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V893s
Volkogonov, Dmitri, 1928-1995
Stalin: triunfo e tragédia / Dmitri Volkogonov; tradução: Joubert de Oliveira Brízida. – 2. ed.
– Rio de Janeiro:Nova Fronteira, 2017.
Recurso digital
1° VOLUME
1 – Um retrato
2 – Fevereiro, o prólogo
3 – Os atores coadjuvantes
4 – O levante
5 – Salva por sorte
6 – Guerra civil
7 – Camaradas em armas
8 – O secretário-geral
9 – A carta ao Congresso
10 – Stalin ou Trotsky?
11 – As raízes da tragédia
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PARTE III: OPÇÃO E LUTA
12 – Construindo o Socialismo
13 – Leninismo para as massas
14 – Desalinho intelectual
15 – A derrota do “Inimigo nº 1”
16 – A vida particular do líder
17 – O destino do campo
18 – O drama de Bukharin
19 – Ditadura e democracia
20 – O Congresso dos Vitoriosos
21 – Stalin e Kirov
22 – Personalidade dominante
23 – O intelecto de Stalin
24 – Cesarismo
25 – À sombra do chefe
26 – O fantasma de Trotsky
27 – Um vencedor popular
28 – Inimigos do povo
29 – Farsa política
30 – Quadros no banco dos réus
31 – A “trama” Tukhachevsky
32 – O monstro stalinista
33 – Culpa sem perdão
2° VOLUME
34 – Manobras políticas
35 – Reviravolta
36 – Stalin e o Exército
37 – O arsenal de defesa
38 – O assassínio do exilado
39 – Diplomacia secreta
40 – Omissões fatais
41 – Choque paralisante
42 – Tempos cruéis
43 – Desastres e esperanças
44 – O cativeiro e o general Vlasov
45 – O quartel-general
46 – Amanhecer em Stalingrado
47 – O comandante e seus generais
48 – Ideias de um estrategista
49 – Stalin e os Aliados
50 – O preço da vitória
51 – Cortina de segredos
52 – Um acesso de violência
53 – O líder envelhece
54 – Ventos gélidos
55 – Anomalia histórica
56 – Dogmas mumificados
57 – Burocracia absoluta
58 – Deuses terrenos são mortais
59 – Derrota pela História
Cronologia
Notas
Nota do tradutor inglês
Harold Shukman
St Antony’s College, Oxford
Agosto de 1990
Agradecimento do autor
***
Grisha!
Aceite este meu pequeno presente.
9 de maio de 1944. Soso2
Conheci Lenin em 1903. Na realidade, não foi um encontro pessoal e sim postal, já que se deu por
correspondência. Não foi uma carta longa, mas continha uma crítica ousada e corajosa sobre o
trabalho de nosso partido e era uma exposição extraordinariamente clara e concisa de todo o plano de
trabalho do partido para o futuro imediato. Aquele pequeno e audacioso bilhete reforçou minha
crença de que o partido tinha em Lenin sua águia sobranceira. Não posso me perdoar por ter feito
com aquela carta aquilo que o revolucionário experiente na clandestinidade fez com muitas outras
missivas, ou seja, lancei-a às chamas.11
* Na mitologia grega, leito de ferro em que Procusto, famigerado salteador, deitava suas vítimas que ali
deveriam caber perfeitamente. Por isso. se fossem maiores, cortava-lhes os pés, se fossem menores,
estirava-lhes o corpo. [N. T.]
[2]
Fevereiro, o prólogo
O fato teve lugar em Achinsk, em 1917, depois da Revolução de Fevereiro, quando o camarada
Kamenev e eu éramos, juntos, exilados. Estávamos num jantar ou numa reunião, não me lembro bem,
mas, naquele encontro, diversos cidadãos, inclusive Kamenev, enviaram um telegrama para Miguel
Romanov [...] [Kamenev esbravejou de seu assento: “Admita que está mentindo! Por que você não
admite isso?”] Silêncio, Kamenev! [Kamenev gritou de novo: “Admita que você está mentindo!”] Cale-
se Kamenev, ou será pior para você. [E. älmann, diretor do encontro, repreende Kamenev.] O
telegrama para Romanov como primeiro cidadão da Rússia foi enviado por diversos negociantes mais
o camarada Kamenev. No dia seguinte, tomei conhecimento do fato, que me foi contado pelo próprio
camarada Kamenev, o qual veio a mim e me disse que tinha feito aquela burrice. [Kamenev bradou
novamente de sua cadeira: “Você está mentindo. Jamais lhe disse isso!”] O telegrama foi publicado em
todos os jornais, exceto nos bolcheviques. Aí está o fato número um.
Agora, o fato número dois. Tivemos nossa conferência do partido em Petrogrado, em abril, e os
delegados debateram se, em face do telegrama, simplesmente seria permitida a eleição de Kamenev
para o Comitê Central. Duas reuniões bolcheviques fechadas tiveram lugar, nas quais Lenin defendeu
Kamenev, argumentando em seu favor, com alguma dificuldade, para que fosse indicado candidato ao
Comitê Central. Só Lenin poderia salvar Kamenev. Eu também o defendi naquela ocasião.
Agora, o fato número três. É bem verdade que o Pravda apoiou o desmentido publicado pelo
camarada Kamenev, já que esse era o único meio de salvá-lo e de defender o partido contra os ataques
do inimigo. Dessa forma, veem todos que o camarada Kamenev é bastante capaz de mentir para o
Comintern e de iludi-lo. Só mais duas palavras. Como o camarada Kamenev tentou, ainda que
debilmente, negar a evidência de um fato, permitam-me coletar as assinaturas daqueles que
participaram da conferência de abril e que insistiram em vedar o acesso do camarada Kamenev ao
Comitê Central por causa do telegrama. [Trotsky, de seu lugar: “Só lhe faltará a assinatura de Lenin!”]
Camarada Trotsky, você tem que permanecer quieto!
[Trotsky: “Você não me intimida, você não me intimida!”] Você está negando a verdade, e é à verdade
que você deve temer. [Trotsky: “Você fala sobre a verdade stalinista, que é rude e desleal.”] Estou
coletando as assinaturas dos que acham que o telegrama foi assinado por Kamenev.19
A despeito de todos os rumores e insinuações, o Governo Provisório [...] decidira, bem no início de
março, enviar a família real para o exterior. No soviete de Moscou, em 7 [20] de março, em resposta à
gritaria de “Morte ao czar! Executem o czar!”, eu mesmo disse: “Isso jamais acontecerá enquanto
estivermos no poder. O Governo Provisório assumiu a responsabilidade pela segurança do czar e de
sua família. Cumpriremos essa obrigação até o fim. O czar e sua família serão mandados para a
Inglaterra. Eu os acompanharei pessoalmente até Murmansk.”23
* O calendário russo era 13 dias atrasado em relação ao do Ocidente até janeiro de 1918, quando passou
a coincidir com este. Assim sendo, a Revolução “de Fevereiro” ocorreu em março pelo Calendário Novo,
enquanto a Revolução “de Outubro” é comemorada, desde 1918, no dia 7 de novembro.
** Russo sovet, conselho. [N.T.]
[4]
O levante
Com as palavras “liberdade e socialismo” nos lábios, os que usurparam o poder apelam para a
violência, exercendo um mando arbitrário. Prenderam membros do Governo Provisório, inclusive os
ministros socialistas, e os encarceraram em celas czaristas. Sangue e anarquia ameaçam cobrir a
revolução, afogar a liberdade e a república e causar a restauração da velha ordem. Esse regime deve ser
visto como o inimigo do povo e da revolução que é.42
***
É verdade que o camarada Trotsky lutou bem no período de outubro. Mas não foi o único, outros
lutaram igualmente bem, como os SR de Esquerda, que se postaram ombro a ombro com os
bolcheviques. Mas por que razão Lenin, ao selecionar os integrantes do centro prático de operações
para o levante, não incluiu o nome de Trotsky, mas nomeou Sverdlov, Stalin, Dzerzhinsky, Bubnov e
Uritsky? Como se vê, o centro não incluiu o “inspirador”, “a figura central”, “o único líder do
levante”, o camarada Trotsky. Como é possível jogar tal fato com a opinião corrente sobre o papel
especial do camarada Trotsky?48
* Em seguida à Revolução de Fevereiro, o novo governo foi pressionado a convocar uma assembleia
constituinte em que se determinasse a natureza do novo Estado. As eleições organizadas pelo Governo
Provisório acabaram ocorrendo depois da tomada do poder pelos bolcheviques, os quais receberam votos
de menos de um quarto das cadeiras da Assembleia, prontamente desfeita pela força depois de sua
primeira e única sessão em 18 de janeiro de 1918.
[5]
Salva por sorte
Três dias mais tarde, numa reunião do Comitê Executivo Central de Toda a
Rússia, Trotsky tentou mostrar que sua decisão de “revolucionar” o movimento
revolucionário no Ocidente e que a palavra de ordem “nem paz nem guerra”
seriam apoiadas até pelas tropas alemãs. Na realidade, o slogan escancarou o
centro da Rússia para o agressor e, em poucos dias, tropas alemãs começaram a
avançar em toda a frente. Depois de um acalorado debate, o Comitê Central
aprovou, por sete votos contra quatro, a aceitação dos termos da Alemanha.
Nas palavras de Chicherin, o sucessor de Trotsky, a Alemanha ofereceu uma
paz predatória “com um revólver apontado para a testa da Rússia
revolucionária”. A Rússia perdeu Polônia, Lituânia, Estônia, Kurland, Kars,
Batum e algumas ilhas bálticas. O partido ainda teve que defender o tratado
perante o VII Congresso de Emergência do Partido e do IVº Congresso
Extraordinário de Sovietes de Toda a Rússia, ambos ocorridos em março com
uma diferença de uma semana.
Stalin permaneceu passivo em relação a este caso, não porque discordasse de
um lado ou do outro, mas por ser a questão complicada demais para ele. Por
exemplo, numa reunião do comitê central, em 23 de fevereiro, quando Lenin
ameaçou renunciar se não concordassem em fazer a paz, Stalin começou a
vacilar, mas sem antes chegar a perguntar se “a renúncia de alguém a um cargo
significa também demissão do partido?”. Lenin respondeu que não.
A confusão que, por vezes, assaltava Stalin ficou particularmente evidente
quando se formulou a ideia de que “a honra da revolução tem precedência
sobre sua morte”. Lomov, por exemplo, declarou: “Não deixem que a renúncia
de Lenin assuste vocês. A revolução é mais preciosa.” Uritsky disse que “essa
paz vergonhosa não salvará o regime soviético”. Em meio a tão diversificadas
opiniões, Stalin adotou uma posição indecisa: “Talvez não tenhamos que
assinar o tratado.” Ao que Lenin replicou: “Stalin está errado quando diz que
não temos que assinar. Precisamos sim assinar os termos. Se não o fizermos,
estaremos assinando a sentença de morte do regime soviético num prazo de três
semanas. O regime soviético não está temeroso de tais termos. Não tenho a
menor hesitação. Não estou dando um ultimato para que o tratado seja
retirado. Não é de uma ‘frase revolucionária’ que estou em busca.”51 Lenin
aparou todos os argumentos contra e, a partir do momento que os submeteu à
sua crítica, Stalin passou a se sentir melhor e alinhou-se com seu líder.
No Congresso do Partido, Lenin conseguiu demonstrar a necessidade vital
de se adotar a dura opção que fizera. Stalin sobrepujou suas dúvidas íntimas e
encontrou forças para seguir Lenin até o fim. Trotsky também ficou firme em
sua própria posição, declarando não considerar nenhuma das duas posturas
decisiva para a sobrevivência do regime.
Malgrado a versão oficial soviética, a opinião de Lenin sobre a posição de
Trotsky não foi de preto ou branco. Pronunciando o discurso de encerramento
sobre o relatório político do Comitê Central, em 8 de março de 1918, ele disse:
Ademais, devo tratar da posição do camarada Trotsky. Dois lados devem ser considerados sobre o que
ele tem feito: quando começou as negociações em Brest e explorou tão brilhantemente a oportunidade
para agitação, todos concordamos com ele. O camarada Trotsky citou parte da conversa que teve
comigo, mas posso adicionar que houve um acordo entre nós de que deveríamos sustentar a posição
até que os alemães dessem seu ultimato, quando então nos renderíamos. As táticas de Trotsky, já que
visavam a retardar as coisas, estavam corretas: tornaram-se incorretas quando o estado de guerra se
declarou encerrado sem que paz alguma fosse assinada.52
O ponto de vista que nos oferece o camarada Lenin é inaceitável para nós. [...] Mas, a mim parece
que, pelo menos, estamos propondo uma saída. Essa saída, que o camarada Lenin rejeita e que nós
consideramos necessária, está numa guerra revolucionária contra o imperialismo alemão.53
O objetivo de nossa última ordem era dar-lhe a oportunidade de reorganizar esses regimentos num só
grupo para destruir os melhores regimentos de Denikin. Repito, para destruir, porque estamos falando
de destruição. A captura de Kromy pelo inimigo não passa de um episódio que pode ser corrigido, ao
passo que nossa missão principal não é empregar os regimentos como unidades individuais de assalto,
mas investir sobre o inimigo como um grupo maciço e numa direção única e definida.62
É, obviamente, utópico. Não nos custará muitas vidas? Estaremos matando uma multidão de nossos
soldados. Isso precisa ser treinado e testado dez vezes. Sugiro a seguinte resposta: Sua proposta para
uma ofensiva na Crimeia é tão séria que temos que fazer um balanço e pensar seriamente sobre ela.
Aguarde nossa resposta. Assinado Lenin e Trotsky.71
Faço veemente objeção à substituição de Yegorov por Uborevich, o qual não está pronto para tal
função, ou por Kork, que não tem condições para ser comandante de front. Foram Yegorov e o
comandante em chefe [S.S. Kamenev] que deixaram a Crimeia escapar por entre nossos dedos, porque
o comandante em chefe estava em Kharkov havia duas semanas antes do avanço de Wrangel e partiu
para Moscou sem entender que o exército [de Wrangel] estava desintegrado. Não acho que tenhamos,
no momento, alguém melhor que Yegorov. Seria melhor, então, substituir o comandante em chefe,
que flutua entre o extremo otimismo e o maior pessimismo, atrapalha todo mundo e confunde o
comandante do front, não tendo nada de positivo a oferecer.81
Stalin, provavelmente, defendeu Yegorov porque a ideia de sua substituição
partira de Trotsky. Quanto aos que “deixaram escapar a Crimeia por entre
nossos dedos”, Stalin fora um deles. Já em 1920, podia-se ver Stalin declarando
peremptoriamente que o comandante em chefe S.S. Kamenev “atrapalha todo
mundo”. O atributo vital de Stalin vinha sendo, por muito tempo, sua
capacidade de infligir dano moral. E, à proporção que sua posição se firmava,
tal qualidade se tornava mais perigosa e má.
Depois do sucesso inicial contra a Polônia, o Exército Vermelho teve uma
séria derrota em 1920 e, quase vinte anos depois, Stalin iria culpar Yegorov,
Tukhachevsky e outros líderes militares pelo “retardo criminoso decorrente de
seus esquemas traiçoeiros”. Jamais passaria por sua cabeça que, como membro
do soviete militar, ele era também responsável pelos sucessos e fracassos das
forças no front.
Em 2 de agosto de 1920, o Politburo decidiu separar uma parte do front
sudoeste e criar um front sul independente. O soviete militar do front tabelou
uma proposta de transferência dos XII e XIV Exércitos e do 1º Corpo de
Cavalaria para o front ocidental. Houve incapacidade de concluir tal operação
com rapidez. Em 13 de agosto, Stalin e Yegorov reportaram para Kamenev, o
comandante em chefe, que as forças do front já estavam por demais distendidas
e que a alteração nas missões básicas dos exércitos seria impossível naquelas
circunstâncias.82
Quando Kamenev deu nova diretriz para o comando do front sudoeste
referente à transferência dos XII e XIV Exércitos e do 1º Corpo de Cavalaria, a
ordem foi assinada por R.I. Berzin, pois Stalin se recusou a fazê-lo. Tempo
precioso se perdera com discussões e negociações. A retirada de forças para
Lvov só começou em 20 de agosto, e a chegada dessas forças foi muito tardia
para resultar em qualquer ajuda. É claro que a responsabilidade por tal erro
estratégico foi do Revvoensoviet da República e do comandante em chefe do
front. No entanto, afinal de contas, Stalin concordara, em 5 de agosto, com a
ideia da transferência dos três grandes comandos para o front ocidental, mas
depois emperrara tudo, com sérias consequências. Stalin não fez esforço
especial para que sua própria proposta fosse implementada, mesmo tendo sido
ratificada por Moscou. Ele foi tão culpado por esse importante fracasso quanto
Trotsky, Tukhachevsky, Yegorov e outros. Contudo, é evidente que Stalin
jamais sonharia em admitir sua própria omissão. Já começava a desenvolver
instintos de infalibilidade.
Ao analisar o resultado do erro, Lenin disse que “quando nos aproximamos
de Varsóvia, nossas tropas estavam tão exaustas que não tinham forças para
levar adiante sua vitória, enquanto as tropas polonesas, encorajadas como
estavam pelo levante patriótico em Varsóvia e vendo-se em seu próprio país,
encontraram apoio e renovada oportunidade para progredir. Ocorreu que a
guerra nos deu a chance de chegar quase à devastação completa da Polônia,
mas, no momento decisivo, carecemos de força”.83 Da maior significação é o
fato de os historiadores militares subsequentes procurarem realçar a
contribuição “especial” de Stalin para as iniciativas vitoriosas nos fronts sul,
leste e noroeste, sem jamais mencionarem seu papel na campanha da Polônia,
porque não teriam nada de bom a dizer.
Deixando-se de lado as coisas terríveis e imperdoáveis que ele iria fazer no
futuro, e supondo-se que Stalin não nasceu um patife, pode-se afirmar que ele
deu algumas contribuições para a guerra civil. Mas foram contribuições de um
emissário cumpridor de ordens. Não trouxe nenhum “marco decisivo” dos que,
mais tarde, lhe foram atribuídos. Ao mesmo tempo, deve-se lembrar que Stalin,
desde os primeiros estágios da revolução, foi membro dos mais altos órgãos do
partido: primeiro, no Comitê Central e, depois, no Politburo e no Orgburo.
Gradualmente, em especial quando a guerra civil chegava ao fim, a posição de
Stalin foi se tornando mais forte e ele se transformou numa das figuras-chave
do núcleo governante do partido.
O exame das atividades de Stalin durante esse período mostra que ele ficava
atrás de muitos outros líderes partidários. Como teórico, não passava de
superficial, e não tinha os dons da oratória, uma consideração importante num
tempo de convulsões revolucionárias históricas. Ninguém poderia dizer que
fosse homem “compreensivo” e “bom”. Manifestamente, faltavam-lhe as
qualidades morais que, de um modo geral, são associadas à virtude. No
entanto, possuía alguma coisa que seus correspondentes não revelavam, a saber,
um alto grau de firmeza de propósitos e a capacidade de perseguir
obsessivamente uma ideia concreta. Tais qualidades impressionaram as pessoas
que com ele operaram nas numerosas tarefas para as quais foi designado. Com
certeza, a formação de Stalin como líder deveu-se, em grande parte, aos anos de
guerra civil. Revelou faro pelo poder, entendia como ele funcionava, tanto no
centro como nas localidades, e se convenceu de que a aplicação de pressão nos
momentos críticos podia levar ao resultado desejado.
Muitos dos líderes do partido eram membros da intelligentsia, ou, como
Stalin realçou sarcasticamente em certa ocasião, no final dos anos 1920, eram
“escritores”. Nunca falou um pouco mais sobre esse tópico, principalmente
porque Lenin também era um “intelectual”, “escritor” e emigré. Mas o intelecto
de Lenin era tal que Stalin, tendo lançado o conceito de “segundo líder” que
estava “sempre junto a Lenin”, jamais expressou uma única observação crítica
sobre seu próprio mestre. Quando, entretanto, Lenin o criticava – sobre as
nacionalidades, o monopólio comercial do estrangeiro, os assuntos militares e
outras questões – Stalin, normalmente, em silêncio, concordava com ele. O
poder psicológico de Lenin sobre Stalin era claro.
O delgado stratum intelectual constituído pela “velha guarda de Lenin”
fracassou no momento crítico e permitiu que um homem com propensões
ditatoriais e cesaristas usurpasse o poder no partido e no Estado. Todos se
consideravam leninistas, porém foram incapazes de cumprir o testamento do
líder da revolução. Como e por que isso aconteceu? Por que não se buscou
outra alternativa? Essa pergunta desafiará os estudiosos da história soviética por
muito tempo ainda. O passado não é um teatro de sombras. O que lá impera
não é o efêmero e sim o irreversível.
Notas
É sempre difícil passar da guerra à paz, porém, nas condições da Rússia depois
da guerra civil, não se tratava de uma simples questão de ir da guerra para a
paz. Anarquia, devastação, fome – faltam palavras para descrever o grau de
sobressalto, deformação e esfacelamento da sociedade russa no início dos anos
1920. A Rússia era uma vasta ilha revolucionária num mar de estados hostis. O
país vivia uma convulsão, pois províncias e distritos se rebelavam abertamente
ou em resistência passiva à nova ordem. A revolução vencera, sobrevivera e
consolidara o poder dos sovietes, mas o novo regime quase nada podia fazer
pelos trabalhadores e camponeses. A política econômica do governo durante os
primeiros três anos – o chamado Comunismo de Guerra – significou a
nacionalização da indústria e do comércio, salários em mercadorias para
operários e empregados, tomada à força da produção do campo e trabalho
obrigatório para a classe média. Nada disso cumpria as promessas dos
bolcheviques: o direito ao trabalho, descanso, seguridade social e educação.
Para escapar à perspectiva do comunismo da pobreza, o país precisava daquelas
ideias ousadas e medidas enérgicas que só o partido podia produzir. Ele era o
eixo espiritual e político em torno do qual a vida ainda girava. No início de
1921, mais de 20 mil células congregavam acima de 730 mil membros do
Partido Comunista, quase um quarto deles no Exército Vermelho.
O Comitê Central, sob a chefia de Lenin, era o cérebro do regime. Tinha
poucos integrantes. Por exemplo, o X Congresso do partido indicou um
Comitê Central de 25, com 15 candidatos a membros. A composição foi
apenas marginalmente aumentada pelo XI Congresso, o último de Lenin, para
27 e 19. Enquanto Lenin viveu, os plenos em geral ocorriam duas vezes por
mês. O núcleo da organização eram os homens de Moscou, que arcavam com a
maior parte do trabalho, a saber, a solução dos problemas da construção
econômica e militar, a criação de vínculos com os elementos nacionais no
partido, a condução de problemas como o dos Centralistas Democráticos* e o
da Oposição dos Trabalhadores,** e a implantação da Nova Política
Econômica-NEP. Além do mais, alguns dos membros do comitê pertenciam a
essas mesmas facções ou plataformas que hoje seriam chamadas de “informais”
ou “não institucionais”. Tudo era estranho e novo. O partido se transformou na
força orientadora, e seu poder tornou-se real. Portanto, muita coisa dependia
da posição política, das qualidades morais e do profissionalismo dos que
operavam dentro do núcleo do partido.
Lenin foi a única pessoa indicada para o Comitê Central em todos os
congressos de pós-guerra – o X, o XI e o XII (embora não comparecesse ao
último). Seu exemplo, sua experiência e seus trabalhos teóricos tiveram
influência única sobre o Comitê Central e seu núcleo dirigente; e sua ausência
foi profundamente sentida. No relatório sobre a organização para o XII
Congresso, em 17 de abril de 1923, Stalin declarou:
Lenin ainda era vivo quando Stalin pronunciou tais palavras, e essa parte do
discurso banhou-se na noção de Lenin de que o núcleo líder deveria ser
constantemente renovado. O transcurso de 15 anos mostraria tais pontos de
vista mudados para algo bem diferente, embora, por volta de 1937-38, Stalin
ainda fosse capaz de dizer belas coisas, se bem que praticando exatamente o
oposto. Mas no início dos anos 1920 tal dualismo de palavras e atos ainda não
se evidenciava. No congresso, ele assim falou sobre os companheiros e
discípulos de Lenin:
O núcleo do Comitê Central, tão bom em governança, está ficando velho e precisa de reposição.
Sabeis do estado de saúde de Vladimir Ilyich, sabeis que os outros membros do núcleo estão bastante
gastos. Porém, até o presente, não há ninguém para substituí-los, esse é o problema. É difícil criar
líderes de partido, leva tempo, de cinco a dez anos, ou mais. É mais fácil fazer a guerra com outro país
com a ajuda da cavalaria de Budyonny que forjar dois ou três líderes oriundos das fileiras que possam
se transformar realmente nos chefes futuros do país.4
Ao transmitir a você as declarações de Stalin, Lev Davidovich, solicito que pense sobre elas e diga,
primeiro, se concorda em discuti-las pessoalmente com Stalin, para o que ele viria até aqui, e,
segundo, se você acha possível, em certas circunstâncias concretas, desprezar a fricção existente e
trabalhar em conjunto, coisa que Stalin deseja muito. Quanto a mim, creio ser necessário todo e
qualquer esforço para um bom trabalho conjunto com Stalin.5
No entanto, nada resultou. Trotsky não pôde esconder sua atitude superior.
Como ele próprio escreveu sobre Stalin:
Invejoso e ambicioso por demais, só podia perceber sua inferioridade intelectual e moral ao longo de
toda a jornada. [...] Só muito tarde, percebi que ele vinha tentando estabelecer alguma espécie de
relação de intimidade. Porém, repugnavam-me aquelas mesmas qualidades que poderiam favorecê-lo...
a saber, a estreiteza de seus interesses, seu pragmatismo, sua rudeza psicológica e o cinismo especial do
provinciano que foi liberado de seus preconceitos pelo marxismo, mas que não os substituiu por uma
visão filosófica bem refletida e mentalmente absorvida.6
Vladimir Ilyich estava doente e tivemos que realizar nosso primeiro congresso sem ele. Vocês sabem da
discussão havida sobre o núcleo que se formara no Comitê Central, e que o XII Congresso aceitou
silencioso a ideia de que esse núcleo, com o apoio total do Comitê Central, é evidente, continuasse a
liderar o partido até o restabelecimento de Ilyich.9
Zinoviev, como Kamenev, foi considerado por muito tempo um dos amigos
próximos de Stalin. Quando foi removido do Politburo, em 1926, achou que
seu afastamento não seria por muito tempo. Na noite de Ano-novo, ele e
Kamenev, levando garrafas de conhaque e champanhe, apareceram de surpresa
no apartamento de Stalin. A impressão foi de que a revolução mundial tinha
estourado. Eles conversaram da forma cordial de sempre e recordaram velhos
tempos e amigos, mas não trocaram uma só palavra sobre a saída do Politburo.
“Koba” foi hospitaleiro e deu uma calorosa recepção aos antigos “chapas”.
Dirigiu-se a eles com simplicidade e sinceridade, como se não fosse o
responsável pelo afastamento de ambos do Politburo no outubro anterior. O
duo sentiu-se flutuando no ar. Mas Stalin já decidira havia muito tempo que os
serviços daqueles dois, que muito sabiam sobre ele, não eram mais necessários.
Haveria outra oportunidade em que os dois viriam, ou melhor, seriam
trazidos à presença de Stalin. Como antigos companheiros de Lenin e ex-
membros do Politburo, que contaram com altas posições depois da morte do
líder, vinham escrevendo da prisão cartas a Stalin, em 1936, quando, de
repente, Stalin reagiu. Eles entraram no gabinete do homem que tanto
subestimaram e lá, além do próprio Stalin, encontraram Voroshilov e Yezhov.
Stalin não respondeu ao cumprimento nem os convidou a sentarem-se.
Andando de um lado para o outro, ofereceu-lhes um acordo: a culpa deles já
fora estabelecida e um novo julgamento poderia impor a sentença máxima.
Mas ele relembrava os serviços passados. Se confessassem tudo no julgamento,
especialmente a liderança direta de Trotsky sobre suas atividades subversivas,
salvaria a vida deles, ou melhor, tentaria salvar. Depois tudo faria para libertá-
los. Eles precisavam decidir. O caso exigia. Seguiu-se longo silêncio. Zinoviev,
que era o mais fraco e mais submisso dos dois, disse mansamente: “Está bem,
concordamos.” Estava acostumado a falar em nome de Kamenev. Dois meses
depois, foram fuzilados.
Esta história me foi relatada na Sibéria, em 1947, por um prisioneiro
conhecido como Boris Semyonovich. No vilarejo onde eu vivia com minha
mãe, irmão e irmã, foi apressadamente construído um campo de prisioneiros
em 1937. Alguns dos presos tinham a categoria “sem escolta”, isto é, podiam,
vez por outra, atravessar o perímetro do confinamento. Boris Semyonovich era
sapateiro e esteve em minha casa duas ou três vezes para consertar minhas botas
impermeáveis e as de meu irmão. Até sua prisão em 1938, integrara a força de
segurança do próprio presídio onde Zinoviev e Kamenev estavam detidos.
Acompanhara os dois para o encontro com Stalin. Na noite em que foram
levados para a execução, tiveram comportamentos diferentes. Embora ambos
tivessem escrito a Stalin várias vezes pedindo clemência e, aparentemente,
esperassem por isso (afinal, ele prometera), sentiram que era o fim. Kamenev
caminhou em silêncio pelo corredor, apertando nervosamente as mãos.
Zinoviev ficou histérico e teve que ser carregado. Em menos de uma hora, dois
outros antigos participantes do núcleo do Comitê Central cruzaram a fronteira
fatídica. Ao tempo em que estiveram no poder, fizeram mais do que ninguém
para consolidar a posição de Stalin. O pagamento pelo serviço foi o de suas
vidas.
Vale a pena lembrar que Stalin conheceu Kamenev muito bem durante o
tempo de exílio dos dois em Turukhansk, quando ouviram pela primeira vez as
notícias sobre a Revolução de Fevereiro. Stalin reconheceu então em Kamenev
uma mistura de erudição e certa impulsividade, uma capacidade de tomar
decisões rápidas e categóricas, e, com a mesma rapidez, rejeitá-las. A atitude de
Stalin em relação a Kamenev foi muito influenciada pelo fato de este ter sido o
vice de Lenin no Sovnarkom e presidir com frequência os plenos do Comitê
Central, assim como congressos do partido. Em princípio, durante a vida de
Lenin, Kamenev foi também presidente do Politburo.
Embora Zinoviev e Kamenev fossem bons tribunos e escritores, careciam de
“espinha” e eram capazes de súbitas mudanças de posição em momentos
cruciais, em função de ambição, prestígio ou interesses pessoais.
Intencionalmente ou não, foram infelizes em levar sua luta com Stalin para a
órbita do aparato partidário, onde, com todas suas capacidades, eram muito
pequenas suas chances de sucesso.
Somos contra a criação de uma teoria da “liderança”, somos contra a confecção de um “chefe”. Somos
contra um secretariado que, na prática, reúne a política e a organização, postando-se acima do órgão
político.
Somos a favor de um Politburo organizado internamente de forma tal que, enquanto congrega os
políticos do partido, seja genuíno detentor, órgão superior que é, de poder total; e somos a favor de
um secretariado subordinado ao Politburo e executor das instruções deste. Pessoalmente, digo que
nosso secretário-geral não é a pessoa para unir em torno de si a equipe do antigo QG bolchevique.
Precisamente por ter dito isso, em pessoa e inúmeras vezes, ao camarada Stalin, e por ter repetido
incontáveis vezes ao grupo de companheiros leninistas, é que reitero meu ponto de vista neste
congresso: cheguei à conclusão de que o camarada Stalin não pode desempenhar o papel de unificador
da equipe bolchevique. Comecei esta parte de meu discurso com as seguintes palavras: “somos contra
a teoria da liderança de um só homem, somos contra a criação de um chefe!”10
Não concordamos com Zinoviev e Kamenev porque sabemos que uma política de cortes vem
carregada de perigos para o partido, que o método da divisão, o do sangue quente – e é sangue que
eles demandam – é arriscado e contagioso: hoje, cortamos uma pessoa, amanhã, outra, no dia
seguinte, uma terceira pessoa – o que vai sobrar do partido?
O congresso aplaudiu, mas dois ou três minutos mais tarde, encerrando o seu
discurso, Stalin diria, comentando o fechamento do jornal Bolshevik de
Leningrado: “Não somos liberais. Para nós, os interesses do partido estão acima
da democracia formal. Sim, somos capazes de proibir a publicação de um órgão
de facção, e proibiremos essas coisas no futuro.”11 Tais palavras foram recebidas
com uma ovação. Os delegados gostaram da firmeza e da determinação de
Stalin, mas como poderiam adivinhar que logo Stalin estaria pronto para
exercitar o “método do corte”, ou que muitos deles viriam a subir o patíbulo da
guilhotina?
Vamos dar um pequeno salto à frente. Kamenev já fora expelido do núcleo
central e trabalhava como diretor do Instituto de Literatura Mundial. Numa
das rotineiras visitas de Yagoda a Stalin, o patrão disse: “Fique de olho em
Kamenev. Acho que ele está ligado a Ryutin.*** Lev Borisovich [Kamenev] não
é de desistir facilmente. Eu o conheço há mais de vinte anos. É um inimigo.”
Yagoda procedeu conforme orientado. Kamenev foi preso em 1934, julgado
em 1935 e sentenciado a cinco anos. Foi julgado de novo no mesmo ano e,
dessa vez, recebeu dez anos. No fim de 1936, seu caso foi cancelado, para
sempre. Naquela ocasião, no entanto, Stalin precisava de Zinoviev e Kamenev
para sua luta com Trotsky, a quem via como inimigo principal seu e do partido.
Stalin rapidamente revelou-se um administrador bastante bom. Ao cumprir
suas tarefas, deu especial atenção às necessidades dos membros do Politburo e
de outras figuras importantes do Comitê Central. Na sua cabeça, as pessoas
que considerava mais influentes eram as que, em particular, chamava os
“escritores”, ou seja, os ex-emigrados. Não podia negar que eles possuíam
elevado nível intelectual, fundamentação teórica e vasto conhecimento geral. E
isso despertava nele um certo ressentimento, como se quisesse dizer: “Enquanto
preparávamos a revolução, lá estavam eles lendo e escrevendo.”
Certa vez, quase se expressou abertamente a respeito. Um secretário
provincial estava para ser confirmado como representante do Comitê Central
quando deixou escapar que o companheiro mal sabia ler ou escrever. Stalin
resolveu o caso dizendo: “Ele jamais esteve no exterior, como poderia aprender?
Vai se sair bem.”
Entre os assistentes de Lenin havia muitas pessoas talentosas. Stalin logo
notou que Bukharin, Rykov e Tomsky, embora não formassem um grupo
especial, mostravam-se diligentes na solução dos problemas econômicos e
industriais do país. Eram bons economistas, ou tecnocratas, como diríamos
hoje. Infelizmente, nos anos 1930 e nas décadas que se seguiram à Segunda
Guerra Mundial, não havia lugar nos altos escalões do poder para economistas
e tecnocratas autênticos. De um modo geral, seus lugares eram ocupados por
administradores e burocratas como Kaganovich e Malenkov. Aliás, num
sistema de diretrizes a comando, os economistas eram de pouca utilidade, já
que muita coisa era feita ao arrepio das leis econômicas.
Nikolai Ivanovich Bukharin era, sem dúvida, a figura de proa desse trio. Seu
primeiro livro, A teoria econômica da classe do lazer, publicado antes da Primeira
Guerra Mundial, penetrou profundamente na origem das relações econômicas.
No primeiro volume do seu Economia, publicado em 1920, propôs-se a revelar
o processo de transformação de uma economia capitalista em socialista, porém,
assaltado pela luta e pelas circunstâncias mutantes, jamais preparou o segundo
volume. No Economia, escreveu que “as pessoas não construíram o capitalismo,
ele se fez por si mesmo. Quanto ao socialismo, ele é um sistema organizado que
estamos forjando. O principal para nós é encontrar um equilíbrio entre todos
os elementos do sistema”. Como o conhecimento de Stalin sobre economia era
apenas rudimentar, ele prestou bastante atenção em Bukharin.
As relações entre os dois naquele tempo não foram particularmente difíceis:
afinal, Bukharin era pessoa de fácil convívio, o tipo tranquilo de intelectual.
Por vezes, pareceu que eram amigos íntimos. Ao passarem a viver em
apartamentos vizinhos no Kremlin, Stalin percebeu de imediato que Bukharin
não tinha planos ambiciosos. Ao contrário, achava incompreensível e
desagradável a disputa pela liderança e os atritos que isso gerava entre os vários
membros do Politburo; levou muito tempo para que ele tomasse posição na
contenda entre o “triunvirato” e Trotsky. Este depois classificou as intervenções
de Bukharin no debate como “forma estranha de promoção da paz”. Bukharin
valorizava, em primeiro lugar, a autoridade de Lenin, conquanto muitas vezes
discutisse asperamente com ele, e, em segundo lugar, a autoridade coletiva do
Politburo.
A postura de Stalin em relação a Alexei Ivanovich Rykov era de cautela, não
apenas porque ele assumiu o lugar de Lenin como presidente, mas também por
ser excepcionalmente direto e franco. Por isso, nem sempre se deu bem com os
colegas. Smilga, por exemplo, pediu ao Comitê Central dispensa de suas tarefas
como vice-presidente do Conselho de Economia para Toda a Rússia e como
chefe da agência principal de combustíveis (Glavtop) por ser impossível
trabalhar com Rykov. Quando Lenin viu a carta de Smilga, escreveu a Stalin
dizendo que Smilga não deveria se afastar e que membros do partido sabiam e
deviam acertar os ponteiros entre eles mesmos.
Rykov normalmente dizia na cara das pessoas o que pensava, e escrevia da
mesma forma. Em 1922, publicou um trabalho intitulado “Situação
econômica do país e conclusões para o trabalho futuro”. Na verdade, passava a
dar apoio à NEP e se opunha às tentativas de resolver por comandos os
problemas econômicos. Envolveu-se com a Goelro (Comissão Estatal para a
Eletrificação da Rússia), com a Dneprostroy (Estação Geradora de Energia do
Dnieper), com a Turksib (Ferrovia Turquestão-Siberiana), com o crescimento
do movimento cooperativista, com o primeiro Plano Quinquenal e com outras
iniciativas importantes do Estado socialista. Foi Rykov quem, mais tarde,
tentou convencer Stalin e seus seguidores de que o socialismo deveria
desenvolver e melhorar as relações comerciais e financeiras, e não tolher a
independência econômica dos produtores diretos. Mas, que lástima, a conversa
era em línguas distintas.
Quando, no final dos anos 1920, Stalin já adquirira maior peso político,
Rykov certa vez disse diretamente: “Sua política não tem nem cheiro de
economia!” O secretário-geral ficou impassível, mas jamais esqueceu a
zombaria.
Na realidade, jamais esqueceu coisa alguma. Sua memória fria de
computador retinha milhares de nomes, fatos e eventos firmemente
armazenados nas células. E ele não esqueceu que Lenin tinha Rykov em
altíssima conta e que seu nome figurava nos trabalhos do líder com pouco
menos frequência que o de Stalin. Como presidente do Sovnarkom a partir de
1926, Rykov também presidia o Conselho do Trabalho e da Defesa, e os
comitês de ciência e de desenvolvimento do pensamento científico. Stalin não
esqueceu que Rykov fez um discurso no soviete de Moscou, em 1927, no qual
disse que não era permitido recorrer-se novamente aos métodos do
Comunismo de Guerra e criticou severamente os que se opunham à NEP,
classificando tais ataques de “inusitadamente nocivos e perigosos” e
demandando um fim para os métodos coercitivos no campo onde, em suas
palavras, era essencial manter a “legalidade revolucionária”. Seu primeiro cargo
no governo soviético fora o de comissário de Assuntos Internos, mas renunciou
poucos dias depois porque o governo era composto totalmente de
bolcheviques, não era uma coalizão. Muitos anos depois, ele falou pela última
vez num pleno do Comitê Central quando repudiou as monstruosas acusações
de espionagem, sabotagem e terrorismo imputadas a ele. Stalin sorriu
maliciosamente: “Ele foi sempre assim.”
Bukharin e Rykov se preocupavam com a sorte dos agricultores russos,
enquanto Trotsky – e Stalin que, em essência, concordava com ele –
considerava-os “material para a transformação revolucionária”. Era impossível
não notar a popularidade de Bukharin e Rykov. Eles andavam sem guarda-
costas, eram acessíveis e atenciosos. A gente comum sempre deu valor a tais
qualidades em seus líderes. Stalin chamava isso de “jogo para a plateia”.
Stalin também desconfiava de Mikhail Ivanovich Tomsky (nome real,
Yefremov). Participante de três revoluções e sindicalista, Tomsky sabia como se
dar valor. Stalin tolerou aquele “amigo de Rykov” até que Kaganovich e
Shvernik entraram para o presidium do Soviete Central dos Sindicatos e
depuseram Rykov das funções de presidente. Quando Tomsky cometeu
suicídio, em 22 de agosto de 1936, em sua dacha de Boltsevo, Stalin disse: “O
suicídio confirma sua culpa perante o partido!” Na verdade, fora um ato de
protesto extremo contra o mando de Stalin.
Posição notável na chefia foi ocupada por Felix Edmundovich Dzerzhinsky,
apelidado por Bukharin de “jacobino proletário”. Foi um dos primeiros
membros do partido e um dos organizadores da Democracia Social do Reino
da Polônia e Lituânia, no começo do século. Ao analisar, mais tarde, o papel
desempenhado por Dzerzhinsky, Karl Radek, membro do Comitê Central e
farol-guia no Comintern, observou:
Nossos inimigos inventaram a lenda sobre os olhos e ouvidos da Cheka**** que tudo via e tudo ouvia,
e sobre o onipresente Dzerzhinsky. Pintaram a Cheka como um exército enorme que cobria todo o
país, estendendo seus tentáculos ao seu próprio campo. Não entenderam a fonte do poder de
Dzerzhinsky. Ela derivava da força do partido bolchevique: da confiança total das massas trabalhadoras
e dos pobres.12
* Facção do partido formada em 1920 pelos ex-Comunistas de Esquerda V.V. Osinsky, T.V. Sapronov,
V.N. Maximovsky. Eram pela gerência coletiva e não de um só homem, contra o controle do partido
central nas localidades, e exigiam liberdade para facções e grupos no partido.
** Formada em 1920 por A.G. Shlyapnikov, M.K. Vladimirov, A.M. Kolontal, Yu.Kh. Lutovinov, C.P.
Medvedev, considerava os sindicatos a forma mais elevada de organização da classe trabalhadora, e não o
partido, e propunha que a administração da economia nacional fosse entregue aos sindicatos.
*** Em 1932, Mikhail Ryutin distribuiu um longo documento pedindo um ritmo mais lento para a
industrialização e a coletivização, democracia partidária e a remoção de Stalin.
Nosso Comitê Central é uma instituição especial. Diz-se que o parlamento inglês pode tudo, só não
transforma homem em mulher. Nosso Comitê Central é muito mais poderoso: transformou mais de
um homem altamente revolucionário em mulher velha, e a quantidade delas vem crescendo
rapidamente. Enquanto o partido e seus membros não tomarem parte na discussão coletiva de todas
as matérias que são levantadas em seu nome, e enquanto tais iniciativas estiverem caindo como neve
na cabeça dos membros do partido, continuaremos com o que o camarada Lenin chamou de
mentalidade do pânico.18
Discussões francas sobre tudo o que pudesse afetar a vida do partido eram a
norma, ao passo que observações críticas semelhantes feitas nos anos 1930
seriam encaradas como “destrutivas”, e a aprovação unânime, o apoio irrestrito
e a bajulação passariam a ser a regra. As atas dos congressos ao tempo de Lenin
foram modelos de democracia, de camaradagem ideológica e de abertura da
mais alta – dentro do partido.
Já em 1920, o trabalho do dia a dia do aparato do Comitê Central mostrou
que o secretariado necessitava de alguém para cuidar de sua própria
organização. No pleno de 5 de abril de 1920 do Comitê Central ficou decidido
que Krestinsky, Preobrazhensky e Serebryakov seriam nomeados secretários,
que a indicação de um secretário-executivo não poderia tardar e que, em adição
aos três secretários, o Orgburo deveria incluir Rykov e Stalin.19 As atas do
Comitê Central (normalmente anotadas em blocos escolares) demonstram que
a questão da indicação de um só secretário-executivo foi levantada muito antes
de 1922. Depois do XI Congresso, um dos secretários foi especialmente
destacado, enquanto, antes disso, Stasova, Krestinsky e Molotov tinham sido
nomeados secretários-executivos. Agora, no entanto, tratava-se da elevação da
função ao status de secretário-geral. De quem foi a ideia, de onde havia
partido? A evidência é da origem em Kamenev e Stalin. Segue-se, portanto, que
Lenin era conhecedor da inovação iminente.
De acordo com a intenção manifesta no XI Congresso, o pleno de 3 de
abril de 1922 escolheu um Politburo, um Orgburo e um Secretariado.
Também decidiu adotar o cargo de secretário-geral, e Stalin foi nomeado
naquele mesmo dia. Isso, aliado ao fato de ele ser membro do Politburo e do
Orgburo, significou o desempenho simultâneo de três importantes funções no
partido. Ao mesmo tempo, Molotov e Kuibyshev, que eram membros
candidatos do Politburo, foram nomeados secretários. Hoje se pergunta por
que Stalin e não outro recebeu o cargo? Quem o indicou? Qual a participação
de Lenin na nomeação? A nomeação de Stalin para secretário-geral significou a
concessão a ele de poderes extras? A resposta a tais indagações nos encaminha à
história do partido e do país, mas também vai à raiz de males futuros. Voltemo-
nos, portanto, para os documentos imparciais.
Os membros do Comitê Central que participaram da sessão plenária foram
Lenin, Trotsky, Zinoviev, Kamenev, Stalin, Dzerzhinsky, Petrovsky, Kalinin,
Voroshilov, Ordzhonikidze, Yaroslavsky, Tomsky, Rykov, A.A. Andreyev, A.P.
Smirnov, Frunze, Chubar, Kuibyshev, Sokolnikov, Molotov e Korotkov,
enquanto os candidatos a membros incluíram Kirov, Kiselev, Krivov, Pyatakov,
Manuilsky, Lebed, Sulimov, Bubnov, Badaev e Solts, que era membro da
comissão central de controle.
O primeiro assunto debatido no plenário foi a composição do Comitê
Central. Quanto à função de presidente, o plenário resolveu “confirmar a
aceitação unânime do costume de não ter presidente. Os únicos funcionários
oficiais do Comitê Central são seus secretários: o presidente é escolhido em
cada sessão”.
Foi levantada então a questão do porquê, na lista dos membros do Comitê
Central escolhidos pelo congresso, havia notas sobre indicação de Stalin,
Molotov e Kuibyshev como secretários. Kamenev explicou, e o pleno anotou,
que, “com a aprovação total do congresso, ele anunciara durante as eleições
que, a despeito de algumas cédulas estarem marcadas com nomes de candidatos
ao posto de secretário, o pleno não deveria ficar inibido quanto a fazer sua
própria seleção, porque aquilo indicava meramente as preferências de uma
seção particular de delegados”.20 Tais preferências derivavam acima de tudo de
Kamenev, Zinoviev e, às ocultas, de Stalin.
Oficialmente, o congresso nomeou apenas membros do Comitê Central,
mas há evidência de que Kamenev esforçou-se para assegurar a seleção de
futuros secretários. Em outras palavras, ele queria um “homem seu” chefiando
o aparato do Comitê Central. Suas relações eram excelentes com Stalin, o qual,
mais de uma vez, deu grande destaque a sua posição especial de ex-vice de
Lenin no Sovnarkom e havia grande deferência por ele como talvez a figura
mais alta da hierarquia. Muitos sinais indiretos indicam que Kamenev tentava
garantir o cargo para Stalin, com o conhecimento deste. Stalin gostava da
função e já tinha identificado as vantagens nela implícitas.
O pleno foi mais adiante em suas decisões: “O posto de secretário-geral e os
de dois secretários devem ser criados, o camarada Stalin como secretário-geral e
os camaradas Molotov e Kuibyshev como secretários.” Lenin propôs que
secretários não tivessem outra tarefa que seu papel de liderança e instruiu Stalin
para encontrar vices e assistentes que o aliviassem do trabalho nos sovietes e na
Inspetoria de Operários e Camponeses.21
Ao tempo da nomeação de Stalin, os médicos de Lenin insistiam para que
ele seguisse um regime de vida rigoroso. De fato, foi em abril de 1922 que eles
decidiram pela necessidade de um longo repouso e ar de montanha, e
propuseram uma viagem ao Cáucaso, mas essa cura teve que ser adiada e Lenin
continuou trabalhando. Ele desejava que o aparato do Comitê Central evitasse
a burocracia para não emperrar. Por proposta de Lenin, o Politburo reunia-se
uma vez por semana, mas havia trabalho diário a ser feito. O secretariado
preparava os documentos para as sessões do Politburo, transmitia suas decisões
para os encarregados pela execução e cumpria as ordens de seus membros.
Apesar de não se envolver diretamente com as questões relacionadas com
economia, defesa, administração do estado ou educação, desempenhava parte
importante na administração geral do aparato do partido. Uma vez que os
órgãos principais eram dirigidos por bolcheviques importantes, que não davam
muita atenção aos detalhes técnicos, ficou resolvido que um dos membros do
Politburo seria responsável por todo o trabalho do secretariado, com o cargo de
secretário-geral. Para firmar bem: a proposta concreta sobre a candidatura de
Stalin foi feita por Kamenev, o qual também presidiu o pleno que indicou o
secretário-geral. Tudo leva a crer que essas questões foram examinadas antes
com Lenin.
Stalin era qualificado para a função? Evidentemente que sim. Era membro
do partido desde 1898 e do Comitê Central desde 1912, como também
participava do gabinete do Comitê Central, do Orgburo e do Politburo. Único
integrante do Politburo a ocupar dois postos estatais – o de comissário das
Nacionalidades e a Inspetoria de Operários e Camponeses – representava
também o Comitê Central na junta da Vecheka-OGPU (Administração
Política Unificada do Estado) e era membro do Revvoensoviet da República e
do Conselho do Trabalho e da Defesa – e isso não esgota a lista de cargos que
exercia quando se tornou secretário-geral.
Indiscutivelmente, essas são provas de que sua contribuição para a
reestruturação da sociedade, sua experiência com as atribuições da
administração política e do Estado e sua inclinação pelo trabalho de
organização eram reconhecidos e acatados por muitos dos velhos bolcheviques.
Sua ascensão ao cargo de secretário-geral, portanto, não surpreendeu. Grande
parte dos outros líderes continuava a considerar o cargo como essencialmente
rotineiro. Tudo isso ocorria enquanto Lenin estava vivo e bem. A questão da
chefia do partido e do Estado simplesmente não era cogitada. Havia um líder
incontestável, que era Lenin. Na nova função, Stalin continuava pouco
conhecido pelo partido e pelo país. Dentro da liderança, contudo, suas
qualidades positivas e negativas passavam a ficar mais evidentes.
Para o traçado completo do caráter de Stalin serão necessárias décadas, se é
que um dia chegaremos a ele. Ele sabia disfarçar os sentimentos. Poucas pessoas
chegaram a vê-lo irado. Era capaz de tomar as decisões mais duras com
absoluta serenidade. Com o decorrer do tempo, seus auxiliares mais próximos
passaram a ver nisso grande sabedoria e perspicácia. Não conhecia a
comiseração, nem o amor filial ou o de um pai por filhos e netos. Destes,
poucas vezes viu os filhos de sua filha Svetlana e os filhos de seu primogênito
Yakov. Sua vida particular era totalmente segregada. Vivia para o trabalho.
Decisões, ordens, reuniões, discursos. O mundo era em preto e branco, e tudo
que não se coadunasse com a “linha” era ruim. Meios-tons eram
imperceptíveis. Sua forma preferida de raciocínio era a lógica binária, sim ou
não. Era categórico e de um fim só, não distinguia a grande faixa de
diversidade entre esses dois polos. Seu estilo, suas anotações, seus discursos e
relatórios eram concisos, quase telegráficos. Gostavam disso, consideravam
Stalin prático, homem que conhecia as obrigações, sem sentimentalismos,
homem de negócios. Ele não gostava da palavra “humanismo”. À época,
ninguém tinha ideia desses fatos. No Comitê Central, pensava-se que, para
Stalin, nada havia acima da disciplina partidária, do dever partidário, da
“linha” do partido.
Ao longo de 1922 e no início de 1923, quando a doença finalmente o
incapacitou, Lenin, preocupado com a solução política e organizacional de
muitos problemas, enviou dezenas de notas, projetos e cartas a Stalin.
Decorridos nove meses e depois de algumas decisões infelizes, Lenin percebeu
que Stalin não fora uma boa escolha para secretário-geral e que deveria ir para
outra função.
Uma das decisões equivocadas de Stalin, por exemplo, foi o apoio que deu,
em maio de 1922, a uma proposta de Sokolnikov e Bukharin para acabar com
o monopólio estatal do comércio exterior. Lenin opôs-se categoricamente a essa
medida.22 Em setembro de 1922 – Lenin recuperado do primeiro e sério
ataque –, Stalin saiu-se com a ideia da “autonomização”, isto é, a unificação das
repúblicas nacionais por meio da adesão à Federação Russa. Na realidade, essa
ideia não era a criação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, mas a de
uma República Federativa Socialista Soviética Russa, na qual as outras
entidades nacionais teriam direito à autonomia. Stalin já fizera aprovar sua
proposta na comissão especial do Comitê Central criada para apreciar a
matéria. Lenin reagiu de imediato numa carta endereçada a Kamenev, mas
dirigida aos membros do Politburo:
Camarada Kamenev. Sem dúvida, você já recebeu a resolução da comissão do camarada Stalin sobre a
entrada de repúblicas independentes na RFSSR. [...]
Na minha opinião, essa é questão da maior importância. Stalin mostra certa tendência para apressar as
coisas. Você deve dar cuidadosa atenção a isso (certa vez, você teve intenção de tratar do assunto e
chegou mesmo a dar os primeiros passos), e Zinoviev também.23
Lev Borisovich, por eu ter escrito uma breve nota, ditada por Vladimir Ilyich com a permissão dos
médicos, Stalin permitiu-se atacar-me ontem da forma mais ofensiva. Não cheguei ontem no partido.
Ao longo de trinta anos, jamais ouvi grosserias de um membro do partido. O partido e Lenin não são
menos caros para mim do que para Stalin. Preciso agora de todo meu autocontrole. Sei melhor que
qualquer médico o que deve ou não ser dito para Ilyich, como também sei o que o incomoda ou não
e, de qualquer forma, sei melhor que Stalin.
Não duvido da unanimidade da decisão da comissão de controle que deu a Stalin o direito de
ameaçar-me, mas não tenho força nem tempo para desperdiçar com farsa tão estúpida. Também sou
humana e meus nervos foram esgarçados ao limite.
N. Krupskaya29
O tom de Lenin foi conciso e sóbrio. Ninguém ainda no partido sabia que ele
escrevera, em dezembro de 1922, sua “Carta ao Congresso” dando sua
avaliação das qualidades pessoais dos líderes do partido e recomendando a
remoção de Stalin do cargo de secretário-geral. A carta de 5 de março apenas
acrescenta detalhes da imagem política e moral que formara de Stalin. Lenin,
finalmente, chegara à conclusão de que, a despeito de o partido não ter escolha
senão a de tolerar tais comportamentos de membros de suas fileiras, as falhas
morais de Stalin eram absolutamente inconcebíveis num líder. Profeticamente,
ele viu no caráter de Stalin maus augúrios para a questão toda da liderança do
partido. No dia seguinte, ditou seu último documento em que Stalin figurou:
Lenin não conseguiu escrever nem notas nem discurso. Quatro dias depois,
outro derrame impossibilitou-o até mesmo de ditar. Toda evidência –
principalmente suas três últimas mensagens ditadas em 5 e 6 de março –
indica, porém, que as ações de Stalin na questão georgiana convenceram Lenin
por completo de que sua Carta ao Congresso estava bem fundamentada. Não
foi fácil para Lenin aceitar o desapontamento. A escolha que fizera em abril de
1922 fora má. Todos tinham errado, inclusive ele. Mas o erro podia ser
corrigido. Não lhes era possível ter uma pessoa completamente amoral à frente
do aparato do Comitê Central, um homem potencialmente tão perigoso para a
causa. Se Stalin fora capaz de ser insultuoso, hipócrita e ofensivo com uma
pessoa tão próxima a Lenin como Krupskaya, de que forma se comportaria
com os outros? Teria havido uma boa razão para o declínio tão acentuado da
saúde de Lenin durante os primeiros dez dias de março? Os eventos dramáticos
daquela ocasião – o caso georgiano e o desentendimento com Stalin – devem
ter acelerado a marcha de sua doença. O estado de espírito de Lenin pode ter
predisposto o líder para o derrame fatal.
