfeita
segurança. Já que o bom senso e um seguro julgamento
são considerados as mais altas qualidades que um
espião deve possuir — por isto que inatas, não podendo
ser adquiridas —, ele constituía um elemento humano de
importância, principalmente levando-se em conta que,
na época do seu recrutamento, a rede suíça não passava
de modesta ramificação da espionagem soviética. Em
1938, ninguém, nem mesmo o Diretor do onisciente
Centro, poderia prever que, três anos mais tarde, a Suíça
iria transformar-se na mais importante base da ofensiva
dos espiões russos contra a Alemanha e que prestaria,
por fim, à estratégia soviética de guerra, um serviço que,
provavelmente, seria sem paralelo, em relação aos
levados a efeito por qualquer outra de suas redes.
Até 1937, a pequena rede do GRU, na Suíça, fora dirigida
por uma bonita mulher, de trinta anos, conhecida pelo
nome de Vera, já que sua verdadeira identidade nunca
foi descoberta. O Centro a promovera para a seção suíça
no fim da Segunda Guerra Mundial e mais tarde ela se
vira envolvida no escândalo da espionagem no Canadá —
de certa forma, por culpa de uma mulher chamada Rahel
Dubendorfer —, quando, então, foi executada.

Tivera como sucessores alguns bons agentes,


destacando-se, entre eles, Sônia, com quem Foote
entrara em contato, como já foi dito, num encontro
realizado, em frente ao edifício do Correio Geral, em
Genebra. O verdadeiro nome de Sônia era Úrsula-Maria
Hamburger. Foi ela a primeira agente soviética a operar
um radiotransmissor na Suíça. Sônia e seu marido Rudolf
haviam sido membros do Partido Comunista Alemão e,
juntos, trabalharam, por muitos anos, como agentes
soviéticos no Extremo Oriente e na Polônia, além de
outros países, até Rudolf ser preso na China. Sônia foi
enviada, então, para a Suíça, a fim de reorganizar ali a
rede, prejudicada pelos grandes expurgos russos de 1937
e 1938, durante os quais a Inteligência Militar sofrera
pesadamente. Tratava-se de uma mulher inteligente,
bonita e extremamente devotada ao comunismo.

Quando Foote a conheceu, Sônia estava-se fazendo


passar por uma mulher de recursos, vivendo com seus
dois filhos e uma ama-seca numa vila alugada em Caux,
perto de Montrcux. Do Centro, recebia um salário de
aproximadamente cento e dez libras. Da sua vila fazia
transmissões para Moscou, o que, naquela época de tão
rudimentar detectação de emissões, era perfeitamente
seguro, mesmo que os suíços se houvessem tornado
interessados em suas atividades.
Ao irromper a guerra, o Centro dera instruções a Sônia
para retirar todos os seus agentes da Alemanha. (Trata-
se de um bom exemplo da técnica soviética — ter o
Diretor-Residente de uma rede vivendo fora do país no
qual essa mesma rede operava.) Deveria ela, porém,
permanecer na Suíça, a fim de orientar Foote e um outro
inglês, William Phillips, sobre normas de transmissões.
Nessa época, seu salário passara a lhe chegar às mãos
sem a devida pontualidade, o que lhe causava algumas
dificuldades. Quando o volume de suas informações
reduziu-se para apenas uma transmissão por mês, Sônia
fora transferida para a Inglaterra, onde chegou em
dezembro de 1940. Trabalhou na embaixada soviética
até o fim da guerra, quando a mandaram servir na Zona
Russa da Alemanha.

O diretor regional da rede suíça era Alexander Rado. Em


página anterior, revelamos, em traços rápidos, sua
biografia. Como já foi dito, ele havia sido designado para
esse posto em 1936, indo de Paris, e sua firma-disfarce
tinha o nome de Geopress. Em face do irrompimento da
guerra, a Geopress adquirira alta reputação, pois seu
trabalho era excepcionalmente bom. O próprio Rado
desfrutava de largo prestígio no círculo de conhecidos
que frequentava. Vivia em Genebra com sua esposa
alemã, Helene, e seus dois filhos, e certamente nunca
esteve sob suspeita de fazer espionagem, apesar de ser
um preeminente agente soviético.

Como agente, Rado acusava muitas deficiências. Era um


sibarita, e isso o levava a comprazer-se em atividades de
certo tipo que normalmente os agentes de primeira
categoria evitam. Em qualquer crise, como acontecia
também com muitos dos seus colegas, mostrava-se
inclinado a perder os nervos, tornando-se agitado. Com
frequência, violava as estritas normas de segurança
impostas pelo Centro. Também, desrespeitava
regulamentos que prevalecem no mundo das finanças, e
essas transgressões levaram-no, consequentemente, a
ser executado.

Sob o comando de Rado, no período que as operações da


rede suíça haviam chegado ao auge, estavam cerca de
cinquenta agentes de todas as categorias. O mais
preeminente e, certamente, o de maior êxito entre todos,
era o misterioso Rudolf Rössler, cujo nome falso era Lucy.

Rössler, filho de um guarda-florestal bávaro, fora durante


algum tempo editor de um jornal antinazista, em
Augsburgo. Em 1933, mudara-se para a Suíça, onde se
tornou chefe da firma de publicações Vita Nova, em
Lucerna. Como acontecera com a Geopress de Rado, Vita
Nova tomou-se logo bem conhecida. Isso, entretanto, por
uma diferente razão — sua violenta orientação
antinazista. A linha política de Rössler era mais
anticapitalista do que anticomunista, sendo ele membro
do Die Entscheidung — um grupo esquerdista católico.

Rössler iniciara-se em atividades de espionagem


auxiliado por um jovem amigo suíço, Xaver Schnieper,
que o conhecera em Berlim pouco antes de se mudar
para a Suíça. Este era jornalista, e também filiado ao Die
Entscheidung. Em 1939, fora recrutado pelo Serviço de
Informações do Exército suíço, o Nachrichtendienst, e,
quando lhe pediram que indicasse outros elementos que
pudessem ser úteis, recomendou Rössler.

Dessa forma, no outono de 1939, Rössler entrara para o


serviço do ND, embora não tivesse a intenção de
trabalhar para essa organização. É que estava sempre
disposto a colaborar com todos quantos se mostrassem
antinazistas. Possuía excelentes contatos na Alemanha e,
embora fornecesse algumas das mais fantásticas
informações já encaminhadas a qualquer agência de
espionagem, até a sua morte, ocorrida em 1962, sempre
se recusara a revelar quais as suas fontes. Condenado
duas vezes, pelos suíços, por crime de espionagem na
Suíça, também, sustentara, com igual firmeza, que não
era culpado. Mas, quaisquer que fossem essas fontes,
elas deviam situar-se nos mais elevados círculos do Alto
Comando Nazista e do Ministério do Exterior, pois, de
outra forma, nunca poderia ter tido acesso às
informações que fornecia.

Desde o começo da guerra, os aliados ocidentais vinham


realizando um intercâmbio de Inteligência, mas após a
agressão de Hitler à Rússia, esta nação fora incluída,
igualmente, nessa troca de informações. Os russos,
porém, nunca se mostraram inclinados a qualquer
reciprocidade. Stálin certamente não fora surpreendido
pelo desencadeamento da operação Barbarossa, pois,
ainda, em março de 1941, o Subsecretário de Estado
norte-americano, Summer Welles, fizera uma advertência
ao embaixador soviético em Washington de que Hitler
estava concluindo seus preparativos para invadir a
Rússia. Este fato foi confirmado por Richard Sorge, o
espião-chefe soviético no Japão, por Sir Winston Churchill
e, finalmente, por Rössler.

Com permissão do ND, Rössler passara a informação a


Rado, por intermédio de um amigo, Christian Schneider.
Este entrara pessoalmente em contato com Rahel
Dubendorfer, uma das principais intermediárias de Rado.
Esta foi a primeira contribuição de Rössler para a
Inteligência soviética, mas, daí por diante, trabalhou
regularmente para a rede de Rado e, segundo se
presume, com conhecimento dos seus chefes suíços e da
Inteligência britânica.
A informação passada por Rössler não era somente
fabulosa quanto à precisão e relevância, mas também no
que dizia respeito ao seu conteúdo. No princípio, os
russos julgaram a informação boa demais para ser
verdadeira e suspeitaram que se tratasse de um
estratagema dos nazistas. Rössler, porém, não se sentiu
tolhido pelo ceticismo dos soviéticos e prosseguiu
fornecendo outras informações. Resultou daí que o
Centro, pouco a pouco, foi sendo conquistado e, por fim,
tornara-se tão excitado em relação a essas informações
que até se mostrara pouco russo no tratamento que
dispensava a esse brilhante agente.

O Centro teria, na verdade, cometido um grande erro se


tivesse rejeitado os serviços de Rössler. Depois que a
guerra russo-germânica teve início, ele passou
imediatamente a fornecer-lhe informações seguras com a
maior regularidade — às vezes, até diariamente — sobre
a estratégia de Hitler, o poderio, composição e
localização de todas as forças armadas alemãs, e sobre o
que a Inteligência alemã sabia a respeito das posições
russas, do seu potencial bélico e dos seus planos. Sem
exagero, pode-se dizer que a Rússia deveu sua vitória
tanto a Rössler quanto a qualquer outro fator.
Certamente, nenhum agente, trabalhando para qualquer
uma das outras agências de Inteligência dos aliados,
poderia alegar possuir, como Rössler, um tão direto e
pessoal conhecimento de assuntos de estratégia e de
planos de guerra.

Tão logo a espionagem soviética contratou Rössler, seus


dirigentes julgaram que tudo o que faziam em seu
benefício nunca era suficiente. Pagavam-lhe um salário
superior ao de qualquer outro agente: 425 libras por
mês. Quando as dificuldades materiais de remeter fundos
para a Suíça se tornaram quase intransponíveis, a
ansiedade, demonstrada pelo Centro — temeroso de que
Rössler se mostrasse tão mercenário ao ponto de dizer
que, sem dinheiro, não enviaria mais informações — era,
às vezes, patética.

No dia 9 de dezembro de 1943, o próprio diretor do


Centro lhe enviou a seguinte mensagem: “Diga Lucy não
deve se preocupar respeito pagamento Ponto
Certamente pagaremos nossas dívidas até janeiro Ponto
Peça-lhe prosseguir fornecendo suas informações da
maior importância. Diretor.”

No dia 8 de janeiro de 1944, chegara-lhe às mãos esta


outra mensagem: “Favor dizer Lucy ele e seu grupo
receberão vultosos pagamentos tão cedo quanto possível
Ponto Deve ter paciência e não desperdiçar tempo e
esforços nesta importante hora da última batalha contra
nosso comum inimigo Ponto Diretor.”

Além de Rahel Dubendorfer, cujo nome falso era Sissie, o


principal intermediário de Rado era Otto Pünter, sob o
nome disfarce de Pakbo. Pünter nunca fora membro do
Partido Comunista, mas, desde a juventude, pertencera
ao Partido Democrata-Social Suíço. Tratava-se de um
jornalista e, no clímax da hostilidade que se verificou
entre comunistas e socialistas, na década dos trinta, ele
se projetara como uma das principais figuras do
socialismo. Seu eventual trabalho para a rede soviética,
na Suíça, teve origem em motivos quase idênticos aos de
Foote. Sendo violentamente antifascista, emprestara seu
apoio aos comunistas, porque estes lhe pareciam mais
decididamente contrários ao fascismo do que qualquer
outro bloco.

A carreira de Pünter, como antifascista não-comunista,


foi digna de registro. Em meados da década dos vinte,
aliara-se ao antifascista italiano Randolfo Pacciardi e
ajudara a organizar o sensacional voo, no dia 10 de julho
de 1930, durante o qual foram atirados sobre Milão
panfletos contra Mussolini. Igualmente, aderira aos
republicanos espanhóis, durante a Guerra Civil, e
realizara, para eles, missões de espionagem na Itália,
tendo por objetivo descobrir informações sobre remessas
de armamentos italianos para o General Franco. Foi essa
sua atitude que o tornou alvo da atenção da espionagem
soviética.

Em 1940, o GRU aproximou-se de Pünter e de um grupo


de cerca de meia dúzia de amigos que o rodeavam. O
resultado dos entendimentos que se seguiram foi que o
Grupo Pakbo, como era então chamado, aderira à rede
de Rado. Pouco depois, ampliou seu grupo e, durante
todo o tempo em que trabalhou para a espionagem
soviética — igualmente com a aquiescência da
Inteligência suíça —, pôde fornecer informações só
inferiores em importância às obtidas por Rössler.

Os dois outros rádio-operadores da rede, além de Foote,


que atuava em Lausanne, eram os Hamel — marido e
mulher —, que trabalhavam em Genebra, e Margaret
Bolli, cujo nome-disfarce era Rosie, também em atividade
em Genebra. Edmond e Olga Hamel tinham sido
recrutados por recomendação do líder comunista suíço
Léon Nicole, sendo que Edmond fora treinado numa
escola de rádio de Paris e, em 1933, organizara uma
firma para negociar nessa especialidade, que obtivera
grande sucesso em Genebra. Em 1940, por solicitação de
Rado, instalou um transmissor de ondas curtas num
quarto que ficava por cima da loja. De acordo com a
legislação suíça, radiotransmissores eram proibidos no
país. Quando, porém, em 1941, seu aparelho foi
descoberto pela polícia de Genebra, Edmond era tão
considerado pelas autoridades da Inteligência suíça que
apenas recebera uma condenação de dez dias de prisão.
De acordo com os regulamentos do Centro, a conexão
dos Hamel com a rede deveria cessar, daí por diante. Ao
invés disso, porém, e por sugestão de Rado, ele fabricara
outro transmissor, que igualmente instalou no quarto por
cima da sua loja.

Margaret Bolli constituiu outro exemplo do desrespeito


aos regulamentos, por partes de Rado. Tinha ela vinte e
um anos quando Rado a conheceu em 1941, também
através de Léon Nicole. Dentro de curto prazo de tempo,
tornaram-se amantes, e Rado a persuadiu a tornar-se
rádio-operadora.

Finalmente, existia Christian Schneider, cujo nome falso


era Taylor. Schneider era amigo de Rössler e trabalhava
no Escritório Internacional do Trabalho, e através de
Rahel Dubendorfer — igualmente ali empregada — foi
posto em contato com a rede de Rado. A importância de
Schneider na rede era tal que, independentemente de
ser um agente e descobridor de talentos, serviu, com
Rahel Dubendorfer, como emissário entre Rado e Rössler.
Foote declarava que somente ele, de todo o pessoal que
integrava a rede, sabia a identidade de Rössler.
Schneider obtinha suas informações de Rössler e as
passava a Dubendorfer, e esta, por sua vez, as transmitia
a Rado. Nem Rado, nem Foote, nem ninguém, na rede ou
no Centro, jamais soube quem fosse Lucy, até que a
guerra terminasse.

Ao ser Foote aprovado em seus testes preliminares, o


Centro pensara em treiná-lo em Moscou. Quando estava
preparado para seguir, a situação se agravara tanto que
ficara decidido conservá-lo na Suíça. Isso ocorreu em
agosto de 1939.
O Pacto Ribbentrop-Molotov, assinado naquele mês,
tivera efeito arrasador sobre muitos agentes soviéticos.
Sônia, particularmente, ficara indignada. Não conseguia
entender como Stálin pudesse chegar a um acordo com o
nazismo, tornando-se, assim, aliado de Hitler. Dois dias
mais tarde, quando mal se recuperara desse choque,
recebera instruções no sentido de retirar todos os seus
agentes da Alemanha e dissolver a rede que tão
pacientemente organizara. Entre esses agentes,
encontrava-se William Phillips, que passava as férias em
Titisee. Foote conseguiu comunicar-se com ele pelo
telefone e o advertiu para que retornasse à Alemanha.
Assim, Phillips juntou-se a Foote e, desse modo, ficaram
aguardando novas instruções.

Durante esse período de espera, ambos aprenderam,


sem frequentar qualquer escola técnica, as
complexidades das transmissões radiotelegráficas.
Viviam numa pensão em Montreux e, no princípio,
visitaram Sônia em sua vila e com ela se inteiraram da
técnica destas transmissões. Como o Centro não lhes
incumbira qualquer tarefa, logo se tornaram proficientes
operadores e aprenderam muita coisa sobre construção
de radiotransmissores.

Sônia não tivera qualquer idéia de que a rede de Rado


estivesse operando, até que se tornou essencial para o
Centro dar instrução às duas organizações para que
entrassem em contato uma com a outra. Essa
necessidade de trabalho em conjunto fora imposta pelo
desmantelamento das comunicações, em consequência
da desorganização temporária da rede de Trepper, que
funcionava na França. Até então, Rado não dispusera de
um rádio-operador próprio. Gravava suas informações
em microfilmes e os enviava a Trepper, para que este os
fizesse chegar a Moscou.
Depois de estabelecido o contato, Sônia costumava
coletar as informações de Rado e ela própria as
transmitia, da sua vila, em Caux. Em agosto de 1940,
entretanto, Foote recebera ordem do Centro para deixar
Montreux e estabelecer-se em Genebra, onde devia
treinar um operador para trabalhar com a rede de Rado.
Foi assim que Foote e Rado se encontraram pela primeira
vez.

O operador, selecionado pelo Centro, era Edmond Flamel,


que, não obstante ser eficiente mecânico de rádio, não
conhecia o sistema Morse nem as normas do telégrafo-
sem-fio russo. O transmissor de Sônia foi mudado para o
quarto que ficava em cima da loja de Hamel, e Foote
começou a instruir Flamel, que, estranhamente, não se
revelava aluno apto.

No outono, o Centro atendeu à solicitação de Sônia, no


sentido de que ela pudesse ir para a Inglaterra. Antes de
partir, recebeu novas tabelas de horário de transmissão e
códigos, que entregou a Foote. Ao mesmo tempo, Foote
tivera ordem para voltar para Fausanne, a fim de instalar
ali outro transmissor, e esse aparelho deveria ser
construído por Hamel, no mesmo modelo de um
fornecido a Sônia. De posse do transmissor, Foote partiu
para Fausanne, encarregando Phillips de prosseguir no
treinamento de Hamel. *

Foote mudou-se para Fausanne no dia 15 de dezembro


de 1940 e, após algumas dificuldades iniciais, conseguiu
instalar-se num apartamento privado, com o transmissor.
Seu disfarce era apresentar-se como um rico inglês
colhido pela guerra e que não podia regressar à pátria —
papel este que as autoridades suíças aceitaram sem
muitas perguntas, desde que existiam muitas outras
pessoas, no país, em idênticas condições.
Seguramente instalado, por fim, com a sua linha para
Moscou estabelecida, ele, Foote, teve então de vencer
outra dificuldade. O cristal de seu transmissor recusava-
se a oscilar. Não havendo feito qualquer curso de
mecânica de rádio, pensou em ir a Genebra, a fim de
obter orientação de Hamel sobre o que deveria fazer. Já
que essa atitude importaria em quebra das precauções
necessárias à segurança, resistiu à tentação da viagem
e, subitamente, sem qualquer razão aparente, no dia 12
de março, Moscou respondeu, declarando que estavam
recebendo ali suas mensagens, de forma clara e alta.

No período de 12 de março a 22 de junho de 1941, Foote


julgou que a vida, como espião soviético, era tranquila e
agradável. Competia-lhe fazer apenas duas transmissões
por semana, e o suprimento de material de que poderia
dispor não era grande. Já fora nomeado para as funções
de substituto de Rado — ocorrência pouco comum na
espionagem soviética — e, nessas condições, teria de
permanecer, tanto quanto possível, em posição afastada.

Empregava seu tempo, entretanto, procurando instalar-


se definitivamente em Lausanne. Confessou que isso não
era fácil, pois seus compatriotas ali residentes variavam
de oficiais e funcionários públicos que, aposentando-se,
haviam ido morar na Suíça, ao rebutalho da Riviera que
fugira da Alemanha e vivia sem saber como.

Foote fingiu-se rico e obteve tanto êxito nessa empresa


que, breve, todos diziam ser ele um milionário
excêntrico, fugido da Inglaterra em face das
perturbações causadas pela guerra. Além de explicar sua
vida sem profissão, sua atitude teve, igualmente, o efeito
de satisfazer ainda mais a polícia. Embora olhado por
muitos como um solitário, Foote, de fato, adquirira um
pequeno círculo de conhecidos, que aliviava sua solidão.
A queda da França, por seu lado, causara às finanças de
Rado um terrível golpe. A Suíça era, na realidade, uma
ilha de neutralidade, isolada num mar de hostilidades, e
as comunicações, de qualquer gênero, se revelavam
extremamente difíceis. Para conservar sua rede em
funcionamento, tomou dinheiro emprestado do Partido
Comunista suíço, mas essa agremiação não se achava
em condições de desembolsar qualquer quantia, a não
ser a curto prazo. Nessas condições, o Partido passara a
insistir, pouco depois, na liquidação do empréstimo feito.
Em consequência disso, o grosso das comunicações de
Rado com o Centro, através de Foote, passara a ser
relacionado com assuntos de dinheiro.

O próprio Centro parecia sentir-se de todo incapaz de


propor qualquer maneira de obter fundos para Rado. A
sugestão, que seus dirigentes fizeram, revelava completa
ignorância das condições em que poderia ser feita essa
transação, e das suas possibilidades. Então, Foote
imaginou uma fórmula.

O Centro dissera não estar em situação de colocar fundos


à disposição de Foote em bancos, quer da Grã-Bretanha,
quer da América do Norte, quer da Suécia. Foote
realizou, portanto, com muita discrição, diversos
inquéritos entre seus amigos suíços e descobriu um deles
disposto a ajudá-lo a entrar em contato com uma firma
norte-americana que operava na Suíça. Essa firma, no
desdobramento de seus negócios, tinha de enviar
dinheiro para os Estados Unidos e, normalmente, essas
remessas se faziam através do Banco Nacional da Suíça.
Foote propôs, então, que todo o estorvo das formalidades
poderia ser evitado, se ele transferisse fundos, que
possuía nos Estados Unidos, para a conta da firma em
seu banco norte-americano, enquanto a firma lhe pagaria
o equivalente em francos suíços, na própria Suíça. Como
chamariz a mais, declarou-se disposto a aceitar as taxas
do câmbio negro, o que iria significar que os norte-
americanos teriam razoável lucro na transação.

Tratava-se de um plano simples, e praticamente


temerário. O Centro depositava na conta de Foote em
Nova York os dólares que, por sua vez, ele mandava
creditar na conta da firma norte-americana naquela
cidade. Tão logo isso foi feito, o banco de Nova York
creditou, na conta suíça dos norte-americanos, a quantia
depositada, e a firma entregou a Foote o equivalente em
francos suíços. Sempre surgiam algumas dificuldades,
mas comumente a transação poderia ser completada
dentro de dez dias.

O plano funcionou bem durante todo o tempo em que


Foote esteve trabalhando para a rede. Ninguém — nem o
suíço que o apresentou nem os norte-americanos que o
ajudavam — jamais suspeitou que aquele dinheiro estava
financiando a espionagem soviética.

Rado e Foote, nessa ocasião, encontravam-se somente


cerca de duas vezes por mês. Tinha sido intenção original
do Centro que o pequeno grupo reunido em torno de
Foote se conservasse inteiramente separado da rede de
Rado. À medida, porém, que a invasão da Rússia pela
Alemanha se tornara mais iminente e o volume do
tráfego, com o qual o grupo suíço tinha de se confrontar,
aumentou, aquela separação claramente iria fazer-se
impossível. Assim, em princípio de janeiro de 1941, Foote
recebeu ordens no sentido de entrar em contato com
Rado, pelo menos duas vezes por semana, de forma que
pudesse aliviar os rádio-operadores de Rado de uma
parte do serviço. Como Foote possuía seu código
exclusivo, e poderia reduzir o tempo entre o recebimento
e a remessa das informações para Moscou a algumas
horas, em comparação com as vinte e quatro horas ou
mais que Hamel e Bolli levavam para fazê-lo, o Centro
passara a confiar cada vez mais nele — para a
transmissão de informações urgentes. Esse fato fez com
que passassem a chegar a Foote as informações vitais
que, a partir de junho de 1941, Rössler diariamente
começara a fornecer.

Quando Rössler informou que a invasão alemã estava


marcada para o dia 22 de junho, Rado intimou Foote a se
encontrar com ele. Foote encontrou-o, perplexo e
indeciso. Não poderia acreditar que aquela informação
fosse verdadeira, e estava inclinado a não a enviar para
Moscou, onde já o haviam feito saber que se mostravam
céticos em relação às fontes de Rössler. Foote
argumentou, por seu lado, que o Centro se achava em
muito melhor posição para aquilatar o valor daquela
informação do que eles, que viviam no horizonte restrito
da Suíça. Se retivessem a informação e, depois, ela se
revelasse verdadeira, o Centro poderia, com toda razão,
acusá-los de criminosa negligência. Rado concordou com
a argumentação, e a mensagem foi enviada.

Com a invasão da Rússia, a rede suíça adquiriu


imediatamente uma significação inteiramente nova.
Juntamente com uma exortação para lutar contra “as
feras nazistas com o melhor da sua capacidade”, Foote
foi informado de que, dali por diante, o Centro manteria
uma vigilância de vinte e quatro horas em seus canais de
irradiação e de que organizara um sistema de
prioridades.

Desde que Foote, para todos os intentos e propósitos, era


uma mão isolada e, portanto, não perturbado por outras
considerações que o funcionamento de uma rede
envolve, estava ele em condições de dedicar todo o seu
tempo às transmissões de rádio, o que, por outro lado,
reduzia ainda mais o tempo para a remessa das
informações; essas circunstâncias fizeram com que o
Centro tivesse tanta confiança nele que,
correspondentemente, outras tarefas lhe foram dadas.
Entre essas, constava uma tentativa de fazer cessar as
rivalidades que, desde algum tempo, separava o Partido
Comunista suíço. Outra tarefa foi a de descobrir dois
agentes — George e Joanna Wilmer —, com os quais o
Centro perdera contato, e entender-se com eles. Os
Wilmer eram agentes de grande experiência e haviam
trabalhado no Japão, antes que Richard Sorge assumisse
a direção da rede que ali funcionava. Técnicos em
fotografia e microfotografia, tinham, antes da guerra,
trabalhado na Alemanha. Quando a guerra irrompera,
deixaram de manter contato com o Centro.

Foote descobriu-os numa vila bem provida, logo acima de


Lausanne. Alegaram estar em contato com duas fontes
na Alemanha e manter também contato com a
contraespionagem francesa. Foote providenciou no
sentido de os visitar periodicamente, a fim de recolher
informações que seriam transmitidas para Moscou.

Esses e outros assuntos, sobre o trabalho normal de


Foote, que era então de considerável vulto,
transformaram-no num espião ocupadíssimo, e se tornou
cada vez mais difícil para ele sustentar seu donaire de
gentleman inglês em vilegiatura. Transmitia, como praxe,
duas horas todas as noites, e qualquer pessoa com
experiência em radiotransmissões dará valor ao esforço
que essa tarefa representa. Mas, além das transmissões,
tinha de cifrar todo o material em seu próprio código,
trabalho que exigia paciência e dedicação. Por fim, havia
ainda o encargo de receber e decifrar as longas
mensagens vindas do Centro.
Além das normais dificuldades das condições de
recepção, com as quais todos os rádio-operadores têm
de se confrontar, Foote conheceu muitas outras
frustrações. Todas as vezes que a Luftwaffe fazia um
raide contra Moscou, o Centro imediatamente cessava de
transmitir. Então, quando o governo soviético mudou-se
para Kuibishev, ele silenciou subitamente, interrompendo
a transmissão de uma mensagem e, embora Foote e
Rado tentassem restabelecer o contato, o Centro só
apareceu seis semanas mais tarde. Nessa ocasião, sem
qualquer explicação, o parágrafo que se seguiu na
mensagem interrompida foi transmitido.

Por volta do fim de 1942, Rado começou a enfrentar


dificuldades — dificuldades essas que continuaram a se
fazer presentes através dos primeiros nove meses de
1943. A rede suíça tinha dois principais antagonistas: a
contraespionagem suíça, conhecida pelas iniciais BUPO;
e a Abwehr. O BUPO estava disposto a não tomar
conhecimento da rede, sob a alegação de que Rado,
Foote e seus amigos não conspiravam contra os
interesses nacionais suíços. Mostrava-se pronto,
entretanto, a atacar, se a rede se tornasse
excessivamente ruidosa e pudesse ser “vista” violando a
neutralidade do país. A Abwehr, por outro lado, revelava-
se naturalmente ansiosa por destruir toda a rede.

Foote sempre sustentara que George e Joanna Wilmer


haviam sido os grandes responsáveis pelo
desmantelamento definitivo da rede. Existiam diversas
coisas, em relação ao casal, que provocaram suas
suspeitas. O Centro, porém, quando recebeu um relatório
seu, expondo o que pensava do casal, respondeu dizendo
que ele se equivocava. Antes de junho de 1943,
entretanto, foi descoberto que os Wilmer estavam, de
fato, colaborando com a Abwehr. Haviam desertado
antes de deixar a Alemanha, e seguiram para a Suíça
com o objetivo expresso de descobrir o que pudessem
sobre a rede, de forma a atraiçoá-la.

Por causa do seu contato com os Wilmer, Foote achava-


se comprometido, tanto quanto possível, no que dizia
respeito à Abwehr; e o desmantelamento da rede
francesa complicara a posição de Rado, embora nem ele
nem o Centro o tivessem sabido. Foote recebeu
instruções, pois, para não manter qualquer vínculo
pessoal com Rado e para sempre utilizar intermediários,
nos contatos com o seu próprio grupo. Suas transmissões
para Moscou foram reduzidas para duas vezes por
semana e as mensagens tratavam principalmente da
liquidação de um grupo ou de assuntos financeiros, os
quais, por volta do fim de junho de 1943, chegaram a
novos picos de dificuldades.

O arranjo de Foote com a firma norte-americana tinha-se


tornado muito difícil, e um novo canal, que esperava
estabelecer, exigira provas de que o dinheiro realmente
lhe pertencia. Antes, porém, que pudesse apresentar
essas provas, muitas coisas teriam de acontecer.

Os Wilmer, em julho, através de um documento anônimo,


denunciaram Foote à polícia suíça, por intermédio do
Consulado Geral da França. Afortunadamente, a polícia
não agiu, já que a única peça de identificação de Foote
era uma fotografia. Entrementes, o Centro lhe ordenara
que se mudasse, o que era mais difícil realizar do que
mandar, pois não somente ele estava outra vez em
contato diário com o Centro, mas teria de obter uma
licença da polícia para se mudar, e certamente ela
exigiria muito sólidas razões antes de atender à sua
solicitação.
Rado não conseguia transmitir todo o seu material, com
os próprios operadores, e Foote recebera instruções para
entrar em contato outra vez com ele. Mas Rado, por sua
vez, achava-se em dificuldades com a Abwehr. Tinha
encontrado um antigo agente soviético, então
trabalhando para a Abwehr, num restaurante, e estava
perfeitamente certo de que agentes da organização o
observavam. Acreditava igualmente que eles vinham
vigiando também Margaret Bolli, de quem haviam
tomado, por algum tempo, o radiotransmissor.

Rado estava perfeitamente certo em relação às


suspeitas. A Abwehr concluíra que sua amante deveria
pagar os melhores dividendos, e preparou-se para
seduzi-la por intermédio de um agente jovem, chamado
Hans Peters. Em face de seu temperamento ardente — e
levando em conta que não mais poderia contar com a
consolação da aparente habilidade de Rado em fazer
amor —, ela se mostrou perfeitamente disposta a aceitar
as atenções do bonito jovem, que conhecera
aparentemente por acaso, mas, na realidade, através de
astuciosas manipulações dos alemães. Dentro de pouco
tempo, as dificuldades de Rado passaram a se
encaminhar para um inevitável desastre.

Além das atividades da Abwehr, o BUPO suíço começara


também a tomar interesse nos negócios de Rado.
Exclusivamente por acaso, um dos encarregados do
serviço de rádio no aeroporto de Genebra captara um
forte sinal Morse, transmitido num inconfundível
procedimento de amador. Como as transmissões de rádio
por amadores eram proibidas na Suíça, o operador do
aeroporto levou o fato ao conhecimento das autoridades,
que se viram obrigadas a investigar. Localizaram então o
transmissor em Genebra. Tratava-se do aparelho de Bolli.
No decorrer das investigações, entretanto, um segundo
aparelho — o dos Hamel — passara igualmente a
transmitir da cidade.

Essas descobertas haviam sido feitas quase um ano


antes de Rado começar a suspeitar que estava sendo
vigiado. Os suíços, porém, nada fizeram até que a
Abwehr os pressionou, ameaçando criar um escândalo
diplomático, se não agissem com rigor. Em setembro de
1943, portanto, tomaram providências enérgicas. Em
princípios de outubro, os Hamel e Margaret Bolli foram
presos. Os Hamel viram-se surpreendidos quando
operavam seu transmissor e Margaret Bolli foi retirada da
cama que partilhava com Hans Peters, o agente da
Abwehr. O próprio Rado escapara por pouco. Quebrando
mais uma vez as normas de segurança, dirigira-se ao
apartamento dos Hamel, ignorando que seus moradores
haviam sido presos. A polícia ainda ali se achava, dando
busca, mas, afortunadamente, ele pôde ser advertido
sobre o que acontecera, por um sinal pré-combinado, que
os Hamel tinham conseguido deixar.

Aquelas prisões atiraram Rado num estado próximo do


pânico. Telefonou para o apartamento de Foote e
confessou que, pouco antes da prisão dos Hamel,
temendo por sua própria pele, depositara em seu
apartamento, num esconderijo secreto, todos os seus
registros financeiros, assim como as cópias das
mensagens não cifradas, que haviam sido enviadas para
Moscou — deviam ter sido queimadas —, e, pior ainda,
também o livro do seu código. É difícil achar nos anais da
espionagem, em qualquer parte um agente, que tenha
violado tantas normas de segurança quanto Rado.

O BUPO foi hábil no desempenho de suas funções, pois


conseguiu descobrir todos esses papéis de vital
importância. Se não era suficiente que os registros
financeiros revelassem à polícia todos os nomes dos
agentes integrantes da rede, foram descobertos
também, entre a papelada apreendida, os detalhes de
um novo canhão suíço Oerlikon, que se encontrava ainda
na lista secreta. Essa informação só poderia ter vindo do
seu próprio agente Rössler. Tanto Rado quanto Rössler
foram julgados culpados de trabalhar contra os
interesses nacionais suíços.

O BUPO, entretanto, ignorava ainda a existência de Rado,


pois acreditava ser Foote quem dirigia a rede. De fato,
essa presunção tinha sua razão de ser, já que Rado
mergulhara na clandestinidade em Berna e Foote
recebera instruções para assumir o cargo de Diretor-
Residente.

Antes de se esconder, Rado colocara Foote em contato


com Otto Pünter, do grupo Pakbo, mas se recusara a
fazer o mesmo em relação a Rahel Dubendorfer, embora
Foote descobrisse, mais tarde, que ela solicitara esse
encontro. Rado sugeriu que ele e toda a rede se
refugiassem na Legação Britânica, o que significaria
naturalmente que os ingleses teriam de conhecer a
verdade sobre o trabalho que realizavam. Esse fato não
apresentava qualquer perigo, porquanto a Inglaterra era
aliada da Rússia. Foote solicitou então ao Centro
permissão para tomar essa atitude e recebeu um
inequívoco “não”, o que ainda mais aturdiu Rado. Pouco
depois, um incidente, ocorrido quando Rado tinha
chegado para um encontro com Foote, num parque
público — seu motorista o reconhecera —, fez o seu
medo chegar ao auge. Daí por diante, recusou-se a
deixar o esconderijo, e a partir dessa época ficou
praticamente inativo.
Foote, que então dirigia a rede, não compreendeu seu
próprio perigo. Prosseguiu, quietamente, como o fazia
antes, mas, na noite de 19 para 20 de novembro de
1943, quando se encontrava no meio da sua regular
transmissão para Moscou, a porta do seu apartamento foi
arrombada. É que essa porta era mais resistente do que
a polícia calculara e, nessas condições, a força teve de
ser usada. A demora proporcionou a Foote alguns breves,
mas preciosos momentos, durante os quais pôde
queimar todos os seus papéis e avariar seu transmissor,
de forma a não permitir que funcionasse mais.

A princípio, Foote acreditara tratar-se da Abwehr, que


tomara o negócio em suas próprias mãos, mas logo
verificou que os inesperados visitantes eram suíços. Com
exceção do fato de que estaria, então, fora de combate,
Foote não se mostrava preocupado com o que ocorria,
pois, após a prisão dos Hamel e de Margaret Bolli, estava
preparado para o pior, havendo mesmo destruído, por
precaução, todos os documentos que possuía.

O Inspetor Knecht, chefe da Polícia Federal do Cantão de


Genebra, foi encarregado do seu interrogatório. Disse a
Foote que os Hamel e Bolli tinham feito uma confissão
completa e o incriminado, juntamente com Rado; mas,
honestamente, acrescentou não existirem provas de que
ele tivesse feito espionagem contra os interesses
nacionais suíços. O inspetor insistiu, pois, numa confissão
plena, já que tudo faria para que ele recebesse uma
condenação leve. Foote respondeu que nada poderia
dizer e acrescentou que, se lhe fosse dada somente uma
sentença leve, Moscou interpretaria o fato como prova de
que confessara tudo, o que, em última instância, faria
com que os russos o levassem a um pelotão de
fuzilamento. Insistiu, portanto, em que lhe fosse dada
uma sentença mais longa do que a de qualquer um dos
outros. Preferiria passar dois ou três anos numa prisão
suíça — declarou ao inspetor — a ter de enfrentar a sorte
que o aguardaria na Rússia.

O BUPO não estava habituado a realizar tarefas desse


gênero, e mostrou-se perplexo em face das declarações
de Foote. Desde que prosseguiu não respondendo às
perguntas que lhe eram feitas, e reiterasse sua
solicitação no sentido de ser condenado a um longo
período de prisão, resolveu conservá-lo detido, enquanto
novas investigações eram feitas. Estas se prolongaram
por dez meses, quando, então, foi declarado a Foote que
não havia qualquer prova de que tivesse trabalhado
contra os interesses nacionais suíços e, nessas
condições, cabia-lhe prestar fiança, a fim de aguardar o
julgamento, que seria levado a efeito por uma corte
marcial.

Deixando a prisão, Foote foi para Lausanne e, hospedado


num hotel, considerou o que lhe poderia acontecer no
futuro. Quando se sentiu seguro de que não estava sendo
vigiado, começou a percorrer os vários pontos de
encontro, na esperança de entrar em contato com Rahel
Dubendorfer, Otto Pünter ou Pierre Nicolc, filho de Léon
Nicole. O primeiro contato que estabeleceu foi com
Nicole; este logo lhe disse que Rado e sua esposa nunca
tinham sido encontrados e somente alguns dias antes
haviam partido para Paris, já libertada dos alemães. Ali,
segundo afirmou, iria procurar o adido militar soviético.

Foote reestabeleceu contato, igualmente, com Otto


Pünter, que não se deixara comprometer e fora deixado
em paz. Disse-lhe Pünter que suas fontes ainda
permaneciam disponíveis e estava ansioso para
recomeçar o trabalho.
Finalmente, Rahel Dubendorfer fez sua aparição. Fora
presa com seu amante, o antigo e destacado comunista
germânico Paul Boettcher, e sua filha Tamara, em maio
de 1944, mas libertada após três meses de
confinamento. Suas fontes estavam igualmente intactas
e, como acontecia com Pünter, achava-se desesperada
por obter algum dinheiro. De acordo com o que lhe
declarara Rahel, Foote percebeu ser absolutamente
imperativo que tivesse um encontro com Rössler, preso
ao mesmo tempo em que o fora Rahel. Esse encontro foi
arranjado e, no decorrer da entrevista, Rössler dissera-
lhe que, apesar do expurgo levado a efeito, após o
atentado contra a vida de Hitler, ocorrido no dia 20 de
junho, suas principais fontes ainda permaneciam em
condições de fornecer informações e que se achava
ansioso para reiniciar seu trabalho, tanto mais cedo
quanto possível.

Como resultado desse encontro, Foote decidiu que devia


ir a Paris, a fim de entrar em contato com o Centro,
através da embaixada soviética. Desejava saber se a
rede iria operar uma vez mais. Realizou a viagem e, após
algumas dificuldades iniciais, foi instruído pelo Centro a
seguir para Moscou, para consultas.

Rado surgiu então na cena, embora, de fato, houvesse


chegado a Paris um mês antes de Foote. Ele também
recebeu ordens para regressar a Moscou. Foote nada
tinha que temer em face de qualquer investigação —
suas declarações poderiam ser averiguadas em
quaisquer circunstâncias —, mas a situação de Rado não
deixava de ser grave, já que, de certo modo, desertara
seu posto.

Foote e Rado deixaram Paris num avião russo, no dia 6


de janeiro de 1945. Como a batalha da Alemanha estava
ainda em desenvolvimento, o piloto seguiu a rota que
passava pelo Cairo. Durante um pernoite na capital
egípcia, Rado concluiu que, retornando a Moscou,
literalmente apontava um revólver para a própria nuca.
E, assim raciocinando, desapareceu antes que
amanhecesse. Nessas condições, Foote prosseguiu na
viagem sozinho.

O Centro não demorou, entretanto, em descobrir onde se


encontrava Rado, e o governo soviético solicitou ao do
Egito a sua extradição, já que se tratava de um oficial
desertor do Exército Vermelho. Após prolongadas
conversações tendo em vista evitar a extradição, foi ele
finalmente devolvido à Rússia, no verão de 1945.

Desde o momento em que chegaram à Rússia, Foote e


Rado se empenharam numa árdua batalha para salvar
suas vidas. Foote, havendo provado a falsidade da maior
parte das acusações que lhe foram feitas, conseguiu,
finalmente, salvar o pescoço, e foi reabilitado.
Relativamente a Rado, quanto mais sua situação era
examinada, mais evidente se tornava que esbanjara os
recursos da rede em benefício próprio; e, nessas
condições, após um julgamento secreto, foi executado.

O tratamento que recebera em Moscou fizera com que


Foote logo mudasse seu modo de sentir em relação à
União Soviética. À medida que os dias passavam,
tornava-se cada vez mais desiludido. Chegara à
conclusão de que já era tempo de dizer um “basta” tanto
à Rússia quanto ao comunismo. Compreendera,
entretanto, que, para escapar com vida, deveria
prosseguir fingindo-se leal à União Soviética e, através
desse recurso, procurar fazer com que o diretor do
Centro lhe desse nova tarefa no exterior.
Sua oportunidade surgiu no momento em que o
escândalo da espionagem no Canadá trouxe, em sua
esteira, outro expurgo. Quando este foi completado,
todos os agentes disponíveis, de lealdade comprovada,
foram mobilizados para o serviço. Nessa ocasião, Foote
recebeu a incumbência de seguir para o México. Em
março de 1947, certo Major Granatov, do Exército
Vermelho, chegou ao setor soviético de Berlim e, três
meses depois, transferiu-se para o Setor Britânico e se
apresentou às autoridades inglesas, pedindo asilo
político. O Major Granatov não era outro senão Alexandre
Foote. Hoje, esse homem, que se revelou um agente de
primeira categoria, principalmente porque se utilizava do
tradicional bom senso de sua raça, vive uma existência
quieta e obscura na Inglaterra, trabalhando como
amanuense. 

*  Phillips permaneceu na Suíça até março de 1941,


quando retomou à Inglaterra. 
6. As Redes Canadenses

Enquanto o Canadá não entrou na guerra e,


consequentemente, começasse a fabricar munições,
pouca coisa, segundo parece, ali existia que pudesse
atrair a atenção da espionagem soviética. Outro fator
contribuiu igualmente para tornar difícil a realização, ali,
de qualquer operação de espionagem em larga escala: a
ideologia comunista — como acontecera na Grã-Bretanha
— revelou possuir tão pouco apelo para o operariado
canadense que, embora no Canadá existisse um Partido
Comunista desde o princípio da década de vinte, não se
mostrara nem tão numeroso nem suficientemente ativo
para desempenhar o papel distribuído a essas
agremiações locais no esquema geral da espionagem
russa.

De qualquer forma, encontravam-se na direção do PCC


duas figuras que mais tarde se destacariam como
grandes agentes e iriam atrair a atenção do mundo pela
parte que desempenharam na obtenção de segredos
atômicos. Foram eles: Sam Carr e Fred Rose.

Ambos tinham realizado trabalhos de espionagem sem


maior importância — na verdade a única espionagem
feita no Canadá, quase desde a fundação do PCC, por
volta de 1920. As informações que transmitiam refletiam
principalmente as rixas internas que tumultuavam a vida
do Partido, embora, de vez em quando, contivessem
algumas opiniões oficiais, sem maior significação,
obtidas nos círculos políticos de Ottawa.
Durante a década dos trinta, porém, verificou-se um
aumento de interesse em torno do comunismo no
Canadá e, por algum tempo, o número de filiados ao
Partido se elevou vertiginosamente. Em consequência
disso, avolumaram-se igualmente as informações
relativas à indústria do país — o que queria dizer que,
mesmo no auge da atividade da espionagem soviética
nesse campo, na Europa, a indústria canadense
conseguira, por fim, atrair alguma atenção. As principais
fontes de informações localizavam-se nos denominados
“grupos de estudo’’ — um método tradicional da técnica
soviética. Essa atividade prosseguiu até a assinatura do
Pacto Ribbentrop- Molotov, quando mesmo os
comunistas canadenses não conseguiam compreender —
como acontecera a Sônia, a primeira chefe de Alexander
Foote — a ética ou a lógica daquele volte face de Stálin.
O acontecimento determinara grande dispersão nas
fileiras do PCC, dispersão essa ainda aumentada quando
o governo declarou a agremiação ilegal.

A invasão da Rússia por Hitler, entretanto, determinara


ainda outra mudança. Não somente a opinião pública se
tornara mais simpática em relação aos comunistas, mas
o governo, por seu lado, relaxara as restrições impostas
à propagação da ideologia de Moscou. Ao tomar essa
atitude, o governo fora movido por motivos de lógica. A
Rússia e o Canadá eram então aliados, e seria estranho
que as autoridades de Ottawa retardassem por mais
tempo o já demorado reconhecimento diplomático da
União Soviética. Esse reconhecimento — segundo parecia
— era encarado pelos dirigentes soviéticos como um fato
perfeitamente sem importância, exceto por uma coisa:
iria permitir o envio de uma delegação comercial ao
Canadá e o estabelecimento, em Ottawa, de uma
embaixada, ambos tendo por finalidade acelerar as
operações de espionagem.
A delegação comercial ali chegou em 1942. Certo Major
Sokolov figurava na lista dos amanuenses da delegação,
mas, na realidade, tratava-se de um agente do GRU, cuja
tarefa seria a de organizar uma rede de espionagem no
país. Um pouco mais tarde, juntou-se a ele Sergei
Kudriavtsev, ostensivamente primeiro-secretário da
delegação. Esses dois agentes passaram a trabalhar de
acordo com o sistema convencional dos soviéticos, e a
primeira providência que tomaram foi entrarem em
contato com Fred Rose, um dos dirigentes do PCC. O
trabalho teve início, mas o progresso veio lento. No
primeiro ano, o número de agentes recrutados foi
pequeno, provavelmente menos de dez, ao todo,
divididos em dois grupos, sediados, respectivamente, em
Ottawa e Montreal.

Por volta do meado de 1943, entretanto, a embaixada


completara sua instalação definitiva, e chegaram a
Ottawa, para integrar o quadro do seu pessoal, o Coronel
Nicolai Zabotin, com o posto de adido militar, mas, de
fato, enviado para assumir a liderança que vinha sendo
exercida por Sokolov. Entre seus vários assistentes,
encontrava-se um técnico em cifras, chamado Igor
Gouzenko.

Com a chegada de Zabotin, o recrutamento se acelerou


e, por volta do fim do ano seguinte, uma rede de cerca
de vinte operadores locais e de quinze operadores
soviéticos havia sido estabelecida. Os soviéticos
desempenharam os tradicionais papéis, distribuídos
segundo a conveniência do trabalho secreto:
correspondentes da Agência Tass, amanuenses da
delegação comercial e da embaixada, motoristas e
porteiros. Na opinião de Zabotin, esse pessoal não era
suficiente para levar a efeito as tarefas de que ele havia
sido encarregado, e outro plano, tendo por objetivo
ampliar a rede, foi formulado, baseado numa expansão
da delegação comercial.

Antes que isso pudesse ser feito, entretanto, e que a


rede conseguisse, realmente, entrar em ação, foi
declarada a cessação das hostilidades, tanto na Europa
como no Japão. As atividades dos agentes de Zabotin
serão descritas, em detalhe, portanto, na parte quarta
deste livro, sob o título Espionagem Atômica. 
7. A Rede de Sorge no Extremo
Oriente

No curso de quarenta anos de espionagem, as agências


soviéticas apresentaram dois ou três agentes realmente
de grande importância. Até o advento de Lonsdale no
affair da espionagem naval em Portland, em 1961, todos
os agentes soviéticos eram de nacionalidade estrangeira
e, com exceção de Alexander Foote, alemães. Rudolf
Rössler, pelo valor das suas informações, deve figurar
entre os grandes espiões de todos os tempos, mas, pela
mesma razão e pela audácia, e mesmo, pela desfaçatez
da sua maneira de agir, Richard Sorge deve ser
considerado seu par.

Richard Sorge nasceu em 1895, sendo o segundo filho de


um alemão, perfurador de petróleo e emigrado para os
campos de Baku, onde os salários eram elevados. Na
época em que Sorge estava na idade escolar, sua família
havia regressado a Berlim e, pouco depois, seus
professores alemães comentavam, com entusiasmo, o
elevado nível de sua inteligência.

Quando irrompeu a Primeira Guerra Mundial, ele se


alistou no exército do Kaiser e, logo em seguida, foi
ferido na perna. Em 1916, voltou para a linha de frente,
onde descobriu que grande parte da confiança, com a
qual seus compatriotas haviam marchado nos primeiros
dias do conflito, fora substituída pelo medo. Outra vez,
sua carreira, como combatente, se interrompeu, por um
segundo e muito mais grave ferimento.

O avô de Sorge, pelo lado paterno, Adolf Sorge, tinha


sido, por muitos anos, secretário particular de Karl Marx.
Para matar o tempo, enquanto aguardava que seu
ferimento sarasse, Richard Sorge começou a estudar as
obras de Marx e descobriu que as idéias expostas em
Das Kapital o seduziam. Ao se alistar no exército,
estudara Economia Política e História e, ao ser
desmobilizado, no fim da guerra, matriculou-se nas
universidades de Kiel e de Hamburgo, graduando-se,
pela última, na primavera de 1920. Era, então, doutor em
Ciências Políticas. No mesmo dia em que se formou,
filiou-se ao Partido Comunista Alemão.

Durante algum tempo, lecionou numa escola de


Hamburgo, mas foi dispensado quando o diretor do
estabelecimento descobriu que ele estava não somente
lecionando comunismo, mas recrutando membros para o
Partido, nas horas das aulas. Tornou-se, então, mineiro de
carvão, e prosseguiu em sua evangelização, no interior
da mina, com tão grande êxito que a produção dos
mineiros caiu e de novo ele foi dispensado.

Quando estudava em Kiel, Sorge tomara parte nos


distúrbios ali ocorridos e que haviam constituído um
prolongamento do famoso motim da Marinha alemã.
Esses fatos e suas atividades últimas fizeram com que
passasse a ser olhado com interesse pelos líderes
comunistas. Julgando-o um eficiente agitador,
selecionaram-no para especial consideração.

No dia em que deixou a mina de carvão, Sorge voltou


para casa, e ah encontrou Henry Tollman, chefe secreto
de segurança do Comunismo em Hamburgo, que o
aguardava em seu quarto. Tollman sugeriu-lhe que fosse
a Moscou, a fim de realizar um curso de treinamento.
Três semanas mais tarde, Sorge já estava na capital
russa. Antes de viajar, porém, vira-se envolvido com uma
mulher — o que seria típico de seu comportamento em
toda a extensão de sua carreira —, que, por acaso, era
agente da polícia. Entre espasmos de amor, a que se
entregava com o objetivo de aliviar a monotonia de
esperar pela partida, falou-lhe da sua atração por Marx e
pelos comunistas.

No dia seguinte da sua chegada a Moscou, Sorge


encontrou-se com Dimitry Manuilsky, então chefe da
Divisão da Inteligência no Exterior do Comintern. Como
Foote, ele também não recebera qualquer indicação do
que lhe estava sendo reservado pelos russos. Sua
entrevista com Manuilsky pôs um ponto final em suas
especulações. Iria submeter-se a um treinamento para
ser espião.

Poucos espiões já foram tão adequadamente treinados


como Sorge. Durante os cinco anos que se seguiram,
passava de uma escola para outra, até que se sentiu
integralmente impregnado de todos os aspectos da
técnica de espionagem. Por essa ocasião, fora enviado à
Dinamarca e aos Balcãs para adquirir experiência, sob
orientação técnica. Entre suas muitas qualidades,
revelava notável tendência para línguas e, por volta de
1928, já falava o russo como um nativo e conversava,
com invejável fluência, em inglês e francês.

Como teste, Sorge foi enviado, sozinho, por um ano, para


Los Angeles, a fim de descobrir tudo o que pudesse sobre
a indústria cinematográfica norte-americana. Nesse
teste, foi aprovado summa cum laude. Após rápida visita
a Moscou, foi submetido, então, a uma prova final. Em
1928, desembarcou na Inglaterra, alojando-se num
quarto de uma pensão em Bloomsbury.

Em todas as suas viagens, Sorge sempre usara seu


próprio nome e o disfarce de um estudante de Ciências
Políticas. Nem na Escandinávia, nem nos Balcãs, nem na
Califórnia, encontrara alguém que recordasse seus dias
agitados em Hamburgo e Kiel. Pouco depois de chegar a
Londres, porém, foi visitado por oficiais da Divisão
Especial — esquecera-se de se registrar como
estrangeiro —, os quais, no curso do interrogatório,
perguntaram-lhe se já morara em Hamburgo.

Essa pergunta o impressionou profundamente, e logo


comunicou a Moscou: “A Inglaterra sabe mais a respeito
de espiões do que qualquer outra nação.” Compreendeu,
igualmente, que as autoridades inglesas não haviam
acreditado em sua negativa e abreviou a visita.

No ano seguinte, Sorge foi transferido do serviço do


Comintern para o Secretariado dos Negócios Exteriores.
Tratava-se apenas de um disfarce, pois ele passara,
quase imediatamente, para o GRU. Por essa ocasião,
gozava de tão alto conceito junto aos chefes da
espionagem soviética que, após rápida entrevista com o
diretor do Centro, foi nomeado Diretor-Residente para o
Extremo Oriente, com seu quartel-general instalado em
Xangai. Era tanta a confiança que seus superiores nele
depositavam que, ao contrário de toda a prática usual, o
Centro lhe dera carta-branca para agir. Especificamente,
só lhe solicitaram que enviasse informações sobre o
crescente Exército nacionalista de Chiang Kai-shek.
Ficaria inteiramente à sua discrição a escolha das
notícias que julgasse dever submeter à consideração do
Centro.
A missão de Sorge não constituiu a primeira infiltração
realizada no Extremo Oriente pelos agentes soviéticos.
Três anos antes, uma pequena rede havia operado na
China, mas faltara-lhe direção e, nessas condições,
fornecera apenas informações de pouco valor. No caso de
Sorge, tudo indicava que aquela área iria ter sua
importância aumentada e, nessas condições,
automaticamente, requereria uma bem organizada rede,
dirigida com imaginação.

Sorge teve permissão de escolher os homens que


deveriam trabalhar para a sua nova Unidade Chinesa.
Conservou os agentes que já se encontravam na área e
que, em sua opinião, lhe serviriam de assistentes,
dispensando o resto. De uma lista fornecida pelo Centro,
selecionou dois técnicos de rádio de primeira classe para
acompanhá-lo. Em princípios de 1930, a Unidade Chinesa
já estava firmemente estabelecida em Xangai. Pela
primeira e única vez em sua carreira, Sorge abandonou a
própria identidade e tornou-se William Johnson, jornalista
norte-americano.

Entre os seus contatos proveitosos realizados em Xangai


encontrava-se Agnes Smedley, a escritora comunista
norte-americana, e com a ajuda dela a rede pôde entrar
imediatamente cm ação. Ela permitiu ao rádio-operador
vindo com ele que instalasse o transmissor em seu
apartamento, poupando-lhe, assim, dificuldades e tempo,
em busca de um “endereço seguro”. Mais do que isso,
Agnes apresentou-o a alguns moradores de Xangai que,
embora não comunistas, estavam dispostos a lhe
fornecer informações de cunho militar. Entre eles
contava-se um brilhante professor e jornalista japonês,
Ozaki Hozumi.
Ozaki descendia de uma rica família e se graduara pela
Universidade de Tóquio. Estudara Marx, Lênin e Engels,
mas o dever filial impedira que tornasse pública sua
crença no comunismo. Vivia em Xangai como
correspondente de um jornal de Tóquio, e se tornara
amigo de Agnes Smedley.

Uma das grandes virtudes de Sorge era o seu fascínio


pessoal. Não que fosse um homem fisicamente bonito:
nariz chato, fronte profundamente pronunciada, olhos
pequenos e separados, sulcos profundos, do nariz aos
cantos da boca, e lábios grossos. Esse conjunto de
detalhes fisionômicos emprestavam-lhe uma aparência
nada teutônica. Contudo, apesar do comportamento
boêmio, das bebedeiras e da concupiscência, existia
muita coisa em sua personalidade, socialmente atrativa.
Sorge não ignorava esses predicados e nunca hesitou em
utilizá-los quando sentiu que eles o ajudariam a
conseguir o que desejasse.

Quase desde o primeiro momento em que conheceu


Ozaki, decidiu que desejava ter o jovem japonês em sua
rede e, nessas condições, aplicou seu poder de sedução
contra o jovem erudito, que imediatamente se deixou
envolver. Pela primeira vez, concordara em se empenhar
em espionagem ativa e, breve, iria prestar tão relevantes
serviços à Unidade Chinesa que com dificuldade seria
sobrepujado pelo próprio Sorge.

Tendo organizado seu trabalho em Xangai, Sorge realizou


uma excursão pela região que lhe fora destinada como
campo de ação e, no fim de seis semanas, chegou a
Harbin, na Manchúria, onde se encontrou com um
homem de negócios alemão, Max Klausen, o melhor
rádio-operador contratado pelo Centro. Quando Klausen
chegou a Harbin, Sorge já se fizera amigo do jovem vice-
cônsul norte-americano ali credenciado e o persuadira a
alugar, a um seu amigo alemão, seus dois quartos no
Consulado. Nessas condições, sob a proteção da
bandeira dos Estados Unidos, Klausen instalou o
radiotransmissor. Sorge, por outro lado, contratou um
agente para ajudá-lo e, com a célula definitivamente
organizada, retornou a Xangai, a fim de prosseguir na
estruturação do seu serviço clandestino.

Dois anos após haver desembarcado em Xangai, a


Unidade Chinesa estava funcionando a plena força.
Cobria Nanquim, Cantão e Pequim, enquanto agentes
isolados trabalhavam em setores tão meridionais quanto
a Malásia e tão setentrionais quanto as fronteiras com a
Sibéria. A rede fornecia ao Centro informações sobre o
apoio dado por várias classes ao governo, aos
comunistas e a Chiang Kai-shek. Revelava, igualmente e
com exatidão, o poderio militar que correspondia a cada
um desses três aspectos da situação chinesa, o
equipamento de que dispunha, suas condições de
abastecimento e seus estoques, sem se esquecer de
ressaltar os grandes interesses comerciais que estariam
dispostos, em compensação por algumas concessões, a
apoiar os comunistas quando organizassem a sua
revolução.

Com a ascensão de Hitler, a tradicional cordialidade da


Alemanha em relação à China começou a derivar desse
país na direção do Japão, e os dirigentes russos, tomando
conhecimento dessa realidade, passaram a julgar que,
concomitantemente, se verificava idêntico afastamento
do perigo que, segundo acreditavam, pesava sobre os
territórios da Sibéria.

Determinado a não ser colhido de surpresa, se a situação


era, de fato, como se julgava, o Centro promoveu seu
diretor, Coronel Beldin, ao posto de general e o colocou
como encarregado de uma seção especial para os
negócios do Extremo Oriente. O primeiro ato de Beldin foi
chamar Sorge a Moscou, para consultas.

Sorge e Beldin trocaram impressões pelo período de


vários meses e, quando suas conversações chegavam ao
fim, elaboraram um plano para obter todos os segredos
do governo japonês. Sorge, mais uma vez, teve
permissão para escolher todos os agentes soviéticos e,
nessas condições, deu preferência aos dois homens que
julgava capazes de ser de maior utilidade para o seu
trabalho. Pediu a Ozaki que se transferisse para o Japão e
fez com que Klausen também mudasse a sede do seu
negócio-disfarce. Para completar a rede, selecionou dois
outros agentes: Branko de Voukelich, antigo oficial do
Exército Real da Iugoslávia e então correspondente de
diversos jornais, e um artista japonês, Myagi Yotoku, que
havia conhecido quando estivera na Califórnia.

Antes que regressasse, para levar a efeito a organização


de sua rede no Japão, Sorge retornou à Alemanha.
Constitui um mistério até hoje indecifrado a maneira
como conseguiu insinuar-se junto aos nazistas, ao ponto
de obter sua filiação no Partido e ser acreditado como
correspondente do Frankfurter Zeitung no Extremo
Oriente. Alemães, que viviam no exterior e dos quais se
fizera amigo, certamente o auxiliaram nessa difícil tarefa,
dando-lhe cartas de recomendação para destacados
membros do Partido Nazista. Essa hipótese, porém, não
explica suficientemente como, pouco depois de chegar à
Alemanha, obteve tão excelente cobertura para suas
atividades em Tóquio e conseguiu ser convidado para
funções só exercidas pelos mais íntimos associados com
a liderança do Partido. Igualmente, ela não esclarece
porque, às vésperas de sua partida para Tóquio, o Clube
da Imprensa Nazista ofereceu um jantar em sua honra, o
qual contou com a presença de Bohle, chefe da Divisão
Nazista para o Exterior, e de Josef Goebbels. Esse jantar
certamente foi de grande utilidade para Sorge, tanto por
ocasião da sua chegada a Tóquio como durante os anos
que se seguiram.

O fato de que sua reputação o tinha precedido e de que


ele era um correspondente credenciado do Frankfurter
Zeitung fizeram com que, automaticamente, o Bergen
Kurrier, o Tàchnishe Rundschau e o Amsterdam
Handelsblatt o considerassem persona grata do pessoal
da embaixada da Alemanha em Tóquio, desde o
embaixador até ao mais humilde contínuo.

Dos cinco integrantes da rede, Sorge e Ozaki eram,


inegavelmente, os de maior êxito. Não havia muito que
escolher entre suas respectivas qualificações, embora
derivassem elas de predicados diferentes. Enquanto
Sorge era capaz de apreender imediatamente a
importância da informação que lhe chegava às mãos,
com tal penetração que nunca enviou para Moscou
qualquer notícia considerada inútil, e não deixava
escapar, por outro lado, o que quer que fosse de real
valor, Ozaki, por sua vez, além de ser um técnico em
interpretar as tendências políticas de toda a extensão do
Extremo Oriente, e da China em particular, dispunha,
igualmente, de contatos que o podiam introduzir nos
mais elevados círculos políticos do Japão.

O fato de Sorge, Ozaki e Voukelich terem sido


credenciados como correspondentes estrangeiros tornou
possível para eles enfrentar, sem despertar suspeitas da
Kempeitai, as atividades da contraespionagem. Sorge
não revelou qualquer pressa em fazer sua rede operar,
mas, através de encontros em cafés, em restaurantes e
em bares — no princípio, casualmente, e, depois,
combinados com antecedência —, permitiu que seus
movimentos fossem considerados normais e as ligações,
surgidas desses encontro, parecessem haver sido
estabelecidas gradualmente.

A ocupação legal de Sorge levou-o automaticamente,


com frequência, à embaixada alemã, onde procurou fazer
acreditar que ali encontrara, pela primeira vez, Max
Klausen. Os observadores que assistiram à cena julgaram
perfeitamente natural, igualmente, que aquele
excêntrico correspondente de jornais tivesse pena do
solitário comerciante alemão e o convidasse para fazer
parte do seu círculo.

Miyagi foi-lhe apresentado mais ou menos do mesmo


modo. Sorge e Voukelich se achavam, certo dia, no Uneo
Ari Museum, quando Voukelich reconheceu um artista
japonês, seu amigo. Apresentou-o então a Sorge e, pouco
depois, uma discussão se estabeleceu entre os dois,
sobre os méritos da arte ocidental e os da arte oriental.
Miyagi foi convidado, por ambos, a prosseguir sua
palestra num café frequentado por artistas e jornalistas.

Uma base, de onde possa operar, é essencial para


qualquer rede de espionagem. Essa base deve ser de tal
natureza que todos os membros da organização
abertamente a possam frequentar, com motivos
ostensivamente legítimos para suas visitas. Ainda mais,
precisa estar defendida e salva dos bisbilhoteiros, caso
os membros da rede tenham de se encontrar de qualquer
modo, sendo inconveniente a utilização de
intermediários. Sorge havia resolvido restringir sua rede
ao mínimo de integrantes e adotar o método acima
mencionado, para fazer seus contatos.
Dessa forma, escolheu como sua base uma casa em
ruínas, cujo aluguel estava bem de acordo com seu
salário de correspondente estrangeiro.

Tão logo se instalou nessa casa, Sorge deu uma festa que
chocou tanto seus respeitáveis vizinhos como os
membros do corpo diplomático, que haviam sido
convidados, juntamente com jornalistas, artistas, oficiais
do Exército japonês e um punhado de homens de
negócios. Quando os convidados menos íntimos saíram,
por volta das dez horas, algumas gueixas passaram a
participar da festa e, durante algumas horas, o barulho,
que se filtrava através da frágil estrutura do tugúrio,
refletia, de maneira eloquente, o que estava
acontecendo no interior.

A vizinhança ouviu com irritação aquela algazarra até


que amanhecesse, quando então as gueixas saíram,
acompanhadas pelos convidados remanescentes.
Permaneceram no interior apenas Voukelich, Ozaki,
Klausen e Miyagi, com quem Sorge insistira para que
terminassem juntos a última garrafa. Na relativa
quietude que se seguiu, e antes que os quatro visitantes
saíssem, por fim, com a primeira claridade do dia, Sorge
fornecera aos seus espiões seu primeiro memorando.

As festas de Sorge tornaram-se alvo de comentários na


capital japonesa e, se os agentes da Kempeitai
observavam que seus quatro melhores amigos sempre
permaneciam na casa, após a saída de todos os
convidados, nunca chegaram a alimentar qualquer
suspeita em relação ao fato.

Um espião normalmente procura, tanto quanto possível,


não ser notado. Sorge, porém, já se comportava de
maneira diametralmente oposta. Não somente suas
ruidosas festas eram motivo de conversas em Tóquio,
mas, igualmente, tornaram-se notórias suas relações
com um punhado de mulheres. Sua necessidade de
satisfação sexual estava verdadeiramente bem acima do
normal, porém a atitude que assumia, em relação às
infelizes que sucumbiam sob a ação do seu irresistível
charme, era essencialmente de desprezo. Depois da
posse, mostrava-se enojado da companheira e, dentro de
algumas semanas, abandonava-a e saía em busca de
nova excitação.

Essa reputação servia-lhe de valiosa cobertura, pois o


que se alegava era que um indivíduo que, como ele,
atraísse tanto atenção para si próprio, não poderia, em
hipótese alguma, ser um espião.

Com a célula bem estabelecida, Sorge iniciou então o seu


trabalho. Não demorou muito, e ele passou a justificar a
grande confiança que o General Beldin nele depositara,
por uma série de brilhantes golpes.

O primeiro deles foi levado a efeito pela atuação de


Ozaki. Tão grande era a reputação desse jovem erudito
como comentador político que as autoridades japonesas
logo se interessaram em conhecer-lhe a opinião sobre
diversos problemas de relevância. Assim é que, quando,
por volta do fim de 1935, o ministro do Exterior preparou
um relatório para o Gabinete sobre os objetivos políticos
e econômicos do Japão para o ano seguinte, o Príncipe
Konoye, que era então o primeiro-ministro, prontamente
concordou com uma proposta de que a Ozaki fosse
permitido ver uma cópia do esboço, de forma que ele
pudesse dar seu parecer sobre a parte daquele trabalho
que se referisse à China.
Ozaki teve permissão, na oportunidade, para estudar o
documento durante a maior parte de um dia, numa sala
separada, no Ministério do Exterior. Inteiramente isolado
ali, fotografou, uma por uma, todas as páginas do
relatório. Através desse texto, tornava-se perfeitamente
claro que o Japão não tinha a intenção de atacar a
Rússia, em futuro próximo, e que a invasão da China
meridional dependeria do desenvolvimento da indústria
pesada na Manchúria.

Em busca de prova confirmatória, Sorge, sob a alegação


de ter de fazer uma reportagem para os jornais que
representava, obteve uma entrevista particular com o
embaixador alemão, Dr. Herbert von Dirksen. Através de
um inteligente interrogatório, pôde saber que o Alto
Comando Japonês insinuara ao adido militar da
embaixada que a retirada dos oficiais alemães que
instruíam os exércitos chineses seria considerada uma
demonstração de amizade pelo governo de Tóquio.

Ao mesmo tempo, Miyagi descobrira, por intermédio de


um coronel do Estado-Maior Japonês, de quem pintava
um retrato — tornara-se muito popular nos círculos
militares por sua habilidade de retratista —, que algumas
maquetas em larga escala, de certas regiões da China
meridional, estavam sendo construídas para finalidades
de exercícios militares.

Todas essas informações, consideradas em conjunto,


fizeram Moscou compreender que seus agentes lhe
tinham fornecido informações da maior importância, e
se, antes, os dirigentes soviéticos já consideravam Sorge
como um mestre, após a remessa dessas informações,
passaram a julgá-lo verdadeiro realizador de milagres.
Tais êxitos no início de sua carreira poderiam ter
contribuído para que qualquer outro espião dormisse
sobre os louros conquistados. Quanto a Sorge, apenas
serviram para estabelecer o padrão a ser obedecido em
suas futuras atividades.

Compreendendo a importância dos contatos de Ozaki nos


altos círculos políticos — ele se havia tornado então
conselheiro privado e confidencial do próprio primeiro-
ministro —, Sorge começou a estabelecer idênticos
contatos na embaixada alemã. Assim é que logo se
tornou confidente do adido militar, o Coronel Eugene Ott,
que mais tarde iria ser o embaixador, em substituição a
Dirksen.

Voukelich consolidou, igualmente, sua própria posição


junto à embaixada da França, enquanto Miyagi, agindo
isoladamente como artista, ampliou o número de seus
amigos nos círculos militares mais jovens.

O caminho de Sorge, entretanto, nunca se revelava


inteiramente desembaraçado. Seus casos com mulheres
comprometiam-lhe muitas vezes a segurança. Klausen,
embora rádio-operador de primeira classe, não possuía a
estrutura de um bom agente, pois em mais de uma
ocasião escapara por pouco de ser preso. De maneira
incompreensível, a Kempeitai permanecia inativa e,
nessas condições, Sorge e sua minúscula rede, pelo
período de sete anos, operaram no Japão, dando golpes
sobre golpes, cada um mais brilhante do que o anterior.
Nessa ocasião, advertiu Moscou sobre o iminente ataque
da Rússia, por Hitler. A informação lhe fora dada pelo
Coronel Ott e confirmada por Ozaki. Coroou sua carreira,
mas fê-la chegar ao fim, ao obter a data aproximada do
ataque japonês a Pearl Harbour.
Esse golpe de espionagem ocorreu de maneira tão
dramática e, ao mesmo tempo, tão melodramática, que
merece ser recordado. Desde 1939, a Kempeitai tinha
conhecimento de que um radiotransmissor clandestino
estava operando do Japão, mas as técnicas de detecção
da época não eram capazes ainda de localizar qualquer
ponto de sua instalação. O Coronel Osaki, chefe da
Kempeitai, vinha, entretanto, alimentando suspeitas em
relação a Sorge e seus associados, e chegara mesmo a
solicitar à embaixada alemã que apurasse, com a
Gestapo, quem eram Sorge e Klausen.

A Gestapo deu sinal verde para ambos e, embora Osaki


soubesse como essa organização era eficiente, mesmo
assim conservara um instintivo sentimento de que Sorge
não era, de forma alguma, o que aparentava ser, e, em
consequência desse raciocínio, passara a dar-lhe atenção
especial. Como não conhecia Sorge, providenciou um
encontro com o agente soviético, através dos bons
ofícios de um integrante do funcionalismo da embaixada
alemã.

O local que Sorge frequentava, por essa ocasião, era o


Fuji Club, em Tóquio, e ali foram apresentados um ao
outro. Sorge achou Osaki um japonês típico, com
acentuada inclinação para os prazeres proporcionados
pelo saquê e pelas mulheres. Durante a troca de opiniões
em relação ao último assunto, o japonês declarara que,
no seu modo de entender, a mais bonita mulher de
Tóquio era uma bailarina que devia fazer sua estreia
aquela noite, naquele mesmo clube. A princípio, Sorge
não se mostrou interessado em conhecê-la, mas o
coronel elogiou tão insistente e extravagantemente seus
predicados femininos, que, por fim, a curiosidade do
agente se aguçara.
Pouco depois, iniciou-se o show, e a bailarina Kiyomi fez
o seu número. Usava a máscara tradicional, de forma que
a beleza de seu rosto não pôde ser julgada, mas o resto
do corpo era suficientemente arrebatador para ficar
impresso na consciência de Sorge.

Durante uma ou duas semanas, o agente visitou o Fuji


Club e, todas as noites, enviava flores e bilhetes a
Kiyomi, solicitando que lhe marcasse uma entrevista.
Invariavelmente, Kiyomi rasgava os bilhetes e devolvia
as flores.

Certa noite, a mesa de Sorge estava vazia. Temerosa de


que houvesse ido longe demais, ela, após terminar seu
número, correu ao camarim, a fim de telefonar para
Osaki e perguntar-lhe o que deveria fazer. Mas, quando
voltou do camarim, viu Sorge sentado em sua mesa,
aguardando-a. Em poucos minutos, ela capitulava.

Enquanto isso, na Alemanha, embora Hitler tivesse ficado


irritado com a recusa japonesa de desfechar um ataque
contra a Sibéria, quando ele invadisse a Rússia, nem por
isso perdera todas as esperanças de ainda conseguir
persuadir o governo de Tóquio a distrair os russos, por
intermédio dessa agressão no Oriente. Durante todo o
verão e o outono de 1941, procurou seduzir Konoye e
seus ministros; mas Moscou, por seu lado, julgava,
também que esse ataque à Sibéria seria levado a efeito,
e, nessas condições, a tarefa de Sorge era a de colher
informações sobre as quais a data do ataque pudesse ser
calculada. Ozaki e Miyagi ficaram encarregados da
obtenção desses informes, mas, até então, não haviam
apresentado qualquer coisa que indicasse a
probabilidade daquela agressão.
Quando o outono começou a se fundir no inverno, os
fantásticos avanços alemães sobre a Rússia européia
fizeram o governo japonês sentir-se ainda mais indeciso
sobre o que deveria fazer. Os russos tinham desfalcado
seus exércitos europeus de reservas, ao conservarem
dois milhões de homens — tropas da primeira linha — na
Sibéria. O Incidente Nomohan, que foi, na realidade,
somente um choque de fronteira de grandes proporções,
embora se tivesse prolongado por diversos dias, fora
considerado pelos russos, a princípio, como o desde
muito esperado ataque japonês, apesar de Sorge lhe
haver dito que todas as informações por ele obtidas
apontavam em sentido contrário.

Esse incidente fez com que os russos hesitassem, mais


do que nunca, sobre a conveniência de retirar suas
desesperadamente necessitadas tropas da Sibéria, mas,
em outubro, Ozaki entregou uma informação de que os
japoneses, finalmente, tinham tomado uma decisão. Toda
a idéia de invadir a Sibéria fora abandonada. Os exércitos
japoneses deveriam marchar na direção do Sul. Em
confirmação, todos os homens de nacionalidade
japonesa, entre vinte e cinco e trinta e cinco anos,
haviam sido convocados e, em grande parte, o Coronel
Ott admitira que Tóquio resistira a todas as pressões dos
alemães para que se movimentasse contra os russos.
Sorge, acreditando que aquela fosse sua mais bela hora,
fez questão de ver Klausen transmitir a mensagem que,
finalmente, deveria mudar a sorte na guerra da Rússia.

Uma das razões por que o Coronel Osaki não conseguira


localizar aquele radiotransmissor clandestino, que tantas
preocupações lhe causava, foi devida, em parte, à sua
instalação. Sorge, além da sua casa em ruínas na cidade,
alugara também uma vila num subúrbio de Tóquio, à
beira-mar. Tinha ali um bote pesqueiro, que alugara de
um velho pescador analfabeto. Às vezes, reunia amigos
em festas a bordo, durante suas excursões de pescaria,
e, enquanto os convidados se divertiam no convés, mal
imaginavam que, embaixo, na cabina do piloto, Klausen
estivesse transmitindo mensagens para Moscou.

Embora Sorge houvesse alcançado seu objetivo com sua


última mensagem remetida para Moscou e tivesse
trabalhado, de maneira estupenda, pelo período de oito
anos, concentrou-se na realização de um objetivo final.
Descobriria onde e quando os japoneses desfechariam
seu ataque no rumo meridional e, então, a rede se
dissolveria, pois estava ciente de que, durante as duas
ou três últimas semanas, Osaki vinha intensificando sua
vigilância sobre todos os estrangeiros que viviam em
Tóquio. Essa atitude da polícia japonesa fizera Sorge
compreender que Osaki se tornara, por fim, cônscio de
que agentes estrangeiros operavam em seu país.

Mas, enquanto aguardava a informação que desejava,


Sorge julgou não haver mal algum em prosseguir no seu
jogo amoroso com a bela Kiyomi. De todas as coisas
estranhas, em relação a esse admirável espião soviético,
talvez a mais curiosa tenha sido a sua incompreensão de
que Kiyomi fosse uma amante contratada por Osaki, já
que o chefe da Kempeitai não se revelara
excessivamente astucioso ao empurrá-la para os seus
braços. Se Sorge acusava qualquer fraqueza
fundamental, essa só poderia ser sua permanente
exaltação sexual. Duas noites mais tarde, após haver
enviado a mensagem decisiva para Moscou, ele se
encontrava em sua mesa de sempre, observando a
bailarina fazer aquele número, que já vira uma porção de
vezes. Seus pensamentos, entretanto, estavam longe.
Sentia-se preocupado. Havia já uma semana que Miyagi
não dava qualquer notícia. Voukelich, por seu lado,
achava-se profundamente apreensivo, pois descobrira
que estava sendo seguido, onde quer que fosse.

Durante a dança, um garçom se aproximou da mesa e,


discretamente, deixou cair uma pequena bola de papel
de arroz. Mas não tão discretamente quanto seria de
desejar. Sorge desdobrou o papel e viu que se tratava de
uma mensagem de Miyagi. Ele também estava sendo
vigiado pela Kempeitai. Por trás da máscara, os aguçados
olhos Kiyomi haviam observado o garçom deixar cair a
bola de papel e Sorge apanhá-la, desamassá-la e ler o
que continha, guardando-a em seguida no bolso. Tão logo
terminou sua dança, ela correu para o camarim e
telefonou ao coronel Osaki.

Uma investigação foi imediatamente levada a efeito para


identificar o garçom. Descobriu a polícia que ele visitava
frequentemente o escritório de Ozaki, no edifício-sede da
Estrada de Ferro da Manchúria do Sul, da qual esse
auxiliar de Sorge era então diretor. Ficou apurado,
igualmente, que fora visto em companhia de Miyagi. O
coronel já sabia que Sorge e Miyagi eram amigos.

Ninguém que conversasse com Sorge, no dia seguinte,


desconfiaria de que estivesse diante de um homem
apreensivo e desesperado. Como fazia diariamente, ele
tomou o seu café da manhã com o Embaixador Ott e,
então, saiu para a atividade de correspondente
estrangeiro.

No meio da manhã entretanto, tudo mudou. Recebera


uma mensagem de Ozaki. A ofensiva japonesa não seria
desencadeada contra os chineses, mas contra os norte-
americanos, em Pearl Harbor, e a data provável do
ataque seria o dia 6 de dezembro.
Num almoço com Klausen, Sorge o avisara para que
estivesse a bordo do barco de pesca naquela noite, pois
iria enviar sua última mensagem para Moscou. Mostrava-
se animado, como não se sentira desde algum tempo.
Vestiu seu dinner-jacket à noite e foi ao Fuji Club, onde
ocupou sua mesa, permanentemente reservada, à beira
da pista de dança. Enquanto dançava, Kiyomi viu o
garçom aproximar-se outra vez de Sorge e deixar cair
uma bola de papel na mesa. Como da vez anterior, Sorge
leu o que estava escrito no papel e o guardou no bolso. A
mensagem era de Miyagi e o avisava de que a Kempeitai
estava também em seu rastro e que ele e os demais
companheiros deveriam fugir tão cedo quanto possível.

Terminada a dança, e Kiyomi já estando vestida, Sorge


disse-lhe que, ao invés de irem para sua casa,
preparariam eles próprios um jantar na vila da península
Izu e ali passariam a noite. A sugestão colheu Kiyomi de
surpresa, pois era a primeira vez que ouvia falar naquela
vila.

Depois que já tinham deixado a cidade, Sorge estacionou


subitamente o carro ao lado da estrada e a possuiu.
Satisfeito, tirou do bolso dois cigarros amassados, um
isqueiro e um pedaço de papel de arroz. Enquanto o via
acender o isqueiro, o coração de Kiyomi agitou-se. Estava
certa de que, quando Sorge acendesse o isqueiro,
queimaria o papel, e Osaki lhe havia dito que, se alguma
vez visse Sorge receber qualquer mensagem, deveria
apoderar-se dela, de qualquer maneira. O isqueiro,
porém, não funcionou e, Kiyomi fingiu ter esquecido o
dela no camarim.

Com um áspero gesto de aborrecimento, Sorge atirou os


cigarros pela janela do carro e, rasgando o papel em
pedacinhos, jogou-o também fora, pondo o carro logo em
movimento.

Kiyomi era uma bailarina, e não uma agente treinada da


contraespionagem; não obstante, tratava-se de uma
moça viva e inteligente. Quando passaram pela primeira
cabina de telefone, pediu a Sorge que parasse, a fim de
telefonar aos pais, avisando-os de que passaria a noite
fora, com uma amiga. Sorge aguardou no carro,
enquanto ela chamou o Coronel Osaki e explicou
rapidamente o que houvera e onde poderia encontrar os
pedaços de papel rasgado.

Chegando à vila, Sorge ali deixou Kiyomi para preparar


alguma comida e saiu, dizendo que tinha um negócio
particular para tratar. Foi à praia, tomou um bote e
remou para o barco pesqueiro, onde Klausen o esperava.
A bordo, entregou a Klausen duas mensagens: a
primeira, comunicando a Moscou o que Ozaki lhe
transmitira; a segunda, fazendo uma advertência de que
a rede já estava comprometida e, por isso, ia fazê-la
debandar, dali por diante.

Quando o rádio-operador concluiu a transmissão das


mensagens, os dois se apertaram as mãos, desejaram
que algum dia se encontrassem outra vez e se
separaram. Na vila, Sorge comeu o que Kiyomi preparara
e, imediatamente, levou-a para a cama. Se tinha algum
pressentimento de que aquela seria a sua última noite de
liberdade, não o revelou. A bailarina, em depoimento
prestado muito depois, declarou que, naquela noite
Sorge a possuíra com uma ferocidade e uma frequência
que julgara ser humanamente impossíveis. Era já
madrugada, quando se mostrou cansado e adormeceu.
Enquanto Sorge dormia, o Coronel Osaki se
movimentava. Quando Klausen chegou a sua casa, em
Tóquio, já alguns agentes da polícia o aguardavam.
Voukelich foi arrancado dos braços da sua antiga amante
japonesa, que nos últimos tempos se tornara sua esposa.
Miyagi tentou apunhalar-se, quando os agentes lhe
arrombaram a porta. Foi levado para um hospital, tratado
e recuperado. Ozaki, vestindo suas mais finas roupas,
esperou a chegada da polícia, com fatalismo oriental.

Sorge não dormiu muito tempo. O novo dia — 15 de


outubro de 1941 — mal começara, quando acordou
Kiyomi e a possuiu outra vez. Deixou o quarto, indo para
a sala, onde misturou para si próprio uma bebida forte.
Ao erguer o copo, ouviu pancadas na porta. Ao abri-la, o
Coronel Osaki e dois assistentes entraram na sala.

O coronel nada disse. Apenas entregou a Sorge uma


folha de papel, na qual os pedaços da mensagem de
Miyagi, espalhados na estrada, tinham sido colados
juntos. Sem uma palavra e sem um olhar dirigidos a
Kiyomi, já que subitamente compreendera haver sido
traído por ela, engoliu a bebida, vestiu-se e saiu com o
coronel.

Miyagi não suportou as torturas da Kempeitai; Klausen


fugiu, não muito depois. Mas nenhum dos dois homens
soube o que a última mensagem de Sorge continha.
Voukelich comportou-se com a coragem e a lealdade de
um antigo oficial, e nenhuma tortura conseguiu fazê-lo
falar. Sorge e Ozaid não foram torturados, mas, quando
viram as confissões de Miyagi e de Klausen,
compreenderam que já não lhes restava qualquer
esperança. Fizeram então suas confissões, embora sem
revelar o texto da última mensagem que haviam
transmitido.
Em face desses depoimentos, os processos instaurados
contra eles estavam completos. Miyagi revelou-se doente
em excesso, para poder enfrentar um julgamento, e
recolheram-no indefinidamente a um hospital-prisão.
Voukelich foi condenado à prisão perpétua. Klausen,
havendo sido recomendado para perdão, teve sua
sentença de morte transformada em prisão perpétua.
Sorge e Ozaki foram condenados à morte.

Embora, no Japão, as sentenças de morte habitualmente


fossem efetuadas no prazo de seis meses após a
decretação, a execução desses dois agentes soviéticos,
por motivos até hoje não revelados, foi adiada por dois
anos. No dia 9 de outubro de 1944, ambos morreram na
mesma prisão, com uma diferença de meia hora entre as
duas execuções. 
8. As Redes nos Estados Unidos

A circunstância de que os Estados Unidos e a União


Soviética eram aliados e de que os norte-americanos —
como o faziam os ingleses — estavam-se despojando de
vital material de guerra para ajudar os russos, que se
encontravam mais duramente pressionados por Hitler,
aparentemente não impedia que o governo de Moscou,
segundo pensava Stálin, se comprazesse na prática do
que normalmente é considerado um ato inamistoso, isto
é, a espionagem. Com efeito, a aliança dos dois países
pareceu servir de pretexto para que as atividades da
espionagem soviética fossem expandidas em tão violento
ritmo que chegaram a atingir, durante os três anos de
1942 a 1945, um nível nunca antes alcançado, e
provavelmente, desde então, não ultrapassado.

Será conveniente lembrar que, até 1939, as redes


soviéticas, nos Estados Unidos, haviam-se mostrado
extremamente ativas. Entretanto, como acontecera com
a maioria dessas organizações em qualquer parte — com
a única exceção, talvez, da rede de Richard Sorge, que
funcionava no Japão —, foram elas profundamente
afetadas pelo grande expurgo de 1938. Isso custou à
maioria dessas organizações dois ou três anos para
serem reestruturadas, como já vimos na Europa
Ocidental. Por volta de 1941, coincidindo fortuitamente
com o desencadear da Operação Barbarossa e com o
ataque a Pearl Harbor, as redes que operavam nos
Estados Unidos começaram outra vez a se aprumar.
Que os Estados Unidos tivessem sido escolhidos para
uma blitz de espionagem — mesmo antes do advento
daqueles dois aniquiladores golpes — pode-se concluir
pelo fato de que, após alguns anos de vacância, o posto
de adido militar à embaixada da Rússia, em Washington,
afinal tenha sido preenchido. Merece ser ressaltado,
ainda, que a pessoa escolhido para o cargo não fora
outra senão o General Ilya Sarayev, espião-chefe
profissional, que deveria desempenhar grande papel na
atividade da espionagem soviética, a qual iria tornar os
Estados Unidos seu alvo número um até a eclosão do
Caso dos Espiões Canadenses, ocorrido três ou quatro
anos mais tarde.

O terreno em que a espionagem soviética fora posta a


trabalhar dificilmente seria mais favorável. O FBI e o
Departamento de Inteligência Naval (ONI) continuavam
sendo as duas únicas agências empenhadas, naquele
país, na realização de serviços de contraespionagem.
Nenhuma delas, porém, se achava equipada com pessoal
adequado, especialmente o ONI. De qualquer forma, os
maiores esforços dessas agências estavam concentrados
em dois objetivos: anular a espionagem japonesa — que
se mostrava realmente inquietadora e que, no início de
1950, ocupava dezenas de milhares de agentes na Costa
Ocidental e na América Central — e tentar romper o anel
de espionagem nazista, dirigido pelo Conde von Keitel.