No final, a ideia de “autonomização” de Stalin foi rejeitada, e a política de
Lenin sobre as relações de nacionalidade foi adotada. No Congresso dos
Sovietes, aberto em 30 de dezembro de 1922, foi proclamada a União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas-URSS. A carta de Lenin sobre o assunto –
que, aliás, só veio a público trinta anos mais tarde – foi a base do relatório
apresentado por Stalin. O relatório, bem como a “Declaração sobre a Formação
da URSS”, que ele também fez, centraram-se na ideia do internacionalismo
proletário, no compromisso de todas as nacionalidades com a amizade, a
solidariedade de classe e a dedicação aos ideais revolucionários. Reiterando as
ideias de Lenin, sem citá-lo, Stalin declarou que a tarefa especial da nova união
era a de fazer desaparecer a desigualdade nacional herdada do passado.
Lenin estava doente, porém, ainda assim, pôde insistir na perseguição de
uma solução mais equitativa para a questão nacional, num vasto país que
abarcava mais de cem nacionalidades. Stalin dificilmente desejaria solução
diferente, mas lhe faltavam perspicácia e inteligência para lidar com problema
tão difícil. Em suas memórias, Trotsky afirma que só a doença de Lenin “evitou
que ele destruísse Stalin politicamente”. Escreve também que a teimosia de
Stalin frequentemente causou perturbação em Lenin, agravando seu estado de
saúde. É eloquente o fato de, nove meses apenas depois da elevação de Stalin ao
cargo de secretário-geral, Lenin já expressar a urgente necessidade de sua
remoção. A esse respeito, a Carta ao Congresso e os últimos ensaios e cartas
que, juntos, são conhecidos como seu Testamento são de importância seminal
para o entendimento da personalidade política e moral de Stalin.
Nota
* Jogo de palavras com o idioma russo, em que “perseguido” e “processado” são iguais.
[9]
A carta ao Congresso
Nosso coração parou quando vimos Lenin subir ao pódio, pois sabíamos o enorme esforço que fazia.
Corri em sua direção e cobri-o com um sobretudo, pois ele transpirava de exaustão, camisa ensopada,
gotas de suor nas sobrancelhas, olhos cavados, mas com um brilho radiante, clamando por vida, como
se a grande alma entoasse loas ao trabalho.
Chorando de alegria, Clara Zetkin lançou-se para Ilyich e começou a beijar as mãos do velho.
Envergonhado e comovido, ele inverteu o movimento e tentou beijar as mãos dela. Ninguém percebia
que a doença havia lhe corroído o cérebro, e que o fim trágico e pavoroso estava perto.35
Evidentemente, Lenin sabia. Por isso, insistiu e fez apelos. Na manhã de 24 de
dezembro, Stalin, Kamenev e Bukharin discutiram a situação. Não tinham
direito de impor a Lenin que descansasse; no entanto, cuidado, atenções e
tranquilidade máxima eram essenciais. Decidiram que seria permitido a Lenin
ditar cinco a dez minutos por dia, sem corresponder-se ou esperar respostas de
seus bilhetes. Reuniões foram proibidas. Nem amigos nem empregados
domésticos poderiam levar a ele quaisquer notícias sobre a vida política, pois
isso poderia absorver sua atenção e perturbá-lo.36
Durante a doença, Lenin esteve cercado de secretários e secretárias. Ditava
notas para o Politburo, solicitava a transmissão de recados pelo telefone, pedia
dados e números, subsídios e documentos. Os secretários eram N.S. Alliluyeva
(esposa de Stalin), M.A. Volodicheva, M.I. Glyasser, Sh.M. Manucharyants,
L.A. Fotieva e S.A. Flakserman. Volodicheva estava de serviço em 23 de
dezembro de 1922, quando Lenin começou a ditar sua Carta ao Congresso.
Suas anotações no livro de serviço são concisas:
Ditou quatro minutos. Passou mal. Médicos presentes. Antes de começar, disse: “Quero ditar uma
carta para o Congresso. Escreva!” Ditou rápido, mas é óbvia sua péssima condição.37
Por outro lado, o camarada Trotsky, como seu conflito com o Comitê Central sobre o Comissariado
das Vias de Comunicação já mostrou, distingue-se por suas excepcionais qualificações. Pessoalmente,
talvez seja o homem mais capaz no Comitê Central de hoje, mas é excessivamente autoconfiante e por
demais atraído pelo lado puramente administrativo do trabalho.41
Ao preparar-se para dizer tais palavras, Lenin deve ter pensado que, se Trotsky
tivesse uma determinação revolucionária mais firme, poderia ser um líder com
calibre de estadista. Talvez tenha lembrado, sorridente, do discurso de Trotsky
sobre o Exército Vermelho, no último congresso, quando, em vez de enfeixá-lo
com conclusões gerais sobre a maneira de aprimorar a estrutura militar, ele
começou a falar sobre a “instrução básica militar-cultural dos soldados”. Para
uma plateia animada, ele disse:
Vamos tentar que os soldados não tenham piolhos. Trata-se de importante tarefa de instrução, porque
é necessário ser persistente, incansável, firme, exemplar e repetitivo para libertar as massas de pessoas
da sujeira em que cresceram e que as vem consumindo. Isso porque soldado com piolho não é
soldado, é meio soldado. Quanto ao analfabetismo, é um caso de piolheira espiritual. Provavelmente,
podemos liquidar com ela por volta de 1º de maio e, então, prosseguir com o trabalho sem diminuir a
pressão.42
Essas qualidades dos dois proeminentes líderes do atual Comitê Central podem, inadvertidamente,
conduzir a uma cisão.
Não me deterei nos atributos pessoais de outros membros do Comitê Central. Direi apenas que o
episódio de outubro envolvendo Zinoviev e Kamenev, embora não tenha sido acidental, não deve ser
pessoalmente imputado a eles, do mesmo modo que o não bolchevismo de Trotsky não deve ser
transformado em acusação pessoal.**
Dos membros mais jovens do Comitê Central, quero dizer umas poucas palavras sobre Bukharin e
Pyatakov. Eles são, no meu entender, as mais destacadas forças (entre as mais jovens), e se deve ter em
conta o seguinte sobre os dois: Bukharin não é apenas um teórico do partido muito valioso e
importante, mas é também legitimamente considerado o favorito de todo o partido, no entanto, é
altamente duvidoso que sua visão teórica possa ser considerada marxista por completo, já que existe
algo de escolástico nele (jamais estudou a dialética e jamais a entendeu, penso eu).43
No dia seguinte [24 de dezembro], durante o intervalo das seis às oito, Vladimir Ilyich chamou-me de
novo. Alertou-me de que tudo que ditara ontem (dia 23) e hoje (dia 24) era absolutamente secreto.
Repetiu isso várias vezes. Disse-me para guardar tudo que ditara em lugar especial, sob especial
responsabilidade, e considerá-lo como categoricamente secreto.44
Stalin é por demais rude e este defeito, perfeitamente aceitável nas relações entre nós comunistas, não
é admissível num secretário-geral. Portanto, proponho que os camaradas encontrem a maneira de
retirá-lo dessa função e entreguem o cargo a alguém que seja superior ao camarada Stalin em todos os
aspectos, ou seja, mais paciente, mais leal, mais respeitoso e atencioso para com os camaradas, de
humor menos inconstante etc. Tais considerações podem parecer uma trivialidade, mas acredito que,
do ponto de vista da prevenção de um rompimento e em função do que eu disse sobre as relações
entre Stalin e Trotsky, não se trata de um assunto trivial, ou então é a espécie de trivialidade que pode
assumir significação decisiva.47
Stalin não revelara até então ambição política de vulto. Parecia ser fiel à grande
ideia, embora, talvez, a entendesse de forma diferente. Porém, como
bolchevique, o escudete de sua reputação política ainda estava incólume.
Política e moralidade, contudo, andam de braços dados e, quando entram em
descompasso, pode resultar a intriga ou a ditadura. O pós-escrito de Lenin
revela seu cuidado com o futuro, mas não demonstra animosidade pessoal.
Lenin estava acima dessas coisas. “Conquanto fosse um oponente político duro
e explorasse quaisquer instrumentos da luta política, exceto os golpes baixos”,
escreveu Lunacharsky sobre ele, “não se percebia rancor nas suas atitudes para
com adversários”.48
Lenin sentiu que os defeitos de Stalin podiam se tornar fontes de muitos
problemas, mas Trotsky também era motivo de preocupação, e não só por sua
arrogância acentuada no nível político. O fato de sua tardia adesão aos
bolcheviques poderia ter consequências. Seu extremismo de esquerda o
colocara, muitas vezes, em confronto com o comitê central, ao passo que suas
pretensões eram tão elevadas que chegara a se ofender, em setembro de 1922,
quando convidado a ocupar o cargo de vice-presidente do Sovnarkom – isto é,
ser o segundo de Lenin. Esperava uma posição especial. Mal escondia a própria
opinião de que era um gênio, e parecia mesmo acreditar que, se o desejo de
Lenin de que se removesse Stalin fosse atendido, ele se tornaria o líder do
partido.
Ao propor a substituição de Stalin, Lenin, sabiamente, deixou em aberto a
questão de quem o substituiria, porque, se indicasse um “príncipe herdeiro”,
estaria estabelecendo uma sucessão e, assim, expressando dúvida sobre a
capacidade de o comitê central encontrar o melhor candidato. Quando fez a
avaliação dos líderes mais conhecidos, Lenin deixou claro que nenhum deles
tinha as condições para liderar o partido. Nem um só. Todavia, também quis
deixar patente que o partido não deveria buscar seu líder noutro lugar.
Implicitamente, dizia que a “velha guarda” estava capacitada a exercer a
liderança coletiva, a qual, depois de criar salvaguardas para que o poder não
fosse capturado por um só homem, poderia selecionar qualquer um entre uma
dúzia ou mais de figuras bem conhecidas para servir de número um entre
iguais. Nesse caso, o fato de este ou aquele indivíduo ser mais ou menos
talentoso não teria tanta importância. Acima de tudo, o sistema democrático,
de acordo com as normas constitucionais e partidárias, estaria trabalhando em
apoio daquilo que servisse melhor aos interesses do país.
Mas seria precisamente com a ajuda da velha guarda que Stalin criaria seu
próprio sistema burocrático. Para entender por que, para estranheza
generalizada, Stalin foi alçado ao topo da pirâmide, têm-se que considerar
diversos fatores: o passado autocrático da Rússia e a ausência de hábitos
democráticos na nova sociedade, a baixa cultura política do povo e do partido,
a grande necessidade de maturidade das massas que o sistema de um só partido
impunha, a falta de proteção legal contra os abusos de poder e a peculiar
natureza da estrutura de classes da URSS.
Além do mais, havia o “segredo de invulnerabilidade” de Stalin, talvez a
característica mais importante de todas. Ele usurpou o direito de apresentar,
interpretar e comentar das ideias de Lenin a ponto de o povo acreditar, no
final, que ele caminhava lado a lado com o líder, que era, de fato, o camarada
em armas, pupilo e sucessor de Lenin. Stalin foi um fenômeno social, histórico,
espiritual, moral e psicológico. Lenin parece ter pressentido que o secretário-
geral usaria seu poder ilimitado para transformar o sistema emergente numa
burocracia totalitária, e concluído que Stalin não poderia ir adiante dentro do
núcleo governante do partido. Mas o alerta de Lenin só pode ser propriamente
entendido contra o pano de fundo do triunfo iminente de Stalin.
Dois meses antes do XII Congresso, um pleno do comitê central debateu
uma série de teses referentes à reorganização dos órgãos centrais do partido
com base no ensaio de Lenin “Como reorganizar a Inspetoria de Trabalhadores
e Camponeses” e num suplemento intitulado “Melhor menos, mas melhor”.
Decidiu-se que o tema da organização constituiria item especial da agenda do
congresso, tal como Lenin sugerira. As teses advogavam o aumento no
tamanho do comitê central de 27 para quarenta e instavam para que o
Politburo prestasse contas regulares aos plenos do comitê central. Três
representantes da comissão central de controle deveriam comparecer às
reuniões do Politburo, nas quais providenciariam para que “autoridade alguma,
nem mesmo a do secretário-geral ou a de qualquer membro do comitê central,
possa impedir que façam inquirições, inspecionem documentos e obtenham
informações essenciais, assegurando-se da estrita correção das atividades”.49
Afora essa supervisão do órgão eleito da liderança, Lenin queria uma
comissão especial para acompanhar o trabalho do comitê central e do
Politburo, no interregno entre os fóruns comunistas. O plenário aceitou,
efetivamente, os argumentos de Lenin e concordou em aumentar a comissão
central de controle (a CCC) e estreitar os vínculos entre os órgãos do partido e
o controle do Estado. Quem poderia prever que o papel da CCC seria reduzido
ao registro de questões partidárias insignificantes e que acabaria totalmente
abolida por Stalin no devido tempo?
Embora já havia um ano na função de secretário-geral, Stalin não
conseguira imprimir, para o público externo, qualquer marca particular. O
plenário submeteu o relatório dele sobre “Fatores nacionais no partido e na
construção do Estado” a uma crítica séria. Tomando suas teses apenas como
base, o plenário fez uma série de observações sobre questões de princípio. Ficou
resolvido que as teses seriam apresentadas a Lenin depois que sobre elas se
trabalhasse. Os textos de Stalin mostram muitas lacunas em seu conhecimento,
se bem que fosse considerado um especialista no assunto. O plenário nomeou
uma comissão constituída por Stalin, Rakovsky e Rudzutak para trabalhar nas
teses.50
Lenin sentia que a revolução vitoriosa requeria uma revisão, que seus
argumentos necessitavam de correção. Mas ele era também um homem de seu
tempo. Não tinha dúvida sobre a ditadura de uma classe que era parcela
insignificante comparada com os camponeses, e não voltou à ideia do
pluralismo revolucionário que advogara no final de 1917, nem condenou o
emprego da força como meio revolucionário para resolver problemas sociais.
Viveu as circunstâncias daquela ocasião; embora pudesse enxergar bem mais à
frente do que muitos e, de fato, percebesse o perigo para a democracia do
partido com a predominância de um só líder, não foi capaz de antever os riscos
para a sociedade toda ao se confiar na infalibilidade de um partido único. Fica-
se com a sensação de que ele não teve tempo de dizer tudo o que queria.
Embora não duvidasse da ortodoxia do dogma marxista do século XIX, a
importância de seus últimos escritos não pode ser exagerada.
Como frequentemente ocorria, Trotsky assumiu posição própria no
plenário. Na sua opinião, a ampliação do comitê central deixá-lo-ia pesado,
tirando-lhe a “estabilidade necessária” e, em última análise, “ameaçava causar
prejuízo extremo à precisão e à correção de seu trabalho”. Propôs que se
formasse um conselho do partido com duas ou três dúzias de pessoas. Esse
órgão daria diretrizes ao comitê central e fiscalizaria seu desempenho. Na
verdade, Trotsky estava propondo poder dual e centros duais no partido. O
plenário rejeitou a proposta depois de apenas um pequeno debate. Como
sabemos, o XII Congresso aceitou as proposições de Lenin e criou a Comissão
Central de Controle-Inspetoria de Trabalhadores e Camponeses como órgão
unificado. Algumas das ideias de seu Testamento começaram a entrar em vigor
enquanto ainda estava vivo, mas longe de serem todas.
* Política apresentada por Lenin no X Congresso do partido, em março de 1921. Permitia a empresa
privada na agricultura, no comércio e na maioria das pequenas indústrias para restaurar a economia
nacional e pacificar o campesinato.
** Na véspera da conquista do poder pelos bolcheviques, Zinoviev e Kamenev, acreditando que um
levante armado seria prematuro, publicaram na imprensa sua objeção. O “não bolchevismo” de Trotsky
refere-se ao fato de que ele só se filiou ao partido bolchevique em agosto de 1917.
[10]
Stalin ou Trotsky?
N ão fica bem claro para qual congresso Lenin enviou sua “Carta”. Ele
escreveu: “Eu vos recomendaria com grande empenho que sejam
feitas pelo Congresso várias mudanças em nosso sistema político” – e
parece ter tido em mente o XII, mas não o disse. Ademais, sua saúde, quando
aquele congresso foi aberto, em abril de 1923, de fato impediu que insistisse
para que a Carta fosse lida aos delegados. Surgira também uma situação
imprevista. As instruções que deixara insistiam que a abertura dos envelopes
ocorresse depois de sua morte. Portanto, é possível que a Carta fosse
endereçada ao XII Congresso e também ao XIII. Como a questão do
secretário-geral não foi levantada no XII, ela assumiu absoluta importância
depois do derrame sofrido por Lenin em março, a partir do qual ele não pôde
mais se comunicar.
Após março de 1923, Stalin, como secretário-geral, tomou providências
para fortalecer sua posição. A autoridade que detinha foi robustecida no XII
Congresso, em que ele teve maior visibilidade que qualquer outro delegado, já
que apresentou relatórios sobre a organização do comitê central e sobre fatores
nacionais nas estruturas do partido e do Estado, bem como pronunciou os
discursos de encerramento das duas matérias. Seus relatórios foram escritos na
forma notavelmente esquemática de seu estilo pessoal. Gostava de ordenar seus
pensamentos de acordo com a importância, o que tendia a causar boa
impressão por oferecer clareza e precisão. Assim, ele criou a expressão “rédeas
de condução” para a união do partido com o povo. “A rédea guia de
condução”, disse ele, eram os sindicatos, nos quais “não temos agora oponentes
fortes”. A segunda rédea era formada pelas cooperativas de agricultura e
consumo, se bem que, admitiu, “ainda não somos suficientemente fortes para
libertar os produtores primários da influência das forças que nos são hostis”,
querendo dizer os kulaks.* A terceira “rédea de condução” eram as organizações
da juventude, nas quais os ataques dos adversários eram particularmente
contundentes. Ele chegou a enumerar e categorizar, de acordo com o nicho que
ocupavam, diversas outras “rédeas”: o movimento das mulheres, as escolas, o
Exército, a imprensa. Tentou dar rótulos retóricos a cada um desses elementos:
a imprensa era “a língua do partido”; o Exército, “o ponto de reunião de
operários e camponeses”, e assim por diante.52 De modo tipicamente seu,
enquanto não dizia coisa alguma sobre o conteúdo do manejo dessas “rédeas de
condução”, era prolixo a respeito das forças hostis “que resistem a nós”. Sem
dúvida, a luta de classes prosseguia, embora, naquela ocasião, menos
ostensivamente; ainda assim, Stalin continuava a viver de rixas, embates e
confrontos com inimigos, espalhafatosos e efêmeros.
Depois do derrame de Lenin, em março, Stalin se tornou mais ativo,
passando a tratar menos com Zinoviev e Kamenev, menos ainda com
Bukharin, e rarissimamente com Trotsky. Sua autoridade política dentro do
partido cresceu lenta, mas consistentemente, e seu papel no Politburo começou
a ganhar destaque. Conseguiu-o mediante o paulatino isolamento de Trotsky,
coisa só alcançável com a ajuda de Zinoviev e Kamenev.
Numa entrevista com o autor, A.P. Balashov, um antigo bolchevique que
trabalhou no secretariado de Stalin, descreveu um incidente no Politburo
envolvendo uma colisão entre Zinoviev e Trotsky:
Todos estavam do lado de Zinoviev, que disparou contra Trotsky. “Você não vê que está cercado? Suas
artimanhas não funcionarão, você está em minoria, está sozinho.” Trotsky ficou furioso, e Bukharin
tentou colocar panos quentes. Era muito comum Stalin reunir-se com Zinoviev e Kamenev antes da
sessão para o acerto de uma posição. No secretariado, chamávamos esses encontros da troika “a
pandilha”. Nos anos 1920, Stalin teve sempre dois ou três assistentes. Em diversas ocasiões, eram
Nazaretyan, Kanner, Dvinsky, Mekhlis e Bazhanov. Todos sabiam da má vontade de Stalin em relação
a Trotsky e procediam de acordo.
Lenin, sistemática e persistentemente, preparou a situação para que, no XII Congresso e na presença
de Stalin, um golpe maciço fosse desferido contra a burocracia, a proteção mútua entre os burocratas,
o arbítrio, a teimosia, a grosseria. [...] Com efeito, Lenin conseguiu declarar guerra a Stalin e seus
aliados, embora só os diretamente envolvidos soubessem disso, não o partido.54
Por que Trotsky faria tais confissões, até certo ponto sensatas? Sobretudo, para
mostrar que Lenin o considerava sucessor. Com tal objetivo, ele comentou a
Carta ao Congresso de Lenin, concluindo que “o propósito inegável do
Testamento era facilitar o trabalho da liderança para mim. Lenin queria
naturalmente conseguir isso com a menor fricção possível”. Essas palavras dão
todo o significado da longa batalha de Trotsky. Ele jamais aceitou a amargura
de sua derrota pessoal. Afinal de contas, chegara a ver-se líder.
A dubiedade da versão de Trotsky é revelada pelo que Lenin realmente
escreveu. Lenin não tinha a menor necessidade de formar qualquer espécie de
“bloco” com Trotsky contra Stalin. Sua autoridade era inconteste. O fato de, às
vezes, não ser entendido por alguns altos intelectuais é outra questão. Quando
adoeceu, houve tentativas de explicar os mal-entendidos como frutos da
enfermidade, da dificuldade de comunicação e do fato de o líder estar muito
distante e isolado. Mas não há dúvida de que, se ele estivesse bem de saúde, seu
único desejo pessoal e solidamente motivado, a saber, a substituição do
secretário-geral numa reunião do Politburo, teria sido concretizado. Lenin
podia considerar Stalin inadequado para o posto, mas a candidatura de Trotsky
não era muito melhor. Nenhum dos dois “líderes notáveis” deveria assumir o
leme da gigantesca nau do Estado russo.
As relações entre Trotsky e Stalin já eram complicadas antes da morte de
Lenin. Stalin sentira que Trotsky ambicionava a liderança. Tinha o adversário
como “aventureiro” e “impostor”, fazendo eco ao que Lenin dissera sobre o
passado menchevique de Trotsky. Com sua excelente memória, Stalin juntou os
muitos erros, zigue-zagues, desvios e voltas de Trotsky, organizando uma fieira
para futuro desmascaramento, argumentações, críticas, julgamentos. Não
esqueceu da fraseologia radical de esquerda de Trotsky em Brest-Litovsk, nem
de sua ordem para o fuzilamento de um grande número de trabalhadores
políticos no front oriental, por causa da traição de alguns militares, tragédia só
evitada pela intervenção de Lenin. Lembrou-se da proposta de Trotsky para o
envio de corpos de cavalaria à Índia para dar início à revolução, e não esqueceu
do cuco que iria piar o fim do regime soviético.
Stalin não gostou do fato de, logo depois da guerra civil, Trotsky cercar-se
de um batalhão de assistentes e secretários que o ajudaram a organizar vasto
arquivo, manter correspondência e preparar documentos e subsídios para
infindáveis artigos e discursos, facilitando seu impulso criativo. Stalin
acreditava que Trotsky via os incontáveis problemas da Rússia, em grande
parte, pelo prisma de seus próprios e estreitos interesses carreiristas, egoístas e
sedentos de poder, sem levar em conta as dificuldades da situação social e
política. A relação entre os dois logo se tornou mútua e profundamente hostil.
Trotsky, diga-se, não se dava mal só com Stalin. A rigor, não tinha aliados
próximos entre os outros líderes. Mesmo a curta aliança com Zinoviev e
Kamenev seria costurada sobre plataforma antistalinista e destituída de
princípios. Ademais, Trotsky subestimou Stalin seriamente, a “destacada
mediocridade”, como começou a chamá-lo depois de expulso do Politburo.
Após o derrame de Lenin, Stalin passou a considerar-se encarregado de
evitar que Trotsky se tornasse líder do partido. A derrota deste no debate
lançado por seus seguidores reduziu muito suas chances, independentemente
da decisão que o congresso pudesse tomar a respeito da Carta de Lenin. Stalin
se convenceu – e repetia isso nos círculos fechados, talvez como
autojustificativa – de que, se Trotsky assumisse a liderança do partido, as
conquistas da revolução correriam sério risco.
Trotsky não apenas desprezou a determinação e o intelecto de Stalin, mas
também, com seus incontáveis ataques, discussões e artigos polêmicos,
inevitavelmente fortaleceu a autoridade do secretário-geral, fazendo com que
este emergisse defensor da herança de Lenin e protetor da unidade do partido.
Quanto mais Trotsky investia contra Stalin, mais caía sua popularidade. O
fator da queda não foi tanto Stalin, mas o fato publicamente percebido de que
Trotsky estava, afinal, atacando a linha do partido, o centro. Assim, o próprio
Trotsky ajudou a consolidar a posição política de Stalin. Aos olhos do partido,
Stalin nunca pareceu oscilar para a esquerda ou para a direita, mas demonstrou
flexibilidade, e às vezes esperteza sutil, apoiando-se contra Trotsky em seus dois
futuros inimigos – Zinoviev e Kamenev. Janeiro de 1924 foi um tempo
dolorosamente triste. No dia 19 daquele mês, Kalinin informou ao Politburo
que os médicos de Lenin mostravam-se, então, decididamente otimistas quanto
a seu gradual retorno ao trabalho. Lenin já caminhava, e já eram lidos para ele
documentos sobre questões de Estado. Havia claros sinais de esperança, mas
que se esboroaram rapidamente.
A nenhum país semidestruído convém uma liderança em constante conflito
interno, no entanto, o XIII Congresso do Partido, que teve lugar em meados
de janeiro de 1924, apresentou exatamente esse paradoxo. Debateu questões
econômicas rotineiras e deu realce político à oposição trotskysta.
Em 19 e 20 de janeiro, Krupskaya leu em doses homeopáticas para Lenin
relatos sobre o andamento da conferência. Lembrou mais tarde que, quando ele
ficou agitado no sábado, dia 19, ela lhe disse que as resoluções tinham sido
aprovadas por unanimidade. O debate sobre a oposição foi cáustico. Zinoviev e
Kamenev, futuros aliados de Trotsky, exigiram sua expulsão do comitê central e
do Politburo. Terá Lenin visto aí os indícios de rachadura emanando da força
de uma única personalidade? Deve ter percebido que seus avisos tinham-se
tornado terrível realidade.
Suas condições pioraram sensivelmente no dia 21 de janeiro e ele faleceu às
18h50. O atestado de óbito confirmou a opinião dos médicos de que a causa
subjacente da doença fora esclerose pronunciada das células do cérebro
motivada pela tensão do esforço mental excessivo; a causa imediata da morte
foi hemorragia cerebral. Trotsky, que se encontrava no sul, por alguma estranha
razão não compareceu ao enterro, embora tivesse tempo suficiente para estar
presente. Da estação ferroviária de Tiflis, passou um telegrama, em 22 de
janeiro, contendo um artigo para o Pravda que continha as seguintes linhas:
E, pois, Ilyich não há mais. O partido está órfão. A classe trabalhadora está órfã. É este o sentimento
que traz a notícia da morte do professor, do líder.
Como prosseguir? Encontraremos o caminho, não nos desviaremos dele?
Nossos corações estão partidos pela dor sem limite porque, por uma grande graça da história,
nascemos contemporâneos de Lenin, com ele trabalhamos e dele aprendemos.
Como avançaremos? Com a flama de Lenin em nossas mãos...55
* A palavra, cujo significado literal é punho, caracterizava, em termos soviéticos, os camponeses abastados.
Na realidade, qualquer agricultor relativamente bem-sucedido era assim rotulado.
[11]
As raízes da tragédia
Considero que as circunstâncias recentes forçaram o partido a manter-me neste cargo, como alguém
rigoroso o suficiente para servir de antídoto à oposição. Agora, a oposição foi derrotada e expelida do
partido. Além do mais, temos instruções de Lenin e acho que chegou a hora de cumpri-las. Portanto,
solicito ao plenário que me desobrigue do cargo de secretário-geral. Asseguro-vos, camaradas, que o
partido só tem a ganhar com isso.61
Naquele instante, porém, sua autoridade havia crescido, e ele era visto no
partido como quem lutara pela unidade e se expusera contra os vários
facciosos. Sua renúncia foi recusada de novo. Stalin, sem dúvida, esperava por
isso, e encenou a demissão como um ato para fortalecer sua posição.
Voltando ao XIII Congresso, Kamenev e Zinoviev tomaram providências
para que as exortações de Lenin pela substituição de Stalin não fossem
atendidas. Persuadiram o secretário-geral a retirar sua declaração verbal e,
juntos, engendraram uma fórmula para que Stalin pudesse levar em conta as
observações do líder falecido. Pessoalmente, cabalaram junto às principais
delegações, praticamente desqualificando a ideia de Lenin, enquanto
reabilitavam seu futuro coveiro. A principal motivação dos dois foi impedir que
Trotsky ocupasse o posto mais elevado, que eles mesmos ambicionavam.
Estiveram menos preocupados com a sorte da revolução, a vontade de Lenin
ou o destino do país. O mais velho imperativo do mundo vigorou, a saber,
interesse pessoal, ambição, vaidade. Como Trotsky, no entanto, também eles
subestimaram Stalin grosseiramente. No início dos anos 1920, Zinoviev, por
exemplo, repetira para um círculo íntimo, “Stalin é um bom executor, mas
precisa sempre ser orientado e se deixa levar. Não tem qualificações para a
liderança”. Zinoviev e Kamenev esperavam, aparentemente, que Stalin
permanecesse na função de secretário-geral apenas para administrar o
secretariado, enquanto outro fazia o papel de primeiro violino no Politburo, e
esta pessoa, naturalmente, seria Zinoviev. Stalin percebeu a manobra da dupla
e, por algum tempo, passou-lhe a impressão de submissão. Providenciou que
ninguém, senão Zinoviev, apresentasse o relatório político ao congresso.
Temente de Trotsky, a dupla não encarava Stalin como perigo. De sua parte,
Trotsky mostrou-se passivo no congresso. Parecia só esperar ser convocado. Tal
era a situação no núcleo do comitê central.
Hoje, décadas depois, é possível ver que as pessoas que se interpuseram no
caminho dos desejos de Lenin foram Zinoviev e Kamenev, e, é claro, Stalin,
que não poderia ter feito coisa alguma sem eles. Aquele era o mesmo Zinoviev,
capaz de vangloriar-se publicamente do fato de que, durante dez anos
completos, de 1907 a 1917, fora o pupilo mais próximo de Lenin, e de que
ninguém apoiara Lenin com tanta assiduidade em Zimmerwald e Kienthal
quanto ele. Por seu turno, Kamenev era íntimo da família Ulyanov e não
escondia tal fato. De uma forma ou de outra, aqueles gêmeos políticos
passaram a crer que assumiriam papéis de destaque depois da morte de Lenin.
Foram eles, juntamente com Stalin, que tomaram a decisão de não tornar
pública a Carta de Lenin. E, conquanto esse documento tivesse sido publicado
num boletim de atividades do XV Congresso, por sugestão de Ordzhonikidze,
seu conteúdo não chegou a seções amplas do partido ou da nação.
Tão logo derrotou Trotsky, Stalin perdeu o interesse em Zinoviev e
Kamenev e, em mais 12 anos, iria calmamente ordenar-lhes o extermínio físico.
Quantas vezes, em desespero, os dois se recordariam da ocasião em que,
desdenhando a Carta de Lenin, eles próprios deram ao ditador e seu futuro
carrasco a ajuda necessária? Diga-se, em nome da honestidade, que quando
Stalin rompeu com eles, assumiram uma posição de “princípio” e se voltaram
contra o secretário-geral. Já durante o XIV Congresso, em dezembro de 1925,
Kamenev, um dos líderes na “nova oposição”, pronunciou palavras verdadeiras,
mas tardias: “Cheguei à convicção de que o camarada Stalin não preenche os
requisitos de um unificador do quartel-general bolchevique” – mas os
delegados tomaram tal pronunciamento apenas como ataque de rotina da parte
de um membro de facção. Todavia, nada altera o fato de que foram eles, contra
a vontade de Lenin, que mantiveram Stalin no cargo de secretário-geral.
Naquelas circunstâncias, tendo perdido o debate, Trotsky procurou salvar as
aparências adotando uma posição flexível. Zinoviev classificou seu
pronunciamento ante o XIII Congresso “não como um discurso de congresso”,
mas sim “parlamentar” – ele não se dirigiu aos delegados, mas ao partido como
um todo, e tentou “não dizer tudo o que pensa”. O discurso de Trotsky, com
efeito, foi inusitado. Sua crítica principal foi à burocracia do aparato do
partido. Reforçou sua argumentação citando Lenin e Bukharin, e atacou a
chefia do comitê central de sua posição de inovador e combatente em defesa
das tradições revolucionárias do partido. Segundo Trotsky, era a burocracia do
aparato, em todos os escalões, que gerava o facciosismo, e havia doses de
verdade em sua alegação.
Mas Trotsky pensava mais em si do que no partido. Continuava o mesmo;
precisava da toga da democracia como cobertura verbal para seus ataques à
linha adotada pelo comitê central. Porém, o partido não esquecera que ele fora
um dos iniciadores do “comunismo de quartel” que deflagrara a degeneração
burocrática. O XIII Congresso não fez progresso algum no desenvolvimento da
democracia visualizada por Lenin. Muitos talvez tivessem pensado que a
remoção de Stalin robusteceria a posição de Trotsky. E, caso este não se tivesse
comprometido com o desafio de outubro de 1923, suas chances na sucessão
seriam bastante altas, mesmo não contando com a maioria da velha guarda.
Pode-se, então, dizer que Stalin reteve o cargo graças à “ajuda” de Trotsky.
As fundações democráticas da estrutura do partido e do Estado foram
apenas delineadas por Lenin. Ele não teve tempo para produzi-las. Tome-se
apenas uma das facetas da democracia: a do rodízio entre os funcionários
governantes. Mesmo que Stalin tivesse permanecido no cargo, caso seu
mandato fosse limitado por um procedimento estabelecido, as deformações
aparecidas depois no seu culto à personalidade talvez não ocorressem. É
perfeitamente compreensível que a rainha Victoria, Catarina, a Grande, ou o
Xá do Irã pudessem permanecer no trono por décadas, já que eram monarcas.
Mas a presença prolongada de Stalin como chefe do partido e do Estado,
virtualmente sem ser cerceado por alguém ou algo, só poderia levar a
problemas. A proposta de Lenin ao XII Congresso, constante de sua nota sobre
a reorganização da Inspetoria de Trabalhadores e Camponeses, antevia a
renovação compulsória nos órgãos diretores do partido e limites nas funções do
comitê central e nos sovietes. Esses primeiros surtos de democracia não
despertaram atenção e cedo viram-se engolfados pelo emaranhado mais
poderoso do dogmatismo, da burocracia e do mando mecanizado via
administração. O futuro culto ao “grande líder” não surgiu por acidente.
No começo, não houve indícios externos de que a usurpação do poder
ocorria. Ao contrário, Stalin batalhou contra Trotsky sob a bandeira de uma
liderança coletiva em oposição ao bonapartismo, aos métodos ditatoriais, à
pretensão de liderança individual e à ambição desenfreada revelados pelo
adversário. Trotsky continuava explorando o capital político que amealhara na
guerra civil, sem perceber que ele minguava com rapidez. Ao atacar Trotsky,
Stalin propunha uma alternativa mais progressista e democrática, a liderança
coletiva, se bem que já planejasse transformá-la gradualmente em proveito
próprio. O primeiro a tirar do caminho era, naturalmente, Trotsky. No meio-
tempo, era mister não forçar a situação. A composição do Politburo depois do
XIII Congresso, por conseguinte, permaneceu a mesma, e até Trotsky ainda
manteve seu lugar. O único rosto novo foi o da estrela ascendente do partido –
Bukharin. A descrição que Lenin fez dele – “o favorito do partido” – acelerou
seu avanço para os postos mais elevados. Dzerzhinsky, Sokolnikov e Frunze
tornaram-se candidatos a membro do Politburo. O secretariado assumiu nova
feição com Stalin como secretário-geral, Molotov como segundo secretário e
Kaganovich como secretário – uma base de apoio bem mais segura, na
perspectiva do secretário-geral. Stalin, provavelmente, sobrevivera ao pior
momento de sua carreira política: não deixara o importante cargo, a despeito
dos anseios de Lenin, e sua posição na chefia fora revigorada.
A Carta de Lenin desapareceu das vistas do partido durante décadas. Ela não
foi publicada no Leninskii sbornik (“Miscelânea de Lenin”), malgrado a
promessa de Stalin de fazê-lo. É bem verdade que a Carta aflorou algumas vezes
nos anos 1920 em decorrência da luta interna no partido. Chegou mesmo a ser
publicada no Boletim nº 30 do XV Congresso do partido (tiragem: 10 mil
cópias), com o carimbo “Apenas para membros do VKP(b)”,* sendo
distribuída para comitês provinciais e para as frações comunistas do comitê
central dos sindicatos; parte dela foi impressa no Pravda de 2 de novembro de
1927. Portanto, não procede a afirmação de que o partido nada sabia a respeito
dela. Mas o não cumprimento imediato da vontade de Lenin tornou difícil
fazê-lo mais tarde, ainda mais porque Stalin, a princípio, tentou mudar seu
comportamento, ao menos para uso externo. O principal motivo, contudo, foi
que, aos olhos do partido, Stalin se transformara no líder da maioria do comitê
central que estava em conflito com os oposicionistas, mesmo que tal oposição,
como regra, só expressasse diferenças intelectuais, pontos de vistas distintos e
alternativas. Stalin, entretanto, empenhou-se para fazer com que os termos
“oposição” e “facção” fossem entendidos como sinônimos de hostilidade.
Gerações subsequentes de membros do partido só ouviram falar na Carta de
Lenin no XX Congresso, em 1956. Esse tipo de segredo foi pernicioso, já que
erodiu os elementos democráticos existentes e, inevitavelmente, criou a
impressão de que a verdade podia ser sequestrada. Vale a pena ressaltar que
Karl Radek escreveu em “Resultados do Décimo Segundo Congresso do RKP”,
publicado em 1923, que algumas pessoas desejaram “capitalizar” em cima das
últimas cartas de Lenin dizendo que “elas continham coisas secretas”, fato que
impossibilitou sua publicação.62
No final, a tentativa de esconder a verdade revelou-se inútil, não sem antes
danificar consideravelmente a conscientização pública, a cultura política e os
valores espirituais da sociedade soviética. A mania do segredo era inata em
Stalin e, em consequência dela, carimbos de sigiloso apareceriam em todos os
tipos de arquivos, até em documentos elementares. Claro que existem segredos
de estado – e continuarão existindo –, mas tornar secretas correspondência
comum e informações rotineiras passou a ser um estilo. Ninguém parecia
perceber que a imposição de segredo excessivo na vida social e do Estado
lavrava o solo para a corrupção. No centro de todos os segredos estava o
próprio Stalin, reagindo pessoalmente contra o fluxo constante das
informações.
O texto da Carta de Lenin foi, graças em parte aos esforços de Trotsky,
publicado repetidas vezes no Ocidente. Primeiro, nos Estados Unidos, com um
extenso comentário antissoviético feito por aliado de longa data de Trotsky,
Max Eastman. Depois, na França, nos anos 1930, Boris Souvarine, cidadão
francês de origem russa e colaborador do L’Humanité, também o analisou.
Trotsky trabalhou muito e com afinco para atrair atenção para a Carta, porém,
no final de sua vida, só tinha uma interpretação para ela: Lenin havia proposto
a remoção de Stalin do cargo e recomendara aos delegados que fizessem de
Trotsky, o mais capaz e inteligente dos candidatos, líder do partido. Repetiu
isso com tanta frequência em seus livros que é bem provável que passasse a
acreditar na história.
As ideias de Lenin, tal como expressas no Testamento, subentendiam um
amplo espectro de medidas democráticas. Ele propôs o aumento no fluxo de
sangue novo no partido e na liderança do Estado, o fortalecimento do papel
dos sindicatos, juntamente com o dos sovietes, das organizações sociais e dos
órgãos de segurança, e que a liderança prestasse mais contas aos operários.
Mesmo que não fizesse referências a plebiscitos, referendos, pesquisas de
opinião, fiscalização obrigatória da liderança ou rotação estrita nos quadros do
partido, e outras características similares da democracia, estava implícito um
sentido de equidade no que advogou no fim da vida.
O desleixo do partido quanto a esse princípio básico iria ter seu preço em
todas as esferas da vida. Não obstante, para dar ao sistema político o que lhe é
devido, grande atenção foi dispensada em instruir o povo e as gerações
sucessivas sobre a revolução, o socialismo e o comunismo. A imagem do “novo
homem” ideal foi propagada como modelo do indivíduo do futuro. Já nos anos
1920, a despeito do surgimento de tendências burocráticas, o lado ideológico
da reestruturação da sociedade recebeu importância primordial. Simplicidade,
parcimônia pública, ausência do sentimento de posse na vida comunitária
cotidiana, prontidão na resposta a todos os reclamos da sociedade, profunda
aversão à indiferença cultural, ao materialismo e ao consumismo, e um alto
nível de espiritualidade estranha aos valores comerciais: essas características nas
pessoas dos anos 1920, 1930 e 1940 testemunham que a burocracia não
sufocou o melhor que existia nelas. O povo manteve a fé na ideia.
Depois da morte de Lenin, Stalin, que não se dispunha a trocar a cabine de
comando por um mero ministério ou outro, tomou seu destino nas próprias
mãos. Mas o perigo do que estava por acontecer já estava lá, no sistema
centralizado. Os alertas de Lenin foram desprezados. A velha guarda, aferrada
que estava à luta interna, não aceitou o papel da liderança coletiva. A liberdade
conquistada enevoou-lhe a visão do porvir.
Como Nikolai Berdyaev escreveu: “A experiência da Revolução Russa
confirmou uma antiga ideia minha, qual seja, a de que a liberdade não é
democrática, é aristocrática. As massas sublevadas não se interessam pela
liberdade, não precisam dela, nem se dispõem a arcar com a responsabilidade
por ela.”63 Ideia discutível, sem dúvida, mas verdadeira quando aplicada às
massas e à velha guarda, que foram incapazes de lidar com a liberdade.
Nota
* No seu XIV Congresso, em 1925, o Partido Comunista de Toda Rússia (bolcheviques) – de sigla
RKP(b) – tornou-se o Partido Comunista de Toda União (bolcheviques) – de sigla VKP(b).
Parte III
Opção e luta
Stalin: “Então você nega que nossa revolução pode conduzir ao socialismo?” Trotsky: “Acredito, como
sempre acreditei, que nossa revolução pode e tem que levar ao socialismo ao assumir um caráter
internacional.”
Eis como nos acostumamos a ver o problema: conquistaríamos o poder, tomaríamos quase tudo em
nossas mãos, introduziríamos imediatamente a economia planejada, puniríamos os recalcitrantes
remanescentes e dominaríamos o restante, e isso seria tudo. Hoje, vemos com clareza que não é assim
que é feito.9
Stalin dificilmente discordaria disso, mas sentia que o grande perigo estava em
Trotsky. Acabara de saber que o rival declarara num círculo de seguidores que
“alguns novos grandes do partido não podiam perdoá-lo pelo papel que
desempenhara em outubro”. Saindo dos lábios de Trotsky, o termo “grandes”
só podia significar Stalin e, aparentemente, esse não era o pior epíteto que o
adversário e seus aliados vinham empregando contra ele.
Se bem que as relações com Kamenev e Zinoviev permanecessem, pelo
menos na fachada, satisfatórias, Stalin sentiu que suas maneiras francas e a
constante influência que exercia não eram muito do agrado da dupla. Passou a
perceber isso com mais intensidade depois do XIII Congresso. No relatório que
fez sobre cursos para secretários de comitês distritais, Stalin criticara Kamenev
por ter afirmado a existência de uma “ditadura do partido”, e concluiu dizendo,
acompanhado por expressões de apoio dos delegados: “Não temos uma
ditadura do partido e sim uma ditadura do proletariado.” Deve-se realçar que
Bukharin, que à época partilhava a ideia da “ditadura do partido”, declarou no
plenário do comitê central de janeiro de 1924:
Nossa tarefa é perceber dois perigos: o primeiro vem da centralização de nosso aparato. O segundo é o
da democracia política que pode resultar se a democracia for muito longe. A oposição, entretanto, só
vê o perigo da burocracia. Não enxerga o risco da democracia política além do risco da burocracia. [...]
Para apoiar a ditadura do proletariado, temos que dar suporte à ditadura do partido.
Ao que Radek acrescentou: “Nós somos um partido ditatorial num país
burguês trivial.”10
Mas Stalin, que não via necessidade de lutar contra muitos, criticou apenas
Kamenev. Para ele, o importante era não correr as frentes, mas tratar de cada
uma a seu tempo. De imediato, a parelha política contra-atacou. A crítica de
Stalin foi considerada, numa reunião do Politburo, inadequada ao
companheirismo e imprecisa quanto à verdadeira posição de Kamenev. Stalin,
de pronto, pôs seu cargo à disposição. Foi a segunda vez que o fez como
secretário-geral, e não seria a última. A demissão foi mais uma vez recusada, e
exatamente por Kamenev, com o apoio de Zinoviev. Stalin percebeu uma
crescente ambiguidade nos dois oponentes. Evidentemente, eles ainda temiam
Trotsky, porém, mais uma vez, mudavam de direção como um cata-vento. De
que valia o livro Leninismo de Zinoviev? Na verdade, ele tentava de novo
camuflar e justificar seu comportamento e o de Kamenev em outubro de 1917,
e o desacordo dos dois com Lenin. Stalin tinha memória maligna e iria usar
decididamente tais fatos no futuro.
Tão logo se visse livre de Trotsky, cuidaria daqueles “boquirrotos
inescrupulosos”. Até mesmo ele, que transformara a rudeza em uma de suas
virtudes, por vezes se enervava com a postura afirmativa de Zinoviev. Falando
no pleno do comitê central de 14 de janeiro de 1924 sobre o assunto “lista de
discussão”, Zinoviev fez comentários excessivamente francos sobre muitos
membros do comitê e sobre outros bolcheviques que tomavam parte no debate,
como se fosse um comandante de companhia avaliando subordinados.
“Pyatakov”, declarou ele presunçosamente, “é um bolchevique, mas seu
bolchevismo ainda é imaturo. Verde e imaturo”. De Sapronov, disse: “Ele tem
os dois pés no chão, porém não representa nada mais que leninismo.” Osinsky
“denota um desvio de tipo mais intelectual, não tendo absolutamente nada em
comum com o bolchevismo”. Tampouco deixou de atingir Trotsky de
passagem, o que deve ter sido muito agradável para Stalin, embora não
houvesse conexão óbvia: “Certa vez, quando chegamos em Copenhague para
um congresso, nos foi dada uma cópia do jornal Vorwärts na qual havia um
artigo anônimo afirmando que Lenin e seu grupo eram criminosos e
expropriadores. O autor do artigo foi Trotsky.”11
Enquanto, sentado, Stalin ouvia tudo aquilo, deve ter passado por sua
mente que Zinoviev já se via chefe. Não emitiu opinião sobre o discurso no
plenário, mas, dois anos mais tarde, iria desmantelar pedra por pedra a posição
de Zinoviev. Em maio de 1926, numa nota para os membros da delegação do
partido ao Comintern, Stalin escreveu:
Referindo-se aos seus 17 anos de atividade literária, o camarada Zinoviev se jacta de que não cabe aos
camaradas Stalin e Manuilsky ensinar-lhe a necessidade de combater a tendência de ultraextremismo
de esquerda. Não é preciso provar que o camarada Zinoviev se acha um grande homem, porém se o
partido também pensa assim, há dúvida.
De 1898 até a Revolução de Fevereiro de 1917, nós, os velhos ilegais, despende-mos tempo e trabalho
em todas as regiões da Rússia, mas jamais encontramos o camarada Zinoviev fosse na clandestinidade,
na prisão ou no exílio.
Nós, os velhos ilegais, sabemos que existe uma galáxia de antigos membros que entraram no partido
bem antes do camarada Zinoviev, e que o construíram sem fanfarronice ou espalhafato. Como
comparar aquilo que o camarada Zinoviev chama de atividade literária com o trabalho que todos os
nossos velhos ilegais empreenderam sub-repticiamente durante vinte anos?12
De que serviam os recentes discursos de Trotsky sobre o partido? Qual o significado, o objetivo, a
intenção de tais discursos quando o partido não quer o debate, está sobrecarregado de tarefas
prementes e precisa do trabalho conjunto para a restauração da economia, e não de uma batalha
renovada sobre velhas matérias? Por que Trotsky tem que puxar o partido de volta a novas discussões?
Dando sequência à sua tirada, Stalin passeou o olhar pelo salão e respondeu ele
mesmo, de forma áspera e num tom de voz profundo e uniforme:
A julgar por todos os fatos, a “motivação” é que Trotsky faz outra (mais uma!) tentativa de preparar o
terreno para substituir o leninismo pelo trotskysmo. Trotsky precisa, desesperadamente, desestabilizar
o partido e os quadros que tomaram parte no levante, para que então possa desbancar o leninismo.13
Havia certa verdade nisso. Ao mesmo tempo em que cobria Lenin e o
leninismo com adjetivos elogiosos, Trotsky, gradual e repetidamente, lançava
dúvidas sobre certos argumentos leninistas a respeito da construção do
socialismo. Segundo ele, socialismo na Rússia era uma impossibilidade sem o
apoio de outros países; a industrialização não podia ser concretizada apenas às
expensas do campo; a NEP era o primeiro passo para a capitulação; o plano das
cooperativas era prematuro; Outubro era mera continuação da Revolução de
Fevereiro; sem o treinamento em “exércitos de trabalho”, o povo não
entenderia as “vantagens do socialismo”, e vai por aí. Tendo-se em mente que
Zinoviev e Kamenev, ao formarem a “nova oposição” que “iria sitiar” Stalin, já
estavam encontrando Trotsky a meio caminho, o discurso de Stalin, primeiro
contra Trotsky e, depois, contra seus novos aliados, poderia àquela altura ser
qualificado como uma “defesa do leninismo”. Havia pouco pensamento
construtivo no que foi dito pelo secretário-geral, especialmente quando se
considera que Trotsky não estava de todo errado, em particular no que dizia
respeito aos perigos da burocracia. Stalin ainda lutava com meios lícitos,
embora o que “defendesse” fossem citações e não sua motivação intelectual.
Concluiu assim seu pronunciamento no pleno: “Eles falam de repressões contra
a oposição e da possibilidade de rompimento. Isso é um despropósito,
camaradas. Nosso partido é resistente e poderoso. Não permitiria rompimento
algum. Quanto a repressões, sou decididamente contra.”14
Naquela ocasião, Stalin revelou generosidade ao não criticar Zinoviev e
Kamenev, e mesmo ao protegê-los de Trotsky. Os fundadores da “nova
oposição”, no entanto, não aceitaram o ramo de oliveira. Numa reunião do
Politburo no início de 1925, Kamenev, apoiado pelo confrère, declarou que o
atraso tecnológico e econômico soviéticos em relação aos países capitalistas que
os circundavam representava um obstáculo insuperável para a construção do
socialismo. Com efeito, Zinoviev e Kamenev haviam formado um bloco com
Trotsky, o mesmo Trotsky ao qual endereçaram crítica devastadora poucos
meses antes, precisamente sobre o mesmo tema. O ataque da “nova oposição” à
política do partido necessitava de resposta e uma diretriz partidária sobre passos
adicionais a tomar na esfera da construção socialista. Para tanto, era de enorme
importância a XIV Conferência do partido no final de abril de 1925. Stalin,
naquela oportunidade, não apresentou relatório, tampouco participou do
debate. Os relatórios essenciais foram feitos por Rykov sobre cooperativas, por
Dzerzhinsky sobre a indústria metalúrgica, por Tsyurupa sobre imposto na
agricultura, por Molotov sobre estrutura do partido, por Solts sobre legalidade
revolucionária, e por Zinoviev sobre tarefas do Comintern. Por tradição ou
inércia, a conferência foi presidida por Kamenev, da mesma forma que presidia
o Sovnarkom e o Politburo. Mas aquela seria a última vez. Nem ele nem
Zinoviev jamais estariam de novo à frente de reuniões como aquela. É provável
que o assunto mais importante tratado pela conferência tenha sido a
proposição que declarou que, a despeito da tese de Zinoviev, a vitória do
socialismo era possível na URSS, mesmo no contexto de uma desaceleração da
revolução mundial. Todavia, a vitória do socialismo só poderia ser considerada
completa quando houvesse garantias internacionais contra a restauração do
capitalismo.
O debate sobre a legalidade socialista foi crucial. Solts, que abriu a discussão
e que partilhara o exílio com Stalin em Turukhansk em determinado período,
observou que, depois da vitória da revolução, “sentimos mais a necessidade de
aprimorar nossa economia que a de legalidade revolucionária”. Agora,
entretanto, disse ele com intenção manifesta, “os membros do partido [...] têm
que entender que nossas leis, em todas as suas manifestações, tanto confirmam
como reforçam o edifício que queremos construir e robustecer, e que,
desrespeitando essas leis, destruiremos tal edifício”.15
Alguns dias depois da conferência, Stalin fez um discurso para ativistas da
organização partidária de Moscou. Chamou uma parte do discurso de “Sobre o
destino do socialismo na União Soviética”. Mais uma vez, sujeitou Trotsky à
crítica vitriólica e zombou de novo de sua teoria da “revolução permanente”.
Falando com sentimento e convicção, explicou a essência da vitória final e
completa do socialismo na URSS. Os primeiros sinais do papel e do lugar
especiais que iria ter e ocupar no partido surgiram ali. Deixando a modéstia de
lado, citou, à exaustão, ideias e afirmativas de sua própria lavra. Ao expor suas
proposições corretas (até então), preparava o partido para aceitar a noção de
que ele tinha um direito particular de postular a verdade.
Stalin testou seus pontos de vista não só nos discursos para o comitê central
e na imprensa, como também nas poucas ocasiões diante de operários. Seu
assistente, Tovstukha, escreveu um dos discursos que o secretário-geral
pronunciou nas Oficinas Stalin da Ferrovia Outubro, em 1º de março de 1927.
Stalin, marcando o compasso com a mão, explicou pausadamente:
Os aplausos surgem como rajadas de metralhadoras. O homem, envergando o cáqui dos soldados,
calçando botas surradas, e cachimbo na mão, posta-se diante da plateia. “Vida longa para Stalin! Vida
longa para o [comitê central]!” Bilhetes são passados a Stalin. Enroscando o bigode preto, ele os estuda
com atenção. O salão permanece silencioso, e Stalin, secretário-geral do partido e o homem que deu
nome à oficina, começa sua conversa com os operários.