Há a ressaltar, ainda, o comportamento, de certa forma


ingênuo, revelado pelas autoridades norte-americanas,
em face de tão grave infiltração. Em face da experiência
passada, deviam ter desconfiado do que os russos
estavam planejando quando, em princípios de 1942,
subitamente aumentaram tanto o quadro do pessoal de
sua embaixada em Washington, como o do seu serviço
consular, estrategicamente localizado em toda a
extensão do país e, em particular, o da sua nova
Comissão de Compras. Essa ingenuidade, segundo tudo
leva a crer, persistiu por muito tempo, pois, em
dezembro de 1943, o General Wild Bill Donovan, chefe do
recém-criado Departamento de Serviços Estratégicos
(OSS) — o equivalente ao SOE britânico — fizera uma
visita a Moscou, onde, em entrevistas com os dirigentes
soviéticos, ressaltara a conveniência de que a
organização que chefiava trabalhasse em estreita
cooperação com a sua equivalente russa. Durante suas
entrevistas com graduados oficiais do GRU —
aparentemente, não se avistara com Alexander Erdberg
—, o general norte-americano revelara todos os detalhes
do modus operandi do seu Departamento — a técnica de
infiltração de seus agentes em territórios ocupados pelo
inimigo, assim como a natureza do seu equipamento,
inclusive os últimos modelos portáteis de
radiotransmissores — concluindo por sugerir que uma
pequena unidade russa deveria ser instalada em
Washington, a fim de facilitar a ligação entre os dois
serviços. Os norte-americanos somente foram salvos
dessa infantil ingenuidade — parece que, de todos os
maiores técnicos de planejamento dos Estados Unidos,
somente o Almirante Leahy fora contrário à idéia — por
considerações de ordem política. O ano de 1944 era de
eleições gerais, e o Presidente Roosevelt julgara que a
implantação daquele esquema de cooperação com a
Rússia poderia provocar uma reação na imprensa e,
nessas condições, pessoalmente o vetou.

O malogro dessa iniciativa, entretanto, não fez cessar a


cooperação entre o General Donovan e Moscou. O OSS
insistiu em colocar à disposição dos russos grande
número de informações sobre a situação nos países
ocupados pelos nazistas juntamente com proveitosas
informações neles colhidas pelos agentes norte-
americanos.

Outro fator que facilitou grandemente o esforço russo


nos Estados Unidos foi a característica cordialidade dos
norte-americanos. Os russos eram, então, seus aliados.
Quaisquer que tenham sido suas relações no passado,
dissipavam-se pelo fato de que então estavam lutando,
lado a lado, contra um inimigo comum. Em todos os
lugares onde os russos apareciam eram saudados com a
espontaneidade da tradicional hospitalidade norte-
americana. Esse estado emocional incluía também o
fornecimento de informações que, anteriormente, seriam
cuidadosamente interditadas aos russos. Essas
informações, naturalmente, não satisfaziam o imenso
estômago dos soviéticos, que tudo queria digerir. O
esforço de obter maior e mais detalhado conhecimento
do que se passava nos Estados Unidos foi tornado,
entretanto, bem mais suave pelo amistoso contato que
os russos logo estabeleceram com os homens que
guardavam esses segredos.

De acordo com as revelações feitas, perante vários


comitês de investigação do Congresso, nas últimas duas
e meia décadas, tornou-se evidente que a maior
atividade desenvolvida pelos russos orientou-se no
sentido da espionagem industrial — particularmente no
setor das indústrias responsáveis pela produção de
material bélico. Técnicos em artilharia e armas modernas,
em aviões e submarinos, eram encontrados entre o
pessoal da Comissão de Compras — sem dúvida, a
principal agência da espionagem soviética, no que dizia
respeito a esse setor — e entre o funcionalismo da
embaixada e dos consulados. Nada, porém, parecia sem
interesse para os russos. Nessas condições, o volume de
informações vitais, por eles obtido, durante os anos de
guerra, certamente não poderá ser avaliado.

Mas, se o esforço no campo industrial foi


verdadeiramente estupendo, o realizado no terreno da
espionagem política não se revelou, por seu lado,
desprezível. Com efeito, quando se examina o que eles
conseguiram, através de infiltrações na própria
administração norte-americana, torna-se difícil não sentir
uma emoção à qual não são estranhas certas
características de medo. Neste momento, não
desceremos a maiores detalhes no que diz respeito à
espionagem política, já que ela estava intimamente
vinculada a acontecimentos que tiveram lugar nos anos
imediatamente posteriores à guerra e que formaram a
base do Macartismo. O assunto será abordado, com
maiores minúcias, na quinta parte deste livro.

Provavelmente, nenhum outro país do mundo já foi


vítima de um tão violento assalto de espionagem como o
que a Rússia desencadeou contra os Estados Unidos,
durante a guerra. * Calcula-se que cerca de dezoito redes
separadas operavam simultaneamente — e no auge da
sua atividade, em território norte-americano, naquele
período, o que, por si só, já representa uma realização
digna de nota para qualquer serviço de espionagem.
Entretanto, os resultados colhidos por essas redes
profissionais constituíram apenas uma fração das
realizações totais da espionagem soviética nos Estados
Unidos, e os culpados dessa colheita de informações
secretas foram, apenas e exclusivamente, os próprios
norte-americanos. 

*  Embora o esforço japonês tenha sido grande, suas


realizações revelaram-se desprezíveis. Esse esforço
cessou abruptamente nos dias que se seguiram a Pearl
Harbor, pois todos os japoneses residentes no país foram
imediatamente internados. 
Quarta Parte
ESPIONAGEM ATÔMICA

1. Espionagem Atômica

Não é possível dizer-se, com exatidão, quando a


espionagem soviética se tornou interessada nos segredos
atômicos dos demais países. De qualquer forma, esse
interesse teve início antes do fim de 1943, pois uma das
acusações, feitas mais tarde contra Klaus Fuchs, era a de
que “durante o ano de 1943, o senhor passou
informações aos representantes de uma potência
estrangeira, na cidade Birmingham”.

A primeira grande fenda aberta na Física Nuclear ocorreu


quando Rutherford e Chadwick conseguiram “partir o
átomo”, em 1931, nos laboratórios Cavendish, em
Cambridge. Rutherford, neozelandês de nascimento,
sempre fora interessado na estrutura atômica e havia
realizado seu primeiro trabalho sobre radioatividade,
entre 1898 e 1907, quando professor de Física na
Universidade McGill, em Montreal. Em face da
importância dessa pesquisa no campo da estrutura
atômica, ele foi agraciado, em 1908, com o Prêmio Nobel
de Física. Em 1919, foi nomeado professor de Física em
Cambridge, e ali seu trabalho e o do seu colaborador
provaram definitivamente o que, desde muito tempo,
acreditava ser verdade, isto é, que o átomo poderia ser
artificialmente desintegrado.

Desejamos que os leitores nos perdoem se, em nome da


clareza, recapitulamos aqui, muito sucintamente e de
forma apenas rudimentar, as bases da energia atômica.
Uma diminuta massa de substância representa uma
enorme quantidade de energia. Se uma onça de
substância pudesse ser inteiramente convertida em
calor, ela seria capaz de transformar em vapor cerca de
um milhão de toneladas de água. Assim, quando se tem
em vista qualquer libertação de energia, faz-se
necessária a produção da fissão nuclear. A desintegração
é conseguida através do processo de bombardear-se o
átomo com nêutrons. Até que Rutherford conseguisse
quebrar o núcleo de certos materiais leves,
bombardeando-os com o que era conhecido como
partículas “alfa” — produzidas espontaneamente pelo
núcleo de elementos específicos —, a maneira de se
realizar a fissão nuclear tinha dado dor de cabeça aos
cientistas. Depois disso, os colegas de Rutherford, que
pesquisavam no mesmo campo, John Cockcroft e seu
colaborador Walton, imaginaram uma espécie de
partícula “alfa” artificial, e que outra coisa não era senão
uma partícula eletrizada à qual era dada uma grande
velocidade no interior de tubo de escapamento. O
resultado das experiências com essa partícula “alfa”
artificial representou um significativo passo à frente no
conhecimento dos segredos atômicos. Daí não tardou
que o físico italiano Enrico Fermi conseguisse quebrar
átomos de urânio, reduzindo-os a átomos de lantânio,
que, comparativamente, são minúsculos. O trabalho de
Fermi levou à descoberta de que os nêutrons —
partículas de idêntica constituição dos prótons, mas sem
carga elétrica — poderiam penetrar, com facilidade, o
núcleo dos átomos mais pesados e assim provocar
transformações atômicas, e ao mesmo tempo, libertar
energia.

O problema que os físicos tiveram de resolver, neste


ponto, era que um esforço enorme seria necessário para
provocar a modificação em alguns poucos átomos, o que
tornava o processo impraticável, embora a operação
fosse de alto interesse científico. Fermi não havia
reconhecido a importância da sua experiência com o
urânio pesado e acreditara que o que fizera não passara
de uma repetição da realização de Rutherford, isto é,
conseguira apenas tirar minúsculas lascas do núcleo
atômico.

Provocar a fissão nuclear num material que fosse de fácil


desintegração e que, ao mesmo tempo, libertasse o
maior volume possível de energia, constituiu uma
preocupação que, por volta da década dos trinta, havia-
se tornado para os físicos a mesma coisa que a
descoberta da pedra filosofal fora para os alquimistas da
Idade Média. Em consequência, os físicos, nos Estados
Unidos, na França, na Alemanha, na Rússia e no Japão,
assim como na Grã-Bretanha e na Itália, concentraram-se
em suas pesquisas, tendo em vista realizar esse objetivo.
Como existe uma tradição científica, no sentido de que
as experiências, coroadas de êxito, devem ser
comunicadas (em tempos de paz) aos demais cientistas
do mundo, independentemente de sua nacionalidade,
tudo o que fora descoberto no Ocidente tornara-se, pois,
conhecido dos cientistas russos.

Os físicos russos, entretanto, mostravam-se


surpreendentemente bem informados em relação às
tremendas possibilidades que poderiam resultar da fissão
nuclear, realizada de forma relativamente fácil. E, nesse
sentido, conseguiram convencer as autoridades que lhes
proporcionassem os indispensáveis recursos técnicos
para a realização de tão relevante tarefa. Assim, a Rússia
logo providenciou a construção de novos laboratórios e
adquiriu, no exterior, moderníssimos e custosos
equipamentos. Entre 1934 e 1939, seus físicos nucleares
se destacaram, em face das experiências que realizaram,
distinguindo-se entre os pioneiros dessa revolução
tecnológica os seguintes cientistas: D. D. Ivanenko, G. N.
Tamm, N. K. Semionov e D. V. Skobeltsyn. Nenhum,
porém, tinha maior projeção que Peter Kapitsa.

Russo de nascimento, Kapitsa transferira-se para a


Inglaterra quando muito moço e, em 1921, se juntara a
Rutherford, nos laboratórios Cavendish. Por volta de
1933, tornara-se tão conceituado por suas experiências
sobre os efeitos da influência magnética sobre as
propriedades da água que as autoridades de Cambridge
decidiram proporcionar-lhe todas as facilidades para as
suas pesquisas, fornecendo-lhe um equipamento
especial no novo laboratório Mond. Não sendo um
refugiado político, as autoridades russas não criaram
obstáculo à sua viagem, quando desejou voltar à pátria.
Assim, em 1935, Kapitsa seguiu para Moscou, onde iria
realizar uma conferência científica. Quando desejou
regressar à Inglaterra, porém, negaram-lhe o visto de
saída, sob a alegação de que seus conhecimentos eram
necessários ao governo soviético. Embora, segundo se
disse na ocasião, ele preferisse muito mais ter retornado
a Cambridge, vira-se obrigado a aceitar um posto no
Instituto de Problemas Físicos em Moscou, onde logo pôs
em prática sua cultura extremamente extensa e o seu
know-how em Física Nuclear, que havia adquirido em
Cambridge. Será errôneo, portanto, alegar-se, como às
vezes tem acontecido, que a Rússia nenhuma
experiência possuía no campo da Física Nuclear e que,
para iniciar suas pesquisas, tivera de roubar todas as
suas informações ao Ocidente.

O ano de 1939 assistiu, ainda, a outro passo à frente


muito significativo, no sentido da solução do problema
que, naquela época, preocupava os físicos nucleares. Na
Alemanha, Otto Hahn descobrira o que é conhecido como
a reação em cadeia. Bombardeando o urânio com
nêutrons, o núcleo fora dividido em duas partes, e estas
se separaram com grande energia, libertando, ao mesmo
tempo, os nêutrons, os quais, por sua vez e em certas
circunstâncias, eram capazes de dividir outros átomos. A
possibilidade de dividir todos os átomos num conjunto de
urânio, o que significava a liberação de um enorme
volume de energia, estava, pois, à vista. A investigação
dessas possibilidades tornara claro que, tão logo um
método de controlar a operação fosse descoberto, uma
bomba atômica poderia ser fabricada. E isso ocorreu
quando a maior guerra de todos os tempos acabava de
irromper.

O urânio é integrado por três isótopos — isto é, átomos


de diferente constituição, tendo as mesmas propriedades
químicas —, e a descoberta que se seguiu foi a de que
somente um urânio — o urânio 235 — seria adequado
para a fabricação dessa bomba. A separação desse
isótopo constitui um processo dos mais monótonos e
custosos. O problema que os físicos tinham de enfrentar,
então, era o de separar do urânio um volume
suficientemente grande do isótopo 235. Este é o trabalho
que, neste momento, está sendo realizado, em larga
escala, nos Estados Unidos.

O urânio, em si mesmo, é derivado, em grande parte, da


pechblenda, da qual existem largos depósitos no Canadá
e no que foi o Congo Belga. Em 1940, um comitê de
investigações de cientistas foi instituído na Grã-Bretanha,
tendo como presidente Sir George Thomson. Em meados
de 1941, o Comitê Thomson apresentou um relatório que
concluía pela exequibilidade de uma arma militar
baseada na energia atômica. Endossado pelo Gabinete
da Guerra, o projeto foi então confiado ao Departamento
de Pesquisas Científicas e Industriais. Em outubro de
1941, o Presidente Roosevelt sugeriu a Churchill que o
trabalho deveria ser levado a efeito, conjuntamente,
pelos Estados Unidos e a Grã-Bretanha. Uma missão
norte- americana visitou a Inglaterra em novembro de
1941, enquanto cientistas britânicos estiveram nos
Estados Unidos em fevereiro de 1942. Como resultado
desses contatos, um acordo foi estabelecido para a
manufatura conjunta de bombas atômicas. Enormes
fábricas se instalaram, então, nos Estados Unidos e no
Canadá. Assim, os trabalhos tiveram início em Montreal e
Chalk River, no Canadá; e em Oak Ridge, no Tennessee,
em Los Alamos, no Novo México, e em outros lugares,
nos Estados Unidos, tendo por finalidade a realização do
denominado Projeto da Energia Atômica. Os cientistas
britânicos passaram a cruzar o Atlântico para trabalhar,
tanto nos estabelecimentos canadenses quanto nos
norte-americanos, e a colaboração dos dois países
obteve tão grande êxito que os estágios finais da
fabricação da bomba foram atingidos por volta de 1943.

Simultaneamente, porém, alguns cientistas alemães e


outros japoneses tentavam bater os anglo-saxões nessa
corrida. Os alemães foram prejudicados em suas
pesquisas, em face da destruição das suas fábricas de
água-pesada na Noruega, levada a efeito pela
Resistência Norueguesa, sob a direção do SOE. Os
japoneses, por sua vez, revelavam-se muito atrasados
em suas pesquisas, para constituírem qualquer ameaça.
Os russos também tinha sofrido graves recuos em face
da guerra, pois seus principais laboratórios tiveram de
ser fechados, quando, poucas semanas após o
irrompimento do conflito russo- germânico, Leningrado —
onde eles se achavam instalados — fora sitiada. Os
alemães destruíram, igualmente, os laboratórios de
Carkov, embora os soviéticos houvessem conseguido
evacuar todo o seu equipamento antes da chegada dos
nazistas. Durante os seis meses seguintes, quando
Moscou esteve ameaçada, os laboratórios ali existentes
ficaram também paralisados e, considerando a situação
em conjunto, esses acontecimentos fizeram com que a
pesquisa nuclear soviética ficasse bem atrás da do
Ocidente.

Não se descobriu até hoje quem teve a idéia de não


tornar disponível para os russos os progressos realizados
pelos cientistas anglo-norte-americanos. A própria Rússia
não demorou a descobrir que estava sendo posta de lado
na corrida nuclear e, daquele momento em diante, ao
invés de perder tempo com tentativas de persuasão,
tomara logo providências para obter as informações, que
lhe eram negadas, através da espionagem. Desse modo,
um departamento especial foi organizado — conhecido
como Divisão Atômica — para organizar a coleta dos
segredos atômicos.

A técnica adotada pelos russos responde, melhor do que


qualquer argumento, à pergunta sobre se o método da
espionagem teria sido usado, caso eles não tivessem a
certeza de que a sua infiltração nos círculos científicos da
Grã-Bretanha e dos Estados Unidos havia tornado essa
tarefa uma das mais fáceis de ser executada. De fato,
nenhuma rede especial foi estabelecida para realizar
essa tarefa. Mobilizaram-se as já existentes, tanto no
Canadá como nos Estados Unidos. A única coisa que
seria necessário fazer era intensificar as atividades dos
anéis canadenses e, com esse objetivo, foram eles
postos em conexão com as redes que atuavam em
território norte-americano. O Major Sokolov, responsável
pela organização canadense, era, por sua vez, dirigido
por Pavel Mikhailov, que operava do consulado russo em
Nova York. Ele havia feito mais do que qualquer outro, no
período inicial, para estabelecer a rede canadense, pois
estava equipado com um transmissor e agia como
veículo de comunicação entre Ottawa e Moscou. Para
Mikhailov fora fácil entrar em contato com a embaixada
russa em Ottawa, já que estava envolvido também na
organização do Programa Canadense de Ajuda Mútua à
Rússia.

O diretor da espionagem militar era Sergei Koudrivtzev,


cuja cobertura era o posto de primeiro-secretário da
legação. Era ele quem dera ordens a Sokolov, no período
inicial do estabelecimento da rede, até a chegada do
Coronel Zabotin como adido militar, em 1943. A chegada
de Zabotin a Ottawa coincidira tanto com a decisão russa
de expandir suas redes como com a ida dos cientistas
britânicos para o Canadá. Zabotin seria quem, no final,
iria projetar-se como o verdadeiro vilão no drama
canadense.

Com a extensão dada ao papel das redes canadenses, os


velhos e fiéis Sam Carr e Fred Rose, por fim, se sentiram
em casa. O último era então membro do Parlamento e,
em face disso, encontrava-se em situação de ser muito
mais útil aos soviéticos do que o fora antes. Achava-se
numa posição privilegiada para obter informações oficiais
sem despertar suspeitas. Foi Rose quem chamou a
atenção de Zabotin para David Lunan, editor do
Canadian Affairs — jornal dedicado a assuntos militares
— e que se iria mostrar de incalculável valor, ao sugerir
recrutas para a rede. Graças aos esforços desse jornalista
e à cooperação de Rose, uma célula de cientistas fora
organizada, num reduzido espaço de tempo. Entre os
integrantes dessa rede achava-se o maior técnico em
explosivos do continente americano, o Professor
Raymond Boyer, da Universidade McGill.

Foi Boyer quem forneceu a Moscou as seguintes


informações: uma nova fábrica estava sendo construída
em Grand Mère,  *  em Quebec, para a produção de
urânio; os engenheiros que nela iriam trabalhar seriam
recrutados na Universidade McGill; e experiências já
realizadas haviam provado que o urânio podia ser usado
para “encher bombas”.

Essas informações, chegadas ao Centro em princípios de


1943, fizeram com que Moscou passasse a solicitar,
então, de forma perfeitamente franca, ao governo dos
Estados Unidos, através da Comissão Soviética de
Compras, dezesseis toneladas de urânio. Alegavam os
russos que seus cientistas necessitavam
desesperadamente desse material, a fim de prosseguir
em suas experiências. As autoridades norte-americanas
não atenderam à solicitação. Explicaram que havia
escassez de urânio no mercado e, por isso, nenhuma
quantidade poderia ser cedida. Essa resposta não
detivera os russos, que passaram a repetir a solicitação,
com pequenos intervalos, durante todo aquele ano. Em
abril de 1944, o Secretário de Estado para a Guerra,
Stimson, enviara a seguinte resposta ao chefe da
Comissão de Compras:

Prezado General Rudenko. Lamento informar-lhe que nos


encontramos impossibilitados de atender à solicitação,
contida em sua carta de 31 de março, de alguns
componentes do urânio.

Fizemos um cuidadoso levantamento da situação e


chegamos à conclusão de que nossos estoques desse
material não são suficientes para fazer frente a esse
pedido.
Asseguro-lhe que terei em mente as necessidades da
Rússia e o informaremos de qualquer alteração verificada
no volume dos nossos estoques.

Os governos dos Estados Unidos e do Canadá, porém,


não dispunham de controle sobre os suprimentos de
urânio, e inquéritos levados a efeito nos mercados de
ambos os países revelaram que, naquela época, existiam
estoques disponíveis desse precioso material. Por motivo
hoje difícil de ser entendido — o de que a proibição das
exportações de urânio despertaria, sem necessidade, a
curiosidade soviética —, nenhum embargo foi imposto
aos embarques de urânio. Na realidade, por ocasião do
encaminhamento da primeira solicitação soviética, no
volume de dezesseis toneladas, outro pedido fora
simultaneamente feito, pelos russos, ao diretor do
estabelecimento atômico americano, no volume de
quatro quintais de urânio. Essa encomenda fora
atendida, assim como acontecera com uma segunda. No
Canadá, a Comissão Soviética de Compras também
obtivera êxito, ao adquirir aproximadamente meia
tonelada, valendo-se do mesmo recurso. Esses fatos
compõem um retrato muito nítido da confusão que
reinava nos círculos oficiais do Ocidente — confusão esta
que contribuiu enormemente para facilitar a tarefa de
acelerar as pesquisas nucleares, a cargo da Divisão
Atômica do Serviço Secreto Soviético.

Entretanto o que tornou a tarefa dos russos ainda mais


fácil foi o fato de que, tanto nas fábricas norte-
americanas como nas canadenses, existiam cientistas,
de alta categoria, que eram comunistas ou tinham
simpatia pelos comunistas, e se mostravam dispostos a
entregar qualquer segredo que os russos solicitassem.
Em primeiro lugar, deve ser citado o inglês Dr. Allan Nunn
May. Nunn May nascera em 1912 e, quando atingira a
maturidade, a depressão econômica da década dos trinta
refletia-se de maneira desastrosa na Inglaterra, como,
aliás, em todas as regiões do mundo. Seus efeitos
negativos se faziam sentir de diferentes maneiras. Muitas
pessoas perderam a esperança de qualquer recuperação
e deixaram-se vencer pelo cansaço. Outras decidiram-se
pela luta e se reabilitaram, reabilitando a nação. Nunn
May, porém, tornou-se um comunista secreto.

Tratava-se de um brilhante físico, doutor em Filosofia por


Cambridge, onde cursara o Trinity College. Em 1942,
tornara-se membro de uma equipe que trabalhava nos
Laboratórios Cavendish, em conexão com o que era
chamado Projeto Tubo de Liga (fissão nuclear). Em
janeiro de 1943, acompanhou um grupo de cientistas
britânicos, chefiados pelo Dr. Halban — antigo colega do
renomado cientista francês Joliot-Curie que, mais tarde,
se revelou comunista —, ao Canadá. Posteriormente,
visitou os Estados Unidos, onde colaborou com cientistas
norte-americanos que trabalhavam na fabricação da
bomba.

Em segundo lugar, vinha o Dr. Klaus Fuchs, que fugira da


Alemanha por ser antinazista. Fora para a Inglaterra e,
dada a escassez de físicos ali, foi, em meados da década
dos trinta, recrutado para trabalhar numa das equipes
atômicas britânicas. Exercia sua atividade, primeiro em
Glasgow e, depois, em Birmingham, sob a direção de
outro refugiado alemão e antigo conhecido de Fuchs,
Rudolf Peierls.

Naturalmente, Fuchs fora vetado pelas autoridades


britânicas, antes de ter permissão para trabalhar
naqueles projetos altamente secretos. Por alguma razão,
a Segurança não descobrira que ele, como jovem
estudante, havia sido membro de um grupo de
comunistas clandestinos na Alemanha, e nem que, logo
após chegar à Inglaterra, entrara em contato com
Semion Kremer, secretário do adido militar russo em
Londres.

Esses dois homens se encontraram pela primeira vez em


maio ou junho de 1942 e, durante os dezoito meses
decorridos daquela data até o dia em que o cientista foi
enviado para trabalhar nos Estados Unidos, Fuchs
entregava a Kremer cópias dos seus relatórios mensais.
Fuchs desembarcou nos Estados Unidos, em dezembro
de 1943, com a luz verde que os ingleses lhe haviam
concedido, sendo designado, a princípio, para a
Universidade de Columbia, em Nova York, e, depois, para
a fábrica atômica em Los Alamos. Nos Estados Unidos,
mantinha contato com a espionagem soviética, através
de um membro da rede americana, Harry Gold, de
Filadélfia, e, até que retornou à Inglaterra, em 1946,
passou regularmente informações secretas para os
russos.

Em terceiro lugar, vamos encontrar Bruno Pontecorvo,


italiano, discípulo do famoso físico Enrico Fermi e que,
em 1927, transferiu-se para a França, a fim de trabalhar
sob a orientação de Joliot-Curie e de outro cientista
comunista, Longevin. Na França, aderiu a um grupo de
refugiados italianos da ala esquerda extremista. Quando
era iminente a invasão da França pelos alemães,
Pontecorvo fugiu para os Estados Unidos, onde
desembarcou no verão de 1940. Em 1943, foi enviado ao
Canadá para trabalhar em projetos atômicos,
permanecendo ali até 1949.
Embora as redes soviéticas, nos Estados Unidos e no
Canadá, fossem teoricamente duas entidades separadas,
trabalhavam juntas, entretanto, no campo da
espionagem atômica, o que era uma atitude de perfeito
bom senso. Enquanto Zabotin permanecera no controle
da rede canadense, trabalhara muito estreitamente com
o agente que o Centro enviara para Nova York, em
princípios de 1944, para assumir a direção da
espionagem atômica nos Estados Unidos. Seu nome era
Anatoli Yakovlev, que recebeu, como cobertura, o posto
de vice-cônsul em Nova York. Ao desembarcar nos
Estados Unidos, logo passara a desempenhar as funções
exercidas até então pelo homem que havia demonstrado
tremendo vigor e senso de julgamento ao organizar o
“aparato” americano — Semion Semionov —, a cujos
trabalhos a Divisão Atômica muito devia.

A rede de Yakovlev nos Estados Unidos incluía quatro


destacados espiões comunistas norte-americanos —
Harry Gold, David Greenglass e o casal Julius e Ethel
Rosenberg. O quarteto era integrado, pois, de comunistas
e de agentes de grande experiência, mas deve-se
provavelmente mais à experiência de que dispunham do
que às posições que ocupavam e que os colocaram em
boas condições para a execução do seu trabalho, o fato
de haverem sido selecionados para cooperar com
Yakovlev.

Harry Gold nascera em Berna, mas seus pais eram


russos. Sua família emigrara para a América, quando ele
ainda era criança. Nos Estados Unidos, o nome da família
foi mudado de Golodnotzky para Gold. Harry recebera
boa educação universitária e técnica nos Estados Unidos.
Desenvolveu tendências esquerdistas e, em 1935,
abordado por uma agência de espionagem soviética nos
Estados Unidos, concordara em cooperar. Durante a
juventude, Gold especializara-se em roubar segredos
químicos industriais. Por esse motivo, Yakovlev o
escolhera para agir como intermediário entre a rede e
Fuchs.

David Greenglass, na mocidade, fora membro da Liga da


Juventude Comunista da América. Esse pormenor parece
ter escapado igualmente ao FBI, pois, quando os Estados
Unidos entraram na guerra, em dezembro de 1941, ele
foi convocado, recebeu treinamento técnico e, em julho
de 1944, designaram-no para trabalhar no Projeto
Distrito de Manhattan, em Oak Ridge, no Tennessee. Sua
irmã era Ethel Rosenberg, sob cuja influência ele
rapidamente assumiu o encargo de divulgar os segredos
do seu próprio trabalho.

Julius Rosenberg havia sido comunista — e um comunista


extremamente ardente — desde os primeiros dias do
comunismo nos Estados Unidos. Fora, igualmente, um
dos pioneiros da espionagem naquele país e já obtivera
grandes êxitos em colher segredos sobre o radar antes
que recebesse ordens para mergulhar na clandestinidade
— o que ocorreu após a designação do seu cunhado para
Oak Ridge —, a fim de se concentrar em espionagem
atômica. Foi quem converteu Ethel Greenglass ao
comunismo, e então se casaram. Ethel haveria de se
mostrar inestimável em persuadir o irmão mais moço a
fornecer os segredos vitais do seu trabalho aos russos.

Adidos ao grupo Rosenberg achavam-se também


Abraham Borthman, Miriam Moskowitz e Morton Sobell.
Esse grupo, porém, era apenas um dos três da rede
norte-americana. No Laboratório de Radiação da
Universidade da Califórnia, Vasili Zubilin, da embaixada
soviética em Washington, organizara um grupo do Partido
Comunista e de comunistas secretos, que colocara sob a
direção de dois funcionários do consulado em São
Francisco: Grigori Kheifets e Peter Ivanov. Entre seus
agentes destacados, achava-se Steve Nelson, chefe do
grupo que atuava no Laboratório de Radiação, do qual a
principal fonte de informação era Joseph Weinberg, físico
de pesquisa. Ele tentou, mesmo, recrutar os serviços do
Dr. J. Robert Oppenheimer, que deveria ser o futuro
diretor de Los Alamos, a mais importante das fábricas
atômicas norte-americanas. Oppenheimer recusou-se a
cooperar e levou o fato ao conhecimento do diretor do
Projeto Distrito de Manhattan, resultando daí que o FBI
começou a vigiar Nelson, embora, por considerável
tempo, nenhuma providência fosse tomada.

O terceiro grupo achava-se concentrado em Chicago,


onde as pesquisas atômicas estavam igualmente em
progresso. Na ausência de consulado naquela cidade, os
russos puseram um agente profissional como líder do
grupo — Arthur Adams. Adams era espião de longa
experiência, mas, por volta de 1942, aproximando-se dos
sessenta anos, sofria intensamente de reumatismo e,
nessas condições, mostrava-se de certa forma
prejudicado. Sua fonte principal era uma comunista
norte-americana, Clarence Hiskey, química que
trabalhava nos Laboratórios Metalúrgicos empenhados
na produção, em larga escala, de plutônio para bombas
atômicas.

Em 1944, as atividades de espionagem de Hiskey


chamaram a atenção do FBI. Parece incrível, mas tudo o
que aconteceu a essa química foi ser ela convocada para
o serviço ativo no Exército e enviada para o Alasca. Antes
de partir, conseguira convencer John Chapin, outro
químico que trabalhava no mesmo laboratório de
Chicago, a assumir suas funções de espião para os
russos. Chapin, por sua vez, igualmente comprometido,
fez com que as atividades de Adam fossem reveladas.
Naqueles dias, porém, a administração dos Estados
Unidos não processava conhecidos espiões soviéticos, e
Adam teve permissão para deixar o país.

No Canadá, Zabotin, com a assistência do Major Rogov,


membro do seu Estado-Maior, tinha organizado um
pequeno mas compacto grupo integrado por quatro
funcionários do governo canadense. O chefe do grupo
era Durnford Smith, engenheiro pesquisador do Conselho
Nacional de Pesquisas; Ned Mazerall, membro da mesma
instituição; Isador Halperin, técnico em artilharia, que
tinha acesso às informações secretas enviadas pelo
Estabelecimento do Desenvolvimento e Pesquisa do
Exército do Canadá; e David Lunan, já mencionado,
editor do Canadian Affairs. Lunan colhia as informações
fornecidas pelos outros três e as entregava a Rogov, que,
por sua vez, as passava a Zabotin.

Entre os contatos desses quatro achava-se Raymond


Boyer, também mencionado anteriormente, que era
considerado, por seus superiores, o astro do grupo.
Existia ainda James Benning, que trabalhava no
Departamento de Munições, com a tarefa de preparar as
previsões trimestrais da produção de guerra, e o cunhado
de Benning, Harold Gerson, empregado numa empresa
da Coroa Britânica, especializada em fabricar produtos
químicos e explosivos. Havia mais Eric Adams, que
ocupava um posto confidencial no Banco do Canadá,
investigando planos industriais para fins de
financiamento; Matthias Nightingale, que poderia
fornecer informações sobre todas as bases aéreas
canadenses; David Shugar, técnico em radar; e, em
escalão mais baixo, Agatha Capman, funcionária do
Banco do Canadá, que agia como intermediária.
Com exceção de Agatha Capman, todos os mencionados,
embora não sendo membros da rede, eram, como Nunn
May e Fuchs, fontes de informação extremamente
valiosas, das quais procediam todos os segredos de
relevância.

Constitui outro mistério o fato de que as atividades de


qualquer dessas pessoas, quer no Canadá, quer nos
Estados Unidos, não tivessem sido conhecidas das
agências de contraespionagem de ambos os países, e
talvez nunca o seriam, a não ser por um estranho
acidente, ao qual faremos referência. Todos eles
trabalhavam com incansável dedicação em suas tarefas
e, mais ou menos na época em que a bomba atômica
fora detonada contra Hiroshima, haviam passado para
Moscou todas as informações importantes, tanto sobre a
composição da bomba como sua potência, com exceção
talvez de apenas uma ou duas pequenas características.

Somente no fim da guerra é que a Rússia pôde tirar


vantagem dessas informações no campo atômico. Não
obstante isso, segundo se calcula, os soviéticos
ganharam pelos menos dez anos de esforço e de
pesquisa, em face dessa bem sucedida safra da sua
espionagem. Esse período poderia ainda ser maior, se
não tivesse havido a deserção de Igor Gouzenko.

No dia 7 de setembro de 1945, as autoridades de Ottawa


tomaram conhecimento da existência de Igor Gouzenko.
Tratava-se de um simples encarregado de cifragem da
correspondência da Embaixada soviética, e a polícia
canadense só soube de sua permanência no país porque
ele solicitara, para si, para a esposa e para o filho
pequeno, a proteção do governo do Canadá. Quando lhe
perguntaram por que necessitava daquela proteção,
respondeu que estava de posse de provas documentais
que evidenciavam, além de qualquer dúvida, a existência
de uma rede de espionagem atômica operando no país.
Quando as autoridades se certificaram de que ele
roubara essas provas dos arquivos secretos da
Embaixada, a proteção solicitada lhe foi concedida.

Gouzenko permanecera no Canadá por dois anos e,


segundo tudo faz crer, convertera-se, durante esse
período, em admirador dos ideais da democracia
ocidental. Essa mudança em seu modo de pensar
provocou nele uma correspondente alteração de
sentimentos. Daí a razão por que decidiu abandonar
tanto os russos quanto seus trabalhos secretos.

Ao deixar a Embaixada soviética, na noite de 5 de


setembro de 1945, fê-lo pela última vez. Já havia
planejado como agir. Levou consigo uma valise, repleta
de fichas secretas, todas relativas à rede de espionagem
atômica que, por mais de três anos, operava no país. Da
Embaixada soviética seguiu diretamente para a redação
de um dos principais jornais de Ottawa, onde revelou seu
drama e ofereceu as provas que o confirmavam. Os
jornalistas não acreditaram em sua denúncia e lhe
pediram que se retirasse.

Seguiu então para o seu apartamento e, não ignorando o


que lhe poderia acontecer, logo que os representantes
soviéticos notassem sua ausência, juntamente com a
falta dos arquivos — o que seria uma questão de horas
—, passou o dia seguinte percorrendo diferentes
departamentos do governo canadense e, nessa via
crucis, só foi recebido com aquela espécie de riso
complacente habitualmente concedida aos que alegam
ser Napoleão. Tarde, nessa noite, voltou outra vez ao
jornal que visitara na véspera e teve idêntica má
acolhida. Sem saber o que fazer, fechou-se com a família
no apartamento. Mal tinha tomado essa providência,
ouviu baterem na porta. Fez sinal à esposa para que se
conservasse sem fazer qualquer ruído, de modo a dar a
impressão de que o apartamento estivesse vazio.
Desgraçadamente, seu filho, de quatro anos, correu, com
algazarra, através do assoalho de tacos. O homem que
se encontrava à porta gritou então chamando-o, e
Gouzenko reconheceu a voz. Era um dos motoristas da
Embaixada. O chofer retirou-se, quando verificou que
ninguém lhe respondia.

Depois que o motorista já se havia afastado, Gouzenko


chegou ao balcão da janela e entrou em contato com seu
vizinho de apartamento, um sargento da Força Aérea
Canadense, chamado Main. Disse-lhe que estava
temeroso por sua vida. Descreveu o que tinha havido e
lhe pediu abrigo para a família, durante a noite. O
sargento acreditou no que ouviu e abrigou os Gouzenko.
Mais tarde, foram eles transferidos para o apartamento
de outro vizinho, e Main saiu em busca da polícia. Pouco
depois, chegaram dois policiais e, após ligeiro
interrogatório, concordaram em manter o bloco de
apartamentos sob vigilância.

Por volta das onze e meia dessa mesma noite, Main


ouviu vozes do lado de fora, no corredor. Pensando que
era a polícia que voltava, chegou à porta e viu quatro
homens que se esforçavam por arrombar a entrada do
apartamento de Gouzenko. Deu o sinal de pedido de
socorro, que combinara com a polícia, e, quando esta
chegou, encontrou os quatro homens dando uma busca
no apartamento. Interpelados, responderam que eram
funcionários da Embaixada soviética e tinham permissão
de um colega, que se encontrava ausente, em Toronto,
para entrar em seu apartamento, a fim de apanhar
alguns papéis importantes. Os policiais mandaram
chamar o inspetor.

O inspetor, ao chegar, pediu aos quatro homens que se


identificassem, o que eles fizeram sem protesto. Pedindo-
lhes para se conservarem onde estavam, retirou-se, a fim
de fazer algumas investigações. Enquanto estava
ausente, os soviéticos saíram, e a polícia, que vigiava o
apartamento, nenhuma tentativa fez para detê-los.

No dia 8 de setembro, o Departamento para os Negócios


Externos do Canadá recebia uma nota da Embaixada
soviética, explicando a visita de funcionários da
representação ao apartamento de Gouzenko, declarando
ser o mesmo um ladrão comum que havia roubado certa
quantia em dinheiro da Embaixada e queixando-se do
comportamento da polícia, que se recusara a reconhecer
as imunidades diplomáticas daqueles funcionários. A
Embaixada solicitava às autoridades canadenses que
tomassem todas as providências para prender Gouzenko,
a fim de que ele pudesse ser deportado para a Rússia.

Na manhã do dia anterior, entretanto, Gouzenko havia


revelado toda a sua história à Polícia Montada
canadense, entregando-lhe a documentação que tinha
em seu poder. Desta vez, a polícia acreditou no que ele
dissera, e as autoridades, profundamente abaladas,
viram-se na posse de detalhes do que tem sido descrito
como “a maior e a mais perigosa conspiração de
espionagem já conhecida no Canadá, quer em tempo de
paz, quer em tempo de guerra”.

As revelações de Gouzenko puseram à mostra, pela


primeira vez, o método e a técnica da espionagem
soviética. Os detalhes foram tornados públicos, através
do Relatório da Comissão Real, que o governo canadense
subsequentemente instituíra para apurar a questão.
Outro resultado, igualmente importante, da atitude de
Gouzenko foi o fato de que, praticamente, toda a rede de
espionagem atômica em ação no Canadá ficara
comprometida. A batida geral, para prender os
implicados, teve início no dia 15 de fevereiro de 1946,
dia este em que o Comandante Burt, chefe da Divisão
Especial da Scotland Yard, fez uma visita a Nunn May, no
Edifício Shell-Mex, em Londres.

Após a detonação da bomba atômica sobre o Japão, os


ingleses e os canadenses começaram a desempenhar
papéis menos importantes nos projetos atômicos
conjuntos, e Nunn May fora recambiado para Londres.
Zabotin soubera da sua iminente partida e comunicara o
fato ao Centro, o qual, não desejando perder de vista um
homem que havia sido de tão grande utilidade para a
organização, tomou providências para que ele fosse
procurado, por um dos seus agentes, em Londres.

Na sua primeira entrevista com Nunn May, o


Comandante Burt simplesmente lhe perguntara se, em
sua opinião, verificara-se qualquer transpiração de
informações atômicas, enquanto estivera no Canadá.
Nunn May respondeu que nunca soubera de tal coisa e
negou que alguma vez tivesse sido abordado por agentes
soviéticos. Burt, porém, estava bem informado sobre o
caso. Entre os documentos entregues por Gouzenko á
polícia canadense, encontravam-se os seguintes
telegramas, de Zabotin para o Centro:

31/7/45 Para o Diretor


Já estabelecemos as condições para um encontro com
Alek (nome falso de Nunn May) em Londres. Alek irá
trabalhar no Kings College, no Strand. Será possível
encontrá-lo ali, através do catálogo de telefones.

Encontro: 7/17/27 na rua em frente ao Museu Britânico.


Tempo: onze horas da noite. Sinais de identificação: um
jornal sob o braço esquerdo. Senha: cumprimentos a
Mikel (Maikl). Ele não pode ficar no Canadá. Em princípio
de setembro, deve seguir, de avião, para Londres. Antes
da sua partida, irá à Fábrica de Urânio, no distrito de
Petawerwa, onde ficará cerca de duas semanas. Ele
prometeu, se possível, encontrar-se conosco antes da
partida. Disse que deve vir, no próximo ano, para o
Canadá. Entregamos a ele 500 dólares.

Para Grant (_Zabotin)

Referência n.° 244

As providências tomadas para o encontro não são


satisfatórias. Envio-lhe as que devem ser tomadas.

1 — Local:

Em frente ao Museu Britânico, em Londres, em Great


Russell Street, no lado oposto da rua, perto da Museum
Street, do lado de Tottenham Court Road, repito
Tottenham Court Road. Alek virá de Tottenham Court
Road e o contato do lado oposto — Southampton Row.

2 — Tempo:

Como indicado em seu telegrama, seria mais


conveniente realizar o encontro às 20 horas, se for fácil
para Alek, pois, às 23 horas é muito escuro. Em relação
ao tempo, entre em entendimento com Alek e me
comunique a decisão. No caso de que o encontro não
deva realizar-se em outubro, a hora e o dia serão
repetidos nos meses seguintes.

3 — Sinais de identificação:

Alek levará sob o braço esquerdo um exemplar de The


Times e o contato terá, em sua mão esquerda, a revista
Picture Post.

4 — Senha:

O contato dirá: "Qual o caminho mais curto para o


Strand?” Alek responderá: "Bem, venha comigo. Também
vou para lá.” Ao iniciar a conversa, Alek dirá:
"Cumprimentos de Mikel.”

Informar sobre a transmissão das condições a Alek.

18/8 Diretor 22/8/45 Grant

Burt não permaneceu muito tempo com Nunn May, mas


o conservou sob vigilância nos cinco dias seguintes,
durante os quais o vigiado nada fez que o pudesse
comprometer. Entrementes, mais informações chegaram
às mãos do comandante, vindas do Canadá, e, nessas
condições, fez uma segunda visita ao Edifício Shell-Mex.
De maneira perfeitamente brusca, Burt declarou a Nunn
May que tinha motivos para acreditar que ele devia
encontrar-se com um contato russo, perto do Museu
Britânico, mas que não comparecera à entrevista. Em
face dessa declaração, e antes mesmo que qualquer
gesto pudesse ser feito, no sentido de prendê-lo, Nunn
May disse que desejava confessar tudo.
Seu julgamento se realizou no Tribunal Criminal Central,
em Old Bailey, Londres, no mês de março de 1946.
Confessou-se culpado das acusações, que lhe haviam
sido imputadas, de “transmitir informações a pessoas
não autorizadas a recebe-las”, e foi condenado a dez
anos de prisão.

Embora a maioria dos agentes que operavam no Canadá


tivesse sido recolhida, nada, porém, nas revelações de
Gouzenko nem nas confissões feitas pelos espiões
detidos, dava a entender que o Dr. Klaus Fuchs tivesse
qualquer conexão com a rede. Nessas condições, ele
poderia nunca ter sido descoberto, não fosse um terrível
disparate cometido pelo delegado soviético, numa
reunião da Comissão de Energia Atômica das Nações
Unidas. Esse delegado revelara, em discurso, que a
Rússia tinha acesso aos segredos que os Estados Unidos
acreditavam estarem absolutamente seguros. A caçada
teve logo início.

Estava claro, através da admissão do técnico soviético,


que as informações não haviam sido fornecidas por Nunn
May, e, assim sendo, era igualmente claro que as
revelações de Gouzenko não tinham abrangido todos os
agentes soviéticos que trabalhavam sob as ordens de
Zabotin. Por um processo de eliminação, o FBI foi
estreitando sua busca a duas ou três possibilidades, uma
das quais era Fuchs.

Fuchs retornara à Inglaterra em meados de 1946 e


passara a trabalhar no Instituto de Energia Atômica, em
Harwell, sob a direção do Dr. Cockcroft. Reabrira seus
contatos com a rede soviética na Grã-Bretanha e
prosseguira entregando, aos agentes russos, informações
de importância vital. No fim de 1947, entretanto,
começou a alimentar dúvidas sobre a política e as
intenções da Rússia e, breve, deixava de comparecer aos
encontros com os contatos soviéticos. Nessa ocasião,
porém, as rodas do destino haviam começado a girar em
seu desfavor.