Os burgueses estão gradualmente perdendo o chão sob seus pés e recuam dia após dia. Por mais fortes
e numerosos que possam hoje ser, no final, serão derrotados. Por quê? Porque estão se desintegrando
como classe, tornando-se fracos e velhos, verdadeiros pesos mortos. Isso deu lugar a uma bem
conhecida posição dialética: tudo que existe, isto é, tudo que cresce de um dia para outro, é racional, e
tudo que se desintegra de um dia para outro é irracional e, portanto, não pode evitar a derrota.20
O primitivismo e a ingenuidade dessas deduções são depressivamente óbvios,
mas não evitaram que o acadêmico Mitlin as descrevesse como “um aspecto
clássico do novo”. Outros artigos de Stalin, como “O marxismo e a questão
nacional” (1913), “A revolução de outubro e a questão nacional” (1918),
“Sobre estratégia e tática dos comunistas russos” (1923), da mesma forma,
tiveram pouca repercussão. Cedo ele percebeu não ter feito contribuição
significativa para a teoria marxista, e que Lenin, por ter descerrado a cortina do
futuro, deixara sua marca em todas as esferas nas quais Stalin se viu envolvido,
e que, intelectualmente, ele, Stalin, não chegava aos pés do líder falecido.
A acirrada luta interna que continuava a sacudir o partido compeliu,
efetivamente, Stalin a propagar no front mais amplo possível a herança de
Lenin, suas ideias e argumentações. Ele se mostrou à altura da tarefa: sua
maneira categórica de pensar não poderia ter sido mais útil. Sentenças curtas e
telegráficas, nenhum termo sofisticado, nenhuma profundidade, e sim clareza,
clareza e mais clareza. As palestras publicadas se tornaram populares.
Agitadores as usaram na campanha para minorar a ignorância política da
população. Na ocasião adequada, Questões do leninismo e Fundamentos do
leninismo, de Stalin, foram canonizados e transformados por zelosos
propagandistas stalinistas em pequenos livros dogmáticos e revelaram-se ideais
para tal tipo de adaptação. De fato, sem as citações, pouco mais eram que
sinais de pontuação. As edições saíam uma atrás da outra.
A percepção de milhões de soviéticos foi condicionada por muitas
proposições dessas obras, ideias leninistas que o secretário-geral reformulou
segundo sua interpretação. Assim, ao definir a essência da ditadura do
proletariado, ele quase se restringiu ao seu aspecto coativo e o “limpou” de
qualquer conteúdo democrático. Nos dias de hoje, por exemplo, é impossível
ler “Sobre a política de liquidação dos kulaks como classe” sem estremecer em
pensar no que estava por trás daquilo.
O intelecto de Stalin – assunto que retomaremos mais adiante – foi
conformado sob influência da educação religiosa dogmática, da experiência na
luta revolucionária e da convivência seletiva com a obra dos fundadores do
socialismo marxista. É claro que ele não tinha um entendimento completo da
relação entre teoria e prática, entre fatores objetivos e subjetivos, e da essência
das leis do desenvolvimento social. Sua assertiva de que tudo na natureza e na
sociedade é programado a ferro tem, indubitavelmente, gosto de fatalismo: “O
sistema socialista seguir-se-á ao capitalista como o dia vem depois da noite.”
Para ele, a teoria marxista era como a bússola de um navio que, de qualquer
forma, chegará a outra praia, mas o fará mais rapidamente com a bússola.
Toda a história do partido, tal como apresentada no Curso resumido de
Stalin, nada mais é que uma cadeia de vitórias para uns e derrotas para outros,
os espiões, os agentes duplos, os inimigos, os criminosos. Ele colocava tudo no
leito esquemático de Procusto, em que o real deveria ser idêntico ao teórico,
segundo a teoria que expunha. Na lógica de Stalin, tudo o que acontecera era
esperado: o crescimento dos partidos comunistas, a derrocada da “aberração de
direita”, a “traição” dos socialdemocratas. A criatividade, o livre-arbítrio, o voo
da imaginação, a audácia intelectual – nada disso tinha vez.
A mente de Stalin era prisioneira da abordagem esquemática. Assim, por
exemplo, existiam três características básicas da dialética, quatro estágios no
desenvolvimento do bloco de oposição, três aspectos básicos do materialismo,
três características do Exército Vermelho, três raízes fundamentais do
oportunismo, e assim por diante. Talvez não fosse uma maneira ruim de
ensinar, porém, catalogar toda a teoria dessa forma e reduzi-la a alguns
aspectos, peculiaridades, estágios e períodos significa empobrecer os estudos
sociais e fomentar uma visão dogmática.
A certa altura, começaram a surgir elementos rituais no trabalho de Stalin.
É difícil encontrar nuances em seu pensamento, ou transições, reservas, ideias
originais ou paradoxos. Seu modo de pensar é uniforme, tudo o que fluiu de
sua caneta foi apresentado como desenvolvimento do marxismo-leninismo. O
que afirmava passava a ser um programa; o que não estivesse de acordo com
suas diretrizes era suspeito, senão adverso. Ao vulgarizar, simplificar e dar a
tudo uma qualidade direta e categórica, as opiniões de Stalin adquiriram uma
característica primitiva e ortodoxa. Provavelmente, jamais duvidou de que teria
inspiração de gênio, como indica seu gosto pela autocitação. A despeito de
tudo isso, entretanto, havia um forte atributo inerente ao seu pensamento
(além do mais, atributo que tinha em comum com Lenin): o seu lado prático.
Ele tentava ligar cada proposição teórica a necessidades concretas, o que não
pode ser dito de todos os teóricos marxistas. Por outro lado, a natureza
mecânica e automática de seu raciocínio, bordejando o fatalismo, muitas vezes
imprimiu um quê de caricatura aos seus escritos.
O debate dos anos 1920 sobre a forma de construir a sociedade socialista foi
acompanhado de renovada atividade teórica por parte dos líderes do partido. O
Pravda e o Bolshevik publicaram com regularidade artigos de Trotsky, Zinoviev,
Kamenev, Stalin, Kalinin, Yaroslavsky e outros. Alguns líderes que se tornaram
bastante ativos no assunto. Trotsky, por exemplo, nos dez anos que sucederam
a revolução, publicou com sucesso 21 volumes de suas obras. Em 4 de
dezembro de 1924, o Pravda anunciou que o ramo de Leningrado da agência
estatal de publicações estava prestes a começar a edição dos trabalhos de
Zinoviev em 22 volumes. O comitê responsável chegou a dizer que se tratava
de algo como uma “enciclopédia dos trabalhadores”. O Pravda também
noticiou a publicação de uma compilação intitulada Outubro, consistindo em
artigos selecionados de Lenin, Bukharin e Stalin. Muitos trabalhos de Bukharin
apareceram naquela oportunidade, tais como “As contradições do capitalismo
contemporâneo” e “Da Nova Política Econômica e nossas tarefas”.
Stalin deu o melhor de si para acompanhar o movimento, mas a maior
parte de seus escritos dos anos 1920 não foi devotada tanto à popularização do
leninismo como o foi à polêmica com os líderes dos vários grupos, oposições e
facções. Talvez tenha sido no curso do enérgico e sonoro arremesso de lama
que ele se tornou um “teórico”. Trotsky pensava assim. No seu livro A escola
stalinista da falsificação, ele observou que Stalin transformou-se em teórico na
batalha contra o trotskysmo. A mente de Stalin foi aguçada por todos aqueles
embates e “desmascaramentos”. Seus discursos nos congressos e conferências,
nas sessões plenárias e nas reuniões do Politburo eram ásperos, resolutos e
implacáveis, embora concedesse a si mesmo ocasionais expressões de “fraqueza”
liberal quando era taticamente prudente fazê-lo. Por exemplo, em 11 de
outubro de 1926, fez um relatório ao Politburo “Sobre medidas para mitigar a
luta interna no partido”, embora fosse também verdade que essas “medidas
mitigadoras” estavam formuladas em cinco pontos que os líderes oposicionistas
teriam que aceitar, caso desejassem continuar membros do comitê central.
A polêmica com os oponentes ideológicos forjou uma transformação em
Stalin. Ele aprendeu a utilizar a retórica e adicionou uma dimensão pessoal e
ofensiva à sua mordacidade costumeira, passando a qualificar os outros de
“tagarela”, “difamador”, “mentalmente confuso”, “ignorante”, “vaca de
presépio”. Divertia-o a reputação adquirida de combatente grosseiro, porém
impiedoso, pela unidade do partido, contra o facciosismo e pela pureza do
leninismo. No discurso de encerramento do XIV Congresso, em que, como já
ressaltamos, atacou Kamenev, Zinoviev e Sokolnikov, praticamente se apossou
do direito, como secretário-geral, de ser rude a seu bel-prazer. Rodeado de
gargalhadas de aprovação dos delegados, declarou: “Sim, camaradas, sou franco
e grosso, esta é a verdade. Não posso negá-la.”21
Sua franqueza grosseira, como vimos, com frequência era do tipo
insultuoso. Respondendo, por exemplo, ao jurista S. Pokrovsky, que tentara
esclarecer a atitude de Stalin em relação à revolução proletária, o secretário-
geral iniciou sua carta tachando-o de “descarado narcisista” e a terminou no
mesmo tom: “Você não entendeu coisa alguma, nada sobre a revolução
burguesa que se regenerou na revolução proletária. A conclusão a tirar é que é
necessário o descaramento de um ignorante e o gosto de um equilibrista
medíocre de corda bamba para inverter o sentido das coisas dessa forma.”22
Fazia juízos com absoluta certeza: aqui a verdade, lá, o engano. Como
Rabindranath Tagore observou: “Batemos a porta atrás de nossos erros. A
verdade fica confusa: como vai entrar agora?”
À proporção que cresciam sua autoridade e sua importância política, Stalin
fiava-se cada vez mais nas próprias assertivas para dar suporte à sua
argumentação, que passou a ser ministrada como verdade proveniente do alto.
E quanto mais isso ocorria, menos Stalin se dava conta. Assim, tendo feito uma
palestra na Universidade Sverdlovsk sobre a definição de leninismo, ele repetiu
tal definição praticamente como verdade perfeita e universal em seu trabalho
Questões do leninismo. Citando afirmações suas, ele adicionaria frases como:
“Tudo isso está correto, pois vem do leninismo.” Com o tempo, tornou-se
comum ele encaminhar os leitores a seus próprios artigos e livros. Numa
polêmica em 1926 sobre a possibilidade de construir o socialismo na URSS,
ideia que reivindicou ser de sua autoria, escreveu: “Você deve pegar o Bolshevik
[de Moscou] nº 3 e ler meu artigo. Facilitaria as coisas para você.” E aproveitou
a oportunidade para repisar um tema: “A classe operária, em união com os
laboriosos camponeses, pode dar um fim aos capitalistas em nosso país”; “a
oposição diz que não somos capazes de acabar com nossos capitalistas e de
construir a sociedade socialista”; “se não tivéssemos em mente que podíamos
liquidar com nossos capitalistas, a conquista do poder não teria sentido”.23 A
ênfase na “liquidação” dos remanescentes das classes exploradoras ficou muito
clara em 1926, embora não fosse o objetivo principal daquela ocasião. Com o
passar do tempo, ela iria maturar numa teoria profundamente errada sobre o
agravamento da luta de classes à medida que a sociedade caminhava para o
socialismo. “Surrar” e “liquidar” cedo se transformariam na ocupação
fundamental de Stalin.
A despeito do nível primitivo e vulgar das generalizações teóricas que saíam
da pena de Stalin, ele muito se orgulhava de dar definições e formular
interpretações. Aí se incluíam, por exemplo, a essência do leninismo, das
É
nações, da estratégia e tática política, dos desvios, para citar apenas algumas. É
possível que sua atividade tenha contribuído para a popularização do
leninismo, porém, inclinado que era pelo pensamento dogmático, Stalin
canonizou literalmente suas definições e se tornou capaz de devotar um
discurso inteiro à prova de que este ou aquele oposicionista não conseguira
entender determinada questão.
Talvez o aspecto mais negativo das contribuições teóricas de Stalin esteja no
fato de ele ter arrancado a essência humanista do socialismo e a substituído,
gradualmente, pelo que pode ser chamado de “socialismo sacrificial”. Com tal
perspectiva, no tempo devido, ele permitir-se-ia, com a maior descontração,
desencadear repressões sem precedentes e aplicar a força em amplo espectro
como principal alavanca na vida econômica. O stalinismo foi um misto de
burocracia e socialismo de quartel adornado com terminologia dogmática.
Hoje, sabemos que não se pode classificar uma sociedade de “socialista” pelo
simples fato de praticar um alto grau de propriedade pública, ou de priorizar
mais os valores do coletivo em relação ao individual, ou por planejar tudo de
cima para baixo. O socialismo autêntico ocorre quando o homem é o centro
das atenções, e onde a democracia, o humanismo e a justiça social são
propriedades intrínsecas. Uma abordagem dessas não tem lugar para a
violência, para o distanciamento do povo do poder, para líderes semideuses.
Deve-se ressaltar que Stalin trabalhava pessoalmente nos seus artigos e
discursos. Vários assistentes, que serviram em sua secretaria em ocasiões
diversas, testemunharam tal fato, malgrado a grande carga de trabalho que
pesava sobre ele. Apesar disso, Stalin também lia bastante. Diariamente, eram-
lhe encaminhados livros selecionados, extratos de artigos, resumos da imprensa
partidária local, resenhas de publicações estrangeiras e as cartas mais
interessantes.
Entre 1924 e 1928, Stalin consultou professores das academias Industrial e
Comunista sobre assuntos de ciências sociais. Achava-se particularmente fraco
em filosofia; em história, pisava em terreno firme; e não mostrava interesse
especial em expandir seus conhecimentos de economia. Com a prolongada
experiência no cargo, no qual lidou com problemas vastamente diversificados,
desenvolveu um senso sutil e uma mente extremamente prática, e tornou-se
capaz de avaliar rapidamente uma situação, de encontrar o caminho em meio a
um labirinto de variáveis e de identificar os vínculos importantes. Observador
por natureza, de excelente memória para fisionomias, nomes e fatos, a rica
experiência do convívio com larga faixa das pessoas mais cultas e preparadas do
entourage de Lenin não podia deixar de influenciá-lo e nele deixar algumas
qualidades. Embora não fosse um teórico, era superior a muitos de seus colegas
na abordagem pragmática da teoria, e na capacidade de ligar, para os melhores
resultados, a teoria com a prática.
Tendo escolhido um objetivo, Stalin podia mostrar extraordinária
persistência em persegui-lo. Isso fica evidente em seus trabalhos escritos.
Naturalmente, fez algumas emendas em seus artigos e panfletos, mas, em
princípio, repetia sem cansar o que antes dissera, produzindo um efeito
semelhante ao do livro didático. Por ter afirmado certa vez que “o leninismo é a
teoria e a prática da revolução proletária em geral, e a teoria e a prática da
ditadura do proletariado em particular”, ele transformou esta definição em
dogma. Sem dúvida, numa época em que o regime lutava pela sobrevivência,
tal postura serviu ao propósito de tornar os ideais e objetivos de Lenin mais
fáceis de entender. Não obstante, a redução das ideias de Lenin a não mais que
ditadura do proletariado foi o prelúdio dos muitos enganos cometidos na
prática subsequente do estadismo soviético.
Creio que foi Remarque que disse que os ditadores sempre começam
simplificando. Stalin foi um mestre da simplificação e o responsável pela
implantação de esquemas primitivos tanto na teoria como na história do
partido. Talvez, em função do baixo nível da cultura geral e política entre os
trabalhadores, isso fosse necessário, entretanto, já no início dos anos 1930,
estudos mais sérios e mais profundos simplesmente não podiam ser publicados.
Por décadas, a teoria da ciência social mergulhou na estagnação. O
dogmatismo medrou no solo de conceitos simplistas e frequentemente
errôneos. Dogmatismo é como um navio que fundeia: as ondas continuam, o
navio está firme, mas a sensação de movimento persiste. A atitude de Stalin
sobre ideologia era profundamente pragmática: a ideologia corrente tinha que
funcionar no país como cimento, não como explosivo. Muitos de seus
argumentos teóricos acabaram sendo fonte de grandes desditas sociais. Sediadas
num ambiente mental irremediavelmente cinzento, as ideias de Stalin careciam
de dinamismo e excluíram a inovação criativa da política.
O pleno do comitê central de 14 e 15 de janeiro de 1924 proporciona um
exemplo disso. O encontro tratou de várias questões. Zinoviev relatou a
situação internacional e, tanto ele como os que falaram depois, criticaram o
fracasso na Alemanha, onde, na opinião deles, perdera-se uma oportunidade
revolucionária. No seu discurso, Stalin focalizou o papel de Radek nos eventos.
“Sou contra a punição de Radek por seus erros na questão alemã”, disse.
“Cometeu muitos, dos quais destacarei sete.” Um dos truques favoritos de
Stalin era estender os erros dos adversários numa longa corda de reboque.
Segundo Radek, Stalin prosseguiu: “O inimigo principal na Alemanha é o
fascismo, e Radek diz que é necessário formar uma coalizão com os social-
democratas, ao passo que nossa conclusão é pela necessidade de uma batalha de
morte contra os social-democratas.”24 A miopia política de Stalin custaria caro
para os comunistas como também para as futuras forças democráticas. Sua falta
de imaginação impedia-o de analisar questões complexas.
Outro exemplo de sua falta de visão teórica ocorreu durante o pleno de
outubro de 1924 do comitê central, quando se debateu a questão do “trabalho
no campo”. Molotov relatou. Zinoviev, que era tão ignorante em questões
agrárias quanto Molotov e Stalin, pronunciou longo discurso no qual, apesar
de tudo, descreveu com relativa justeza a situação geral:
O que discutimos aqui não é apenas uma questão de trabalho no campo, mas uma atitude geral em
relação aos camponeses, ou seja, questão bem mais ampla que, sem dúvida, frequentará a agenda por
alguns anos vindouros, já que colide com o problema do exercício da ditadura nas circunstâncias
presentes.25
Sobre a posição política assumida pelo marido, Dmitri Merezhkovsky, e por ela
mesma, disse orgulhosamente: “Está bem, talvez estejamos apenas protegendo
o branco da roupa dos émigrés.” Eles tinham visto na Pátria “o reino do
Anticristo”.
Até mesmo Trotsky, que se mostrava bastante tolerante para com essa
dúvida intelectual e considerava inevitável a confusão da intelligentsia, fez uma
irritada sátira da “choradeira” de Gippius. Escreveu que a arte dela, que
mesclava cristianismo místico e erótico, mudara no momento em que “um
soldado do Exército Vermelho, com botas de tachões, pisou em seus graciosos
pés. De imediato, ela começou a lamúria na qual é possível identificar-se a voz
de uma bruxa obcecada com a ideia da santidade da propriedade”.27
A faixa de interesses estéticos de Stalin era incomensuravelmente mais
estreita que a de Trotsky, e, em particular, não se deixava excitar quer pelos
decadentes, quer pelos iconoclastas. Talvez tivesse pouca noção das obras de
Gippius, Balmont, Belyi, Lossky, Osorgin, Shmelyov e muitos outros que
deixaram sua marca na história cultural russa. Empírico e destituído de valores
emocionais, Stalin encarava todo o edifício da cultura em termos estritamente
pragmáticos: isso ajuda, ou não? É esse o caminho? Será perigoso? Critérios
estéticos, se é que os possuía, não tinham papel decisivo em seu modo de
pensar. Ele expressaria seu credo sobre literatura e arte duas décadas mais tarde
nos jornais Zvezda e Leningrad, no veredicto funestamente bem conhecido.
Para ele, as artes permaneciam encapsuladas no modelo binário primitivo:
“nossas” e “deles”.
Mesmo grande, o número de emigrados, excedendo talvez dois e meio
milhões de pessoas e abarcando todos os tipos de intelectuais, estava longe de
ser um caso de hostilidade generalizada à União Soviética. Além do mais, seus
destinos foram bem diversos. Alguns terminaram nas favelas de Xangai ou nas
pensões de Paris. Outros voltaram à Rússia e, desses, alguns até conseguiram
retomar suas carreiras literárias, enquanto outros não conseguiram se adaptar
ao novo ambiente social e, então, ou se calaram para sempre, ou caíram no
moedor de carne stalinista.
Os que permaneceram na Rússia soviética também reagiram de formas
diversas. Rapidamente, surgiram associações, entre elas a União dos Escritores
Camponeses, os Irmãos Serapion, a Pereval (“Travessia”), a Associação de
Escritores Proletários de Toda Rússia, a Associação de Artistas da Rússia
Revolucionária, a Kuznitsa (“a Forja”), a Frente Esquerda de Arte. Nos clubes
friorentos e nos palácios sem aquecimento houve debates sobre cultura
proletária, literatura, política e o uso ou não dos valores da cultura burguesa.
Surgira uma oportunidade única para criar e consolidar o pluralismo artístico.
Os métodos de comando, que marcariam o fenecer das artes, ainda não
predominavam.
Stalin não viu nada de perigoso nesse novo mosaico de escolas e tendências
literárias, especialmente porque muitos escritores falavam entre si sobre a
revolução, o novo mundo, o novo homem. Até mesmo as preocupações
sectárias e de vanguarda com os métodos radicais pareciam pouco mais que
ingênuas e divertidas. Como a arte em si, o pluralismo daqueles anos iniciais
era espontâneo e, por breve período de tempo, fez contribuições ao cinema, à
música, à literatura, à pintura e à escultura, que ocuparam lugar no tesouro da
herança cultural russa.
Muitos escritores e artistas amadureceram com rapidez na atmosfera de
estufa da revolução, e debates, contendas e competições entre as várias escolas
foram resultados naturais. Foi uma pena, para dizer o mínimo, que, em poucos
anos, tal ambiente de indagações se evaporasse no cadinho do estilo
burocrático do pensamento uniformizado e que, no clima que se seguiu,
emergisse uma pletora de livros de interesse absolutamente efêmero. Em dois
números do jornal Bolshevik, P. Ionov escreveu um artigo sobre a cultura
proletária no qual afirmou que “arte pura”, imune à influência das tormentas
sociais, dos choques econômicos e dos conflitos de classes, era uma
impossibilidade. Replicando, Leopold Averbakh perguntou: “Quem vai
reformar quem?”28
Um editorial do Bolshevik intitulado “Quadros de comando e a revolução
cultural” deu a resposta concisa: os assuntos culturais deveriam ser governados
por meios administrativos, isto é, pelos quadros, ou “construtores do
socialismo”.29 Porém, tão logo adquiriram alguma instrução, começaram a
demolir igrejas, ao passo que as associações criativas autônomas foram
desaparecendo, e a individualidade silenciando. Foi essa a triste sorte, por
exemplo, de todo um grupo de “poetas camponeses”, cuja chama mais
fulgurante fora Sergei Yesenin, e Bukharin, ainda um radical, concorreu para
tanto. A liberdade de criação foi se tornando cada vez mais programada e, em
consequência, mais estreita. E a arte, despida de espírito humano, já ia se
transformando em representante da cultura.
Stalin passou a acompanhar com atenção a efervescência no mundo
literário. Sabia que a revolução cultural, que despertara mudanças enormes na
consciência social, fatalmente estimularia também um acentuado interesse em
relação aos valores culturais em geral, e à literatura criativa em particular. Em
meados da década de 1920, a alfabetização crescera marcantemente. A
melhoria nas repúblicas nacionais foi especialmente surpreendente. Comparado
com 1922, o número de operários alfabetizados na Geórgia, em 1925, cresceu
15 vezes; no Cazaquistão, cinco vezes; no Quirguistão, quatro vezes; e assim foi
em outras regiões. As principais fontes de alfabetização e de cultura dos
trabalhadores surgiram nos clubes de operários das cidades e nas cabanas de
leitura das vilas. A impressão de periódicos triplicou a marca de 1913.
Começou em escala maciça a organização de bibliotecas. Montaram-se estúdios
cinematográficos em Odessa, Yerevan, Tashkent e Baku. Mais se editava
literatura criativa.
O Politburo discutiu repetidas vezes a maneira de criar condições para levar
cultura às massas e fortalecer a influência do bolchevismo sobre elas. Em junho
de 1925, aprovou a resolução “Sobre a política do partido no campo da
literatura criativa”, recomendando uma atitude atenciosa para com os velhos
mestres. Também adotou outra resolução, proposta por Stalin, que destacava a
necessidade de manter a pressão sobre o movimento Mudando os Marcos.
Ademais, a resolução ressaltou: “O partido tem que tomar todas as medidas
para desenraizar interferências incompetentes e não autorizadas da burocracia
nas questões literárias.”30
Os asseclas de Stalin mantinham-no informado sobre os novos livros e
artigos de autoria de escritores proletários. É claro que ele não podia ler tudo,
mas depois que sua biblioteca foi reorganizada, muitos dos livros de
encadernação barata do período permaneceram em sua coleção, com anotações
de próprio punho em vermelho, azul ou lápis comum. A maioria dos
comentários, por coincidência, foi feita em vermelho. A julgar por tais
anotações, parece que Stalin se familiarizou com Chapaev, de Furman, com A
rebelião e A corrente de ferro, de Serafimovich, com as histórias de Vsevolod
Ivanov, com Cimento, de Gladkov, com as obras de Gorky, que amava, e com a
poesia de Bezymensky, Bedny e Yesenin, entre outros. Evidentemente, fez
anotações também em À espera, de Platonov, porém, aparentemente irritou-se
com aquele talentoso escritor, como certa vez confessou a Fadeyev. Stalin
ignorava em grande parte os clássicos ocidentais, em geral suspeitoso do
Ocidente e de sua democracia “em desintegração”.
Amava o teatro e o cinema da mesma forma que os grandes latifundiários se
encantavam com o teatro de seus servos. Foi frequentador assíduo do Teatro
Bolshoi nos anos 1930 e 1940 e assistia, à noite e com regularidade, novos
filmes no Kremlin ou em sua dacha. De certa forma, eles proporcionavam uma
janela para sua vida reclusa. Não escondia o fato de não gostar muito de
pintura, a forma de arte que menos apreciava. Muitas vezes, debateu sobre a
arte com escritores como Gorky, Bedny, Fadeyev e, é claro, Lunacharsky, e
também com outros membros do Politburo, que entendiam tão pouco do
assunto quanto ele.
Em algumas manifestações públicas, Stalin aproveitou a oportunidade para
dar opinião sobre escritores e suas obras, normalmente em termos tão
categóricos que não encorajavam resposta. Por exemplo, numa carta a Bill-
Belotserkovsky, censurou o diretor do Bolshoi, D. Golovanov, por seu ataque à
prática de atualizar automaticamente o repertório à custa dos clássicos. Stalin
descreveu a situação como “golovanshchina” (ou seja, ditadura de Golovanov) e
como “expressão de um estado de coisas antissoviético”.31 Tal julgamento, nos
anos 1930, custaria a cabeça de alguém. Na mesma carta, comentou que as
peças de Bulgakov eram encenadas com tanta frequência “porque não há
quaisquer de nossas próprias peças suficientemente boas para apresentação. Na
terra de cego quem tem um olho é rei”. Este era o melhor de Stalin, não
mostrando qualquer dúvida sobre seu próprio conceito, confiante e desdenhoso
do processo intelectual dos artistas.
Ele podia também ser áspero com aqueles que, normalmente, tratava com
deferência, como Demyan Bedny, um bolchevique desde 1912 que logo
ganhou reputação como poeta proletário depois da revolução. A atualidade de
suas fábulas, poemetos, canções, livretos de rimas, contos e parábolas valeu-lhe
duradoura popularidade entre as massas. Porém, num certo número de obras
(“Separando pela força”, “Saia do fogão”, “Sem piedade”), ele criticava a inércia
e outras tradições negativas do passado que a sociedade soviética carregava
consigo. O departamento de propaganda do comitê central encarou tal opinião
como antipatriótica; Bedny foi convidado a comparecer ante o comitê central
para uma “conversa” e reclamou numa carta a Stalin. A resposta do secretário-
geral foi pronta: “De repente, você está bufando e se queixando de grande
pressão [...] Pensa que o comitê central não tem o direito de criticá-lo? Acha
que as decisões dele não se aplicam a você? Não acha que está atacado de
‘presunção,’ essa desagradável doença?” Stalin concluiu achando que a crítica de
Bedny era uma calúnia contra o operário russo, contra o povo soviético e
contra a URSS. “Esta é a verdade, e não as lamentações vazias de um
intelectual amedrontado que tagarela sobre pretensos desejos de isolar Demyan
ou de não mais publicar Demyan.”32
Apenas poucos anos antes, em junho de 1925, o próprio Stalin compilara a
regulamentação da política do partido sobre a literatura, que condenava
qualquer “vestígio de patrulhas literárias” e “a pretensiosa, semialfabetizada e
presunçosa arrogância comunista”. No fim daquela década, ele já tinha
esquecido as sábias diretrizes. Os “quadros de comando” operavam no campo
da cultura com crescente desenvoltura, e a efervescência e confusão intelectual
gradualmente desvaneceram em todos os níveis da administração.
Eram decorridos só três ou quatro anos da ocasião em que Stalin solicitara
que seus agradecimentos fossem levados a Bedny por seus versos “autênticos,
partidários” sobre Trotsky, publicados no Pravda de 7 de outubro de 1926 sob
o título “Tudo tem fim”, que diziam assim:
Stalin gostou do poema e telefonou a Molotov e outros para dizer isso. Todos
aprovaram a sátira política de Bedny, e o secretário-geral observou: “Há menos
leitores para o que escrevemos sobre Trotsky do que para esses versos”, o que,
sem dúvida, era verdade. E bastou o poeta mudar um pouco de tom, revelando
“ressentimento”, para que Stalin se tornasse frio, irritadiço, autoritário e censor.
Sabendo que o destino de seus trabalhos dependia do julgamento de Stalin,
os escritores pediam-lhe, com frequência, a opinião. Seus resumos eram
normalmente condescendentes e, quase sempre, apontavam “fraquezas”,
embora, ocasionalmente, distribuíssem elogios. Por exemplo, ele escreveu a A.
Bezymensky: “Li os dois: O tiro e Um dia em nossa vida. Não há nada de
‘burguesia trivial’ ou de ‘antiparidário’ neles. Ambos podem ser considerados
modelos para a arte revolucionária e proletária de nossos dias.”33
Testemunhas com acesso às informações afirmaram que Stalin estudava as
personalidades políticas de escritores, poetas, cientistas e expoentes culturais.
Ele sabia que nem todos aceitavam a revolução, como atestava a emigração em
larga escala que ocorrera. Tomou conhecimento de uma carta a Lunacharsky
(comissário do povo para a Educação e a Cultura) do escritor russo Vladimir
Korolenko, publicada postumamente em Paris, onde ele falecera em 1921, na
qual o intelectual expressava sua inquietação com o emprego da repressão na
Rússia pós-revolucionária, que iria desacelerar o crescimento da conscientização
socialista.34 Stalin decidiu que a carta era falsificação. Também ficou
perturbado com um artigo de Zamyatin, intitulado “Tenho medo”, publicado
num pequeno jornal de Leningrado, o Dom Iskusstv (“Casa das artes”).
Zamyatin recebeu permissão para deixar o país em 1932; ele foi para a França e
nunca mais voltou; de lá, em carta a Stalin, disse que não poderia continuar
escrevendo “atrás de grades”. Em 1920, ele afirmara, destemperadamente, mas
com exatidão:
A literatura só existe quando é criada por loucos, eremitas, heréticos, sonhadores, rebeldes e cépticos, e
não por funcionários confiáveis que apenas fazem seu trabalho. Temo que não teremos literatura
genuína alguma enquanto o povo russo for encarado como criança cuja inocência há que proteger.
Temo que não teremos literatura genuína alguma até que nos curemos desse novo tipo de catolicismo
que tem tanto receio da heresia quanto os antigos homens.35
Quais são as falhas de nosso aparato estatal? No fundo, o status inflado e a qualificação inferior dos
que nele trabalham, o que também é verdade para as organizações soviéticas das localidades.
Estruturas desajeitadas, duplicação de funções, burocracia demasiada, seleção ruim dos especialistas
com base no entendimento inadequado de habilitações e, finalmente, fiscalização deficiente, por vezes
de todo inexistente, dos escalões superiores sobre a execução das tarefas, ou sobre o trabalho das
próprias instituições.38
Tentarei o mais possível evitar o elemento pessoal nessa polêmica. Os ataques pessoais desferidos por
Trotsky e Zinoviev contra membros individuais do Politburo e do Presidium do Comitê Executivo do
Comintern não merecem nossa atenção. Parece que o camarada Trotsky gostaria de se autodescrever
como algum tipo de herói nos encontros do comitê executivo, com o objetivo de transformar o
trabalho deste comitê – sobre o perigo de guerra, a revolução chinesa, e assim por diante – num
simples trabalho sobre a questão dele mesmo. Creio que o camarada Trotsky não é digno de tanta
atenção [voz na plateia: “Muito bem!”], em especial quando parece mais um ator que um herói, e não
devemos, de forma alguma, confundir heróis e atores. Não estou dizendo que Bukharin e Stalin não se
ofendem quando pessoas como os camaradas Trotsky e Zinoviev, cujos desvios social-democratas
foram detectados pelo mais amplo VII Pleno do comitê executivo, atacam os bolcheviques sem a
mínima razão. Pelo contrário, eu me sentiria profundamente insultado se meio-mencheviques como
os camaradas Trotsky e Zinoviev me elogiassem em vez de me atacarem.40
Por mais superficial que esse discurso possa ter sido, foi incisivo e irado, e
afixou rótulos nos oposicionistas, aviltando-os como políticos práticos. O
comitê executivo do Comintern preparou-se para a expulsão de Trotsky, o que
ocorreu em 27 de setembro daquele mesmo ano, 1927. Se bem que não
estivesse totalmente isolado, Trotsky continuou travando uma batalha perdida.
Depois do seu exílio da União Soviética e até 1940, ele seria o único a
continuar se arriscando, atacando e acusando Stalin, porém, quanto mais isso
se prolongava e mais encolerizada se tornava a voz solitária de Trotsky, mais
patente ficava que sua luta era menos pela revolução e seus ideais do que por si
mesmo. Até seu último dia de vida, jamais se conformou com o absurdo de ele,
o quase gênio, ter sido posto na chuva e no sereno pelo “velhaco da Ossetia”.
Logo passaria a usar conceitos marxistas para apequenar Stalin, enquanto, de
sua parte, o secretário-geral nunca deixaria de ver Trotsky com o mais
profundo ódio pessoal e como a incorporação do mal, símbolo da degeneração.
Entrementes, os oposicionistas não aprenderam a lição, e a luta prosseguiu.
Na primavera de 1927, enviaram um novo programa ao comitê central,
apoiado por 83 aliados de Trotsky. Depois de diversas reuniões do comitê
central e da CCC, Trotsky e Zinoviev foram expulsos do comitê central em
outubro de 1927, e do partido no mês seguinte, uma iniciativa ratificada pelo
XV Congresso do partido, quando se reuniu em dezembro do mesmo ano.
Entre os 25 membros ativos da oposição expulsos do partido na mesma ocasião
estava Kamenev, embora ele e Zinoviev fossem readmitidos mais tarde e
mesmo chegassem a fazer declarações de arrependimento no XVII Congresso
do partido.
Conquanto seja verdade que a batalha com a oposição teve lugar contra um
pano de fundo internacional de crescente tensão e um quadro interno de
desenvolvimento da industrialização, é também verdade que Stalin provocou a
refrega. Os debates infindáveis desviaram a atenção do partido de suas tarefas
vitalmente importantes, e a condição partidária interna foi discutida repetidas
vezes dentro do Comintern; mas lá também Trotsky e seus aliados não
conseguiram praticamente apoio algum. Sua aura de herói do partido havia se
dissipado. Passou a ser visto pelo partido e pelo movimento operário
internacional como discursador e pretenso líder.
Por mais paradoxal que possa parecer, foi Trotsky e ninguém mais quem
reforçou a posição de Stalin. Ao impingir ao partido um debate sem fim sobre
sua rixa com Stalin, Trotsky, sem querer, reforçou a autoridade do secretário-
geral como novo líder. Foi emblemático o fato de Stalin ter sido o único orador
do XV Congresso a receber estrondosa ovação tanto pelo relatório como pelo
discurso de encerramento. Ele não pode ser acusado de “encenação” ou de
“preparação de enredo” na condução do evento: a maioria dos delegados
simplesmente o viu como lídimo chefe emergente do partido, impressão
fortalecida pelos pouco convincentes discursos da oposição, que perdera o
vigor. Como Trotsky relembrou encolerizado: “A única preocupação de
Zinoviev e seus amigos foi a de render-se enquanto havia tempo. [...]
Esperaram comprar o perdão, até mesmo ser favorecidos de alguma forma, caso
demonstrassem seu afastamento de mim...”41
Ficou claro para todos que a aliança de Trotsky com seus antigos inimigos
surgira só para concentrar forças contra Stalin, enquanto este último, cuja
ambição e fé em seu próprio destino não paravam de crescer, não perdeu a
oportunidade de ouro que se lhe apresentou. Tendo começado a batalha no
plano ideológico, passou a agir então para a destruição política completa de
Trotsky.
Um pleno conjunto do comitê central e da CCC de 23 de outubro de 1927
foi convocado para discutir a agenda do XV Congresso que se aproximava.
Quando o plenário concordou que o congresso deveria debater a oposição de
Trotsky, gritos partiram da plateia e notas foram passadas para a mesa dos
trabalhos reclamando que o comitê central havia escamoteado o Testamento de
Lenin e descumprido sua vontade. Stalin não pôde mais silenciar sobre a
questão. Seu discurso de uma hora de duração foi rancoroso e pleno de
indisfarçável ódio por Trotsky. Mais uma vez, repassou todos os pecados do
líder rejeitado, remontando a 1904. Sabedor de que a arma principal de
Trotsky era o aviso de Lenin a respeito de suas deficiências pessoais, Stalin
contra-atacou na mesma linha:
A oposição pensa que pode “explicar” sua derrota dando como razão a rudeza de Stalin, a teimosia de
Bukharin e Rikov, e assim por diante. Isso é muito fácil. É apenas palavrório, não é explicação. [...] No
período entre 1904 e a Revolução de Fevereiro, Trotsky confraternizou com os mencheviques durante
todo o tempo, e se batia numa luta desesperada contra o partido de Lenin. Naqueles tempos, Trotsky
foi derrotado repetidas vezes pelo partido de Lenin. Por quê? Seria talvez por causa da rudeza de
Stalin? Mas Stalin não era, então, secretário do comitê central; naqueles dias, estava bem longe dos
exílios no exterior, conduzindo a luta na clandestinidade contra o czarismo, enquanto a batalha entre
Trotsky e Lenin era travada no exterior. Portanto, o que a rudeza de Stalin tem a ver com tudo isso?42
Stalin lançou seu ataque sob o estandarte da defesa de Lenin, a quem Trotsky,
naqueles dias, chamara – entre outras coisas – de “Maximilien Lenin”, clara
alusão aos métodos ditatoriais de Robespierre. Desferiu golpe contundente em
Trotsky ao realçar que um dos panfletos iniciais do rival, “Nossas tarefas
políticas”, fora dedicado ao menchevique P.B. Axelrod. Triunfalmente e
acompanhado de brados de aprovação da plateia, Stalin leu a dedicatória: “Ao
meu prezado professor, Pavel Borisovich Axelrod.”
Pois muito bem, faça bom proveito de nosso “prezado professor” Pavel Borisovich Axelrod! Bom
proveito! Agora, venerável Trotsky, é melhor correr, porque Pavel Borisovich está decrépito e pode
morrer a qualquer momento, e talvez você se atrase para o encontro com seu “professor”.43
Ela foi mostrada vezes sem conta, e ninguém está tentando esconder coisa alguma, isso porque o
Testamento de Lenin foi endereçado ao XIII Congresso do partido, foi lido lá, e o congresso, por
unanimidade, concordou em não publicá-lo, porque, aliás, Lenin não solicitou sua publicação, nem
queria isso.45
Como mostrou nossa análise das últimas cartas de Lenin, Stalin estava
distorcendo a verdade histórica. Jamais ficou esclarecido se Lenin endereçou as
cartas ao XII ou ao XIII Congresso. O Testamento foi lido apenas para os
delegados, não para o congresso. E esse congresso não tomou decisão, muito
menos por unanimidade, sobre sua não publicação, e só havia a palavra de
Stalin afirmando que Lenin não desejara aquela publicação.
Durante o evento, sentindo sua crescente força e percebendo que tinha,
praticamente, o total apoio do plenário, Stalin decidiu-se pela batalha no
campo em que era mais vulnerável, e mentiu deslavadamente no decorrer do
processo. Explorou o fato de que, por insistência do Politburo (sobretudo por
sua própria), o Bolshevik de setembro de 1925 publicou uma declaração de
Trotsky referente ao Testamento. Cedendo à pressão de Stalin na ocasião,
Trotsky escrevera:
Desde que ficou doente, Vladimir Ilyich escreveu com frequência propostas, cartas etc. aos órgãos
dirigentes do partido e a seus congressos. Todas essas cartas etc. foram naturalmente sempre entregues
aos destinatários e levadas à atenção dos XII e XIII Congressos, e sempre, é claro, tiveram a influência
adequada sobre as decisões do partido. [...] Vladimir Ilyich não deixou testamento e, pela própria
natureza de suas relações com o partido, bem como pela natureza do partido em si, fica excluída a
possibilidade de um tal testamento, de modo que qualquer conversa sobre ocultação ou não
cumprimento de um testamento não passa de invenção maliciosa e, na verdade, vai contra a intenção
de Vladimir Ilyich.46
Poderia Trotsky ter adivinhado que, ao tentar se dissociar dos rumores que
circulavam no Ocidente, os documentos sigilosos de Lenin tinham alcançado o
Ocidente por suas mãos, ficaria totalmente encurralado num canto? Os sinos,
no final das contas, dobravam por ele. Aos olhos do plenário, o líder da
oposição revelou-se mais uma vez um político intrigante, e Stalin não perdeu a
chance de acabar com ele. Citando o artigo do Bolshevik, Stalin mirou
diretamente no alvo:
Isso foi escrito por Trotsky, por ninguém mais. Que fundamento podem ter agora Trotsky, Zinoviev e
Kamenev para tagarelarem sobre uma tal “ocultação” do Testamento de Lenin por parte do comitê
central e do partido? [...]
Tem-se dito que, em seu Testamento, Lenin sugeriu que, em face da “rudeza” de Stalin, o congresso
deveria considerar sua substituição no cargo de secretário-geral por alguma outra pessoa. Isso é
absolutamente verdadeiro. Sim, camaradas, sou rude em relação àqueles que, traiçoeira e rudemente,
destroem e dividem o partido. Jamais escondi isso, nem vou fazê-lo agora. Talvez se exija uma certa
gentileza para com esses divisionistas. Mas não consigo agir assim. Logo na primeira sessão do comitê
central que se seguiu ao XIII Congresso, solicitei ao pleno dispensa de minhas obrigações de
secretário-geral. O próprio congresso debatera o assunto. Todos os delegados, inclusive Trotsky,
Kamenev e Zinoviev, por unanimidade, forçaram Stalin a continuar no posto. Que deveria eu fazer?
Fugir de meu dever? Não é da minha natureza, jamais fugi de uma tarefa, não tenho direito a fazê-lo,
seria o mesmo que a deserção. Um ano mais tarde, solicitei novamente ao pleno que me dispensasse e,
mais uma vez, fui compelido a permanecer. Que mais poderia ter feito?
É significativo que o Testamento não contém uma só palavra, uma só pista, sobre erros de Stalin. Fala
apenas na rudeza de Stalin. Porém, a rudeza não é, nem pode ser, uma deficiência da linha política de
Stalin ou de suas posições.47
Trotsky faz o possível para garantir, Deus o livre, que as pessoas não comecem a se esquecer dele. Dia e
noite, escreve grandes livros e pequenos artigos, publica boletins de família e variações sobre o mesmo
tema em diversas línguas: a traição de Stalin, sua deslealdade com a revolução chinesa e a carinhosa
afeição de Lenin por Trotsky. Mas a humanidade é ingrata e, com o tempo, lembrará de Trotsky, mas
falará cada vez menos sobre ele.49
O Politburo debateu diversas vezes como lidar com Trotsky, cujos ataques
tinham mudado de forma – já não eram contra o partido, mas antissoviéticos
–, e decidiu afastá-lo de Moscou. Primeiro, ele foi obrigado a mudar-se do
Kremlin. Zinoviev, Kamenev, Radek e outros líderes também se mudaram.
Ioffe cometeu suicídio logo depois da derrota de Trotsky. Zinoviev e Kamenev
resolveram se retratar no congresso vindouro. “Lev Davidovich”, escreveram a
Trotsky, “chegou a hora de termos a coragem da rendição”. Haviam perdido de
forma decisiva o jogo e tentavam pegar um estribo do trem da história. Logo se
chegou à decisão de enviar Trotsky para Alma-Ata, no sul do Cazaquistão, e as
providências para isso, segundo alguns, ficaram a cargo de Bukharin.
Durante a partida, alguns aliados de Trotsky tentaram fazer um protesto
político. Trotsky recusou-se a deixar a casa e entrar no carro, e teve que ser
fisicamente arrastado e igualmente empurrado para dentro do trem, enquanto
seu filho mais velho bradava “Camaradas, vejam como levam Trotsky à força!”
Sua esposa descreveu a cena:
Houve uma tremenda manifestação na estação. O povo esperava, gritando “Vida longa para Trotsky!”,
mas ninguém o via em lugar algum. Onde estaria? Em torno do carro que fora reservado para nós,
juntara-se grande multidão. Jovens amigos colocaram um imenso retrato de L.D. em cima do carro.
As pessoas davam “hurrahs” de júbilo. O trem partiu, primeiro um solavanco, depois outro; moveu-se
lentamente um pouco à frente para logo depois parar subitamente. Os manifestantes se postaram
diante da locomotiva; penduraram-se aos vagões e interromperam o deslocamento, exigindo Trotsky.
Correu um boato pela multidão de que agentes da GPU tinham levado L.D. secretamente para o
interior do trem e impediam que ele aparecesse para os que vieram vê-lo. O nervosismo que tomou
conta da estação foi indescritível. Houve confrontos com a polícia e com agentes da GPU, com baixas
de ambos os lados. Prenderam gente.50
Prezado Senhor
À porta de Constantinopla, tenho a honra de informar-lhe que cheguei à fronteira da Turquia não por
vontade própria, e que só cruzarei esta fronteira submetido à força.
Solicito-lhe, Senhor Presidente, que aceite meus votos de consideração.
L. Trotsky
12 de fevereiro de 192952
Dessa forma, Trotsky lançou-se em dez anos adicionais da mais ferrenha luta
contra Stalin e, por vezes e sem o querer, contra o próprio Estado que ajudara a
criar e defender.
A principal causa de seu drama pessoal repousou no fato de que, em última
análise, ele pôs suas ambições pessoais em primeiro lugar e por elas enfrentou
um oponente inescrupuloso. O desenlace foi acelerado pela colisão pessoal dos
“dois destacados líderes”. Dono de uma mente original e poderosa, e em
função de seu caráter altamente ambicioso, Trotsky aos poucos entrou nas
fileiras dos inimigos irreconciliáveis do socialismo stalinista. Seu ódio pessoal
pelo secretário-geral com frequência venceu a decência elementar, mesmo em
relação aos ideais e valores que tão recentemente proclamara.
Mal chegado à angra de Constantinopla, naquele plúmbeo fevereiro,
Trotsky passou à imprensa ocidental uma compilação de seis de seus ensaios
intitulada Que aconteceu e como. Num dos ensaios, fazia uma afirmativa que
tentara disfarçar apenas seis meses antes, a saber, que a teoria do socialismo em
um só país era uma maquinação reacionária, “o maior e mais criminoso
solapamento do internacionalismo revolucionário”. Era uma teoria, clamou ele,
com base administrativa, não científica.53 Quando Stalin leu essas declarações,
que chegaram na correspondência matinal duas semanas depois, disse, na
presença de um de seus assistentes: “Finalmente, o porco parou de fingir.”
Agora que estava no exterior, Trotsky preocupava-se constantemente em
preservar sua reputação de revolucionário. Continuou publicando coleções de
suas obras, muitas vezes apelando para invenções e interpretações forçadas,
tudo com o objetivo de atingir Stalin o mais dolorosamente possível, e de
apresentar-se ao espelho da história como o homem que Lenin queria como
sucessor, intenção frustrada pela traição de Stalin. Diga-se que Trotsky
enxergara através de Stalin antes dos outros e não se curvara a ele; mas
combatendo Stalin, Trotsky conseguira também insultar toda a nação. No
volume vinte da coleção de seus trabalhos, ele se permitiu alguns comentários
mordazes sobre o povo russo. Na sua opinião, “nenhum funcionário estatal na
Rússia jamais chegou a mais que uma imitação de terceira categoria do Duque
de Alba, de Metternich ou de Bismarck”, e nos campos da ciência, da filosofia e
da sociologia, “a Rússia deu ao mundo precisamente nada”. Só um político que
pensa ser um predestinado a desempenhar apenas papéis relevantes na história
seria capaz de assertivas tão chauvinistas e eslavofóbicas. No exterior, Trotsky
passou a se chamar o único homem para quem o planeta inteiro se tornara
acessível sem um visto. Como antes, tentou representar o papel de “segundo
gênio”:
Trouxeram Lenin para a revolução atravessando a Alemanha num trem lacrado. Contra a minha
vontade, arrastaram-me para Constantinopla no vapor Ilyich. Portanto, não considero meu exílio a
última palavra da história.
Ainda esperava voltar, mas o destino decidiu de forma diferente, e ele deveria
continuar banido para sempre.
Notas
* Na Primeira Guerra Mundial, ala radical do movimento socialista antiguerra, dominado por Lenin.
** Leslie Urqhart, negociante inglês que, em 1923, tentou um acordo sobre uma concessão soviética
importante em termos muito duros, que o Sovnarkom não aceitou.
[16]
A vida particular do líder
Quando Stalin faleceu, teve que ser feito inventário de seus bens, tarefa que se revelou bem simples.
Não havia antiguidades nem objetos de valor de qualquer espécie, afora um piano estatal. A mobília
era barata e o forro das cadeiras de braços estava bastante solto e gasto. Não havia nem mesmo um só
quadro “autêntico”, eram todos reproduções em simples molduras de madeira. Pendurada em posição
central na sala de estar ficava uma fotografia ampliada de Lenin e Stalin tirada em Gorky, em setembro
de 1922, pela irmã de Lenin, Maria.*
Havia dois tapetes no assoalho. Stalin dormia com um cobertor do Exército. Além do uniforme de
marechal, seu vestuário consistia em um par de ternos de confecção barata, um deles de lona, botas de
feltro bordado e um sobretudo de couro de carneiro.
Yakov passou no teste, mas nem todos se deixaram convencer. Por exemplo,
Ivanov, Kobrya, Timofeev, Sheremetov e Novikov (as iniciais não aparecem nos
arquivos), oficiais da academia, assinaram a seguinte avaliação do filho de
Stalin:
Desenvolvimento político satisfatório. Disciplinado, porém não adquiriu conhecimento adequado das
regras militares referentes à atitude perante os oficiais superiores. Não teve instrução prática. Pouco
treinamento em tática de infantaria. Seus trabalhos acadêmicos deixam muito a desejar. Conseguiu
menções “satisfatório” e “bom” nos exames.
Irascível e nervoso por natureza, carece de autocontrole; têm havido incidentes de violência física
contra subordinados. Na vida privada, comportou-se de maneira incompatível com o posto de
comandante de divisão, registrando-se atitudes inconvenientes em festas das equipes de voo, grosseria
em relação a oficiais e mostra de irresponsabilidade quando dirigiu um trator do aeródromo à cidade
de Shiaulyai e entrou em conflito e pugilato com os guardas da NKVD do posto de controle. Não
goza de boa saúde, em especial no sistema nervoso, e é extremamente irritadiço, condição que revelou
recentemente quando participou de muito pouco treinamento de voo. [...] Todas as deficiências acima
diminuem significativamente sua autoridade como comandante e são inconciliáveis com as obrigações
de comandante de divisão.
Khruschev solicitou-me que fosse à prisão de Lefortovo para onde Vasili fora transferido da prisão em
Vladimir. O prisioneiro estava fazendo alguma coisa num torno – “trabalho educacional”, chamavam
eles. Quando o trouxeram à minha presença, ele se ajoelhou e soluçou. “Perdoe-me, perdoe-me, não o
deixarei mal de novo.” Conversei com Khruschev sobre a visita. Ele ficou silencioso, depois me disse:
“Traga-o aqui.”
No dia seguinte, Vasili foi levado à presença de Khruschev. De novo, caiu de joelhos, implorou e
chorou. Khruschev pegou-o nos braços e chorou também, e os dois conversaram por longo tempo
sobre Stalin. Depois disso, ficou decidido que Vasili seria solto imediatamente. A resolução foi
preparada e Vasili foi libertado. A permissão insistia que ele adotasse seu nome oficial de Vasiliev.
Era o nome que o próprio Stalin usara para assinar uma série de ordens durante
a guerra. Shelepin prosseguiu:
A despeito de sua falta de determinação, Vasili recusou-se veementemente a fazer isso. Foi para casa e
disse à filha que pensava em tornar-se gerente de uma piscina. Mas amigos logo o trouxeram aos
velhos dias. Um mês depois de sair da prisão, dirigindo um carro em estado de embriaguez, envolveu-
se num acidente. Xingando-o a não mais poder, Khruschev perguntou: “O que devemos fazer? Se o
prendermos de novo, morrerá, se não o fizermos, morrerá também.”
Foi decidido que Vasili deveria ser afastado. Kazan foi o local escolhido, e assim começou seu “exílio”,
acompanhado da esposa de então. Lá, num apartamento de um só cômodo, ele teve tempo para
revisar sua curta e exaltada vida. Lá também soube da notícia de que, em 31 de outubro de 1961, o
corpo de seu pai fora removido do Mausoléu [de Lenin]. A prisão, a doença, a vodka e a maldade dos
antigos “amigos” haviam-no transformado num completo inválido.
Stalin solicitou a Beria um relatório sobre Kapler e lhe relataram: “Kapler tem
uma irmã na França. Conheceu os correspondentes americanos Shapiro e
Parker. Não admite sua culpa, mas foi desmascarado pelos relatórios da
agência. 16 de março de 1944.”57 Não é difícil adivinhar em qual dos dois
documentos Stalin preferiu acreditar.
Os dois primeiros casamentos de Svetlana fracassaram, como também o
terceiro, quando ela escolheu um estrangeiro. Este terceiro marido faleceu em
Moscou e, na ocasião em que, em 1966, ela levou o corpo para ser enterrado
Í
na Índia, decidiu permanecer no exterior. Lá, também, não foi feliz e regressou
à URSS em 1984. De novo, não conseguiu se ajustar, partindo para o
Ocidente.
Talvez os filhos de Stalin tivessem crescido de maneira diferente se a mãe
não morresse. A evidência indica que nesse caso também Stalin foi a causa
indireta (ou, possivelmente, não tão indireta) de sua morte. Na noite de 8 de
novembro de 1932, ela, aparentemente, matou-se. O motivo de ação assim
trágica provavelmente foi uma discussão, muito pouco notada pelos que
estavam nas proximidades, ocorrida durante uma pequena celebração. Entre os
presentes, estavam Molotov e Voroshilov, com as esposas, e diversas outras
pessoas do círculo íntimo do secretário-geral. Nadezhda, ao que tudo indica,
não suportou outra das rudes invectivas do marido. Foi para o quarto e atirou
em si mesma. Foi encontrada na manhã seguinte quando a governanta,
Karolina Vasilievna Til, foi acordá-la. Uma pistola Walther jazia no assoalho.
Stalin, Molotov e Voroshilov foram chamados. Há suposições de que ela
deixou um bilhete sobre o suicídio, porém, como muitos segredos – grandes e
pequenos – isso permanece na penumbra.
Quando soube do ocorrido, Stalin ficou arrasado. Contudo, mesmo então,
continuou fiel a seu credo amoral: não se sentiu em absoluto responsável pela
morte da esposa, mas viu nela uma traição a si mesmo. Parece que jamais lhe
passou pela cabeça que sua insensibilidade e falta de afeto pudessem feri-la tão
profundamente a ponto de, num momento de maior perturbação mental,
provocar o ato extremo. Ele não compareceu à cerimônia fúnebre e, passado
pouco tempo, os amigos íntimos já tentavam arranjar outro casamento com
uma pessoa de suas relações. Tudo parecia certo, porém, por razões conhecidas
só por Stalin, o matrimônio não aconteceu. No fim da existência, viveu
solitário, confiando suas necessidades pessoais a uma governanta, Valentina
Vasilievna Istomina, que assumiu a responsabilidade de cuidar dele
permanentemente, acompanhando-o até nas férias na Crimeia. Quando Stalin
faleceu, ela jogou-se sobre seu peito na presença do Politburo e deu vazão em
voz alta ao seu pesar. Evidentemente, ele fora mais íntimo dela que de seus
camaradas em armas.