Não foi senão em 1949, entretanto, que o FBI conseguiu


colocar os ingleses no encalço do Dr. Fuchs. Como Nunn
May, ele era vigiado, mas nada que fazia podia
comprometê-lo. Quando, porém, as autoridades da
Divisão Especial efetivamente o interrogaram, fez uma
confissão completa. Foi condenado a quatorze anos de
prisão.

O terceiro desse perigosíssimo trio de cientistas, Bruno


Pontecorvo, continuava, entretanto, em liberdade e
operando. Durante o julgamento de Fuchs, trabalhava
ainda nos Estados Unidos, mas logo depois retornara à
Inglaterra. Não tinha voltado havia muito tempo, quando
um seu amigo — que fora comunista — dos Estados
Unidos denunciou às autoridades todas as suas
atividades e conexões em favor da Rússia. O FBI não
tomou qualquer providência, a não ser fazer uma
advertência aos ingleses, os quais, por sua vez, sem
qualquer razão explicável, permaneceram inativos.

Dois anos mais tarde, enquanto ainda trabalhando em


tarefas secretas em Harwell e passando informações
regularmente para a rede soviética na Grã-Bretanha,
Pontecorvo solicitou licença para levar a família para
umas férias no continente. Tendo viajado de automóvel,
através da França para Roma, ali tomou um avião, de
uma empresa aérea civil, seguindo para Helsinque. Na
capital finlandesa, autoridades soviéticas já o
aguardavam, e foi levado para a Rússia.
Cabe, sem dúvida, a esses três cientistas, em grande
parte, a responsabilidade pelo progresso realizado pelos
soviéticos em Física Nuclear. Muito da atual tensão
internacional deriva da espionagem levada a efeito por
Nunn May, Fuchs e Pontecorvo.

A despeito do fato de que existia estreita colaboração


entre as redes que operavam no Canadá e nos Estados
Unidos, Gouzenko, ao fazer suas revelações, nada dissera
sobre a existência da organização que funcionava em
território norte-americano. Deve-se esse fato quase
inteiramente à insistência de Yakovlev — insistência a
qualquer custo — sobre a necessidade de uma constante
observância das normas de segurança. Não pode existir,
na realidade, melhor comprovação da minha afirmativa
de que “a segurança é o material de vida do espião” —
em razão da qual fui com frequência importunado por
antigos colegas profissionais — do que o que aconteceu
no caso da rede de Yakovlev. Não deixa de ser irônico
que, ao se verificar, por parte dele, a primeira quebra na
observância dessas normas de segurança, toda a sua
rede se desmantelou, como um castelo de cartas.

Harry Gold já havia atraído a atenção do FBI, em 1947, e


seus policiais tinham mesmo realizado com ele uma
entrevista, em sua residência de Filadélfia. Gold, porém,
conseguira convencê-los de que tudo não passava de
equívoco, e os agentes do FBI acreditaram em suas
palavras. Não foi senão depois de Fuchs ter sido preso e
falado que Gold surgiu outra vez em cena, o que não
teria sido possível, sem o fato de Yakovlev, cerca de
quatro anos antes, haver negligenciado importantes
normas de segurança.

Alguns dias antes da explosão da primeira bomba


atômica em 1945, David Greenglass, na fábrica de Los
Alamos, preparara um relatório altamente importante,
que Yakovlev desejava desesperadamente enviar para
Moscou. Um correio, Ann Sidorovich, fora destacado por
ele para ir receber esse documento, mas, por qualquer
razão, essa mulher não pudera realizar a tarefa. Ao invés
de esperar até que ela pudesse fazê-lo, e,
aparentemente, não dispondo no momento de outro
intermediário, Yakovlev dera instruções a Gold, que era o
emissário para Fuchs, de se incumbir dessa missão.

Quando Fuchs foi preso, mencionou Gold como sendo o


seu intermediário. Em consequência disso, ele foi detido
e, por causa dessa sua única ida a Los Alamos, fez
referência a Greenglass. Este, pressionado pela polícia,
também confessou e mencionou Julius e Ethel
Rosenberg. O FBI, então, entrou em atividade. Com
Rosenberg, seus policiais detiveram também a maioria
dos membros da rede. Quando os julgamentos
terminaram, os Rosenbergs foram condenados à morte,
sendo executados em 1953; Gold e Sobell tiveram uma
sentença de trinta anos de prisão; Greenglass, de quinze;
Abraham Borthman, de sete; e Miriam Moskowitz, de dois
anos de encarceramento.

Em relação aos russos envolvidos no caso, Zabotin


permaneceu no Canadá por algum tempo, após a
defecção de Gouzenko. Ignorava quantos documentos
Gouzenko retirara dos arquivos, já que grande número de
fichas estava assinalado no fichário como oficialmente
queimadas. As autoridades canadenses, por seu lado,
sentiram-se em dificuldade para agir com presteza. É
que, em todos os documentos apresentados por
Gouzenko, os agentes figuravam apenas com seus
nomes falsos. Nessas condições, muitos meses foram
necessários para a respectiva identificação. Somente
quando as prisões tiveram início e que o Centro fechou o
quartel-general de Zabotin, integrado por quinze
agentes, e os chamou de volta à Rússia. Zabotin, ao
chegar à pátria, foi julgado e condenado a quatro anos.

Nos Estados Unidos, logo que Gold fora detido, Yakovlev


fugira. Mesmo ausente, figurou no processo, ao lado de
Gold, como aconteceu também ao seu antecessor,
Semion Seminov. Tratava-se, entretanto, de mera
formalidade.

Embora seja uma opinião pessoal minha, simpática ou


contrária aos russos, o que digo é que ninguém,
honestamente, pode deixar de reconhecer que as
realizações da espionagem soviética, no campo atômico,
revelaram-se dignas de admiração.

*  Não se pode dizer se se trata de um engano


intencional, por parte de Boyer. A fábrica estava
localizada em Chalk River, e não em Grand Mère. 
Quinta Parte
AS BASES DO
MACARTISMO

1. Espiões em Altas Posições

O jovem senador por Wisconsin Joseph McCarthy era,


indubitavelmente, um homem sórdido. Não deixava de
ser igualmente verdadeiro que se tratava de um quase
louco, despido de qualquer escrúpulo. Tinha a obsessão
de que um espião russo se ocultava atrás de cada mesa
e de cada armário de todos os departamentos da
administração dos Estados Unidos. E essa preocupação
se fazia evidente para quem quer que o tenha visto ou
ouvido, durante o tempo em que dirigiu sua escandalosa
investigação contra os que, em sua opinião, tramavam
contra a segurança norte-americana.

Enquanto não foi desmascarado, nenhum homem ou


mulher, colocados em elevadas ou subalternas posições,
estava a salvo das suas perigosas acusações. E ele as
fazia, de forma selvagem, sem qualquer prova, ou
simplesmente apoiadas em falsos testemunhos. Quem o
examinasse de uma posição neutra, teria a impressão de
que, enquanto ele vociferava, todas as pessoas — do
Presidente ao mais subalterno dos funcionários públicos
dos Estados Unidos — tremiam. E o mundo indagava por
que o grande povo norte-americano o tolerava e aos seus
esbirros.

É possível que a resposta a essa pergunta, pelo menos


em parte, possa ser encontrada na realidade. Com efeito,
por estranho que pareça, McCarthy baseou sua
campanha em verdades provadas. Como já vimos atrás,
a espionagem soviética nos Estados Unidos, por volta do
término da década dos trinta, havia atingido não só um
extraordinário volume como um amplo campo de
atividade. No terreno da espionagem industrial, da
espionagem militar e, por fim, da espionagem atômica,
os êxitos soviéticos inegavelmente foram fabulosos.
Deve-se ressaltar, entretanto, que a maior parte desse
sucesso foi devida a certas atitudes do governo, que
podem ser definidas através de apenas um exemplo.
Quando os russos solicitaram, em 1942, que lhes fossem
cedidas algumas toneladas de urânio, tendo sua
solicitação rejeitada pelo Departamento de Guerra, a
Comissão Soviética de Compras recorrera ao mercado
industrial. Fizera encomendas de pequenas quantidades
e, quando requerera uma licença de exportação, o diretor
do Projeto Distrito de Manhattan — que era
violentamente anti-russo — foi solicitado a dar seu
parecer. Esse alto funcionário concedera a licença e —
como explicou perante o Comitê do Congresso que
investigava as atividades antiamericanas, relacionadas
com o embarque de material atômico para a União
Soviética, durante a Segunda Guerra Mundial — “seria
melhor apontar com o dedo aquele material do que
negar a licença”. Esse diretor acreditava ingenuamente
que, ao conceder a licença, a União Soviética não seria
levada a concluir, erroneamente, que o urânio era de
grande importância para os Estados Unidos. Foi com
base em idêntica espécie de lógica, infantil em excesso
para ser crível, que as autoridades dos Estados Unidos
acabaram por ser vítimas do escandaloso roubo de seus
segredos industriais e da sua produção bélica, o que
tanto comprometeu a segurança do mundo livre.

Mas vejamos outro exemplo. A escritora norte-americana


Elizabeth Bentley, que era uma agente comunista
arrependida, examinando o fato de o Major-General
Donovan, chefe do OSS, haver sugerido que um oficial de
ligação russo fosse mandado para Washington, a fim de
estabelecer estreita cooperação entre a organização que
dirigia e a sua equivalente russa, e a que nem mesmo o
FBI fizera qualquer objeção, assinalara em seu livro Out
of Bondage: “A opinião em Washington parece ser a de
que, já que o NKVD vinha rondando os Estados Unidos
por anos, seria muito mais simples, para nós, que ele já
viesse rotulado.”

Trata-se de uma reação simplesmente extraordinária. Em


face do que aconteceu depois, só os próprios norte-
americanos devem, pois, ser responsabilizados. E essa
circunstância não lhes dá o direito de fazer qualquer
crítica aos ingleses, quando um Blake ou um Vassall
surge em cena, muito embora eles não houvessem
hesitado em fazê-las.

O que aconteceu nos campos militar e industrial ocorreu


também no terreno político. Neste campo, porém, o êxito
pode ser visto com uma clareza incomum em qualquer
esforço de espionagem. esse êxito foi devido, em
pequena parte, à circunstância de que a rede
empenhada na espionagem política era muitas vezes
maior do que as redes que agiam nos outros setores.
Deve ser ressaltado, por outro lado, que a extensão da
penetração soviética, no terreno político, apresentava-se
muito mais difusa, o que, por seu turno, foi tornado
possível em face da larga esfera de atribuições da
administração do país. De qualquer forma, a situação,
como se tornou conhecida, apresentava uma gravidade
de sustar a respiração.

James Bumham, técnico norte-americano em


espionagem soviética, em seu livro The Web of
Subversion, cita os seguintes setores da administração
norte-americana, nos quais, durante a guerra, se
verificara infiltração:

O pessoal administrativo da Casa Branca; os


Departamentos de Estado: Tesouro, Exército, Marinha,
Defesa (sob a atual organização), Justiça, Agricultura,
Trabalho, Comércio; seis comitês do Congresso; o
Escritório do Projeto Distrito de Manhattan (energia
atômica); Escritório de Serviços Estratégicos; Junta
Nacional de Relações de Trabalho; Projeto de Pesquisas
Nacionais; Escritório de Mobilização para a Defesa; Junta
da Produção para a Guerra; Administração Econômica
Estrangeira; Junta de Controle Norte-Africano; Escritório
de Patentes; Bureau do Censo; Comissão do Serviço
Público; Coordenador dos Negócios Interamericanos;
Administração Federal do Auxílio de Emergência; Instituto
Federal de Habitação; Administração de Segurança
Federal; Imprensa Nacional; Biblioteca do Congresso;
Junta do Trabalho Marítimo; Arquivo Nacional;
Administração Nacional da Juventude; OMGUS (Governo
Militar da Alemanha no Pós-Guerra); SCAP (Governo
Militar no Japão do Pós-Guerra); Escritório de
Coordenação dos Preços; Junta de Aposentadorias das
Estradas de Ferro; Corporação de Reconstrução
Financeira; Comissão de Câmbio e de Seguros; Junta de
Seguridade Social; Comissão de Mão-de-Obra para a
Guerra; Administração do Acervo de Guerra dos Estados
Unidos; Administração da Navegação de Guerra;
Administração dos Veteranos; Comissão de Tarifas;
Serviço de Informações dos Estados Unidos. Em adição,
essa teia foi estendida sobre importantes organizações
internacionais, às quais o governo dos Estados Unidos
pertence ou já pertenceu: Agência de Reabilitação e
Auxílio das Nações Unidas (UNRRA); as próprias Nações
Unidas e o Fundo Monetário Internacional.

O Sr. Burnham organizou essa lista de acordo com vários


relatórios das comissões de inquérito que funcionaram
após a guerra, quando a Administração e o Congresso
tornaram-se cientes de que uma grave infiltração
soviética se realizara nas agências governamentais.

Outro grande técnico em negócios soviéticos, David


Dallin, em Soviet Espionage, embora revelando mais
cautela do que o Sr. Bumham, cita os nomes de
conhecidos agentes soviéticos que integravam alguns
dos departamentos mencionados pelo Sr. Bumham. À
página 441 do seu livro, ele declara:

Durante os anos de guerra, a espionagem soviética


dispunha de homens seus nas seguintes agências:
Escritório de Serviços Estratégicos (Duncan Lee, Leonard
Mins, Helen Tenney, J. Julius Joseph); Serviço de
Contraespionagem do Departamento da Guerra (Donald
Niven Wheeler); Departamento da Guerra e,
indiretamente, o FBI (William Ludwig Ullmann); Força
Aérea (Abraham George Silverman); Departamento de
Estado, com acesso à sala de transmissões do OSS (Alger
Hiss, Maurice Halperin, Robert T. Miller, Donald Hiss);
Coordenador dos Negócios Interamericanos (Joseph
Gregg, Bernard Redmont, William Z. Park); Departamento
de Justiça (Norman Burster'); Departamento do Tesouro
(Harry Dexter White, Nathan Gregory Silvermaster,
Harold Glasser, Salomon Adler, William Taylor, Sonia
Gold); Administração Econômica Estrangeira (Frank Coe,
Allan Rosenberg, Lauchlin Currie, Philip Keepey, Michael
Greenberg, Bela Gold); Junta de Produção de Guerra
(Irving Kaplan, Victor Perlo, John Abt, Edward Fitzgerald,
Harry Magdoff); Departamento de Agricultura (Harold
Ware, John Abt, Nathan Witt, Lee Pressman, Henry H.
Collins, Bela Gold); Escritório de Coordenação de Preços
(Charles Kramer, Victor Perlo); UNNRA (Salomon
Leshinsky); Departamento de Comércio (William
Remington, Nathan Witt).

Esta lista, entretanto, não está completa. Foi somente


por acaso que três das células de Washington tornaram-
se conhecidas depois da guerra. Esse acaso foi
determinado pela deserção de pessoas que haviam
servido como elemento de ligação, entre as células e a
Inteligência soviética. Não há dúvida de que, em adição
ao nomes já citados, existiram outros, provavelmente
mais numerosos e não menos importantes. . .

A extensão da infiltração soviética, revelada mesmo por


essa pequena lista, torna evidente que existia muito
pouca coisa, ocorrendo em Washington, que não fosse
remetida para Moscou. A maioria das informações
poderia ter sido realmente de valor, mas a maioria delas
era Inteligência de pouca valia. Tomemos, por exemplo,
Harry Dexter White, que, como promotor do Plano
Morgenthau — destinado a restringir, depois da guerra, a
indústria da Alemanha e a estimular a sua agricultura, a
fim de prevenir a ressurreição do militarismo —,
encontrava-se nos conselhos secretos dos responsáveis
pela planificação do pós-guerra e podia informar os
soviéticos de todas as intenções dos aliados com muita
antecedência; ou Maurice Halperin, que fornecia
relatórios oficiais emanados do Departamento de Estado
e informações secretas do embaixador norte-americano
em Moscou, comentando os negócios internos da Rússia,
dos quais uma parte das atividades da Inteligência
americana, agindo no interior da Rússia, podia ser
avaliada; ou, então, o Major William Ullman, que obteve,
através da Inteligência do Exército dos Estados Unidos,
planos de guerra e relatórios do FBI. Esses três somente
podiam — e o fizeram — fornecer informações da mais
alta importância.

Dispomos de pouco espaço, neste livro, para fazer um


levantamento detalhado das ramificações da
espionagem soviética no terreno político nos Estados
Unidos, àquela época, mas uma impressão das suas
consequências poderá ser obtida da conclusão do caso
Whittaker Chambers. Já revelamos, em página anterior, o
início da carreira de Chambers e, quando o deixamos, era
ele um comunista desiludido e um discreto desertor,
tentando desviar a atenção da Divisão do Terror e do
Desaparecimento, através do recurso de mergulhar na
clandestinidade. Depois de dez anos de existência
clandestina, descobriu, em 1948, que a atitude oficial
norte-americana em relação à espionagem soviética
havia mudado e julgou que poderia esperar proteção, se
revelasse o que sabia.

Deve ser recordado que, quando Chambers decidiu


reduzir sua associação com a espionagem soviética, em
1938, fora a Washington, numa tentativa para alertar as
autoridades sobre a infiltração que haviam sofrido alguns
departamentos do serviço público, e que, dois anos mais
tarde, entrara em contato com o FBI. Em ambas as
ocasiões, reteve partes de sua história, resultando dessa
atitude que seus interlocutores não se mostraram
impressionados e nenhuma providência tomaram.
Finalmente, ele se mostrava disposto a contar tudo.
Pouco antes de se tornar inativo, Chambers tinha sido o
“contato entre a poderosa organização da espionagem
soviética, em Washington, e o meu superior, em Nova
York”. Embora Chambers não o conhecesse então por
esse nome, seu superior era o “Coronel Boris Bykov,
oficial russo da Quarta Seção (Inteligência Militar) do
Exército Vermelho”. Entre os seus contatos norte-
americanos, encontravam-se Harry Dexter White, então
assistente do Secretário do Tesouro; Abraham Silverman,
da Junta de Aposentadorias das Estradas de Ferro; o Dr.
Gregory Silvermaster, do Departamento de Agricultura, e
Alger Hiss, do Departamento de Estado. Por volta de
1948, Hiss tinha deixado o Departamento de Estado, e
Harry Dexter White fora nomeado para um elevado cargo
no Fundo Monetário Internacional, para onde levou dois
outros simpatizantes do comunismo, Frank Coe e Harold
Glasser. Chambers estava, então, preparado para
fornecer às autoridades tudo o que sabia,
particularmente sobre Hiss, e o conflitante depoimento
de Chambers e de Hiss, no interrogatório do Comitê do
Congresso sobre atividades antiamericanas, forneceu ao
mundo um espetáculo dramático.

Os dois homens estavam altamente colocados.


Chambers era então um dos editores do Time e Hiss
presidente da Dotação Carnegie para a Paz Internacional.
Existiam, ainda, alguns elementos de ficção de
espionagem que atraíam o interesse popular, tais como o
chamado “Documentos-Abóbora”, que Chambers
escondera numa abóbora vazia em sua fazenda. Hiss se
defendeu com vigor, e o que declarou foi levado em
tanta consideração que, em agosto de 1948, o
Departamento de Justiça se mostrava disposto a
processar Chambers por perjúrio. Entretanto, em
dezembro, um grande júri em Nova York fez uma
verdadeira denúncia contra Hiss, e ele se viu levado a
julgamento. No fim dessa escandalosa cause célebre,
Hiss foi considerado culpado de perjúrio e condenado a
certo período de prisão.

Como iria tornar-se óbvio, os dirigentes da espionagem


soviética sempre escolheram para seus agentes, no país,
principalmente norte-americanos com filiação comunista
ou que revelassem simpatia pelo comunismo. O fato de
que nenhum desses homens houvesse sido suspeitado
dessa filiação ou dessa simpatia constituiu um grande
golpe na confiança norte-americana, já que a extensão
das suas atividades representou grave ameaça para a
segurança nacional. Pela primeira vez, ocorreu aos
responsáveis pela segurança e pelo público em geral que
o maior perigo da espionagem soviética vinha não dos
agentes profissionais, mas dos comunistas encapuçados,
que estavam dispostos a trair os segredos da sua pátria.
E assim agiam não por dinheiro, ou qualquer recompensa
material, mas por crença ideológica.

Essa nova espécie de espião — o espião ideológico —,


segundo se acreditava, era uma moderna manifestação,
surgida tão-somente das diabólicas maquinações do
regime comunista russo. Trata-se de opinião largamente
sustentada.

Desde que a situação havia sido controlada, tanto pelas


autoridades como pelo público, teve início, então, uma
grande campanha no sentido de se pôr ordem na casa
norte-americana. Denúncias seguiram-se a denúncias.
Entretanto, uma sincera, genuína crença intelectual —
como os mártires cristãos demonstravam tão bem — não
pode ser extirpada por providências administrativas. As
autoridades podem provar, expurgar e desmascarar,
mas, para cada homem ou mulher que trazem à luz do
sol, quem poderia dizer quantos inimigos disfarçados do
Estado permaneciam escondidos atrás do muro de seus
pensamentos mais secretos?

O Senador McCarthy acreditava que ainda existiam


muitos riscos. Talvez ainda existissem, mas, se assim
fosse, seus métodos de tentar extirpar o mal — o método
de caçar bruxas — reagiram, no fim, mais em favor do
que contra eles. De qualquer modo, conquanto sua
campanha houvesse sido vil, os alicerces em que ela se
apoiava eram sólidos argumentos. Essa campanha teve,
entretanto, um bom resultado: tomou bem claro que
pouca coisa pode ser feita para se defender de um
espião ideológico, a não ser o exercício de uma
constante, incansável vigilância. E essa atitude, por seu
turno, deverá ser tomada não apenas contra essa
espécie de espião, mas contra os espiões de todos os
gêneros. No entanto, constitui uma característica da
nossa época o fato de que esse imperativo de defesa
seja, com a maior frequência, esquecido. 

2. O Caso “Amerásia”

Um caso que escandalizou a América e o mundo e


revelou um pouco do que vinha acontecendo durante a
guerra ocorreu em 1945. Embora não tendo tido
permissão para agir, o FBI mantivera sob vigilância
muitos dos suspeitos de fazer espionagem em favor da
Rússia, e que eram funcionários do governo norte-
americano. Nessas condições, quando um magazine,
denominado Amerásia, publicou, em fevereiro de 1945, o
texto, ligeiramente alterado, de um relatório sobre a
política britânica em relação à Tailândia — o qual
somente poderia ter saído dos arquivos do OSS — e o
governo inglês reclamou, providências oficiais tiveram de
ser tomadas. Em face da natureza do assunto, o FBI
estava mais bem equipado para tratar desse caso do que
a administração tinha o direito de esperar.

A revista Amerásia fora lançada em 1936, após a


divulgação da nova linha política chinesa,
consubstanciada na instituição de uma Frente Única,
através da ação uníssona dos comunistas e do
Kuomintang, de Chiang Kai-shek, com o objetivo de
resistir a uma eventual agressão japonesa. O editor do
magazine era Philip J. Jaffe, norte-americano nascido na
Rússia e homem de negócios de grande êxito, sob cuja
direção a Amerásia passara a atacar o Japão e a apoiar a
aproximação dos comunistas com o Kuomintang. No
Departamento de Estado, foi a revista examinada com
grande atenção, e muitos funcionários de categoria a
elogiaram e recomendaram sua leitura.
Ao lado de Jaffe, como coproprietário da Amerásia,
encontrava-se Frederic Vanderbilt Field e, entre os
colaboradores regulares da revista, estava Andrew Roth,
que, contra a opinião dos serviços de segurança, havia
sido nomeado para a Inteligência da Marinha. Nesse
posto, ele passara a ter acesso a muitos documentos
secretos. Outros colaboradores do magazine eram:
Emmanuel Larsen, do Escritório dos Negócios do Extremo
Oriente, do Departamento de Estado — que também
trabalhara na Inteligência da Marinha — e Mark Gayn,
jornalista freelance, nascido na Manchúria. Larsen, da
Inteligência da Marinha e do Exército, do OSS e do
Escritório de Informações da Guerra.

Entre os documentos secretos fornecidos à Amerásia


encontrava-se um relatório sobre disposição das tropas
nacionalistas chinesas, com informações secretas sobre a
vida particular de Chiang Kai-shek, sobre o declínio do
prestígio desse chefe militar e sobre a crítica e a
oposição feitas à sua liderança, assim como uma ordem
de batalha, revelando a disposição da esquadra
japonesa, antes da batalha de Leyte.

Quando os ingleses apresentaram a queixa contra a


divulgação de seu relatório secreto sobre a Tailândia, o
OSS deu início a uma investigação que culminou com a
realização de uma diligência na redação da revista, na
noite de 11 de março. Em quatro gavetas, foram
encontrados fotocópias ou originais de 267 documentos
do Departamento de Estado, 50 do OSS, 58 do Escritório
de Informação de Guerra, 34 da Inteligência Militar e 19
da Inteligência da Marinha.

Essa diligência esgotou a área de atribuição do OSS.


Nessas condições, seus agentes transferiram o caso para
o FBI. Este último exerceu vigilância sobre Jaffe e seus
funcionários, pelo período de três meses.

Apesar do fato de que todos aqueles documentos haviam


sido encontrados onde não deviam estar, a primeira
reação da administração foi a mesma que manifestara
em todas as anteriores oportunidades em que o FBI
solicitara permissão para agir contra os espiões. O
promotor do embargo a qualquer ação do FBI foi o
Secretário da Marinha, James Forrestal, embora se
encontrassem, entre os papéis apreendidos, vários
documentos pertencentes aos arquivos da Inteligência
Naval. Forrestal chegou ao ponto de apelar para o
Departamento de Justiça, no sentido de dar instruções a
J. Edgar Hoover, chefe do FBI, proibindo-o de tomar
qualquer providência. O Departamento de Justiça
atendeu à solicitação de Forrestal, mas somente naquela
oportunidade e até que a reunião das Nações Unidas, em
São Francisco, tivesse sido encerrada.

O Presidente Truman, porém, tornara sem efeito essa


decisão e, no dia 6 de junho, o FBI prendeu Jaffe, Roth,
John S. Service — técnico em Extremo Oriente do
Departamento de Estado —, Gayn, Larsen e um outro. Na
redação da Amerásia encontraram-se outros 1 700
documentos oficiais, que o OSS não descobrira.
Entretanto, não existia qualquer prova de que aqueles
documentos houvessem sido “entregues a uma potência
estrangeira”. Em face disso, Jaffe, Roth e Larsen só foram
acusados do crime de retirada de documentos
confidenciais de uma repartição do governo. Jaffe
confessou-se culpado, sendo multado em 2 500 dólares;
Larsen entrou com um nolo contendere e foi multado em
500 dólares, os quais Jaffe pagou. As acusações contra
Roth foram posteriormente tornadas sem efeito.
O caso, em si, que assumiu um aspecto de cause
célèbre, e os comentários da imprensa e dos principais
membros da comunidade tornaram impossível, daí por
diante, que as investigações do FBI fossem sustadas,
mesmo que a administração o desejasse. É que, se assim
acontecesse, essa atitude iria contrariar os desejos do
então recém-eleito Presidente Truman.

De qualquer forma, a opinião pública se agitou e passou


a exigir, num dramático crescendo, que todas as
providências fossem tomadas para se descobrir
exatamente até que ponto a infiltração soviética havia
comprometido a administração dos Estados Unidos. A
intervalos frequentes, no período dos cinco meses
seguintes, mais e mais revelações foram feitas — entre
elas, as denúncias de Chambers e de Elizabeth Bentley
— e revelaram um tão largo campo de infiltração que,
em setembro de 1953, o General Bedell Smith, diretor da
Agência Central de Inteligência, viu-se obrigado a
declarar: “Creio que os comunistas são tão hábeis que já
se infiltraram praticamente em todas as agências de
segurança do governo.”

Comissões especiais do Congresso trabalharam


incessantemente numa tentativa para descobrir a
extensão dessa penetração. Na oportunidade, sob a
pressão da opinião pública, o FBI entrou em ação, com o
ímpeto decorrente da repentina liberação da sua
frustração, recalcada pelo período de uns seis anos. E o
êxito que a organização obteve no caso serviu para fazer
brilhar de novo a reputação que originalmente adquirira
nos grandes dias das lutas dos G-men contra Al Capone e
seu bando. Naquela ocasião, entretanto, a própria
natureza da sua tarefa estabelecera limites para a esfera
de sua ação — mas nenhuma agência, em idênticas
circunstâncias, poderia ter realizado mais do que FBI o
fez.
3. Judith Coplon

Poucas semanas após o General Bedell Smith ter feito


sua observação, o chefe da Divisão de Segurança do
Departamento de Justiça informou que, naquela ocasião,
766 casos de espionagem e 261 de sabotagem estavam
sendo investigados. Essas declarações foram seguidas de
outras, quase em idênticos termos, feitas pelo diretor do
FBI: “As teias de espionagem inimigas estão operando
agora de maneira muito mais intensa do que em
qualquer outro período da História deste país.”

Em face desse estado de coisas, levou-se uma longa


série de casos de espionagem a julgamento nos tribunais
dos Estados Unidos. Entre esses muitos, um dos mais
importantes foi o em que se viu envolvida Judith Coplon.
Esse processo demonstrou claramente que, embora os
métodos e a extensão da espionagem soviética
estivessem sendo, quase diariamente, desmascarados, a
Rússia não se sentia embaraçada pelo fato nem via
qualquer razão para refrear sua curiosidade em relação
no que se passava no interior dos outros países. Deve ser
recordado que, enquanto os norte-americanos
realizavam suas operações de contraespionagem na
Inglaterra, na França, na Escandinávia e em vários
países, outras redes russas estavam sendo descobertas
— particularmente no campo da espionagem atômica —,
o que contribuía para tornar descolorida e quase
insignificante a espionagem política levada a efeito nos
Estados Unidos. Esses fatos pareciam não ter igualmente
qualquer efeito na linha de ação externa da União
Soviética, exceto o de reafirmar o ponto-de-vista
realístico de que todos espionavam — e, nessas
condições, por que deixar de fazê-lo, só por alguns
espiões terem sido apanhados?

De qualquer forma, não se verificou qualquer retraimento


por parte do Centro, e Judith Coplon foi apanhada na
nova teia.

Em dezembro de 1949, chegara ao conhecimento do FBI,


através de fonte comprovadamente verdadeira, que a
Embaixada Soviética em Washington se apossara de
certo número dos mais secretos documentos,
pertencentes ao próprio FBI e ao Departamento de
Justiça. A informação sendo incompleta, a única idéia que
se poderia ter da natureza desses documentos era de
que revelavam particularidades tanto de alguns
conhecidos agentes estrangeiros como de diplomatas e
norte-americanos comunistas. A informação dava,
também, uma indicação de que o fornecedor desses
documentos poderia ser uma mulher que trabalhava no
Escritório de Registro de Estrangeiros, do Departamento
de Justiça, e que antes havia sido empregada nos
escritórios desse mesmo Departamento em Nova York.

Somente uma mulher, no Escritório de Registro de


Estrangeiros, em Washington, preenchia esses requisitos,
e o FBI, portanto, deu início às investigações para excluir
ou provar sua culpabilidade.

Judith Coplon, diplomada em nível universitário, tinha


vinte e sete anos. Era fisicamente atraente e se
mostrava competente em seu trabalho, que envolvia
assuntos de segurança, tanto interna como externa.
Naquela ocasião, seu nome fora posto numa lista de
servidores recomendados para promoção. A promoção,
de fato, ocorrera, quando ela fora nomeada para um
cargo de 1 750 libras anuais, em maio de 1948, após
haver recebido um elogio do procurador-geral por um
brilhante trabalho de análise política.

Judith Coplon descendia de boa família. Seu pai fora um


próspero industrial, com nítidas características de
filantropo. A Sra. Coplon era quieta e retraída.

Anteriormente, Judith morara num apartamento da


Tunlaw Road, no número 2 634, em Washington, onde
seu senhorio e seus vizinhos a descreveram como uma
jovem quieta, intelectual, que nunca levava homens para
casa. Mais tarde, porém, e certamente tendo em vista a
conveniência de residir próximo ao local do trabalho,
mudara-se para um apartamento de um quarto, em
Jefferson Hall, em McLean Gardens, onde os vizinhos
fizeram as mesmas observações em relação ao seu
comportamento.

Após um mês de apuração de provas e de vigilância,


tudo o que o FBI conseguira descobrir era que Judith se
encontrava com muitos homens e fora em companhia de
um deles — um inteligente advogado, empregado no
Departamento de Justiça — que passara o primeiro fim
de semana de janeiro de 1949, no Southern Hotel, em
Baltimore, onde se registrara como esposa de seu
acompanhante. De qualquer forma, o que os agentes do
FBI concluíram, através dos seus moderníssimos
equipamentos, para ouvir e olhar através das paredes, e
que haviam instalado no quarto ao lado, é que o casal só
exercera, naquele hotel, uma demonstração prática de
como fazer amor. Entretanto, essa descoberta revelara
aos agentes da polícia uma faceta nova do caráter de
Judith Coplon.
Na semana seguinte, Judith Coplon solicitou a seu chefe,
William Foley, permissão para ver os relatórios mais
secretos sobre os agentes russos nos Estados Unidos, já
que tinha necessidade deles para realizar seu trabalho
na repartição. Foley, que sabia encontrar-se ela sob
vigilância, telefonou imediatamente para o FBI. Hoover, o
chefe do Bureau, fez uma visita a Foley, levando consigo
uma carta forjada, com a marca “secretíssima”, na qual
se declarava que três agentes soviéticos, que
trabalhavam no departamento comercial da Amtorg,
eram, na realidade, agentes do FBI, e brevemente seriam
submetidos a um teste de lealdade. Hoover pediu a Foley
para entregar a carta a Judith e solicitar que ela
estudasse o caso, esclarecendo que, caso estivesse de
fato vinculada aos russos, logo iria preveni-los.

Na sexta-feira, 14 de janeiro de 1949, Judith solicitou a


seu chefe licença para deixar o trabalho à hora do
almoço, de forma que pudesse gozar um fim de semana
maior. A permissão foi concedida. Quando tomou o trem
das 13 horas para Nova York, já estava sendo seguida
por quatro agentes do FBI. Chegando à estação de
Pensilvânia, Judith se dirigiu ao toalete de senhoras, onde
permaneceu pelo espaço de quarenta e cinco minutos.
Ao sair, passou pelo guarda-malas da estação, onde
deixou sua valise. Entrou numa livraria e, depois, num
drugstore, onde comeu um sanduíche. Depois, seguiu
pelo trem subterrâneo até a Rua 191, em Manhattan.

Estava escuro, quando Judith ali chegou, pois as


lâmpadas da rua já se achavam acesas. Caminhou ao
longo da calçada durante uns dez minutos, e então parou
e olhou a vitrina de uma joalheria. Permaneceu olhando
aquela vitrina por sete minutos. Valia-se, claramente, de
um velho truque de espionagem: observava o que se
passava na rua, através dos reflexos no vidro. Pouco
depois, um homem baixo, mas forte, bem vestido e
moreno, apareceu. Não falou com Judith. Quando se
afastou, porém, ela o seguiu. Entraram juntos num
restaurante, onde ocuparam o mesmo reservado. O que
disseram ali não pôde ser ouvido pelos agentes do FBI
que os seguiam, porque, continuamente, punham
dinheiro num caça-níqueis, e o barulho da máquina
abafava a conversação. Permaneceram naquele
restaurante pelo período de uma hora. Durante todo o
tempo, Judith falara animadamente, e ainda se mostrava
excitada quando saíram. Outra vez, tomaram o subway.
Quando o trem estava para deixar a estação da Rua 125,
o homem se ergueu subitamente, espremeu-se através
das portas que se fechavam e saiu, com apenas um
agente do FBI em seu encalço. O sistema de segurança
de que se valeu era, incontestavelmente, digno de
elogios. Ignorava estar sendo seguido, mas, mesmo
assim, usara da maior cautela. Tomando uma série de
táxis, de bondes e de ônibus, conseguiu escapar á
vigilância do agente.

Os agentes do FBI, diante das aparências, ficaram


convencidos de que aquele homem era de origem
eslava, sendo possivelmente, membro do pessoal do
consulado-geral soviético em Nova York. Orientando-se
no sentido dessa suposição, agentes foram colocados em
frente ao consulado russo e, às dez horas, viram o
mesmo homem que penetrava no edifício. Uma hora
mais tarde, ele saiu e tomou o trem subterrâneo,
dirigindo-se para seu apartamento, no número 64 da Rua
108, na Zona Oeste. Interrogando o porteiro, os agentes
souberam que se tratava de um engenheiro russo que
trabalhava para o Departamento de Arquitetura das
Nações Unidas e conhecido como Valentine Gubitchev.
O FBI fez uma advertência a Foley, no sentido de que não
mais deixasse Judith Coplon ter acesso aos chamados
documentos “secretíssimos”. Em consequência desse
aviso, ela foi transferida para outra repartição. Não se
conformara, porém, com a transferência, alegando que
só sairia se lhe dissessem a razão daquela medida.
Responderam-lhe que o novo trabalho, de que fora
incumbida, precisava ser feito, sendo ela a pessoa mais
adequada para fazê-lo.

A razão do seu violento protesto tornou-se evidente para


o FBI. No novo cargo, não teria acesso a qualquer
documento de valor para os seus parceiros de
espionagem, e, em face disso, o FBI concluiu que se
encontrava na pista certa. Por sua parte, Judith Coplon,
quando obrigada a aceitar o inevitável, passara a revelar
persistência em não se desvincular da antiga repartição,
o que, se ela de fato fosse uma boa agente, deveria ter
compreendido que iria atrair para si a atenção de todos.
Com efeito, visitava diariamente seu ex-escritório e dava
uma assistência mais do que a necessitada ao seu
sucessor. Estava certa de que, assim agindo, talvez lhe
fosse possível inspecionar os arquivos. Com exceção
dessa atitude, comportou-se normalmente, só saindo da
sua conduta exemplar para a realização de alguns
encontros amorosos com seu amigo advogado.

No dia 18 de fevereiro, Judith Coplon foi mais uma vez a


Nova York. Nessa ocasião, tomou o trem das quatorze
horas. Os agentes que a seguiram levaram uma mulher
policial que a acompanhou até o interior do toalete de
senhoras e, depois, no subway. Judith Coplon, como
acontecera das outras vezes, levou seus acompanhantes
através de uma excursão pelas ruas. Da Broadway,
entrou numa rua lateral, onde Gubitchev a esperava.
Estiveram juntos somente por alguns minutos e, embora
já fosse noite, os agentes ficaram convencidos de que
alguns papéis haviam sido passados entre eles. Como da
vez anterior, Gubitchev despistou a perseguição.

No dia 3 de março, Judith pediu para trabalhar somente


meio dia e seguiu para Nova York, a fim de passar o fim
de semana com seus pais. Na semana seguinte, solicitou
autorização para examinar alguns dos documentos
“secretíssimos”. Foley perguntou-lhe, então, se ainda se
lembrava dos três empregados da Amtorg que eram
agentes do FBI. Acrescentou que conseguira obter
maiores informações sobre o caso e, para prová-lo, deu-
lhe para ler uma carta, escrita por J. Edgar Hoover ao
assistente do procurador-geral, comunicando que a
Amtorg, não havia muito, fizera indagações sobre certos
instrumentos chamados geofones, que mediam a
pressão das explosões, poucos dos quais tinham sido
fabricados em conexão com os primeiros testes
atômicos. Hoover solicitava uma orientação do
procurador-geral sobre o que poderia constituir uma
violação dos regulamentos de comércio, por parte da
Amtorg. A carta era uma armadilha imaginada para
resolver, de uma vez por todas, se Judith Coplon estava
passando, ou não, informações aos agentes soviéticos.

Pouco depois dessa entrevista com Foley, Judith viajou,


mais uma vez, para Nova York. Ali se repetiu tudo o que
acontecera nas viagens anteriores, apenas com algumas
variações sem maior importância. Nessa oportunidade,
entretanto, o FUI dera o bote. Tanto Judith quanto
Gubitchev tudo fizeram para escapar, mas, por fim,
foram presos na esquina da Rua 16 com a Terceira
Avenida.

No quartel-general do FBI, em Nova York, revistaram-nos.


Gubitchev tinha consigo 125 dólares, e nada que o
incriminasse. Judith nada levava consigo, mas em sua
bolsa se encontrou um envelope de propaganda de certa
marca de nylon. Quando esse envelope foi aberto, os
agentes descobriram, em seu interior, cópias e resumos
de trinta e quatro documentos "secretíssimos”, inclusive
a carta de Hoover dirigida ao procurador-geral. Essa
papelada levava uma nota de cobertura, explicando que
não pudera tirar uma cópia, mas que apenas dera uma
rápida olhadela no relatório do FBI sobre as atividades da
espionagem comunista e soviética nos Estados Unidos.

Judith negou tudo. As provas contra ela, porém, eram


suficientemente incriminatórias. Durante o julgamento,
apresentou uma defesa — elaborada, em certos trechos,
por espiões soviéticos capturados —, declarando que
estava apaixonada por Gubitchev, a quem conhecera,
por acaso, no Museu de Arte Moderna, que ele lhe
dissera ser casado, e que, por fim, espetava casar-se
com ele, tão logo lhe fosse concedido o divórcio. Negou
igualmente, mas de maneira inteiramente inepta, que
alguma vez tivesse sido possuída por seu amigo
advogado.

O júri não acreditou em qualquer das alegações de Judith


Coplon. Julgada culpada, de acordo com a Lei de Traição,
de roubar documentos do governo norte-americano e de
conspirar contra a segurança dos Estados Unidos, foi
condenada a quinze anos de prisão. Gubitchev, co-réu no
mesmo julgamento, recebeu sentença idêntica. Ambos,
entretanto, deviam beneficiar-se com o funcionamento
da justiça democrática, de uma dramática maneira.

Por volta da mesma época, Robert Vogeler, norte-


americano, empregado da International Telephone and
Telegraph Corporation, em Budapeste, fora preso como
espião americano e condenado a quinze anos de prisão,
por um tribunal húngaro. Alguns americanos se achavam
igualmente detidos na Rússia, sob as mesmas acusações.
Sem que qualquer negociação se realizasse entre os dois
governos, o Departamento de Estado acreditou
ingenuamente que, se os Estados Unidos se mostrassem
clementes em relação a Gubitchev, um comportamento
similar seria seguido pela Rússia e pela Hungria. Nessas
condições, o Departamento solicitou ao tribunal que
fizesse uma recomendação, no sentido de que Gubitchev
deixasse os Estados Unidos "antes que lhe fosse exigido
que cumprisse sua pena”. Assim, no dia 20 de março de
1950, esse agente soviético foi colocado a bordo do
transatlântico polonês Batory, juntamente com sua
esposa, que dividia com ele uma cabina de primeira
classe, paga pelo governo norte-americano.

Judith Coplon, que tivera permissão para prestar fiança,


quando completadas as investigações preliminares,
apelou da sentença. (Dois meses após a sentença, casou-
se com um dos seus advogados, Albert H. Socolov.) Sua
apelação foi julgada no dia 5 de dezembro de 1950 e, já
que sua prisão se efetuara sem mandado, o tribunal
tornou sem efeito a sentença. A acusação, entretanto,
ficou de pé. Embora livre, em obediência a detalhes de
formalística processual, sua culpabilidade perante a lei
subsistiu. Judith Coplon vive agora tranquilamente,
transformada em esposa e mãe.

O esforço do Departamento de Estado para salvar


Vogeler resultou inútil. Não foi ele libertado senão em
fins de 1951, e os norte-americanos detidos na Rússia só
obtiveram a liberdade algum tempo depois dessa data.

Por esse tempo, o Centro realizara um levantamento


geral das suas redes nos Estados Unidos e afastara os
velhos contatos, que ficaram inativos, à espera de nova
oportunidade. As agências de contraespionagem norte-
americanas, por seu lado, passaram a se comportar mais
de acordo com o papel que sempre lhes competiu
representar, pois finalmente se convenceram — como,
aliás, ninguém ignora — de que o comunista clandestino
continua sendo o maior e o mais traiçoeiro inimigo. 
Sexta Parte
OS PRINCIPAIS
DESERTORES

1. Gouzenko, Petrov e Companhia

Um dos grandes riscos por que a espionagem soviética


tem passado é o da deserção de seus agentes. Os
dirigentes do Centro estão cientes desse perigo e vêm
procurando defender-se, detendo, como reféns, as
famílias dos seus representantes que atuam no exterior.
Sem o perceber, entretanto, esses dirigentes têm
contribuído de maneira decisiva — através dessa
aparente falta de confiança, de suas tentativas de
inculcar lealdade no espírito dos recrutas e da
brutalidade com que punem os espiões que fracassam —
para provocar justamente o que mais temem.

Na realidade, devem-se mais aos agentes que desertam


do que à habilidade dos serviços de contraespionagem
tanto o desmantelamento de diversas redes de
importância e a captura de muitos grandes espiões
quanto uma melhor compreensão, por parte dos
ocidentais, dos métodos e das técnicas de que lança mão
a espionagem russa. Nessas condições é provável que
hoje se conheça mais sobre os detalhes íntimos das
atividades do Centro do que sobre as do resto dos
serviços de espionagem do mundo, considerado em
conjunto, excetuada a Agência Central de Inteligência —
a CIA —, que é a moderna organização de espionagem
dos Estados Unidos, criada no após-guerra. Deve ser
ressaltado, entretanto, que esse conhecimento da CIA
não foi obtido através de desertores. Resultou tanto da
própria estupidez do Centro como, particularmente, da
sua falta de insistência numa observância absoluta das
normas de segurança.

Desde os primeiros anos da guerra — a partir do


desmantelamento da rede belga pela Abwehr — temos
visto que, quando um agente russo é capturado, logo se
torna loquaz. Esse fato tem sido constatado mesmo entre
os veteranos, experimentados e longamente treinados
comunistas, os quais, segundo se poderia imaginar,
deveriam estar preparados para sacrificar suas vidas, em
vez de trair a Causa. Existe — segundo parece — uma
falha fundamental no comunismo. É que, quando um dos
seus agentes se encontra em situação de desespero, a
doutrina não é capaz de insuflar-lhe coragem ou, de
alguma forma, socorrê-lo. Essa falha não parece existir
na chamada ideologia democrática, e isso pode ser
verificado através de um só exemplo. O SOE contratou e
treinou muitas centenas de agentes, entre os nacionais
dos países democráticos ocupados pelos alemães e,
dessas centenas, muitos caíram em mãos dos alemães.
Entre eles, porém, os exemplos de traição, mesmo sob
tortura, revelaram-se muito reduzidos. E os que falaram
e colaboraram, segundo se sabe, eram homens e
mulheres com evidentes falhas de caráter e que, em
primeiro lugar, nunca deveriam ter sido selecionados
para atuar como agentes.

Sob um regime que impõe uma lealdade da boca para


fora, por temor de prisão, no mínimo, ou de morte, entre
as criaturas submetidas a tão atroz tratamento, dada a
própria natureza humana, sempre existe uma
preocupação de fuga. Somente entre os que se
encontram na cúpula e que controlam e inventam os
castigos por deslealdade, ou entre os fanáticos, é que se
poderá observar um sentimento que se aproxime da
lealdade. E isso porque o regime, sem exceção, foi a eles
imposto, c não livremente aceito e aprovado. Não pode
haver qualquer vínculo entre um regime dessa natureza
e o país sobre o qual ele exerce o seu poder. Da mesma
forma, não deve existir fé em instituições das quais se
tem medo. Esses dois aspectos da vinculação do homem
à sua pátria é que constituem a base do seu sentimento
de lealdade.

Esse raciocínio é verdadeiro quando se trata de uma


doutrina, não a universalmente aceita como sendo a
ideologia de uma nação. Sempre há o risco de que, mais
cedo ou mais tarde, o instinto de sobrevivência dê
origem a uma atitude de conformismo, particularmente
quando as pressões exercidas pelo referido regime estão
ausentes. As desilusões têm alcançado a muitos que,
com entusiasmo, abraçaram o comunismo em seus
primeiros dias. E essa situação tem sido devida
principalmente ao fato de que a liberdade do indivíduo,
no comunismo, é restringida até ao limite da extinção
pela própria segurança. Se, ao menos, o comunismo
pudesse sentir-se bastante forte para dar a qualquer
preso pelo menos a impressão de permitir ao indivíduo
emprestar sua lealdade à Causa, segundo seu próprio
desejo, ele não teria de recear tanto as desilusões. O
liberalismo que começou a influenciar o regime na
Rússia, durante a era de Khruschev, pareceu ser um
passo na direção certa. As deserções, tanto de
intelectuais e de artistas como de agentes de
espionagem, foram desprezíveis em comparação com as
verificadas no período Stálin-Béria.

A deserção de comunistas estrangeiros sempre foi um


risco bem maior do que a deserção de nacionais russos.
Em meados da década dos trinta, essa situação acabou
sendo aceita como uma espécie de risco ocupacional. No
campo da espionagem, porém, a cooperação dos
membros dos Partidos nacionais era essencial para o
funcionamento do serviço secreto russo, e todas as
providências eram tomadas para contrabalançar o perigo
oferecido por esse tipo de agente. Dessa forma, os
russos só o utilizavam de maneira que não pudesse
ameaçar a segurança da rede à qual estivesse adido,
embora a velha arma do medo, incorporada nas
atividades da Divisão do Terror e do Desaparecimento,
fosse sempre usada para dissuadir os desertores em
potencial.

Sempre existiram desertores desse tipo, mas as Juliet


Poyntz, as Elizabeth Bentley, os Whittaker Chambers, os
Alexander Foote e os George e Joanna Wilmer, embora
fornecendo grande volume de informações proveitosas,
só poderiam comprometer sua própria rede. Isso era
desagradável, como é natural, mas não constituía, na
realidade, uma tragédia. Quase sempre o Centro se
antecipava, tomando providências em face de tais
eventualidades. Assim é que sempre procurava ter uma
ou mais redes operando em linhas paralelas, cada uma
delas ignorando a existência da outra.

Em seu livro Soviet Spy Net, o especialista em


espionagem E. H. Cookridge escreveu:

Não foi senão em janeiro de 1953, quase oito anos após


o desmantelamento do sistema de espionagem no
Canadá e nos Estados Unidos, que a polícia de Montreal
por acaso descobriu que, pelo menos, uma rede
"paralela” prosseguia em suas atividades no país,
enquanto os agentes, que haviam trabalhado com
Zabotin, estavam sendo julgados. No dia 5 de janeiro de
1953, o grego Constantin Stathopoulos, de 60 anos, que
vivera no Canadá desde 1927, fora encontrado morto em
sua residência em Montreal. Morrera após uma longa
enfermidade, e não havia qualquer desconfiança de jogo
sujo. Num bem disfarçado esconderijo em sua residência,
foram encontradas caixas de aço contendo centenas de
papéis, os quais o chefe da Divisão Contra a Subversão,
da polícia canadense, Louis Champagne, descreveu como
sendo "a mais importante coleção de documentos de
espionagem descoberta em Montreal”. Entre a papelada
recolhida, estavam livros de notas contendo referência a
muitas pessoas envolvidas na rede de espionagem do
Canadá, inclusive Fuchs. De acordo com essas
informações, quando postas lado a lado, tornou-se claro
que Stathopoulos tinha em seu poder parte dos arquivos
de uma rede de espionagem perfeitamente
independente da de Zabotin, mas que procurara atingir,
pelo menos, alguns alvos relacionados com a
espionagem atômica.

O primeiro desertor de importância foi Igor Gouzenko, o


encarregado do serviço de códigos da embaixada
soviética em Ottawa. Já relatamos sua história, na quarta
parte deste livro. Os documentos que levou consigo e as
revelações que subsequentemente fez revelaram não
somente a existência da rede de Zabotin, mas
proporcionaram um retrato, quase completo, do modus
operandi da espionagem soviética. Muito daquilo era
sabido ou suspeitado — a nota de surpresa estarrecedora
que corre através das setecentas páginas do relatório da
Comissão Real, particularmente a noção de que
diplomatas ou quase diplomatas, gozando de
imunidades, pudessem rebaixar sua profissão a ponto de
usá-la como cobertura para espionagem, não devia iludir
ninguém —, mas a confirmação da primeira informação e
o que se ficou sabendo em relação ao segundo item
foram, naturalmente, de grande valor.

Em 1954, dois outros desertores de primeira importância


juntaram-se a Gouzenko. Em janeiro, Iúri Rastvorov,
oficial de alta patente do NKVD, por essa época no Japão,
pediu asilo às autoridades norte-americanas. Somente
uma vaga referência à sua deserção apareceu na
imprensa, e o público em geral mal teve informação do
caso. O que Rastvorov disse à contraespionagem,
entretanto, revelou os planos do Centro para o Japão e
para todo o Extremo Oriente.

O ruído que se fez em torno da deserção de Vladimir


Petrov, ocorrida três meses depois, produziu efeito
diametralmente oposto. Qualquer intelectual que se
encontrasse de posse de um jornal em alguma parte do
mundo ficaria surpreendido pela história que não
somente pareceu representar uma repetição do
escândalo do Canadá, mas pôs em foco, como os casos
de Gouzenko, de Gold-Rosenberg e o julgamento de
Klaus Fuchs nunca haviam conseguido, o papel universal
da espionagem soviética. O grande tumulto de
publicidade que acompanhou a deserção de Petrov não
foi provocado pelas autoridades australianas, que
provavelmente teriam preferido guardar sigilo sobre o
assunto, mas pelo comportamento, em lugares públicos,
de certo número de agentes soviéticos.

O governo australiano não concedera reconhecimento


diplomático à União Soviética senão em 1942. Desse
momento em diante, porém, a espionagem soviética
entrou em plena ação no continente. A rede —
organizada e dirigida por Semion Makarov e seu principal
assistente, Feodor Nosav, correspondente ostensivo da
Agência Tass — trabalhou segundo as linhas tradicionais.
Comunistas e simpatizantes comunistas com postos nas
agências governamentais representaram as principais
fontes de informação da rede, merecendo referência
especial alguns funcionários que trabalhavam no
Ministério dos Negócios Exteriores, os quais passavam
documentos relativos à política exterior da Austrália e da
Inglaterra.

Os anos de guerra assinalaram um período tanto de


intensa atividade como de grande sucesso para a
organização. Depois do conflito, porém, quando as
opiniões e as emoções em relação ao Japão e ao
fascismo começaram a se dissipar e, quando o caso da
Amerásia, nos Estados Unidos, e o de Nunn May, na
Inglaterra, despertaram a atenção do público para as
atividades da espionagem soviética, o trabalho da rede
começou a encontrar sérias dificuldades. Em face disso,
o Centro, por sua vez, passara a expressar sua profunda
insatisfação em relação ao esforço dos seus agentes na
Austrália.

Depois da guerra, Makarov fora substituído por Valentin


Sadovnikov, que em 1949 cometera o imperdoável
pecado, aos olhos do Centro, de passar as noites em
casa de um conhecido australiano. Este, por sua vez, fora
substituído por Ivã Pakhomov, que demonstrara ser
preguiçoso e mesmo desinteressado e, nessas condições,
acabara sendo chamado de volta, para ser substituído
por Vladimir Petrov, num espaço de tempo relativamente
curto.

Petrov exercia na embaixada em Camberra as funções de


terceiro secretário, mas seu posto real era o de Diretor-
Residente. Em sua companhia encontrava-se a esposa,
Evdokia, também funcionária do NKVD, mas passando
como amanuense da embaixada.
Na época em que Petrov chegara, a rede atravessava
uma fase de dificuldades e, embora ele houvesse
explicado claramente a situação ao Centro, não tardou
que este começasse a criticá-lo, inclusive pessoalmente.
De qualquer maneira, enviou-lhe outro assistente, F. V.
Kislitsyn. A estada de Kislitsyn foi curta, porque não
pudera apresentar melhores resultados que Petrov.
Embora o Centro esperasse mais do seu sucessor, N. G.
Kovaliov, essas esperanças não foram confirmadas e,
quando também ele foi chamado de volta, Petrov acabou
sendo responsabilizado por tudo, em face “da ausência
de sua orientação positiva”.

A partir dessa época, as críticas do Centro ao trabalho de


Petrov começaram a se avolumar. Provavelmente para
tentar comunicar nova vida à rede, ordenara a Petrov,
através de longo despacho, datado de 6 de junho de
1952, entre outras coisas, que se preparasse para o
irrompimento de outra guerra mundial e tomasse suas
providências para fazer frente a esse acontecimento,
quando sobreviesse.

O resultado dessas críticas — que deveria ser previsto


por qualquer diretor que soubesse como lidar com
agentes — foi implantar em Petrov uma crescente
amargura. Essa amargura, ele a manifestou a um amigo
que fizera na Austrália, um imigrante polonês chamado
Mikhail Bialogusky, o qual, segundo acreditava, era um
dos membros do Clube Social Russo mais exaltados em
favor da Rússia, embora, na realidade, não passasse de
um elemento da contraespionagem australiana.

A morte de Stálin, em 1953, proporcionou a queda


também do mais odiado e temido homem da Rússia,
Lavrenti Béria, chefe de todas as forças de Segurança da
União Soviética por quinze anos e que exercia os cargos
de Comissário do Povo para a Segurança Interior e do
Estado e de Vice-Presidente do Conselho de Ministros. O
mistério que cercou a morte de Béria ainda não foi de
todo esclarecido. Há, entretanto, quem diga que ele
organizara uma conspiração para derrubar os demais
líderes do regime e apoderar-se do poder supremo. De
maneira igualmente misteriosa, Vladimir Petrov viu-se
implicado nessa conspiração e, em face das acusações
nesse sentido, combinadas com os relatórios que
atacavam sua atuação, elaborados pelo embaixador
russo, em princípios de 1954, acabou sendo chamado de
volta para Moscou.

No dia 3 de abril, Petrov desapareceu. Por alguma razão,


não levou a esposa. Após três semanas, como ele não
reaparecera, chegara uma ordem para que ela fosse
repatriada. O avião em que viajava aterrissou no
aeroporto de Darwin para se reabastecer, e ela, com sua
guarda de três ou quatro agentes, foi levada até o
edifício da estação, a fim de tomar um refresco. Sua
marcha fora observada pela contraespionagem
australiana e, de uma forma ou de outra, o marido
conseguira falar-lhe pelo telefone. Em Camberra e na
aterrissagem em Darwin, ela se mostrara perfeitamente
dócil. De súbito, porém, mudou. Gritou para as
autoridades do aeroporto que não desejava voltar a
Moscou e pediu que lhe dessem asilo.

Os guarda-costas agarraram-na e tentaram empurrá-la,


através da pista, para o avião. As autoridades
australianas, porém, intervieram e, conseguindo libertá-
la, tomaram-na sob sua proteção. Se haviam sido
avisadas com antecedência ou não, nada se pode
afirmar. O fato é que se achavam no aeroporto diversos
fotógrafos e câmaras de televisão, e a luta foi filmada.
Como resultado disso, dentro de poucas horas, o mundo
inteiro sabia da deserção desse membro graduado do
NKVD.

O Centro aceitou a deserção de Gouzenko mais ou menos


como um fato normal. A segunda deserção, porém,
ocorrendo logo depois, e gritada através do mundo com
fotografias não muito edificantes, já lhe pareceu
excessivo. As relações diplomáticas da Rússia com a
Austrália foram rompidas, sua embaixada encerrou a
atividade e todo o pessoal se viu chamado de volta a
Moscou.

As informações e documentos que Petrov conseguira


levar consigo, quando deixou a embaixada — e que
datavam desde 1952 — ampliaram o retrato do que se
sabia do trabalho e da política da espionagem soviética
no Ocidente. Esse caso muito contribuiu para fazer com
que a opinião pública mundial pudesse tomar
conhecimento da habilidade com que a espionagem
soviética realizava sua penetração e fez com que as
autoridades em toda parte tornassem ainda mais
rigoroso o cumprimento de suas normas de segurança
interna. Desgraçadamente — como as provas dos últimos
anos na Grã-Bretanha demonstraram — é sempre
precária a memória tanto dos cidadãos como das
autoridades. Nessas condições, toma-se necessária uma
constante reiteração dos perigos que podem resultar, se
essas normas de segurança não forem observadas,
embora mesmo essa providência possua suas
desvantagens, pois uma coisa frequentemente repetida
acaba cansando e não sendo ouvida. 
2. Khokhlov e Companhia

Entre as deserções de Iúri Rastvorov, no Japão, e a de


Vladimir Petrov e sua esposa, na Austrália, outra
importante deserção teve lugar e, através dela, os
arquivos das potências ocidentais foram enriquecidos de
informações sobre métodos de trabalho das agências
soviéticas, inteiramente diferentes dos que haviam sido
revelados, tanto por Petrov e Gouzenko como por outros
desertores menores.

Na Alemanha Ocidental existiu, desde a guerra, um


grupo denominado Sociedade da Unidade Nacional (NTS),
organizado e dirigido por Georgi Okolovich, com seu
quartel-general instalado em Francforte-sobre-o-Meno. A
NTS tinha por objetivo levar a subversão ao âmago do
Exército Vermelho e ao círculo das autoridades
comunistas da Alemanha Oriental e, no ano sobre o qual
estamos escrevendo — isto é, 1954, quando os aliados
estavam ainda ocupando a Áustria —, à zona russa da
Áustria e aos países satélites, através de distribuição
secreta de milhões de folhetos.

A NTS vinha obtendo, aparentemente, tão considerável


sucesso que as autoridades russas não podiam deixar de
ignorá-la. Julgando que o dirigente dessa sociedade era a
sua maior fonte de informação, decidiram que deveria
ser eliminado. Assim, em outubro de 1953, o Coronel
Studnikov, então chefe da Divisão do Terror e do
Desaparecimento, chamara à sua presença um dos seus
operadores — certo Capitão Nicolai Khokhlov — e lhe
comunicara que ele e mais dois outros agentes haviam
sido escolhidos para pôr termo às atividades de
Okolovich.

No princípio do mês seguinte, Khokhlov seguiu para a


Alemanha Oriental. Ali, encontrou-se com dois alemães
comunistas, que deveriam ser seus assistentes, e, em
companhia deles, tomou um avião, de volta para Moscou.
Khokhlov era um assassino de grande experiência, não
sendo aquela, portanto, a primeira tarefa que realizaria
para a Nona Seção. Seus assistentes, entretanto, eram
novos no assunto. Enquanto Khokhlov estudava a planta
de Francforte e discutia o plano que deveria executar, os
dois alemães eram submetidos a um treinamento básico,
aprendendo a utilização das armas de fogo, que seriam
usadas para o assassinato, e exercitando-se nas técnicas
de combate desarmado, na Escola Especializada de
Kuchino, nas proximidades de Moscou.

Em fins de dezembro, todos os planos estavam


elaborados. No dia 29 desse mês, Khokhlov, Hans
Kukowitsch e Kurt Weber voaram de volta para Berlim
Oriental. Haviam recebido instruções no sentido de não
entrarem na Alemanha Ocidental, indo do Leste. Em face
disso, foram primeiro a Viena -— onde Khokhlov se
deixou ficar, aguardando a ordem para prosseguir na
execução da tarefa — e Kukowitsch e Weber seguiram
para a estação termal de Baden.

Aconteceu, porém, que os ministros do Exterior das


quatro grandes potências haviam combinado realizar
uma de suas conferências justamente naqueles dias. O
Kremlin, desejando evitar os embaraços de ser acusado
de um assassínio enquanto se processavam as
conversações, chamou Khokhlov de volta a Moscou, onde
ele deveria permanecer até que se encerrasse a reunião.
A conferência terminou no dia 13 de janeiro de 1954.
Logo em seguida, Khokhlov recebeu ordem para retornar
a Viena. Deveria permanecer lá à espera do sinal verde,
a ser dado por Moscou. esse, porém, só viria no dia 8 de
fevereiro, quando então o agente russo viajou para se
juntar aos seus assistentes em Baden.'

Seguindo as instruções do Centro, Kukowitsch e Weber


viajaram por trem para Innsbruck e ali cruzaram a
fronteira para a Suíça, enquanto Khokhlov voou para
Zurique, onde os três se encontraram, dois ou três dias
mais tarde. De Zurique, Khokhlov enviou os dois alemães
para Francforte e juntou-se a eles quase uma semana
depois, a 18 de fevereiro. No dia seguinte, Khokhlov foi
sozinho ao apartamento de Georgi Okolovich e, para
surpresa do dirigente da NTS, disse-lhe que tinha sido
incumbido de assassiná-lo, mas decidira não cumprir a
missão. “O senhor poderia ter a bondade de entrar em
contato com as forças de segurança norte-americanas na
Alemanha Ocidental” — falou-lhe o agente soviético — “e
dizer-lhes que desejo a proteção delas e, em troca,
revelarei o plano e os métodos de ação da Nona Seção e
qualquer coisa mais que possam julgar de utilidade e da
qual eu tenha conhecimento.”

Quando os americanos se livraram da estupefação em


que haviam caído, concederam o asilo solicitado por
Khokhlov, mas as armas especiais, que a Nona Seção
mandara fabricar para a execução do assassínio, não se
achavam ainda em poder dos que deviam executar o
crime. Nessas condições, e agindo sob instruções dos
norte-americanos, Khokhlov disse aos dois alemães que
seguissem para Augsburg, onde lhes seriam entregues as
armas por um agente do NKVD. Assim fizeram.
Khokhlov, conhecendo muito bem os processos da Nona
Seção, estava certo de que um segundo grupo fora
enviado à Alemanha, a fim de vigiá-lo e verificar se
cumpriria a missão de que estava encarregado. Insistiu,
portanto, em que as maiores precauções de segurança
fossem observadas por ocasião de seu encontro com os
norte-americanos. Resultou daí que os contatos, entre os
dois lados, assumiram aspectos verdadeiramente
rocambolescos, como se tirados das atividades de James
Bond. As conversas de Khokhlov com os norte-
americanos realizaram-se num lavatório na Casa da
Ópera de Francforte, e até num camarim de teatro.

Embora Khokhlov pudesse desertar, Okolovich não


poderia considerar-se salvo daquela trama, enquanto os
dois alemães, que haviam deixado as armas no guarda-
malas da principal estação de Francforte, estivessem
soltos. Em vez de prendê-los, Khokhlov foi solicitado a
tentar persuadi-los a desertar também. Encontraram-se,
pois, no dia 25 de fevereiro. Nessa entrevista, Khokhlov
expôs-lhes o que fizera e os aconselhou a seguir seu
exemplo. Aparentemente, os dois alemães não
alimentavam qualquer entusiasmo pela tarefa de que
haviam sido incumbidos e, assim, logo concordaram com
o agente soviético. Nessas condições, Georgi Okolovich,
por algum tempo, estaria salvo.

As informações que Khokhlov pôde fornecer eram


valiosas. A parte mais interessante de todo o incidente,
porém, e a que certamente provocou a maior surpresa,
foi a publicação das fotografias, com minuciosa descrição
das armas fornecidas pela Nona Seção. Incluíam uma
cigarreira, que disparava balas dundum envenenadas
através da ponta dos cigarros, e um revólver, de quatro
polegadas de comprimento, capaz de ser escondido na
palma da mão e que fazia apenas um ruído de
castanhola, quando disparado por um maquinismo
operado por uma bateria.

Desde a morte de Stálin, verificou-se considerável de


decréscimo no número de mortes misteriosas de homens
e mulheres outrora comunistas ou simpatizantes do
comunismo. Se isso foi o resultado das revelações de
Khokhlov ou o resultado da orientação mais humana da
seguinte liderança soviética, não se pode dizer. O
importante é assinalar que, até agora, os assassinatos de
Trotsky; de Ignace Reiss, antigo Diretor-Residente; de
Renata Steiner, comunista suíça; de Dimitry Navachin,
antigo diplomata soviético; o desaparecimento de Juliet
Poyntz, e muitos outros assassinatos e
desaparecimentos, somente constituem a indicação da
existência de um esquadrão de vingança, mas, de fato,
não o provam.

A tradição, porém, existe. E, se houve uma necessidade


real para criá-la, não resta dúvida de que pouca
hesitação deverá existir para que um dia ela seja
ressuscitada. 
Sétima Parte
A EUROPA DE PÓS-
GUERRA

1. Desde a Morte de Stálin

A morte de Stálin afetou de diversas maneiras a Rússia


Soviética. O processo denominado desestalinização, que
se encontrava em desenvolvimento desde a campanha
desencadeada por Nikita Khruschev em 1956,
demonstrou claramente que os próprios dirigentes
soviéticos estavam decididos a extinguir as piores
características daquela era política. Os que têm visitado
a Rússia, ultimamente, constatam a mudança verificada
na atmosfera, no comportamento e no próprio aspecto
do cidadão da rua, assim como na abertura de muitas
novas fronteiras culturais e intelectuais. As alterações
são tão profundas que um retomo aos dias do passado
toma-se impossível.

A mudança verificada na existência diária do cidadão


soviético, que já não revela medo nem evita qualquer
contato com estrangeiros — os quais eram
característicos do período em que Stálin estava no poder
—, e o enfraquecimento do poder da polícia secreta,
segundo se acredita, desempenharam a esse respeito,
um papel de relevo. Sob o regime de Stálin, eram as
forças de segurança interna que decidiam sobre o
destino dos indivíduos e sobre sua sorte final, e este
tenebroso poder repousava, de fato, apenas nas mãos de
um homem.

Lavrenti Béria, como Stálin, era georgiano. E, também


como seu mestre e amigo, possuía toda a brutalidade, a
astúcia e a ambição de poder que caracterizaram o
sucessor de Lênin. Filho de um humilde funcionário
público, nascera em Tíflis, em 1898. Havendo feito um
curso para ser professor, alistara-se, mais tarde, no
exército czarista. Alegava que, no exército, procurara
incitar seus companheiros de armas, levando-os à
sublevação e, por isso, fora julgado por uma corte
marcial e condenado à morte. Conseguira, porém, fugir.
De qualquer forma, não surgiu, até hoje, qualquer prova
de que tenham sido verdadeiras essas alegações.

Depois da Revolução de 1917, Béria se encontrava no


Cáucaso e, quando o Exército Branco assolou o território,
fugiu para a Sibéria. Um pouco mais tarde, já se
encontrava de novo no Cáucaso, realizando trabalho de
Inteligência. Foi em consequência desse trabalho que
despertou a atenção de Stálin, e, quando Dzershinsky
teve a incumbência de organizar sua Cheka, recebera do
Comissário das Nacionalidades, Josef Stálin, uma carta
recomendando-lhe um “brilhante camarada” que
“considero integralmente merecedor de confiança. . .
Lavrenti Pavlovich Béria”.

Logo depois, Béria demonstrava ter vocação tanto para


as atividades secretas como para aprender línguas —
dominava perfeitamente o alemão, o francês e o tcheco
—, e essas duas qualificações lhe conquistaram um posto
na legação soviética em Praga. Ali, devia dar informações
sobre oficiais do antigo exército do czar que se
encontravam em exílio na Tchecoslováquia.

De 1928 a 1937, Béria trabalhou no exterior, empenhado


principalmente em localizar trotskistas. Durante esse
período, insinuou-se de tal maneira na confiança de
Stálin que, após o expurgo de 1938, foi colocado no
controle da Segurança, como Comissário do Povo.
Durante os três anos seguintes, usou o NKVD para
aumentar seu poder pessoal. Como Stálin — a quem
estava determinado a seguir na liderança —, não podia
tolerar qualquer oposição. Os que revelaram a audácia
de se opor a seus propósitos logo descobriram a
brutalidade de que era capaz. Ao alimentar sua ambição,
Béria foi afastando, um por um, com notáveis exceções,
todos os que tentaram erguer-se entre ele e Stálin. Os
demais, conservara-os em suas mãos, através de dossiês
detalhados, que guardava em seus arquivos, e nos quais
eram anotadas todas as ações, públicas ou dissimuladas,
que haviam praticado.

Béria foi o responsável pelo regime de terror que,


durante muitos anos, imperou na Rússia — com o qual
concordara Stálin —, pois compreendeu que a Polícia
Secreta constituía a mais poderosa arma para a
conquista do poder. Insistiu por isso, em ter seus agentes
em todas as unidades das forças armadas. Eram
investigadores que faziam espionagem, apurando a
"lealdade” de cada homem, de general a simples
soldado. Quando a guerra russo-germânica se iniciou, as
fronteiras da Rússia com a Alemanha eram, em sua
maior extensão, guardadas por tropas do NKVD.
Descobriu-se, então, que seus agentes nas linhas de
frente enviavam as informações diretamente a ele. De
posse dessas informações, Béria transmitia a Stálin, e ao
Alto Comando apenas o que julgasse conveniente.
Retinha, assim, muita coisa que teria sido de grande
valor para os estrategistas militares, pelo menos durante
os primeiros seis meses do conflito.

Não se deve esquecer, entretanto, que, sob a direção e o


impulso de Béria, a espionagem soviética teve a
oportunidade de vibrar seus mais brilhantes golpes, e foi
por ordem direta dele que Rudolf Rössler, Richard Sorge
e a Orquestra Vermelha desenvolveram suas atividades.
Como seria de esperar, procurou colocar homens de sua
confiança nos mais importantes postos da organização —
homens que não deixavam de ser discípulos seus, como
Merkulov, chefe de Segurança do Estado durante todo o
período da guerra e ministro da Segurança do Estado e
do Controle até 1953; Dekanosov, chefe do
Departamento do Exterior do Primeiro Diretório; Pavel
Mesnik, chefe da Divisão Especial e diretor do
Departamento do Terror e do Desaparecimento (o
Esquadrão do Assassinato); Nicoforovich Kruglov, que
salvou as vidas de Roosevelt e de Churchill, ao descobrir
um complot para assassiná-los em Teerã, e sobreviveu a
cinco chefes, inclusive ao próprio Béria.

Somente um fato Béria não levou em consideração em


sua ascensão para o ápice do poder: a oposição que lhe
faziam os comandantes do Exército. Cometeu igualmente
um grave erro, subestimando a astúcia do seu mais
próximo rival — Malenkov. Muito antes da morte de
Stálin, Malenkov, que fora o mais íntimo amigo do
autocrata, chegara a um acordo com o Exército, no
sentido de que os militares o apoiassem, no momento
que julgasse oportuno. Quando esse momento chegou, e
o cadáver de Stálin se achava exposto no Hall das
Colunas, o destino de Béria estava selado.

Durante um mês ou dois, nada aconteceu. Subitamente,


porém, Malenkov atacou. Béria se viu preso, sob a
acusação de conspirar para derrubar o então líder
soviético, e, julgado secretamente, foi executado.
Malenkov teve o cuidado de nada divulgar até que tudo
estivesse consumado. Presos e executados, com Béria,
foram os acima citados, com exceção de Kruglov, e todos
aqueles que haviam sido por ele nomeados. O expurgo
foi amplo e de grande profundidade e, através dele,
Malenkov afastou, efetivamente, todos os antigos
dirigentes dos serviços secretos da Rússia, não
escapando mesmo os que atuavam nos mais baixos
escalões da hierarquia policial.

O perigo do poder que um homem conseguia adquirir, ao


dispor do controle de todos os serviços de Segurança,
não fora esquecido por ocasião da nova liderança
soviética, que se mostrou, desde logo, determinada a
que, enquanto ela tivesse influência, o fato não
aconteceria outra vez. Deve ser recordado que, em
princípio de 1941, o Comissariado para a Segurança do
Estado e do Interior fora dividido em dois departamentos
separados, embora Béria reservasse para si o controle
supremo. Após a morte de Stálin, esses departamentos
se fundiram outra vez num ministério — o Ministro dos
Negócios Internos e Segurança do Estado. Kruglov era o
ministro titular da nova pasta, tendo A. I. Serov como
vice-ministro, embora Béria permanecesse no controle de
tudo, como vice-presidente do Conselho de Ministros.
Depois da morte de Béria, o Conselho de Ministros
promoveu uma reorganização desses serviços. Foi
instituído um Comitê de Segurança do Estado, com a
tarefa de coordenar as atividades de segurança interna,
sob a presidência de A. I. Serov, e, ao mesmo tempo, fora
abolida a Polícia Secreta, como havia sido concebida por
Béria. De acordo com a nova instituição, dois chefes
diretores foram nomeados para os serviços secretos. Um
era responsável pelo Primeiro Diretório; o outro, pelo
Segundo Diretório; e ambos trabalhavam, juntos, sob a
direção do Comitê de Segurança do Estado.

Embora a horrível sombra de Béria e de sua polícia


tivessem sido afastados, por fim, do cenário russo — o
que não quer dizer naturalmente, que uma vigilância
estreita ainda não seja mantida em relação a qualquer
atitude subversiva —, a reorganização burocrática desses
serviços não se refletiu, de forma sensível, nos métodos
ou nas atividades de espionagem soviética. Na realidade,
segundo tudo indica, os efeitos foram contraproducentes.

Na Suécia e na Grã-Bretanha, por exemplo, fatos


recentemente ocorridos têm revelado que a espionagem
soviética continua se apoiando na colaboração de
indivíduos dos próprios países onde ela está em
atividade. Alguns deles já foram chantageados ou se
revelaram ideologicamente exploráveis. O que se pode
deduzir é que a ampla rede, anteriormente estendida,
não foi ainda recolhida, mas, pelo contrário, é possível
mesmo que uma rede ainda mais larga tenha sido
atirada. O comportamento de muitos agentes, que se
deixaram comprometer, parece indicar, por outro lado,
que os métodos de treinamento não mudaram, embora
os agentes natos revelem, com frequência, uma
categoria mais elevada, mesmo se acusam aberrações
de caráter ou anomalias psíquicas que eventualmente os
levam ao fracasso.

Existem indícios, igualmente, de que, em casos


positivados, uma bem maior liberdade de ação tem sido
concedida aos agentes que agem isoladamente, o que
nunca foi nem ao menos sonhado na era anterior ou
durante a hegemonia de Béria. Por outro lado, é
evidente, ainda, que o Centro — como sempre o fez —
continua controlando, com mão firme, as operações de
todas as redes no exterior. 
2. A Nova Organização

A reorganização da Europa no pós-guerra determinou


profunda alteração nas técnicas da espionagem
soviética. E essa mudança foi importante, sob diversos
pontos-de-vista. O Centro já não precisaria manter redes
pelo menos em nove países, os quais, antes do conflito,
eram inimigos em potencial da Rússia. Ao contrário disso,
tornou-se possível a incorporação, aos seus serviços, de
agências organizadas e dirigidas por espiões-chefes de
experiência, treinados por ele próprio, mas pagas por
outros governos e integradas por espiões de outros
países. Os segredos do que ocorria em cerca de metade
da Europa, por sua vez, passaram para o seu controle,
como rotina de supervisão administrativa, e o que se
verificava na outra metade passara a constituir
atribuição das agências das nações-satélites. Nestas
condições, o Centro teve as mãos livres para trabalhar
em áreas de maior importância, como, por exemplo, os
Estados Unidos, a Grã-Bretanha, a França e a Alemanha
Ocidental.

A nova organização fez com que agentes, cujos nomes


frequentemente apareceram nos capítulos anteriores,
fossem elevados a novas alturas. Esses agentes
constituíam as velhas raposas que sabiam como uma
rede de espionagem deveria ser organizada e estavam
em condições de dirigi-la segundo os moldes do Centro.
Eram eles: Wollweber, o grande sabotador dos anos do
princípio da guerra e de antes dela, que se tornara
ministro da Segurança do Estado na Alemanha Oriental;
Vaclav Nosek, elevado ao cargo de ministro do Interior
em Praga; e Vulko Chervenkov, que, havendo sido
ministro do Interior em Praga, passara a ocupar a
elevada posição de vice-presidente do Conselho de
Ministros.

Mas, se as novas providências facilitaram a situação para


a espionagem soviética, aumentaram proporcionalmente
as dificuldades da contraespionagem nos países não-
comunistas. Os países-satélites tiveram seus serviços
organizados, e estes passaram a operar nas mesmas
linhas das agências russas. Nos países ocidentais, que
reconheceram as novas “democracias populares”, esses
governos logo estabeleceram embaixadas —
superpovoadas de funcionários, cuja missão era a prática
de atividades ilícitas —, as quais incluíam, entre os
porteiros, motoristas e diplomatas, membros de alta
patente das suas agências de espionagem.

Não tardou que a presença desses agentes nas


embaixadas se tornasse conhecida. E o fato se deu de
maneira muito desagradável. A mesma e numerosa
gente que fugira ante o avanço dos exércitos russos e
que, a princípio, fora recolhida aos campos de pessoas
deslocadas, na Alemanha, e então selecionada para viver
e trabalhar numa democracia ocidental, constituiu um
dos principais alvos das agências-satélites. A maioria dos
integrantes desse grupo humano deixara parentes em
seus próprios países e, sob a ameaça de prisão desses
parentes, eles se submeteram à chantagem e se
transformaram em espiões.

Um dos maiores grupos de refugiados na Grã-Bretanha,


por exemplo, era constituído de poloneses que tinham
servido no exército do General Anders e lutado ombro a
ombro com os aliados. Entre eles, encontrava-se certo
Stanilaus Badjer, que se tornara funcionário do sindicato
que protegia os interesses dos trabalhadores poloneses
na Inglaterra. Infelizmente, a Sr.a Badjer e seu filho
haviam ficado na Polônia.

Em 1949, Badjer recebeu a visita de duas pessoas que se


identificaram como membros de uma pequena rede
polonesa na Grã-Bretanha. Apresentaram ao refugiado a
“sugestão” de que deveria fornecer-lhes os nomes e
certa característica dos demais poloneses que se
encontravam no país e ainda possuíam parentes na
Polônia. Se não aceitasse a “sugestão”, a esposa e o filho
seriam enviados para um campo de trabalho forçado, na
Rússia. No começo da guerra, o próprio Badjer passara
um ano num desses campos e, sabendo que a ameaça
não era ociosa, concordara em colaborar. Assim, pouco
depois, estava com seu quartel-general instalado em
Manchester. Ali, suas atividades, de certa maneira mal
orientadas — já que se tratava de um agente sem
qualquer experiência em operações clandestinas —,
provocaram suspeita entre os seus compatriotas.
Resultou dessa situação que a Divisão Especial fosse
alertada e, consequentemente, Badjer foi preso e
deportado para a Polônia.

Em princípios de 1950, ocorreram diversos casos que


implicavam jovens tchecos e diplomatas de outros
países-satélites. Foram acusados de tentar seduzir
trabalhadores com emprego em fábricas empenhadas
em contratos secretos do governo, de modo a obter que
eles revelassem, em troca de dinheiro, as plantas e
demais características do material em construção. Estes
se mostraram também tão ineptos que logo atraíram a
atenção. Em alguns casos, os trabalhadores se
recusaram a cooperar e, em outros, denunciaram o fato à
polícia. Resultou daí que uma verdadeira sucessão de
embarques ocorresse, todos provocados por exigências
das autoridades britânicas.

Mesmo os russos, que sempre tiveram longa experiência


nesse gênero de atividade, cometeram disparates e
acabaram sendo desmascarados. Em maio de 1954, o
Major Gudkov e o Major Pupyshev — dois adidos militares
assistente à Embaixada de Londres — tiveram de deixar
o país. Sir Anthony Eden comunicou à representação
diplomática russa que eles já não eram considerados
personae gratae pelo governo britânico. Gudkov recebera
a incumbência de obter desenhos de quatro aviões
militares e empreendeu sua tarefa da maneira
tradicional. Obtivera o nome de um comunista que
trabalhava na fábrica que construía esses aviões e, como
esse elemento de ligação não tinha acesso à informação
secreta que desejava, Gudkov ordenou-lhe descobrir um
operário que tivesse esse acesso e, ao mesmo tempo, se
mostrasse dócil em colaborar.

Um empregado nessas condições foi descoberto e


Gudkov arranjou um encontro com ele num bar, não
longe da fábrica. Ali, ofereceu-lhe muitas centenas de
libras em troca de uma cópia das plantas dos quatro
tipos de avião, e, certo de que o inglês estava ansioso
por aceitar a oferta, providenciara a realização de um
segundo encontro. O operário, entretanto, fora à polícia
e, quando o segundo encontro se realizou, alguns
agentes da contraespionagem estavam presentes, como
observadores.

Agindo sob instruções da polícia, o operário protelou os


entendimentos pelo período de seis meses. Durante esse
tempo, todos os movimentos de Gudkov foram vigiados.
Quando o serviço de contraespionagem julgou que já
havia recolhido as provas necessárias, agiu com
presteza, apanhando o major com uma planta falsa em
seu poder. Gudkov só não foi preso pelo fato de gozar de
imunidades diplomáticas.

Sem que Gudkov o soubesse, seu colega Pupyshev fora


incumbido de idêntica tarefa. A abordagem que realizou
foi, entretanto, diferente. Estabeleceu laços de amizade
com um oficial da RAF e tentou persuadi-lo a obter as
informações que o governo russo desejava. O oficial
fingiu-se disposto a cooperar, mas deu parte à polícia, e
a contraespionagem agiu, adotando o mesmo processo
que tivera êxito no desmascaramento de Gudkov.
Pupyshev foi devolvido à Rússia, juntamente com seu
colega da Embaixada.

Dois anos apenas antes desses pequenos incidentes, o


público inglês havia sido informado das atividades da
espionagem soviética na Grã-Bretanha, através da prisão
de um funcionário do Foreign Office, William Marshall. Em
1950, Marshall fora removido para a Embaixada britânica
em Moscou, onde exercia as funções de encarregado do
serviço de cifragem da correspondência. Como Vassall
uma década mais tarde, Marshall não se “ajustou” com o
resto do pessoal da Embaixada. Em sua solidão, procurou
travar relações com alguns russos, embora, na realidade,
seja mais verdadeiro dizer que os russos, sabendo de sua
infelicidade, dele se aproximaram.

Em 1952, Marshall voltou à Inglaterra para trabalhar no


Foreign Office. Levara de Moscou uma carta de
recomendação para o terceiro secretário da Embaixada
soviética, Pavel Kuznetzov. Kuznetzov procurou
proporcionar ao jovem amanuense um padrão de vida do
qual só tinha conhecimento por ouvir falar — jantares
caríssimos e outras coisas mais — e, gradualmente, o
persuadira a entregar-lhe toda informação de
importância que lhe chegasse às mãos para ser cifrada.

Quando Marshall concordou com a proposta, os


encontros no West End foram substituídos por outros em
lugares menos frequentados, como Richmond Park e
Kensington Gardens. Embora não por culpa sua — já que
tinha certa experiência de trabalhos secretos daquela
natureza —, Marshall, sem se saber como, atraiu a
tenção das autoridades de segurança do Foreign Office. E
severa vigilância sobre ele passou então a ser exercida.
Quando a contraespionagem julgou possuir já suficientes
provas do trabalho ilegal que ele vinha realizando, agiu
com sucesso. Kuznetzov e Marshall foram acareados num
dos seus encontros num parque. O diplomata russo
invocou imediatamente suas imunidades diplomáticas e,
em face disso, teve permissão para se retirar. Marshall,
porém, foi preso. Ao ser revistado, encontraram, em sua
carteira, a cópia de um documento altamente secreto do
Foreign Office. Embora negasse que estivesse fazendo
espionagem, o júri não acreditou em suas palavras, e ele
acabou sendo condenado a cinco anos de prisão.

Por essa ocasião, idênticas manifestações da espionagem


soviética ocorriam com frequência em todos os países da
Europa Ocidental, e também nos Estados Unidos. Em
Washington, por exemplo, Christache Zambeti, primeiro-
secretário da embaixada da Romênia, tentou fazer
chantagem contra o diretor de uma empresa de petróleo,
V. C. Georgescu, que fora obrigado a deixar seus dois
filhos na Romênia. A proposta que lhe fizeram foi a
seguinte: em troca de informações secretas, relacionadas
com a segurança dos Estados Unidos, teria os vistos
necessários para que seus filhos a ele se juntassem.
Georgescu procurou imediatamente o FBI e Zambeti foi
solicitado a deixar os Estados Unidos — o quarto
diplomata romeno a ser expulso do território norte-
americano no período de dois anos.

Nenhum país conseguira escapar à ação da espionagem


soviética. As agências de contraespionagem que a
combatiam tiveram seus recursos ampliados ao extremo.
Entretanto, a capacidade do Centro, conforme futuros
acontecimentos iriam demonstrar, fora subestimada
praticamente em todos os países, inclusive na Grã-
Bretanha, nos Estados Unidos, na França e na
Escandinávia. Os casos de Blake e Vassall tiveram,
ambos, seus correspondentes em alguma nação, embora
idêntico clamor os haja acompanhado.

Não resta dúvida de que o MI 5 foi parcialmente culpado


pelo que aconteceu na Grã-Bretanha. Ao lado do seu
fracasso, porém, verificava-se, simultaneamente,
alarmante falta de precaução por parte das agências de
segurança de muitos departamentos governamentais,
que guardavam segredos estratégicos. Nem mesmo a
revelação dos lamentáveis lapsos da segurança do
Almirantado, tornados públicos no caso Lonsdale-
Houghton- Gee, impediram que Blake e Vassall
operassem, com sucesso, por algum tempo, mesmo
depois de aquele trio ser detido pela contraespionagem.
Pode-se admitir que a contraespionagem luta com muito
maiores dificuldades do que o faz a espionagem.
Entretanto, uma hábil organização, cujo objetivo é
desmascarar espiões, desde que seja bem treinada e
esteja sempre vigilante, pode sobrepujar, com facilidade,
a maioria das agências de espionagem, uma vez que
uma pista inicial tenha sido descoberta. O mesmo
acontece em relação aos casos dos comunistas
encapuzados. Praticamente em todos os casos dessa
natureza, verifica-se a existência de uma indicação
qualquer, no início da carreira do suspeito, que o torna
passível de ser considerado um risco de segurança. Essa
indicação pode conduzir a provas concludentes, se ao
menos um escrutínio bem orientado for levado a efeito
em cada caso.

De qualquer forma, o volume da espionagem já realizada


pelos russos e o progresso que eles acusaram em
habilidade e em recursos técnicos, no período de pós-
guerra, representam uma conquista de proporções
gigantescas. Será conveniente ressaltar, porém, que,
provavelmente, em nenhuma parte a espionagem
soviética já se revelou mais intensa do que no interior da
Alemanha Ocidental. 