Bem no final da vida, Stalin começou a dar mostras de sinais de respeito
pela memória da esposa. Sua fotografia surgiu na sala de estar e no estúdio da
dacha, bem como no apartamento no Kremlin. É provável que, como muitas
outras pessoas, estivesse tomando consciência de que o fim se aproximava. Ou
seria esta mesma consciência atormentando-o nos anos de declínio?
Não há dúvida de que Nadezhda amou Stalin e de que tentou o melhor de
si para ajudá-lo em seu trabalho. Os familiares dizem que, durante os últimos
anos de vida, ela entrou em grande depressão. Talvez Stalin também a tivesse
amado ao seu modo, todavia, obcecado como era pela causa, por seus planos,
seu trabalho e pelo êxtase do poder, não tivesse lugar em seu coração para
esposa, filhos e parentes. No lugar de sentimentos, tinha fios de aço. Podia
passar semanas sem ver um membro sequer da família, embora quisesse saber
como eles estavam. Teve netos que jamais viu, ou tentou ver. Os filhos de Vasili
com a primeira esposa, Nadezhda e Alexander, por exemplo, passaram por
momentos dolorosos, pois foram ignorados pelo homem a respeito de quem
todos proclamavam “Stalin pensa em nós!”
Quando houve a prisão de Alexander Semenovich Svanidze, irmão da
primeira esposa e com quem o secretário-geral mantivera relações estreitas,
parece que Stalin não se surpreendeu com o fato de um homem que ele
conhecera durante toda a vida, literalmente desde a infância, poder se tornar
um “inimigo”. Todo o edifício de sua moralidade mostrava-se pontilhado de
lacunas. Era impossível encontrar e sensibilizar nele qualquer vestígio de
sentimento humano. Seu segundo filho representou meramente uma carga.
Stalin não encontrou outro meio que não os insultos para interromper a queda
de Vasili. Sua filha tornou-se completamente distante e estranha para ele depois
dos dois casamentos malogrados. Era indiferente aos netos, e quanto à mãe,
raramente dispensou-lhe atenção.
Talvez estas páginas não sejam as mais importantes para o retrato político
de Stalin, mas é significativa sua insensibilidade em relação à moral e à
“moralização”. Para ele, a política tinha sempre prioridade sobre a moralidade.
Porém, no exame da personalidade de figura tão singularmente complexa, é
precisamente aqui que se revela um dos segredos de seu caráter. O desprezo que
devotava aos valores humanos normais ficou evidente desde cedo. Ele
desdenhava da piedade, da simpatia, da comiseração. Só dava valor aos
atributos fortes. Sua mesquinhez espiritual, que evoluiu em excepcional
aspereza e, mais tarde, em crueldade, custou a vida da esposa e arruinou a
existência dos filhos.
Ainda pior, Stalin não teve também lugar para valores morais na política. O
“desmascaramento” de um colega como “inimigo do povo” era, aos seus olhos,
o mais nobre dos comportamentos. Quando, com a permissão de Stalin, Beria
prendeu Bronislava Solomonovna, esposa de seu assistente mais próximo,
Poskrebyshev, os pleitos que o inditoso marido fez ao chefe para que a
libertasse, segundo sua filha, Galina, invariavelmente tiveram a seguinte
resposta: “Não depende de mim. Nada posso fazer. Só quem pode resolver é a
NKVD.” A pobre mulher recebeu a usual e ridícula acusação de espionagem.
Mãe de dois filhos, ficou presa durante três anos e depois foi fuzilada. Ainda
assim, seu marido e pai de seus filhos trabalhava de 12 a 14 horas por dia ao
lado de Stalin, levando-lhe documentos, preparando sindicâncias, convocando
pessoas, transmitindo as ordens do chefe. “E Beria, que ordenara sua prisão”,
disse-me Galina, “ainda nos visitava em casa. Da mesma forma que éramos
visitados por pessoas bem conhecidas como Shaposhnikov, Rokossovsky,
Kuznetsov, Khruschev, Meretskov. Stalin conhecia pessoalmente minha mãe e,
é evidente, sabia que a acusação de espionagem era infundada. O irmão de
mamãe viajara ao exterior para comprar equipamento médico, o que foi a base
para a acusação, e ele também, é claro, foi fuzilado”.
Pode ser que, com a prisão das pessoas próximas e queridas daqueles que
trabalhavam mais cerradamente com ele, Stalin estivesse testando suas lealdade
e devoção. Nenhum deles – Kalinin, Molotov, Kaganovich, Poskrebyshev –
deixou extravasar o mais leve vestígio de que suas vidas familiares tinham sido
despedaçadas. Tal submissão deve ter proporcionado a Stalin grande satisfação,
enquanto os observava absorvidos com suas obrigações. Totalmente despido de
atributos apropriados, a monstruosa amoralidade de Stalin e a crueldade de
suas ações se ajustavam perfeitamente a um filme de terror. Incrível o fato de
Poskrebyshev ter acreditado no “Não depende de mim”. E, por certo, Beria
dizia algo parecido quando o visitava em casa. Aquelas pessoas viviam num
mundo de mentiras, cinismo e crueldade.
De alguma forma, habituamo-nos a pensar que o humanismo e as normas
universais do comportamento decente pertencem à província da moralidade
pequeno-burguesa. Não obstante, a moralidade surgiu bem antes da
conscientização política, legal, ou mesmo religiosa. Ela despontou tão logo as
pessoas começaram a viver em grupos e, sem ela, o homem jamais teria se
transformado em homem. Brecht certa vez observou: “Antes que um homem
possa se sentir homem, alguém tem que chamá-lo.” Stalin foi uma
personalidade forte que só buscou grandeza e poder ilimitado. Contudo, um
“reino do terror”, como escreveu Berdyaev, “não é apenas ação física, com
prisões, torturas, punições – é, sobretudo, ação mental”.58 A prática stalinista
gradualmente deificou a violência sem consideração por sua base moral. Para
Stalin, os parâmetros morais da revolução e a construção de um novo mundo
nada mais eram que moralidade burguesa. Nem tinha ele a menor dúvida sobre
a correção de sua própria moral. Num livro do século XIX do anarquista russo
Bakunin, Stalin sublinhou a frase: “Não perca tempo duvidando de si mesmo,
porque este é o maior desperdício de tempo jamais inventado pelo homem.”
Talvez Bakunin pudesse se permitir tais pensamentos, mas ele não era o
secretário-geral de um grande partido.
Nota
Aqueles camaradas que pensam que podemos nos livrar dos kulaks com meios administrativos,
empregando a GPU, estão errados. Eles acham que basta expedir uma ordem, carimbá-la e pronto.
Pode ser um método fácil, mas está longe de ser eficaz. Os kulaks só podem ser derrotados por meios
econômicos. E com base na legalidade soviética. E legalidade soviética não é uma expressão vazia.5
Para que tenhamos um sucesso expressivo na entrega de grãos, precisamos de uma autêntica revolução.
Tal sucesso seria alcançado com o transporte de bens das cidades para o campo, mesmo ao custo
temporário do esvaziamento dos mercados das cidades (por uns poucos meses), para conseguirmos
tirar os grãos dos camponeses. Se não efetuarmos tal revolução, enfrentaremos dificuldades
extraordinárias que serão sentidas em toda a nossa economia.6
Quem nos diz agora para aplicar uma política de [...] retirada compulsória de dois a quatro milhões de
toneladas de grãos, mesmo que tomemos isso de apenas 10% dos camponeses (isto é, não só dos
kulaks, mas também dos camponeses médios), essa pessoa é um inimigo dos camponeses e dos
operários, um inimigo da união entre camponeses e operários, por mais bem intencionada que seja a
proposta.
Vão olhar as fazendas dos kulaks e verão que seus silos e celeiros estão abarrotados; observem que eles
têm que deixar grãos a céu aberto, cobertos com toldos, porque não há mais espaço interior para eles.
Os kulaks têm em torno de mil toneladas de excedentes em grãos por fazenda. Proponho que:
a. vocês exijam que os kulaks entreguem imediatamente seus excedentes a preços estatais;
b. se eles recusarem a submissão à lei, vocês os enquadrem no Artigo 107 do código criminal da
República Federativa Socialista Soviética Russa e confisquem o cereal para o Estado, 25% a serem
redistribuídos entre os camponeses pobres e os mais pobres dos remediados.
Vocês devem unificar firmemente em fazendas coletivas as menos produtivas propriedades individuais
de camponeses.10
“Diga-me”, [perguntou a Stalin] “as tensões desta guerra foram pessoalmente tão ruins para o senhor
quanto pôr em vigor a política das fazendas coletivas?”
O assunto inflamou de imediato o marechal.
“Oh, não”, disse ele, “a política das fazendas coletivas foi uma luta terrível.” “Imaginei que o senhor
achasse muito ruim”, disse eu, “porque o senhor não estava tratando com alguns milhares de
aristocratas ou grandes proprietários, mas com milhões de pessoas pequenas”.
“Dez milhões”, replicou ele, levantando as mãos. “Foi assustador. Demorou quatro anos. Era
absolutamente necessário para a Rússia, para evitarmos fomes periódicas, para arar a terra com
tratores. Tínhamos que mecanizar nossa agricultura. Quando dávamos tratores aos camponeses, eles
estragavam em poucos meses. Só as fazendas coletivas com oficinas poderiam manter os tratores.
Tivemos muita dificuldade para explicar isso aos camponeses. Não adiantava argumentar com eles.
Depois que se dizia tudo a um camponês ele respondia que tinha que ir para casa consultar a esposa e
consultar o cão pastor.” Esta última era expressão nova para mim com aquela acepção. “Depois das
consultas, sua resposta era sempre que não queria fazenda coletiva e que preferia ficar sem tratores.”
“Estes são os que o senhor chama de kulaks?”
“Sim”, respondeu, mas não repetiu a palavra. Depois de uma pausa: “Tudo foi muito ruim e difícil –
mas necessário.”
“Que aconteceu?”
“Oh, bem”, disse, “muitos deles concordaram em se juntar a nós. Alguns receberam terras próprias
para cultivar na província de Tomsk, ou na província de Irkutsk, ou mais para o norte ainda, mas a
maior parte deles era muito impopular e acabou liquidada por seus trabalhadores.”12
É
mais: “É difícil deter as pessoas quando estão num estouro selvagem na direção
do abismo, e voltá-las a tempo para o caminho certo.”13
Merece menção o fato de que, quando toca em questões sociais, econômicas
e culturais, Stalin emprega terminologia militar, como “reconhecimento”,
“front”, “ofensiva”, “retirada”, “reorganização de forças”, “cerrando a
retaguarda”, “empregando a reserva”, “destruição total do inimigo”. Lenin usara
termos semelhantes quando delineou sua tática para a organização do partido,
mas Stalin falava sobre a “aniquilação dos kulaks como classe”. Sintetizando seu
entendimento da essência e método da transformação da aldeia, disse aos
agricultores marxistas em dezembro de 1929 que, para transformar a pequena
vila de camponeses em cidade socialista, devemos “plantar grandes fazendas
socialistas no campo, tanto estatais quanto coletivas”.14 Na verdade, elas
serviriam de equipes para a liquidação de todo um grupo social dentre os
camponeses, sem necessidade de discussões num pleno do Comitê Central ou
do devido exame de todas as consequências. Dez anos mais tarde, um editorial
do Bolshevik diria o seguinte do discurso “agrário” de Stalin:
O partido bolchevique, sob a liderança do camarada Stalin, ofereceu um surpreendente modelo para
resolver a questão camponesa. [...] A coletivização completa, com base na liquidação dos kulaks como
classe, representou um triunfo do programa de Stalin para a economia no campo. O programa
militante [...] foi exposto pelo camarada Stalin num documento da maior força teórica – seu discurso
para a conferência de agricultores marxistas.15
Só exigimos uma coisa de vocês: que trabalhem com honestidade, dividam a receita da fazenda
coletiva de acordo com o trabalho realizado, cuidem dos tratores e da maquinaria, assegurem-se de
que os cavalos sejam adequadamente tratados, executem suas tarefas de operários e camponeses,
fortaleçam o kolkhoz e livrem-se de qualquer kulak ou seus lacaios que tiverem se infiltrado entre
vocês.18
Camaradas, não vou tratar de assuntos pessoais, muito embora o elemento pessoal desempenhe papel
impressionante nos discursos de alguns do grupo do camarada Bukharin. Não o farei porque o
elemento pessoal é trivial e não vale a pena perder tempo com insignificâncias. Bukharin falou sobre
nossa correspondência pessoal. Leu diversas cartas nas quais fica claro que, ontem, éramos amigos, mas
que agora nos distanciamos politicamente. Acho que todas essas queixas e lamúrias não valem um
tostão furado. Não constituímos um círculo familiar ou uma côterie de amigos do peito, somos o
partido político da classe trabalhadora.20
O que temos que fazer agora é dar estímulo para que a atividade econômica da pequena burguesia se
combine com a crescente riqueza privada para assegurar que nossa economia se torne mais forte. [...]
Quanto maior a capacidade de nossas fábricas, maior será nossa produção e, a partir dela, mais a
cidade guiará a vila; a classe operária ficará em condições de orientar, de forma gentil, conquanto
firme, o camponês para o socialismo.22
O ponto da NEP, que Lenin descreveu como a política econômica correta [...] é que toda uma série de
fatores econômicos que não podiam até agora fertilizar-se mutuamente, trancados que estavam a sete
chaves pelo Comunismo de Guerra, já podem realizar a fertilização e, assim, impulsionar o
crescimento econômico.
A NEP significa menos pressão, mais liberdade nas trocas, porque a liberdade não é mais uma ameaça
para nós. Significa menos reação administrativa e mais luta econômica, maior desenvolvimento nas
trocas econômicas. Significa lutar contra o empreendedor privado, não pisoteando-o ou fechando sua
loja, mas tentando produzir bens nós mesmos e vendê-los mais baratos, melhores e de mais alta
qualidade.23
Alguns loucos podem sugerir que desencadeemos uma Noite de São Bartolomeu contra a burguesia
agrícola, e podem até tentar provar que isso corresponderia à linha de classe e seria perfeitamente
possível. O problema é que se trata de uma enorme estupidez. Não temos a menor necessidade de
fazer isso. Não ganharíamos coisa alguma e perderíamos bastante. Preferimos deixar que o camponês
burguês desenvolva sua economia e tomar dele muito mais do que tomamos do camponês médio.24
Porque não temos Lenin, também não temos autoridade unitária. Só podemos ter, no presente,
autoridade coletiva. Não há ninguém que possa dizer: “Sou indene de faltas e consigo interpretar os
ensinamentos de Lenin com 100% de correção.” Todos tentam, mas quem reivindica os 100% está
concedendo à sua pessoa um papel demasiado grande.25
Stalin achou que o alvo daquelas palavras era ele. Afinal de contas, em todas as
palestras que proferiu sobre as fundações do leninismo na Universidade
Sverdlov falara como intérprete dos ensinamentos de Lenin. E, de qualquer
forma, que história era aquela da não existência de autoridade unitária? O que
dizer da autoridade do secretário-geral? Stalin ficou também inquieto com a
quantidade de seguidores de Bukharin, entre os quais Astrov, Slepkov,
Maretsky, Tseitlin, Zaitsev, Goldenburg e Petrovsky, que começavam a se
destacar na imprensa, nas universidades e no aparato do partido. Slepkov e
Astrov tinham se tornado editores do Bolshevik, Maretsky e Tseitlin
trabalhavam no Pravda, Zaitsev estava na comissão central de controle, a CCC,
e assim por diante. Stalin temeu que a influência política e ideológica de
Bukharin crescesse demais no partido e no país.
Outro motivo residia no caráter arbitrário e obstinado do secretário-geral. A
coletivização – isto é, a revolução real no campo executada pela força vinda de
cima – começara vitoriosamente no conjunto, melhor, pelo menos, do que
Bukharin imaginara. Pelos relatórios recebidos, Stalin se convenceu de que,
exercida a medida apropriada de pressão, as expectativas preliminares poderiam
ser radicalmente aumentadas. De qualquer forma, acreditava que aquela
política resolveria rapidamente a crise dos cereais.
Mas a crise se aprofundou. Stalin disse repetidas vezes ao círculo mais
íntimo: “Sem uma ruptura decisiva no campo, não teremos pão.” Molotov e
Kaganovich concordaram avidamente com ele. Stalin, aos poucos, se
convenceu de que o cronograma para a reestruturação da economia agrária
deveria ser encurtado duas ou três vezes. Então, quando a pressão provocou
uma resistência amortecida, porém alastrada, dos camponeses, em especial dos
kulaks, ele subitamente viu, num lampejo de “gênio”, que a solução estava em
apressar a “liquidação da classe”, por métodos puramente administrativos e
políticos.
As discussões no Politburo sobre esta questão se tornaram mais acaloradas.
Stalin recebeu o apoio de Molotov, Kaganovich e Voroshilov, enquanto
Bukharin tinha Rykov e Tomsky ao seu lado. Os aliados de Bukharin eram
também favoráveis à coletivização e à “ofensiva contra os kulaks”, mas sem
expropriações ou repressão. Acreditavam que, no final, o método econômico de
pressão surtiria efeito. Kalinin, Rudzutak, Mikoyan e Kuibyshev estavam
indecisos. Se entendessem melhor a situação, teriam dado o apoio a Bukharin,
e tudo poderia ter sido bem diferente. Afinal, o próprio Bukharin não era
contra a industrialização nem contra a coletivização: era, sim, contra o emprego
da força no cumprimento dessas tarefas históricas. E como vidas humanas
estavam em jogo, não se tratava de questão trivial. Na opinião de Bukharin,
todas as transformações, no fim, deveriam servir à humanidade e ao socialismo,
e não o caminho inverso. A consciência moral dos membros do Politburo que
decidiam sobre a linha de ação ótima, não necessariamente a mais radical, não
era, infelizmente, tão refinada quanto a de Bukharin. E, assim, perdeu-se outra
oportunidade de agir com consciência. Até mesmo Trotsky, que olhava o
conflito de fora, disse a seus seguidores que “a direita pode derrubar Stalin”,
levando em conta que tinha em suas fileiras os chefes de governo, os sindicatos
e a liderança intelectual. Parecia haver uma chance. Todavia, o equilíbrio
instável não durou muito, embora tivesse parecido por um breve momento que
a linha moderada de Bukharin fosse prevalecer. Àquela altura, Stalin já era um
mestre imbatível na condução dos casos à sua maneira.
Rykov, sucessor de Lenin como presidente do Conselho de Comissários do
Povo, e Tomsky, líder praticamente perpétuo dos sindicatos, não encaravam
Stalin como líder inconteste, porém deram apoio a Bukharin por convicção,
não por motivos pessoais. Stalin não conseguira influenciar sua opinião.
Pyatakov certa vez chamou Rykov e Tomsky de “nepistas convictos” com
alguma razão. O problema foi que a batalha contra Stalin se desenrolou a
portas fechadas e num círculo restrito. Além do mais, o risco que Bukharin e
seus seguidores corriam de ser considerados facciosos não era desprezível. Por
mais que Bukharin estivesse convencido da natureza desastrosa da política de
Stalin, não conseguiu criar uma base mais ampla de apoio entre os que não
aceitavam a repressão, a ditadura ou as medidas “extraordinárias”. Tentou
voltar a ter um diálogo pacífico com Stalin, mas o secretário-geral só aceitava a
rendição completa. O líder em desgraça entrou em agonia: “Algumas vezes fico
pensando à noite: temos o direito de continuar silenciosos? Não é falta de
coragem?”26 Mas não ousou esbravejar. Respeitando e, ao mesmo tempo,
desprezando Stalin, esperou até o dia de sua morte – em vão, como sabemos –
que Stalin recuperasse a racionalidade, a decência e a tolerância.
A relação entre os dois líderes deteriorou-se rapidamente depois que o
famoso artigo de Bukharin “Observações de um economista” saiu no Pravda,
em 30 de setembro de 1928. Persistentemente, Bukharin bateu na tecla da
necessidade e da possibilidade de se fomentar o desenvolvimento da indústria e
da agricultura numa atmosfera livre de crises, e pela mobilização de todos os
meios econômicos disponíveis: “Supercentralizamos tudo.” Passada uma
semana, o Politburo condenou o artigo, e Stalin lançou-se ao ataque decisivo.
Debates prolongados e veementes ocorridos no Politburo não chegaram a um
meio-termo. Muitas das sessões não tiveram atas, anotando-se apenas as
decisões. Estas mostram que Stalin ganhava terreno paulatinamente. Bukharin
ficou em minoria. Rykov cedeu em diversos pontos e Tomsky cambaleou.
Stalin começou a exigir que Bukharin “abandonasse sua linha de raciocínio de
desacelerar a coletivização”. Numa ríspida troca de palavras, Bukharin, irado,
chamou Stalin de “insignificante déspota oriental”. Stalin não respondeu.
Porém, internamente, deveria estar pensando: “Não preciso mais dele.”
A relação já conturbada ficou ainda pior. Porém, mesmo antes desses
acontecimentos, Bukharin, sentindo que a posição dos moderados enfraquecia,
tomara uma atitude que se revelaria desastrosa: de repente, na noite de 11 de
junho de 1928, visitou Kamenev em seu apartamento e tentou estabelecer
ligação com a antiga oposição que ele mesmo ajudara Stalin a destruir. Visitou
Kamenev em outras duas oportunidades. Em todas as ocasiões, ficaram a sós.
O que esses dois camaradas de Lenin conversaram, provavelmente nunca
saberemos com certeza. De acordo com Trotsky, Kamenev anotou que
Bukharin estava furioso e deprimido. Repetia sem cessar, “a revolução está
arruinada”, “Stalin é um intrigante da pior espécie”, e parecia achar que nada
havia a fazer para melhorar as coisas. Os aliados de Trotsky fizeram circular esta
suposta conversa num panfleto clandestino datado de 20 de janeiro de 1929.
Não há como se possa confirmar sua veracidade.
Nesse meio-tempo, Stalin foi seguramente informado daqueles contatos e,
no plenário de abril de 1929, usou-os da maneira mais convincente contra
Bukharin. Tais contatos não foram bons para os moderados e permitiram que
Stalin colasse em Bukharin o rótulo de “faccioso”. Àquela altura, o teórico
decidiu apelar para a opinião pública. No aniversário da morte de Lenin, 24 de
janeiro de 1929, publicou um artigo no Pravda intitulado “Testamento político
de Lenin”, que constituía o relatório a ser feito na sessão comemorativa do
quinto ano do falecimento de Lenin.
O artigo descrevia o plano de Lenin para a construção do socialismo, a
importância da NEP, a necessidade de que as decisões fossem tomadas
democraticamente, e assim por diante. Bukharin escreveu que os artigos de
Lenin recomendavam “a industrialização do país com base na poupança, no
aprimoramento da qualidade do trabalho, juntamente com a organização dos
camponeses em linhas cooperativas, ou seja, com os meios mais simples e mais
fáceis, a fim de atrair os camponeses para a construção socialista, sem recorrer a
qualquer forma de repressão”. Esta fórmula era, em quase todas as suas
palavras, a essência da opinião de Bukharin sobre as questões enfrentadas pelo
partido no momento.
Porém, o ponto principal estava no próprio título do artigo, pois ele
lembrava aos comunistas (os que sabiam e os que se recordavam) que o
Testamento pedira a remoção de Stalin do cargo de secretário-geral para outra
função qualquer. Era o último fio de esperança, em particular porque Bukharin
escreveu que “a consciência não pode ser desprezada na política, como alguns
pensam”.
É preciso realçar que, com toda sua inteligência e por mais profética que
fosse sua visão do porvir, Bukharin tardou muito a entender Stalin. A
destruição do “grupo Bukharin”, iniciada por Stalin, foi completada pelos
plenos de abril e novembro de 1929 do comitê central e da CCC, que
revisaram a questão dos “desvios de direita” no partido. Stalin fez um discurso
de três horas no qual desancou Bukharin por recusar-se a aceitar o meio-termo
oferecido pelo Politburo, em 7 de fevereiro de 1929, meio-termo que seria o
equivalente à rendição total. Isso, de acordo com Stalin, significava que o
partido tinha então “a linha do comitê central e a linha do grupo Bukharin”. A
despeito das relações amistosas que mantiveram antes de janeiro de 1928,
Stalin optou por registrar na ocasião as “fases de diferença” entre eles,
pontilhando sua fala com expressões depreciativas como “asneira”, “lixo”,
“livrinho de Bukharin”, “abordagem não marxista”, “palavrório”, “marxista
impostor”, “boquirroto”, “confusão semianárquica de Bukharin”.
Houvera boas razões para que Bukharin fosse considerado o teórico de proa
do partido desde a morte de Lenin, e agora Stalin decidira retirar a coroa de sua
cabeça: “Como teórico, não é um marxista completo, é um teórico que precisa
estudar um pouco mais se deseja ser teórico marxista.”27 E, aqui, Stalin não
perdeu a oportunidade de citar o que Lenin dissera sobre Bukharin, em
especial na segunda parte de seu pronunciamento, quando afirmou haver “algo
de escolástico nele (jamais estudou dialética e creio que nunca a entendeu
completamente)”. Portanto, era um “teórico sem dialética, um teórico
escolástico”. Stalin passou a enumerar todos os desacordos que Bukharin tivera
com Lenin, caracterizando-os como “tentativas de ensinar ao professor”.
Aquilo, prosseguiu sarcasticamente, era inteiramente compreensível,
considerando-se quão recentemente o “teórico escolástico” tornara-se “pupilo
de Trotsky [...] e ainda ontem procurara alianças com os trotskystas contra os
leninistas, correndo para eles pela porta dos fundos!”28 – referência às visitas de
Bukharin a Kamenev.
Todo o discurso foi nessa linha, distribuindo críticas devastadoras contra
Rykov, Tomsky e contra o alvo principal. Bukharin e Rykov foram destituídos
de seus cargos, embora permanecessem membros do Politburo. O discurso só
foi publicado alguns anos mais tarde na coleção de obras de Stalin, mas como a
resolução do plenário circulou por todas as organizações locais do partido, o
processo de punição dos “direitistas” começou a ocorrer em todas as regiões. O
Pravda e outros jornais passaram a estampar com regularidade matérias com
acusações pesadas contra a “direita”. Com efeito, estava sinalizada a
coletivização forçada, com seus excessos e com o fim violento do antigo modo
de vida dos camponeses. Ninguém mais falava no princípio do voluntariado.
Mesmo então, Bukharin continuava achando que 20% de crescimento
industrial era o máximo que a economia agrícola podia garantir. Stalin tinha
expectativas bem mais altas.
Em novembro de 1929, a linha geral do partido para a agricultura foi
confirmada quando Stalin escreveu que “os camponeses estão agora se juntando
às fazendas coletivas não como grupos individuais, como costumavam fazer,
mas como vilas inteiras, grupos de vilas, distritos e até regiões”.29 Contudo,
Bukharin recusava o “arrependimento” que vinha sendo instado a mostrar e,
em 17 de novembro de 1929, foi removido do Politburo. No entanto, uma
semana mais tarde, atormentados pela dor de consciência da própria
pusilanimidade, Bukharin, Rykov e Tomsky escreveram uma carta breve para o
comitê central na qual condenavam a posição assumida por eles mesmos:
“Consideramos ser nosso dever afirmar que o partido e o comitê central
estavam certos nesta discussão. Nossas opiniões acabaram se revelando
errôneas. Reconhecendo nossos enganos, devemos conduzir uma batalha
decisiva contra todos os afastamentos da linha geral do partido e, acima de
tudo, contra o desvio de direita.”30
Stalin não gostou de não ver na declaração menção específica ao fato de ele
estar certo, mas não tinha importância. Bukharin estava acabado.
É muito pouco provável que, por aquela ocasião, muitas pessoas fossem
capazes de antever o que o futuro reservava para Bukharin, ou mesmo apenas
de prever a derrota, de um modo geral, daquela ala moderada da liderança do
partido. Por outro lado, os críticos e analistas de fora da União Soviética foram
um pouco mais perspicazes. Em abril de 1931, saiu um artigo na edição do
jornal menchevique Sotsialischeskii Vestnik** com os resultados da Nova Política
Econômica, no qual se dizia que Stalin fazia o máximo para “destroçar
qualquer sonho de um retorno à NEP e para acabar com qualquer sonho de
evolução”.
O secretário-geral tentou várias vezes submeter os comunistas de direita, mas, devido a uma série de
razões internas, a punição não foi levada ao extremo, e o fim violento de Rykov, Tomsky e Bukharin
foi adiado. O processo de expeli-los tanto do aparato como do partido ainda não se completou. Os
defensores da NEP, que são sensíveis às necessidades dos camponeses (embora psicologicamente
incapazes de romper com a ideia da ditadura), já foram destituídos de seus cargos, mas ainda não
foram declarados inimigos do povo. A ditadura já os está encarando e logo tratará deles.31
** Fundado em Berlim por Martov em 1920, o Jornal Socialista, órgão da ala menchevique do RSDRP
Rossijskoj Social-Demokraticeskoj Rabocej Partii – Partido dos Trabalhadores Social-democrata Russo –
foi transferido em 1933 para Paris. Depois, de 1940 até 1963, passou a ser publicado em Nova York.
[19]
Ditadura e democracia
N o início dos anos 1930, ficou claro para os que tinham capacidade
de perceber que as palavras de Lenin – “O aparato não nos pertence,
nós pertencemos a ele”32 – tornaram-se realidade. A ditadura da
burocracia, a burocracia coletiva, nascera. E ela, gradualmente, gerou uma elite,
toda uma hierarquia de chefes. O governo por decretos passou a ser o principal
meio de inter-relacionamento social. Tudo era decidido dentro dos gabinetes.
Reuniões, sessões, congressos e plenários meramente “aprovavam” ou “davam
apoio”. O poder do povo nada mais era que uma expressão vazia. As
engrenagens da máquina burocrática não se movimentavam com rapidez, mas
eram inexoráveis. Stalin manejava o principal painel de controle, observando o
produto de sua inspiração através das janelas do Kremlin. A mudança para o
socialismo fora deformada em mudança para o stalinismo.
Stalin jamais entendeu, ou quis entender, a essência da democracia
proletária, o próprio significado de poder do povo. Em seus arquivos, podemos
ver que a democracia para ele nada mais era que liberdade para dar apoio – e
apenas dar apoio – às decisões do partido. E como Stalin acreditava que
personificava o partido, a democracia autêntica consistia em aprovar suas
argumentações, suas deliberações, suas intenções. Nem todos logo se deram
conta de que, ao lidar com Trotsky, Zinoviev, Kamenev e com outros que
pensavam de forma diversa, Stalin não fazia menção às diferenças em relação a
si, e sim ao afastamento do leninismo. A identificação de suas próprias opiniões
e atitudes com as de Lenin foi um dos instrumentos mais inteligentes utilizados
por Stalin. Nem todos tiveram de imediato a percepção de que, graças a essa
estratégia, ninguém parecia ter razão quando discutia com ele. Para que isso
acontecesse, era preciso que, primeiro, Lenin fosse destronado.
Ademais, Stalin também conseguia apresentar seus erros sobre a questão
nacional, sua atitude negativa a respeito da continuação da NEP, sua falsa
concepção de luta de classes, seu entendimento deturpado sobre a essência da
coletivização e seu exagero sobre o papel do aparato como se fossem
interpretações corretas do leninismo. Certa vez, durante o embate que travaram
antes da expulsão de Bukharin do Politburo, Stalin trocou com ele as seguintes
palavras:
Stalin, irado: “Vocês são um bando de não marxistas, uns curandeiros, charlatões. Nenhum de vocês
entendeu Lenin!”
Bukharin: “E você foi o único que entendeu?”
Stalin: “Repito, você não entendeu Lenin. Já se esqueceu das tantas vezes que o atacou por
esquerdismo, oportunismo e desorganização?”
Com quase as mesmas palavras, Stalin iria coagir Bukharin no pleno de abril de
1929 do comitê central e da CCC. A fonte de muita infelicidade futura pode
ser encontrada na usurpação que Stalin procedeu da interpretação de Lenin, e
ninguém se mostrou capaz de revelar a profunda impropriedade do pleito
dogmático do secretário-geral pela exclusividade nesse papel.
No pleno de janeiro de 1933, ao sintetizar os resultados do Primeiro Plano
Quinquenal, Stalin incluiu uma seção especial sobre as tarefas e o efeito da luta
contra “os remanescentes das classes hostis”. A despeito de dizer
“remanescentes”, conclamou uma “luta implacável contra eles”. E nenhuma
palavra quanto à reeducação ou quanto à possibilidade de que “ex-pessoas” e
suas famílias fossem levadas para o novo estilo de vida, o que talvez ajudasse
mais efetivamente a mudança de suas visões e de seus “instintos de classe”. Ao
descrever o cenário social, ele disse:
Os remanescentes das classes moribundas – industriais e seus serventes, negociantes privados e seus
títeres, ex-nobres e ex-párocos, kulaks e seus lacaios, ex-oficiais e ex-soldados Brancos, milícias e
policiais – infiltraram-se em nossas fábricas, nossas instituições e agências, nossas ferrovias e empresas
de transporte fluvial e na maior parte de nossas fazendas estatais e coletivas. Esgueiraram-se e lá estão
escondidos, disfarçados de “operários” e “camponeses”, e alguns chegaram a se infiltrar até mesmo no
partido.
O que trouxeram consigo? É claro que trouxeram o ódio contra o regime soviético, seus sentimentos
de hostilidade feroz às novas formas de economia, modo de vida, cultura. [...] Só lhes resta fazer o jogo
sujo e prejudicar os operários e os agricultores coletivos. E o fazem da maneira que podem, na surdina.
Incendeiam depósitos e quebram máquinas, e alguns deles, inclusive professores, vão tão longe em sua
atividade destruidora que injetam vírus da peste e antrax no gado de nossas fazendas coletivas e
estatais, e forçam o alastramento da meningite em nossos cavalos, e assim por diante.33
Nossa democracia tem que colocar sempre o interesse geral em primeiro lugar. O pessoal quase não
vale nada comparado ao social. Enquanto existirem ociosos, inimigos e ladrões da propriedade
socialista, isso significa que ainda existirão pessoas estranhas ao socialismo, e significa também que
temos que persistir na luta.
“O pessoal quase não vale nada...” e o que pertence a todos não pertence a
ninguém. O senso de propriedade simplesmente se evaporou quando o
igualitarismo foi imposto. Um trabalhador não poderia receber milhares por
uma invenção, mesmo que ela desse lucro de milhões, porque seria “demais”
para uma pessoa. Paulatinamente, surgiu um tipo de trabalhador receoso da
“sobrecarga” de trabalho, que encarava com naturalidade folhas falsas de serviço
e roubos à luz do dia. “Ora, o Estado não vai sentir falta disto”, raciocinaria ele.
“O pessoal quase não vale nada...” E era a “democracia” de Stalin que
sustentava tal tipo de atitude. As pessoas, quase sempre, se motivavam pela
necessidade, pelo medo e por outras alavancas do sistema em cujo vértice se
postava o autocrata.
Stalin não proferia discursos contra a democracia, porque o seu
entendimento de democracia era o de um déspota. Afinal de contas, existiram
imperadores romanos que não tiveram pejo em criar parlamentos obedientes
com os atributos apropriados, tais como eleições, juramentos e representações
formais. A democracia, como expressão do poder socialista do povo, era
aceitável por Stalin, desde que reforçasse sua ditadura pessoal. Numa conversa
com H.G. Wells, o secretário-geral colocou o poder no centro de seu raciocínio
como “uma alavanca da mudança”, alavanca da nova legalidade e da nova
ordem. Nada ele amava mais que o poder, o poder completo, ilimitado,
consagrado pelo “amor” das multidões. E nisso foi bem-sucedido. Nenhum
outro homem no mundo jamais conseguiu um sucesso tão fantástico:
exterminar milhões de seus próprios concidadãos e receber em troca a adulação
cega de todo o país. Não obstante, isso fazia parte do entendimento stalinista
da relação entre ditadura e democracia.
Com o correr do tempo, a noção de “sacrifício”, ou de “custo”, tornou-se
para Stalin um dos atributos essenciais do socialismo. Quando um novo
projeto foi formulado para a Sibéria Setentrional, a “ordem de planejamento”
incluiu um elemento para cobrir as “perdas naturais”. A NKVD chegou a
prever “dotações” para as regiões, reservas especiais de trabalho forçado para os
“locais socialistas”. A partir do fim dos anos 1920, não havia escassez do barato
trabalho escravo. Todas as iniciativas para o emprego de prisioneiros
encontravam apoio em Stalin. Bastava que resmungasse para um assistente, ou
que rabiscasse “de acordo” no documento, para que a proposta de uma agência
referente à utilização de centenas ou milhares de “inimigos”, numa região ou
noutra, ganhasse aprovação oficial.
Dando um salto à frente, seria interessante frisar que, em suas notas para
Stalin, Beria frequentemente afirmava que as tarefas de construção da NKVD
eram tão grandes que os “recursos humanos” se mostravam inadequados.36
Stalin captou a ideia. Em 25 de agosto de 1938, o Presidium do Soviete
Supremo da URSS reuniu-se para debater a libertação antecipada de
prisioneiros de bom comportamento. Stalin objetou:
Não podemos dar um jeito para que essa gente permaneça nos campos de prisioneiros? Se isso não
acontecer, nós os liberamos, eles voltam para casa e retomam a antiga vida. O ambiente no campo de
prisioneiros é diferente, lá é mais difícil o mau comportamento. Afinal, já temos o empréstimo
[estatal] voluntário-compulsório. Então, tenhamos também a permanência voluntária-compulsória.37
Ludwig: De um lado, as pessoas do exterior sabem que a URSS é um país onde, supostamente, tudo é
decidido coletivamente, porém, de outro lado, também sabem que tudo é decidido por um homem
só. Quem decide na verdade?
Stalin: As decisões tomadas por uma só pessoa são sempre, ou quase sempre, decisões unilaterais. Em
qualquer coletividade, há pessoas cujas opiniões têm que ser levadas em conta. Nossos operários jamais
tolerariam o mando de um homem só sob quaisquer circunstâncias.
[Ludwig pergunta como Stalin encara os métodos jesuítas.]
Stalin: Seus principais métodos abarcam a campana, a espionagem, a infiltração na mente das pessoas,
o escárnio – que há de bom nisso?
Ludwig: O senhor esteve constantemente em risco e correndo perigo. Foi perseguido, tomou parte em
batalhas. Alguns de seus amigos mais próximos morreram. O senhor ainda está vivo. O senhor
acredita em destino?
Stalin: Não, não acredito. Isso é apenas bobagem supersticiosa e uma ressaca da mitologia. Outro
poderia estar em meu lugar, e deveria mesmo estar. [...] Não acredito em misticismo.38
Dizer uma coisa e fazer outra passou a ser norma para Stalin: condenar o culto
à liderança enquanto o reforçava, criticar as práticas jesuítas ao mesmo tempo
em que as encorajava na vida soviética, falar sobre liderança coletiva ao passo
que a reduzia ao mando de um só homem. A deificação dos autocratas
normalmente é feita com base na falsidade.
No início da década de 1930, Stalin interrompeu por completo suas raras
visitas às províncias, fábricas e unidades do exército. Por um lado, seu
conhecimento era diminuto sobre a produção e não desejava imiscuir-se com
assuntos terrenos tais como tecnologia, rendimentos, produtividade etc. Por
outro lado, vivia assaltado pela sensação permanente de que se engendrava um
atentado contra sua vida. Afinal de contas, inimigos não faltavam, e Trotsky, ou
qualquer outra das “ex-pessoas”, poderia chegar a extremos. Seus órgãos de
segurança não paravam de alertá-lo. Por exemplo, Ulrikh informou:
Em 16 de dezembro [1935], depois de duas semanas de investigação feita a portas fechadas pelo
collegium militar da Suprema Corte da URSS, foi sentenciado um grupo de espiões e terroristas que
planejava um ato terrorista [terakt] na Praça Vermelha, em 7 de novembro de 1935, sob as ordens de
um cidadão alemão. Foram condenados à pena de morte G.I. Sher, V.G. Freiman, S.M. Pevzner, V.O.
Levinsky...39
Stalin não precisava continuar lendo. “Estão atrás de mim”, pensou. Mas não
conseguiriam, seriam todos desentocados.
Stalin raramente fazia aparições públicas porque, segundo sua natureza
sutil, sabia que quanto menos fosse visto pelo povo, mais fácil seria cultivar a
espécie de imagem que queria projetar. O enigmático, o misterioso e o fechado
guardavam equivalência com o sagrado, o lendário e o sobre-humano.
Portanto, em vez de visitar fábricas, ele estudava cuidadosamente os
documentos, assistia com regularidade aos noticiários do cinema, ouvia
numerosos relatórios e punha-se de pé por longos períodos de tempo,
cogitando diante de mapas.
Ele gostava de olhar mapas e examinar seu vasto país como um soberano.
Isso, mesmo de forma inadequada, dava-lhe uma ideia da maneira com que
milhões de pessoas laboravam para dar vida aos seus decretos. Podia correr com
o dedo sobre a Transiberiana, ou localizar Magnitogorsk, a represa hidrelétrica
do Dnieper, o canal ligando o mar Branco ao Báltico, a bacia produtora de
carvão de Kuznets, e deixava os olhos correrem até as regiões de Kolyma, mas,
para tanto, tinha que dar diversos passos diante do mapa. Depois de um desses
rotineiros exames do território russo, subitamente, telefonou a Voroshilov e
perguntou se o Exército Vermelho estudava geografia. Os militares conheciam
bem a geografia de seu próprio país? Na sua cabeça, o simples olhar num mapa
para a mãe-pátria provocaria orgulho, bem como dedicação à causa e à ideia.
Voroshilov, que não estava preparado para aquela pergunta, deu uma resposta
um tanto desencontrada e prometeu investigar. No dia seguinte, o
departamento de política do Soviete Militar Revolucionário preparou um
memorando que Voroshilov transmitiu a Stalin como se segue:
Em resposta à sua indagação sobre o estudo da geografia no Exército Vermelho, posso informar que a
geografia é obrigatoriamente estudada por todos os integrantes do Exército Vermelho em programas
especiais. Além do estudo de geografia como parte do programa de instrução geral, ela é também
ministrada nos cursos políticos. Atenção especial é dada ao estudo de mapas.
No corrente ano, o departamento político do Revvoensoviet distribuiu 220 mil mapas, 10 mil atlas, 8
mil mapas nas línguas nacionais das repúblicas e 10 mil globos, que foram se juntar ao material já
existente nas unidades.40
Stalin leu satisfeito o relatório e olhou de sua cadeira para o mapa na parede:
enquanto a distância permitiu, pôde distinguir as localidades de Stalingrado,
Stalino, Stalinsk, Stalinabad.
Logo depois da morte de Lenin, cresceu a prática duvidosa de dar o nome
de figuras do Estado e do partido a cidades e regiões, fábricas, institutos
educacionais, teatros, e assim por diante. Tornou-se norma os jornais
publicarem relatórios sobre a consecução das metas do plano trimestral da
Fábrica Stalin de Produtos Químicos, de Moscou, da Tecelagem Voroshilov,
em Tver, das Fábricas de Papel Zinoviev Nº 1 e Nº 2, em Leningrado, da
Fábrica de Vidros Bukharin, em Gus-Khrustalnyi, e outras. No fim dos anos
1920 não havia, praticamente, distrito em que o nome de Stalin não fosse
adotado por um ou outro corpo administrativo, cultural ou de produção.
Deste modo, o povo ficava subliminalmente imbuído da ideia de que Stalin
desempenhava papel excepcional no destino da nação. A glorificação do líder
podia ser ouvida em qualquer relatório ou discurso corriqueiro, e o “líder” local
providenciava para que parcela dessa glória se refletisse sobre ele.
Juramentos de devoção transformaram-se em partes inevitáveis da vida
social ao tempo de Stalin e, sendo de importância tão vital para os que os
proferiam, sobreviveram por décadas após sua morte. O processo fazia mais
que deificar o líder, também insultava toda a população, já que, embora
criadora de tudo o que existia no país, era forçada a se colocar na posição de
agradecida. A impressão que, inevitavelmente, ficava era que, tendo desistido
da crença de Deus no céu, o povo o recriava na terra.
E era de fato um ato de criação. As vozes mais elevadas e mais exaltadas na
glorificação eram as de Molotov, Voroshilov e Kaganovich, e, por mais
paradoxal que pareça, também as de Zinoviev, Kamenev, Bukharin e alguns
outros velhos bolcheviques em desgraça. Os artigos e discursos de Zinoviev,
penitenciando-se por pecados passados e louvando a “perspicácia e a sabedoria
do líder do partido, camarada Stalin”, incomodam um pouco quando lidos.
Nem Bukharin conseguiu evitar algumas observações lisonjeiras. Teriam eles
perdido realmente a fé na causa pela qual lutaram, ou o senso de
autossobrevivência tomara conta de seus sentidos?
Em paralelo com a glorificação na literatura oficial, começou um quase
imperceptível processo de revisão da história e de criação da noção de que
teriam havido dois líderes na Revolução de Outubro, Lenin e o onipresente
Stalin, que estava sempre ao seu lado. No prefácio da coleção em seis volumes
das obras de Lenin, seu editor, Adoratsky, anotou que os escritos de Lenin
deveriam ser lidos em conjunto com os de Stalin, porque o secretário-geral
havia exposto de maneira concentrada as ideias de Lenin no seu livro
Fundamentos do leninismo, e por aí seguiu seu raciocínio.
Em agosto de 1931, antes que o culto à personalidade atingisse o zênite,
foram feitas tentativas para imortalizar Stalin em biografias políticas. Existe
uma carta no arquivo de Stalin escrita por Yaroslavsky, que diz o seguinte:
“Hoje, antes de partir, Sergo [Ordzhonikidze] telefonou-me para dizer que
falara com você sobre um livro chamado Stalin que ele deseja escrever...” As
habituais anotações a lápis na carta registram: “Camarada Yaroslavsky, sou
contra. Acho que ainda não chegou a hora das biografias.”41
Decisão sensata. O campo ainda não fora dobrado de todo, a floresta de
fábricas estava em crescimento, a maioria dos integrantes da velha guarda de
Lenin ainda estava viva e, entre eles, alguns que bem conheciam o que Stalin
fora havia apenas dez anos. Panegíricos começavam a aparecer. O principal era
agir gradualmente, com consistência e sem volta. Era importante comportar-se
publicamente com modéstia e moderação. Acabara de testemunhar os aplausos
que explodiram com renovado vigor quando ocupara uma cadeira na segunda
fila da plataforma, e não na primeira como todos esperavam. A plateia ficou na
ponta dos pés para poder ter rápida visão dele. A hora das biografias chegaria
logo.
No meio-tempo, eram tomadas providências para que cartas e relatórios de
devoção fossem enviados ao líder. Por exemplo, a Comuna Stalin, na vila de
Tsasuchey, no distrito de Olovyannikovsk da Sibéria Oriental, informou de sua
intenção de semear 320 hectares em vez dos propostos 262,5. “Somos
favoráveis à linha geral do partido sob a liderança do comitê central
bolchevique e do melhor dos leninistas, o camarada Stalin! Somos pela
concretização total do Plano de Cinco Anos em quatro anos e pela liquidação
dos kulaks como base para a coletivização completa!”42
Tais cartas passaram a ser adotadas nas reuniões de todas as empresas,
institutos e fazendas estatais e coletivas. Era o início da deformação da mente
pública que, a partir de então, passaria a ser nutrida apenas com o culto a
mitos. A propaganda emprestou ênfase crescente à fé: qualquer coisa que fosse
formulada ou dita por Stalin tornava-se imutável e verdadeira e não necessitava
de provas. Em outras palavras, Stalin era um semideus. No fim, esses mitos,
que se transformaram em base de toda a vida social, foram reduzidos a duas
proposições simples.
Primeira, o líder do partido e da nação é um homem sábio ao grau mais
elevado. A força de seu intelecto é capaz de dar resposta a todas as questões do
passado, de entender o presente e de perscrutar o futuro: “Stalin é o Lenin de
hoje.”
Segunda, o líder do partido e da nação é a personificação total do bem
absoluto e se preocupa com todos. Repudia o mal, a ignorância, a traição, a
crueldade. Ele é aquele homem de bigodes, sorridente, que carrega ao colo uma
menininha agitando a bandeira.
[20]
O Congresso dos Vitoriosos
Um relatório coletivo dos trabalhadores de petróleo de Baku, discutido em 40 reuniões por cerca de
20 mil empregados da indústria petrolífera e suplementado por 53 relatórios locais e 254 cartas de
operários, diz: “Graças ao esforço dos trabalhadores e especialistas, e sob a experimentada liderança do
partido leninista, o Plano Quinquenal para o petróleo foi completado em dois anos e meio.”
Magnitogorsk relatou:
Uma espécie completamente nova de equipe emergiu na seção de construção da oficina de alto-fornos
– uma equipe de escavação totalmente autofinanciada. A mudança para essa escavação autofinanciada
deu excelentes resultados, pois foram batidos recordes mundiais no carregamento de caminhões.
Da Tartária:
Tudo isso pode parecer a fé ingênua e de olhos radiantes em Stalin, por parte
de milhões de pessoas simples que construíram as bases do que temos hoje. No
entanto, não se pode deixar de admirar o indomável entusiasmo, o orgulho
pelas conquistas e a certeza de que o futuro estava em suas mãos. A força sem
paralelo do esforço heroico, o alto nível de espírito cívico e a fé na justiça e
num futuro melhor, mesmo mesclados com o culto à personalidade, derivaram
da gigantesca energia social liberada por Outubro de 1917. Aquela gente,
aqueles criadores, normalmente descritos por Stalin como “as massas”, por
vezes como “as engrenagens”, são parte da história soviética que não deve ser
esquecida.
Ao mesmo tempo, os jornais publicavam matérias que hoje, com o que
sabemos, provocam calafrio. Em meados de julho de 1933, o Pravda disse que
“os camaradas Stalin e Voroshilov chegaram a Leningrado e, na companhia do
camarada Kirov, foram no mesmo dia visitar o canal mar Branco-mar Báltico.
Depois de inspecionarem as obras do canal e as instalações de hidroengenharia,
navegaram pelo mar Branco do porto de Soroka até Murmansk”. Duas
semanas mais tarde, o governo anunciou a abertura do Canal Stalin mar
Branco-mar Báltico e a condecoração dos que se destacaram na construção.
Foram agraciadas oito pessoas com a Ordem de Lenin: G.G. Yagoda, subchefe
da OGPU; L.I. Kogan, chefe do projeto do Canal do mar Branco; M.D.
Berman, chefe do soviete de campos corretivos de trabalhos forçados da
OGPU; N.A. Frenkel, vice-chefe do projeto; Ya.D. Rapoport, vice-chefe do
projeto; S.G. Firin, chefe do campo corretivo de trabalhos forçados dos mares
Branco-Báltico; S.Ya. Zhuk, vice-chefe engenheiro do projeto; e K.A.
Verzhbitsky, vice-chefe da construção.43
Falando mais tarde ao XVII Congresso, Kirov diria: “Construir esse canal,
em tão pouco tempo e naquele local, foi realmente trabalho heroico, e temos
que creditá-lo aos nossos chekistas que supervisionaram a obra e, literalmente,
fizeram milagres.”44 Teria sido mais correto dizer que o milagre foi feito por
centenas de milhares de presos. Não havia falta deles. Depois da
“deskulakização” de mais de um milhão de lares e da política dura contra os
“remanescentes das classes exploradoras”, a OGPU tinha à sua disposição
vastos recursos humanos para construir bem mais que o Canal do mar Branco.
A nominata dos condecorados com a Ordem de Lenin não deixa dúvida de
como e por quem o canal, que recebeu o nome de Stalin, foi construído. A
ideia de usar presos na economia não era nova. Em meados da década de 1920,
Trotsky, em sua proposta de trabalho militarizado, aconselhou que “os
elementos hostis ao Estado deveriam ser mandados em escala maciça para os
locais de construção do Estado proletário”. O conselho de um “líder
destacado”, evidentemente, não passaria despercebido pelo outro.
Não foi tão fácil para Stalin relatar sucessos na agricultura. Honestamente
falando, foram criadas mais de 200 mil fazendas coletivas e 5 mil estatais, mas
tinha que ser admitido que o desenvolvimento da agricultura fora “muitas vezes
mais lento que o da indústria”. Ele também reconheceu que “na realidade, o
período sob avaliação foi menos de crescimento rápido e decolagem que da
criação de condições para crescimento e decolagem no futuro próximo”.45
Tendo desbaratado, em dez anos desde a morte de Lenin, inúmeras
“oposições”, Stalin acabou ficando “sem trabalho”. Chegou a falar sobre isso:
se, no XVI Congresso, ele ainda teve que liquidar discípulos de vários
agrupamentos, no atual não havia a quem derrotar. Embora também naquela
ocasião, “se baixarmos a guarda”, disse em clara contradição, “os resíduos da
ideologia renascerão na mente de alguns membros do partido” e temos que
estar prontos para esmagá-los. Mas Stalin raramente “esmagava” ideologia,
apenas aqueles que esposavam uma ideologia. Tendo proclamado que o país
caminhava para a criação de uma “sociedade socialista sem classes”, ele tirou a
conclusão imediata de que a ausência de classes só seria alcançada “por meio do
fortalecimento dos órgãos da ditadura do proletariado, por intermédio da
expansão da luta de classes”.46
Pode parecer que, acreditando no valor universal dos métodos repressivos e
vendo a ditadura do proletariado, sobretudo, como arma de coação, Stalin
simplesmente não percebeu quão ruinosa essa política poderia ser. Pelo
contrário, no “Congresso dos Vitoriosos”, pleiteou mais um aperto nos
parafusos. Quanto a democracia, ele entendia muito bem que qualquer
acréscimo no poder do povo corresponderia a uma redução em sua autoridade
pessoal. Era autoritário por natureza, um déspota com alguma pitada do
oriental de seu passado distante. Em 1928, Bukharin o chamara de Genghis
Khan.
Como secretário-geral do partido, ele tomou providências para que, entre os
1.225 delegados ao congresso, houvesse uns tantos representantes das várias
facções, “oposições” e “desvios”. Fazia tempo que eles já tinham se arrependido
ou retratado, e buscavam maneiras de se colocar à disposição de Stalin. Nem
todos eram oportunistas ou pessoas sem princípios. Muitos tinham se
arrependido sinceramente de seus erros insignificantes porque não queriam
ficar fora do partido e também apoiavam a linha da construção forçada do
socialismo.
Stalin encorajou Kaganovich com especial desvelo para que garantisse que,
entre os delegados, houvesse alguns cuja retratação fortalecesse ainda mais o
poder do líder. Quando se leem, décadas depois, os discursos desses delegados,
pode-se imaginar a humilhação sentida por tais pessoas enquanto se
penitenciavam, como que em êxtase religioso, simplesmente para gratificar a
vaidade de um homem. Muitos delegados perceberam isso. Kirov foi um dos
que disseram que esses antigos oposicionistas “estão agora tentando [...] pegar o
bonde da celebração geral, procurando dançar a mesma música, apoiar nosso
desenvolvimento generalizado. [...] Bukharin, por exemplo. A mim parece que
tenta entoar a mesma melodia, mas desafina. Nada direi sobre o camarada
Rykov ou sobre o camarada Tomsky”.47
Que disseram no congresso esses antigos membros do Politburo e discípulos
de Lenin?
Bukharin, o ex-favorito e teórico do partido:
Por sua brilhante aplicação da dialética de Marx-Lenin [sic], Stalin estava inteiramente certo quando
destroçou toda uma série de premissas teóricas do desvio de direita, formuladas sobretudo por mim.
[...] É dever de todo membro do partido congregar-se em torno do camarada Stalin como
incorporação pessoal da mente e da vontade do partido, como seu líder, teórico e prático.48
Quero descrever o papel do camarada Stalin nos primeiros anos seguintes à morte de Vladimir Ilyich.
[...] Como, na qualidade de líder e organizador de nossas vitórias, ele se sobressaiu naquela ocasião.
Quero descrever a maneira como o camarada Stalin imediatamente se destacou entre os líderes de
então.49
E este fora o homem que sempre primara pela franqueza, por ser incorruptível
e por ter grande coragem cívica.
Tomsky, líder dos sindicatos:
É meu dever declarar diante do partido que só pelo fato de o camarada Stalin ser o mais coerente e o
mais brilhante dos pupilos de Lenin, só por ser o camarada Stalin o mais perspicaz e o de melhor
visão, e porque ele conduziu firmemente o partido pelo correto caminho leninista, esmagando-nos
com punho forte, já que melhor equipado, teórica e praticamente, para a luta contra a oposição – só
por causa disso foram disparados ataques contra o camarada Stalin.50
Sabemos agora que na luta conduzida pelo camarada Stalin, travada exclusivamente num alto nível de
princípios e num elevado nível estratégico, não houve o mínimo laivo de qualquer coisa pessoal.
Quando fui readmitido no partido, Stalin me disse: “O que prejudicou você, e ainda prejudica aos
olhos do partido, não foram tanto os enganos sobre princípios, mas a falta de franqueza em relação ao
partido que se evidenciou em você com o passar dos anos.”
Esta era em que vivemos e na qual ocorre o presente congresso é uma nova era [...] passará à história,
sem dúvida, como a era de Stalin, da mesma forma que a anterior foi a era de Lenin, e cada um de
nós, especialmente nós, tem a obrigação de resistir com todos os meios e com toda nossa energia à
mais leve oscilação de sua autoridade. [...] Quero declarar desta tribuna que o Kamenev, aquele que
lutou com o partido e sua liderança de 1925 a 1933, é um defunto político, que desejo progredir sem
arrastar a velha pele atrás de mim, se me perdoam a expressão bíblica. Vida longa para nosso, nosso
líder e comandante, o camarada Stalin!52
* Conhecida como La Pasionaria, a líder dos comunistas na Guerra Civil Espanhola refugiou-se na URSS
de 1938 a 1977 e morreu na Espanha em 1989.
** Líder comunista da fracassada revolução soviética húngara. Refugiado na URSS desde 1920, ele tomou
parte na guerra civil, assumiu postos soviéticos e foi figura destacada no Comintern. Foi preso como
trotskysta em 1938 e morreu num campo de prisioneiros em 1939.
*** Depois desse congresso, o secretário-geral não mais se apresentou candidato à reeleição. Aliás, para o
fim de sua vida, os documentos de Estado e do partido já não o listavam como secretário-geral.
[21]
Stalin e Kirov
Você fala em sua “devoção” a mim. Talvez a expressão tenha escapado. Talvez... Mas se não escapuliu,
aconselho-o a descartar o “princípio” da devoção a indivíduos. Este não é o jeito bolchevique. Devote-
se à classe operária, ao partido dela, ao Estado. Isso sim é necessário e é bom. Mas não misture com
devoção a pessoas, que é mania supérflua de intelectuais.56
Belas palavras, mas, pena, não condiziam com sua prática. Antes de tudo, ele
era um grande hipócrita e, como regra, cercava-se de gente que não lhe
trouxesse problemas. Isso se aplicava principalmente aos assistentes, entre os
quais Nazaretyan, Bazhanov, Kanner, Maryin, Dvinsky, Tovstukha e
Poskrebyshev. Stalin era mais ligado a estes dois últimos.
Tovstukha podia adivinhar as intenções de Stalin ao menor sinal. Bem
versado em teoria, era capaz de formular uma ideia e detectar as falhas
intelectuais num documento. Stalin o apreciava particularmente pela devoção
ao trabalho. Existe uma anotação no arquivo de Stalin para Zinoviev, Kamenev
e Bukharin, datada de 1923, especificando que “Tovstukha não deseja tirar
férias. Está registrada uma solicitação minha de férias imediatas para o
camarada Tovstukha que ele não levou para apreciação”.57 Depois disso, Stalin
admoesta Tovstukha por ter falado com Kamenev sobre as férias que não tirou.
No fim de tudo, o infeliz assistente ainda teve que escrever uma carta a Stalin,
com cópia para Kamenev, declarando que “jamais falei ao camarada Kamenev
ou a qualquer outra pessoa que desejava entrar em férias, e que o camarada
Stalin não deixou”.
Quase a título de piada, Kamenev rascunhou: “Confirmo que o camarada
Tovstukha jamais, em qualquer lugar, a qualquer tempo e de nenhuma forma
falou comigo sobre suas férias, mas disse que poderia desenvolver trabalho
maior sobre Lenin se começasse mais cedo seu expediente no comitê central.
Rogo que não me seja imputada a responsabilidade pela morte de
Tovstukha.”58
B. Bazhanov trabalhou para Stalin pouco tempo. Oriundo de família com
histórico intelectual, logo conquistou o respeito do secretário-geral. A tarefa de
Bazhanov era preparar a ata das reuniões do Politburo, mas tinha dificuldade
em esconder suas próprias opiniões. Conseguiu fugir para a Pérsia em 1928 e
de lá para a Inglaterra. Durante algumas décadas, ganhou a vida publicando
comentários sobre o que sabia, mas quando o material escasseou, inventou
bastante.
Durante muitos anos, Stalin manteve em sua equipe Lev Zakharovich
Mekhlis, que chegou, por breve tempo, a ser o chefe dos assistentes. Mekhlis
nasceu em Odessa, de início foi menchevique, entrou para o partido comunista
em 1918 e conheceu Stalin durante a guerra civil. Desempenhou importantes
funções no aparato e no Pravda, foi comissário do povo para Controle do
Estado e chefe da administração política principal do Exército Vermelho. Se
bem que não fosse de todo destituído de capacidade, seu modo de pensar se
assemelhava, decididamente, ao de um policial, e, com regularidade, era um
dos que mantinham Stalin “fielmente informado” sobre os outros líderes do
partido. Não se pode dizer que fosse homem de ideias. Certa vez pediu o
autógrafo de Stalin em Sobre Lenin e leninismo, que acabara de ser publicado.
O secretário-geral escreveu: “Ao meu jovem companheiro de trabalho,
camarada Mekhlis, do Autor. 23.05.24.” Mekhlis jamais abriu o livro: as
páginas ressecadas e amareladas permaneceram intocadas.
A influência de Mekhlis deve ser medida não pelos cargos que ocupou, mas
pela atitude de Stalin em relação a ele. O assistente o acompanhava com
frequência, e os dois passavam juntos longos períodos. Stalin atribuiu-lhe
missões altamente confidenciais. Os arquivos contêm um volume inteiro de
relatórios pessoais de Mekhlis sobre diversos locais. Centenas de comentários,
telegramas e mensagens em código tratam de um único assunto: “o inimigo
está tentando tomar o poder”, “falta de cuidado por todo o lado”, “a
benevolência está matando a causa”, “precisamos de métodos mais rigorosos”.
Talvez Stalin tenha confiado mais em Mekhlis que nos outros. O assistente
sabia farejar “inimigos” em todos os cantos, por mais absurdos que pudessem
parecer. Em julho de 1937, quando o conjunto Bandeira Vermelha de canto e
dança excursionava pelo leste, Mekhlis passou um telegrama em código para
Stalin:
Informo: a situação do conjunto Bandeira Vermelha é difícil. Concluí que um grupo de espiões e
terroristas tenta tomar o controle. Demiti no ato 19 pessoas. Fazendo uma investigação sobre ex-
oficiais, filhos de kulaks, elementos antissoviéticos. Convoquei o chefe da agência especial. Deve o
conjunto continuar se apresentando?59
Boa pergunta, pois metade do conjunto já estava presa. Esse era o homem que
agia à sombra de Stalin, desempenhando papel especial e sinistro.
No entanto, o assistente que desfrutou da maior confiança e,
provavelmente, o colaborador mais próximo de Stalin foi A.N. Poskrebyshev,
que Khruschev chamou no XX Congresso de “fiel escudeiro de Stalin”. Ex-
assistente hospitalar e filho de um sapateiro de Vyatka, trabalhou no aparato do
comitê central por volta de 1922 e, a partir de 1928, passou a ser assistente de
Stalin, encarregado de uma seção especial. Já membro do comitê central e vice
no Soviete Supremo, foi feito major-general por Stalin durante a guerra.
Poskrebyshev era conhecido por sua assiduidade e extraordinária capacidade de
trabalho. Sua filha mais velha, Galina Alexandrovna Yegorova, disse-me que seu
pai trabalhava dezesseis horas por dia. Embora, pouco antes da morte de Stalin,
Beria tivesse conseguido afastar Poskrebyshev do Kremlin, até o fim de sua vida
ele permaneceu devotado servo do patrão. A propósito, sua primeira esposa era
parente distante de Trotsky, fato que, no fim, teve trágica influência.
Sua filha disse-me também que ele se arrependeu amargamente de não ter
feito um diário, mas calculou que uma tal indiscrição iria adicionar risco
desnecessário à sua já insegura existência.
Todas as informações que Stalin recebia, fosse qual fosse o caráter, vinham
de Poskrebyshev, que sabia tanto quanto o mestre o que acontecia no partido e
no país todo. Foi o funcionário perfeito: não raciocinava, não questionava e
estava sempre presente no trabalho. Sua tarefa nos corredores do poder era, no
entanto, bem mais significativa do que indica sua posição oficial, graças à
distinção que Stalin lhe conferia. Conquanto Poskrebyshev não fosse um
homem cruel, as pessoas procuravam agradá-lo, já que muito dependia de
como e quando ele apresentasse o assunto delas.
O antigo comissário do povo para as Ferrovias, I.V. Kovalev, que ao longo
de toda a guerra informava duas a três vezes por dia a Stalin sobre o
movimento de tropas, chamava Poskrebyshev de “castanha dura de quebrar”,
sempre à disposição das convocações de Stalin, a cabeça calva inclinada sobre
um montão de papéis. “Tinha memória de computador, a resposta exata para
qualquer pergunta. Era uma enciclopédia ambulante.”
Havia gente que Stalin classificava como de sua equipe, mas também
outras, como Malenkov, Kaganovich e Voroshilov, que se distinguiam por
concordar sempre com Stalin sobre qualquer assunto.
Voroshilov, por exemplo, tentou em tudo o que fez, por trivial que fosse,
apoiar o líder. Quando o destacado chefe militar I.E. Yakir, preso e condenado
à morte, escreveu a Stalin jurando ser absolutamente inocente dos crimes a ele
imputados, a resposta do secretário-geral foi um lacônico rabisco na pasta: “Ele
é um patife e pessoa venal”, ao que Voroshilov acrescentou: “Definição
totalmente acurada.”60 Yakir, um dos mais talentosos líderes do exército, era
subordinado de Voroshilov, que, pessoalmente, o conhecia muito bem.
Enquanto Molotov, Kaganovich e Voroshilov eram pessoas próximas a
Stalin que faziam quaisquer de suas vontades, outros havia igualmente
próximos que conseguiram preservar um bom nome. Um deles foi Sergei
Mironovich Kirov, bolchevique com histórico leninista totalmente dedicado à
causa, o tipo de homem simples e de respostas prontas. Onde trabalhava, era
apreciado como líder acessível e afável. Quando Stalin o enviou ao Azerbaijão,
seu dossiê do partido registrou: “Estável em todos os aspectos [...] Trabalhador
vigoroso [...] Mais que persistente no cumprimento de suas atribuições.
Equilibrado e com grande tato político [...] Excelente jornalista [...] Orador
magnífico, de primeira classe...”61
O partido na Transcaucásia guardou boas lembranças dele. Em seguida ao
XIV Congresso, em que a “nova oposição” tentou usar a organização partidária
de Leningrado como base de apoio, o comitê central enviou Kirov à segunda
capital para servir como secretário da cidade e dos comitês regionais. Segundo
seu biógrafo Yu. Pompeyev, um dos amigos mais íntimos de Kirov, Sergo
Ordzhonikidze, escreveu o seguinte ao comitê regional:
Caros amigos. A rixa de vocês nos custou muito: ela nos tirou o convívio com o camarada Kirov.
Grande perda para nós, mas que lhes dará a força de que vocês precisam. Tenho certeza de que tudo
será resolvido para vocês dentro de poucos meses. Kirov é um camponês excepcionalmente bom, mas
não conhece ninguém além de vocês. Não tenho dúvidas de que o cercarão com amigável confiança.
Almejo-lhes completo sucesso.
P.S. Favor cuidar bem de Kirych,* pessoal, senão ele ficará perambulando sem teto e sem o que
comer.62
Stalin conhecia Kirov desde outubro de 1917. É difícil saber o que o atraiu
naquele homem de sorriso constante, saudavelmente vigoroso. Normalmente,
passavam juntos as férias, suas famílias se davam, embora, de modo geral,
trabalhassem a considerável distância um do outro. Numa nota para
Ordzhonikidze, escrita em Sochi, Stalin perguntou sobre o estado de saúde de
Kirov, uma raridade de fato, já que Stalin não se interessava pela saúde de
ninguém, só pela própria:
Caro Sergo
Então, o que está Kirov fazendo por aí? Tomando a água medicinal Narzan para a úlcera? Essa
beberagem pode acabar com vocês. Qual foi o impostor que “receitou” isso?
Saudações à Zina
Cumprimentos a todos da Nadya. Do amigo Stalin
Sochi, 30 de junho de 1925.63
Provavelmente, não existia outra figura a quem Stalin dedicasse tanta atenção,
afeição mesmo, como Kirov. Gostava daquela pessoa aberta e descomplicada.
Sempre que Kirov aparecia em algum lugar logo muita gente o rodeava. Ele era
a vida e a alma do partido. Comparado com o inescrutável Molotov, o
carrancudo Kaganovich, ou com o bajulador Voroshilov, Kirov era alguém com
quem era possível manter uma relação autenticamente humana.
Stalin deu exemplares de seus livros com dedicatórias a muito poucas
pessoas. Kirov, no entanto, recebeu um exemplar do Sobre Lenin e o leninismo
com uma mensagem que ninguém poderia supor que o secretário-geral fosse
capaz de expressar: “Para S.M. Kirov, meu amigo e amado irmão, do autor.
23.05.24. Stalin”
Todo ditador tem suas fraquezas. Talvez Stalin gostasse do sorriso de Kirov,
de sua face russa jovial, de sua falta de malícia, sua obsessão pelo trabalho.
Certa vez, num domingo, quando jogavam boliche na dacha de Stalin – o
secretário-geral tinha um ajudante de cozinha chamado Khorvosky como
parceiro, e Kirov jogava com o general Vlasik –, Stalin perguntou ao seu
convidado: “Do que você mais gosta, Sergei?”
Kirov pareceu surpreso, mas respondeu: “Um bolchevique deve gostar mais
do trabalho que de sua esposa!”
“Mas o que mais?”
“Bem, ideias, claro”, disse Kirov falando sério.
Stalin balançou o braço num gesto vago, mas não perguntou mais nada.
Provavelmente, conjeturando como se podia “gostar de uma ideia”. Será
possível que Kirov tivesse dito aquilo só para impressionar? Contudo, Stalin
sabia muito bem que Kirov não era homem de dissimulações. Sabia também
que Kirov, mais do que ninguém, podia exercer influência, até sobre ele. O
caso Ryutin fora um bom exemplo. Em 1918, M.N. Ryutin comandara o
distrito militar de Irkutsk, em 1920, fora secretário distrital do partido em
Irkutsk, e na segunda metade da década de 1920, secretário do comitê
partidário do distrito de Krasnaya Presnya, em Moscou, membro do conselho
editorial do Krasnaya Zvezda (“Estrela Vermelha”) e um dos candidatos a
membro do comitê central. Depois, foi afastado das funções. Em 1932,
disseram a Stalin que Ryutin estava fazendo circular um longo documento
intitulado “A todos os membros [do partido]”, cujo alvo era primordialmente
Stalin, descrito como nada menos que um ditador, com uma arma antileninista
na mão. Stalin não só demandou ao Politburo a expulsão do partido de Ryutin
como também a pena de morte. Foi a primeira vez que tentou decidir o destino
de alguém antes do resultado de um julgamento. O Politburo ficara em
silêncio. Diante dos membros parecia estar uma tentativa de Ryutin de criar
uma “organização contrarrevolucionária”, mas pena de morte... A liderança do
partido ficou confusa. Naquele ponto, Kirov se agigantou: “Não devemos fazer
isso. Ryutin não é um caso sem esperança, simplesmente saiu dos trilhos. [...]
Quem sabe quantas mãos teriam escrito aquela carta. [...] Seremos mal
entendidos...” Por alguma razão, Stalin concordou imediatamente. Ryutin
pegou dez anos e faleceu em 1938. Todavia, Stalin não deixou de notar que
Kirov expressara sua opinião corajosamente, sem mesmo cogitar se deveria
consultá-lo primeiro.
Quando P.P. Postyshev, presidindo o XVII Congresso, anunciou: “Com a
palavra o camarada Kirov”, o salão explodiu numa ovação. Todos se
levantaram, até Stalin. A assembleia aplaudiu aquele outro “favorito do
partido” por longo tempo. Só Stalin tinha sido festejado assim. O discurso de
Kirov foi extremamente vivaz e informativo e, como todos os outros no
congresso, generosamente salpicado de louvores ao secretário-geral. Neste
particular, Kirov até sobrepujou muitos dos tribunos. Lamentavelmente – e
isso deve ser entendido – embora sempre exista a oportunidade para que se
exercite a consciência, por vezes, ou quase sempre, só se pode fazê-lo ferindo as
normas do comportamento comum. E quase sempre no limite de um ato
cívico. Nem Kirov nem ninguém estava preparado para esse ato no congresso
onde, aos olhos dos delegados e com a ajuda deles, o culto à personalidade de
Stalin era uma realidade.
Não obstante, como vimos, na relativa privacidade do voto secreto, as
eleições para os cargos mais elevados do partido deram uma desagradável
surpresa a Stalin. Seu triunfo foi bastante ofuscado, mas ele não deu mostras de
desapontamento; tinha a capacidade de manter uma máscara de equanimidade
nas situações mais críticas, pois aprendera havia muito tempo que isso causava
maior impressão no povo do que o alvoroço, a energia ostensiva e a imponente
pose de “líder”. Tendo feito a leitura de que um significativo número de
delegados não estava satisfeito por ele ter se tornado um líder autocrático,
manteve uma calma exterior. Depois daquele momento, tudo correu segundo o
planejado. No pleno do comitê central que teve lugar depois do congresso,
Kirov foi eleito membro do Politburo e do Orgburo, e secretário do comitê
central, permanecendo como secretário da organização do partido em
Leningrado. Stalin pensava em transferi-lo de Leningrado para Moscou, mas
mudou de ideia.
A partir do XVII Congresso, em janeiro de 1934, a carga de trabalho de
Kirov aumentou. Sua responsabilidade como membro do comitê central era
com a indústria pesada e a madeireira, e, dessa forma, foram muitas as
oportunidades para que fosse a Moscou. Como antes, Stalin telefonava para ele
nas ocasiões de suas meteóricas visitas e os dois se encontravam para debater as
questões do momento. Tudo parecia ter voltado à situação anterior e indicava
que Kirov ainda era “amigo e amado irmão”. Podia ser que a atitude de Stalin
tivesse esfriado, que a relação dos dois assumisse caráter mais oficial, e que o
secretário-geral chegasse a repreender Kirov diversas vezes por algum engano
trivial ou outro, mas nem a documentação disponível nem as pessoas que
entrevistei, e que bem conheciam os dois, confirmaram tal versão. Por outro
lado, Stalin era mestre em disfarçar seus sentimentos e intenções.
A notícia de que Kirov fora assassinado no Instituto Smolny de Leningrado,
em 1º de dezembro de 1934, causou grande surpresa. Em 3 de dezembro, o
relatório de uma investigação preliminar apontou Leonid Vasilyevich Nikolaev,
nascido em 1904 e ex-empregado da Inspetoria de Operários e Camponeses de
Leningrado, como o assassino.64
Eram decorridos apenas dois dias desde que Kirov e outros delegados de
Leningrado tinham retornado do pleno, onde fora feito o anúncio importante
e bem-vindo de que o racionamento de pão e de outros alimentos ia terminar.
Na viagem de trem, foi animadamente debatida a medida de há muito
esperada. Toda a população ficaria aliviada com a notícia! Houve troca de
opiniões também sobre a peça Dias dos Turbins, de Bulgakov, a que tinham
assistido, e debates sobre o próximo encontro do grupo partidário de
Leningrado, marcado para 1º de dezembro. De um modo geral, Kirov chegou
em casa entusiasmado e pronto para retomar o trabalho.
No dia da reunião com o grupo do partido, Kirov terminou seu relatório e
se dirigiu ao Smolny. Passou pelo corredor, trocando comentários e
cumprimentos com diversas pessoas, virou à esquerda e entrou numa estreita
passagem que levava ao seu escritório. Um homem de aparência comum
caminhou na sua direção. Quando Kirov chegou à porta do escritório, dois
tiros foram ouvidos. As pessoas acorreram e o encontraram estirado no chão de
bruços; o assassino tremia histericamente ainda com a arma na mão.
Duas horas mais tarde, Stalin, Molotov, Voroshilov, Yezhov, Yagoda,
Zhdanov, Agranov, Zakovsky e alguns outros estavam a caminho de
Leningrado em trem especial. Ao chegarem na estação, Stalin ofendeu com
palavras de baixo calão o pessoal da NKVD local que fora recebê-lo e chegou a
dar uma bofetada em Medved, o chefe da agência. Medved e seu assistente,
Zaporozhets, foram em seguida transferidos para o Extremo Oriente e, em
1937, executados. De acordo com alguns relatos, o próprio Stalin conduziu o
primeiro interrogatório de Nikolaev na presença daqueles que o tinham
acompanhado de Moscou. De imediato, ficou claro que havia muitos aspectos
misteriosos no crime. Khruschev aludiu a isso no XX Congresso, quando
descreveu as circunstâncias da morte de Kirov como enigmáticas e que ainda
precisavam ser adequadamente examinadas. Disse haver motivo para pensar
que o assassino, Nikolaev, tivera ajuda de um dos seguranças de Kirov. Um mês
e meio antes do assassinato, Nikolaev fora preso por comportamento suspeito,
mas logo libertado sem mesmo ter seu apartamento revistado. Também foi
altamente suspeito, continuou Khruschev, o fato de, em 2 de dezembro, um
chekista, guarda-costas de Kirov, ter morrido num acidente de carro quando
era conduzido para interrogatório, acidente em que nenhum dos outros
passageiros sofreu qualquer ferimento. Depois do assassinato, os chefes da
NKVD de Leningrado foram sentenciados a penas leves e, depois, fuzilados em
1937. Khruschev conjeturou que os chefes foram mortos para encobrir
qualquer pista que pudesse levar aos verdadeiros cabeças do atentado. Borisov,
o chekista que morreu no acidente, era o chefe dos seguranças de Kirov e,
segundo algumas fontes, alertara Kirov sobre a possibilidade de uma tentativa
de assassinato. Fosse como fosse, o homem que prendera Nikolaev duas vezes
por seguir Kirov portando uma arma, e que depois foi solto por ordem de
alguma autoridade, não mais existia.
Os arquivos que pesquisei não fornecem outras indicações para que se possa
ser conclusivo a respeito do caso Kirov. O que fica patente, no entanto, é que o
assassinato não foi executado por ordens de Trotsky, Zinoviev ou Kamenev,
como foi logo a seguir publicado na versão oficial. Pelo que sabemos de Stalin,
por certo houve um toque seu no evento. A remoção de duas ou três camadas
de testemunhas indiretas leva sua marca registrada.
O julgamento de Nikolaev foi extremamente rápido. Apenas 27 dias após a
ocorrência, foi publicada a sentença oficial, descrevendo Nikolaev como
membro ativo de uma organização trotskysta-zinovievista clandestina. A
declaração foi assinada pelo vice-procurador da URSS, A.Ya. Vyshinsky, e pelo
investigador especial L. P. Sheinin. Como era de se esperar, todos os envolvidos
no atentado, inclusive Nikolaev, foram fuzilados.
Mas, por que “como era de se esperar”? Porque no próprio dia do
assassinato, por iniciativa de Stalin (e sem ser discutido pelo Politburo), foi
editado um decreto governamental introduzindo certas emendas no Código
Penal. Stalin estava com tanta pressa que não houve “tempo suficiente” até para
que o decreto fosse assinado por Kalinin, presidente do Comitê Executivo
Central – ou seja, o chefe de governo. O documento, incorporando o credo do
mando arbitrário, foi assinado pelo secretário do comitê executivo A.S.
Yenukidze e estabeleceu que:
Os comunistas não idealizam em absoluto o emprego da coação. Mas não podem ser apanhados de
surpresa, não podem contar que o mundo antigo deixe a cena por vontade própria, podem sim vê-lo a
defender-se pela força e, portanto, os comunistas dizem aos operários: “Preparem-se para responder à
força com a força...” Que bem faz um chefe militar que distrai o aprestamento de seu exército, um
chefe militar que não entende que o inimigo não se renderá e, pois, tem que ser liquidado?67
Ao camarada Orakhelashvili,
Recebi sua carta.
1. O comitê central não pretende (e não tem razão para isso) levantar essa questão de seu trabalho no
IMEL [o Instituto Marx-Engels-Lenin]. Você ficou superexaltado e decidiu levantá-la. Pura perda de
tempo. Fique no Instituto e continue fazendo seu trabalho.
2. Uma carta ao Pravda poderia ser publicada, mas não acho satisfatório o texto de sua carta. Em seu
lugar, eu retiraria dela toda a sua “beleza polêmica” e todas as “excursões” à história, e mais os
“protestos decisivos”, e diria simples e brevemente que tais e tais enganos foram cometidos, mas que as
críticas do camarada Beria a tais enganos foram, digamos assim, demasiado duras e não se justificam
pela natureza dos enganos. Ou alguma coisa nesta linha. 08 VIII 35 I. Stalin68
Todos os povos da União Soviética veem Stalin como seu amigo, seu pai e líder.
Stalin, em sua simplicidade, é o amigo do povo.
Stalin, em seu amor pelo povo, é o pai do povo.
Stalin, em sua sabedoria como líder da luta dos povos, é o líder dos povos.10
Num capítulo intitulado “O líder dos povos”, o menestrel de Stalin,
Yaroslavsky (nome real, Gubelman), escreveu: “Começando nos anos 1890, o
camarada Stalin percorreu o mesmo caminho de Lenin, sempre junto a Lenin e
jamais se desviando daquela rota.”11
Ao lado dos elogios, o autor, talvez inadvertidamente, deixou escapar
algumas verdades. Por exemplo, em diversas passagens Yaroslavsky realça “a
inclemência de Stalin com os inimigos”.
Ao ler aquelas efusões, Stalin sentiu cada vez mais que ainda tinha algo a
percorrer antes de chegar ao pináculo de sua ascensão. Nenhum czar foi alvo de
tantos louvores. No fim, ele passou a crer em seu papel terrestre messiânico,
como todo-poderoso infalível que tudo via. Quanto mais seu triunfo como
líder era celebrado com cerimônias, mais profundas se tornavam as raízes da
tragédia nacional no solo social.
Deve-se frisar que esses rituais de culto, além do suporte que davam a Stalin
como governante absoluto, também desempenhavam uma função
estabilizadora e unificadora, ainda que baseada no dogma. Na ausência da
democracia socialista, a instilação da fé no líder e de sua infalibilidade e
sabedoria cedo produziu resultados. A despeito da horrível repressão dos anos
1930, do totalitarismo estatal e da ditadura, os alicerces da sociedade soviética
permaneceram firmes.
[23]
O intelecto de Stalin
1. Os livros devem ser organizados por assunto, não por autor: a) filosofia; b) psicologia; c) sociologia;
d) economia política; e) finanças; f ) indústria; g) agricultura; h) cooperativas; i) história russa; j)
história de outros países; k) diplomacia; l) comércio exterior e interno; m) assuntos militares; n)
questões nacionais; o) congressos e conferências do partido, do Comintern e outros (com resoluções,
sem decretos e sem códigos jurídicos); p) posição dos operários; q) posição dos camponeses; r)
Komsomol (tudo o que existe em edições separadas); s) história da revolução em outros países; t)
1905; u) Revolução de Fevereiro de 1917; v) Revolução de Outubro de 1917; w) Lenin e leninismo;
x) história do RKP e do Comintern; y) sobre discussões no RKP (artigos e panfletos); z) sindicatos; aa)
literatura criativa; ab) crítica artística; ac) periódicos políticos; ad) periódicos científicos; ae) diversos
dicionários; af ) memórias.
2. Livros a destacar da lista acima e arrumar em estantes separadas: a) Lenin; b) Marx; c) Engels; d)
Kautsky; e) Plekhanov; f ) Trotsky; g) Bukharin; h) Zinoviev; i) Kamenev; j) Lafargue; k)
Luxemburgo; l) Radek.
3. Todos os demais livros devem ser classificados por autor (exceto quaisquer livros didáticos, revistas
populares, literatura antirreligiosa de baixa qualidade, e assim por diante, que devem ser colocados
num lado).12
Levando-se em conta que isso foi rabiscado quase sem reflexão, e também em
função da “cultura de livro” daquela época, uma certa amplitude de visão fica
aqui claramente demonstrada. No topo da pirâmide, ele pôs os fundamentos
do marxismo, a história e diversas áreas específicas do conhecimento
diretamente relacionadas com a atividade política e com a luta contra as
oposições.
A execução de ideias por meio de ação e de comportamento dá certa
medida de um intelecto. A biblioteca de Stalin e as marcas que deixou nela,
portanto, oferecem algum material a respeito.
Muitos dos livros do Kremlin, da dacha ou do apartamento, alguns dos
quais com o ex-líbris “Biblioteca nº... I.V. Stalin”, apresentam anotações,
marcas e comentários à margem. Obras coligidas de Lenin, por exemplo, está
repleto de trechos sublinhados, tiques e pontos de exclamação nas margens.
Fica também claro que certas passagens foram examinadas mais de uma vez, já
que marcadas em vermelho, azul e lápis comum. Os tópicos que parecem ter
despertado maior interesse são as opiniões de Lenin sobre ditadura do
proletariado, sua luta com os mencheviques e os socialistas revolucionários, e
seus discursos nos congressos do partido.
Dos escritos de contemporâneos seus, Stalin consultou com mais frequência
os de Bukharin e os de Trotsky. Por exemplo, o panfleto de Bukharin “A
técnica e a economia do moderno capitalismo”, publicado em 1932, está
coberto de marcas do lápis vermelho de Stalin, em especial o que o autor diz
sobre forças da produção e relações na produção. O livro de M. Smolensky,
Trotsky, publicado em 1921 em Berlim, está sublinhado nos trechos em que o
autor critica seu arqui-inimigo: “Trotsky é irritadiço e impaciente”, tem “uma
natureza imperial que adora dominar”, “gosta do poder político”, “Trotsky é
um genial aventureiro político”.13 De todas as fontes disponíveis, Stalin buscava
munição contra seus rivais, tais como: o panfleto de Trotsky “Terrorismo e
comunismo”, de 1920; “A guerra e a crise do socialismo”, de Zinoviev; “N.G.
Chernyshevsky”, de Kamenev; “Principais estágios do desenvolvimento do
Partido Comunista na Rússia”, de A. Bubnov; “Sobre a história da luta do
bolchevismo contra o luxemburguismo”, de I. Narvsky; “Sobre a estabilização
do capitalismo”, de Jan Sten, e outros. Tudo que se relacionava com “luta”
parecia despertar sua atenção.
Ele teve a vida toda um interesse por literatura histórica, sobretudo
biografias de imperadores e czares. Fez um estudo cuidadoso do Curso de
história russa, de I. Bellyarminov, de História do Império Romano, de R. Vipper,
de Ivan, o Terrível, de Alexei Tolstoy e de uma miscelânea intitulada Os
Romanovs. Todos os livros didáticos de faculdades e universidades por ele
colecionados nos anos 1930 e 1940 ostentam marcas de minucioso exame.14
Evidentemente, viu na história russa, como interpretada por ele, um meio para
formar a espécie de opinião pública que aceitaria seu mando autoritário.
Os assistentes assinalavam tudo que achavam pudesse interessá-lo nos
periódicos sérios e, na pausa de trinta a quarenta minutos que diariamente fazia
na condução dos negócios oficiais, ele passava os olhos pelos artigos e folheava
os últimos romances publicados. Ocasionalmente, acionava a campainha para
chamar um assistente e pedia ligação com um escritor ou com o chefe de um
dos sindicatos de criação, de modo a poder dar pessoalmente congratulações ou
fazer comentários. Por vezes, pegava a caneta para fazê-lo. Depois de ler Nas
estepes da Ucrânia, de Korneichuk (1940), por exemplo, logo escreveu o
seguinte bilhete:
1 - “a taxa seria então cobrada não em função do número de cabeças de gado, mas sim da área do trato
de terra do kolkhoz...”
2 - “crie quanto gado quiser no kolkhoz, a taxa permanecerá a mesma...”15
Bukharin destruiu a si mesmo quando alegou que a literatura marxista não tolerava a palavra
“tributo”. Ele se irritou e se surpreendeu com o fato de o comitê central e o marxismo em geral
permitirem-se o uso da palavra “tributo”. Mas, qual o motivo de tanta surpresa, se se pode mostrar
que, há muito tempo, foram conferidos direitos civis a esta palavra nos artigos de um marxista,
ninguém menos que o camarada Lenin? [Pausa] A não ser que Bukharin ache que Lenin não preenche
os requisitos de marxista?
Pensaria você talvez que o camponês médio está mais próximo do partido que a classe operária? Então
você é um marxista falsificado. Se é possível falar em “tributo” em relação à classe operária – a classe
operária que o nosso partido representa –, então por que não se pode dizer o mesmo a respeito do
camponês médio que, no fim das contas, é nosso aliado?20
A questão original, sobre o uso da palavra “tributo”, foi assim enterrada sob
uma típica troca de opiniões sobre “ortodoxia”.
Os infindáveis debates dos anos 1920 sem dúvida afiaram o intelecto de
Stalin como polemista. Na verdade, ele em geral recorria a um truque que
encurralava o oponente: apresentava-se como defensor de Lenin,
argumentando como se só ele soubesse como interpretar o líder corretamente.
Em quase todos os debates, encontrava de imediato uma citação ou expressão
adequadas de Lenin, quase sempre de um contexto inteiramente diverso. Há
muito entendera que, armando-se com citações de Lenin, tornar-se-ia
praticamente invulnerável. Certa vez, quando debatia questões do Comintern,
Zinoviev, cujas relações com Stalin já estavam abaladas, provocou: “Você usa
citações de Lenin como um certificado de sua própria infalibilidade. Devia
procurar os significados!” Stalin disparou de volta: “E o que há de mal em ter
um ‘certificado’ de socialismo?”
No fim, o pensamento rígido, a agressividade, a militância e a rudeza
permitiram que Stalin levasse vantagem sobre seus oponentes. É estranho, mas
quanto mais sutis e frequentemente mais convincentes eram os argumentos de
Trotsky, Zinoviev, Kamenev e Bukharin, menos apoio encontravam entre os
delegados no salão, enquanto as invectivas abusivas, cruéis e quase sempre
primitivas de Stalin, estreitamente ligadas ao seu pleito de estar “defendendo
Lenin”, a linha geral do partido, a unidade do comitê central, e assim por
diante, eram rapidamente absorvidas pelos membros partidários. Possuidor de
uma mente pragmática, ele não se preocupava muito, ao contrário de Trotsky,
com o estilo elegante; ao contrário de Zinoviev, com os aforismos retóricos; ou
de Kamenev, com a racionalidade intelectual; ou de Bukharin, com a
argumentação teórica. A principal arma de Stalin era acusá-los de querer uma
revisão de Lenin, enquanto ele resguardava o líder. E, a partir do início dos
anos 1930, esta passou a ser a versão oficial.
O modo de pensar de Stalin era esquemático. Como vimos, ele gostava de
ter tudo no devido “escaninho” e era levado a reduzir as ideias à sua forma mais
simples e a popularizá-las quase ao ponto de pastiches primitivos. Se os
oponentes divulgavam suas proposições de forma diferente, ele os ofendia pela
“abordagem não marxista”, pela “demonstração de tendências pequeno-
burguesas” ou pelo “escolasticismo anárquico”. Seus relatórios e discursos eram
sempre estruturados dentro de uma moldura rigorosa de enumerações,
particularidades, características, níveis, direções, tarefas. Esta foi uma das razões
pelas quais seus trabalhos eram populares, uma vez que, acessíveis pela
simplicidade, podiam ser captados pelo povo. Todavia, ao mesmo tempo em
que tal modo de pensar talvez pudesse ter facilitado a popularização das ideias
de Stalin, ele algemou severamente a capacidade criativa do povo, pois não
demandava análise profunda ou entendimento da complexidade e
interdependência do mundo.
É provável que Stalin não tenha pensado, como Nero, que o estudo da
filosofia “era um estorvo para o futuro governante”, contudo, parece que ele foi
intelectualmente incapaz de conseguir o menor domínio sobre o assunto. O
ponto mais fraco de seu intelecto era a impossibilidade de entender a dialética.
Ele tinha consciência disso, já que devotou muito tempo e esforço na tentativa
de enriquecer seu conhecimento filosófico. Por recomendação dos diretores do
Instituto dos Professores Vermelhos, convidou, em 1925, Jan Sten, filósofo de
renome entre os Velhos Bolcheviques, para ministrar-lhe aulas particulares
sobre dialética. Sten, que era subdiretor do Instituto Marx-Engels e foi, mais
tarde, executivo do aparato do comitê central, fora delegado em diversos
congressos do partido, era membro da CCC, e homem de opinião
independente. Nomeado tutor filosófico de Stalin, Sten planejou um programa
especial que incluía o estudo de Hegel, Kant, Feuerbach, Fichte e Schelling,
bem como de Plekhanov, Kautsky e Bradley. Duas vezes por semana, numa
hora determinada, ia ao apartamento de Stalin e tentava elucidar seu pupilo
nos conceitos hegelianos da substanciação, da alienação, da identidade entre
realidade e razão. Tentava, em outras palavras, passar-lhe um entendimento do
mundo real como manifestação de uma ideia. A abstração irritava Stalin, mas
ele se controlava, sentava-se e ouvia a voz monótona de Sten, perdendo por
vezes a paciência e o interrompendo com perguntas tais como “O que tudo isto
tem a ver com a luta de classes?” ou “Quem emprega toda essa bobagem na
prática?”
Lembrando a seu aluno que a filosofia de Hegel, como a de outros
pensadores germânicos, se tornara uma das fontes do marxismo, Sten
prosseguia imperturbável. “A filosofia de Hegel”, afirmava ele, “é, com efeito,
uma enciclopédia de idealismo. O método dialético é desenvolvido em seu
sistema metafísico com alto grau de genialidade. Marx disse que Hegel pusera a
dialética de cabeça para baixo, e que era hora de pô-la em pé, para que fosse
vista racionalmente.” Visivelmente agastado, Stalin interrompia: “Mas o que
tudo isso tem a ver com a teoria do marxismo?”
Sten, pacientemente, tentava resumir e explicar a sutileza da filosofia de
Hegel ao seu pupilo pouco perceptivo, porém, apesar de seus melhores
esforços, Stalin não se mostrava capaz de captar as noções básicas daquela
filosofia, como testemunharam seus próprios “trabalhos filosóficos”. Parece que
tudo o que restou daquelas lições foi a hostilidade ao professor. Juntamente
com N. Karev, I.K. Luppol e com outros filósofos que eram discípulos do
acadêmico A.M. Deborin, Sten foi declarado um teórico “adulador de Trotsky”
e, em 1937, acabou preso e executado. A mesma sorte parecia destinada a
Deborin, que fora muito ligado a Bukharin no final dos anos 1920 e que, em
1930, foi rotulado por Stalin como “idealista militante menchevique”. No
entanto, ele foi poupado, se bem que proibido de desenvolver qualquer
trabalho científico ou público.
Um encontro da Academia Comunista teve lugar em outubro de 1930 para
debater “as diferenças no front filosófico”. Na realidade, foi uma longa
condenação de Deborin por sua “subestimação do estágio leninista no
desenvolvimento da filosofia marxista”. Deborin apresentou uma valente
defesa, mas Milyutin, Mitin, Melonov e Yaroslavsky “firmaram” sua culpa,
juntamente com as de Sten, Karev e Luppol, por “subestimação da dialética
materialista”. As paixões no mundo acadêmico continuaram a fervilhar depois
daquele encontro. Os acadêmicos não podiam aceitar o emprego de métodos
policiais em seu trabalho. A filosofia foi, provavelmente, a primeira vítima da
“pesquisa científica” stalinista. O secretário-geral deixou bem claro que só
deveria haver um líder nas ciências sociais e que este era o papel do líder
político, quer dizer, dele mesmo.
Dois meses mais tarde, em dezembro de 1930, ele falou sobre “o front
filosófico” no birô do partido do Instituto de Professores Vermelhos, cujo
diretor era Abram Deborin. O discurso é exemplo eloquente de seu
pensamento filosófico, do nível de sua racionalidade e, simplesmente, de sua
falta de tato. De acordo com a ata da reunião, ele disse:
Temos que virar de pernas para o ar e revolver o monte de estrume que se acumulou na filosofia e nas
ciências sociais. Tudo o que foi escrito pelo grupo de Deborin precisa ser destruído. Sten e Karev
podem ir às favas. Sten jacta-se bastante, mas é apenas um pupilo de Karev. Sten é um rematado
preguiçoso. Só o que sabe fazer é falar. Karev tem uma cabeça enorme e pavoneia-se por aí como uma
bexiga inflada. Na minha opinião, Deborin é caso perdido, mas deve permanecer como editor do
periódico**** para que tenhamos alguém para derrotar. O conselho editorial ficará com dois fronts,
mas teremos a maioria.
Camarada Shneer,
O perigo da restauração do capitalismo existe. O desvio de direita subestima a força do capitalismo. E
a esquerda nega a possibilidade da construção do socialismo em nosso país. Eles propõem executar seu
fantasioso plano de industrialização ao custo de uma divisão com os camponeses.
No Politburo não há desvios, nem de direita nem de esquerda.
Com saudações camaradas.
I. Stalin22
Jamais conheci outra pessoa com tamanha memória. Ele conhecia pelo nome todos os comandantes
do exército e do front, dos quais havia mais de uma centena, e sabia até o nome de alguns
comandantes de corpos e de divisões. [...] Durante toda a guerra, Stalin guardou na cabeça a
composição das reservas estratégicas e podia citar qualquer formação a qualquer hora.25
Era 1931. A catedral de Cristo, o Salvador, ainda estava de pé no centro de uma grande praça às
margens do rio Moscou. Com uma cúpula dourada, enorme e desajeitada, parecendo um bolo ou um
samovar, dominava as casas e as pessoas em torno com sua arquitetura oficial, fria e sem vida, um
reflexo da autocracia russa sem talento e dos construtores “muito bem-postos” que tinham criado
aquele templo para os mercadores e os latifundiários. A revolução proletária está levantando
corajosamente sua mão contra esse incômodo edifício que simboliza o poder e o gosto dos lordes da
velha Moscou.
* O nome da peça é O suicida, a pessoa que se mata. Stalin chamou de Suicídio, o ato em si.
** Departamento de Cultura e Propaganda.
*** Jornais publicados em Berlim, Paris, Nova York, Praga e Harbin por grupos de emigrados que iam da
extrema direita aos conservadores, liberais e socialistas.
**** Pod znamenem marksizma (“Sob a bandeira do marxismo”).
***** Campanha publicitária enganosa, com base no desempenho quebrador de recordes de um mineiro
chamado Stakhanov, usada para aumentar a produção pela criação de condições artificiais de trabalho.
[24]
Cesarismo
A adoração e o culto ilimitado com que a população cerca Stalin é a primeira coisa que causa
admiração no visitante estrangeiro à União Soviética. Em todos os cantos, em cada intercessão de ruas,
em lugares adequados e inadequados, podem-se ver gigantescos bustos e estátuas de Stalin. Os
discursos ouvidos, não apenas os políticos, mas até sobre assuntos científicos e artísticos, são
preparados como glorificação a Stalin e, por vezes, tal deificação toma formas de mau gosto.30
Essa ingênua explanação agradou tanto a Stalin que ele fez com que o livro
fosse traduzido para o russo com velocidade espantosa e publicado com uma
enorme tiragem. O livro foi talvez o único jamais publicado na União Soviética
sob o mando de Stalin que reconhece a existência do culto ao líder e oferece
alguma explicação para ele. Stalin personificava tanto os ideais socialistas
quanto a realidade e, portanto, de acordo com o autor, o povo devia ao líder
sua gratidão.
O culto à liderança era humilhante para o povo, até mesmo insultuoso. Era
o cesarismo no século XX, a usurpação do poder por uma pessoa mantidos os
símbolos formais da democracia. Como tal prática surgiu e em que ambiente
prosperou?
Ao identificar as fontes do culto à liderança é possível entender-se o porquê
de Stalin ter sido tão popular, a despeito de sua crueldade e de seu desprezo
pelas normas humanas elementares. Como vimos, o principal esteio do culto
foi a falta de princípios democráticos no partido e no Estado. Um povo que
vivera séculos à sombra da coroa czarista não podia em poucos anos livrar-se de
velhos hábitos. O czar, a dinastia e a pompa czarista foram destruídos, mas o
antigo modo de pensar, com tendência à idolatria de uma poderosa figura
soberana, persistira.
Nikolai Berdyaev escreveu em 1918 em O destino da Rússia:
A Rússia é, culturalmente, um país atrasado. Há trevas bárbaras lá, um primarismo asiático sombrio e
caótico. O atraso russo tem que ser sobrepujado pela atividade criativa e pelo desenvolvimento
cultural. A Rússia mais original será a vindoura, a nova Rússia, e não a velha Rússia atrasada.33
Foi este atraso que veio à tona em muitos dos processos sociais desencadeados
depois da revolução, quando a democracia não estava em evidência. Mesmo
enquanto Lenin viveu, houve muita glorificação aos líderes, demasiado
reconhecimento de seus “méritos especiais”. O sistema em si não contemplava
restrições ou mecanismos críticos do tipo que só seria genuinamente
encontrado no pluralismo revolucionário. Se os socialistas revolucionários de
esquerda tivessem permanecido em cena, seria difícil imaginá-los juntando-se
ao coro de louvação de Stalin.
O primeiro a notar o perigo de se transformar um líder em conceito
ideológico foi Trotsky que, em 1927, escreveu suas reminiscências de Lenin sob
o título “Da santimônia”:
O falecido Lenin, parece, renasceu: talvez esteja resolvido o caso da ressurreição de Cristo. Mas o
perigo começa com a burocratização da estima e a automação de atitudes em relação a Lenin e seus
ensinamentos. N.K. Krupskaya disse, recentemente, boas e simples palavras, contra os dois perigos.
Ela disse que não deveriam existir tantos monumentos em homenagem a Lenin nem deveriam ser
fundadas instituições desnecessárias e inúteis com seu nome.34
Gerações eram formadas com a crença fundamental de que tudo que seu
grande líder fazia estava certo, e muito poucos tinham quaisquer dúvidas.
Hoje, quando quase todos os inimigos políticos de Stalin foram reabilitados, a
história do partido naqueles anos aparece sob uma luz bastante diferente.
Ocorrera uma luta pela liderança e pela escolha dos meios para a construção de
uma vida nova. Algumas pessoas fizeram opções erradas, muitas tinham
opiniões que divergiam das adotadas pelo partido, mas poucas eram, como
Stalin as descrevia, inimigas. Ainda assim, o tênue vestígio de suspeita contra
elas desenvolveu-se em pesadas acusações e resultou num fim trágico.
Stalin frequentemente tratava dos assuntos sem dar uma decisão escrita.
Devo ter examinado alguns milhares de itens de correspondência endereçada
pessoalmente a ele sobre as questões mais diversas: relatórios sobre o progresso
da safra, deportação de povos inteiros, notificação de sentenças executadas,
remoção de membros dos altos escalões, construção de fábricas para o exército,
cabogramas decodificados de fontes de inteligência, traduções de artigos da
imprensa ocidental, cartas pessoais para ele e todas as espécies de esquemas,
invenções e ideias loucas. Estimo que li entre cem e duzentos documentos por
dia, que iam de uma simples folha a pastas completas. Na maioria dos casos,
ele simplesmente apunha suas iniciais no papel. Antes de levar o material para a
apreciação do chefe, Poskrebyshev anexava um pequeno pedaço de papel com
uma proposta de decisão e o nome de seu autor. Stalin raramente dava
despachos longos. Se concordava com um plano, só rubricava a folha de papel,
ou escrevia “De acordo”, e a devolvia ao assistente para a pilha de despachos.
Ocasionalmente, Stalin dava a entender ao partido e ao povo que era contra
a glorificação e a idolatria. Tais atitudes, no entanto, eram apenas jogo para a
plateia. Existe, por exemplo, a seguinte carta nos arquivos:
Camarada Mekhlis,
Existe uma recomendação para que se publique a instrutiva história anexa sobre um kolkhoz. Cancelei
tudo o que se referia a “Stalin” como o “vozhd do partido”, “o líder do partido” e coisas semelhantes.
Creio que esses ornamentos laudatórios só causam males.
A carta deve ser publicada sem tais epítetos.
Com saudações comunistas. I. Stalin39
Não menos zeloso que Molotov foi Lazar Moiseyevich Kaganovich, outro
sobrevivente até a grande idade dourada. Em novembro de 1988, comemorou
seu nonagésimo quinto aniversário no seu apartamento na Orla Frunze, à
beira-rio em Moscou e, provavelmente, esperou sobrepujar Molotov vivendo
até os cem anos.* S.I. Senin, que trabalhou para N.A. Voznesensky depois da
guerra, disse-me sobre Kaganovich:
Ele era o chefe da comissão das indústrias de guerra certa ocasião em que tive que lhe entregar alguns
documentos. Eu calçava um novo par de botas. Kaganovich pegou os papéis e começou a olhar
fixamente para minhas botas.
“Tire-as”, ordenou.
“Por quê?”, gaguejei confuso.
“Tire-as, e rápido!” Não estava disposto a dar explicação.
Kaganovich pegou as botas, virou-as para um lado e para outro, depois passou a mão pelos canos.
Finalmente, jogou-as no chão e disse num tom satisfeito: “Você tem, de fato, um bom par de botas.
Vi logo, fui sapateiro.”
Ele teria se saído melhor se continuasse sapateiro, mas fez uma opção em 1911,
quando acompanhou o irmão mais velho para se filiar ao partido comunista.
Conheceu Stalin em Moscou, em 1918, quando trabalhava na comissão de
Toda a Rússia para a organização do Exército Vermelho. Foi enviado ao
Turquestão em 1920, mas, quando Stalin se tornou secretário-geral, foi
chamado de volta a Moscou e encarregado da seção do Comitê Central
responsável pela instrução dos organizadores. Com um grau mínimo de
educação formal, porém de elevada capacidade administrativa, Kaganovich
começou sua rápida ascensão através das fileiras do partido e dos serviços.
Stalin gostava de Kaganovich por três motivos: sua capacidade sobre-
humana de trabalho; sua total falta de qualquer opinião – antes mesmo de
conhecer o assunto em pauta, ele dizia: “Estou de absoluto acordo com o
camarada Stalin” – sobre questões políticas; e sua incondicional disposição para
executar instruções, especialmente as do secretário-geral. Em determinada
ocasião, depois do XVIII Congresso do partido e antes da reunião do
Politburo, Stalin perguntou-lhe:
“Lazar, você sabia que nosso Mikhail** anda de conchavos com os
direitistas? As evidências são fortes”, acrescentou Stalin com o olhar de quem
está testando.
“Ele deve ser tratado de acordo com a lei”, conseguiu dizer Lazar com a voz
trêmula. Depois da sessão, ele telefonou ao irmão e falou-lhe sobre a conversa.
O processo foi acelerado. Mikhail decidiu não esperar pela prisão e suicidou-se
no mesmo dia.
Stalin dava valor a tais pessoas, aquelas que julgavam ter que persistir
provando sua lealdade a ele, e não com trivialidades ou bajulação servil.
Kaganovich deu uma demonstração de tal lealdade no pleno agonizantemente
longo de fevereiro-março de 1937. A máquina de punição ainda não estava
totalmente pronta, acabara de ser estabelecida e era ajustada com o
trituramento de membros do partido, da intelligentsia, da classe operária, dos
camponeses, dos militares; ainda assim, Kaganovich já estava superando a si
próprio. Num discurso de duas horas, o comissário para as Ferrovias informou
sobre os primeiros resultados do “teste”:
Não é difícil imaginar o que Kaganovich quis dizer com “demitimos espiões e
saqueadores” das ferrovias. Stalin deve ter ficado satisfeito com a “análise” de
seu comissário quando ele, ardorosamente, continuou a expor aos delegados:
Estamos lidando aqui com uma gangue de desesperados agentes de informações. Seus métodos em
relação às ferrovias são particularmente sofisticados. Serebryakov, Arnoldov e Lifshits exploraram o
baixo nível de segurança do acesso, organizaram descarrilamentos e estorvaram os esforços do
movimento stakhanovista. Dano especial foi causado por Kudrevatykh, Vasiliev, Bratin, Neishtadt,
Morshchikhin, Bekker, Kronts e Breis que atrasaram a entrada em serviço da locomotiva FD. O
edifício da linha Moscou-Donbass foi sabotado. Pyatov sabotou a construção da linha TurkSib;
Mrachkovsky sabotou a linha Karaganda-Petropavlovsk; Barsky e Eidelman sabotaram a linha Eikhe-
Sokur.47
O patife do Yeshmanov foi o chefe da linha Moscou-Donetsk a partir de 1934. Depois que este cargo
lhe foi retirado e ele não conseguiu qualquer outra função, dirigiu-se diretamente ao camarada Yezhov
na NKVD para uma permissão de residência. Falou com Arnoldov sobre as reprimendas, houve muita
conversa, mas ninguém o quis. Ele agora está sob o cuidado e o controle do camarada Yezhov.49
Kaganovich reuniu um grupo de gerentes e abriu o seminário. Logo pediu para que eu tomasse a
palavra. Ressaltei o fato de o proletariado, em função de sua posição e de sua capacidade para agir
apenas espontaneamente, só ser capaz de desenvolver consciência sindical. Kaganovich dirigiu-me um
olhar feroz e então explodiu: “Que bobagem! E daí que eles tenham consciência sindical? O
proletariado pode desenvolver qualquer coisa! Consciência proletária!”
Olhamos uns para os outros. Por mais que eu tentasse explicar, citando Lenin, a necessidade de se
incutir a teoria científica na cabeça do proletariado, ele não conseguiu absorver a ideia. Olhando-me
com suspeita, logo deu o encontro por encerrado e nunca mais empreendeu tarefa tão espinhosa.
Kaganovich firmou sua autoridade por meio das viagens para “eliminação de
dificuldades” que fez por ordem de Stalin. Estas visitas, por exemplo, às
organizações partidárias em Chelyabinsk, Ivanovo, Yaroslavl e a outros centros
provinciais, resultaram na remoção por atacado e na investigação de
funcionários locais que normalmente acabaram em tragédia. Stalin estava
muito satisfeito com o trabalho do seu “Lazar de Ferro”, como o chamava.
Kaganovich agia totalmente por iniciativa própria, guiado tão somente pelas
instruções de Stalin para “investigar bem um local e ser decisivo. Não amoleça”.
Os documentos mostram que, mesmo antes do processo completo, Kaganovich
fixava pessoalmente as sentenças, ou alterava arbitrariamente as palavras de um
testemunho para revelar uma trama contra ele, como comissário.