3. Alemanha Ocidental

Quem quer que converse com um russo — seja uma


autoridade ou um homem da rua — sobre a possibilidade
do irrompimento de uma terceira guerra mundial, não
pode deixar de se impressionar com a sinceridade com a
qual a Alemanha Ocidental é tida, por ele, como a mais
perigosa ameaça à paz mundial. Baseados na História, os
soviéticos estão convencidos de que o militarismo se
acha tão solidamente arraigado no caráter nacional
teutônico que as sucessivas alegações de Bonn, de
desinteresse pela guerra, não podem ser sinceras.
Julgam-nas simples cortina de fumaça, tendo por objetivo
disfarçar uma futura tentativa de restauração do
prestígio militar do país — tão achincalhado por duas
esmagadoras derrotas no período de vinte e cinco anos
—, a ser levada a efeito no momento oportuno. Trata-se
de um ponto-de-vista esposado por largos setores da
opinião pública no Ocidente. Embora todos os governos,
indubitavelmente, mantenham estrita vigilância sobre
qualquer manifestação dessa ambição germânica de
reconstituir seu poderio militar — com a intenção de
suprimi-la tão logo ela se concretize —, os russos,
entretanto, não se mostram dispostos a cruzar os braços
e a aguardar até que os acontecimentos ocorram, no que
diz respeito a problemas dessa natureza, no campo
internacional.

Desde os primeiros anos do pós-guerra, a União Soviética


concentrou na Alemanha Ocidental um esforço de
espionagem que ultrapassa, de muito, suas iniciativas
em qualquer outra parte do mundo, incluindo mesmo os
Estados Unidos. O principal objetivo dessa iniciativa tem
sido o de descobrir todos os segredos que o governo
federal da Alemanha possa ter em gestação.

Essa tarefa, entretanto, não justificaria ou requereria


uma tão grande atividade como a que está sendo levada
a efeito a oeste da curva Travemünde-Hof. Existem,
porém, outras razões para essa preocupação, e que
mergulham suas raízes no próprio oportunismo russo. Em
primeiro lugar, as forças que os norte-americanos e os
britânicos conservam na República Federal constituem
fato que um antagonista em potencial não pode deixar
de levar em consideração. Essas forças dispõem das
mais modernas armas e dos mais aperfeiçoados
equipamentos — aviões, artilharia e centenas de outros
instrumentos de luta. Por outro lado, importantes
segredos políticos ali estão guardados em arquivos e
grandes manobras são levadas a efeito nas florestas e
nas montanhas. Tudo isso está ao alcance de qualquer
agente, ali colocado, sem maiores dificuldades.

Há a considerar, então, que metade da Alemanha já se


encontra em campo soviético. A força que resultaria para
o mundo comunista, em favor dos seus planos de levar a
efeito a sonhada dominação mundial, se a outra metade
da Alemanha caísse na mesma armadilha, constitui, pois,
um precioso incentivo para que os soviéticos procurem,
desde já, preparar o terreno, através da subversão.
Entretanto, os alvos visados têm sido, em sua maioria, de
ordem política e militar.

Na Alemanha Ocidental, podemos ver a combinação das


agências soviéticas e as das nações-satélites trabalhando
em sua mais concentrada forma. Existem quatro delas
em funcionamento: uma agência soviética, dirigida e
controlada pelo Centro, instalada na Alemanha Oriental;
uma agência alemã-oriental; uma agência tcheca, e,
finalmente, uma agência polonesa. O trabalho dessas
quatro organizações é coordenado, com as tarefas
distribuídas pelo Centro, de forma a evitar qualquer
sobreposição de atividades. Os resultados são remetidos
diretamente para o Centro e, somente se os russos o
desejarem, alguns dos segredos, recolhidos pelas
agências “estrangeiras”, chegam ao conhecimento dos
seus respectivos governos.

As quatro organizações trabalham segundo uma norma


só. Oficiais de recrutamento treinados e experimentados
procuram operadores entre as pessoas deslocadas que
ainda possuem parentes atrás da Cortina de Ferro. A
principal fonte fornecedora desses agentes são os
alemães, cujos padrões morais nunca retornaram à
normalidade, após a desmoralização geral de caráter
ocorrida nos últimos anos da guerra. Muitos são
recrutados, igualmente, entre os jovens alemães que,
como todos os moços de qualquer nacionalidade,
desejam participar de uma “aventura”. No caso dos
agentes alemães, a principal isca é o dinheiro, e seus
pagadores — agora que se mostram mais psicólogos do
que o eram antes — não são mesquinhos. Como muitos
soldados rasos estão em contato diário com armas de
todos os tipos e das mais modernas e se encontram,
portanto, em posição de fornecer informações ou mesmo
de levar exemplares dessas armas, essas quatro
agências empregam um bom número de mulheres no
trabalho de aliciamento entre eles. Na realidade,
nenhuma outra agência, em toda a história da
espionagem, já usou tantas mulheres como as que as
redes hoje utilizam na Alemanha Ocidental. Com
frequência, essas mulheres são prostitutas, e,
normalmente, são postas a operar junto aos negros
norte-americanos alistados. Todas se acham preparadas
para oferecer tanto seus corpos quanto um substancial
pagamento em dinheiro, como chamariz.

Nos últimos anos, os alemães não têm divulgado as


cifras dos comunistas presos e condenados como
espiões. Entretanto, através de estatísticas antigas,
pode-se ter uma idéia do volume da atividade
desenvolvida, pelas agências soviéticas e suas aliadas,
na Alemanha Ocidental. Entre 1949 e 1955, não menos
de oitenta e seis causas de espionagem foram levadas
aos tribunais, e o número dos acusados se elevou a 174.
Desde que os espiões presos só representam uma
pequena fração do total que se encontra em atividade,
pode-se presumir que o número de agentes comunistas
no país deve orçar por muitas centenas.

Tanto os tribunais aliados quanto os alemães — os


últimos vêm julgando processos de espionagem desde
1951 — não tratam os espiões com complacência,
embora suas sentenças não sejam tão drásticas como as
proferidas pelos comunistas em casos idênticos. A média
das condenações é de cerca de seis anos de prisão. Em
muitos casos, porém, o máximo de quinze anos tem sido
imposto. E não existe qualquer indicação de que o
reservatório de espiões em potencial esteja secando.

Na realidade, foi o grande número de homens e mulheres


— ambos dispostos a “cooperar”, pela pródiga
recompensa oferecida — que proporcionou às redes a
extraordinária amplitude com que seus serviços hoje
operam. Essa circunstância teve influências sérias na
organização desses serviços, especialmente no campo do
treinamento. Um treinamento muito reduzido passou a
ser dado ao espião selecionado, e o que lhe é ensinado é
rudimentar e feito às pressas. O chefes dos espiões,
entretanto, não se preocupam com essa deficiência.
Sabem que se, por um lado, essa falta de treinamento
conduz a um grande número de prisões, sempre existe,
por outro, a compensação de que, para cada agente
apanhado, uma meia dúzia de candidatos se apresenta
para substituí-lo. Essas considerações, igualmente, têm
reflexo sobre a qualidade do agente potencial
selecionado, o qual, considerado de forma global, é
excepcionalmente pobre — fato este que contribui para o
aumento do número de prisões.

Esses pontos podem ser graficamente ressaltados


através da reconstituição de um ou de dois casos, que
são típicos. Em 1950, os ingleses detiveram certo
Wilhelm Klein, surpreendido espionando seu aeroporto de
Gatow, nas proximidades de Berlim. Como
provavelmente acontece com qualquer outro agente
preso na Alemanha Ocidental, Klein confessou-se culpado
das acusações que lhe eram feitas e se mostrou disposto
a falar. As autoridades inglesas ficaram muito
surpreendidas ao saber que Klein — moço de trinta e dois
anos — possuía uma ficha criminal e cumprira diversas
sentenças por roubo e mercado negro. Era, na verdade,
um homem que qualquer agência de espionagem que se
respeite teria recusado, a não ser para tarefas muito
especiais.

Klein revelou aos ingleses que recebia ordens de um


oficial russo — certo Capitão Grabowski — que controlava
uma das redes soviéticas. Durante seu período de
atividade, obtivera informações sobre o exército britânico
do Reno, sobre alguns objetivos militares, como pontes,
acampamentos e outras instalações, e tirara numerosas
fotografias, as quais tinham sido entregues ao Partido de
Unidade Socialista, ao Partido Comunista — que
funcionavam na região que mais tarde seria o Setor
Soviético —, a fim de serem remetidas a Grabowski.

Três anos mais tarde, descobriu-se uma célula, em pleno


funcionamento, quando um ferreiro local informou às
autoridades britânicas que certo Werner Berg tentara
persuadi-lo a obter informações secretas, prometendo-
lhe, em recompensa, pagar-lhe setecentos marcos por
mês. Berg passou a ser vigiado, e sua atividade levou as
forças de segurança a outros membros da célula — três
homens e duas mulheres, todos alemães — dirigidos por
Robert Koch, viajante comercial que cruzava
frequentemente a fronteira “em sua jornada de
negócios”, passando para o Setor Russo.

Essa célula situava-se em Lüneburg Heath e em


Brunswick, sendo que esta última localidade
representava o mais importante de todos os locais do
BAOR no Setor Britânico. Ali eram realizados testes com
tanques e outros trabalhos de experimentação,
principalmente de artilharia; enquanto todas as
atividades no Heath eram controladas de Brunswick.

As duas mulheres se encontravam entre os mais


importantes membros da célula. Edith Seefeld, noiva de
um oficial britânico, estava, por causa dessa
circunstância, em situação de fornecer detalhes da
programação dos testes, enquanto Erika Krüger, uma das
telefonistas da mesa de troncos do grande campo de
Münster, tinha acesso a relatórios e a fotografias. Edith
Seefeld confessou e, de acordo com suas revelações, as
acusações contra ela foram retiradas. Berg, porém, foi
condenado a cinco anos de prisão. Os outros membros
da célula — com exceção de Koch, que era o seu diretor
e conseguira escapar — sofreram penas de quatro anos
de prisão.
Uma terceira célula, entretanto, fora descoberta,
operando em Kiel. Os dois agentes, envolvidos neste
caso, eram também alemães: Harald Freidank, que
desempenhava as funções de encarregado do serviço de
imprensa patrocinado pelos ingleses; e Hans Frahm,
cronista esportivo e comunista, que já vinha trabalhando
para a rede soviética, quando conheceu Freidank. Frahm
recrutou Freidank, pois o julgara tão útil que, quando os
ingleses o dispensaram do seu serviço, em 1952, tendo
medo de perdê-lo, prometeu-lhe outro emprego numa
agência de notícias da Alemanha Oriental, com escritório
no Setor Britânico. No curso dos entendimentos para a
obtenção desse emprego, Frahm levou Freidank para
Berlim e ali o apresentou a um agente soviético, que o
persuadiu a ingressar na espionagem. Quando Freidank
concordou, foi-lhe dada uma tarefa em Hamburgo, onde
suas perguntas, demasiadamente inquisitivas, sobre as
atividades de alguns oficiais ingleses atraíram a atenção
das autoridades de segurança. Frahm suicidou-se,
enquanto aguardava o julgamento, e Freidank recebeu
sentença leve, de apenas um ano de prisão.

A agência soviética sempre tivera tanto a


contraespionagem como a espionagem britânica em
elevado conceito e, em suas atividades no Setor
Britânico, ela sempre se utilizou de agentes de categoria
muito mais elevada — com exceção de Klein e de um ou
dois outros — do que os que infiltrava nos Setores
Francês e Norte-Americano. Igualmente, a agência
soviética parecia ter uma alta opinião da lealdade do
pessoal do Exército britânico, tanto comissionado quanto
não-comissionado, pois, enquanto fizera uma ou duas
fracas tentativas de aliciar soldados ingleses, esse seu
esforço poderá ser considerado desprezível, se
comparado com o que levou a efeito, também com
objetivo de subversão, entre os NCO e os GI dos Estados
Unidos.

As agências dos países-satélites — as polonesas e as


tchecas — parecem ter sido as destacadas para agir
nesse tipo de operação. Houve, por exemplo, o caso da
ampla rede tcheca em Francforte-sobre-o-Meno.

Embora tendo por sede a Tchecoslováquia, essa rede era


controlada por um oficial tcheco, que vivia sob o falso
nome de Capitão Burda. Em 1950, Burda travou relações
com Hans Pape, rapaz bem-educado e inteligente, filho
de um alemão muito rico. Pape, entretanto, acusava
evidentes sintomas de anormalidade psíquica. Instável
de caráter, vivia trocando de empregos antes da guerra
e, durante o conflito, imaginara passar a maior parte do
seu tempo em hospitais, bem distante das linhas de
frente.

Encontrava-se ele num hospital do Leste, quando a


ofensiva russa passou por ali, não lhe dando tempo para
fugir, e, nessas condições, fora preso. Solto em 1947,
retornou para a Alemanha Ocidental e ali obteve um
emprego na base aérea norte-americana de Rhine-Main.
Em 1950, recebeu uma intimação para ir ao Setor
Soviético e, em Weimar, avistou-se com um oficial russo,
este o incumbindo da tarefa de obter informações sobre
os alemães que trabalhavam para os norte-americanos
na contraespionagem e na polícia militar. Nessa viagem,
Pape conheceu logo Burda, que tinha igualmente uma
proposta para lhe fazer.

Em qualquer fase, Pape jamais conseguira ganhar o


suficiente para fazer frente ao seu sistema de vida. A
proposta de Burda, entretanto, rasgara-lhe novos
horizontes: os tchecos estavam dispostos a pagar-lhe
oitenta libras mensais por seu serviço. Em complemento
à sua missão soviética, os tchecos pediram-lhe que lhes
fornecesse relatórios sobre os norte-americanos e logo
lhe deram os nomes e os endereços de alguns alemães
que poderiam ajudá-lo. Recebeu também instruções
sobre o método que deveria adotar em seu trabalho.

Retornando a Francforte, Pape abriu um estúdio, no qual


moças que desejavam ser estrelas de cinema podiam
fazer testes de filmagem, a cinco marcos por vez. O
custo ridiculamente baixo desses testes — equivalente a
cerca de dez xelins — devia ter constituído uma
advertência a qualquer interessado de que aquele
estúdio não iria longe. De fato, os clientes de boa-fé
eram poucos. Entretanto, Pape não se preocupava com
isso. Seu interesse estava em que aquele local constituía
excelente fachada para todas as mulheres que poderiam
ser vistas, diariamente, entrando e saindo dele.

Entre essas mulheres encontravam-se algumas


prostitutas, que Pape contratara para obter informações
dos soldados negros. A mais destacada agente desse tipo
era uma antiga amante sua, Elisabeth Dörhöfer. Tratava-
se de uma jovem muito atraente, empregada na Pan-
American Airways, em Francforte. Pape não a seduzira
para entrar na organização, valendo-se do recurso de
renovar sua antiga amizade. Ao contrário, apresentou-a a
Burda, quando este esteve em visita a Francforte. Ela se
tornou logo amante do agente tcheco e, em seguida,
passou a ser sua espiã.

A tarefa que competia a Elisabeth Dörhöfer era a de


obter informações dos oficiais norte-americanos. Ela
dedicou-se, de corpo e alma, à tarefa que lhe fora
confiada. Fotografou-se completamente nua, e utilizava
essas fotografias como meio de se aproximar dos oficiais,
escolhidos por Burda como prováveis fontes de
informação. Obteve grande êxito nessa atividade. Mas
um incidente ocorreu, e sua carreira, iniciada tão
brilhantemente, foi subitamente cortada. Um dos seus
clientes regulares — um jovem segundo-tenente —
tornara-se desconfiado, em face das muitas perguntas
que ela lhe fazia, e levou o fato ao conhecimento do
serviço de segurança. Quando isso aconteceu, não se
tratava da primeira denúncia que o corpo de
contraespionagem havia recebido contra Elisabeth.
Outros oficiais depuseram que ela lhes oferecera
dinheiro, em certos casos até 800 libras, por informação
transmitida. E não apenas isso. Pape denunciara sua
própria rede à CIC, com a oferta de agir como agente
duplo, e, em seu depoimento, citara a antiga amante. A
oferta fora rejeitada e a denúncia não chegara a ser
levada a sério. Pape fizera idênticas ofertas aos franceses
e aos ingleses, os quais, de forma surpreendente,
reagiram do mesmo modo que os norte-americanos.
Somente depois que se avolumaram as denúncias, feitas
pelos oficiais, é que a CIC decidiu ficar de sobreaviso.

Os agentes da CIC receberam instruções para vigiar


Elisabeth. Pouco depois, descobriram que ela fazia
frequentes visitas à Tchecoslováquia e, em consequência
disso, os norte-americanos admitiram que provavelmente
estivesse envolvida em assuntos de espionagem. De
qualquer maneira, na primeira vez em que tentou cruzar
a fronteira, entre o Setor Norte-Americano e a República
da Tchecoslováquia, foi presa. Em sua bolsa, a CIC
encontrou cópia de um mapa secreto, uma circular do
Exército, fotografias de granadas de morteiros e vários
outros documentos interessantes e confidenciais.
Elisabeth, uma vez desmascarada, mostrou-se disposta a
cooperar. Citou seus dois contatos alemães, Karl Lippert
e Hilde Klimberg. Julgada, foi condenada a sete anos de
prisão; Lippert, a três; Klimberg, a dois anos. Pape, por
alguma razão mais bem conhecida pelas autoridades
americanas, foi absolvido.

Outra mulher-agente, que trabalhava com idêntica tática:


Margarete Pfeiffer, também colaboradora de Burda. Era
alta, bonita de corpo, loura e linda. Habitualmente,
ganha a vida servindo de modelo. Recebendo a tarefa de
obter particularidades de um canhão dotado de um
aparelho de pontaria, baseado em raios infravermelhos,
concentrou seu trabalho no seio das tripulações de
tanques, às quais oferecia grandes somas de dinheiro e,
como um bônus especial, também sua técnica em se
movimentar numa cama.

Enquanto ameaçou fazer desaparecer as vítimas, se


falassem, obteve grande sucesso em suas atividades.
Um dia, porém, conheceu um soldado, chamado Eicher,
que não se deixou impressionar por suas ameaças e a
denunciou à CIC. A CIC usou Eicher como armadilha para
pegá-la e, assim, foi detida. Margarete negou-se a
confessar. Respondeu a processo sozinha, recebendo a
sentença, relativamente leve, de quatro anos de prisão.

Em 1948, Karl Kunze e sua amante Luise Frankenberg


foram instruídos, por uma agência polonesa, a organizar
uma rede em Berlim Ocidental. Abriram uma galeria de
arte, como disfarce, e, enquanto Kunze agia recrutando
membros entre os alemães contrários aos aliados,
Frankenberg procurava mulheres que pudessem ser de
alguma utilidade. O mais notável sucesso que essa
agente obteve foi o recrutamento de Maria Knuth, mulher
de quarenta e dois anos, sem filhos, inteligente e
separada do marido, o conhecido aviador Manfred Knuth.
Concluído o recrutamento, Kunze e Frankenberg
receberam ordem de mudar para Francforte, de onde,
segundo decidira o quartel-general polonês, a rede
deveria operar. Maria Knuth fora deixada em Berlim para
agir como “caixa-postal” da organização.

Entretanto, Kunze, não se mostrando muito satisfeito


com a composição da rede, procurou melhorá-la. Aceitou
a colaboração de duas outras pessoas, Flermann
Westbeld e Marianne Opelt, ambos empregados na
polícia de Francforte. Feito isto, a organização entrou em
atividade.

A rede mal começara a operar, quando Kunze se


suicidou. Fora provido de dinheiro pelos poloneses e
tratara seus agentes com a maior liberalidade. Não
obstante isso, desviara grandes somas para o custeio das
próprias despesas e das suas numerosas amantes. Os
poloneses descobriram o desfalque e, quando se
preparavam para exigir um ajuste de contas, escolhera o
suicídio, saída honrosa para um oficial prussiano, que, de
fato, havia sido.

Maria Knuth fora levada para Berlim, a fim de assumir a


direção da rede. Frau Knuth revelou-se ótima agente, e a
rede, sob sua liderança, tornara-se rapidamente uma das
de maior êxito entre as que operavam na Alemanha
Ocidental.

Quando as potências ocidentais tomaram a decisão de


incluir a Alemanha na OTAN, em 1950, essa iniciativa foi
interpretada pela Rússia como sendo um plano para o
rearmamento alemão — justamente o que os russos mais
temiam. A decisão exigia uma ação imediata. A agência
polonesa recebeu instruções para incumbir Frau Knuth de
fazer com que sua rede se infiltrasse na agência
instituída pelos aliados, e conhecida como Amt Blank.
Frau Knuth encarregou-se, ela própria, da primeira
tentativa. Candidatando-se a um cargo de secretária na
Amt foi rejeitada, por sua taquigrafia não ser bastante
fluente. Na realidade, a tarefa, sob todos os aspectos,
revelara- se difícil. A abertura de uma fenda no sistema
de segurança da Amt Blank não foi conseguida senão em
1952, quando um dos agentes de Frau Knuth, chamado
Hauer, apresentou-a a um indivíduo, de nome Petersen,
que alegava ser empregado na organização dos aliados.
Como lhe fora solicitado fazer, Frau Knuth, antes de
tentar recrutar Petersen, levou o fato ao conhecimento
do seu quartel-general. Foi advertida de que Petersen
poderia ser um impostor, mas, mesmo assim, teve
permissão para prosseguir na tarefa, usando, entretanto,
de extrema precaução. Dentro de pouco tempo, relações
íntimas estabeleceram-se entre os dois.

E essa aproximação foi-lhe fatal. Petersen era, na


realidade, um agente da Alemanha Ocidental. Durante
algum tempo, fornecera à rede excelente material falso,
procurando saber tudo o que lhe convinha sobre a
organização. Em abril de 1953, as autoridades da
Alemanha Ocidental julgaram ter já todas as informações
desejadas, e a rede inteira foi presa. Frau Knuth, por essa
época, sofria de um câncer em avançado estágio.
Enquanto aguardava o julgamento, submetera-se a duas
operações, embora não ignorando que, dentro em breve,
morreria. Nessas condições, não fez qualquer tentativa
para se defender. Somente explicou que desejava
impedir o rearmamento da Alemanha.

A respeito da agência da Alemanha Oriental —


controlada pelo experimentado Ernst Wollweber, como
ministro da Segurança do Estado —, suas atividades se
desenvolveram mais no setor da sabotagem do que no
da espionagem. Os técnicos sempre julgaram que as
misteriosas explosões e incêndios, ocorridos em vasos de
guerra e em transatlânticos de passageiros — como, por
exemplo, no Queen Elizabeth, no Queen Mary e no
Empress of Canada, em 1953, e a explosão no porta-
aviões Indomitable —, foram trabalho desse sabotador-
mestre, ajudado por unidades móveis, especialmente
treinadas, que receberam suas instruções na Escola
Naval de Wustrow. Suas operações terrestres, porém,
consistiam principalmente em contrabandear material
estratégico pertencente às forças armadas do Ocidente.

A agência da Alemanha Oriental realizou, também,


algumas poucas tarefas de espionagem, e todas elas de
natureza extremamente grave. Numa delas, viu-se
envolvido um oficial da polícia de Berlim Ocidental. esse
militar forneceu aos comunistas os planos elaborados
pelo Ocidente para impedir os numerosos raptos de
alemães e um relatório sobre a organização das forças
policiais da Alemanha Ocidental. Outra dessas tarefas
estava relacionada com um alto funcionário da
administração da polícia de Berlim, um comunista
chamado Bruno Wricke, que não fizera qualquer tentativa
para esconder sua fidelidade partidária e, não obstante,
fora nomeado. Wricke trabalhou, durante seis anos,
fornecendo importantes documentos à agência da
Alemanha Oriental, inclusive listas das pessoas presas,
cópias de interrogatórios, e assim por diante. Existiu
também, por fim, o caso de Margarete Schmidt, a quem o
New York Herald Tribune descreveu nos seguintes
termos:

Margarete Schmidt, que era uma bonita jovem,


estabeleceu seu primeiro contato importante com o
pessoal da Força Aérea em Berlim Ocidental, através das
relações íntimas que mantinha com um oficial graduado
da Inteligência. Esse affair teve início no verão de 1953 e
parece haver-se prolongado pela maior parte do ano.
Julga- se que ela manteve outro "caso” simultânea ou
subsequentemente com uma autoridade civil ou oficial
da Força Aérea de patente inferior.

O oficial da Inteligência, de posto mais elevado,


arranjara-lhe o cargo de secretária numa agência norte-
americana de Inteligência, em Berlim Ocidental. Mais
tarde, foi demitida do emprego, sob a alegação de que
demonstrava excessiva curiosidade em relação a
documentos secretos, que se encontravam nas
escrivaninhas de outras pessoas.

Não obstante essa demissão, Margarete Schmidt


conseguira obter outro emprego de secretária na base
aérea norte-americana de Tempelhof, em Berlim
Ocidental. Enquanto exercera esse cargo, mantivera
contato com pessoas de quem se fizera conhecida
durante seu emprego no setor da Inteligência. Sua prisão
ocorreu porque tentara fazer grande pressão sobre um
alemão, que trabalhava para seus antigos empregadores
da Inteligência norte-americana, no sentido de que ele
lhe fornecesse segredos de contra-inteligência.

Um dos primeiros sucessos da então recém-criada


agência de contraespionagem política da Alemanha
Ocidental, a Amt für Verfassungsschutz, foi o
desmantelamento de uma das mais extensas redes em
funcionamento naquela parte do território germânico. Em
1951, um Instituto de Pesquisas Econômicas fora
instalado em Berlim Oriental e, pouco depois, ele
estabelecera uma sucursal em Francforte-sobre-o-Meno,
sob a direção de Ludwig Weiss, oficial de alta patente do
Ministério do Comércio do Setor Soviético. Ao mesmo
tempo, uma suposta empresa comercial privada fora ali
organizada, sob o título de Ost-West Handelsgesellschaft.

Em teoria, o Instituto de Pesquisas Econômicas e seus


anexos teriam por objetivo o que sua denominação dava
a entender — organizações para explorar as
possibilidades de comércio entre as Zonas Oriental e
Ocidental —, embora, de fato, sua verdadeira função
fosse a de obter informações sobre todos os aspetos da
vida na Alemanha Ocidental e, particularmente, aspectos
de sua administração, considerados sigilosos, e
referentes ao seu rearmamento. Em outras palavras,
aquele Instituto não passava de uma simples cobertura
para a realização de espionagem em larga escala.

Ignora-se, até hoje, como foi obtida a permissão das


autoridades da Alemanha Ocidental para a instalação
dessas organizações em Francforte e Hamburgo. A real
significação desse Instituto e dos seus apêndices não
escapara, porém, à argúcia da nova agência de
contraespionagem política. Dentro de pouco tempo, a
Amt havia-se infiltrado tanto na célula de Francforte
como na de Hamburgo. Ao lado disso, um agente seu,
Gotthold Kraus, obtivera um posto no quartel-general de
Berlim Oriental — onde treinava recrutas que deveriam
operar no Ocidente —, o qual, antes de retornar a Bonn,
em 1953, acumulara suficientes provas documentais que
iriam permitir aos seus superiores desmascarar toda a
rede, que funcionava sob o falso nome de Vulkan.

Entretanto, antes que isso acontecesse, Weiss, chefe da


célula de Francforte, fora preso, em consequência do
depoimento de outro agente do Ocidente, Wilhelm
Ruschmaier, que lhe fornecera falsos documentos,
preparados pela Amt. Mas somente quando Weiss se
tornara perigoso, ao obter informações genuínas sobre
segredos militares e políticos dos aliados, julgaram que
deveria ser silenciado. Após a prisão de Weiss, a rede
continuou a operar, até que Kraus retornou de Berlim
Oriental, na primavera de 1953. Então, a agência do
Ocidente atacou, e arrebanhou os restantes trinta e cinco
membros da Vulkan.

Esta foi a terceira rede que a Amt für Verfassungsschutz


desmantelara, no período de um ano. As outras duas
foram: uma polonesa e uma tcheca. A Amt era, por sua
vez, a maior rede então operando na Alemanha
Ocidental.

A atividade da espionagem soviética e a dos países-


satélites ainda não desistiu de atingir seus objetivos,
nem relaxou em seus esforços. Como já dissemos, a
maioria das prisões e dos julgamentos de espiões na
Alemanha Ocidental tem sido conservada em segredo,
mas existe uma prisão em Landsberg, na Bavária, que,
além de hospedar uns poucos criminosos de guerra
alemães, foi inteiramente preparada para abrigar
agentes estrangeiros. Esta prisão, segundo se diz, já
atingiu seu ponto de saturação e, em face disso, as
autoridades estão procurando outro local, que se mostre
adequado para receber o constante fluxo de espiões,
ainda colhidos pela rede da Alemanha Ocidental. 
4. A Volta de Lucy

Ao terminar a guerra, Rudolf Rössler, que, sob o nome


falso de Lucy, realizara verdadeiros milagres em favor da
espionagem soviética durante o conflito, recusou-se a
prosseguir em suas atividades clandestinas. Não
desejava trabalhar para a Rússia, nem queria auxiliar a
Suíça. Os russos o haviam recompensado
generosamente, pagando-lhe um altíssimo salário. Os
suíços, por seu lado, não se tinham mostrado
parcimoniosos. Nestas condições, o acervo da renda
dessas duas fontes, ele o empregou em sua empresa
editora — Vita Nova. Essa revista entrara numa fase de
dificuldades. Extinto o nazismo, a liberdade de imprensa
tornara-se uma das características da Alemanha
Ocidental e, em face disso, não existia, realmente,
mercado para aquele gênero particular de propaganda.

Rössler, porém, prosseguia considerando Vita Nova um


filho predileto do seu espírito. Quando o Centro soube de
apertos financeiros do seu antigo agente — os quais
coincidiam com sua decisão de reviver a velha rede suíça
—, fez-lhe uma oferta, logo aceita. Rössler voltaria, mais
uma vez, à atividade, trabalhando em favor dos seus
objetivos de espionagem. Esse ex-agente, segundo
parece, conservara seus contatos do tempo da guerra —
que, então, serviam ao novo regime — e, nestas
condições, não lhe fora difícil persuadi-los a lhe fornecer,
de novo, informações secretas.
Deve ser recordado que Rössler fora apresentado, em
primeiro lugar, ao serviço de Inteligência da Suíça por um
jovem jornalista — Xaver Schnieper. Schnieper, depois da
guerra, confessara abertamente suas simpatias pelo
comunismo e se tornara presidente do diretório regional
de Lucerna, do Partido Comunista Suíço. Quando, porém,
a agremiação se dividira, em 1946, em consequência de
um escândalo financeiro interno, vira-se expulso das
fileiras partidárias e aderira a algumas organizações
anticomunistas.

Schnieper, entretanto, possuía hábitos dispendiosos,


especialmente no que dizia respeito a mulheres. Além
disso, ou talvez por isso, estava sempre em dificuldades
financeiras. Assim, quando abordado por uma agência
soviética, que lhe sugeriu aliar-se a Rössler, concordou
logo.

Em 1948, Schnieper se inscreveu no Partido Democrata


Social da Suíça e, logo depois, foi enviado para Bonn,
como correspondente da Imprensa Socialista Suíça.
Tratava-se de uma personalidade de grandes atrativos e,
assim sendo, não tardou que estabelecesse largo círculo
de amigos e conhecidos, todos exercendo altos cargos na
administração da Alemanha Ocidental. Como Sorge no
Japão, ele podia procurar informações sem provocar
qualquer suspeita, já que em suas funções de
correspondente de um jornal. Além disso, existia muita
gente que se mostrava desejosa de transmitir-lhe o que
sabia, a título apenas de colaboração jornalística. O que
essas pessoas não compreendiam, entretanto, é que
todas as coisas importantes que lhe contavam eram
rapidamente retransmitidas para Moscou.

O terceiro membro da célula era um oficial tcheco,


Coronel Volf, integrante do quadro do pessoal de uma
rede tcheca que operava na Suíça, dirigida de Praga e
orientada pelo Centro, com o veterano espião Coronel
Sedlacek — que era o adido militar à embaixada em
Berna — exercendo as funções de Diretor-Residente.
Sedlacek, velho amigo de Schnieper, não teve qualquer
dificuldade em persuadi-lo a aderir ao seu estafe.

Os contatos alemães de Rössler encontravam-se ainda


em condições de fornecer-lhe material de alta categoria,
tanto relativo à Alemanha como à Grã-Bretanha, à
França, aos Estados Unidos e à Escandinávia, não apenas
obtido no interior da Alemanha, mas nos próprios
territórios dos outros países. Sua posição pessoal junto
ao Centro era, portanto, de elevada importância. Em face
disso, recebia uma remuneração realmente excepcional
— de, aproximadamente, quatrocentas libras mensais.

Schnieper, além de especialista em material técnico —


Rössler concentrara-se em espionagem política e em
Inteligência militar —, atuava como secretário do seu
chefe alemão e datilografava-lhe os relatórios. Quando o
Centro começou a estimular a utilização do microfilme,
logo aprendeu essa técnica, tomando providências no
sentido de que, dali por diante, as informações enviadas
para Moscou seguissem através da microfilmagem.

As comunicações se realizavam através do recurso de


colocar os microfilmes em pacotes de gêneros
alimentícios enviados a um “caixa-postal”, em
Düsseldorf. O processo era perfeitamente seguro.
Naquela época, o generoso povo suíço estava remetendo
alimentos para os seus amigos alemães, em centenas de
pacotes diários. Desgraçadamente, justamente esse
método de comunicação iria pôr termo às atividades da
célula.
A célula Rössler-Volf-Schnieper trabalhou durante cinco
anos, de 1947 a dezembro de 1952. Neste último mês,
um pacote de gêneros alimentícios fora despachado para
um mítico Heinrich Schwartz, em Düsseldorf. Por motivo
que se desconhece, Schwartz não foi receber a
encomenda, a qual, após o regulamentar tempo de
espera, foi, em janeiro de 1953, devolvida para a Suíça.
Como não havia qualquer indicação de quem fosse o
remetente, as autoridades abriram-no, e encontraram os
microfilmes, que se achavam escondidos em vidros de
figos e de mel de abelha. Continham relatórios sobre os
aeroportos britânicos na Alemanha Ocidental, sobre as
últimas manobras do Exército norte-americano e sobre o
poderio aéreo dos Estados Unidos na Grã-Bretanha.

A Abwehr suíça tinha poucas dúvidas em relação à


origem desse material excepcionalmente importante e,
em face disso, Rössler e Schnieper passaram a ser
vigiados. Em seguida, foram presos. Não fizeram muita
cerimônia em revelar as atividades a que se entregavam
e, como não estavam comprometidos em espionagem
contra a Suíça, receberam sentenças leves: um ano de
prisão para Rössler e nove meses para Schnieper. Ambos
poderiam ter sido deportados, mas alegaram que, se
fossem mandados de volta para a Alemanha, ali seriam
processados por espionagem. Não se mostravam
desejosos, igualmente, de buscar refúgio atrás da Cortina
de Ferro. Nessas condições, “em vista dos seus grandes
serviços prestados à Inteligência suíça, durante a guerra,
e porque eram apátridas”, só receberam o ligeiro castigo
acima referido.

Rössler morreu em 1962, ainda negando que, alguma


vez, tivesse realizado qualquer serviço de espionagem.
Deixou o mundo dos vivos sem dizer quais os seus
contatos alemães e sem ao menos fazer qualquer
insinuação em relação à identidade deles.

5. França

Certamente, nenhum outro país não-comunista da


Europa, e provavelmente no mundo, ofereceu seus
segredos à União Soviética com tanta generosidade
como a França, no período que decorreu entre o fim da
guerra e a ascensão de De Gaulle. A situação política
francesa era de tal ordem, naquela época, que a
espionagem soviética quase não tinha necessidade de se
empenhar em qualquer espécie de atividade.

Numericamente, o Partido Comunista Francês sempre


fora o mais forte de todos os congêneres da Europa, com
exceção do da própria Rússia, embora o italiano
houvesse, de tempos a tempos, se aproximado dele.
Durante a ocupação alemã, não se pode negar que a
Resistência Comunista na França — embora lutando
contra a falta de dinheiro e de equipamentos e não
recebendo qualquer auxílio exterior — foi, entretanto, o
mais ativo e patriótico, na significação rudimentar da
palavra, e, igualmente, o mais oportunista de todos os
grupos que se formaram para lutar contra os nazistas. As
diversas organizações isoladas que, até quase o meio da
guerra, lutaram umas contra as outras, tão ferozmente
como enfrentavam os alemães, representando as
diversas tendências políticas que florescem
particularmente bem na França, constituíam um reflexo
da situação interna do país. Embora houvessem feito
uma tentativa para dirimir suas divergências e de
colaborarem para a salvação nacional — e, até certo
grau, essa união obteve êxito —, em 1944, quando se
deu a libertação, todas as velhas inimizades mais uma
vez surgiram, e a própria existência da França, como
entidade democrática, passou a ser ameaçada.

Não fosse a ação de um ou dois dos seus líderes


políticos, mais perspicazes que os demais e
temporariamente dispostos a cooperar para um propósito
e tão-somente um propósito — evitar que o comunismo
assumisse o poder —, não há dúvida de que a França se
haveria tornado a primeira nação comunista da Europa
Ocidental. De qualquer forma, tratava-se de uma
situação excessivamente complexa.

Na confusão, em que a falta de planejamento para o


futuro afundara Paris e a França inteira, os comunistas
agrediram o povo e as instituições do país com um cínico
desrespeito por todos os direitos e privilégios individuais.
Usaram os métodos violentos dos gangsters. Lançando
mão, astuciosamente, do processo de provocar o ódio e o
desejo de vingança que a atmosfera do tempo de guerra
despertara entre as camadas politicamente mais ativas
da população, utilizaram o ambiente de cólera e de
amargura, por eles próprios criado, para tentar livrar-se
dos seus mais fortes antagonistas. Os adversários,
mergulhados num quase incompreensível caos, que a
luta reciprocamente destruidora havia provocado, não se
mostravam apenas cegos em seus ódios e inconscientes
em relação ao que estava acontecendo, mas, também,
desperdiçavam a pequena força de que dispunham para
lutar, enfim, contra qualquer um.

Por algum motivo, que por certo intrigará os


historiadores futuros, a França, foi salva do comunismo
apesar de si mesma. Um breve esboço da sua situação
política, nos primeiros dois ou três anos do pós-guerra,
mostrará como esse país esteve próximo do desastre.
No dia em que Paris foi libertada — 25 de agosto de 1944
—, proclamou-se outra vez na França uma república e,
pelo menos teoricamente, uma legislação republicana foi
posta em vigor. De Gaulle remodelou o governo
provisório, que presidira na Argélia desde 1943. A
devastação, provocada pela guerra, havendo tornado
difíceis as comunicações, comissários republicanos,
investidos de plenos poderes, foram nomeados para as
regiões do interior. Como órgão de assessoramento do
governo, existia uma assembléia consultiva, na qual
todos os partidos e o Conselho Nacional de Resistência
tinham assento. Seus membros eram nomeados pelo
Comitê da Resistência. As primeiras tarefas do governo
foram as seguintes: restabelecimento das comunicações;
reorganização do abastecimento; manutenção da ordem
no país, devastado material e psicologicamente pelos
quatro anos de ocupação.

Um expurgo dos que haviam colaborado com os alemães


foi considerado a medida mais importante que devia ser
levada a efeito. Nos primeiros dias, como já demos a
entender, realizaram-se execuções sumárias de
colaboracionistas. Esses foram os dias de grande perigo
para a França. Afortunadamente, porém, a Justiça logo
interveio, e os mais notórios colaboracionistas passaram
a ser julgados por tribunais adequados. A administração,
o jornalismo e o mundo das letras e das artes passaram
por um expurgo sistemático, levado a efeito por comitês
instituídos para essa finalidade. Os colaboracionistas
econômicos foram procurados e os aproveitadores ilícitos
tiveram confiscados seus lucros. Dezenas de milhares de
condenações à morte, a trabalho forçado ou à prisão
foram lavradas. Pétain e Laval sofreram a pena máxima,
e o último foi executado. Pétain, em face de sua
avançada idade, já que contava noventa anos, teve a
sentença transformada em prisão perpétua.
Durante os anos de 1945 e 1946, a França permaneceu
sob governos provisórios. A opinião pública, em seu
íntimo, aspirava a que o país pudesse ser dotado de uma
Constituição capaz de impedir que a degradação política
do período de antes da guerra fosse repetida. No dia 21
de outubro de 1945, uma Assembléia Constituinte foi
eleita. Sua principal finalidade era justamente a
elaboração de uma Constituição. O Partido Comunista
obteve 150 lugares; os Socialistas, 139; e um novo
partido católico e democrático, o Movimento Republicano
Popular (MRP), 149 assentos; enquanto os Radicais só
obtiveram 25.

A Constituição, que essa Assembléia elaborou, foi


rejeitada no dia 5 de maio de 1946, e se elegeu uma
nova Assembléia Constituinte. Uma vez mais, os
comunistas constituíam a mais numerosa agremiação
partidária isolada, seguida de perto pelo MRP. A
Constituição elaborada então teve aprovação de uma
fraca maioria, no dia 13 de outubro daquele mesmo ano.

De Gaulle, em choque com a Assembléia Constituinte,


tanto em relação à elaboração da Carta Magna como no
que dizia respeito à política externa, renunciou, no dia 21
de janeiro de 1946, à chefia do Governo Provisório.
Substituiu-o Gouin, presidente da Assembléia e membro
do Partido Socialista. Gouin apoiou a Constituição, que
um plebiscito rejeitou, e resignou após a eleição da
segunda Assembléia Constituinte.

O sucessor de Gouin foi George Bidault, líder do MRP,


que assumiu o poder no dia 23 de junho. Este também
pouco depois renunciava, de acordo com a praxe,
quando a nova administração nacional iniciou suas
funções, no dia 10 de novembro. Tornou-se difícil, então,
a constituição de um Ministério. Nem o MRP nem os
Socialistas queriam colaborar com o mais forte partido na
Assembléia, o Comunista. Finalmente, a fim de aguardar
a eleição de um novo presidente da República, o
veterano socialista Léon Blum formou um Ministério
puramente socialista, com duração limitada a seis
semanas. Não obstante seu curto período de existência,
esse governo imprimiu vigorosa orientação à política
francesa. Reprimiu a tendência para uma generalizada
elevação dos preços e iniciou negociações para um
tratado de aliança com a Grã-Bretanha. No dia 16 de
janeiro de 1947, o primeiro presidente da Quarta
República, Vincent Auriol, foi eleito.

Seguindo a praxe, Blum resignou, e Ramadier tornou-se


primeiro-ministro. Seu governo — constituindo, a
princípio, uma coalizão de socialistas, comunistas e
elementos do MRP, da qual os comunistas mais tarde se
retiraram — seguiu a linha dos que o antecederam, no
sentido de promover a estabilização econômica e a
reconstrução da França. Por volta da primavera de 1946,
consideráveis progressos haviam sido feitos. Entretanto,
isso não impediu que, durante os seguintes doze anos, a
situação política do país tivesse de enfrentar,
continuamente, grandes dificuldades. A guerra da Argélia
irrompera e tornara a situação ainda mais perigosamente
instável, o que obrigou, por fim, à convocação de De
Gaulle, que, deixando seu retiro, assumiu o Governo para
salvar a nação.

Como a mais forte agremiação partidária isolada,


existente no país, o Partido Comunista, nos quatro
primeiro anos do pós-guerra pelo menos, não poderia
deixar de ter posições de relevo na administração. Em
várias ocasiões, líderes comunistas foram ministros da
Guerra e da Aeronáutica, enquanto outros, como Paul
Marcel e Auguste Lecoeur, controlavam importantíssimos
setores da administração, como, por exemplo, a
produção industrial, enquanto o veterano Thorez ocupou
por algum tempo, no outono de 1945, o cargo de vice-
primeiro-ministro.

Além dos comunistas que ocupavam elevadas posições,


muitos outros políticos da mesma filiação ideológica
infiltravam- se em numerosos cargos, embora sem
grande relevo, mas que constituíam peças vitais da
administração. Entre as primeiras missões diplomáticas
junto à Quarta República, a russa tomou a dianteira, logo
se estabelecendo em Paris. Chegou com um pessoal
enorme, o que só poderia significar uma coisa: que a
espionagem soviética tinha a intenção de lançar um
assalto global aos segredos franceses. Algumas das suas
atividades e certas operações já planejadas tornaram-se
desnecessárias durante os primeiros três anos. E isto por
que a infiltração legal, que os comunistas haviam levado
a efeito em pontos-chaves da administração, dera-lhes
acesso a todos os segredos da França e, também, a
muitos da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos.

Poder-se-ia dizer com justiça que, durante o primeiro


período do pós-guerra, as atividades dos chefes da
espionagem soviética, na França, estiveram divididas em
duas principais categorias: recebiam informações
passadas por seus agentes, infiltrados na administração,
e, por outro lado, faziam a limpeza de sua casa no
Ocidente, desfazendo imundas embrulhadas, como, por
exemplo, a deixada pela rede suíça de Alexander Rado, e
concluindo alguns negócios inacabados, como, por
exemplo, o da obtenção da liberdade, a ser decretada
pela Justiça francesa, de Waldemar Ozols, que fora
assistente do “Pequeno Chefe” Sukulov.
Há a ressaltar, entretanto, que o Centro, naquele
período, dava a impressão de trabalhar baseado na
presunção de que a predominância dos comunistas nos
negócios da França não devia durar, e aquela fase de
facilidades poderia ser utilizada para o lançamento dos
alicerces de uma organização que surgiria, quando
chegasse a oportunidade. Uma das mais expressivas
atividades desse tempo foi a ressurreição dos
Correspondentes Trabalhadores (Rabcor) que haviam
agido tão bem nas décadas dos vinte e dos trinta.
Verificou-se, igualmente, o retorno à cena de algumas
figuras veteranas dos primeiros tempos do comunismo,
como Jean Cremet e seu velho assistente Pierre Provost,
enquanto Octave Rabaté, editor de L’Humanité, na época
do escândalo de Cremet em 1928, assentava-se, outra
vez, em sua mesa na direção do jornal. No período de
cinco anos, não menos de 650 Rabcors operaram em
Paris, com outros 200 espalhados por todo o território da
França. Iriam fornecer outra vez à espionagem soviética
um suprimento de informações aparentemente
infindável.

Quando os comunistas deixaram o governo, em 1947,


procuraram manter o acesso, de que desde muito
dispunham, aos segredos nacionais franceses. Muitos
deles, ocupando cargos mais modestos, conservaram-se
em posição de poder conseguir, com facilidade,
importante material de Inteligência. Independentemente
dos comunistas, porém, colaboravam, nessa obra de
subversão clandestina, numerosos simpatizantes. A
experiência dos anos de guerra tinha, de fato,
determinado profundas mudanças nas atitudes de muitas
pessoas e, particularmente, dos direitistas que passaram
para o lado oposto. Se não declaravam abertamente sua
nova orientação, filiando-se ao Partido Comunista —
como muitos fizeram —, a nova fidelidade, que deixavam
transparecer, era de integral simpatia pelos objetivos da
extrema-esquerda.

Tomemos, por exemplo, o caso de Pierre Cot. Sua


mudança de sentimento começara a se dar antes da
guerra. Cot havia sido secretário de Poincaré, um dos
mais brilhantes estadistas que a direita da França
produzira. Durante a Guerra Civil espanhola, tornara-se
ministro da Aeronáutica e, mesmo nessa época, fora
acusado de entregar segredos militares franceses a
Moscou. Depois da Libertação, tornara-se outra vez
ministro da Aeronáutica, e sua utilidade para Moscou,
durante esse período, poderá ser aferida pelo fato de, em
1953, ter sido agraciado com o Prêmio Stalin.

Há também o caso de André Blumel, considerado


geralmente não um direitista, mas intimamente
associado aos socialistas, que se opunham tanto ao
comunismo como o faziam os democratas direitistas e os
católicos. Fora secretário de Blum e, então, se tornara
chefe do Gabinete de Adrien Tixier, ministro do Interior,
posto em que passara a ter acesso à maioria dos
segredos governamentais. Só em 1948 foi publicamente
reconhecido como um simpatizante comunista.

As atividades dos comunistas franceses eram bem


conhecidas dos políticos e dos estadistas da França, e
não tardou que todos compreendessem que alguma
coisa deveria ser feita no sentido de reprimi-las. O dilema
era o seguinte: agir, ou pelo menos dar a impressão de
que se agia, pois, mesmo quando a decisão foi tomada,
verificou-se grande relutância, por parte das autoridades,
em se fazer qualquer coisa que pudesse parecer
provocação à Rússia. Mesmo quando a
contraespionagem apresentou irrefutável prova de que
certos indivíduos vinham entregando segredos franceses
aos soviéticos, ordens lhe foram dadas para não tomar
outras providências além das relacionadas com a
conservação desses suspeitos sob vigilância. Isto,
naturalmente, muito convinha às redes soviéticas.

A primeira iniciativa, de efeito positivo, tomada contra os


espiões da Rússia ocorreu em 1951. Entretanto, mesmo
nessa ocasião, procuraram-se evitar os casos pessoais. A
União Soviética julgava que a França constituía um local
privilegiado para a instalação das novas organizações
instituídas depois da guerra, como disfarces para a
propaganda e para a espionagem comunistas. Nessas
condições, situara o quartel-general dessas
organizações, supostamente internacionais, como a
Federação Mundial da juventude Democrática, sua
congênere, a Federação Mundial das Mulheres
Democráticas, e a altamente importante Federação
Mundial dos Sindicatos, em Paris. Desses locais, a União
Soviética fazia irradiar sua vigorosa propaganda e suas
atividades clandestinas de espionagem, através de
tentáculos que abrangiam toda a Europa Ocidental. A
França, entretanto, sob disfarçada pressão de seus
aliados, expulsou essas três organizações do seu
território.

Um bom exemplo do que aconteceu na França, e através


do qual a contraespionagem pôde exibir provas
indiscutíveis da traição de que o país estava sendo
vítima, foi o caso em que se viram envolvidos os jornais
France d’Abord e Regards, ambos dirigidos por
comunistas e especializados em assuntos militares. Em
1949, tornou-se evidente que alguém fornecia segredos
militares a esses magazines. O fato tomou-se tão óbvio
que providências tiveram de ser tomadas. Quando,
porém, o governo deu instruções às autoridades da
contraespionagem para que agissem, estas logo
prenderam algumas pessoas, contra as quais desde
algum tempo vinham acumulando provas. O escândalo
revelava-se tão grave que o relatório das autoridades de
segurança fora endereçado diretamente ao Gabinete.
Nesse documento, estava consignado, entre outras
coisas, que um professor da escola de aviadores, em Paul
— o Capitão René Azema — entregara ao France d'Abord
documentos secretos relativos à força e ao equipamento
de uma divisão aérea.

As prisões dos editores do France d’Ahord e do Regards,


Yves Moreau e Jacques Friedland respectivamente, e de
algumas outras pessoas, foram imediatamente
ordenadas. As investigações e a formação do processo,
porém, arrastaram-se por dois anos. Finalmente, em
janeiro de 1951, quando a atenção pública já não estava
mais interessada no caso, os réus foram julgados, sendo
todos absolvidos.

O estabelecimento do quartel-general da OTAN na França


constituiu novo objetivo para a espionagem soviética.
Nessas condições, as autoridades francesas se viram
obrigadas a desenvolver uma ação de vigilância bem
mais vigorosa. Em 1952, descobriram-se duas redes, em
Lyon e Paris. O desmascaramento dessas organizações
forneceu um acervo de informações sobre os métodos de
trabalho dos soviéticos quanto o caso Gouzenko, no
Canadá. De acordo com os documentos apreendidos,
tornou-se bem claro que praticamente todos os segredos
militares da França já se encontravam em poder do
Kremlin, enquanto quase todas as instalações da OTAN,
em território francês, haviam sido desenhadas num
mapa, achado em poder de um agente soviético.
Contudo, outra rede fora descoberta na base naval de
Toulon — a nova frota francesa era um alvo prioritário
para a espionagem russa, particularmente a frota de
submarinos —, que dispunha, entre seus integrantes, não
só de autoridades policiais, mas até mesmo de alguns
oficiais da segurança naval, da própria França.

Essas revelações causaram impacto na opinião pública


do país, e as autoridades começaram a apertar sua
vigilância e a agir, com maior dureza, em relação aos
agentes capturados. Em 1954, porém, apesar dessas
providências, explodiu no cenário das atividades políticas
da França uma cause célebre que chocou tanto os
aliados da França quanto o próprio povo francês. Em
outubro daquele ano, dois altos oficiais do Comitê da
Defesa Nacional — René Turpin, e Roger Labrusse —
foram presos sob a acusação de traição, apontados como
tendo fornecido documentos militares secretos a um
agente comunista, André Baranés. Esse fato, em si, já
era suficientemente deplorável, mas, logo após a prisão
desses dois oficiais, o chefe deles, o secretário-geral do
Comitê de Defesa, Jean Mons, foi igualmente detido sob a
acusação de haver “causado prejuízo à segurança do
Estado”. Também se achava implicado no caso um
inspetor de polícia, Jean Dides, que agia como
intermediário entre Baranés e Jacques Duelos, presidente
do Politburo do Partido Comunista francês. Nessa
ocasião, a França estava empenhada em sua guerra na
Indochina, e os documentos apreendidos tratavam,
quase todos, da estratégia francesa naquele país,
contendo também informações altamente secretas sobre
a política da OTAN.

Os franceses tiveram de enfrentar, por outro lado, a


espionagem de várias nações-satélites da Rússia,
particularmente a da Polônia e a da Tchecoslováquia. A
reação dos governos franceses ao desmascaramento da
espionagem dos países-satélites foi de alguma forma
diferente da manifestada em relação à espionagem
soviética. Diversos casos vieram à luz entre 1948 e 1950,
e alguns diplomatas poloneses e tchecos foram detidos e
expulsos. Essa atitude provocou medidas de represália
por parte da Tchecoslováquia e da Polônia e teve lugar,
então, uma espécie de “toma lá, dá cá”, que poderia ser
divertido para os espectadores, se não fossem tão
graves, para o Ocidente, os objetivos dessas atividades
clandestinas.

Embora o Partido Comunista Francês tenha perdido muito


terreno nos últimos anos, é certo que a espionagem
soviética não afrouxou sua atividade na França, que
constitui ainda excelente campo de caça, em relação aos
segredos da OTAN. Uma indicação disso foi a prisão de
um oficial francês, de alta patente, adido ao quartel-
general da OTAN, o qual admitiu que, durante alguns
anos, mantivera estreito contato com agentes soviéticos.
Desde a ascensão de De Gaulle, entretanto, verificou-se
grande endurecimento na linha de ação da segurança
francesa, mas, se o passado é algo que se esquece, essa
certeza tem sido considerada, pelo Centro, como um
estímulo para atividade ainda maior.

6. Em Outras Nações

A situação na Itália não era muito diferente da da França.


Nas primeiras eleições gerais realizadas após a
Libertação, um sistema de representação proporcional
deu aos democratas cristãos 207 cadeiras, aos
socialistas 115 e aos comunistas 104. Os dois últimos
partidos, portanto, asseguraram, juntos, maioria contra
os democratas cristãos. Nenhuma das agremiações
políticas, entretanto, dispunha isoladamente de maioria
segura. Em face dessa fragmentação partidária, o
governo teria forçosamente de se formar através de uma
coalizão, com os comunistas ocupando postos que lhes
permitissem ter acesso àqueles segredos que os italianos
certamente não desejariam fossem conhecidos em
Moscou. Para o governo soviético, entretanto, a Itália não
exercia a mesma atração que a França. Em vista disso, a
atividade de sua espionagem nesse território não se
mostrou muito intensa. Mesmo assim, ocorreram ali
alguns casos, cuja gravidade demonstrou que o Centro
estava ativo na península, com células instaladas nas
repartições governamentais, nas unidades militares, e
em muitas fábricas e em cada sindicato. Um desses
casos, em particular, revelou que o Centro levara sua
infiltração até mesmo ao interior do Vaticano. Em 1952,
tornou-se público que um professor da Academia
Gregoriana, padre Aligheri Tondi, era, na realidade,
agente soviético. Constitui mistério indecifrável a razão
por que o religioso tomou essa atitude, já que, como é
sabido, o catolicismo romano e o comunismo se odeiam e
se consideram, reciprocamente, inimigos irreconciliáveis.

Na Europa, depois da Alemanha Ocidental e da França, o


país que maior atenção mereceu dos soviéticos foi a
Suécia. Entre 1951 e 1953, uma série de julgamentos de
casos de espionagem, realizados em Estocolmo, deu uma
idéia da extensão da espionagem russa naquele país,
considerado pelo governo de Moscou como seu mais
sinistro inimigo no Báltico. Cinco redes separadas, pelo
menos, foram identificadas ali e, segundo o comandante-
chefe da Esquadra sueca, vinham operando, sem ser
suspeitadas e, portanto, sem ser incomodadas, desde
1941. Em consequência dessa atividade, todos os
segredos da defesa nacional sueca eram, sem dúvida, do
conhecimento do Centro.

O caso que tornou público esse seríssimo estado de


coisas foi o relacionado com um oficial da Marinha, Ernst
Anderson. No princípio de setembro de 1951, esse oficial
solicitou — lhe foram concedidos — cinco dias de férias,
a fim de poder tratar de assunto de natureza privada.
Entretanto, ao invés de seguir para a sua casa, ele viajou
para Karlskrona, a principal base naval da Suécia, e,
quando suas férias terminaram, regressou a Estocolmo.

No dia 20 de setembro, indo a uma sorveteria, Anderson


apanhou uma bicicleta, deixada do lado de fora do
edifício, e pedalou até um hospital, onde a deixou
encostada à entrada do saguão. Entretanto, sem que o
soubesse, seus movimentos em Karlskrona haviam
despertado suspeitas na contraespionagem naval, cujos
agentes o seguiram. Quando deixara a bicicleta no
hospital, os agentes a examinaram e descobriram, na
bolsa de ferramentas, alguns documentos que continham
descrição pormenorizada do equipamento de um dos
mais modernos navios de guerra da Suécia.

Os agentes apossaram-se dos documentos e aguardaram


nas imediações, a fim de ver quem apanharia a bicicleta.
A pessoa que o fez confirmou integralmente as suspeitas
da contraespionagem. Tratava-se de Nicolai Orlov,
funcionário da Embaixada soviética.

Quando Anderson foi preso e levado a julgamento,


tornou-se sabido que trabalhava para o Centro desde
1946, quando fora recrutado por um comunista sueco, e
que a rede à qual pertencia era controlada pelo diretor
da Agência Tass, Victor Asissimov. Anderson fora um dos
mais perigosos agentes que operavam na Suécia.
Enquanto integrara a rede soviética, passara para o
Centro numerosos detalhes do sistema de defesa do país
contra qualquer invasão, informações sobre a fortaleza
de Boden e todos os possíveis pontos de desembarque
na costa, nos quais as autoridades militares e navais
julgavam que os russos poderiam tentar uma investida,
assim como a disposição da Esquadra sueca.

Em julho de 1952, como resultado de um intenso esforço


de contraespionagem, que se seguiu ao caso Anderson,
nove outros agentes soviéticos foram presos. Pertenciam
a uma rede dirigida por um porteiro da redação do jornal
comunista Ny Dag, Arthur Karlsson. Entre esses nove,
destacava-se Fritjof Enbom, antigo oficial do Exército
sueco e então jornalista. Desde 1941 que Enbom vinha
operando, e o objetivo da sua espionagem era fornecer
informações sobre as organizações industriais e sobre os
depósitos de minério de ferro do país. Recebera,
também, missões para organizar uma espécie de Quinta-
Coluna. Essa organização deveria estabelecer um estado
de confusão interna, na eventualidade de uma invasão
russa, atacando as defesas, fazendo ir pelos ares
estradas de ferro e operando um radiotransmissor
secreto que difundiria notícias falsas.

Enquanto Enbom e seus oito colegas estavam sendo


julgados, não menos de vinte e dois membros da
Delegação Comercial Russa e quatro funcionários da
Embaixada deixaram precipitadamente a Suécia,
voltando para Moscou. Com eles, seguiram igualmente
Gustav Gohansson, editor do Ny Dag, e o destacado
comunista sueco Seth Persson.

Desde essa época, ocorreram prisões e julgamentos de


agentes soviéticos em Estocolmo. O caso mais recente e
que envolveu um oficial do Exército sueco, de elevada
patente, talvez tenha sido o mais grave de todos. No
momento em que escrevemos este livro, a causa está
sub judice, e nenhuma revelação específica ainda se deu.
Entretanto, os interrogatórios preliminares tornaram claro
que os suecos ainda não se acham preparados para
proteger seus segredos contra as investidas do Centro.

A atividade da espionagem soviética na Noruega parece


ter sido em escala ainda menor do que a que vem sendo
realizada na Suécia, levando-se em conta os êxitos
obtidos pela contraespionagem do país, que é altamente
experimentada. Os russos, mesmo assim, contribuíram
com um ou dois casos de destaque. Num deles, um
oficial do Exército norueguês, Earling Nordby, foi
condenado a três anos de prisão, enquanto um antigo
chefe da Resistência, Asbjoern Sunde, que havia sido
preso em 1953, teve uma sentença de oito anos. Era tão
grande a importância desse agente para o Centro que os
russos forneceram dinheiro para a defesa — atitude de
prodigalidade pouco comum.
A Finlândia, igualmente, não se conservou imune à
espionagem soviética. Dois relevantes casos, ocorridos
em 1954, o demonstraram. Os réus eram pastores de
renas na Lapônia e pescadores que tinham vendido
segredos da defesa litorânea e das fronteiras à Rússia.

Raro é o país, integrante da Aliança Ocidental, que não


tem feito realizar esses inquietadores julgamentos por
espionagem. Na Grécia, em 1952, uma larga rede de
trinta e dois agentes foi desmantelada, ficando
demonstrada, então, a grande eficiência com que o
Centro organizara ali suas operações. A rede, dirigida por
Nicholas Beloyannis, estava equipada com dois
radiotransmissores e fornecia informações sobre as
instalações norte-americanas, tanto nas ilhas gregas
como nas costas da Turquia. Dois outros julgamentos,
desarticulando duas outras redes, seguiram-se ao de
Beloyannis, mas as autoridades da contraespionagem
grega não se mostram seguras sobre se conseguiram
exterminar toda a atividade de espionagem em seu país.

Por essa mesma época, uma grande rede fora descoberta


na Holanda e na Bélgica. De fato, para onde quer que se
olhe — seja para o Oriente Próximo, para o Extremo
Oriente, para o Oriente Médio, para os agitados países da
Ásia, para as nações do Pacífico e, sobretudo, para a
América do Sul —, a partir de 1952 verificaram-se, em
todos os países, julgamentos periódicos relacionados
com espionagem.

A escala em que o Centro opera é responsável, até certo


grau, pelo seu indubitável sucesso. Em toda parte, têm-
se verificado graves erros, cometidos pelas agências de
contraespionagem. Mesmo assim, a tarefa que elas têm
realizado não deixa de ser formidável. Quando um
imenso exército de espiões assola um país, os resultados
iniciais podem ser idênticos aos conseguidos pelo rolo
compressor russo nos campos de batalha da Europa
Oriental. Somente uma vigilância inteligente e incessante
impediria que uma nação pudesse ser inundada pelas
hordas dos espiões do Centro. Embora essa realidade já
tenha sido apreendida pelas agências de
contraespionagem, o fato é que o homem da rua ainda
não compreendeu inteiramente a situação, nem
descobriu que lhe cabe desempenhar, também, um papel
definitivo nessa luta para conservar secretos os segredos
de sua pátria, o que, em última análise, constitui um
dever tão patriótico quanto o de vestir um uniforme, no
momento em que a luta se inicia.
Oitava Parte
AS ÚLTIMAS CAUSES
CÉLEBRES

1. O Coronel Abel

A atividade da espionagem soviética na Grã-Bretanha e


nos Estados Unidos, desde a guerra, vem-se revelando
muito menos difusa em esforço. Além disso, embora
realizada por agentes de primeira categoria, algumas de
suas redes têm acusado elos fracos, o que,
consequentemente, vem ocasionando frequentes
desastres. Não obstante tais deficiências, essa
espionagem já conseguiu desvendar segredos aliados da
mais alta importância e, como exemplos dessa
infiltração, podemos citar um relevante caso, ocorrido
nos Estados Unidos, e três outros, de não menor relevo,
verificados na Grã-Bretanha.

Os principais objetivos da espionagem soviética no


campo militar têm sido: invenções de dispositivos de
detectação submarina, armamentos nucleares e técnicas
de fabricação de foguetes. Isto não quer dizer, porém,
que seus agentes venham-se descurando do que ocorre
no campo político ou em outro setor, desde que revele
qualquer importância estratégica. Muitos erros têm sido
cometidos pelas agências de contraespionagem em
ambos os lados do Atlântico. Quando, porém, um ás da
espionagem é colhido numa armadilha, a organização
soviética necessita sempre de algum tempo para se
recuperar do golpe, caso o terreno perdido deva ser, de
fato, reconquistado.

Durante algum tempo, em meados de 1950, o FBI e


outras agências de contraespionagem dos Estados
Unidos tiveram conhecimento de que muitos segredos
norte-americanos, da mais alta importância, estavam
sendo transmitidos para Moscou. Essa informação
constituía uma indicação de que redes soviéticas
operavam particularmente nas regiões orientais dos
Estados Unidos. Como, porém, as buscas, levadas a
efeito com a maior técnica, não revelaram o rastro de
qualquer agente secreto, que pudesse ser responsável
pela transmissão de informações sobre foguetes,
detecção submarina e armas nucleares, a conclusão a
que se chegou era de que a qualidade do trabalho que
estava sendo realizado era de uma espécie nunca antes
enfrentada pelas agências de contraespionagem.
Entretanto, em 1957, uma oportunidade se abriu para o
FBI. Esse golpe de sorte não foi devido a qualquer
iniciativa de seus agentes. Resultou tão-somente da
deserção de um espião soviético. Constitui um enigma
até hoje o que os espiões-chefes da União Soviética
realmente tinham em mente ao selecionar seus agentes
para esse trabalho.

Rudolf Ivanovich Abel fora agente secreto por muitos


anos. Possuía um instinto admirável do valor da
segurança e, embora houvesse servido com distinção na
Alemanha e em outros países, antes da guerra, nunca
atraíra a atenção de qualquer das agências de
contraespionagem. Este fato foi devidamente levado em
conta, por ocasião de sua escolha para operar nos
Estados Unidos

Durante a guerra, esse agente fora retirado do trabalho


clandestino e servira com tão grande eficiência no
Exército que recebera altas condecorações. A coragem e
a habilidade que revelara no campo de batalha, assim
como sua alta reputação como agente, antes da guerra,
contribuíram para que o Centro considerasse esses
antecedentes como uma indicação de que sua lealdade
estaria acima de qualquer dúvida. E o fato de ser leal
representou, por sua vez, uma qualificação a mais —
talvez a mais alta qualificação —, quando passou a ser
considerado para exercer as importantes funções de
Diretor-Residente de uma rede que deveria ter por
objetivo a obtenção dos mais importantes segredos
militares dos Estados Unidos.

Assim, em 1946, Abel recebeu instruções para se


transferir para os Estados Unidos. Tinha, então, quarenta
e poucos anos de idade, sendo casado e pai de dois
filhos, aos quais era devotado. Sua dedicação ao trabalho
era tão profunda, porém, que nunca hesitou, um
momento, em abandonar a família, talvez por muitos
anos, quando tinha uma tarefa importante para realizar.
A circunstância de que dispunha de reféns tornou sua
colaboração naturalmente muito mais preciosa para o
Centro do que se ele fosse um homem solteiro.

O Coronel Abel não deveria ter a mais leve conexão com


a Embaixada soviética ou com os consulados nos Estados
Unidos, nem com qualquer outra agência clandestina que
estivesse operando em território norte-americano. Em
face disso, deveria descobrir seu próprio caminho.
Planejou tudo, pois, com grande eficiência, sozinho, já
que a única assistência que lhe deu o Centro foram
alguns documentos falsos, que o identificavam como
sendo um deslocado de guerra, de descendência
germano-irlandesa.

Como os regulamentos canadenses para a entrada de


pessoas deslocadas no país eram menos estritos que os
norte- americanos, Abel solicitou ao governo de Ottawa
um visto de entrada e foi atendido. Dessa forma, em
1947 chegou ao Canadá e ali permaneceu até o ano
seguinte, quando cruzou a fronteira para a América,
ilegalmente. Durante quase todo o ano de 1948,
trabalhou procurando estabelecer sua rede.

Os agentes que iriam trabalhar sob suas ordens já


tinham sido escolhidos pelo Centro e se encontravam in
situ. Agindo através de “isoladores” somente, elaborou
instruções para a transmissão de informações,
especificando o número de “caixas-postais”.
Estabeleceu-se, enfim, para dirigir sua rede,
desconhecido de todos, com exceção do seu “isolador”.

Como disfarce, o Coronel Abel tomou o nome de Emil


Goldfus, e a profissão era a de artista. Embora não sendo
um pintor de talento, podia pintar suas telas e sabia o
suficiente a respeito de arte para reunir, ao seu redor,
um bando de artistas boêmios e de amigos. Sendo
artista, podia desaparecer quando lhe desse na veneta,
viver irregularmente e comprazer-se num
comportamento inconvencional, sem provocar
comentários. Em seu estúdio de Erlington, em Nova York,
que era uma confusão de telas e de bugigangas,
revelava-se um generoso anfitrião.

Se Abel não era pintor, não deixava de ser artista em


outro campo. Tocava guitarra com tal habilidade que, em
circunstâncias diferentes poderia viver de sua música.
Era, também, um matemático quase genial. Seu código
para irradiações para Moscou, ele o inventara, utilizando
como base o cálculo diferencial.

Gostava de ter companhias — exceto quando saía em


expedições solitárias, a fim de coletar informações das
suas diversas “caixas-postais” — e, por isso, estava
sempre cercado por um ruidoso grupo de amigos. Apenas
em determinados dias da semana, às dez horas da noite,
pedia desculpas e retornava, sozinho, ao estúdio. Ali
descobria o poderoso radiotransmissor, que o punha em
contato direto com Moscou e, debaixo das bugigangas e
durante a próxima meia hora, estaria absorvido,
operando, em grande velocidade, no seu Morse.

Assim, tudo corria bem — melhor, mesmo, do que


provavelmente o Centro houvesse alguma vez esperado.
Em face do grande volume de informações que sua rede
transmitia, Abel Goldfus solicitou então a Moscou que lhe
fosse dada a assistência de um Diretor-Residente
substituto. Desde que coube ao Centro a
responsabilidade pela escolha desse substituto, deve
recair sobre ele toda a culpa pelo desmantelamento da
rede, alguns anos mais tarde.

O substituto que o Centro escolhera foi Reino Hayhanen.


Embora seu nome fosse finlandês, ele, de fato, nascera
em território soviético, mas bem junto da fronteira com a
Finlândia. Iniciou a vida como professor, atraiu a atenção
da divisão de recrutamento e foi alistado no NKVD,
durante a guerra fino-russa de 1939.

Entregou-se ao trabalho com afinco e, por volta de 1943,


passou a ser considerado, pelo Centro, um técnico em
assuntos de Inteligência finlandesa e, desse ano até ser
chamado a Moscou, em 1950, esteve em grande
atividade na Finlândia, localizando elementos
antissoviéticos entre a população local.

Ao chegar a Moscou, Hayhanen fora informado de que


outra tarefa estava à sua espera. Treinaram-no em
códigos e em fotografia e lhe deram a identidade de
Eugene Nicolai Maki, sendo então enviado para a
Finlândia, a fim de estabelecer o background da sua nova
personalidade. É interessante notar a escolha desse
nome falso, pois iremos surpreender a utilização da
mesma técnica, mais tarde, em outro caso. Os Maki eram
uma família finlandesa que tinha vivido em Enaville,
Idaho — a mãe, americana; e o pai, finlandês — e voltara
para a Europa na década dos vinte, estabelecendo-se na
Estônia, quando Eugene tinha cerca de oito anos de
idade. O que aconteceu com os Maki, quando a Estônia
se tornou uma república soviética, ninguém pode dizer,
mas será seguramente justo admitir que não se
encontravam em situação de comprometer o novo
Eugene.

Hayhanen seguiu depois para Turku, um porto da costa


finlandesa, onde trabalhou como bombeiro. Embora
tivesse uma esposa na Rússia, ali se casou com uma
moça finlandesa, Hanna Kurikka. Em 1951, compareceu à
Embaixada norte-americana em Helsinque e,
apresentando uma certidão de nascimento, que provava
ser natural de Enaville, no Estado de Idaho, solicitou um
visto de retorno para os Estados Unidos. Alguns meses
mais tarde, obteve o respectivo passaporte e, nessas
condições, seguiu em 1952 para Nova York, viajando no
Queen Mary, que partira de Southampton. Sua “esposa”
finlandesa o acompanhou, mas viajando só alguns meses
mais tarde.

Em 1954, Hayhanen Maki conheceu seu chefe, Abel


Goldfus, e este último teve um choque ao encontrá-lo. O
Diretor-Residente, que era cônscio da necessidade de
uma obediência cega às normas de segurança,
descobriu, com espanto, que seu assistente não somente
esquecera a maior parte do seu treinamento em código,
mas que, também, suas idéias em relação à segurança
eram, na verdade, rudimentares. Parecia mesmo que não
as tinha de todo — o que constituía um perigo, tanto
para ele próprio quanto para toda a rede.
Nas circunstâncias em que se viu colocado, Abel
entretanto, tentou fazer o que lhe era possível. Instalou
Hayhanen numa loja e deu-lhe instruções sobre como
devia operar. Nunca, porém, deixara de se mostrar
apreensivo em relação à segurança da rede.

Por volta de 1955, completavam-se seis anos que Abel


vinha trabalhando ininterruptamente e sob considerável
pressão, e, nessas condições, o Centro lhe deu instruções
para que regressasse a Moscou, em férias por seis meses
— o que ele penhoradamente aceitou, embora com
considerável temor.

Quando retornou, em princípios de 1956, descobriu, com


espanto, que Hayhanen tinha cometido todos os crimes
que a um espião é dado cometer. Operara o transmissor
sempre do mesmo lugar, ao invés de procurar novos
locais nos subúrbios; não se incomodara em recolher as
informações dos "caixas-postais” e fechara a loja,
embora ainda continuando a ser o locatário do
estabelecimento. Tudo isso lhe pareceu demais, e Abel
queixou-se a Moscou.

A engrenagem do Centro, porém, girava com a


tradicional lentidão dos moinhos de milho, e não foi
senão depois de alguns meses que Hayhanen recebeu
ordens para regressar a Moscou. Numa tentativa de
dissipar no cérebro do agente qualquer suspeita sobre os
reais motivos de sua volta, o Centro promovera-o a major
e, quando desembarcou no Havre, mandou entregar-lhe
300 dólares para suas despesas de viagem. Hayhanen,
contudo, não se deixara iludir. Já que se encontrava em
solo europeu, resolveu não retornar a Moscou. Nessas
condições, seguiu diretamente para Paris, e ali procurou
as autoridades norte-americanas, às quais solicitou asilo,
em troca de informações que poderia dar sobre a rede de
Abel.

Antes de aceitar a proposta, o FBI examinou


cuidadosamente as informações que Hayhanen adiantara
e, em seguida, submeteu-o a exame, por um psiquiatra.
Este último achou-o instável e disse que se tratava de
um alcoólatra. Não obstante esse diagnóstico, logo se
constatou que não procurava fazer qualquer jogo com as
autoridades. No que dizia respeito à extensão que a rede
já atingira, nada poderia dizer, mas identificou um
sargento do Exército norte-americano que trabalhara na
Embaixada dos Estados Unidos em Moscou e fora
recrutado pelo serviço de espionagem soviética. Esse
sargento, segundo afirmou, vinha fornecendo
importantes informações aos russos, desde que
regressara aos Estados Unidos. O denunciado foi detido
e, consequentemente, condenado a cinco anos de prisão
com trabalhos forçados. O sargento, entretanto, nada
pôde dizer sobre os demais membros da rede. Referiu-se
apenas a alguns “caixas-postais” de que se utilizara e
identificou Hayhanen como o intermediário com o qual às
vezes se encontrara.

Em todo esse incidente com Hayhanen, o coronel Abel


havia observado as mais estritas precauções de
segurança, exceto numa única ocasião. Por algum
motivo, tivera de examinar certo material que Hayhanen
lhe trouxera, e o fez na presença do seu substituto, de
forma que ele pudesse responder às perguntas que lhe
fizesse. Assim, Abel o levou a um armazém que alugara,
distante do seu estúdio, onde guardava seu material
fotográfico.

Hayhanen recordou então esse encontro, mas, como não


sabia o nome falso do seu superior, pôde somente dizer
ao FBI que esse armazém estava situado perto das Ruas
Clark e Fulton, em Brooklyn. Uma busca geral foi dada
naquela região e revelou que existia, de fato, o armazém
e fora alugado por um indivíduo de nome Emil Goldfus.
Abel, ao assinar o contrato de aluguel, dera o endereço
do seu estúdio. Esse lapso foi o único em que incidiu o
agente soviético, que sempre agia com a maior
segurança. Deveria ter alugado o armazém em outro
nome e dado um endereço falso. Quando os agentes do
FBI compareceram ao estúdio, descobriram que Emil
Goldfus se achava fora da cidade, por alguns meses.

Não tendo Hayhanen chegado a Moscou na data


combinada, o Centro compreendeu, imediatamente, o
que acontecera, e Abel foi avisado. Instruções lhe foram
enviadas também para deixar Nova York e ficar
escondido, a fim de aguardar o que pudesse ocorrer. Abel
pagou dois meses adiantados de aluguel do estúdio e
seguiu para a Flórida, de onde, se a pressão do FBI se
tornasse muito intensa, poderia escapar através da
fronteira mexicana.

Como nada aconteceu no período de dois meses, e como


sua presença em Nova York era inestimável para o
Centro, Abel teve ordem para retornar e reassumir suas
funções. Ao chegar, foi preso pelo FBI, sob a acusação de
entrada ilegal nos Estado Unidos.

Levaram-no a julgamento no dia 14 de outubro de 1957,


sob as acusações de conspirar para obter segredos
militares e de entrada ilegal no país, e a primeira dessas
acusações era passível de pena de morte. O Coronel Abel
teve a assistência do melhor defensor que a Ordem dos
Advogados de Brooklyn poderia conseguir — o destacado
advogado James Donovan, de sangue irlandês e
americano.
As provas encontradas no estúdio — transmissor,
microfilmes e outros petrechos de espionagem — eram
bastante eloquentes, e Abel foi julgado culpado, a
sentença devendo ser proferida alguns dias mais tarde.
Durante esse período, Donovan dirigiu um apelo ao juiz,
pedindo clemência, e nele declarava: “Quem sabe se,
algum dia, um norte-americano poderá cair em mãos
russas, acusado de crimes idênticos? Se o Coronel Abel
estiver então vivo, será sempre possível fazer-se uma
troca de prisioneiros.”

O juiz tomou nota do argumento e condenou Abel a trinta


anos de prisão. Embora o advogado Donovan não
pudesse adivinhar, Gary Powers, três anos mais tarde, ao
pilotar o seu avião U-2 sobre a Rússia, seria derrubado,
capturado, e responderia a julgamento como espião.

Quando Powers já havia cumprido vinte meses de sua


sentença de dez anos, o que o defensor de Abel tinha
previsto aconteceu. Os dois condenados foram trocados.

Os russos levaram vantagem na troca, pois raramente a


espionagem soviética dispôs de um espião tão hábil e tão
leal quanto o Coronel Abel, que, sofrendo todo gênero de
pressão, sempre se negou a denunciar qualquer das suas
redes, as quais, presumivelmente, ainda estão operando
nos Estados Unidos, embora sob a orientação de um
novo Diretor-Residente. 

 
2. Gordon Arnold Lonsdale

No dia 3 de março de 1955, o transatlântico norte-


americano America ancorou em Southampton. Seus
oitocentos passageiros eram os habituais turistas e
homens de negócios que retornavam à Inglaterra e,
segundo as aparências, não apresentavam qualquer
interesse.

Entre os que desembarcaram, encontrava-se Gordon


Arnold Lonsdale, que, pelo fato de possuir um passaporte
canadense, não teve qualquer aborrecimento com as
autoridades portuárias. De Southampton, Lonsdale
tomou o trem para a estação de Waterloo, que é a
terminal londrina da British Railways Southern Region, e
dali foi para um hotel. Durante os dois ou três dias
seguintes, portou-se como qualquer turista. Visitava
lugares, museus e galerias de arte, tirava seguidas
fotografias com uma câmara de alto preço e comprava
souvenires.

Tornou-se, igualmente, constante frequentador da Liga


Ultramarina, o que não era incomum em se tratando de
um turista, embora, no seu caso especial, essas visitas
tivessem grande significação. A Liga Ultramarina é uma
espécie de clube, e em sua sede, não distante de St.
James’s Park, dispõe de excelentes salas e escritórios, de
um restaurante de primeira classe com todas as
facilidades e a preços moderados, de um salão de
diversões e de um serviço de relações públicas para
atender, com ajuda e conselhos, aos seus membros do
exterior que, com frequência, se sentem desorientados
na grande cidade.

Além de se utilizar da Liga Ultramarina, Lonsdale decidira


tornar-se amigo dos funcionários da casa. Sem
demonstrar ostentação, deixou que eles soubessem que
dispunha de dinheiro, e aqueles funcionários, por sua
vez, não tinham motivo para suspeitar que não fosse o
que dizia ser, isto é, um legítimo e honesto canadense.

Em maio, Lonsdale deixara o seu hotel e alugara um


apartamento mobiliado no luxuoso bloco de edifícios
denominado The White House, situado nas imediações
de Regent’s Park. O gerente pediu referências. E, como
esperava, já que despendera tanto tempo conquistando
a confiança dos funcionários da Liga Ultramarina, esta
prontamente as deu.

Em The White House, Lonsdale pediu — e lhe foi dado —


um apartamento no sexto andar. Alegou que gostava de
ter uma bela vista através das janelas. Essa solicitação,
entretanto, ocultava uma significação completamente
diferente. O apartamento se compunha de uma pequena
sala, de um quarto de dormir, de um banheiro e de uma
kitchenette, com facilidades para se cozinhar, caso ele
não se mostrasse disposto a descer ao restaurante, que
funcionava ao rés-do-chão. O preço do aluguel era de
cerca de vinte libras por semana, o que não deixava de
ser elevado para aquele gênero de acomodação em
Londres.

Depois de uma excursão pela Escandinávia, Lonsdale se


instalara em The White House e matriculara-se como
estudante de chinês na Escola de Estudos Africanos e
Orientais da Universidade de Londres. Completara dois
períodos de aula antes de deixar a escola, em junho de
1957. Embora não dedicando todo o seu tempo ao
estudo, fizera, em Londres, largo círculo de amigos.
Tratava-se de um conversador fluente e bem informado
que possuía um modo alegre e gracioso de se portar, o
que o tornava sedutor. Particularmente, as mulheres o
adoravam, e ele, por sua vez, aparentemente não
poderia passar sem companhia feminina. Dispunha de
um punhado de amantes moças e bonitas, as quais, mais
tarde, deram testemunho de sua bondade e delicadeza,
embora seu comportamento viril nada revelasse de
extraordinário.

Ninguém sabia exatamente quais eram seus recursos


financeiros. Segundo se acreditava, porém, deveria
possuir entre sete e dez mil libras depositadas em várias
filiais do Royal Bank of Canada. De tempos em tempos,
transferia parte desses fundos para contas abertas em
bancos de Londres, e os gerentes desses
estabelecimentos julgavam tão satisfatória sua situação
financeira que, quando certa vez necessitou de um
capital extra com urgência, foi-lhe concedido um saque
de duas mil e quinhentas libras.

Como sua permanência em Londres seria prolongada,


Lonsdale teve naturalmente de inventar uma ocupação,
a fim de não atrair atenção. Em face da natureza de suas
atividades, entretanto, teria de escolher uma daquelas
que não o retivessem em uma cidade e nem mesmo na
Inglaterra.

Com habilidade, obteve um emprego de vendedor de


vitrolas caça-níqueis. Comprou duas ou três máquinas
que vendeu com esplêndido lucro. Entretanto, mais
valioso do que o dinheiro que ganhara foram os contatos
estabelecidos no desenvolvimento dessas transações.
Em pouco tempo, tornara-se conhecido, em alguns
círculos comerciais de Londres, como um homem que
tinha queda para negócios e dispunha de indiscutíveis
qualidades de vendedor.

Em fins de 1957, entretanto, surgiu-lhe uma


oportunidade ainda melhor. Certo Sr. Peter Ayres
planejava lançar uma empresa de fabricação de chicletes
de bola em Broadstairs, no Condado de Kent. Ayres fora
apresentado a Lonsdale por um amigo de negócios
mútuos, e num minuto se entenderam. Quando Lonsdale
sugeriu que poderiam vender utensílios para
prestidigitação, o que daria bons resultados, Ayres
concluíra ter descoberto, sem querer, um precioso sócio
para a sua aventura comercial.

De início, Lonsdale comprometera-se somente a vender


as máquinas. Obtivera, porém, tanto êxito nessa
atividade que lhe foi oferecido ser sócio da firma.
Aceitando o convite, adquiriu ações de empresa, no
montante de quinhentas libras, e tornou-se diretor de
uma Automatic Merchandising Company. Esse fato
constituiu um grande passo dado à frente para Lonsdale.
Iria permitir que se estabelecesse no complexo social
britânico. Ser “diretor de uma companhia” é
extremamente útil, para qualquer pessoa, não somente
no mundo dos negócios, mas igualmente nos círculos
leigos. Essa expressão, em qualquer setor, tem um
status de significação muito elevado.

O negócio dos chicletes de bola floresceu. Por iniciativa


de Lonsdale, fora decidido que tentariam penetrar no
mercado europeu, e ele próprio, agindo nesse sentido,
fizera viagens à França, à Suíça e à Itália. Embora não
houvesse concluído muitas transações, insistira na
necessidade dessas viagens, alegando que só com
tempo poderia vencer a resistência que vinha
encontrando. Quando não se achava no exterior vendia,
com grande dinamismo, máquinas, em Londres e em
toda a extensão das Ilhas Britânicas.

Tudo correu bem, pelo período de quatro anos. Lonsdale


fizera muitos amigos e ganhara suficiente dinheiro para
custear sua luxuosa maneira de viver. Ao lado disso,
porém, tornara-se autoconfiante em suas habilidades de
vendedor. Persuadira seus colegas diretores a expandir a
produção da empresa, mas, não se materializando suas
previsões sobre um aumento de vendas no Ultramar, a
firma logo se encontrou em sérias dificuldades. Em
março de 1960, entrou em liquidação, com um passivo
de trinta mil libras.

Lonsdale mostrara-se visivelmente atemorizado em face


daquela situação e, durante algum tempo, desapareceu.
Dispunha, entretanto, de extraordinária capacidade de
recuperação e, poucos meses depois, já reorganizara
seus negócios. No dia 24 de fevereiro de 1960, tornara-
se diretor da Master Switch Company que obtivera a
patente de fabricação de uma alavanca de distribuição
destinada a imobilizar por completo um automóvel e,
assim, protegê-lo contra roubo. Surgiram, porém,
dificuldades na produção e, quando fora removido do
cenário britânico — por dificuldades muito mais sérias e
de outra categoria —, nem uma só alavanca havia ainda
sido fabricada.

Justamente quando Lonsdale organizava a Master Switch


Company, um oficial da segurança naval do Almirantado
começou a tomar interesse num funcionário civil do
Instituto de Armas Submarinas, de Portland, chamado
Harry Houghton. Houghton tinha a idade de cinquenta e
quatro anos, e durante vinte e três servira na Marinha
Real. Em 1945, quando completara quarenta e um anos,
retirara-se do serviço com uma pensão de 250 libras por
ano, enquanto vivesse. Procurara, então, emprego e
obtivera um cargo de amanuense civil no Almirantado,
onde logo causara boa impressão aos superiores.

Em 1951, Houghton fora enviado para Varsóvia como


secretário de adido naval. Tratava-se de um posto
importante, pois lhe dava acesso a todo o material
secreto enviado e coletado pelo adido. Houghton,
entretanto, começara logo a passar por dificuldades
domésticas. Gostava de promover festas, e a mulher,
com quem se casara em 1934, começara a fazer
objeções às suas frequentes crises de alcoolismo,
decorrentes da generosa hospitalidade dos anfitriões
poloneses. As objeções da esposa evoluíram para
constantes brigas, e muitas dessas discussões se
desenvolveram em público. As autoridades britânicas
foram imediatamente informadas do que estava
ocorrendo e Houghton se viu chamado de volta para a
Inglaterra, onde o Almirantado cometeu uma dessas
estranhas ações das quais, de tempos a tempos, os
governos são culpados.

Houghton provara não ser digno de uma posição de


confiança, em face do seu comportamento em Varsóvia,
e deveriam, então, dar-lhe um posto “seguro”. Ao invés
disso, foi nomeado para o Instituto de Portland, com
acesso a todas as informações sobre os mais modernos
desenvolvimentos do radar submarino — informações
pelas quais a espionagem russa pagaria qualquer preço.

Pouco depois, o casal separou-se, e Houghton se tornou


amigo de uma sua colega do Instituto, a Srta. Elizabeth
Gee. Quando a amizade se transformou numa intimidade
que nenhum dos dois se preocupavam em ocultar, a Sra.
Houghton obteve o divórcio.
Por essa ocasião, Houghton deixou o alojamento do
Almirantado e comprou um pequeno cottage numa vila
das imediações. Depois do divórcio, começou a fazer
melhorias na casa e a remobilou completamente, ao
custo de algumas centenas de libras. Adquiriu, também,
um carro novo.