Tornou-se chefe da seção do Comitê Central responsável pela nomeação
para cargos importantes. Stalin logo percebeu seu zelo, sua dureza e seu
comprometimento com a função. Aos 33 anos de idade, em 1926, foi feito
candidato a membro do Politburo. Em 1925, por recomendação de Stalin, fora
enviado à Ucrânia para chefiar a organização partidária da república, onde se
instalara uma situação difícil. Suas relações com o chefe do soviete ucraniano
de comissários do povo, V.Ya. Chubar, se deterioraram, o que, na ocasião
oportuna, teria consequências fatais para este último. Os conflitos de
Kaganovich com os outros líderes ucranianos do partido continuaram e, em
1928, ele retornou a Moscou para se tornar primeiro-secretário da cidade e dos
comitês provinciais do partido. No XVI Congresso do partido, em 1930, foi
nomeado membro titular do Politburo.
Sua influência foi particularmente grande na primeira metade da década de
1930. Como comissário do povo das Ferrovias, visitava constantemente as
províncias onde a coletivização não caminhava bem, e logo depois de suas
aparições, as coisas começavam a andar rapidamente. Stalin não mostrava a
menor preocupação com os métodos utilizados pelo “Lazar de Ferro”. Cruel e
extremamente grosseiro por natureza, Kaganovich foi o tipo de homem clássico
do sistema, o burocrata que se imiscuía em qualquer função sem a menor
cerimônia. Sua visita ao Cáucaso Setentrional resultou num aumento dos
camponeses “deskulakizados” enviados ao norte. Em Moscou, ele removia
sumariamente quem quer que não cumprisse uma ordem; impulsionado pela
ignorância, proibia a encenação de peças teatrais; como chefe da comissão do
Comitê Central para o expurgo no partido foi impiedoso. Sob o pretexto da
reconstrução de Moscou, Kaganovich foi um dos responsáveis pela destruição
de muitos monumentos históricos, tais como a Catedral de Cristo Salvador, a
Torre Sukharev, o Mosteiro da Paixão, os Portais Iversk. Numa só palavra, ele
foi um “sucesso” completo, e para demonstrar seu reconhecimento àquele
decidido camarada, Stalin fez dele um dos primeiros condecorados da Ordem
de Lenin, quando ela foi criada, em 1930.
Outro dos camaradas próximos de Stalin nos anos 1930 foi Kliment
Yefremovich Voroshilov. Ele se juntou bem cedo ao movimento revolucionário
e, em 1906, foi um dos delegados ao IV Congresso do partido, onde conheceu
Lenin, Stalin e outras figuras de destaque. Depois de anos de prisões e períodos
de exílio, estava em Petrogrado para a Revolução de Fevereiro. Lutou em vários
fronts na guerra civil e foi notado na batalha por Tsaritsyn, quando se
estabeleceu sua amizade com Stalin. Sua reputação como herói da guerra civil
deveu-se em grande parte ao patronato de Stalin. Para falar a verdade, ele
combateu com grande coragem, mas sem muita reflexão. Falando no VIII
Congresso, Lenin declarou: “O camarada Voroshilov diz: ‘Não tínhamos
especialistas militares e sofremos 60 mil baixas.’ Isto é terrível. As massas
tomarão conhecimento do heroísmo do exército de Tsaritsyn, mas dizer que
manobramos sem especialistas militares não é nada defensável para a linha do
partido.”50
Durante a guerra civil, Voroshilov serviu no 1º Corpo de Cavalaria,
combatendo no front norte, no Cáucaso, na Crimeia, contra as forças
anarquistas de Makhno e tomando parte na repressão ao levante de Kronstadt,
em março de 1921, quando os soldados e marinheiros da Esquadra do Báltico
se rebelaram contra o governo bolchevique, que eles mesmos ajudaram a
conquistar o poder. Por tudo isso, foi duas vezes condecorado com a Ordem da
Bandeira Vermelha. Membro permanente do comitê central logo após o X
Congresso de 1921, tornou-se membro do Politburo depois do XIV
Congresso. Com a morte de Frunze, foi nomeado comissário do povo do
Exército e para Questões Navais. Seu sucesso nesta esfera pode ser em parte
explicado pelo fato de que, durante seu tempo de comissariado, bem como nas
academias militares e em diversos círculos, existiram muitos teóricos militares
intelectualmente criativos, tanto os que subiram com a revolução quanto os
que foram oficiais do antigo exército. Entre eles, estavam B.M. Shaposhnikov,
que escreveu Os cérebros do exército, M.N. Tukhachevsky, autor de Questões de
estratégia moderna, K.B. Kalinovsky, K.I. Velichko, A.I. Verkhovsky, A.M.
Zaionchkovsky, V.F. Novitsky, A.A. Svechin, R.P. Eideman, I.E. Yakir, e muitos
outros.
Já pelo fim dos anos 1920, existiam biografias, livros e artigos sobre
Voroshilov. Havia um distintivo de peito chamado “Fuzileiro Voroshilov” e o
carro de combate pesado KV recebeu tal designação em sua homenagem (seu
substituto, o IS, homenageou Stalin). A glória de Voroshilov foi, de fato, de
âmbito nacional, mas Stalin pouco se preocupava com isso porque, nos anos
1930, ele era saudado como “o homem que executa a vontade do líder”, ou
como um “marechal Vermelho sob a orientação do camarada Stalin”, ou ainda
“comissário de Stalin”. O secretário-geral o conhecia melhor do que ninguém;
sabia de seu verdadeiro valor. A ideia generalizada é que os dois eram autênticos
amigos, mas na amizade genuína não pode haver devedores, e Voroshilov
sempre se julgou em débito com Stalin por sua glória, status, cargos,
recompensas e a posição ocupada.
Na década de 1930, Voroshilov foi um executor completamente irrefletido,
sem opinião própria. Não tinha a capacidade sobre-humana de trabalho de
Kaganovich, nem o intelecto e a astúcia de Molotov, tampouco a cautela e a
ponderação de Mikoyan, e era inferior a muitos outros membros do Politburo
em diversos aspectos. Mas Stalin o valorizava pela aura de lenda que se formara
em torno do “líder do Exército Vermelho”. Stalin estava seguro de que, no
momento crucial, o comissário lhe daria apoio sem pestanejar. E não estava
errado. Quando Stalin desencadeou seu expurgo, Voroshilov postou-se,
inabalável, ao seu lado, enquanto as chamas consumiam três marechais da
União Soviética e centenas, até milhares, de oficiais do Exército Vermelho. No
seu discurso para o pleno de fevereiro-março de 1937, Voroshilov citou pelo
nome muitos “inimigos do povo” que haviam se infiltrado no Exército
Vermelho e demonstrou isso mencionando saqueadores trotskystas que não
estavam entre os altos escalões. Leu a seguinte carta que recebeu em agosto de
1936 de um tal major Kuzmichev:
Camaradas
De posse de todas as evidências para reverter a acusação a mim imputada pelos fascistas Dybenko e
Levandovsky para minha vergonha, fiquei tão confuso na reunião do Politburo de 18.iv.38, que
esqueci de revelar a prova de minha inocência e de minha lealdade ao partido de Lenin e de Stalin. O
comandante do exército Dybenko disse algo inacreditável a respeito dele mesmo. Deve ter
enlouquecido depois das manobras, porque, de outra forma, não consigo entendê-lo, já que isso foi
em 1934! De acordo com Dybenko, ele me “recrutou”, mas diz que a tarefa era de recrutar os oficiais.
Todos os meus irmãos são comunistas, quatro deles oficiais do Exército Vermelho. Meu filho de 17
anos é membro do Komsomol. Minha mãe, minhas irmãs e seus 12 filhos vivem no kolkhoz
“Caminho da Liberdade”, na região de Orel. Meu tio foi enforcado em 1905 por ter tomado parte em
um motim naval, meu pai foi assassinado por kulaks. Eu mesmo fui operário em Moscou. Combati na
China durante a guerra. Fui ferido. Recebi a Ordem de Lenin, três condecorações da Ordem da
Bandeira Vermelha e a Ordem da Bandeira Vermelha do Trabalho.
Rogo-lhes que terminem logo com meus sofrimentos e tormentos.
Para sempre ao dispor, Mikhail Yefremov53
Como milhares de outras, esta carta não teve resposta. Na realidade, Yefremov,
assim como Bukshtynovich e Krasovsky, tiveram sorte e sobreviveram, mas não
graças a Voroshilov. Nem ele nem ninguém tinha interesse em interromper o
trabalho do moedor de carne. No despacho de sindicâncias, ele sancionava
laconicamente prisões, punições e execuções. Cito abaixo os textos de alguns
telegramas, dos quais existem, literalmente, milhares entre 1937 e 1938:
Entre abril e maio de 1937, Voroshilov enviou a Stalin uma nota atrás da outra
do seguinte tipo: “Solicito que as seguintes pessoas, que foram dispensadas do
Exército Vermelho, sejam exoneradas do Conselho de Guerra do Comissariado
de Defesa da URSS: M.N. Tukhachevsky, R.P. Eideman, R.V. Longva, N.A.
Yefimov, E.F. Appog.”55 Ele então riscou a palavra “exoneradas” e a substituiu
por “expelidas”, muito embora soubesse muito bem para onde seriam
“expelidas”. Nos dias seguintes, ele mandou para Stalin notas semelhantes, mas
com outros nomes: Gorbachev, Kazansky, Kork, Kutyakov, Feldman, Lapin,
Yakir, Uborevich, Germanovich, Sangursky, Oshley e muitos outros. Parece
que não dava a mínima para o fato de o soviete de guerra do Comissariado de
Defesa ser constituído quase que totalmente de “espiões”, “fascistas” e
“trotskystas-bukharinistas”. O importante era não contrariar, e sim fortalecer, a
linha do camarada Stalin. Como estava mais em evidência para a opinião
pública do que os outros, Voroshilov foi o membro da troika menos ofuscado
por Stalin. Não obstante, isso não teve o menor efeito sobre sua falta de
julgamento independente ou sobre suas ações.
T rotsky não estava mais presente, contudo Stalin passou a odiá-lo ainda
mais em sua ausência, e o espectro do rival voltava com frequência
para assombrar o usurpador. Stalin passou a se recriminar por ter
concordado que Trotsky se exilasse. Nem para si mesmo admitia temer Trotsky
naqueles tempos, porém, por certo, temia pensar nele. O pensamento de que
jamais seria capaz de resolver o “problema” de Leib Davidovich (como tendia a
se dirigir a Trotsky em sua mente, usando a forma ídiche para Lev), fazia-o
ferver de ira violenta. Em determinada ocasião, perdeu o controle e quase
revelou publicamente seus sentimentos. Conversando com Emil Ludwig sobre
o assunto da autoridade, declarou subitamente:
“Trotsky também teve grande autoridade, mas, e daí? Tão logo voltou as
costas para os trabalhadores foi esquecido.”
“Completamente esquecido?”, perguntou Ludwig.
“Ocasionalmente se lembram dele... com hostilidade.”
“Todos com hostilidade?”
“Quanto a nossos operários, eles se lembram de Trotsky com hostilidade,
irritação e ódio.”56
É possível que muitos operários lembrassem de Trotsky de forma pouco
generosa, mas era Stalin, sobretudo, quem se recordava dele com hostilidade,
irritação e ódio. Pensava em Trotsky quando sentava e ouvia Molotov,
Kaganovich, Khruschev e Zhdanov. Trotsky tinha intelectualidade de calibre
diferente, com suas percepções de administrador e seus talentos como orador e
escritor. Era muito superior em todos os aspectos a esse bando de burocratas,
mas também superior a Stalin, que sabia disso. “Como pude deixar um inimigo
desses escapulir entre meus dedos?” – quase gemia ele. Em dada oportunidade,
confessou a um círculo íntimo que aquele fora o maior engano que cometera
na vida.
Outro motivo para o ódio crescente derivava do fato de que – embora não
admitisse nem para si mesmo – descobria muitas vezes que seguia a abordagem
de Trotsky em política prática. Lembrava-se de que, certa vez, quando o
Politburo debatia a NEP, Trotsky declarara que “a classe trabalhadora só
caminhará para o socialismo à custa de grandes sacrifícios, canalizando todas as
suas energias, e dando seu sangue e sua coragem”. Afirmara em outubro de
1922 num congresso do Komsomol e vivia repisando que, sem “exércitos de
trabalhadores”, “militarização do trabalho” e “total abnegação”, a revolução
corria o risco de jamais caminhar do “reino da necessidade para o reino da
liberdade”. Quase a totalidade dos 15 volumes das obras de Trotsky é devotada
à “militarização do trabalho”. Falando em 12 de janeiro de 1920 num encontro
das frações comunistas dos sindicatos, ele reivindicou que “batalhões de
choque” fossem enviados a locais especialmente importantes “de modo que eles
possam aumentar a eficiência pelo exemplo pessoal e pela repressão”. Era
necessário aplicar “métodos coercitivos, estabelecer condições militares em [...]
áreas imprescindíveis. Temos que nos valer da conscrição pelo emprego de
métodos militares”.57 Eis a expressão clássica do comunismo de quartel. E
Trotsky, que foi um de seus defensores no início dos anos 1920, jamais o
abandonou por completo, embora deva ser lembrado que tais ideias foram
expressas sob condições de guerra civil.
Stalin sempre se impressionou por qualquer ideia que implicasse o povo,
voluntariamente, “dando seu sangue e sua coragem” pela causa. No exílio,
Trotsky se referia com frequência a Stalin como um “imitador”, querendo
presumivelmente indicar sua tendência em se apoderar das ideias dos outros no
campo da metodologia social. Mas a principal razão para Stalin temer o
fantasma de Trotsky foi que este criou sua própria organização, a Quarta
Internacional, e pôs Stalin no mesmo nível de Hitler, fato intolerável para o
secretário-geral. O espectro criava uma vingança mais dolorosa que qualquer
outra que pudesse ser arquitetada por Stalin. Por vezes, parecia que a batalha
que julgara terminada, quando o Ilyich deixou despercebidamente o porto de
Odessa levando Trotsky a bordo, em 10 de fevereiro de 1929, apenas
começava.
Apesar de tudo, era uma batalha desigual. Num canto, o líder ascendente
que se propôs a inculcar no partido e no povo um sentimento de ódio contra
Trotsky, como traidor e assecla fascista. No outro canto, o líder derrotado que
não economizava retórica para mostrar que Hitler e Stalin se mereciam
mutuamente.
Apoiado por pequenos grupos nos vários países em que esteve exilado,
Trotsky foi capaz de influir na opinião pública. Seus discursos, ao vivo ou
impressos, foram sempre eficientes. Como antes, seu alvo principal era Stalin, a
quem alcunhou de “coveiro da revolução”. Trotsky sabia muita coisa. Durante
a revolução e a guerra civil atuara mais próximo de Lenin que Stalin. Mais de
uma vez, Lenin saiu em sua defesa, conhecedor que era dos talentos de Trotsky
como organizador e propagandista. Stalin se lembrava de que, quando a relação
entre os dois ainda era tolerável, ele tinha concordado fundamentalmente com
muitas das ideias esquerdistas de Trotsky. Por exemplo, quanto ao avanço sobre
Varsóvia para acelerar a conflagração revolucionária e quanto à organização da
campanha na Ásia. Trotsky também acreditava que a Ásia era mais
revolucionária que a Europa e que, portanto, se uma organização
revolucionária fosse criada ao sul dos Urais, uma marcha sobre a Ásia para dar
velocidade à revolução naquele continente era política realista. Em tais
circunstâncias, a revolução na China e na Índia seria definitivamente vitoriosa.
Stalin não fazia objeção a esta análise.Trotsky desejava aumentar o ritmo: ele
não mais pensava numa escala russa, mas em termos da revolução mundial.
Num certo sentido, era um romântico da sublevação mundial e muitos de seus
planos de longo prazo nos anos 1920 estavam ligados a este objetivo. Todavia,
Stalin entendeu que falar publicamente sobre tais “pecados” de Trotsky
significava nublar um pouco sua própria pessoa, já que era então o “herdeiro”
das causas revolucionárias do Outubro de 1917.
A ideia de que Trotsky não falava só em seu nome, mas também dos
silenciosos aliados e dos oposicionistas dentro da URSS, era particularmente
dolorosa para Stalin. Quando lia as obras do rival, tais como A escola stalinista
da falsificação, Carta aberta aos membros do partido bolchevique ou O Termidor
stalinista, o líder quase perdia o autocontrole. Fora tão cego! Poderia estar
errado quando disse às frações comunistas dos sindicatos, em novembro de
1924, que Trotsky funcionara bem durante o levante revolucionário, mas
perdera o azimute e caminhava para a derrota?58 Afinal de contas, o rival sofrera
derrota total, mas não se rendia, ainda continuava lutando. Vezes sem conta
Stalin se atormentava ao pensar em seu erro: por que deixara Trotsky sair do
país? Agora, tinha que pagar pelo lapso de descuido. Os cúmplices de Trotsky
preparavam uma trama contra ele, montando ações diversionárias, executando
atos de espionagem, organizando uma clandestinidade, e ele, Stalin, nada fizera
durante todos aqueles anos.
No seu discurso para o pleno de fevereiro-março de 1937 “sobre as
inadequações no trabalho do partido e as medidas para a liquidação dos
trotskystas e outros agentes duplos”, Stalin destacou o “elo principal”, ou seja, o
“trotskysmo contemporâneo”. Dirigindo-se à plateia como se fosse constituída
de escolares, perguntou: “Que é o trotskysmo?” E deu a resposta: “O
trotskysmo contemporâneo é um bando desesperado de saqueadores. Sete ou
oito anos atrás”, continuou, “era uma equivocada tendência antileninista. Mas
agora é uma gangue de saqueadores fascistas.” E continuou:
Kamenev e Zinoviev negaram que tivessem uma plataforma política. Estavam mentindo. Durante o
julgamento de 1937, Pyatakov, Radek e Sokolnikov não negaram a existência de tal plataforma. A
restauração do capitalismo, o desmembramento territorial da União Soviética (a Ucrânia para os
alemães, as províncias marítimas para os japoneses); na eventualidade de um ataque de nossos
inimigos – sabotagem e terror. Tudo isto é a plataforma do trotskysmo.59
Amanhã, Stalin pode se transformar em carga pesada para o grupo governante. [...] Stalin está prestes
a concretizar sua trágica missão. Quanto mais parece que não precisa de ninguém, mais perto está a
hora em que ninguém precisará dele. Nessa ocasião, Stalin dificilmente ouvirá palavras de gratidão
pelo que fez. Sairá de cena levando nos ombros o peso de todos os seus crimes.66
Da extraordinária significação que teve a chegada de Lenin, deve-se inferir que os líderes não são
acidentalmente criados, que são gradualmente selecionados e mui treinados ao longo de décadas, que
não podem ser caprichosamente substituídos, que sua exclusão mecânica da luta deixa o partido com
uma ferida aberta e, em muitos casos, pode paralisá-lo por um período longo.67
* Mochalin é um personagem da peça de Griboyedov, O infortúnio da esperteza, que emprestou seu nome
ao carreirismo bajulador.
[27]
Um vencedor popular
Quando me lembro de tudo, quando organizo meus pensamentos, só consigo dizer uma coisa:
obrigado, camarada Stalin! O camarada Stalin proporcionou a mim, um trabalhador comum, mais
apoio do que jamais imaginei. Agora, acostumei-me com a expressão, “movimento Stakhanovista”.
Vejo com frequência meu nome nos jornais e me ouço mencionado nas reuniões. Francamente, no
início eu não entendia nada. Mas agora acho correto chamar nosso movimento de stalinista, pois foi a
classe trabalhadora que se pôs em marcha na campanha stalinista pelo avanço técnico, o que acabou
resultando no meu recorde e no de meus camaradas. Foi o camarada Stalin quem aumentou a
amplitude de nosso movimento.72
Definitivamente, Stalin não é um grande orador. Fala lentamente e sem brilho algum, numa voz um
tanto abafada que sai com dificuldade. Desenvolve seus argumentos com lentidão, atentando para o
senso comum popular, a fim de que eles sejam captados devagar, mas com firmeza. Quando o
secretário-geral ergue seu dedo indicador e exibe um sorriso atraente e malicioso, não cria uma
distância entre ele e a audiência, como ocorre com outros tribunos.74
Stalin entrou na revolução com a imagem de Lenin em sua mente e em seu coração. Ele pensa em
Lenin o tempo todo. Mesmo quando seus pensamentos estão imersos em problemas que exigem
decisão, sua mão rabisca mecanicamente palavras como “Lenin [...] professor [...] amigo...” Quantas
vezes, depois de um dia de trabalho, nos desfizemos de páginas escritas em toda a sua extensão com
essas palavras.77
Stalin. Reconhecimento. Professor. Sobre o perigo direitista. Sobre o perigo direitista em nosso
partido. Mukhalatka. Reunião privada. Tóquio. Professor. Sokolnikov. Editora “Priboi” dos
trabalhadores. Fogo. Discussão. Molotov.78
Os rabiscos de Stalin no final dos anos 1920 só nos dizem uma coisa: que
aquilo que Poskrebyshev e Dvinsky relatam sobre os pensamentos subliminais
de Stalin, além de muitas outras coisas, não faz o menor sentido.
Por outro lado, a popularidade de Stalin era uma forma, por contorcida que
fosse, de autodefesa social. Quem não desejasse atrair suspeitas tinha que evitar
qualquer “escorregão da língua” nas suas referências ao líder. O respingo mais
insignificante e não intencional sobre o papel de Stalin como líder poderia
terminar em tragédia. O sociólogo A. Fedorov contou-me que, no fim da
década de 1940, na fábrica de motores de tratores perto de Vitebsk, aconteceu
o seguinte: o escritório fora recentemente pintado e chegara a hora de pendurar
os retratos nas paredes; um jovem operador de tratores entrou na sala e
derrubou sem querer um dos retratos de Stalin que estava encostado, tentou
recuperar o equilíbrio e, acidentalmente, pisou no rosto do líder; um silêncio
assustador desabou sobre as pessoas que estavam na sala, e um dos gerentes
passou uma descompostura no motorista; três dias mais tarde, o jovem infeliz
foi apanhado e só voltou a ser visto depois do XX Congresso.
Embutida na popularidade estava uma permanente camada oculta de medo.
Nem todos a sentiam constantemente. Os que sabiam da existência da
repressão e a tinham experimentado continuavam a elogiar Stalin enquanto
escondiam seu conhecimento do que se passava. A popularidade do secretário-
geral era assim sustentada tanto pela manipulação da opinião pública, com base
nas conquistas do povo, quanto pelo medo frequentemente incerto da punição
real em caso da menor crítica a ele. Como consequência natural da suspeita e
da mania de espionagem implantadas na mente pública, a delação generalizada
passou a ser a norma.
Contudo, seria errado supor-se que todos os cidadãos soviéticos amavam
Stalin fanaticamente e que ele era popular para todos. Havia uma camada
substancial de comunistas pré-revolucionários conhecida como velha guarda
leninista. Eles conheciam a história do partido e a contribuição real que cada
líder fizera para a Revolução de Outubro, não as contadas pelo secretário-geral
no Curso resumido, e a maioria deles só veio a saber da existência de Stalin
depois da revolução e da guerra civil, quando, como vimos, ele não esteve na
linha de frente. Portanto, a atitude do “líder” em relação a esses antigos
leninistas era bastante “parcial”. Ele sabia que, embora os da velha guarda não
dissessem nada, a imagem que tinham do secretário-geral era diferente da que
desejava passar. Aquelas pessoas com passado revolucionário eram uma pedra
no seu caminho.
Stalin via que, apesar do progresso, muita coisa não estava sendo
conseguida. A agricultura era o caos, se bem que a safra de 1936 tivesse sido
boa. Como antes, o país enfrentava sérias dificuldades econômicas e sociais. A
despeito do tempo que transcorrera desde a revolução e do slogan “a vida é
melhor e mais alegre”, Stalin ainda conclamava pelo aperto dos cintos pelo
bem do amanhã. O padrão de vida não melhorara tanto assim. Se Stalin dizia
que a culpa era dos destruidores, o povo – evidentemente não propenso a se
autoacusar – acreditava, em particular porque existiam muitos ex-
oposicionistas e pessoas com reputações manchadas para pagar a conta. Todos
podiam ver evidências de solapamento na economia e na administração.
Molotov, Kaganovich, Yezhov e Malenkov, este último fazendo carreira
acelerada, perceberam rapidamente a direção do pensamento de Stalin e
captaram as ideias contidas em suas assertivas. Curvado sob o peso de seu
casaco de soldado, como que encolhido ante o olhar de seus inimigos
potenciais, Stalin parecia sinalizar que só a completa erradicação destes tornaria
sua posição inflexivelmente segura. Era necessária ação decisiva. Um golpe
maciço contra seus inimigos indistintos serviria, no seu modo de ver, para
justificar os desastres e enganos de sua política econômica, como também para
livrar-se daqueles que torciam por sua derrota. Depois da guerra, Molotov
acrescentou que, ao acabar com seus inimigos, Stalin estava olhando bem para
o futuro: ele exterminara aqueles que, numa guerra contra o fascismo,
poderiam ter ficado ao lado de Hitler.
Para Stalin, pareceu que sua hora havia chegado. Dali por diante, ninguém
seria capaz de desafiar seu mando pessoal. A tragédia se aproximava. A decisão
amadureceu e foi finalmente tomada quando estava em Sochi, bem distante de
Moscou. Em 25 de setembro de 1936, enviou um telegrama a Molotov,
Kaganovich e outros membros do Politburo em Moscou. Estava assinado por
Stalin e Zhdanov, o qual, no XVII Congresso, tornara-se secretário do comitê
central e passara a gozar rapidamente da confiança do secretário-geral. O
telegrama foi o seguinte:
Consideramos de absoluta necessidade e urgência que o camarada Yezhov seja nomeado Comissário
do Povo para as Questões Internas. Yagoda mostrou-se totalmente incapaz de desmascarar o bloco
trotskysta-zinovievista. A OGPU está atrasada quatro anos a este respeito. Isso foi notado por todos os
trabalhadores do partido e pela maioria dos representantes da NKVD.79
Fora dado o terrível e monstruoso sinal. Não era possível imaginar a
quantidade enorme de “espiões, saqueadores e terroristas” que seria descoberta.
Pareceu que eles não estavam entre nós, mas que nós estávamos entre eles!
Stalin fora bastante encorajado pelo indiscriminado apoio público à acusação
estatal no recente julgamento de Zinoviev e Kamenev. Antes mesmo de o
julgamento ter lugar e de as circunstâncias do caso terem sido publicadas, a
imprensa e o rádio já entoavam jubilosamente “Destruição para as víboras”,
“Morte aos inimigos”, “Sem piedade com agentes duplos”. Stalin sentiu que
conseguira bastante: ao escamotear a verdade do povo, transformara-o numa
massa pela qual ele próprio assumiria a responsabilidade. Entre seus outros
crimes, este talvez tenha sido o pior.
Parte VI
O epicentro da tragédia
Tudo entender
Não é tudo perdoar.
Erich Kästner
[28]
Inimigos do povo
Nossos princípios não permitem que derramemos sangue de antigos membros do partido, por maiores
que tenham sido seus pecados. Os líderes de nosso partido não olvidam nem direitos nem
responsabilidades. O julgamento, no qual vocês ajudarão o Estado, não é dirigido contra vocês, e sim
contra Trotsky. Tudo isto é necessário ao regime soviético.3
Stalin poderia ter lembrado de pelo menos uma dúzia de cartas de Zinoviev
implorando clemência. Poderia recordar a carta que Yagoda lhe entregara, em
17 de dezembro de 1934, quando Zinoviev foi investigado e preso, na qual o
velho bolchevique escreveu, entre outras coisas:
Não sou culpado de nada, nada, nada em relação ao partido, em relação ao comitê central e em
relação a você pessoalmente. Juro por tudo que é mais sagrado a um bolchevique. Juro pela memória
de Lenin.
Não posso nem imaginar a causa das suspeitas sobre minha pessoa. Rogo-lhe que acredite em minha
palavra de honra. Estou abalado até o fundo de minha alma.4
É
completo com a morte de sua vítima. É necessária a capitulação total. Talvez se
recordasse da carta de Zinoviev de 14 de abril de 1935:
Cheguei a um ponto em que me sento, fico olhando para seu retrato nos jornais e o dos outros
membros do Politburo, e penso: meus caros, olhem dentro de meu coração que por certo verão que
não sou mais seu inimigo, que sou de vocês, de corpo e alma, que entendi tudo e estou pronto a fazer
qualquer coisa para merecer seu perdão e sua generosidade.5
Enquanto desejavam Feliz Ano-novo uns aos outros, os cidadãos soviéticos não
podiam imaginar quão sangrento seria o ano que começava. Por mais paradoxal
que possa parecer, passariam cerca de vinte anos para que se conscientizassem
disso, já então muito distantes no tempo de tudo que ocorrera. Entrementes,
precisaram expressar indignação e maldizer os “fascistas degenerados”, “espiões”
e “terroristas”. Stalin já alertara o povo quando, em janeiro de 1933, disse que,
em certas circunstâncias, “os grupos desbaratados dos velhos partidos
revolucionários, os SR, mencheviques, nacionalistas burgueses do centro e da
periferia, poderiam ter sobrevivido e causar novas agitações, bem como os
remanescentes dos trotskystas contrarrevolucionários e dos diversionistas de
direita”.6 Parecia agora que causavam novas agitações! Tendo o sucesso como
pano de fundo, os desastres – que não eram poucos – de fato pareciam
“sabotagens”. E não havia Stalin dito que o inimigo oculto estava apenas
ganhando tempo? Quanto maiores as vitórias do povo soviético, mais forte a
resistência. Era isto que ele tinha em mente ao aguçar a luta de classes, levando
ao limite a ameaça da resistência!
Na véspera do XVII Congresso do partido, foi publicado um livro sobre a
construção do Canal do mar Branco (com trabalho escravo). Trinta e seis
escritores soviéticos, sob a direção editorial de Gorky, Averbakh e Firin,
contribuíram com louvores para a primeira tentativa de reeducar “inimigos do
povo em amigos”. Foi, escreveram eles, “um esforço vitorioso sem precedentes
para converter antigos inimigos do proletariado [...] e da sociedade soviética em
representantes qualificados da classe trabalhadora e mesmo entusiastas do
trabalho nacionalmente importante”. “É extraordinariamente mais difícil”,
continuaram, “retrabalhar material humano do que madeira, pedra ou metal.”
Engenheiros, acadêmicos, professores e milhares de outros intelectuais foram
assim transmudados em “camaradas em armas” do proletariado. Seu único
crime fora o de pensar diferentemente de Stalin, o qual, como afirmaram os
autores, era dotado de
Mas não eram certas “qualidades” que estorvavam Stalin. Eram pessoas. Muita,
muita gente. Toda esta gente “não abatida” estava (potencialmente) impedindo
que ele se consolidasse como único líder ilimitada e universalmente amado. Ele
não esquecera que Bukharin e outros haviam sido companheiros de partido: o
infortúnio daquelas pessoas era que tampouco elas tinham esquecido e muito
sabiam sobre ele. Ele lera em algum lugar, possivelmente em Cosimo de
Medici: “Existe um preceito de que não devemos perdoar nossos inimigos. Mas
não existe um sobre o perdão para nossos antigos amigos.” Stalin não pensava
em perdoar qualquer das duas categorias.
Quem primeiro empregou a aterradora expressão “inimigos do povo”? Já
vimos que, em seu desterro na Sibéria, Stalin ficara impressionado com o que
lera sobre a Revolução Francesa, em particular com a determinação de
Robespierre, o qual, no momento crítico, conseguiu uma lei para simplificar os
processos jurídicos contra os “inimigos da revolução”. Mas, ao contrário de
Robespierre, Stalin padecia de um medo mortal de atentados contra sua
própria vida. Portanto, as acusações imputadas a incontáveis desafortunados
tiveram fulcro no famoso Artigo 58 sobre “atos terroristas dirigidos contra
representantes do regime soviético”. A julgar pelos procedimentos legais
daquela ocasião, pensar-se-ia que milhares e milhares de cidadãos soviéticos não
pensavam noutra coisa que em dar cabo do líder e de seu entourage.
Se bem que a expressão “inimigo do povo” fosse usada antes de 1934, foi a
partir daquele ano que Stalin conferiu-lhe conteúdo definido. Uma “carta
secreta” do comitê central para as organizações partidárias nas regiões e nas
repúblicas, datada de 29 de julho de 1936 e claramente de autoria de Stalin,
salientou que um inimigo do povo normalmente se mostrava “dócil e
inofensivo”, que fazia de tudo para se “infiltrar furtivamente no socialismo”,
que não aceitava o socialismo e que, quanto mais desesperançada ficasse sua
posição, mais inclinado “se tornaria a medidas extremadas”.8
A.A. Yepishev, que trabalhou no Ministério da Segurança Estatal de 1951 a
1953, disse-me que Beria exultava em citar a ideia, que atribuía a Stalin, de que
“um inimigo do povo não é apenas aquele que realiza sabotagem, mas o que
duvida da correção da linha do partido. Existem muitos deles entre nós e temos
que liquidá-los”. Yepishev, que não era muito expansivo a seu próprio respeito,
disse com franqueza:
Consegui, com muita dificuldade, escapar do covil de Beria. Depois de repetidas solicitações para
retornar ao trabalho no partido, Beria zombou maliciosamente e disse: “Você não quer trabalhar
comigo? Tudo bem, faça o que quiser.”
Poucos dias depois, fui enviado para Odessa, nomeado novamente como primeiro-secretário do
comitê regional do partido, mas o chefe local do MVD logo chegou-se a mim e disse que eu deveria
permanecer em casa no dia seguinte. Eu sabia que isso significava prisão a qualquer momento. E entre
os que trabalharam com Beria, aqueles que tinham dúvidas eram encarados como os piores inimigos
do povo. Fui salvo por um milagre: o próprio Beria foi preso naquela ocasião.
Inimigo do povo era, portanto, quem não se encaixasse no padrão de Stalin
e nada tinha em comum com o mesmo conceito aplicado à Revolução
Francesa, na qual Stalin fora visivelmente buscar a noção. Robespierre, ao
estabelecer a ditadura revolucionário-democrática, viu inimigos na “aristocracia
tirânica e naqueles que amealharam suas fortunas por meios injustos”, ao passo
que, para Stalin, inimigo era quem quer que não partilhasse, ou pudesse não
partilhar, de seu ponto de vista. Na realidade, ninguém se opunha ao mando
pessoal de Stalin, mas ele sentia que muitos, especialmente a velha guarda de
Lenin, não aprovavam secretamente seu tipo de socialismo. Isso foi suficiente
para que o secretário-geral chegasse à terrível decisão. Com a ajuda do aparato
ideológico, Stalin criou gradualmente uma atmosfera de suspeição no país,
preparando o povo para o iminente e sangrento expurgo.
A esmagadora maioria dos cidadãos acreditava piamente tratar-se de uma
luta de vida e morte contra quem ainda queria restaurar o capitalismo. Já em
janeiro de 1937, os jornais publicavam matérias como “Espiões e assassinos”,
“Mercadores da mãe-pátria”, “Trotskysta, destruidor, diversionário, espião”, “O
mais abjeto dos abjetos”, “Quadrilha trotskysta de restauradores capitalistas”.
Estas constantes massagens na mente pública produziram resultados, e o povo
se indignava ao ouvir referências à torpeza daqueles que tinham conseguido se
esconder por tanto tempo.
Como tudo isto aconteceu? Por que Stalin e seus asseclas foram capazes de
convencer o povo e o partido de que estavam cercados de inimigos? De que
forma surgiu a mania de espionagem e sabotagem? Em boa medida, o pleno de
fevereiro-março do Comitê Central dá uma resposta.
Muitos relatórios foram apresentados no pleno que durou duas semanas. O
secretário do Comitê Central, A.A. Zhdanov, abriu a reunião com seu relatório
sobre o trabalho nas organizações partidárias para o preparo das eleições para o
Soviete Supremo sob novo sistema eleitoral, e sobre a reestruturação do
trabalho político do partido. Zhdanov, que desfrutava naquela oportunidade
das boas graças do líder, expressou algumas ideias aparentemente sensatas. Por
exemplo, sublinhou o fato de que “o novo sistema eleitoral significou muito
maior abertura [glasnost] na atividade das organizações soviéticas”.
Adequadamente, levantou a questão da democracia interna no partido como
condição importante para o bem-estar moral partidário. Porém, àquela altura,
citou Stalin, dizendo que “embora nos surpreenda o trabalho cultural da
ditadura”, os órgãos repressivos continuavam tão necessários naquela ocasião
quanto foram ao tempo da guerra civil. Temos que estar alertas, continuou,
porque, “enquanto nosso povo adormecido apenas se arrasta, nossos inimigos
já estão ativos”. A situação no partido, acrescentou, não era simples. Os
quadros estavam se estreitando; muitos inimigos haviam emergido neles. “A
prática perigosa da cooptação enraizou-se e está indo longe demais. Tal prática
infringe o direito legítimo de os membros do partido tomarem parte na eleição
de seus órgãos diretores.”
Expôs então alguns números interessantes. Até cerca de 59% dos membros
e candidatos a membros dos birôs dos comitês dos distritos e das cidades
haviam sido cooptados. Em Kiev, por exemplo, em 19 de outubro de 1934,
quatorze pessoas tinham sido cooptadas de uma só vez para o comitê da cidade;
muitas delas, descobriu-se, eram inimigas do povo. Em Kharkov, dos 158
membros e 34 candidatos a membros eleitos para o comitê da cidade, durante
a IV Conferência do partido da cidade, 61 foram cooptados e só restaram 59
do total. E o birô do comitê da cidade fora totalmente cooptado, com uma só
exceção. Em 4 de abril de 1936, continuou Zhdanov, o comitê do Distrito
Lenin, em Kharkov, discutiu a “expulsão de todo um grupo de pessoas”. Até o
grupo ativista fora convidado. Por quê? Para que existissem dez pessoas na
reunião do comitê distrital na qual seria debatida a expulsão de 12 pessoas!
Então, dez engoliram outros 12! Isto provocou gargalhadas entre os delegados.9
Zhdanov prosseguiu por bom tempo citando exemplos similares. Eles não
eram apenas sintomáticos das práticas antidemocráticas do partido. A
organização estava dominada por uma situação na qual a ilegalidade era a regra,
bem como por uma atitude permissiva em relação ao emprego disseminado da
repressão. Stalin e sua equipe haviam criado um clima moral que possibilitava o
desvio das soluções administrativas para o emprego franco da força contra
potenciais oponentes.
Quando houve o pleno, Stalin já efetuara um “reconhecimento em força”
ao lidar com Zinoviev, Kamenev e outros bolcheviques. Aquela gente postava-
se no seu caminho, sabia muito sobre ele. Sabia, por exemplo, das reuniões em
seu estúdio quando tramou com Zinoviev e Kamenev contra Trotsky; conhecia
as incontáveis intrigas, as adulterações que introduzira em antigos documentos
do partido (por exemplo, arquitetara a distribuição de uma nota, por
intermédio de Vladimir Sorin e Yelena Stasova, pedindo alterações nas minutas
de uma reunião do comitê central de 23 de fevereiro de 1918 sobre a paz de
Brest-Litovsk);10 sabia da misteriosa enfermidade e morte de Frunze, e assim
por diante. Zinoviev e Kamenev estavam na prisão, mas Stalin almejava
despachá-los para o esquecimento final.
Em 15 de agosto de 1936, por intervenção pessoal de Stalin, Zinoviev e
Kamenev foram submetidos a novo julgamento. O tribunal não estava ainda
organizado, tampouco as acusações tinham sido esclarecidas, e os jornais e o
rádio já bradavam que não deveria haver complacência com os “inimigos do
povo”. A vingança de Stalin não teve meio-termo: seus antigos camaradas
foram sentenciados à morte e executados. As cartas a ele enviadas implorando
perdão restaram sem respostas. Ele esperava que, com Kamenev, fossem
enterradas as palavras que aquele bolchevique pronunciara no XIV Congresso,
“Cheguei à conclusão de que o camarada Stalin não preenche os requisitos de
um unificador para a equipe do quartel-general bolchevique”, e que Zinoviev
levasse consigo sua avaliação de que Stalin, “o sanguinário da Ossetia [...] não
tem ideia do significado de consciência”. Fossem quais fossem as acusações,
nem Kamenev, nem Zinoviev eram inimigos do socialismo ou do povo. Stalin
não gostava de ficar restrito a apenas uma faixa dos inimigos desarmados e,
portanto, como centenas e milhares de outros, os familiares de Kamenev e
Zinoviev ou foram exilados ou também exterminados. A esposa de Kamenev,
seus dois filhos (um deles ainda menor), seu irmão e a mulher deste irmão,
todos pereceram.
Os relatórios apresentados no pleno por Molotov, Kaganovich e Yezhov
trataram de um só assunto: “As lições de sabotagem, diversionismo e
espionagem dos agentes nipo-germano-trotskystas.” Careciam de qualquer
análise racional ou compreensão real da situação pela simples razão de que o
assunto em si era uma miragem, uma aparição. Palavras fortes foram ouvidas,
juramentos feitos, e os primeiros “resultados” divulgados.
Abrindo seu relatório, Molotov disse que estava substituindo Sergo
Ordzhonikidze que, em 18 de fevereiro, uma semana antes da abertura do
plenário, suicidara-se. O boletim governamental noticiou que ele falecera de
ataque cardíaco. Segundo muitas pessoas que bem conheciam a família,
Ordzhonikidze estava deprimido com a mania de espionagem e a caça às
bruxas, motivos de ásperas discussões com Stalin. Em represália, Stalin enviou
ao camarada relatórios recebidos da NKVD sobre sua pessoa, sinalizando às
claras que onde havia fumaça havia fogo. Ordzhonikidze sentiu que Stalin
demandava sua completa subserviência sob pena de partilhar a trágica sorte dos
outros. Para enfeixar tudo isto, Stalin solicitou-lhe um relatório para o XVII
Congresso sobre a “Sabotagem na indústria pesada”. Ordzhonikidze devia
incriminar com a própria voz muitos chefes da indústria, e tomar parte direta
naquele mando arbitrário que nenhum bolchevique autêntico podia aceitar. Ele
aproveitou a chance de agir com a consciência, embora não da forma mais
eficiente, mesmo que, naquelas circunstâncias, tenha sido a mais honrosa. A
turma de Yezhov enviara a Ordzhonikidze um dossiê sobre seu irmão, Papuli.
Diversos outros parentes seus foram presos, e ele foi literalmente induzido à
decisão fatídica.
Stalin chegou ao apartamento de Ordzhonikidze e deu instruções para que
um relato “substancial” do suicídio fosse divulgado para os jornais. De acordo
com os parentes, o secretário-geral confiscou o bilhete deixado pelo suicida,
cujo conteúdo provavelmente jamais saberemos. Ao encurralar Ordzhonikidze,
Stalin liquidou o único membro de seu entourage que não compartilhava da
sua abordagem de terror. (Tornou-se norma para Stalin perseguir um homem
até a morte, depois pegar a alça de seu caixão, ou o cofre das cinzas, fazer uma
oração fúnebre e confortar os parentes.) O funeral de Ordzhonikidze retardou
a abertura do pleno. Ele não foi o único a se retirar daquela maneira: houve
também Tomsky, Gamarnik, Sabinin e Lyubchenko, para citar apenas alguns.
Molotov pontilhou seu relatório com números e com uma imensa lista de
nomes de “inimigos do povo” escondidos na indústria pesada. Toda a
quadrilha, disse ele, era liderada por Pyatakov. Para provar que a sabotagem se
alastrara pela economia e que havia também uma luta aberta sendo montada
contra ela, Molotov apresentou uma estatística sinistra sobre a quantidade de
gente que trabalhava na burocracia dos seguintes comissariados do povo e fora
condenada até 1º de março de 1937: Indústria Pesada – 585, Educação – 228,
Indústria Leve – 141, Ferrovias – 137, Terra – 102,11 e por aí foi, citando 21
ministérios. Em todo o relatório, Molotov deu ênfase especial à noção de que
todos aqueles destruidores tinham agido por instrução do “centro trotskysta”.
Explicou a estratégia da sabotagem citando o slogan de Trotsky: “Golpes
sensíveis devem ser desferidos em pontos sensíveis.”
Mesmo que fossem aceitos os fatos sobre os malfeitores, Molotov não podia
deixar de saber que empreendimentos industriais de enorme vulto vinham
sendo realizados em velocidade alucinante, por “carga de cavalaria”. A
tecnologia atrasada, baixa produtividade, cultura técnica e disciplina
deficientes, e a incompetência só poderiam resultar em interrupções de todos
os tipos, inclusive incêndios e desastres. Tudo aquilo, porém, tinha de ser
explicado como “ação dos destruidores trotskystas”.
O relatório de Kaganovich sobre a situação no setor ferroviário teve tom
idêntico e também listou nomes. Não querendo ficar atrás de Molotov, ele
igualmente relatou que o comissariado das ferrovias não estava inerte nem
perdia tempo na caçada ao inimigo. Não é difícil imaginar os meios que
empregou para “desmascarar” e “mandar embora” (nas suas palavras) milhares
de indivíduos. O mais surpreendente é uma variedade tão grande de “inimigos”
vir trabalhando nas ferrovias em cooperação aparentemente amistosa. Eles eram
ex-milícias, SR, mencheviques, trotskystas, oficiais Brancos, demolidores e
espiões.
Yezhov seguiu o padrão estabelecido por Molotov e Kaganovich, revelando
que, praticamente, havia inimigos por todos os lados. Um pigmeu físico e
moral, Yezhov foi agraciado na véspera do pleno com o novo título de
Comissário Geral da Segurança do Estado, título que apenas Beria iria também
ostentar. O relatório de Yezhov foi abertamente dirigido para a intensificação
da campanha de denunciar “inimigos internos”:
No período de diversos meses, não me recordo de uma única ocasião em que alguém, fosse um gerente
industrial ou um chefe de comissariado, tivesse me telefonado por iniciativa própria para dizer:
“Camarada Yezhov, há algo estranho a respeito de fulano ou sicrano, alguma coisa não está certa,
encarregue-se dele.” Simplesmente isto não aconteceu. O normal, quando alguém levanta a questão da
prisão de um sabotador ou de um trotskysta, é o rápido aparecimento de camaradas para defendê-
los.12
Num memorando especial aprovado pelo pleno sobre o relatório de Yezhov foi
anotado que o comissário das Questões Internas estava atrasado pelo menos
quatro anos na luta contra os inimigos. Em outras palavras, Stalin achou que o
expurgo deveria ter começado nas vésperas do XVII Congresso do partido. A
NKVD foi encarregada de “realizar a tarefa de desmascarar e atacar os
trotskystas e outros agentes até a última instância, de modo a esmagar a menor
manifestação de sua atividade antissoviética”.13 Mas isto foi apenas o prelúdio.
Os participantes do pleno, em sua maioria homens de bom senso, ficaram mais
alarmados com o modo de Molotov, Kaganovich e Yezhov apresentarem os
fatos investigados do que convencidos da existência de sabotagem generalizada.
Faltava o histórico político e teórico. Os oradores tinham desvendado o
panorama em que os inimigos operavam, mas o que estavam realmente fazendo
e o porquê de suas ações não ficaram esclarecidos. Pode-se agora apenas
especular o que passou pela mente dos delegados. Já tinham decorrido três anos
desde o “Congresso dos Vitoriosos” e vinte anos de poder soviético e, de novo,
estavam frente ao quase universal “perigo de restauração do capitalismo”.
Tendo em grande parte livrado o comitê central da velha guarda leninista,
Stalin recorria uma vez mais às medidas extremas.
Era necessário um programa preciso. O líder o formulou. Fazia-se mister
uma base teórica para o terror contra os “inimigos”. Stalin a criou. O povo
tinha que ser levantado para liquidar os “trotskystas e outros agentes duplos”, o
secretário-geral também planejou este encargo. Considerando-se as cuidadosas
formulações, e a estrutura impecável do relatório que ele apresentou como
discurso de encerramento, que compôs de próprio punho, fica patente que
Stalin via o sangrento expurgo que estava a ponto de sobrevir como da maior
importância.
Seu relatório recebeu o título de “Inadequações do trabalho do partido e as
medidas para a liquidação dos trotskystas e outros agentes duplos”. Os
frequentes trechos sublinhados, as inserções e as notas à margem com sua
caligrafia clara testemunham o cuidado em sua preparação. Ele não se permitiu
a listagem individual de funcionários hostis, à maneira destemida de Molotov,
Kaganovich e Yezhov. Como orador principal, colocou cada coisa em sua
prateleira apropriada. Primeiro, definiu a noção de “segurança política” e
depois enfocou as consequências do cerco capitalista realçando que ele
representava uma ameaça real que tinha que ser constantemente levada em
conta durante a construção do socialismo, e ligou-o ao “perigo trotskysta”. Os
próprios trotskystas foram por ele caracterizados como “um bando de
destruidores desesperados e sem escrúpulos, diversionistas, espiões e assassinos
que operavam sob as ordens de serviços estrangeiros de informações”.
Potencialmente, classificou o trotskysmo como principal ameaça ao socialismo,
e chegou à seguinte conclusão de longo alcance:
Quanto mais avançarmos, quanto mais sucesso conseguirmos, mais exasperados se tornarão os
remanescentes das classes exploradoras destruídas, mais cedo apelarão para formas extremadas de luta,
mais difamarão o Estado soviético e mais recorrerão aos meios desesperados como a solução última
dos condenados.14
Desde o fim dos anos 1920 e de novo em 1934 e 1937, Stalin vinha pregando
que a luta de classes se aguçaria com o progresso do socialismo, um conceito na
verdade paradoxal em seu tom e irracional no conteúdo. Mas Stalin era um
pragmático. Tinha de encontrar uma base teórica para o processo de expurgo
total que preparava. Ninguém, afora ele, estava capacitado para a missão, e era
ele quem precisava da fundamentação. Em 1934, garantira que as classes
exploradoras estavam liquidadas na URSS e agora, três anos depois, mostrava
de repente que a luta estava se “aguçando”. Disse ao plenário que isso era
possível porque ex-oposicionistas tinham se camuflado e vinham executando
atividades subversivas clandestinas, consolidando suas forças e ganhando
tempo. Citou “seis teorias podres” que evitavam que o partido destruísse
completamente os trotskystas: não se deveria pensar que cumprir o plano antes
do tempo derrotaria os destruidores; ou que o movimento stakhanovista por si
só acabaria com a sabotagem; era errado supor, como alguns, que os trotskystas
não estavam congregando forças, e por aí prosseguiu.
Enquanto os outros relatores se concentraram em fatos concretos de
sabotagem, Stalin, como sempre, encaixou tudo dentro de um quadro bem
estruturado. No seu pronunciamento final de 5 de março, declarou que “há
sete pontos que o pleno não aclarou”. Entre eles, fez alguns julgamentos
corretos, por exemplo, que diversos ex-trotskystas tinham assumido posições
boas e “não deveriam ser desacreditados”. Fez diversas declarações “típicas de
líderes” como a de que, vez por outra, dever-se-ia dar ouvidos à voz das
“pessoas comuns”, externou algumas palavras de ordem tais como “no futuro,
esmagaremos nossos inimigos, como o fazemos agora e fizemos no passado”.
Valendo-se de sua forma preferida de aforismos simples que todos podiam
entender, declarou: “Para ganhar uma batalha são necessários diversos exércitos.
Para perdê-la bastam uns poucos espiões. Para construir uma grande ponte
ferroviária há necessidade de milhares de operários. Para destruí-la, bastam
apenas alguns homens.”15
A resolução adotada concernente ao relatório de Stalin abrangeu 27 pontos
categóricos, aos quais acrescentou detalhes finais com seu próprio lápis. Entre
eles:
1. Bukharin e Rykov deverão ser destituídos da função de candidatos a membro do Comitê Central;
não deverão ser julgados, mas seu caso deve ser encaminhado à NKVD;
2. Comissão constituída pelos camaradas Stalin, Molotov, Voroshilov, Kaganovich, Mikoyan e Yezhov
preparará uma minuta de resolução com base nesta decisão.18
Em vista do acontecido, Bukharin e Rykov não se revelaram diferentes dos zinovievitas e trotskystas.
São todos uma gangue de bandidos. Não me recordo de comportamento tão vergonhoso ou mais
desprezível que o de Bukharin e Rykov. Foram necessários quatro dias para que arrancássemos deles a
verdade, mas esperamos em vão que demonstrassem um lampejo ou um vestígio de atitude humana
com o partido. Como eles disseram, não éramos seus juízes.
na sua diretriz, estabeleceu duas possíveis variantes para nossa chegada ao poder. A primeira seria antes
da guerra e a segunda durante a guerra. Trotsky via a primeira variante como resultado de um golpe
terrorista concentrado. O que ele tinha em mente era a execução simultânea de atos terroristas contra
alguns líderes do partido e do Estado, especialmente contra Stalin e seus auxiliares mais próximos. A
segunda variante, que Trotsky considerava a mais provável, viria na derrota militar.22
Será possível esperarmos que a União Soviética saia da guerra que se aproxima sem derrota? Para esta
indagação franca, dou uma resposta igualmente franca: se a guerra permanecer apenas uma guerra,
então a derrota será inevitável para a União Soviética. Nos campos tecnológico, econômico e militar, o
imperialismo é incomparavelmente mais forte.23
Na vila de Tabory, nos Urais, por danos causados ao kolkhoz, cinco homens foram sentenciados ao
fuzilamento.
Minsk. Pela contaminação intencional da farinha de trigo, cinco homens foram sentenciados à morte.
Saratov. Um grupo trotskysta-direitista despejou grande quantidade de óleo no Volga. Nove homens
receberam pena de morte, inclusive o professor N.A. Orlov, da Universidade de Saratov.
Leningrado. Seguindo ordens da Gestapo, foram provocadas interrupções sistemáticas no sistema
regional de energia de Leningrado, resultando em trabalhadores feridos. Dez homens receberam a
pena de fuzilamento.24
Todo o país, dos mais jovens aos mais idosos, espera e exige só uma coisa: que os traidores e os espiões
que venderam nossa pátria ao inimigo sejam exterminados como cães raivosos!
O povo só requer uma coisa: que os vermes abomináveis, os traidores odiados, sejam exterminados.
O tempo passará. Os túmulos dos execrados vendilhões ficarão cobertos de ervas daninhas e do
desprezo eterno do honesto povo soviético, de todo o povo soviético.
Ao passo que sobre nossa terra feliz, brilhante e clara como sempre, o sol lançará seus raios
fulgurantes. Nós, o povo, continuaremos como antes palmilhando nosso caminho já então livres de
qualquer traço da vileza e da podridão do passado, e liderados pelo amado líder e mestre, o grande
Stalin.26
Ao Camarada BUKHARIN
Respondo à carta em que você se permitiu fazer ataques vis à liderança do partido. Se você esperava
com tal carta convencer-me de sua completa inocência tudo o que fez foi convencer-me de que devo,
a partir de agora, afastar-me ao máximo de você, independentemente do resultado de seu caso. E se
você não repudiar por escrito os inqualificáveis epítetos contra a liderança partidária vou considerá-lo
um ser desprezível.
K. Voroshilov 3.IX.36***
Pode-se bem imaginar o choque que Bukharin deve ter tido ao receber esta
carta, embora, no íntimo, soubesse que a lâmina da guilhotina de Stalin estava
suspensa sobre sua cabeça. É possível que tenha se lembrado das palavras de
Robespierre para a Convenção de 8 do Termidor, na véspera de sua execução:
“Eles chegaram à tirania com a ajuda de canalhas, onde chegarão aqueles que
lutam contra eles? Aos seus túmulos e à imortalidade.” Bukharin lutou? Ao ler
a devastadora carta de Voroshilov, encontrou forças para responder ao
comissário de Stalin:
Camarada VOROSHILOV
Recebi sua missiva consternadora.
Minha carta foi fechada com “Envio-lhe um abraço.”
A sua termina com “ser desprezível”.
O que pode ser escrito depois disto?