Nessa época, o oficial da segurança naval, acima


referido, e Houghton frequentavam o mesmo bar, e o que
o amanuense despendia em bebidas não deixou de
intrigá-lo. Sabia que Houghton percebia um salário de
750 libras e a pensão de 250 libras, mas esse montante
parecia muito maior, já que, só naquele bar, num ano,
ele vinha gastando bem mais do que a sua renda total de
mil libras.

Não dispondo de provas para promover um inquérito, o


oficial da segurança solicitou, a um amigo no CID local,
que fizesse investigações em torno de Houghton. Dentro
de pouco tempo, o detetive informou que Houghton, de
fato, vinha gastando em bebidas muito mais do que
ganhava e, além disso, havia pago as melhorias em sua
casa e o seu novo carro em notas de uma e cinco libras,
o que foi julgado suficiente para se pedir a intervenção
do MI5.

Assim, de março de 1960 a l.° de janeiro de 1961,


Houghton e a Srta. Gee ficaram sob estrita vigilância.
Essa vigilância revelou que, com frequentes intervalos —
habitualmente nas tardes de sábado —, ele, às vezes
acompanhado da Srta. Gee, seguia de trem para Londres,
onde se encontrava com um indivíduo, logo identificado
como sendo Gordon Lonsdale. Nem foi difícil descobrir
que Houghton, invariavelmente, entregava um pacote a
Lonsdale e, em retorno, recebia, um envelope.
Nessas condições, pelo período de nove meses, o MI5
acumulou provas contra Houghton e, quando seus chefes
julgaram o momento oportuno, entregaram o caso à
Divisão Especial da Scotland Yard, para ação posterior.
Aconteceu, entretanto, que, na tarde de sábado, de 7 de
janeiro de 1961, o superintendente da Divisão Especial,
George Smith, e alguns outros policiais prenderam
Lonsdale, Houghton e a Srta. Gee, em frente ao teatro
Old Vic.

Na Scotland Yard, depois das habituais preparações,


Smith voltou-se para Lonsdale, a fim de interrogá-lo,
mas, antes que pudesse falar, o detido, displicente e
sorrindo, disse-lhe: “A qualquer pergunta que me possa
fazer, minha resposta será não e, nestas condições, não
terá necessidade de se incomodar em me interrogar.”
Durante as longas e subsequentes horas de
interrogatório, Lonsdale, de fato, firmemente se
conservou em silêncio.

Numa cesta de palhinha que a Srta. Gee trazia, foram


encontrados, entretanto, dois embrulhos contendo
documentos dos arquivos do Almirantado. Nos bolsos de
Lonsdale achavam-se dois envelopes: um, contendo
quarenta libras em dinheiro — o que representava o
“salário” de Houghton —, e no outro achavam-se quinze
notas de vinte dólares americanos.

Desde que não obtinha qualquer cooperação por parte


de Lonsdale, Smith decidiu recorrer às pessoas que o
conheciam. Por mera coincidência, escolheu para sua
primeira visita um bangalô, situado em Cranley Drive, em
Ruislip, cujos donos eram um casal de meia-idade —
Pater e Helen Kroger — que, segundo acreditavam seus
vizinhos, constituía-se de canadenses que haviam vivido,
durante algum tempo, na Suíça, antes de virem
estabelecer-se na Inglaterra, em dezembro de 1954.
Kroger, especialista em livros antigos, estabelecera um
lucrativo serviço de reembolso postal, que operava do
seu próprio bangalô.

Peter Kroger abriu a porta para o superintendente Smith


e, quando este se identificou, solicitou-lhe que entrasse.
George Smith entrou, acompanhado do Inspetor-Chefe
Ferguson Smith e o sargento da Polícia Feminina,
Winterbottom.

Após rápidas preliminares, o superintendente Smith


perguntou à Sra. Kroger se ela podia dar-lhe os nomes
das pessoas que tinham estado no bangalô, nos últimos
seis meses. A Srta. Kroger enumerou uma lista, mas não
incluiu o nome do visitante mais frequente, que era
justamente Lonsdale. Por causa dessa omissão, o
superintendente logo constatou que ela mentia. Disse-
lhes, então, ser obrigado a solicitar-lhes que o
acompanhassem à Scotland Yard. Até aquele momento,
não alimentara maiores suspeitas em relação aos Kroger.

Em face do convite, a Sra. Kroger não criou qualquer


dificuldade. Vestiu um casaco, apanhou sua bolsa e
indagou: “Como vou ficar fora por algum tempo, posso ir
apagar o aquecedor?”

— Certamente — respondeu Smith —, mas, primeiro,


deixe-me ver o que a senhora tem em sua bolsa.

A Sra. Kroger recusou-se a fazê-lo, e somente após uma


luta feroz ele conseguiu apoderar-se da bolsa. Em seu
interior, escondidos no rebordo interno, o
superintendente encontrou um envelope, sem quaisquer
dizeres, dentro do qual havia uma carta em russo, de
seis páginas, um slide contendo três micro-pontos e uma
folha de papel datilografada em código. Smith prendeu
então os Kroger, sob suspeita de espionagem.

As buscas realizadas nos quartos dos cinco detidos


revelaram a existência de grande quantidade de
dinheiro. No quarto da Srta. Gee acharam-se panfletos do
Almirantado; no cottage de Houghton, cartas marítimas,
vendo-se assinaladas as áreas, e sua localização,
destinadas a experiências secretas; e, no apartamento
de Lonsdale, em The White House, existiam cifras de
codificação e outros equipamentos de espionagem. Foi,
porém, o bangalô dos Kroger que revelou a mais
fascinante evidência de todas — um poderoso
radiotransmissor escondido no chão da cozinha, cifras de
codificação e um equipamento para fazer micro-pontos e
muitas outras coisas.

O julgamento desses cinco espiões realizou-se em Old


Bailey, no dia 18 de março de 1961. Lonsdale foi
condenado a vinte e cinco anos de prisão; os Kroger, a
vinte cada um; Houghton, a quinze anos, e a Srta. Gee, a
quinze.

Durante o desenvolvimento do processo, o procurador-


geral fez surpreendentes revelações em relação aos
Kroger. Seus nomes verdadeiros eram Morris e Lorna
Cohen. Até 1950, vinham realizando encontros regulares
com Julius e Ethel Rosenberg, os espiões atômicos
executados em 1953. O FBI só soubera dessa conexão
muito tarde, pois, quando seus agentes procuravam os
Cohen, eles já haviam desaparecido. De fato, o FBI
perdera a pista desses espiões, e os seus nomes só
surgiram outra vez quando o Coronel Abel foi preso, em
1957. Com efeito, tinham ido dos Estados Unidos para a
Austrália com passaportes falsos, e ali permaneceram
pelo período de três anos. Da Austrália, transferiram-se
para a Suíça, e desse país seguiram, em dezembro de
1954, para a Inglaterra, sempre com passaportes
canadenses falsos.

Lonsdale recusou-se a falar durante o tempo todo, nada


dizendo, mesmo, sobre sua verdadeira identidade. Até
alguns anos mais tarde, tudo o que as autoridades de
segurança sabiam a seu respeito era que não se tratava
de um canadense e que seu verdadeiro nome não era
Gordon Arnold Lonsdale. Inquéritos realizados revelaram
que existiu, de fato, um Gordon Arnold Lonsdale, nascido
no dia 27 de agosto de 1924, em Kirkland Lake, em
Ontário. Seu pai, canadense, fora negociante de
madeiras e biscateiro; e sua mãe, finlandesa, imigrara
para o Canadá com a família, antes do casamento com
Lonsdale.

O falso Lonsdale, ao ser preso, tinha um passaporte


canadense, e tratava-se de um passaporte legítimo.
Quando os ingleses solicitaram às autoridades do Canadá
que investigassem a emissão daquele passaporte em
favor de Lonsdale, em 1954, descobriu-se que fora obtido
através da apresentação de um certificado de
nascimento, emitido pouco tempo antes, em Kirkland
Lake. O pai do verdadeiro Lonsdale declarou à polícia que
se separara da esposa um ano após o nascimento de seu
filho Gordon Arnold. A Sra. Lonsdale permanecera no
Canadá até 1932, quando retornara à Finlândia com o
filho, então de oito anos. Desde a ocasião, ele nunca
mais tivera notícias tanto da antiga esposa quanto do
filho.

As autoridades canadenses e britânicas acreditam que o


Verdadeiro Gordon Lonsdale tenha morrido antes de
completar trinta anos, isto é, antes de 1954, e que sua
morte e seu passado deveriam ser conhecidos do Centro.
Julgam, também, que Lonsdale chegara ao Canadá antes
de 1954, embora seja impossível dizer sob que disfarce
levara instruções para obter um genuíno passaporte. Um
documento dessa natureza é rapidamente obtido no
Canadá, mediante a apresentação de certidão de
nascimento, e essas certidões geralmente se emitem
sem maiores indagações sobre se se referem, de fato, às
pessoas que as solicitam.

Uma circunstância, de certo modo bizarra, fez com que


as autoridades britânicas concluíssem que seu prisioneiro
não era o verdadeiro Lonsdale. Durante as investigações,
a Real Polícia Montada do Canadá descobrira o médico
que assistiu ao nascimento do filho da Sra. Lonsdale.
Esse ginecologista, Dr. W. E. Mitchell, que clinicava em
Toronto em 1961, recordara-se bem desse parto, pois
tivera de viajar muitas milhas em estradas intransitáveis
para chegar à isolada casa dos Lonsdale. Essa
circunstância levou-o a rever velhos registros, e neles
estava anotado que, poucos dias após o nascimento da
criança, foi necessário circuncidá-la.

O Lonsdale, mais tarde trocado pelo homem de negócios


britânico, Wynne, não é circuncidado.

Embora as investigações realizadas não revelassem a


existência de outros agentes além dos detidos, as
autoridades britânicas sempre se mostraram inclinadas a
pensar que Lonsdale era o Diretor-Residente de uma
rede. Tratava-se realmente de um espião de grande
habilidade e, caso houvesse observado com maior rigor
as normas de segurança, como o fazia o Coronel Abel,
poderia ainda estar operando. Lonsdale recrutara
Houghton, e essa iniciativa representara um erro de
julgamento. Houghton era instável de caráter e não
dispunha de qualquer qualidade inata para ser um
agente. Cometera mais outro grave erro, levando,
pessoalmente, ao bangalô dos Kroger, as informações
que vinha obtendo para serem transmitidas a Moscou. Se
se tivesse utilizado de um “isolador”, certamente a
Divisão Especial nunca teria descoberto os Kroger.

A prisão de Lonsdale constituiu, sem dúvida, um


irreparável revés para a espionagem soviética. 
3. George Blake e John Vassall

O volume exato das informações que George Blake,


funcionário público inglês e antigo agente da Inteligência
Militar, transmitiu à espionagem soviética provavelmente
nunca será conhecido. E se isso, um dia, vier a ser
sabido, só o será pelos historiadores do futuro, quando o
próprio agente já houver sido esquecido e, talvez, a
União Soviética tenha desistido de fazer espionagem.

A importância da atuação de George Blake contra a


segurança da Grã-Bretanha pode ser avaliada através
das palavras do presidente do Tribunal de Justiça ao
condená-lo, após um dos mais rápidos julgamentos da
História britânica e que se tomou notável pela
repercussão que teve.

“Sua confissão, inteiramente escrita, revela que, por


alguns anos, o acusado trabalhou continuamente como
agente secreto e espião para uma potência estrangeira.
Além disso, as informações que transmitiu, embora não
fossem de natureza cientifica, eram da maior
importância para aquela potência e tornaram inúteis
muitos dos esforços realizados por este país. Na verdade,
como o acusado revelou em sua confissão, não havia
qualquer documento oficial de relevância ao qual não
tivesse acesso, e todos foram transmitidos aos seus
aliados russos. Quando se pensa que o acusado é um
súdito britânico — muito embora não o seja por
nascimento — e, enquanto exerceu suas atividades em
favor da Rússia, era funcionário do governo da Grã-
Bretanha, que é a sua pátria, ocupando posição de
responsabilidade e de confiança, torna-se evidente que
seu comportamento deve ser classificado como traição.
De fato, é um dos casos de maior gravidade que podem
ocorrer, exceto em tempo de guerra. Seria claramente
contrário ao interesse público se, ao condená-lo, eu
revelasse o texto integral de sua confissão. Entretanto,
posso dizer, sem hesitação, que qualquer pessoa que
houvesse lido esse documento chegaria a idêntica
conclusão. Ouvi tudo o que, com tanto brilho, foi dito a
favor do acusado e plenamente lamento que muitas
atenuantes não possam igualmente ser divulgadas; devo,
porém, declarar que estou perfeitamente convencido de
não ter sido por dinheiro que o acusado cometeu todos
esses crimes. O que o levou a praticá-los foi sua genuína
crença no sistema comunista. Julgo que cada um tem o
direito de possuir suas próprias opiniões, mas a
agravante, que pesa contra o acusado, é que ele nunca
pediu demissão do cargo, que procurou conservar a
posição de confiança que ocupava, com o objetivo de
atraiçoar sua pátria. O acusado ainda não tem trinta e
nove anos de idade. Deve saber calcular a gravidade dos
crimes pelos quais responde. Indubitavelmente, em
muitos outros países, uma conduta idêntica acarretaria a
pena de morte. De acordo com a nossa legislação, não
tenho outra opção, pois, senão condenar o réu à prisão,
e, dada a sua ação de traidor, estendê-la por muitos
anos, de forma que possa ser uma sentença pesada. Por
um simples crime dessa natureza, a mais alta penalidade
imposta pela lei é de quatorze anos de prisão, e a Corte
não pode, portanto, mesmo se assim o quisesse,
condená-lo à prisão perpetua.”

Seguiu-se, então, uma das mais estranhas sentenças


jamais impostas por um tribunal inglês, em tempo de
paz; sentença que, na opinião de muitos, e inclusive na
do autor deste livro, foi absolutamente injusta. Ela revela
o caráter de uma condenação política — uma iniciativa
para aplacar as críticas dos norte-americanos, que
ameaçavam interromper o intercâmbio de informações
atômicas com os ingleses, caso a contraespionagem
britânica não tomasse medidas rigorosas de segurança,
embora a própria contraespionagem nos Estados Unidos
não se mostrasse nada eficiente.

E Lorde Park concluiu: “Existem, entretanto, cinco pontos


dos quais o acusado se confessou culpado, e cada um
está relacionado com um diferente período de sua vida,
durante a qual vinha atraiçoando a pátria. A Corte o
condenará, então, a uma sentença de quatorze anos de
prisão para cada um desses pontos. Em relação aos
pontos um, dois e três, a sentença será consecutiva, e,
no que diz respeito aos pontos quatro e cinco, será
concorrente, perfazendo um total de quarenta e dois
anos de prisão.”

Com ligeira inclinação de cabeça para o tribunal, George


Blake ergueu-se e desceu lentamente os degraus que
vão do recinto dos julgamentos até as celas, que se
encontram no andar inferior, para iniciar o cumprimento
da sentença que, se conseguir cumpri-la, o restituirá ao
mundo com a idade de oitenta anos.

George Blake, que nasceu no dia 11 de novembro de


1922, em Roterdã, era filho de Albert e Catherine Behar.
Seu pai descendia de antiga e aristocrática família
judaica e sua mãe pertencia, igualmente, a boa linhagem
holandesa Depois de frequentar, por algum tempo, uma
escola holandesa, após a morte do pai, em 1936, e
obediente aos desejos paternos manifestados na agonia,
foi enviado para viver com parentes no Egito, onde
frequentou a Escola Inglesa, no Cairo.

Depois de dois anos ali, voltou para a Holanda,


matriculando-se numa escola superior de Roterdã.
Frequentava ainda essa escola quando, em maio de
1940, os nazistas invadiram a Holanda. No primeiro dia
da invasão, a Sra. Behar e suas duas filhas fugiram para
a Inglaterra. A família combinara tomar essa atitude
antes que a invasão fosse desencadeada e, nessa
ocasião, George havia decidido permanecer no país, a
fim de concluir seu curso na escola. A permissão lhe fora
dada, já que um seu tio assumira o compromisso de por
ele zelar. George prosseguiu então em seus estudos e,
quando completou o curso, tornara-se um dos primeiros
membros da Resistência Holandesa. Nessa atividade,
adquirira a reputação de ter coragem e de ser astucioso.
A Gestapo, porém, logo se pôs em seu encalço, e ele
escapou para a Inglaterra, viajando via França e
Espanha. Ao chegar à Inglaterra, mudou seu nome para
Blake, incorporando-se, como voluntário, à Marinha Real.
Sua ambição, entretanto, era fazer parte da Inteligência,
e os esforços que realizou nesse sentido obtiveram êxito.
Foi designado para o SOE, e ali recebeu o devido
treinamento. Ao concluir o estágio preparatório, deram-
lhe, para seu desapontamento, um cargo de amanuense.

Na primavera de 1944, entretanto, Blake foi aproveitado


como intérprete no quartel-general do recém-formado
SHAEF, e comissionado como subtenente no RNVR, onde
seus deveres consistiam principalmente em traduzir e
interpretar documentos alemães que caíam
constantemente em mãos dos aliados.
Logo depois da cessação das hostilidades na Europa, ele
foi transferido para Hamburgo. Era encarregado, ali, de
uma pequena unidade de Inteligência, com instruções
para prender e interrogar todos os comandantes de
submarinos que pudesse encontrar. Levou a efeito essa
tarefa com brutal eficiência. Quando esse trabalho
terminou, foi chamado de volta à Inglaterra e, por
recomendação do Foreign Office, obteve seu
desligamento do RNVR e se matriculou na Universidade
de Cambridge, onde aprendeu russo, ostensivamente
para exercer um cargo no Serviço Exterior, mas, de fato,
para ser agente secreto sob ordens do MI 6.

Havendo concluído esse curso com êxito, foi designado


para servir em Seul, na Coréia, como vice-cônsul, sob as
ordens do encarregado de Negócios, que era o Capitão
(mais tarde Sir) Vyvyan Holt.

Quando começou a guerra da Coréia e as tropas


comunistas entraram na cidade, Blake, juntamente com
o Capitão Holt e outros membros da colônia britânica ali
estabelecidos, foi detido. Na prisão, todos os seus
colegas de encarceramento fizeram confissões, mas
Blake sempre constituíra um exemplo de coragem e
fortaleza de ânimo. O encarceramento de autoridades
diplomáticas e consulares contrariava todos os usos de
guerra, e o governo britânico iniciou imediatamente
negociações para a libertação tanto do Capitão Holt
como de seus companheiros. Os comunistas, porém, se
negavam a deixá-los ir. Enquanto se arrastavam as
negociações, submeteram alguns prisioneiros ao
processo de lavagem cerebral. De acordo com as
declarações de seus amigos desse tempo, Blake resistiu,
mais uma vez, a todas essas tentativas. Entretanto,
segundo se sabe hoje, essa experiência representou o
ponto decisivo em sua vida.
Certa vez, tramou uma fuga, mas foi preso. Esteve diante
de um pelotão de fuzilamento, acusado de ser espião.
Quando a ordem de “fogo” estava para ser dada, gritou
em russo: “Não sou espião. Sou um civil internado, um
diplomata britânico. Saí do campo de Man-po e perdi o
caminho de volta.” Por um golpe de sorte, o oficial norte-
coreano, encarregado do fuzilamento, havia sido treinado
na Rússia e entendeu o que ele dissera. Imediatamente,
dispersou o pelotão e, levando Blake para um canto,
manteve com ele longa conversa em russo. Discutiram
sobre o que julgavam certo ou errado no
desenvolvimento da guerra. Após essa entrevista, o
norte-coreano o devolveu ao campo, com uma
advertência no sentido de que não tentasse fugir outra
vez.

Quando a cessação das hostilidades foi acertada, na


primavera de 1953, os sobreviventes do grupo britânico
foram postos em liberdade. Chegando à Inglaterra, Blake
teve entusiástica acolhida no Foreign Office.
Consideraram-no um modelo das mais altas tradições do
serviço no exterior. Se se tratou de uma recompensa por
sua atuação na Coréia, isso nunca foi revelado, mas o
fato é que a sua velha ambição de ser agente secreto
pôde ser realizada. Blake foi transferido para o MI 6.

Tratava-se de uma designação extremamente singular.


Estipulava o regulamento que os oficiais do MI 6
deveriam ser de ascendência inteiramente britânica. Que
houve, então, para que o regulamento fosse contornado
no caso de Blake? Trata-se de um mistério que nunca foi
desvendado.

Durante algum tempo, Blake trabalhara no Foreign


Office, onde conhecera uma colega de trabalho e por ela
se apaixonara. Casaram-se em outubro de 1954 e, pouco
depois, recebera a comunicação de que fora designado
para o departamento MI 6, do Serviço Secreto Britânico,
como adido ao comandante do Setor Britânico, em
Berlim.

Assumiu suas novas funções em abril de 1955, e seu


primeiro filho nasceu no ano seguinte, na antiga capital
do Reich. Em Berlim, os Blake se conservavam afastados
da vida social que esplendia em torno deles. E, quando
acontecia que George chegasse tarde a casa, embora
explicasse à esposa que aqueles atrasos eram impostos
pelo desempenho das suas funções, ela nunca aceitava
as explicações, e esses fatos começaram a ter reflexos
sobre a harmonia do casal.

Com efeito, suas ausências de casa não eram impostas


por suas funções. Logo que chegara a Berlim, vira-se
envolvido com um agente duplo, o qual, embora
trabalhando ostensivamente para os russos, tinha seu
nome igualmente na folha de pagamento dos britânicos.
O próprio Blake fizera diversas viagens ao Setor Oriental
de Berlim, para se avistar com esse agente. Se tivesse
recebido um adequado treinamento para desempenhar
as funções de agente secreto, saberia, com toda certeza,
que aquele comportamento não deixava de ser perigoso.
De fato, essa conduta, na Alemanha, e principalmente
em Berlim — avassalada, naquela época, pela
espionagem soviética —, resultou fatal.

Blake, porém, não deve ser inteiramente


responsabilizado pelo que aconteceu. De acordo com as
instruções de seus superiores, estabelecera contato
também com outro suposto delator, chamado Horst
Eitner. Logo uma amizade aproximou os dois agentes, e
isso ocorreu não muito antes que Blake, que fora
submetido a uma súbita conversão ao comunismo,
enquanto se achava na Coréia, em 1951, e planejara
tornar-se agente soviético quando as circunstâncias o
permitissem, se tornasse, ele próprio, em realidade, um
agente duplo.

As informações que transmitiu aos russos eram de


suficiente importância para que eles lhe permitissem
conservar a confiança de seus superiores britânicos,
dando-lhes informes sobre alguns espiões soviéticos, de
pequena categoria. Os ingleses, entretanto, começaram
a se mostrar preocupados pelas indicações de que seus
próprios desígnios mais secretos, e os dos seus aliados
obviamente, eram do conhecimento dos russos. Blake,
porém, era a última pessoa a ser suspeitada de ter
qualquer participação naquela traição dos segredos
políticos dos aliados.

Nessas condições, durante três anos Blake realizou seu


jogo duplo em Berlim. Entretanto, inquietou-se, naquela
época, em face de uma descoberta que fizera. Horst
Eitner era, igualmente, agente russo. Desde esse
momento, tudo fez para ser retirado de Berlim. Seus
superiores, no entanto, resistiram, julgando-o útil na
capital alemã. Após sucessivas tentativas, convencera
finalmente os ingleses de que os russos suspeitavam que
ele fosse um agente duplo e, por motivos de segurança,
deveria, portanto, ser retirado de Berlim.

Assim, os Blake retornaram à Inglaterra. Instalaram-se


nas imediações de Bromley, em Kent, de onde
diariamente ele viajava até o Whitehall. Naquela época,
fora informado de que, se o desejasse, poderia ser
designado para um posto no Oriente Médio. Aceitou, com
satisfação, a proposta. E, em setembro de 1960,
acompanhado da família, chegou a Beirute, no Líbano.
Antes de assumir suas novas funções, porém, deveria
fazer um curso no Colégio de Estudos Árabes do Oriente
Médio, dirigido pelo Foreign Office. Esse estabelecimento
proporcionava um treinamento especial aos enviados
pelo serviço secreto inglês que iam ocupar postos
naquela região.

Pouco depois de Blake chegar a Beirute, embora não o


soubesse, seu velho amigo Horst Eitner fora
desmascarado, e os ingleses o haviam prendido. Durante
seu interrogatório, por volta de meados de fevereiro de
1961, revelara que Blake era um agente que trabalhava
para os russos. E o pior: apresentara provas de que
estava falando a verdade.

O primeiro-ministro, ao ser informado, dera ordens para


que Blake fosse chamado a Londres, a fim de ser
interrogado. Blake não tinha a menor idéia de por que
deveria ir à Inglaterra, e embarcou satisfeito. Ao chegar a
Londres, soube, pela primeira vez, da prisão de Eitner e
das acusações que lhe eram feitas. Em face de tais
provas, julgou melhor confessar tudo por escrito.

No dia 22 de abril de 1961, o Chief Metropolitan


Magistrate divulgou um comunicado, declarando
laconicamente que George Blake, funcionário do
governo, ia ser submetido a julgamento, sob três
acusações, de acordo com a Lei de Segredos Oficiais. A
gravidade do caso logo se tornou patente. D-noticies —
proibição da publicação de qualquer informação relativa
a uma causa específica, por motivo de segurança —
foram emitidas. O sigilo, mantido até que Blake fosse
julgado, deu lugar, entretanto, a rumores e conjecturas.
E, como as autoridades se mantiveram silenciosas em
face da curiosidade pública, criou-se uma atmosfera de
desconfiança, prejudicial ao bom nome do governo.
Embora nenhuma indicação houvesse sido dada sobre as
informações que Blake fornecera aos russos, não foi
difícil conjecturar-se a natureza das mesmas, quando
foram divulgadas as palavras do presidente do Tribunal
de Justiça: “. . .que tomaram inúteis muitos dos esforços
realizados por este país.”

O período que Blake passara em Berlim fora de grande


atividade diplomática. É que, ali, iria realizar-se, dentro
em breve, a Conferência de Cúpula. Durante os
preparativos dessa reunião, que se prolongaram por
vários meses, o Serviço Secreto Britânico recebera um
número enorme de perguntas relacionadas com todos os
aspectos do problema de Berlim. Blake examinara a
maioria dessas perguntas e preparara, ou ajudara a
preparar, muitas respostas.

Se, com sua atitude, tornou infrutíferas todas as


tentativas realizadas para se chegar a um acordo na
Conferência de Cúpula, mesmo assim não justificava a
estranha sentença que o condenou. Na atmosfera que
prevalecia na época, talvez essa sentença pudesse ser
considerada; justa. Por outro lado, a influência daquela
atmosfera impedia igualmente que os russos pudessem
fazer qualquer concessão em relação ao problema de
Berlim ou procurassem chegar a uma solução, mesmo
sem a intervenção de Blake.

A insinuação de que a sentença fora uma satisfação dada


aos norte-americanos não é sem fundamento, quando se
considera o seguinte trecho de um editorial do New York
Herald Tribune:

George Blake conhecia todos os planos, todas as


manobras da tática que os aliados iriam pôr em prática,
todos os projetos que o Ocidente elaborara para os
problemas de Berlim e da Alemanha. . . No futuro, os
Estados Unidos devem reter do conhecimento do
governo britânico seus segredos, já que a Grã-Bretanha
não passa de uma peneira. . .

O proprietário do Herald Tribune era John Hay Witney,


antigo embaixador norte-americano em Londres.

A segurança britânica, entretanto, não era mais


vulnerável do que a segurança de qualquer dos seus
aliados, mesmo a dos Estados Unidos. O caso do Coronel
Abel, os acontecimentos na Alemanha Ocidental e na
França e o que ocorrera em muitos países integrantes da
OTAN provaram-no suficientemente. As autoridades
britânicas, porém, cederam à pressão, determinada pelo
medo, embora sem qualquer base sólida. A omissão de
seus aliados, em relação a assuntos de segurança,
deveria ter sido Ousadamente ressaltada. Ao invés disso,
os ingleses se curvaram, oferecendo um placebo, e,
assim fazendo, cometeram o crime de realizar uma
vingança perfeitamente injustificável.

Hoje, que o medo já passou, e quando outros homens


têm a responsabilidade de defender os destinos ingleses,
já é tempo de se fazer alguma coisa no sentido de
restabelecer o bom nome da Justiça britânica. Felizmente
para todos nós, a espionagem realizada em tempo de
paz, de acordo com a legislação inglesa, não é
considerada crime capital. Naturalmente, Blake era
culpado de trair o seu país e, por isso, deveria ser
severamente punido. Mas, se sua sentença fosse revista
e reduzida para o mesmo nível das que foram impostas a
Nunn May e Fuchs — que causaram muito maior dano à
democracia — pelo menos um sentimento de esperança
substituiria o que é, hoje, uma consciência de desespero;
um estado de alma muito mais terrível do que mesmo o
conhecimento de que se deve morrer dentro de
determinado tempo.

A prisão e o encarceramento de George Blake, ocorrendo


cinco semanas após o julgamento, e a condenação dos
espiões de Portland provocaram em cada inglês, como
provavelmente nenhum outro acontecimento poderia
fazê-lo, a impressão de que a Grã-Bretanha se
encontrava sob intensa pressão da espionagem russa. Os
casos, certamente, tiveram repercussão no Centro. Esta
organização perdera seis dos seus agentes de alta
categoria, em curto período de tempo, resultando desse
desfalque que um sétimo espião, também de grandes
qualificações, recebesse ordem de Moscou para
suspender, por algum tempo, suas atividades.

O caso de Portland teve, como uma de suas


consequências, a instituição de um Comitê de Inquérito,
sob a presidência de Sir Charles Romer, antigo
presidente do Tribunal de Apelação, e que tinha por
objetivo investigar a causa dos lapsos de segurança no
Interior do Almirantado — lapsos estes que tornaram
possível a Harry Houghton ser nomeado, apesar do seu
passado, para um posto que lhe dava acesso a segredos
de grande interesse para os russos e lhe permitiram
espionar, durante tão longo tempo, sem ser descoberto.
O relatório do Comitê Romer selecionou os fatos e
responsabilizou, muito justa e firmemente, os que eram
culpados.

Não deixou de constituir uma coincidência que tal coisa


tivesse acontecido no caso de George Blake, embora
outro departamento governamental estivesse envolvido.
Qualquer pessoa que, como aconteceu a Blake na Coréia,
tenha sofrido uma lavagem cerebral, não deveria ser
recrutada pelos serviços de Inteligência e, muito menos,
ser designada para operar em Berlim, principalmente
naquela época. Essa designação só se poderia dar depois
de ficar absolutamente provado que o recrutado não
fora, de fato, afetado por tal tratamento.

Os erros cometidos pelo veterano departamento de


contraespionagem poderiam, entretanto, ser mais
prontamente desculpados no caso de Blake, já que as
informações que seus dirigentes receberam haviam-lhes
sido fornecidas por homens honestos e dignos de
confiança. Esses homens consideravam Blake uma força
de que podiam dispor, numa época de grande tribulação
física e de grande desgaste mental. Não obstante essa
atenuante, o processo de escrutinização do passado de
Blake foi tão precário quanto o levado a efeito no caso de
Portland. Essa omissão fora compreendida pelas
autoridades e, quando o Comitê Romer divulgou seu
relatório, as forças de segurança logo procuraram corrigir
as falhas do seu serviço de contraespionagem.

As alterações introduzidas nas rotinas de triagem dos


recrutados eram, segundo tudo indicava na época,
destinadas, entretanto, a ter execução no futuro. De fato,
não ocorreu a qualquer autoridade a conveniência de
serem revistos todos os casos em que os antecedentes
de um agente pudessem configurá-lo como espião
soviético em potencial e se achasse já em plena
atividade. Se essa providência houvesse sido tomada,
John Vassall poderia ter sido neutralizado, pelo menos
um ano, se não dezoito meses mais cedo do que o foi.

Vassall era filho de um clérigo da Igreja Anglicana.


Trabalhara durante algum tempo num banco, quando,
aos dezesseis anos, deixara o colégio. Odiava o trabalho
no banco e, nessas condições, voltara suas vistas para o
serviço público. Tornara-se amanuense interino, grau III,
no Almirantado. Afastou-se temporariamente desse
emprego em 1943, quando se inscreveu na RAF, na qual
serviu como fotógrafo. Após a desmobilização, retornou
ao Almirantado e, a partir do início de 1948, passou n
ocupar o cargo de oficial administrativo.

Vassall nunca se distinguira, de modo particular, como


oficial administrativo, e não iria obter êxito em subir na
lista de promoções. De fato, não deixa de ser estranho
que, no serviço público, um funcionário de tão baixo nível
pudesse ter acesso a alguns dos mais importantes
segredos de Estado. Em 1953, Vassall viu-se colocado
exatamente nessa posição. Fora designado para a
embaixada britânica em Moscou, e suas funções eram as
de auxiliar do adido naval.

Vassall revelava uma deficiência que deveria ter


impedido sua escolha para servir em Moscou. Era
homossexual. Embora ninguém carregue um rótulo com
indicações dos seus desvios sexuais, Vassall, entretanto,
era o tipo do homossexual que qualquer pessoa com
experiência do mundo logo reconheceria. Por causa
dessa anomalia, tornou-se um homem solitário em
Moscou. E, por ser um solitário e um homossexual,
automaticamente se revelava o tipo de homem ao qual a
espionagem soviética sempre dá grande importância.
Assim, os dirigentes russos logo exploraram a solidão em
que ele vivia. Convidaram no para festas; colocaram-no
em comprometedoras situações sexuais, nas quais foi
fotografado; e, então, sob a ameaça de divulgar aquelas
fotografias, fizeram com que concordasse em trabalhar
para eles.
Essa é a história de Vassall, e não existem razões para
que não se deva julgá-la verdadeira. Por outro lado, a
ameaça de chantagem não desculpa seu acordo em
espionar para os russos. O Centro apoderara-se dele.
Antes que desembarcasse em Moscou e antes mesmo
que a segurança britânica o soubesse, já os dirigentes do
Centro tinham informações das suas tendências
homossexuais e de que se tratava, também, de um
homem fraco e pretensioso, que tentava compensar as
falhas de sua existência, movimentando-se num
ambiente social que se pode descrever como “acima
dele”. Para fazer frente ás despesas nesse ambiente
superior, Vassall necessitava de um salário maior do que
as 15 libras semanais que percebia na embaixada. O
Centro prometeu-lhe, então, uma boa recompensa
financeira, caso lhe fornecesse informações valiosas.

Por volta de setembro de 1955, John Vassall começou a


operar. Retirava documentos secretos do escritório do
adido naval e os entregava a um agente soviético, que
imediatamente os fotografava. Feito isso, os documentos
eram devolvidos a Vassall, que, por sua vez, os repunha
nos arquivos, antes de alguém dar pela falta.

Essa manobra se prolongou pelo período de dez meses. A


utilidade de Vassall para o Centro poderia ter cessado em
julho de 1956, quando foi chamado de volta à Inglaterra.
O Centro, porém, estava com sorte. Vassall, ao chegar à
Inglaterra, não somente foi designado para um cargo no
Almirantado, que lhe dava acesso a documentos secretos
— a Divisão de Inteligência Naval —, mas também as
informações às quais tinha então acesso eram ainda
mais importantes do que as que, antes, extraíra do
escritório do adido naval em Moscou.
A situação se prolongou por dois anos, e então seguiu-se
um período durante o qual Vassall já não se mostrava tão
útil. É que fora designado para o escritório particular do
Lorde Civil do Almirantado, onde suas funções eram mais
ou menos as de valet-de-chambre do chefe — emprego
este que se ajustava perfeitamente ao seu
temperamento. O Centro vinha cumprindo a promessa no
que dizia respeito às recompensas financeiras, e Vassall,
amanuense que percebia apenas 15 libras semanais,
podia dar-se ao luxo de viver numa das áreas mais
exclusivas e dispendiosas de Londres — Dolphin Square
—, onde alugara um pequeno apartamento que mobiliara
com gosto e enchera de custosas antiguidades. Esse fato
devia chamar a atenção da segurança do Almirantado,
pois Vassall estava-se comportando exatamente como
Harry Houghton, embora com muito maior desembaraço.
Alguns dos seus colegas notaram aquele dispendioso
padrão de vida. A explicação de Vassall, de que recebera
uma ou duas pequenas heranças de velhas que eram
suas amigas, foi, entretanto, considerada satisfatória. Em
face disso, nenhuma investigação se levara a efeito.

Depois de haver cuidado do conforto pessoal do Lord


Civil por dois anos e seis meses, em outubro de 1959
Vassall foi transferido de novo e, desta vez, para um
departamento que iria torná-lo ainda mais útil para o
Centro. Designaram-no para a seção que tratava dos
assuntos da Esquadra na Segunda Divisão Militar — o
Secretariado do Pessoal Naval — e ali mais uma vez
passara a ter acesso à maioria dos segredos do
Almirantado. Transitavam por suas mãos informações
referentes a radar, a torpedos, a armas antissubmarinos
e a experiências de artilharia, assim como boletins sobre
táticas e manobras dos aliados e, igualmente, instruções
táticas e operacionais da Armada.
A diferença operada em seu modo de espionar era que,
então, fotografava os documentos, para o que fora
equipado pela RAF. Obedecia, com rigor, às normas de
espionagem que lhe haviam sido ensinadas em Moscou.
Nestas condições, pôde agir, com absoluta segurança —
exceto durante um ano, quando deixara de operar após o
caso Portland, de acordo com instruções do Centro —,
até setembro de 1962, quando foi preso.

Depois de parte da verdade se tornar conhecida,


verificou-se que, embora os lapsos de segurança no caso
de Vassall tivessem sido muito mais graves do que nos
de Houghton e Blake, mesmo assim, ele se revelara um
ótimo agente. A verdade é que, por mais de seis anos,
entregara segredos a Moscou, com pleno êxito, antes
que começasse a se tornar suspeito. E mesmo essa
desconfiança poderia não ter surgido, se o caso de Blake
não provocasse a constituição de ainda outro comitê de
investigações — o Comitê Radcliffe —, com a finalidade
de fazer averiguações sobre a organização e o sistema
de trabalho de todos os departamentos de segurança.
Como resultado das atividades desse comitê, e em face
das sugestões feitas para a melhoria do sistema de
trabalho daqueles departamentos, o pessoal da
segurança do Almirantado procedera ao levantamento de
todos os seus integrantes. Em consequência dessa
investigação, o background de Vassall fora anotado,
tendo ele sido posto sob vigilância. Assim, acabou
desmascarado.

Não foi possível a Vassall negar o que vinha fazendo. Em


seu apartamento — ao ser revistado — encontraram-se
cópias de dezessete documentos do Almirantado e,
naturalmente, seu equipamento de fotocópia. Por outro
lado, segundo se diz, ele próprio confessou tudo o que
sabia.
Após haver sido julgado pelo tribunal de Old Bailey,
Vassall acabou condenado a dezoito anos de prisão —
sentença esta que focalizou, mais uma vez, a injustiça
dos quarenta e dois anos de prisão impostos a George
Blake.

O escândalo do caso Vassall foi salutar por dois motivos.


Fez com que o público tivesse consciência de que os
políticos não são os modelos de virtudes que
habitualmente procuraram aparentar, de forma que o
povo possa admirá-lo; e, em segundo lugar — e de forma
mais construtiva —, esse caso provocou um
endurecimento na observância das normas de
segurança, por parte das autoridades britânicas. Espera-
se, agora, que a lição aprendida seja lembrada por muito
tempo, embora se deva levar em conta que a memória
oficial geralmente se revela de tão breve duração quanto
pouco merecedora de confiança.
Nona Parte
ALGUMAS BREVES
OBSERVAÇÕES

Algumas Breves Observações

As páginas precedentes devem ser consideradas apenas


um relato das principais atividades da espionagem
soviética, nos primeiros quarenta anos de sua existência.
Para se fazer um completo levantamento de tudo o que
sobre ela hoje se sabe, seriam necessários vários
volumes. Esperamos, entretanto, haver apresentado um
honesto retrato da evolução e das realizações desse
serviço secreto. Se, de fato, atingimos esse objetivo, o
leitor que observar, de forma desapaixonada, o cenário
que lhe pusemos diante dos olhos, há de muito
justamente admitir que as conquistas da espionagem
soviética, nesse curto período de tempo, não deixaram
de ser surpreendentes.

Justamente porque essa espionagem tem-se mostrado


extraordinária, maior razão existe para que sempre
tenhamos em mente que sua atividade cobre hoje o
mundo inteiro. Devemos recordar que as conquistas
técnicas dessa organização nunca foram tão grandes,
que seus métodos são conhecidos, que seus objetivos
podem ser presumidos, que ela não poupará esforços
para realizar suas finalidades e continuará a constituir
uma tremenda ameaça a todos os segredos de valor das
potências estrangeiras.

Estar prevenido, em face dessa situação, representa


apenas sentir-se, em parte, antecipadamente armado. Na
Câmara dos Comuns, durante o debate sobre a Fala do
Trono, em 1962, o ministro da Defesa, Sr. Thomeycroft,
declarou:

A primeira coisa que desejo declarar é que não existiriam


espiões, se a tarefa de capturá-los fosse relativamente
fácil. Devemos descobrir um bom processo de nos
livrarmos da presença desses indesejáveis. E isso deve
ser feito antes que qualquer potência se antecipe a nós,
na consecução desse objetivo. É muito fácil dizer-se,
depois que os espiões foram apanhados e que todas as
provas contra eles tenham sido recolhidas: "Se houvesse
sido incumbido de prendê-los, teria agido com muito
maior presteza.”

Digo-lhes que todos os casos provam o contrário, isto é,


que, na realidade, é muito difícil apanhar um espião e,
provavelmente, é muito maior o número dos que fogem
que o dos que são apanhados. E isto acontece em quase
todas as nações do mundo.

O ministro foi muito criticado pelo tom displicente e


quase chistoso desse discurso. No entanto, revelou, de
fato, o mais alto sentimento de ponderação, durante
todo o debate, e o trecho citado é de evidente bom
senso. Apanhar espiões é, na realidade, muito difícil, e
nem todos os espiões são descobertos. Esta, a realidade
que não se pode negar.

Por outro lado, não se deve relaxar nos esforços para


capturá-los. A esse respeito, a seguinte norma deve ser
obedecida: se tanta gente quanto possível conhecer
como o inimigo age, haverá menor probabilidade de
abrandamento das normas de vigilância, como tem
sucedido até aqui, já que a tarefa de apanhá-los vem
sendo confiada exclusivamente a profissionais. O grande
perigo da espionagem soviética repousa não nas
atividade dos agentes profissionais, mas nos
simpatizantes camuflados que se encontram em situação
de poder passar-lhe segredos vitais. Os homens e as
mulheres que se acham em posições-chaves deviam
estar permanentemente sob investigação.

A realidade a que não podemos escapar é esta: mesmo


fazendo tudo o que pudermos, o Centro sempre tirara de
nós um grande número de segredos. O que deve ser
feito, portanto, é trabalhar, de forma que o número dos
segredos roubados se mantenha tão baixo quanto
possível.

Constitui este o único antídoto?

Sabemos que estamos sujeitos a mesma crítica que


envolveu o ministro da Defesa ao tentar mostrarmo-nos
preocupados em relação ao que tem ocorrido na Grã-
Bretanha. Ainda assim, apresentamos a seguinte
sugestão: o único antidoto eficiente contra a apreensão,
pelos soviéticos, dos nossos segredos é nos
concentrarmos em obter tantos segredos deles quantos
pudermos. Dessa maneira, e somente dessa maneira,
pode a posse, por eles, dos nossos segredos ser
efetivamente contra balançada. Seria a instituição de
uma situação de equilíbrio E esta funcionaria, tanto
quanto possível, em linhas iguais à que se têm verificado
no campo das armas nucleares.

De qualquer forma, nossas últimas palavras são as


seguintes: já vimos como o Centro trabalha, conhecemos
a amplitude dos seus objetivos, aprendemos como ele
pode ser despojado de seus agentes. Nestas condições, a
conclusão que se tira é a de que a atividade do Centro só
poderá ser contrabalançada, portanto, por uma
constante vigilância da população — esta, entretanto,
agindo como um todo.
40 ANOS DE
ESPIONAGEM SOVIÉTICA

Livro que vai às raízes de uma atividade que não se inicia


com a revolução leninista, mas em recuados tempos da
vida política russa, 40 Anos de Espionagem Soviética
constitui um precioso repositório de informações de
inteligência, colhidas nas mais variadas e respeitáveis
fontes. Ronald Seth escreve, praticamente, um manual
de contra-espionagem. Define o campo de ação e os
processos utilizados pelas forças interessadas em
infiltração, com intuitos desagregacionistas, nas
democracias ocidentais. Relaciona táticas e estratégias,
das mais usuais como das menos conhecidas, calcando a
teoria em fatos comprovados. Todos os mais famosos
casos da espionagem moderna são aqui examinados,
bem como a modificação de métodos que a
modernização de técnicas tem imposto àquelas táticas e
estratégias. Com diversos cursos especializados, Seth,
graduado na Universidade de Cambridge, serviu por
longo tempo, durante a Segunda Guerra Mundial, no
Special Operations Executive, o que lhe confere ampla
visão dos problemas aqui tão bem versados.

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