Todo homem tem, ou deveria ter, seu orgulho pessoal. Mas eu gostaria de acabar com um mal-
entendido político. Escrevi-lhe uma carta de natureza pessoal (que agora lamento muito) enquanto
experimentava um grave transe psicológico: considerando-me perseguido, escrevi para um grande
homem; eu estava enlouquecendo e só pensava no que poderia acontecer, ou que alguém pudesse
acreditar que eu era culpado.
Por isso, esbravejei e escrevi: “Se vocês me acharam ‘insincero’ (por exemplo, que escrevi
insinceramente meus artigos sobre Kirov), e ainda assim me deixaram livre, então foram covardes etc.”
E mais: “E se você mesmo não acredita que Kamenev andou armando... etc.” Bem, então, segundo você,
isso significa que penso que você é covarde ou que estou chamando nossos líderes de covardes? Ao
contrário: o que quero dizer é que, uma vez que todos sabem que vocês não são covardes, isso significa
que não acreditam que escrevi artigos insinceros. Por certo, esta parte é clara em minha carta!
Porém, se minha carta foi tão confusa que pôde ser tomada como um ataque, então – não por um
temor do tipo de Judas, mas genuinamente – por três vezes, por escrito ou da maneira que lhe
aprouver, retiro aquelas frases, embora não quisesse dizer o que você pensou.
Considero maravilhosa a liderança do partido. E em minha carta a você, a despeito da possibilidade de
que nós dois tenhamos cometido enganos, escrevi: “Houve ocasiões na história em que pessoas
maravilhosas e políticos superlativos também incorreram em erros de natureza honesta.” Não era assim
a minha carta? É exatamente o que penso sobre nossa liderança. Admiti isso no passado e não canso de
repeti-lo agora. Ouso até achar que provei tal atitude com a atividade que desenvolvi nos últimos
anos.
Seja como for, peço-lhe que desfaça esse mal-entendido. Desculpo-me muito por minha última carta e
não mais o incomodarei com outra. Ando extremamente nervoso. Foi isso que fez com que escrevesse
a carta. Na realidade, tenho que permanecer o mais calmo possível enquanto aguardo o desfecho da
investigação que, seguramente, provará minha completa falta de envolvimento com os bandidos.
Porque aí reside a verdade.
Adeus.
Bukharin 3.IX.3628
Vejo-me [...] política como juridicamente, um responsável por sabotagem, conquanto pessoalmente
não me recorde de ter dado ordens para que fosse cometida sabotagem.
O cidadão Procurador afirma que, juntamente com Rykov, sou um dos mais importantes
organizadores da espionagem. Qual a prova? Teria sido o testemunho de Sharangovich, do qual não
ouvi falar antes do sumário de culpa?
Nego categoricamente que tenha tomado qualquer parte nos assassinatos de Kirov, Menzhinsky,
Kuibyshev, Gorky ou Maxim Peshkov.**** Segundo o depoimento de Yagoda, Kirov foi assassinado
por ordens partidas do “Bloco Trotskysta-Direitista”. Eu nada soube disto.
A lógica severa da luta foi acompanhada pela degeneração de nossa psicologia, de nossa própria
degeneração, da degeneração do povo.29
Se um diretor fosse chamado a levar para o palco aquele julgamento, teria que gastar alguns anos e um
bom número de ensaios para conseguir tal trabalho de equipe dos acusados; eles foram bem
conscientizados, ficaram bastante alertas para não cometer quaisquer deslizes em relação uns aos
outros e demonstraram preocupação com muito comedimento. Em suma, os hipnotizadores,
envenenadores e funcionários da corte que preparam os acusados, a par de outras qualidades
excepcionais, com certeza foram extraordinários diretores e psicólogos.30
O comitê central [...] autoriza o emprego da coação física pela NKVD, a começar em 1937. É bem
sabido que os serviços burgueses de informações usam a coação física do tipo mais revoltante contra
representantes do proletariado socialista. Por que então os órgãos socialistas devem ser mais humanos
com os agentes fanáticos da burguesia e inimigos declarados da classe trabalhadora e das fazendas
coletivas? O comitê central julga que a coação física deve ser utilizada excepcionalmente e, de agora
em diante, empregada contra inimigos conhecidos e revelados do povo, mas, nestes casos, encarada
como método permitido e correto.32
Essa “exceção” tornou-se regra e foi utilizada tão logo um acusado dava os
primeiros sinais de resistência nas “conversas” com os investigadores.
Como Bukharin ainda não estava revelando coisa alguma e a “investigação”
ameaçava se estender bastante, Stalin ordenou que Yezhov utilizasse “todos os
meios”. Já vimos, das cartas que enviou a Voroshilov (e Stalin) em setembro de
1936, que o estado emocional de Bukharin tornara-se precário com o progresso
do terror. Então, com as ameaças feitas contra sua jovem esposa e o filho
recém-nascido, ele desabou completamente. Passou a assinar qualquer invenção
monstruosa que os investigadores arquitetassem, rotulando-o de “trotskysta”,
“líder do bloco”, “conspirador”, “traidor”, “organizador da sabotagem”, e assim
por diante. É dolorosa a leitura de suas palavras:
Confesso que sou culpado dos crimes mais abomináveis que podem existir: traição contra a mãe-pátria
socialista, organização de levantes kulaks, preparação de atos terroristas, filiação a uma organização
subversiva antissoviética. Confesso ainda mais que sou culpado de tramar um “golpe palaciano”...33
Conquanto Stalin se mostrasse bem radiante, deve ter percebido, ao ler alguns
relatórios dos interrogatórios, o sarcasmo disfarçado dos acusados enquanto
respondiam aos organizadores do “espetáculo” com ironia macabra:
Vyshinsky: “Acusado Bukharin, é ou não é fato que seu grupo de cúmplices no
Cáucaso Setentrional teve ligações com círculos no exterior de emigrados
cossacos Brancos? Rykov falou sobre isto. Slepkov falou sobre isto.”
Bukharin: “Se Rykov falou sobre isto, não tenho motivos para desacreditar
nele.”
Vyshinsky: “Como conspirador e líder, este fato era do seu conhecimento?”
Bukharin: “Do ponto de vista da probabilidade matemática, pode-se dizer
com probabilidade alta que se trata de um fato.”
Vyshinsky: “Deixe-me perguntar de novo a Rykov: este fato era do
conhecimento de Bukharin?”
Rykov: “Pessoalmente, calculo pela probabilidade matemática que ele deve
ter sabido disto.”34
A história não conhece crimes e atos diabólicos como os cometidos pela quadrilha do “Bloco
Trotskysta-Direitista” antissoviético. A espionagem, a sabotagem, os saques do bandido-chefe Trotsky
e seus asseclas Bukharin, Rykov e outros provocam um sentimento de raiva, ódio e desprezo não só no
povo soviético mas em toda a humanidade progressista.
Tentaram matar nosso querido líder, o Camarada Stalin. Em 1918, atiraram no Camarada Lenin,
interromperam a vida promissora de Sergei Mironovich Kirov, assassinaram Kuibyshev, Menzhinsky e
Gorky. Traíram a mãe-pátria.
O glorioso serviço soviético de informações, liderado pelo comissário stalinista Nikolai Ivanovich
Yezhov, esmagou o ninho de víboras desses vermes.
Stalin descompôs Yezhov pela fabricação “cretina” dos casos e, mais uma vez,
especulou se não era hora de dar um fim a toda a campanha. Decidiu que,
enquanto existissem pessoas que vissem, mesmo que apenas mentalmente,
Trotsky como uma alternativa, ele deveria continuar.
Os julgamentos políticos tinham ainda outro objetivo. Com ajuda deles,
Stalin queria mostrar que todos os antigos oposicionistas – trotskystas,
bukharinistas, zinovievistas, mencheviques, dashnaks, SR, anarquistas,
bundistas – foram antissocialistas, e que tinham infectado os cidadãos
soviéticos que trabalhavam no exterior, tais como diplomatas, figuras culturais,
gerentes industriais, cientistas, até mesmo os que cumpriam seu dever
internacional na Espanha. Muitos emigrados que retornaram à terra natal e
comunistas estrangeiros que trabalhavam no Comintern ou em suas
organizações em Moscou foram também rotulados como “inimigos do povo”,
juntamente com quem quer que tivesse sido anteriormente expelido do
partido, tivesse qualquer relutância em relação ao partido ou expressasse dúvida
política. Os parentes dos acusados eram automaticamente considerados
“inimigos”. Mesmo na NKVD houve grande número de vítimas, alguns por
tentarem sabotar as encenações jurídicas criminosas, enquanto outros foram
tachados na categoria de “inimigos” por zelo excessivo. Seus líderes se
transformaram também em tipos perigosos porque sabiam demais. Assim,
Yagoda, Frinovsky e Berman, entre muitos outros, foram acusados de cometer
excessos, distorções e “atividades destruidoras nos órgãos da NKVD”. Da
mesma forma, tornou-se um risco ter conhecido Lenin, ou ter combatido o
czarismo e, portanto, ainda que instintivamente, conhecer os valores da
liberdade e da democracia. E, é claro, existiram pessoas que sabiam mais sobre
Iosef Djugashvili do que era bom para elas.
A suspeita aumentou o momentum da violência. V. Zakharov, M. Motsiev e
outros trabalhadores ferroviários em Arzamas dificilmente entendiam as ideias
de Trotsky, porém foram exatamente aquelas ideias, combinadas com a
“intenção de cometer sabotagem terrorista” que os levaram à sentença de morte
em 31 de outubro de 1937. Como Ulrikh reportou a Stalin, “todos os acusados
confessaram inteiramente sua culpa”.
Uma característica dos julgamentos foi o desejo de Stalin de não apenas
destruir seus oponentes, reais ou imaginários, mas primeiro arrastá-los pelo
lamaçal da amoralidade, da delação e da traição. Todos os júris foram exemplos
sem precedentes de autodegradação, autoperjúrio e autoacusação. Quase
sempre, os fatos assumiam um tom ridículo quando os acusados afirmavam
insistentemente ser traidores, espiões e assassinos. Kamenev, por exemplo,
afirmou nada menos que: “Servimos ao fascismo, organizamos a
contrarrevolução contra o socialismo.” Promessas de benevolência, ameaças de
repressão contra as famílias e a tortura física sistemática acabaram por vergar
essas pessoas e forçaram-nas a desempenhar seu papel humilhante de acordo
com a cena armada pelos “sumos sacerdotes da justiça”. Stalin permaneceu nos
bastidores enquanto seus assistentes, Vyshinsky e Ulrikh, apresentavam o cínico
espetáculo.
Quando aqueles irmãos de infortúnio, Bukharin e Rykov, foram destituídos
da condição de candidatos a membro do comitê central, Stalin deu-lhes um fio
tênue de esperança dizendo-lhes que a “NKVD esclareceria tudo”. Ao
enfrentarem o colegiado militar da Corte Suprema da URSS um ano mais
tarde – “do outro lado da muralha”, como disse Bukharin – sentiram que a taça
da velhacaria estava cheia até a borda, e eles foram forçados a sorvê-la toda.
Notas
***** Boris Nicolaevsky, em Power and the Soviet Elite (Nova York, 1965), descreve seus encontros com
Bukharin nessa viagem. Bukharin estava acompanhado da esposa grávida, mas quando sugeriram que ele
ficasse no exterior, diz-se que respondeu: “Não acho que seria capaz de viver sem a Rússia. Estamos todos
acostumados com as coisas de lá e com as tensões da vida.”
[30]
Quadros no banco dos réus
Lembro-me de uma ocasião na Sibéria, onde estive exilado. Era primavera e as águas corriam altas.
Trinta e poucos homens saíram para recolher madeira que o grande rio carregava. Retornaram à vila
pelo anoitecer, mas faltava um deles. Quando perguntei o que tinha acontecido, simplesmente
disseram: “Ficou por lá.” Então perguntei: “Como assim? Ficou por lá como?” Eles responderam com
indiferença: “Provavelmente se afogou. E daí?” E um deles saiu às pressas resmungando alguma coisa a
respeito da forragem da égua. Quando os recriminei por se importarem mais com os animais do que
com as pessoas, um deles disse, com aprovação geral: “Por que nos preocuparmos com gente; podemos
fazê-las a qualquer momento. Agora, tente fazer uma égua...”
A atitude indiferente em relação ao povo demonstrada por alguns de nossos líderes e sua incapacidade
de dar valor aos seres humanos são uma ressaca da atitude idêntica com respeito às pessoas que acabo
de mencionar.
Então, camaradas, se quisermos vencer a fome do povo das regiões e desejarmos que nosso país tenha
quadros capazes de fazer avançar a tecnologia, colocando-a em ação, temos primeiro que aprender a
valorizar gente, apreciar os quadros, prezar todo o trabalhador que seja capaz de fazer o bem por nossa
causa. Temos, finalmente, que entender que o capital mais valioso do mundo e o mais decisivo são as
pessoas, os quadros. Entender que, nas presentes circunstâncias, “os quadros determinam tudo”.36
Em 1937, fui nomeado chefe da Ferrovia Ocidental. Cheguei em Minsk e fui direto ao escritório da
administração. Estava vazio. Não havia ninguém para me passar a função. Meu antecessor, Rusakov,
fora preso e fuzilado. Chamei os vices. Não havia nenhum. Tinham sido presos. Procurei qualquer
pessoa e só encontrei um estranho e terrível silêncio. Pareceu que um tornado passara por ali. Fiquei
admirado que os trens ainda rodassem e imaginei quem poderia estar controlando aquela gigantesca
operação. Fui ao apartamento de um conhecido que trabalhava na administração da ferrovia. Para
minha surpresa, encontrei-o em casa com a esposa, que estava em lágrimas.
“Por que não está trabalhando?”, perguntei mesmo antes de cumprimentá-lo. “Estou esperando. Eles
disseram que vêm me pegar hoje. Olhe só, botei na mala algumas camisas limpas. Nasedkin, da
NKVD, está expurgando um em cada dois. Provavelmente, vai paralisar a ferrovia.”
Depois de formar uma ideia da situação e de recuperar a compostura, telefonei a Stalin em Moscou –
afinal de contas, se a ferrovia não funcionasse como se esperava, eu seria o próximo da fila.
Poskrebyshev atendeu. Relatei-lhe a situação. De uma forma ou de outra, a turbulência terminou
rapidamente. Também não era para menos, não sobrava ninguém para ser preso.
Era este o padrão em todo o país, como ilustram os extratos do pleno de 1937.
Durante o debate sobre o relatório de Molotov, que tratou da campanha
eleitoral (que de eleições teve muito pouco, pois centrou-se mais nos inimigos
do povo), o secretário Sobolev do comitê regional do partido de Krasnoyarsk
disse:
Como os vilões, saqueadores e inimigos do povo estão ativos há muito tempo na liderança de nossos
tribunais e procuradorias regionais, aconteceu que eles lançaram o peso da política punitiva sobre
pessoas totalmente inocentes; em três anos, 18 mil ativistas de kolkhozes e de vilarejos foram
condenados, quase sempre apenas porque um cavalo mancou ou porque chegaram atrasados no
trabalho.38
Com base em evidência incontestável, o pleno considera necessário expelir do comitê central e prender
como inimigos do povo: Bauman, Bubnov, Bulin, Mezhlauk, Rukhimovich e Chernov, que se
transformaram em espiões alemães e agentes da okhranka [polícia secreta] czarista; Mikhailov,
vinculado às atividades revolucionárias de Yakovlev; e Ryndin, ligado ao trabalho
contrarrevolucionário de Rykov e Sulimov.
Ao Comissário de Segurança Estatal, Primeira Classe, Camarada Beria, L.P. Durante o período de 1º
de outubro de 1936 e 30 de setembro de 1938, o colegiado militar da Corte Suprema da URSS e o
colegiado itinerante em sessenta cidades sentenciou:
30.514 ao fuzilamento
5.643 à prisão
36.157 no total
15 de outubro de 1938 V. Ulrikh45
Naqueles dois anos, Yezhov e, mais tarde, Beria enviaram a Stalin incontáveis
listas de “espiões”, juntamente com a sugestão de sentença (a maioria
fuzilamento), mesmo antes de os tribunais se reunirem. Primeiro, eles recebiam
um relatório de Ulrikh, dos quais o seguinte é um exemplo:
Para o mês de outubro, seriam mais 3.588, mas isso só se aplicava aos tribunais
militares. As cortes comuns também estavam funcionando.
Khruschev não tinha o direito moral de dizer, como o fez no XX
Congresso: “Não podemos encarar os atos de Stalin como comportamento de
um déspota louco. Ele considerou necessário agir daquela forma no interesse
do partido e das massas laboriosas, em nome da defesa de nossas conquistas
revolucionárias. Esta foi a tragédia!” Isto não é verdade. Stalin não poderia
deixar de saber que o terror que desencadeou prosseguiria com base na total
violação da legalidade socialista. Não poderia deixar de saber que os
julgamentos eram farsas do início ao fim. É bem possível que, genuinamente,
quisesse uma sociedade florescente e o bem-estar de seus concidadãos, e, sem
dúvida, desejava um Estado forte. Porém, o que não quis foi perguntar aos
membros daquela sociedade como eles desejavam chegar à consecução dos
ideais socialistas.
A despeito de sua determinação em alcançar os objetivos que estabelecera
para si mesmo, por vezes chegou a hesitar quando, de repente, o volume da
repressão começou a repercutir. Isto explica o debate travado no pleno de
janeiro de 1938 sobre os enganos cometidos pelas organizações do partido na
expulsão de membros. Foi Stalin quem levantou a questão. Ao ouvir relatórios
de Malenkov, Bagirov, Postyshev, Kosior, Ignatiev, Zimin, Kaganovich, Ugarov,
Kosarev, teve que ficar admirado com a amplitude do terror, com a ilegalidade
e com a efetiva destruição dos quadros. Postyshev relatou que, ao chegar a
Kuibyshev, encontrou todos os órgãos do partido paralisados pelo expurgo; em
nada menos que trinta comitês distritais permaneciam apenas dois ou três
membros, o que significava que não mais funcionavam. De imediato, Stalin,
Beria, Yezhov, Malenkov e Molotov acusaram Postyshev!
Os documentos indicam que a decisão de “afundar” Postyshev fora tomada
antes do plenário. Quase todos os oradores realçaram seus erros. Acompanhado
por comentários de aprovação de Stalin, Kaganovich, o crítico principal, disse
entre outras coisas:
Conheço bem Postyshev. O Comitê Central enviou-me a Kiev no ano passado quando descobriu que
o Camarada Postyshev cometera os maiores erros na liderança das organizações partidárias de Kiev e
ucranianas. Em Kiev, Postyshev revelou-se um trabalhador que violou, na prática, as ordens do
partido, daí a razão de o comitê central tirá-lo de lá. A cegueira de Postyshev em relação aos inimigos
do povo chega a ser quase criminosa. Não foi capaz de vê-los mesmo quando todas as evidências
apontavam para eles. [...] Ao observá-lo nos corredores e ao ouvi-lo discursar neste plenário não posso
deixar de dizer que você não está sendo leal com o comitê central.
O que Postyshev disse aqui no pleno é a repetição de conversas hostis ao partido. Ele parece não
querer ver que promovemos mais de 100 mil novas pessoas. Esta é uma grande vitória stalinista.46
Formamos uma opinião aqui no Presidium do Comitê Central ou, se preferirem, no Politburo, que,
depois de tudo o que aconteceu, medidas têm que ser tomadas com respeito ao Camarada Postyshev.
Na nossa opinião, ele deve ser removido da filiação como candidato ao Politburo, mas permanecer
como membro do comitê central.47
Foi realizada uma votação que, é claro, resultou unânime. Postyshev ficou em
liberdade por apenas um mês. Por ordem de Stalin, a comissão de controle do
partido, em fevereiro, minutou um decreto sobre ele que foi baixado pelo
Politburo. Seu conteúdo principal foi formulado e aprovado pelo próprio
Stalin. Postyshev foi acusado das seguintes transgressões:
Camarada Malenkov,
Sou subcomandante de uma unidade de tropas do interior da NKVD. Foi organizada uma reunião
para a outorga ao Camarada Stalin da Medalha da Vitória. Porém, apenas oficiais foram convidados
para a reunião, as praças não. Coisa estranha. O general Brovkin conduziu o encontro. Três ou quatro
pessoas discursaram e, com isso, a reunião foi encerrada. Depois, foi-nos dito que a unidade seria
empregada na colheita da safra e que o chefe da seção política, Kuznetsov, fora transferido para outra
função alhures.
Uma ocasião politicamente tão importante, como um encontro dedicado à condecoração do
Camarada Stalin com a Medalha da Vitória, foi perdida, desperdiçada, apequenada.
**** Na realidade, eles simplesmente pararam de funcionar, uma vez que 3.500 comunistas de Kuibyshev
foram expulsos do partido no período de cinco meses, em 1937.
Muita gente que teve relação estreita com Stalin no ápice de seu mando me
falou de sua atitude extraordinariamente suspeitosa, que se estendia até o
círculo imediato, seus assistentes e pessoas chegadas. Segundo A.N. Shelepin,
Stalin determinou que Beria checasse sua equipe de segurança. Beria
demonstrava estar atento “descobrindo” periodicamente um “espião” ou um
“terrorista” entre o pessoal de Stalin. Vez por outra, relatava sobre sinais ou
fatos suspeitos que recebera. Foi assim que, certa vez, ordenou a prisão de um
servente da limpeza, Fedoseyev, e de sua esposa por arquitetarem um terakt. Até
as gardênias que ficavam no exterior das janelas tinham que ser mantidas
podadas à altura de cinquenta centímetros ou menos, para evitar que alguém se
escondesse por trás delas. Ninguém sabia se Stalin passaria a noite dormindo
no divã do estúdio ou na cama do pequeno quarto, portanto, as camas
permaneciam disponíveis e arrumadas nos dois lugares. Ninguém, exceto Beria,
ousava entrar no quarto de Stalin sem ser chamado.
Quando se dirigia à dacha na limusine blindada, acompanhada por um
comboio de outros veículos, Stalin sabia que cada viagem daquelas representava
uma operação completa para a segurança. Ao lado do motorista, Mitrokhin, ia
um dos seguranças, Tukov ou Starostin (nos anos 1940). Se Stalin detectasse
uma expressão que não fosse do seu gosto no olhar de qualquer deles, a pessoa
jamais voltava a trabalhar para ele. Deve ser ressaltado que, apesar dos mitos
fabricados por Beria e seu círculo sobre atentados contra a vida do secretário-
geral, nada há registrado a este respeito.
Khruschev referiu-se à desconfiança patológica de Stalin que se estendeu aos
membros do Politburo. Provavelmente, só confiava em Vlasik e Poskrebyshev, e
talvez em Valya Istomina, sua “empregada”, a jovem que se mudou para sua
casa logo depois da morte da esposa, Nadezhda Alliluyeva. Ela cuidou dele até
o fim da vida e tentou proporcionar-lhe os maiores confortos possíveis. A
despeito do temperamento um pouco ríspido de Stalin, ele frisou mais de uma
vez o cuidado simples e sincero que ela lhe devotava. Porém, a suspeita quase
maníaca foi um dos traços dominantes de sua personalidade.
Por conseguinte, a informação a ele remetida pelo presidente Benes da
Tchecoslováquia aumentou sensivelmente suas dúvidas sobre Tukhachevsky.
Várias fontes – inclusive Winston Churchill – acreditam que Stalin foi fisgado
por um documento arquitetado em Berlim sobre uma trama de Tukhachevsky
e dos generais. O serviço alemão de contrainformação, chefiado pelo almirante
Canaris, copiara a assinatura de Tukhachevsky e a apôs num documento em
Berlim, nos idos de 1926, sobre a cooperação com uma empresa alemã de
tecnologia aeronáutica.
O objetivo de tal medida ardilosa era passar a ideia de que Tukhachevsky
mantinha contatos secretos com alguns generais alemães para derrubar Stalin
pela força. Um incêndio na noite de 1º de março de 1937 e o roubo de
documentos foram encenados em Berlim para explicar o aparecimento em
Praga daquele documento específico.
Benes, sem dúvida, agiu com a melhor das intenções ao enviar o
documento para Moscou, onde Stalin, embora alertado, não fez mais do que
encaminhá-lo a Yezhov naquela ocasião. Foi feita uma investigação sigilosa
sobre Tukhachevsky e recolhido mais “material” a seu respeito. Os eventos,
então, provavelmente ganharam maior impulsão, como B.A. Viktorov, ex-vice-
chefe da procuradoria militar, relatou-me. Ele dirigiu um grupo especial de
promotores e investigadores militares que foi organizado depois do XX
Congresso para reabilitar os injustamente condenados por Stalin.
Entre muitos outros itens interessantes, Viktorov lembrou o caso de um
investigador chamado Radzivilovsky, que foi sentenciado em 1937 por violar a
legalidade, cujo depoimento contém o seguinte trecho:
Com base em fatos que denunciam Rudzutak, membro do Comitê Central, e Tukhachevsky,
candidato a membro, como participantes de um bloco conspirativo antissoviético trotskysta de direita
[sic!] e responsáveis por trabalho de espionagem contra a URSS para a Alemanha fascista, o Politburo
do comitê central coloca em votação a proposta de expulsão de Rudzutak e Tukhachevsky do partido,
e de encaminhamento de seus casos ao comissariado de Questões Internas.55
Meu pai caiu doente no fim de maio, ou porque sentiu que as coisas caminhavam para um desenlace
ou por causa de um ataque de diabetes. Segundo minha mãe – eu tinha apenas 12 anos – ele sabia que
Tukhachevsky fora preso em 27 de maio e que Uborevich, Yakir e o restante tinham sido apanhados
dia 29, no trem.
Blyukher foi visitar meu pai no dia 30. Eram velhos amigos dos dias de Extremo Oriente.
Conversaram por longo tempo. Depois, meu pai disse à minha mãe que fora convocado para juiz do
caso Tukhachevsky.
“Mas como posso fazer isso?”, exclamou. “Sei que eles não são inimigos. Blyukher disse que se eu não
for poderei ser preso.”
Blyukher voltou para uma conversa rápida no dia 31. Depois vieram outras pessoas e selaram a sorte
de meu pai. Disseram-lhe que tinha sido transferido de função e que seus assistentes, Osepian e Bulin,
já estavam presos. Recebeu ordens para permanecer em casa. Tão logo os agentes da NKVD saíram,
ouviu-se um tiro no escritório. Quando minha mãe e eu corremos, estava tudo acabado.
Acho que o tiro foi uma resposta à proposta de Stalin para que meu pai fizesse parte do júri sobre seus
amigos do exército. Uma resposta à ilegalidade. Ele não achou outra maneira de fazê-lo. Minha mãe
foi presa e sentenciada a oito anos de prisão como “esposa de um inimigo do povo”, e a mais dez anos
em campo de concentração “por ajudar um inimigo do povo”. Jamais a vi de novo e, aparentemente,
morreu no campo em 1943. Fui mandada para um abrigo de jovens. Quando fiz 16 anos, em 1941,
recebi uma pena de seis anos por ser “elemento socialmente perigoso”. Assim começaram meus
tempos de exílio...
Por acaso, descobri que o nome de meu investigador-monstro era Stolbunsky. Não sei onde ele se
encontra agora. Se estiver vivo, gostaria que lesse estas linhas e sentisse o desprezo que lhe devoto,
embora eu ache que já sentisse àquela época. Posso ainda ouvi-lo sussurrando perversamente enquanto
me arrastavam, exausto e coberto de sangue: “Você vai assinar, vai assinar.” Sobrevivi ao tormento por
duas sessões, mas quando começou a terceira eu só queria morrer.
Feldman foi o primeiro a ser preso. Negou categoricamente qualquer participação na trama, em
especial contra Voroshilov. Peguei seu arquivo pessoal e, depois de lê-lo, cheguei à conclusão que
Feldman tinha laços de amizade com Tukhachevsky, Yakir e diversos generais de destaque. Convoquei
Feldman a meu gabinete, tranquei a porta e, na noite de 19 de maio, ele já estava assinando uma
declaração sobre um golpe que implicava Tukhachevsky, Yakir, Eideman e os outros. Depois me
deram Tukhachevsky para interrogar, e ele confessou no dia seguinte. Sem deixá-lo dormir, arranquei
dele fatos e mais fatos, nomes e mais nomes dos conspiradores. Até mesmo no dia do julgamento,
consegui testemunho adicional de Tukhachevsky incriminando Apanasenko e outros na
conspiração.59
Ao Camarada Stalin
Despedi 215 trabalhadores políticos, dos quais uma boa parcela foi presa. Mas estou longe de terminar
o expurgo do aparato político, particularmente nos escalões inferiores. Penso que não devo sair de
Khabarovsk antes de, pelo menos, fazer uma boa triagem nos quadros comunistas.61
Na minha opinião, diversas das mais importantes matérias sobre a organização do Exército Vermelho e
sobre o desdobramento estratégico-operacional de nossas forças armadas foram decididas erradamente
e é possível que causem danos. Isto poderia implicar grande fracasso e numerosas baixas extras na
primeira fase da guerra.
Solicito-lhe, Camarada Stalin, que verifique a atuação do marechal Yegorov como chefe do Estado-
maior, já que, de fato, ele é responsável pelos erros cometidos na instrução e no desdobramento
estratégico-operacional de nossas forças armadas, e na estrutura organizacional.
Não conheço nem o presente nem o passado político do Camarada Yegorov, mas sua atividade prática
como chefe do Estado-maior desperta dúvidas.
7 de novembro de 1937
Membro do partido desde 1912 Ya. Zhigur63
Yan Matisovich Zhigur era comandante de brigada e trabalhava num dos
departamentos da Escola de Estado-Maior do Exército Vermelho. Muitos
homens honestos saíram dos trilhos devido aos continuados reclamos por
vigilância, e à desordem causada pela ilegalidade que se transformou em norma
naqueles anos de pesadelo. Ex-alferes do exército czarista, Zhigur aceitou a
revolução e tomou parte na guerra civil. Foi ferido duas vezes e ganhou a
Ordem da Bandeira Vermelha, mas sua carta a Stalin não o salvou. Foi logo
preso e executado.
Não obstante, Stalin determinou a Poskrebyshev que dissesse a Yezhov para
verificar Yegorov e, passados poucos meses, este último já tinha cumprido a
missão, no curso da qual um dos antigos colegas de Yegorov, que mais tarde se
tornaria importante líder militar, foi compelido a escrever uma carta. Nela, o
camarada em armas do marechal afirmou:
Mais uma vez, a votação foi unânime e, de novo, a cédula de votação de Stalin
foi deixada em branco.
Restava ainda um marechal “duvidoso”, Vasily Konstantinovich Blyukher,
talvez o mais destacado líder militar de antes da guerra. Ele foi o primeiro a ser
condecorado com a Ordem da Bandeira Vermelha, da qual possuía quatro
graus, recebeu a primeira Ordem da Estrela Vermelha, e uma de suas duas
Ordens de Lenin foi das primeiras a serem outorgadas.
Stalin não ficou satisfeito com a atuação de Blyukher durante a campanha
da Mongólia, em julho-agosto de 1938, quando os japoneses capturaram
território soviético na fronteira acima do lago Khasan. Voroshilov expedira uma
ordem para que o inimigo fosse destruído, mas Blyukher, como comandante
do Exército Separado da Bandeira Vermelha no Extremo Oriente, recusou
lançar-se de afogadilho sobre o inimigo, preferindo preparar-se
cuidadosamente. Foi chamado na linha direta para falar com Stalin. Tiveram
um diálogo curto, porém áspero:
Stalin: “Como é, Blyukher, diga-me por que ignorou a ordem do comissário da Defesa para um
bombardeio aéreo sobre todo o nosso território ocupado pelos japoneses, inclusive os montes
Zaozernaya?”
Blyukher: “Relatando. A Força Aérea está pronta para decolar. Só houve um pequeno atraso na
decolagem devido a condições meteorológicas desfavoráveis. Neste exato minuto, dei ordem a
Rychagov [comandante da Força Aérea] para colocar os aviões no ar, independentemente de qualquer
coisa, e efetuar o ataque. Os aviões estão decolando agora, mas temo que seja inevitável atingirmos
nossas próprias unidades bem como assentamentos coreanos.”
Stalin: “Diga-me com honestidade, Camarada Blyukher, você quer mesmo combater os japoneses? Se
não quiser, declare logo, como um bom comunista, mas se quiser, acho que você tem que chegar lá
sem retardos. Não entendo sua preocupação com a possibilidade de bombardeio de assentamentos
coreanos, nem seu temor de que a força aérea seja incapaz de cumprir a missão por causa da neblina.
Quem disse que você não pode atingir a população coreana durante uma confrontação armada com os
japoneses? Por que se inquietar com os coreanos quando nosso povo está atirando nos japoneses? O
que significa um pouco de neblina para a aviação soviética, quando ela deseja realmente defender a
honra da pátria-mãe soviética? Estou esperando por sua resposta.”
Blyukher: “A Força Aérea recebeu ordem para decolar, e o primeiro grupo de caças o fará às 11h20.
Rychagov promete começar o ataque às 13h. Voarei para Voroshilov [a localidade] com Mazepov e
Bryandinsky [oficiais de Estado-maior da Força Aérea] tão logo comece a operação. Aceitamos suas
ordens e as cumpriremos com precisão bolchevique.”66
Tenente Shkrobat, não membro do Partido, 101º Regimento de Artilharia: “Não posso acreditar em
Stalin quando afirma que Yakir e Tukhachevsky são inimigos do povo.”
Zubrov, integrante do Exército Vermelho: “Sob Nicolau, eles não puderam enforcar número suficiente
de pessoas; agora, podem fuzilar. Mas não vão conseguir exterminar todos.”
Trushinsky, instrutor da escola de artilharia: “Seria o próprio Stalin um trotskysta?”
Comandante Naval Kirilov: “Não creio que Bukharin e outros sejam inimigos do povo e do
socialismo. Eles só quiseram mudar a liderança do partido.”68
Dois comandantes encontram-se num bonde. “Então, como vão as coisas? Conosco é como um
massacre tártaro. Prenderam fulano e sicrano...” O outro diz: “Tenho medo de abrir a boca. Fale o que
falar, se você diz algo errado, é logo tachado de inimigo do povo. A covardia passou a ser a norma.”
Investigue quantos você já expulsou do Exército Vermelho em 1937 e tome consciência por si próprio
da dura verdade.
Você pode me chamar de inimigo-do-povo-trotskysta-alarmista etc. Não sou um inimigo, mas acho
que caminhamos para um beco sem saída.
5 de dezembro de 1937 Kolosov69
Não sei o que aconteceu com Kolosov, mas sua carta mostra que nem todos
permaneceram silenciosos. Muitos se alarmaram com a sangria sofrida pelo
exército às vésperas de tempos de provação, porém a ânsia de Stalin em
preservar seu poder a qualquer custo, mesmo que a ameaça a ele fosse
puramente imaginária, sobrepujou a preocupação principal com a segurança do
país.
Nota
Estava me preparando para fazer um relatório sobre todas estas considerações, porém, mais uma vez,
as coisas saíram do controle, e, de novo, sem que eu tivesse culpa. Ofende e dói admitir que, por causa
da torrente de difamações e intrigas criadas pelos inimigos do povo, tive que me afastar da função,
mas caso você resolva me dar uma missão estarei, como sempre e em qualquer lugar, lutando honesta e
conscientemente pela causa, pelo florescimento da URSS e do comunismo.74
Quando fui preso por ser “brando com os inimigos do povo”, disse para mim mesmo que estava tudo
acabado. Nenhum membro dos altos escalões da NKVD jamais saiu vivo de Lefortovo. Dividia minha
cela com L. Sheinin, o investigador que mais tarde virou escritor. Sentado, dia após dia, esperando
pelo golpe final, também lutava dolorosamente por encontrar uma saída. E aconteceu que consegui.
Pedi um pedaço de papel e escrevi uma carta a Stalin. Como chefe de uma das principais divisões da
NKVD, eu havia me encontrado diversas vezes com ele em recepções. Não pedi coisa alguma, nem
complacência nem perdão. Escrevi apenas que tinha algumas ideias para melhorar o serviço de
informações. Dei um jeito para que o diretor da prisão viesse a minha cela e lhe disse: “Eles sabem
sobre esta carta ‘lá em cima’, portanto, se ela não chegar ao destinatário certo, será pior para você.”
Soube que falaram com Stalin sobre a carta. Ele telefonou para minha divisão e perguntou por que eu
estava preso. Foi-lhe dito. Depois de uma pausa, mandou: “Tragam-no de volta para a função. Ele
parece ser um homem inteligente.” Poucos dias depois, fui subitamente libertado. Arranquei poucas
palavras de Stalin, mas sabia que fora bem-sucedido ao lidar com a psicologia do ditador: não implorei
compaixão como os outros, simplesmente formulei ideias novas.
Mas o que funcionou para Pitovranov não teve o mesmo resultado para
Chubar e outros. Por exemplo, Eikhe escreveu para Stalin:
Cheguei à mais humilhante fase de minha vida: minha culpa genuinamente séria perante o partido e
perante você. Confessei minha culpa em atividade contrarrevolucionária. Mas eis a situação: não fui
capaz de suportar a tortura a que fui submetido por Ushakov e Nikolaev, principalmente o primeiro.
Ele sabia que minhas costelas quebradas não tinham sarado e usou isso para infligir terrível dor
durante o interrogatório, fazendo com que eu traísse outros e a mim mesmo.
Peço-lhe que reveja meu caso, não para poupar-me, mas para desvendar toda a pútrida provocação
que, como uma serpente, enleou tantas pessoas por causa de minha fraqueza e minha criminosa
injúria. Jamais traí você ou o partido. Sei que devo morrer devido a uma miserável e torpe provocação
fabricada contra mim por inimigos do partido e do povo.75
Minha única solicitação à corte é que ela notifique ao Comitê Central que ainda existe na NKVD um
centro que fabrica inteligentemente casos e força pessoas inocentes a confessarem crimes não
cometidos: os acusados não têm a oportunidade de provar que não tiveram participação nos crimes
que são mencionados nas confissões, arrancadas sob tortura. Os métodos utilizados são tais que as
pessoas têm que mentir e difamar inocentes.76
Rudzutak requereu uma audiência com Stalin, mas a resposta foi ultrajante. Ele
não esquecia que Rudzutak visitara-o em maio de 1937, pouco antes de sua
prisão. Não prestou atenção ao que Rudzutak tinha a dizer, mas ficou tentando
detectar se o alerta de Yezhov de que o interlocutor fora recrutado pela
inteligência estrangeira na conferência de Gênova de 1922 tinha alguma
validade.
Naquela noite, no ato de assinar a concordância soviética com a expedição
ao Polo Norte, notou, entre outras, a assinatura de Rudzutak e, após um
momento de hesitação, riscou-a com seu lápis. No dia seguinte, 24 de maio de
1937, ditou o texto de um memorando a ser distribuído aos membros do
comitê central. O documento especificava que existiam provas incontestáveis
de que Tukhachevsky e Rudzutak eram espiões germano-fascistas.
Tukhachevsky só viveu mais duas semanas, Rudzutak, cerca de um ano.
Incontáveis documentos atestam a monstruosa impiedade de Stalin. Na
nota de Yezhov anexada à lista de pessoas que aguardavam julgamento pelo
colegiado militar por crimes capitais, Stalin rabiscou rapidamente: “Fuzilem
todos os 138” – e Molotov adicionou sua assinatura. Ou na solicitação de
Yezhov pela execução por fuzilamento de quatro listas de 313 inimigos do
povo, 208 homens e 15 mulheres, e de duzentos militares, Stalin escreveu, “De
acordo”, e tanto ele como Molotov assinaram.77 Em 12 de dezembro de 1938,
Stalin e Molotov aprovaram a execução de 3.167 pessoas.78
O impacto de tanta desumanidade com as vidas de pessoas comuns vem
sendo muito bem descrito em outros lugares, nas publicações ocidentais e
soviéticas. Recebi numerosas cartas de cidadãos soviéticos descrevendo seus
sofrimentos. Citarei apenas duas, a primeira de Vera Ivanovna Deryuchina, de
Belaya Tserkava, que tem quase noventa anos de idade:
Quando vieram prender meu marido, que era mineiro, um stakhanovista que trabalhava em quatro
turnos, pensei que se tratava de engano. Eles disseram: “Não se lamente, sua tola. Seu marido estará de
volta em uma hora.” Mas ele só voltou 12 anos depois. E estava aleijado. O que passei, com crianças
pequenas e uma mãe idosa, é difícil de descrever. Nos expulsaram do apartamento. Por todos os lados,
éramos rotulados como a família de um inimigo do povo. Todos teríamos morrido se não contássemos
com pessoas generosas. Mencione minha história num canto qualquer de seu livro.
1. Alexander Semenovich Svanidze, irmão de Yekaterina. Membro do partido desde 1904, foi
comissário das finanças na Geórgia e, até 1937, trabalhou no comissariado de finanças da URSS. Um
dos amigos mais próximos de Stalin, foi acusado de espionagem e fuzilado.
2. Maria Anisimovna Svanidze, esposa de Alexander. Cantora de ópera, foi presa em 1937 e recebeu a
pena de dez anos de prisão. Morreu no campo de prisioneiros.
3. Ivan Alexandrovich Svanidze, filho de Alexander. Preso como “filho de um inimigo do povo”,
retornou do exílio em 1956.
4. Maria Semenovna Svanidze, irmã de Yekaterina. Foi secretária particular de A.S. Yenukidze de
1927-34. Presa em 1937, morreu na prisão.
5. Iyulia Isaakovna (Meltser) Djugashvili, esposa do filho de Stalin, Yakov, foi presa e libertada em
1943.
1. Anna Sergeyevna (Alliluyeva) Redens, irmã de Nadezhda, presa em 1948, recebeu dez anos por
“espionagem” e foi libertada em 1954.
2. Stanislav Frantsevich Redens, marido de Anna, foi comissário para as questões internas na
Transcaucásia e no Casaquistão, delegado aos XV, XVI e XVII congressos do partido, membro da
CCC e da comissão central de revisão. Preso como “inimigo do povo” em 1938 e executado em 1941.
3. Ksenia Alexandrovna Alliluyeva, esposa do irmão de Nadezhda, Pavel, foi presa em 1947 e libertada
em 1954.
4. Evgenia Alexandrovna Alliluyeva, esposa do tio de Nadezhda, P. Ya. Alliluyev, foi sentenciada a dez
anos por “espionagem” e solta em 1954.
5. Ivan Pavlovich Alliluyev (Altaisky), filho de P.Ya. Alliluyev. Membro do partido desde 1920 e editor
do jornal Sotsialisticheskoe zemledelie (“Agricultura socialista”), foi preso em 1938 e sentenciado a cinco
anos. Libertado em 1940, com a ajuda de S.Ya. Alliluyev, sogro de Stalin.
Nos meios ocidentais, afirmam alguns que o expurgo dos espiões, assassinos e saqueadores das
instituições soviéticas – da laia de Trotsky, Zinoviev, Kamenev, Yakir, Tukhachevsky, Rozengolts,
Bukharin e outros – “abalou” o sistema soviético e causou desintegração. Mexericos baratos como esses
só merecem nosso desprezo. Em 1937, Tukhachevsky, Yakir, Uborevich e outros patifes foram
executados. Houve, então, eleições para o Soviete Supremo da URSS. O governo soviético recebeu
98,6% de todos os votos. No começo de 1938, Rozengolts, Rykov, Bukharin e outros da mesma
escória foram fuzilados. Tiveram lugar, em seguida, eleições para os sovietes supremos das repúblicas.
O governo soviético recebeu 99,4% dos votos. Onde, então, os sinais da “desintegração” e por que não
se revelaram nas eleições?2
A despeito da situação evidentemente enfraquecida do partido e do extermínio
de seu elemento intelectual juntamente com os quadros técnico e militar, Stalin
continuava a sustentar que a “liquidação persistente dos trotskystas e de outros
agentes duplos” seria justificada com o tempo.
De qualquer forma, desde os primeiros meses de 1939, ele voltara a se
preocupar mais com os assuntos externos. Acertadamente, não achava que a
Segunda Guerra Mundial começara em 1º de setembro de 1939 com a invasão
da Polônia por Hitler; o Japão já vinha combatendo na Coreia; a Itália havia
invadido a Etiópia e a Albânia; alemães e italianos tinham intervindo contra a
Espanha republicana; a Alemanha anexara a Áustria e, exatamente no dia em
que foi aberto o XVIII Congresso, ocupou a Tchecoslováquia. A conflagração
se alastrava em todas as direções. Stalin perguntou por que tantos países faziam
concessões sistemáticas aos agressores, e respondeu à sua própria indagação: “A
principal razão é porque a maioria dos países não agressivos, sobretudo
Inglaterra e França, não subscreve a segurança coletiva e a resistência conjunta
aos agressores, e mudou da posição de não intervenção para a de
‘neutralidade.’”3
Ao ouvir as notícias, durante o XVIII Congresso, de que a Alemanha
tomara a província de Memel, na Lituânia, e de que o presidente Hacha da
Tchecoslováquia assinara o Pacto de Berlim, que marcava o fim do Estado
tchecoslovaco, Stalin determinou que Litvinov, comissário das relações
exteriores, enviasse uma nota a Berlim por intermédio de Schulenburg, o
embaixador alemão em Moscou, condenando fortemente as ações germânicas e
chamando a atenção dos líderes alemães para o fato de que “o governo soviético
não pode reconhecer a inclusão das terras tchecas no império alemão,
tampouco de terras da Eslováquia, de forma alguma”.4
Nas condições de um conflito mundial, era essencial ter uma estratégia que
permitisse à URSS dar continuidade aos planos de desenvolvimento social e
econômico do país, buscando ao mesmo tempo garantir sua defesa. Segundo
Stalin, os advogados da não intervenção “ingressavam num jogo grande e
perigoso”. A URSS viu-se compelida a tomar parte nessas manobras políticas
mesmo sem ter um objetivo definido em vista. A questão normalmente
discutida, com a presença de Litvinov em diversas ocasiões, foi sobre que linha
assumir. O período de lua de mel das frentes populares na Europa chegara ao
fim. O continente parecia silenciar à espera das hordas de Hitler. Franco
triunfou na Espanha, e os partidos marxistas, muitos deles esmagados ou na
clandestinidade, olhavam cheios de expectativa para Moscou. Mas a influência
do Comintern, graças a Stalin, havia minguado.
Ao identificar a política do partido com a do Comintern e ao impor seus
ditames ao corpo internacional de comunistas, Stalin desacreditara aquele
órgão. O Comintern e suas organizações irmãs – a Juventude Internacional
Comunista, o Sindicalismo Internacional e o Comitê Internacional de
Assistência ao Trabalho – foram aniquilados pela criminosa repressão de 1937-
38. Os líderes dos partidos comunistas de Áustria, Hungria, Alemanha,
Letônia, Lituânia, Polônia, Romênia, Finlândia, Estônia e Iugoslávia, que
tinham sido banidos de seus países e buscaram asilo em Moscou, foram os mais
atingidos. A lista de vítimas é longa, mas alguns nomes devem ser
mencionados: os líderes alemães H. Remmele, H. Eberlein, H. Neumann; os
poloneses E. Pruchniak, J. Lenski, M. Koszutska; o secretário-geral grego A.
Kontas; o iraniano A. Sultan-Zade; os iugoslavos M. Gorkic, V. Copic, M.
Filippovic; os finlandeses E. Hülling, A. Shotman e G. Rovio; Fritz Platten, o
amigo suíço de Lenin; os húngaros Bela Kun e L. Gavro; e o búlgaro P.
Avramov.
Stalin foi particularmente cínico no tratamento ao partido comunista
polonês, cuja liderança ele praticamente eliminou por completo. Bielewsky, o
último membro do Politburo do partido polonês, foi preso em setembro de
1937. Embora os arquivos não contenham provas documentais, evidências
secundárias indicam que, quando foi mostrada a Stalin a minuta do decreto do
Comintern abolindo o partido polonês porque “agentes do fascismo polonês
trabalhavam nele”, sua resposta foi da maior eloquência: “Isto já deveria ter
sido feito há dois anos. Tinha que ser abolido, mas não vejo a menor
necessidade de que isto seja mencionado para a imprensa.” Na realidade, o
decreto nem sequer foi discutido em uma sessão plenária do Comitê Executivo
do Comintern, recolheram apenas os votos de seis de seus 19 membros.
Ao fazer da organização do Comintern um braço de seu próprio aparato,
Stalin provocou acentuado aumento dos métodos repressivos daquele órgão, o
que, por sua vez, enfraqueceu muito o controle do comunismo internacional
sobre as massas, favorecendo de forma substantiva a ascensão do fascismo.
Quanto à social-democracia, Stalin colocou-a no mesmo nível do fascismo;
mais ainda, culpou o “reformismo” e a “traição” dos social-democratas pelo
declínio da onda revolucionária no Ocidente. Este foi outro erro que teria
consequências sérias e que emergiu de raízes profundas. Temos que retornar
brevemente aos anos 1920. Em janeiro de 1924, pouco antes da morte de
Lenin, houve um pleno do Comitê Central no qual foi discutido, entre outros
assuntos, um relatório de Zinoviev sobre a situação internacional. Ao criticar
Radek por enganos cometidos na “questão alemã”, Stalin apareceu com a ideia
tremendamente falaciosa, a qual permeou aos poucos o pensamento do
Comintern, de que a social-democracia era a principal inimiga dos
movimentos trabalhista e comunista, de que ela proporcionava as condições
para o fascismo e, por isso, deveria ser combatida até a morte.5 Aferrou-se a tal
ideia e, assim, em vez de unir a classe operária na luta contra Hitler, Stalin
jogou o partido comunista contra os social-democratas e enfraqueceu a
resistência ao fascismo, que era a verdadeira ameaça aos movimentos trabalhista
e comunista.
Voltando a 1939, entre as opiniões formuladas por seu entourage sobre
questões internacionais, Stalin talvez só tenha considerado as de Molotov. Só
Molotov, considerou ele, tinha a exata combinação de flexibilidade e firmeza, e
foi com Molotov que montou a posição apresentada ao XVIII Congresso.
Faltavam poucas horas para a abertura do congresso, quando Stalin reformulou
quatro pontos que expressavam duas ideias correlatas.
Primeira, a de que deveria continuar a busca de caminhos pacíficos para
impedir, ou ao menos adiar, o estalar da guerra, essencialmente pela aplicação
do plano soviético para a segurança coletiva da Europa. Não se deveria permitir
a formação de uma frente ampla antissoviética. Fazia-se necessário observar a
máxima segurança e desviar as provocações inimigas.
Segunda, a de que todas as medidas necessárias, até mesmo as mais
extremas, deveriam ser tomadas para preparar e aperfeiçoar a defesa do país, em
especial o aprestamento do Exército Vermelho e da Marinha. (Questões sobre
maior reforço da defesa do país seriam debatidas na Décima Oitava
Conferência do Partido, em fevereiro de 1941.)
Stalin se preocupava com o aprimoramento das agências de política exterior
do país pela maximização das oportunidades diplomáticas. Litvinov, que tinha
ideias próprias, não era do agrado de Stalin, e, logo depois das festividades do
Primeiro de Maio de 1939, Beria voltou a atenção para aquele comissário.
Surgiram os sinais de prisão iminente: um vácuo criou-se em torno de Litvinov,
ele não foi convidado para reuniões importantes, a NKVD fez “visitas”
noturnas a seus assistentes e a pessoas de suas relações, e ele foi afastado do
Comitê Central. O pior parecia inevitável. Seus arquivos foram lacrados no
comissariado. A NKVD esquadrinhou as anotações que ele fazia em seus
diários diplomáticos. Entre elas, estava um de seus últimos relatórios para
Stalin, que dizia:
Anexo um relato de minha conversa de hoje com o embaixador inglês e uma tradução da minuta da
declaração inglesa. [...] Ela só convida para uma reunião de consulta, ou seja, exatamente a mesma
coisa que estamos propondo. A impressão é a de que um novo pacto dos quatro, excluindo Alemanha
e Itália, terá alguma importância política. Não creio que Beck** concorde em assinar nem mesmo essa
declaração.6
“Eles não estão sendo sérios. Essa gente não tem autoridade de decisão. Londres e Paris estão de novo
jogando pôquer, mas gostaríamos de saber se eles são capazes de levar adiante manobras europeias.”
“Ainda assim, acho que as conversações devem ter lugar”, disse Molotov encarando Stalin.
“Bem, se têm que acontecer, que aconteçam”, concluiu Stalin brandamente.
Enquanto prosseguiam os encontros das três delegações militares, o quadro real logo se revelou. As
potências ocidentais não desejavam estender suas garantias aos estados bálticos. Ademais, estavam
facilitando a reaproximação destes últimos com a Alemanha. Ao mesmo tempo em que as
conversações ocorriam, Hitler impunha condições à Letônia e à Estônia. Sob o governo do almirante
Horthy, a Hungria começou a tomar uma linha hostil em relação à URSS. A política do governo
polonês permaneceu praticamente inalterada. Nas reuniões que teve com Hitler, em janeiro de 1939,
o coronel Beck afirmara que “a Polônia não atribui significação aos chamados sistemas de segurança”,
que estavam de todo falidos. Ribbentrop respondeu que Berlim esperava que “a Polônia tome uma
posição mais francamente antissoviética, caso contrário não teremos provavelmente interesses
comuns”.17 Sabe-se hoje que o rei Carol II da Romênia, durante uma visita secreta à Alemanha,
dissera a Hitler que “a Romênia é predisposta contra a Rússia, mas não podemos dizer isto
abertamente porque somos vizinhos. Não obstante, a Romênia jamais permitirá a passagem de tropas
russas, embora frequentemente se afirme que uma promessa de permissão foi feita à Rússia. Não é o
caso”.18
Na eventualidade de um ataque contra nós por parte do agressor principal, devemos exigir a
apresentação pela Inglaterra e pela França de 86 regimentos de infantaria, seu avanço decisivo por
volta do décimo sexto dia de mobilização, a mais ativa participação da Polônia na guerra e também a
passagem irrestrita de nossas tropas, trens e caminhões através do corredor de Vilna*** e da Galícia. O
cenário no qual o principal agressor pode atacar a URSS envolveria o uso pela Alemanha dos
territórios finlandês, estoniano e letão, e possivelmente o romeno.19
Bem cedo ficou patente, no entanto, que as missões ocidentais tinham ido a
Moscou para emitir impressões gerais e para informar Londres e Paris a respeito
dos “planos em grande escala de Moscou”, e não para chegar a um acordo
concreto e exequível.
Mas Stalin sentiu necessidade de abordar novamente a Inglaterra e a França
com uma proposta definida para um acordo de cinco ou dez anos de assistência
mútua, incluindo de obrigações militares. Na essência, tal assistência significava
que, em caso de agressão contra qualquer dos signatários, os outros se
obrigavam a prestar auxílio. A URSS definiu com exatidão quais países entre o
mar Báltico e o mar Negro tinha em mente. Londres e Paris não deram
resposta. Stalin enviou mensagens para apressá-los, mas os representantes
ocidentais não tinham autoridade para tomar decisões tão importantes. Como
Stalin acabou sabendo, seus parceiros de negociação estavam, além do mais,
dando continuidade ao esforço secreto para chegar a um entendimento
aceitável com Hitler. Estava claro que Inglaterra e França procuravam apenas
ganhar tempo enquanto buscavam o resultado mais favorável para suas
perspectivas, sem levar em conta os interesses soviéticos. Com efeito, as
potências ocidentais não apresentaram ideias concretas para uma ação conjunta
contra a Alemanha. Sua intenção era claramente deixar que a URSS
desempenhasse o papel principal na resistência a uma possível agressão alemã,
sem dar garantias de que assumiriam uma parcela das dificuldades.
Stalin perdeu a paciência. Como regra, ele chegava aos seus objetivos dando
pequenos passos seguros, mas, naquela ocasião, comportou-se como um
jogador de xadrez que corria contra o tempo. Ele acabou de uma vez por todas
com as conversações tripartites na manhã de 20 de agosto, quando Voroshilov
mostrou-lhe uma nota do almirante Drax, ao qual, como ao seu
correspondente francês, fora pedida uma resposta rápida às propostas
soviéticas. Drax escreveu:
mais perigosa para a burguesia, porque seria travada não apenas nos fronts, mas também na retaguarda
do inimigo; os burgueses não deveriam duvidar de que os incontáveis trabalhadores amigos da URSS,
na Europa e na Ásia, atacariam a retaguarda dos opressores que dessem início a uma guerra criminosa
contra a pátria-mãe dos operários de todas as terras.23
O governo alemão é de opinião que, entre o mar Báltico e o mar Negro, não existe questão que não
possa ser resolvida em completo acordo pelos dois países. Isto inclui a questão marítima do Báltico, os
Estados bálticos, a Polônia, o Sudeste, e outras.26
Ao Sr. Stalin
Moscou
20 de agosto de 1939
1. Saúdo sinceramente a assinatura do novo acordo de comércio germano-soviético como um primeiro
passo para a reestruturação das relações germano-soviéticas.
2. Assinar um pacto de não agressão com a União Soviética significa para mim a consolidação da
política alemã de longo prazo...
3. Aceito a minuta de pacto de não agressão que vosso ministro do Exterior Molotov transmitiu, mas
considero urgentemente necessário elucidar diversas questões relacionadas com ele da forma mais
rápida possível ...
4. A tensão entre a Alemanha e a Polônia tornou-se insuportável. O comportamento da Polônia em
relação a uma grande potência é tal que uma crise pode ocorrer a qualquer momento...
5. Penso que, se é intenção dos dois estados agirem em conjunto nas novas relações, seria bom não
perder mais tempo. Assim, novamente proponho que o senhor receba meu ministro do Exterior na
terça-feira, 22 de agosto, ou, o mais tardar, na quarta-feira, 23 de agosto [...]
21 de agosto de 1939
Meus agradecimentos por sua carta. Espero que o pacto germano-soviético de não agressão seja um
ponto de inflexão na direção do sério progresso nas relações políticas entre nossos países.
O povo de nossos países precisa de relações pacíficas. A concordância do governo alemão em assinar
um pacto de não agressão criará a base para o fim da tensão política e para o estabelecimento da paz e
da cooperação entre nossos países.
O governo soviético instruiu-me a informar-lhe que concorda com a visita a Moscou do Sr.
Ribbentrop em 23 de agosto.
I. Stalin30
A sessão programada ocorreu de manhã. Uma segunda sessão aconteceu à tarde. Durante as duas
reuniões trocamos observações polidas sobre o retardo no problema político da passagem [através da
Polônia]. Um novo encontro, cuja data não foi fixada, só haverá se formos capazes de responder
afirmativamente.33
O Führer não permitirá que o resultado das conversações afete sua intenção de resolver a questão
polonesa de uma forma radical. O conflito germano-polonês será equacionado por Berlim sejam as
conversações bem ou malsucedidas. [...] A ação militar contra a Polônia está planejada para o fim de
agosto ou início de setembro.35
A data do ataque planejado era conhecida em Washington, Londres e Paris,
mas lá havia a esperança de que a captura da Polônia por Hitler só acelerasse
sua invasão da URSS.
Stalin não podia esquecer que em Munique, em setembro de 1938,
representantes da Inglaterra, França, Alemanha e Itália reuniram-se sem pensar
um só instante na União Soviética. O arranjo pragmático com Hitler naquela
ocasião significou mais que a traição à Tchecoslováquia. Em 4 de outubro,
poucos dias depois do vergonhoso acordo, o embaixador francês em Moscou,
R. Coulondre, examinou francamente a essência do acordo dizendo: “Depois
da neutralização da Tchecoslováquia, a Alemanha abrirá o caminho para o
leste.” No mesmo dia do acordo, 30 de setembro, Chamberlain e Hitler
assinaram sua declaração sobre não agressão e sobre consultas.
Evidentemente, Stalin sabia bem das falhas morais e ideológicas do pacto
que acabara de assinar. Trotsky exultou de satisfação no México: “Stalin e
Hitler deram as mãos. O stalinismo e o fascismo formaram uma aliança.”
Muitos partidos comunistas se angustiaram com o pacto, pois achavam difícil
aceitar qualquer tipo de acerto com os fascistas. Para muitos cidadãos soviéticos
também ficou a impressão de que Stalin e as democracias ocidentais não eram
tão sábios quanto deveriam ser.
Mas a máquina de guerra de Hitler já estava girando e só precisava de um
pequeno toque. Muitos jornais europeus e americanos abordaram o assunto.
Em 24 de agosto de 1939, o presidente Roosevelt fez um apelo para que Hitler
e o presidente polonês Mosticki chegassem a um acordo, e o rei Leopoldo III
dos Belgas fizera pedido semelhante no dia anterior. Em 26 de agosto, August
Daladier incitou Berlim à razão e a dar início ao diálogo com Varsóvia. O papa
fez dois apelos similares. Stalin nada disse. Na ausência de outras opções,
apostara todas as fichas em Hitler. No meio-tempo, não podia fazer coisa
alguma, apenas se preparar e esperar pelo ataque inevitável.
Stalin não tinha ainda partido para a dacha quando, às duas horas da
manhã de 1º de setembro, lhe entregaram um telegrama cifrado enviado de
Berlim informando que, na noite de 31 de agosto, pretensas tropas polonesas
invadiram uma estação de rádio alemã na cidade de Gleiwitz, na Alta Silésia,
mataram alguns funcionários alemães e passaram a transmitir uma declaração
conclamando a população polonesa à guerra. Stalin entendeu de imediato que
se tratava do pretexto de Hitler para iniciar as hostilidades e enviou instruções
ao embaixador soviético em Berlim para que reportasse os acontecimentos
ulteriores. Veio a resposta de que a rádio de Berlim estava tocando música
marcial e que não havia nova informação oficial. Stalin concluiu que o golpe
seria desferido a qualquer momento.
Ele foi acordado por Poskrebyshev bem cedo na manhã seguinte com a
notícia de que tropas alemãs haviam entrado na Polônia. Stalin se lembrou da
recente conversa que Molotov tivera com o embaixador polonês, W.
Grzibowski, na qual ouvira: “A Polônia considera impossível assinar um pacto
com a URSS por causa da impossibilidade prática de prestar ajuda à União
Soviética do lado polonês.”36 Stalin e Molotov concluíram que o governo
polonês simplesmente não queria ficar de mãos amarradas por qualquer acordo
com a URSS sobre garantias para a segurança polonesa.
Entre os despachos que Poskrebyshev lhe trouxe, Stalin leu: “Esta manhã, 4
de setembro, Hitler partiu para o front no leste. Cruzou a antiga fronteira do
corredor polonês e parou próximo a Kulm.” No período de uma semana,
pensou Stalin, as tropas de Hitler poderiam estar próximas à fronteira soviética.
Uma nova situação estratégica viera à tona. As tropas da fronteira já tinham
recebido ordens para elevar a prontidão para o combate. De acordo com os
planos existentes e o entendimento germano-soviético, as forças da URSS
deveriam ficar em condições de invadir a Polônia oriental.
Apesar da bravura dos poloneses, foi uma batalha desigual. Hitler empregou
no ataque 62 divisões, inclusive 11 blindadas e mecanizadas, com 3 mil carros
de combate e 2 mil aviões. Ficou patente que o Führer não esperava que a
campanha polonesa durasse mais que um par de semanas. A Inglaterra e a
França não estavam em condições de ajudar. Em 17 de setembro de 1939, o
primeiro-ministro Molotov falou no rádio:
Ninguém conhece a atual situação do governo polonês.* A população polonesa foi abandonada à
própria sorte por seus infelizes líderes [...] O governo soviético encara como dever sagrado oferecer
ajuda aos seus irmãos ucranianos e bielorrussos na Polônia [...] O governo soviético instruiu o
comando do Exército Vermelho para mandar suas tropas cruzarem a fronteira para proteger a vida e os
bens da população da Ucrânia ocidental e da Bielorrússia ocidental.37
A população ucraniana está recebendo nossas tropas como autênticos libertadores [...] As pessoas
saúdam nossos oficiais e praças, trazem maçãs, tortas, água potável e tentam colocá-las nas mãos de
nossos soldados. Como regra, até as unidades mais avançadas são recebidas por populações inteiras
que saem às ruas. Muitos choram de alegria.37ª
Li na cerimônia o discurso que escrevi em Moscou e que o senhor aprovou. Hitler replicou: “O povo
alemão está feliz com a assinatura do tratado germano-soviético de não agressão. Este pacto servirá à
causa da cooperação entre os dois povos. Como consequência da guerra, a situação existente desde o
Tratado de Versalhes de 1920 será revogada. Com a revisão, Rússia e Alemanha estabelecerão de novo
as fronteiras como eram antes da guerra.39
Um grande comício e manifestação teve lugar em Vilna em 7 de julho. Cerca de 80 mil pessoas
participaram. Os principais slogans eram “Vida longa para a 13ª república soviética!”, “Proletários do
mundo todo, uni-vos!”, “Vida longa para o Camarada Stalin!”, e outros assim. A manifestação
aprovou um voto de boas-vindas à União Soviética e ao Exército Vermelho. Foi realizado um concerto
da banda do Exército da Lituânia, ao qual compareceram o presidente e diversos membros do governo
e do Estado-maior. [...] Seria oportuna uma visita à Lituânia de artistas soviéticos. Solicito uma ordem
urgente para que sejam enviados Mikhailov, Lemeshev, Nortsov, Shpiller, Davydova, Ruslanova,
Kozolupova** e uma companhia de balé com Lepeshinskaya.48
O enviado inglês na Finlândia reportou por duas vezes que o marechal de campo Mannerheim lhe
pedira para comunicar ao governo inglês que, em breve, a Finlândia espera dos soviéticos demandas
semelhantes às feitas à Estônia, ou seja, acesso às bases navais e aos aeródromos das ilhas finlandesas.
De acordo com sua declaração, a Finlândia terá que atender às exigências soviéticas.49
Muitos comandantes dos altos escalões não estiveram à altura dos cargos. O QG teve que afastar
muitos oficiais antigos e integrantes de Estados-maiores não só porque suas lideranças nada traziam de
bom, mas também porque elas causavam danos perceptíveis. O Exército Vermelho conseguiu sua
vitória relativamente rápida sobretudo porque, desde a deflagração da guerra até o final vitorioso, a
conduta efetiva do conflito armado foi assumida pelo Camarada Stalin...54
* Naquela noite, a cúpula do governo polonês deixou o país, e o alto-comando do Exército partiu no dia
seguinte.
Nomeie uma comissão para investigar e rever a equipe de instrutores da Academia Lenin. Se alguém
do grupo Tolmachev ainda estiver por lá, transfira todos imediatamente.
5 de julho de 1938 Mekhlis60
O Soviete Principal de Defesa do Exército Vermelho examinou a questão das panes e acidentes na
Força Aérea e concluiu que, longe de diminuir, o número deles vem crescendo devido à falta de
disciplina por parte das tripulações e da equipe de comando, que leva a violações elementares das
regras de segurança de voo. Esta falta de disciplina causa uma perda média diária de dois a três aviões,
totalizando de 600 a 900 por ano. Só no primeiro trimestre incompleto de 1941 houve 71 panes e
156 desastres, matando 141 tripulantes e destruindo 138 aeronaves.
* O dia de trabalho era uma unidade de produção, e o artel, um grupo de operários ou camponeses.
[38]
O assassínio do exilado
Nova York, 21 de agosto (TASS). Segundo jornais dos EUA, em 20 de agosto, houve um atentado
contra Trotsky, que estava morando no México. O assassino disse chamar-se Jacques Mortan
Vandendraish e pertence ao círculo dos seguidores mais próximos de Trotsky.
A Revolução de Outubro foi feita no interesse dos trabalhadores soviéticos, não no dos novos
parasitas. Por causa do retardo da revolução mundial, da fadiga e, em grande medida, do atraso dos
trabalhadores soviéticos, especialmente dos camponeses, uma nova casta de parasitas, repressora e
contra o povo, chefiada por Stalin, paira sobre a república soviética.
Trotsky perde, então, o senso da realidade e apela para que o povo se levante
contra essa “nova casta”. Para tanto, “um novo partido é necessário, uma
organização revolucionária honesta e corajosa de trabalhadores destacados. A
Quarta Internacional se dispõe a criar tal partido na URSS”. E a conclamação
termina com a reiteração das constantes prioridades de Trotsky:
Depois de ler isso, Stalin convocou Beria e alertou-o de que estava cansado de
tudo aquilo e de que estava começando a duvidar se a NKVD queria mesmo
cumprir a missão. Beria fez várias reuniões e redobrou o esforço para liquidar
Trotsky. Parece que foi tomada a decisão de explorar toda a insatisfação sentida
por diversos organismos públicos com as atividades trotskystas, em particular
durante a guerra civil na Espanha. Como o pintor mexicano comunista David
Alfaro Siqueiros escreveu no seu livro ey called me the Dashing Colonel,
mesmo enquanto ainda estavam na Espanha, ele e seus amigos decidiram que
“fosse como fosse, o quartel-general de Trotsky no México tinha que ser
destruído, ainda que à força”.81
A guerra de palavras entre Trotsky e as organizações comunistas de vários
países era música para os ouvidos de Berlim, se bem que não externasse sua
imensa satisfação. Em diversos documentos, o Comintern condenou
vigorosamente a Quarta Internacional e seu líder “por fazerem o jogo das forças
da guerra”. Foi neste cenário que aconteceram dois atentados contra a vida de
Trotsky, o segundo, bem-sucedido. O primeiro ocorreu em 24 de maio de
1940 induzido por um grupo disfarçado de policiais e liderado por Siqueiros.
Eles crivaram de balas o quarto de dormir de Trotsky, mas o alvo e sua esposa
conseguiram se refugiar num canto do aposento e ninguém saiu ferido. Ficou
claro, então, que os perseguidores estavam decididos. Trotsky não tinha os
meios nem o desejo de fugir. Não se esconderia nem se calaria. A polícia
mexicana não conseguiu encontrar os criminosos e começaram até a circular
histórias nos jornais mexicanos e americanos de que todo o drama fora
encenado pelo próprio Trotsky para comprometer o partido comunista
mexicano e Stalin. Quando o inspetor de polícia perguntou se tinha ideia de
quem poderia ser o responsável, Trotsky respondeu: “É claro”, e cochichou no
ouvido do inspetor – “o autor do ataque é Iosef Stalin.”
O verdadeiro assassino, no entanto, estava exatamente lá. “Jacques
Mornard” era amigo da trotskysta americana Sylvia Agelof, uma das secretárias
de Trotsky. Fora um visitante regular da casa de seu alvo desde 1939, embora
só tenha se encontrado com Trotsky pela primeira vez em maio de 1940. Tinha
contatos nos círculos de negócios onde se passava por canadense de nome
Frank Jacson. De alguma forma, ganhou a confiança de Trotsky e conversaram
em diversas ocasiões, normalmente sobre “personalidades fortes”. A esposa de
Trotsky mais tarde se lembrou de que ela e o marido chegaram a especular se
não se tratava de algum tipo de fascista. Na realidade, “Jacson” era Ramon
Mercader del Rio, um espanhol a serviço de Stalin.
Em meados de agosto, “Jacson” pediu a Trotsky para corrigir um artigo de
sua autoria. Trotsky fez alguns comentários. Na noite de terça-feira, 20 de
agosto, “Jacson” voltou com o artigo corrigido e dirigiu-se ao estúdio de
Trotsky para mostrar a versão. Trotsky lia atentamente um manuscrito.
“Jacson” entrou no aposento e, como mais tarde demonstrou, colocou a capa
de chuva sobre uma cadeira, tirou uma picareta de gelo de alpinista do bolso
dela e, com os olhos fechados, atingiu com toda a força a cabeça de Trotsky. A
vítima, como “Jacson” relatou no tribunal durante seu julgamento, “emitiu um
terrível e lancinante grito que escutarei por toda a minha vida”. A agonia de
morte de Trotsky durou quase 24 horas.
Uma carta foi encontrada com “Jacson” na qual ele se dizia “um seguidor
desiludido de Trotsky que viera ao México com objetivo diferente”. A ideia de
“matar o criminoso” amadurecera enquanto estava no país. A carta explicava
que ele não podia perdoar Trotsky por “conspirar com os líderes dos países
capitalistas”. A imprensa cedo começou a indagar quem seria realmente aquele
homem. Quem guiara sua mão? E logo em coro deu a resposta: foram Stalin, a
NKVD e os comunistas. “Jacson” Mercader, entretanto, durante todo o
cumprimento da pena de vinte anos em prisão mexicana, questionado por
médicos e psiquiatras, jamais se afastou da história original.
Na verdade, ele fora o instrumento de uma operação que deveria ter sido
realizada por um grupo maior de pessoas sob a direção de um homem da
NKVD chamado Eitingon. A escolha final do autor do atentado recaiu no ex-
tenente do Exército republicano espanhol, Ramon Mercader, de 27 anos àquela
época. Ele não só tinha experiência de combate como também estava convicto
de que o levante anarquista e trotskysta contra o governo republicano em maio
de 1937 havia recebido a bênção de Trotsky. Mercader ainda estava “quente” da
guerra e viu o assassinato de Trotsky como um nobre ato revolucionário.
Depois da morte de Trotsky, Beria foi promovido, tornando-se comissário
geral da segurança do estado, sete meses mais tarde. Ele passou a administração
para V.N. Merkulov, enquanto retinha o posto de comissário para as Questões
Internas, ao qual foi adicionado o de vice-presidente do Sovnarkom.
Stalin mal se continha em esperar a divulgação do conteúdo do testamento
e da última vontade de Trotsky. A maior parte foi escrita em 27 de fevereiro de
1940 e tinha principalmente relação com o bem-estar material da esposa, mas
Trotsky encontrou espaço para escrever alguma coisa sobre Stalin:
Este não é lugar apropriado para que eu, de novo, refute a injúria torpe e estúpida de Stalin e de suas
agências: não existe mancha em minha honra revolucionária. Nem direta nem indiretamente entrei
em conchavos, tampouco conversei com inimigos da classe trabalhadora. Milhares de oponentes de
Stalin pereceram como vítimas de tais acusações falsas.82
[39]
Diplomacia secreta
Senhor Presidente
É meu agradável dever expressar profunda simpatia e sinceras congratulações que sinto pelo nobre
apelo que o senhor fez aos governos da Alemanha e da Itália. Esteja certo de que sua iniciativa
encontrará a mais calorosa acolhida no coração dos povos da União Socialista Soviética que se
preocupam sinceramente com a preservação da paz no mundo inteiro.
16.v.v.39 Kalinin84
Quando o enviado especial aos EUA, K.A. Umansky, foi recebido pelo
presidente em 30 de junho de 1939, Roosevelt limitou-se a expressar o desejo
de que as conversações anglo-franco-soviéticas chegassem a bom termo.
Umansky passou um cabograma para Moscou dizendo que o presidente “não se
dispunha a usar seu considerável poder moral e material para exercer influência
sobre a política inglesa e francesa”.85 A política externa foi, ocasionalmente,
debatida no Politburo, mas sempre depois de assentada por Stalin e Molotov.
Por vezes, eles convocavam especialistas dos comissariados interno e externo,
bem como pessoal de informações do Exército, para assessorá-los sobre
questões específicas, porém a política era determinada por Stalin com
aconselhamento e sugestões de Molotov, cujos pontos de vista nem sempre
coincidiam com os de seu chefe.
Entrevistado pelo escritor Konstantin Simonov, Zhukov contou que esteve
presente no gabinete de Stalin durante o debate de matérias importantes com
seu círculo mais próximo: “Testemunhei discussões, altercações e resistência
obstinada sobre alguns pontos, especialmente da parte de Molotov, e a situação
chegava a tal ponto que Stalin se via obrigado a elevar a voz, extremamente
excitado, enquanto Molotov simplesmente se levantava, com um sorriso
estampado no rosto, e mantinha sua posição.”86 Stalin ficou impressionado
com o que Molotov contou de seus encontros com Hitler. O próprio Stalin só
conheceu Ribbentrop. Frequentemente se referia aos líderes nazistas como
“desonestos”. De acordo com F. Haus, chefe do departamento jurídico do
departamento alemão do exterior, mesmo durante as negociações sobre a
conclusão do Pacto, Stalin não se conteve e resmungou sarcasticamente para a
delegação alemã alguma coisa relacionada com “fraude”. E, na ocasião da
própria assinatura, Stalin disse: “É evidente que não esquecemos que o objetivo
final de vocês é atacar-nos.” Nas discussões que sustentava com Molotov sobre
a possibilidade que tinha de retardar a guerra, o secretário-geral várias vezes
voltou ao assunto da figura de Hitler, sabendo muito bem o quanto, num
Estado totalitário, dependia da vontade do ditador. Mas, no trato com os
alemães, Stalin mal escondia seu maquiavelismo. Quando o Pacto foi assinado,
Stalin levantou sua taça de champanhe e brindou sem ironia: “Bebamos em
hora do novo Stalin anti Comintern! Bebamos pela saúde do líder do povo
alemão, Hitler!”
Ribbentrop, de pronto, correu para o telefone do escritório de Molotov,
onde as negociações ocorreram, e reportou para Hitler que o Pacto fora
assinado e o que Stalin dissera. Como um jubiloso Ribbentrop disse
imediatamente a Stalin, Hitler replicara: “Oh, meu grande ministro do
Exterior! Você não sabe quanto conseguiu! Transmita minhas congratulações a
Herr Stalin, o líder do povo soviético.” Quando ouviu isto, Stalin voltou-se
para Molotov e deu-lhe uma quase imperceptível piscadela.
O Pacto poderia não ter sido assinado em 23 de agosto pois, naquele dia, os
dois gigantescos aviões de transporte Condor, que conduziam a delegação de
Ribbentrop a Moscou, receberam tiros quando sobrevoavam a região de Velikie
Luki. As unidades de defesa antiaérea que vigiavam o espaço aéreo daquela rota
não receberam alertas específicos e só por sorte os aviões alemães não foram
abatidos. Este fato foi confirmado por M.A. Liokumovich, que servia na
unidade que abriu fogo, numa entrevista com o autor. Naturalmente, no
mesmo dia, um encorpado grupo de agentes da NKVD voou de Moscou para
investigar o incidente e encontrar os autores da “provocação”.
A segunda ação com que Stalin se envolveu foi o deslocamento da fronteira
soviética mais para oeste, assunto que já apreciamos, mas que vamos detalhar
um pouco mais. A decisão de tomar a Ucrânia e a Bielorrússia ocidentais, em
face do avanço dos exércitos alemães, foi, a meu ver, justificável e, de um modo
geral, veio ao encontro do desejo da classe trabalhadora da população local.
Porém, infelizmente, a ação de Stalin, violando o Tratado de Riga de 1921, foi
influenciada por seus acordos com Hitler sobre fronteiras futuras e “rearranjos”
territoriais. Na ausência de originais, podemos citar diversos outros
documentos que confirmam plenamente que houve um entendimento.
Em 10 de setembro de 1939, Beria enviou uma nota a Molotov: “Em
conexão com futuras alterações no desdobramento das tropas de fronteira da
NKVD dos distritos militares bielorrusso e ucraniano, a linha de fronteira do
Estado soviético fica aumentada de 1.412 para 2.012 quilômetros, ou seja, de
600 quilômetros.” Beria propôs que um novo distrito militar fosse formado por
cinco unidades de fronteira.87 Quando as tropas soviéticas entraram na Ucrânia
e na Bielorrússia ocidentais, a linha demarcatória entre elas e as forças alemãs
foi estabelecida segundo um mapa secreto acertado pelos dois lados nas
negociações de agosto. Isto se deduz do seguinte documento:
Do adido militar alemão em Moscou, general Köstring, para o Estado-maior do Exército Vermelho:
1. Solicito que o Chefe do Estado-maior do Exército Vermelho, Shaposhnikov, seja informado de que,
às 22h30, recebi a resposta de meu governo pela qual, seguindo as negociações, a cidade de
Drogobych foi entregue hoje, 24 Set 39, às 18h, sem dificuldades, a unidades do Exército Vermelho.
2. Ficou acertado também que a cidade de Sambor será entregue na manhã de 24 Set. Repito que não
surgiram dificuldades durante as conversações e estou muito satisfeito com o fato de tudo ter corrido
tão bem.
3. É meu dever reportar que, segundo o pessoal de nossa Força Aérea, grandes reservatórios de
petróleo estão queimando em Drogobych há dez dias. Circulam rumores locais de que eles foram
incendiados por alemães, mas peço que não acreditem, já que tal material também era necessário para
nós.
4. No que respeita a vagões ferroviários, o Estado-maior do Exército Vermelho sabe que agimos de
acordo com os protocolos.
Isto é tudo o que eu desejava reportar de imediato. Köstring
Recebido pelo ajudante do Chefe do Estado-maior do Exército Vermelho, comissário regimental
Moskvin.88
A Alemanha está observando os termos do Pacto de Não Agressão com tanto escrúpulo quanto a
URSS e, portanto, os rumores sobre intenções da Alemanha de violar o Pacto e atacar a URSS não
têm fundamento, devendo o deslocamento de forças alemãs dos Bálcãs para áreas a leste e nordeste da
Alemanha estar vinculado a outros motivos não ligados às relações germano-soviéticas.
Uma declaração estranha como esta foi explicada, depois da guerra, por um
funcionário soviético importante como uma sondagem diplomática normal,
mas foi lida por milhões de cidadãos soviéticos e por todas as Forças Armadas,
resultando num efeito profundamente desorientador. Tal “sondagem” deveria
ter sido conduzida secretamente e os resultados divulgados pelo menos aos
comandantes superiores das forças armadas, ao comissariado de Defesa e aos
distritos militares. Por toda parte, ela foi entendida da mesma maneira, de
acordo com L.M. Sandalov, oficial de Estado-maior durante a guerra:
Vinda de um órgão estatal competente, uma declaração daquelas tendeu a entorpecer a vigilância das
forças. Os oficiais se convenceram de que havia circunstâncias desconhecidas que faziam com que o
governo se despreocupasse e ficasse seguro quanto às nossas fronteiras. Os oficiais deixaram de
pernoitar nos quartéis. Os soldados começaram a se desequipar para dormir.96
O que quer que aconteça, Duce, nossa posição não vai piorar com esse passo, só pode melhorar...
Agora que tomei a decisão, sinto-me mais livre. Considerei a cooperação com a União Soviética, a
despeito da tentativa sincera de encontrar uma détente, por demais onerosa. Porque a mim ela parecia
um rompimento com meu passado, minha visão e meus compromissos anteriores. Estou satisfeito por
sacudir esse peso moral.
[40]
Omissões fatais
Levanta-se a questão: haverá vitoriosos e derrotados nesta guerra, ou ela perdurará por tanto tempo
que nenhum dos lados será capaz de derrotar o outro? Os interesses da URSS demandam a
preservação da paz até que uma crise revolucionária amadureça nos países capitalistas. Se surgir uma
situação assim, os regimes burgueses se enfraquecerão, o proletariado conquistará o poder e a União
Soviética terá de ir, e irá, em ajuda das revoluções proletárias de doutros países.97
Tais opiniões estavam disseminadas pelo país naquela ocasião e tinham sido
herdadas da guerra civil. Por outro lado, mesmo àquele tempo, funcionavam
mentes mais sóbrias e corajosas. Por exemplo, em 1940, um grupo da academia
acima citada preparou um documento de 35 páginas sobre “Ideologia militar”
que foi mostrado a Stalin. Em paralelo com o pensamento ortodoxo que
vigorava, uma série de questões heréticas foi levantada. Os autores enfrentaram
de peito aberto as causas do fracasso da URSS na guerra soviética-finlandesa: o
baixo nível cultural dos oficiais, a propaganda falsa sobre a invencibilidade do
Exército Vermelho, a “apresentação incorreta das missões internacionais do
Exército Vermelho”, o “preconceito prejudicial e profundamente arraigado,
inevitável e praticamente sem exceção, de que as populações dos países em
guerra com a URSS supostamente se levantariam e bandeariam para o lado do
Exército Vermelho”. Conversas sobre “invencibilidade levam à arrogância, à
superficialidade e à negligência da ciência militar; no campo da tecnologia,
conduzem ao atraso; e no campo da teoria militar, ao desenvolvimento
unilateral de noções de combate em detrimento de outras”. O estudo da teoria
estrangeira de guerra, segundo o memorando, fora suprimido por completo,
enquanto as melhores tradições do exército russo não foram popularizadas. A
experiência de Khalkin Gol e do lago Khasan era desconhecida da chefia
militar: “O material sobre essas batalhas permanecia envolto em mistério pelo
Estado-maior.” O despacho de Stalin não passou de um “Arquive-se”.98 A sorte
dos autores do trabalho não é conhecida.
Na minha opinião, o maior erro de Stalin foi a assinatura do tratado de
amizade e fronteiras com Hitler, em 28 de setembro de 1939. Seria suficiente –
e há justificativa para tanto – assinar o Pacto de Não Agressão do mês anterior,
menos os protocolos secretos. Nas resoluções do Comintern e nas do XVIII
Congresso do partido, o nazismo foi adequadamente definido como um regime
terrorista, militarista e ditatorial, e como a falange mais perigosa do
imperialismo mundial. Nas mentes soviéticas, ele era a personificação do
inimigo de classe em forma concentrada. E agora, não mais que de repente,
eram seus melhores amigos!
É difícil explicar o desvio cínico de Stalin para uma política de coonestação
do fascismo. Pode-se até entender a tentativa de escorar o Pacto de Não
Agressão com acordos de comércio e laços econômicos. Mas negar todas as
anteriores premissas ideológicas antifascistas foi demais. Os planos
expansionistas da Alemanha não eram entendidos com propriedade por Stalin.
Por exemplo, a “Declaração dos Governos Soviético e Alemão” assevera que “o
acordo mútuo é de opinião que o fim da guerra entre Alemanha, de um lado, e
a Inglaterra e a França, do outro, viria ao encontro dos interesses de todos os
povos”.99 No entanto, estes povos poderiam muito bem perguntar como isso
seria possível. Deveriam aceitar e se conformar com a tomada da maior parte
da Europa por Hitler? Como poderia a Polônia, em ruínas que estava, aprovar
a “assistência mútua” assinada por Molotov e Ribbentrop?
Em sua busca desesperada para evitar a guerra, Stalin foi longe demais, pois
as concessões que fez nada adicionaram ao Pacto em si, exceto o atrevimento
nazista e a confusão soviética. É verdade que Stalin foi muito influenciado em
sua política alemã por Molotov, cujas muitas afirmações tontearam tanto o
público soviético quanto nossos aliados no exterior. Exemplificando, o discurso
que pronunciou – aprovado por Stalin – no Soviete Supremo, em 31 de
outubro de 1939, inclui o seguinte trecho:
A Alemanha está na posição de um estado que se esforça pelo fim rápido da guerra e pela paz,
enquanto a Inglaterra e a França, que ontem clamavam contra a agressão, são agora pela continuação
do conflito armado e contra a paz [...] Círculos governantes na Inglaterra e na França tentaram
recentemente se apresentar como lutadores pelos direitos democráticos dos povos contra o hitlerismo,
com o governo inglês declarando que seu objetivo na guerra era, nem mais nem menos, a “aniquilação
do hitlerismo” [...] Não faz o menor sentido, como é também criminoso, travar tal guerra para
“aniquilar o hitlerismo” sob o falso estandarte da luta pela “democracia” [...] Nossas relações com a
Alemanha melhoraram fundamentalmente. Isto aconteceu pelo fortalecimento de nossas relações de
amizade, nossa colaboração prática, e por meio de nosso apoio político à Alemanha no esforço que faz
pela paz.100
A instrução política dos jovens oficiais deve incluir a “lei sobre o serviço militar universal”, o discurso
do Camarada Voroshilov na quarta sessão do Soviete Supremo, o juramento militar, a lei sobre
punição para a traição, regras e regulamentos, o relatório do Camarada Molotov “sobre a ratificação
do Tratado Alemão-Soviético de Não Agressão”.102
Este último tópico da instrução foi acrescentado à mão por Mekhlis. Quando
ele submeteu a minuta a Stalin no dia anterior, o líder disparou: “Não irrite os
alemães. O Krasnaya Zvezda* anda sempre escrevendo sobre fascistas e
fascismo. Acabe com isso. A situação está mudando. Não devemos ficar
apregoando a questão. Cada coisa a seu tempo. Hitler não deve ficar com a
impressão de que tudo o que fazemos é nos prepararmos para a guerra contra
ele.”103
Stalin confiava em que Mekhlis encontraria uma maneira de sufocar os
comentários antifascistas na imprensa e, ao mesmo tempo, de ordenar a injeção
de desconfiança nos nazistas na instrução política do Exército. Relatórios
recebidos pela administração da propaganda no Exército, depois de alcançados
os entendimentos germano-soviéticos, contêm alguns exemplos concretos do
modo distorcido com que os instrutores estavam avaliando a situação:
Engenheiro Militar de 2ª classe Nechaev: “Com a ratificação do Pacto [...] não podemos mais chamar
a instrução de tiro de ‘fogo no fascismo’. Não deve haver mais agitação e propaganda contra o
fascismo, já que nosso governo não tem mais diferenças com ele.”
Karatun, instrutor de Engenharia Militar da Academia: “Não temos ideia do que e como escrever
agora – fomos criados antifascistas, agora é o inverso.”
Primeiro-tenente Gromov, Distrito Militar de Kiev: “Pensando bem, a Alemanha parece que enganou
todo o mundo. Ela agora vai se servir dos pequenos países, porém, em face do Pacto de Não Agressão,
não poderemos fazer coisa alguma.”104
Não compreendo bem a insistência do Estado-maior em concentrar nossas forças no setor oeste. Eles
dizem que Hitler desfechará seu ataque principal na direção de Moscou pela rota mais curta. Mas eu
acho que a coisa mais importante para os alemães são os cereais da Ucrânia e o carvão da bacia do
Donets. Agora que Hitler está instalado nos Bálcãs, é ainda mais provável que lance seu ataque
principal do sudoeste. Quero que o Estado-maior pondere de novo e apresente um novo plano no
prazo de dez dias.106
Como a Alemanha está agora totalmente mobilizada e com sua retaguarda organizada, ela tem a
capacidade de nos surpreender com um ataque inopinado. Para evitar isso, penso ser essencial que
tiremos a iniciativa do comando alemão, surpreendendo suas forças durante o desdobramento, por
meio de um ataque exatamente no estágio de desdobramento, sem dar tempo a eles para organizar
uma frente ou coordenar suas forças.
Seria prematuro expedir agora esta ordem. Talvez seja possível resolver a situação por meios pacíficos.
Devemos soltar uma ordem breve dizendo que um ataque pode ocorrer se provocado por ação alemã.
As unidades de fronteira não devem se deixar provocar por qualquer coisa que possa causar
dificuldades.120
Em 22 de junho, às 4h, a Força Aérea alemã desencadeou incursões de bombardeio totalmente não
provocadas sobre nossos aeródromos e cidades ao longo da fronteira ocidental. Simultaneamente,
forças alemãs abriram fogo de artilharia sobre várias localidades e cruzaram nossa fronteira.
Em vista da audácia do ataque alemão à União Soviética, determino que:
1. As forças utilizem todo o seu poderio e todos os meios para cair sobre as tropas inimigas e destruí-
las onde elas violarem a fronteira soviética. Até segunda ordem, nossas tropas terrestres não deverão
cruzar a fronteira.
2. Aviões de reconhecimento e de combate deverão identificar os locais em que o inimigo concentrou
seus aviões e sua força terrestre. Bombardeiros de grande altitude e bombardeiros de mergulho têm de
destruir totalmente a força aérea inimiga no solo e suas principais concentrações de forças terrestres.
Os ataques aéreos devem ser executados até a extensão de 100 a 150 quilômetros do território alemão.
Königsberg e Memel devem ser bombardeadas. O território finlandês e o território romeno não
deverão, até ordem em contrário, ser bombardeados.
22.6.41, 7h15. Timoshenko, Zhukov, Malenkov5
Ordens conflitantes começaram a chegar para levantar barreiras, lançar campos de minas, e assim por
diante, para, em seguida, uma contraordem cancelar tudo, mas, logo depois, a ordem era repetida para
que tudo fosse feito de imediato. Pessoalmente, recebi uma ordem do chefe do Estado-maior distrital,
o tenente-general P.S. Klenov, na noite de 22 de junho, dizendo categoricamente que, pelo amanhecer,
eu deveria retirar minhas tropas da fronteira. Era possível sentir um nervosismo extremo, a falta de
coerência e o medo de provocar a guerra. Da mesma forma que as tropas, os Estados-maiores também
estavam desfalcados. Tinham comunicações e meios de transporte inadequados. Não estavam prontos
para o combate.6
Não mais tarde que 21h desta noite, 25 de junho, prepare as unidades para a retirada. Carros de
combate na vanguarda, cavalaria e forte defesa antiaérea na retaguarda.
A retirada deve se processar rapidamente, dia e noite, sob a cobertura de uma retaguarda firme. O
movimento retrógrado deve ser efetuado em larga frente. O primeiro lance deverá ser de 60
quilômetros, ou mais, num dia. A tropa deverá ter liberdade para prover sua própria subsistência,
retirando o que for necessário dos recursos locais e fazendo uso do que for preciso para tanto.10
Pavlov parecia não saber que os alemães já tinham capturado ou destruído os
depósitos de combustível e os meios de transporte de que o Exército necessitava
para realizar uma retirada com ordem, e o resultado foi que a operação teve
lugar em condições pavorosas e à completa mercê da Força Aérea alemã e das
rápidas manobras de desbordamento das unidades mecanizadas alemãs.
Nos últimos dias de junho, Stalin se conscientizou da amplitude da ameaça
fatal e, por algum tempo, simplesmente perdeu o autocontrole e caiu em
profundo choque psicológico. Entre 28 e 30 de junho, segundo testemunhas,
Stalin ficou tão deprimido e abatido que não mais agiu como líder. Em 29 de
junho, ao deixar o Comissariado da Defesa na companhia de Molotov,
Voroshilov, Zhdanov e Beria, soltou o verbo aos gritos: “Lenin nos legou uma
grande herança e nós, seus herdeiros, fodemos tudo!” Perplexo, Molotov,
voltou-se para ele, mas, como os outros, não disse coisa alguma.11
O choque foi grande, porém não durou muito. Antes que ele o atingisse,
Stalin procurou fazer alguma coisa, expediu ordens e tentou inspirar as agências
governamentais para demonstrarem energia. Em 23 de junho, durante um
debate sobre a criação de um QG do chefe do Estado-maior, Stalin
surpreendeu a todos quando interrompeu bruscamente as discussões para
propor: “Um Instituto de assessores permanentes deve ser criado em associação
com o Quartel-General, consistindo dos Camaradas marechal Kulik, marechal
Shaposhnikov, Meretskov, chefe da força aérea Zhigarev, Vatutin, chefe da
defesa antiaérea Voronov, Mikoyan, Kaganovich, Voznesensky, Zhdanov,
Malenkov, Mekhlis.”12
Malenkov e Timoshenko, que tinham preparado o documento sobre o
novo quartel-general, trocaram olhares, mas, é evidente, nada disseram, e a
ordem de Stalin foi enviada aos distritos militares com a assinatura de
Poskrebyshev. O Instituto, entretanto, morreu quietamente em duas semanas,
sem ter na realidade funcionado.
Outra omissão de Stalin e do Estado-maior às vésperas da guerra foi a de
não terem formulado a criação de um órgão especial para liderar o país em
tempo de guerra, ou seja, o Comitê de Defesa do Estado, e um órgão superior
de liderança militar, o QG do Comando Supremo. Órgãos deste porte só
foram organizados com a guerra começada. E, como já observamos, o Estado-
maior estava enfraquecido pela sucessão rápida de chefes. Tais falhas cobraram
alto preço.
Boas notícias não havia. Os tanques alemães se aproximavam de Minsk.
“O que você disse? O que está acontecendo em Minsk? Será que entendeu
direito? Como você sabe disso?”
“Não, Camarada Stalin, não entendi errado”, murmurou Vatutin em
resposta: “O front oeste entrou praticamente em colapso.”
Na verdade, o caos se instalara na maioria das frentes. Ordens eram
expedidas, por exemplo, esperando que tropas atacassem depois de marcharem
em retirada cerca de 300 quilômetros. Quando os contra-ataques tinham
sucesso, a manobra perdia impulsão por falta de combustível. Se não eram
dados os meios a um comandante para que cumprisse uma ordem impossível,
ele podia ser ameaçado de execução por seu superior, e a própria ordem, com
toda a probabilidade, seria, de qualquer forma, revogada. No ar, os alemães
tinham total liberdade de ação, porque a Força Aérea soviética não era vista em
parte alguma.13
Stalin sentiu que o olhar do povo caía sobre ele. Proclamara com frequência
a invencibilidade do Exército Vermelho e, agora, a ele parecia não haver
esperança para a situação. Quando Vatutin mostrou no mapa que o VIII e o XI
exércitos recuavam em direções divergentes, Stalin viu claramente que o
colossal fosso entre as frentes oeste e noroeste chegara a 130 quilômetros. As
forças principais do front oeste ou estavam cercadas ou tinham sido destruídas.
As da frente sudoeste, ao contrário, pareciam sustentar razoavelmente bem suas
posições. Por que não ouvira os especialistas e construíra defesas no front oeste?
Em todas as suas campanhas europeias, Hitler fora direto à capital para
conseguir a capitulação rápida do país. Por que os estrategistas não ressaltaram
tal característica?
Em estado de aflição, Stalin se comportou de forma hesitante, dividindo o
tempo entre a dacha próxima e o Kremlin, mas, em geral, aparecendo muito
pouco. Timoshenko, então também chefe do Estado-maior, estava claramente
em má situação. Todo mundo sabia que Stalin ainda detinha poder e
autoridade, mas agia impulsivamente e seu estado depressivo era visível. Isso,
naturalmente, se refletia em certo grau sobre o comando militar, e algumas de
suas ordens traziam a marca do desespero, como, por exemplo, mandando que
regimentos de infantaria a pé destruíssem os carros de combate das formações
inimigas que ficassem sem combustível,14 ou dando instruções detalhadas sobre
o emprego de unidades blindadas que deveria ser deixado à decisão dos
comandantes locais.15
Stalin foi para a dacha naquela noite e deitou-se sem tirar a roupa. Incapaz
de pegar no sono, levantou-se e foi à sala de jantar, onde havia sempre uma luz
acesa acima do retrato de Lenin. Os painéis escuros de carvalho que cobriam as
paredes casavam com seu ânimo acabrunhado. Vagando de sala em sala,
olhando para os telefones instalados em três locais distintos, esperando que
tocassem a qualquer momento trazendo mais notícias ruins, abriu a porta da
sala do oficial de serviço e deparou com o major general V.A. Rumyantsev. O
general se aprumou rapidamente no aguardo de ordens do chefe. O olhar do
secretário-geral perdeu-se pela sala, sem se fixar no militar, e, então, Stalin
fechou vagarosamente a porta e voltou para seu quarto.
Mikoyan deixou interessantes memórias sobre aquela ocasião. Recordou-se
de que ele, Molotov, Malenkov, Voroshilov, Beria e Voznesensky resolveram
propor a Stalin a criação de um Comitê de Defesa do Estado, que assumiria
todo o poder estatal. Seria chefiado por Stalin:
Quando o procurador-geral Rudenko e eu tratávamos do caso Beria, descobrimos que ele havia dito
que, já em 1941, Stalin, Beria e Molotov discutiram em particular a questão da rendição à Alemanha
fascista, concordando com a entrega a Hitler das repúblicas soviéticas bálticas, da Moldávia e de
grande parte da Ucrânia e da Bielorrússia. Eles tentaram contatar Hitler por intermédio do
embaixador búlgaro. Nem um czar russo jamais fizera isso. É interessante notar que o embaixador
revelou ter maior calibre do que esses líderes e disse que Hitler nunca derrotaria os russos, e que Stalin
não deveria se preocupar com aquilo.17
Nada havia sido feito antes da guerra para a construção de um abrigo antiaéreo
no QG do Estado-maior, se bem que Timoshenko e Zhukov tivessem insistido
nessa providência. Nem no Kremlin, tampouco nas dachas, Stalin contava com
quaisquer abrigos. Nos primeiros meses da guerra, todavia, ele muitas vezes
passou parte do tempo numa casa da rua Kirov, vizinha de alguns escritórios do
Estado-maior. A estação de metrô Kirov, que fora isolada da rede principal,
constituiu um excelente abrigo contra bombardeios aéreos. No inverno de
1941, um abrigo antiaéreo foi construído na dacha mais próxima, equipado
para o contato direto com os fronts.
Nos mapas preparados pelo Estado-maior, Stalin podia ver claramente as
três direções pelas quais Hitler desenvolvia seu avanço: no noroeste, para
Leningrado, no oeste, para Moscou, e no sudoeste, para Kiev. É provável que a
primeira decisão importante de guerra que Stalin tomou tenha sido a criação
de três QGs, um para cada setor, e por volta de 10 de julho, eles estavam
montados: o comando noroeste foi dado a Voroshilov, com Zhdanov como
membro do soviete de guerra; o comando oeste foi para Timoshenko, com
N.A. Bulganin como membro do soviete de guerra; no comando sudoeste ficou
S.M. Budenny, com Khruschev como membro do soviete de guerra. A ideia
dos três comandos separados foi boa, mas eles tiveram dificuldades para agir
efetivamente porque Stalin não se dispôs a delegar-lhes o poder necessário. As
ordens iam diretamente às forças sem passar pelos comandos, e as equipes de
Estado-maior eram ignoradas. Ademais, como a criação não fora
adequadamente planejada, faltou pessoal e apoio técnico aos comandos, e eles
logo se transformaram em alvos dos insultos de Stalin por “passividade e falta
de determinação”.
A frente norte não deu motivo de grande preocupação porque as ações só
começaram lá no fim de junho. A situação no front noroeste foi bem diferente.
Em pouco mais de duas semanas, as forças soviéticas recuaram cerca de 450
quilômetros, abandonando as repúblicas bálticas e deixando de explorar as
valiosas posições defensivas proporcionadas pelos rios Neman e Dvina
Ocidental. O novo comandante, Sobennikov, não se mostrou à altura da
expectativa e Stalin o substituiria no prazo de seis semanas.
Mas foi a frente oeste que causou o maior alarme. Por volta de 10 de julho,
as tropas soviéticas tinham recuado quase 500 quilômetros. Com 44 divisões,
Pavlov não fora capaz sequer de fazer frente ao ataque inimigo. Stalin estava
resolvido a investigar e colocar sob julgamento imediato o comando ocidental.
As perdas soviéticas eram colossais. Algo como 30 divisões haviam sido
praticamente aniquiladas, enquanto 70 delas perderam mais da metade dos
efetivos; aproximadamente 3.500 aviões tinham sido destruídos, juntamente
com mais da metade dos depósitos de combustíveis e de munições. E isso
depois de apenas três semanas de guerra! É claro que os alemães pagaram
também alto preço, ou seja, cerca de 150 mil oficiais e praças, mais de 950
aeronaves e várias centenas de carros de combate. Porém, mais tarde veio à tona
que as baixas soviéticas eram artificialmente reduzidas, enquanto as alemãs
eram aumentadas. Depois de duas semanas de batalha, a seguinte estatística foi
apresentada a Stalin:
Perda de aviões:
O mínimo do inimigo 1.664
Nossas perdas 889
Perdas de carros de combate:
Inimigo 2.625
Nossos 901
Perdas humanos do inimigo: Mortos 1.312.000
Na luta acirrada dos diversos setores, além do mais, o inimigo teve pesadas baixas, mas como nossas
tropas retraíam, foi impossível contabilizar as perdas. Muitas baixas não computadas foram infligidas
aos paraquedistas em ações isoladas.
Existem 30.004 prisioneiros, mais um número indeterminado de paraquedistas.
Nossos desaparecidos e aprisionados, até 29 Jun, eram de cerca de 15 mil.
Cinco submarinos inimigos foram afundados no Báltico e um no mar Negro.
Duas aeronaves inimigas de apoio ao combate naval foram destruídas.20
Com tais relatórios era impossível conhecer a posição real, a relação de forças e
o número de aviões, carros de combate e homens disponíveis. Mas aquelas
estatísticas eram propositalmente distorcidas por gente acostumada a mentir
para Stalin em função do culto ao líder, e ele as tomava por dados concretos
sem jamais imaginar que estava sendo enganado. Mas mesmo assim, o poderio
alemão declinou consideravelmente depois da força do primeiro ataque, e os
exércitos de Hitler não atingiram seu principal objetivo, que era a destruição
do Exército Vermelho.
O Exército lutava. Estava retraindo, mas estava lutando. Estudando os
mapas, Stalin aos poucos chegou à conclusão de que seria uma longa guerra e
que, se a URSS pudesse sobreviver à primeira fase, haveria uma chance de
vitória. Já em 5 de julho, quando ordenou que o Estado-maior condecorasse os
que se distinguissem por bravura especial, inclusive com a primeira comenda
de tempo de guerra de Herói da União Soviética, disse ao departamento de
propaganda que espalhasse as histórias sobre o heroísmo soviético. “Lembrem-
se da conclamação de Lenin: A Pátria Socialista corre perigo! Façam o povo saber
que é possível e é preciso esmagar o porco fascista!”
Além dos assuntos militares, Stalin também passava várias horas por dia nas
questões econômicas. Em 4 de julho, Voznesensky e Mikoyan submeteram à
apreciação do Comitê de Defesa do Estado a minuta de um plano de economia
de guerra que Stalin assinou quase sem ler. Voznesensky conseguiu relatar
apressadamente que, em 30 de junho, o Sovnarkom aprovara um plano de
mobilização econômica geral que previa a colocação da economia em pé de
guerra no mais curto tempo possível. Shvernik, responsável pelo soviete de
evacuação, acabara de reportar que, até então, só as fábricas próximas à
fronteira haviam sido deslocadas, mas que a derrocada militar exigia agora uma
abordagem mais abrangente.
Na prática, por volta de janeiro de 1942, 1.523 fábricas, das quais 1.360
dedicadas à produção de material de emprego militar, seriam transferidas
totalmente para o leste e postas em operação, uma conquista extraordinária da
maior importância. No setor agrícola, hoje sabemos que, em novembro de
1941, foi tomada a decisão de criar alguns milhares de seções políticas nas
estações de máquinas e tratores e nas fazendas estatais. A gigantesca perda de
terras e o fluxo da mão de obra rural para o Exército impuseram pesada carga
sobre a agricultura para que ela alimentasse o Exército e o país.
Homem central de todo este esforço, Stalin fez da guerra um modo de
confirmar plenamente sua ditadura absoluta. O ex-comissário dos Transportes,
I.V. Kovalev, fez-me o seguinte relato daquele período:
Lembro de ter sido chamado, como chefe da administração dos transportes militares, para uma
reunião no Kremlin. Lá, vi chefes ferroviários, militares e membros das equipes do Comitê Central.
Kaganovich estava, como também Beria, encarregado temporariamente dos transportes. Stalin entrou
na sala. Todos nos levantamos. Sem qualquer preâmbulo, ele disse: “O Comitê de Defesa do Estado
tomou a decisão de criar o Comitê dos Transportes. Proponho o Camarada Stalin para chefe desse
comitê.” Foi exatamente assim que ele falou. Recordo de mais alguma coisa que ele disse naquele
encontro: “Transporte é uma questão de vida ou morte. O front está na mão dos transportes.
Lembrem-se, descumprimento das ordens do Comitê de Defesa do Estado significa tribunal militar.”
Disse isto calma, mas deliberadamente, e um calafrio percorreu minha espinha.
No curso da guerra, tive que me reportar dezenas de vezes, senão centenas, a Stalin sobre a
movimentação de trens para os diferentes setores do front. Algumas vezes, quando era o caso de uma
carga especial, tinha que mantê-lo informado de duas em duas horas. Em dada ocasião, um trem
“perdeu-se”. Pensei que tinha sido em determinada estação, mas não foi lá. Stalin mal pôde conter a
raiva: “Se você não encontrá-lo, general, será mandado para o front como soldado.”* Ao sair do
gabinete, branco como uma folha de papel, ainda ouvi Poskrebyshev acrescentar: “Cuide para não se
enganar. O chefe está no fim da sua corda.”
Quando eu ia ao Kremlin, normalmente Molotov, Beria e Malenkov estavam na sala de Stalin.
Naquela época, achei que eles só atrapalhavam. Não perguntavam coisa alguma, ficavam apenas
sentados e ouviam, fazendo ocasionalmente anotações. E, durante o tempo todo, Stalin se ocupava
dando instruções, falando ao telefone, assinando documentos, chamando Poskrebyshev para lhe dar
ordens, e os três lá sentados, olhando para Stalin ou para quem entrasse. Testemunhei a cena dezenas e
dezenas de vezes. Era como se Stalin precisasse deles, fosse para cuidar de qualquer coisa que viesse a
surgir, fosse como testemunhas para a história.
Como regra, Kaganovich não estava presente; aquele trabalhava dezoito horas por dia, xingando e
ameaçando todo mundo e não poupando ninguém, nem mesmo a si próprio. Mas jamais o vi sentado
no escritório de Stalin, como os outros três. Quando Stalin falava ao telefone, emitia apenas umas
poucas frases e colocava o aparelho no gancho. Era lacônico e esperava que os outros também o
fossem. Não era de bom alvitre dar-lhe dados aproximados: ele baixava ameaçadoramente o tom da
voz e dizia: “Você não sabe? Que está fazendo, então?”
A despeito dos muitos encontros que tive com ele, comparecia a cada um deles em estado de pavor.
Meu temor era que perguntasse alguma coisa e eu não soubesse a resposta. Ele era uma pessoa
inacreditavelmente fria. Em vez de dizer “olá”, acenava simplesmente com a cabeça. Fazia meu relato
e, se não houvesse perguntas, deixava rapidamente a sala com um suspiro de alívio. Era o mais breve
possível. Poskrebyshev aconselhou-me a agir assim. As pessoas sentiam-se oprimidas pelo poder de
Stalin, também por sua memória fenomenal e pelo fato de que sabia muita coisa. Ele fazia com que
todos se sentissem ainda menos importantes do que na verdade já eram.
Tem que ser explicado a todo comandante, oficial político ou soldado que perder armas no campo de
batalha é uma violação séria do juramento militar, e que os culpados devem responder de acordo com
as leis de tempo de guerra. As equipes de civis encarregadas do recolhimento de armas devem ser
reforçadas com militares e ser responsabilizadas pela coleta de qualquer armamento abandonado no
campo de batalha.22
Sua resposta a uma situação difícil era sempre torná-la ainda mais difícil.
Exemplificando, Zhdanov e Zhukov no relatório sobre a situação em
Leningrado mencionaram o fato de que, no ataque às posições soviéticas, os
alemães empurravam mulheres e crianças, homens e mulheres idosos para a
frente, colocando os defensores em situação mais delicada ainda. As mulheres e
crianças gritavam: “Não atirem! Somos dos seus!” As tropas soviéticas não
sabiam o que fazer. A reação imediata de Stalin foi típica de seu caráter:
Dizem que os porcos alemães que avançam sobre Leningrado empurram velhos, mulheres e crianças
na frente. Ouço que há bolcheviques em Leningrado que consideram impossível empregar suas armas
contra essas pessoas. Acho que, se existirem tipos assim entre os bolcheviques, eles devem ser logo
destruídos porque são mais perigosos que os fascistas alemães. Aconselho não serem sentimentais,
arrasem o inimigo e seus cúmplices forçados ou não. Atirem nos alemães e nos seus acompanhantes,
sejam quem forem, com o que tiverem à mão, acabem com os inimigos, não importa se compelidos
ou voluntários. Ditado às 4h de 21 Set 41 pelo Camarada Stalin. Assinado B. Shaposhnikov23
Ponto Quatro.
Nosso exército subestima um pouco a importância da cavalaria. Na situação atual do front, quando a
retaguarda do inimigo está distendida por algumas centenas de quilômetros em terreno com muita
vegetação, e se encontra totalmente incapaz de proteger-se contra ações diversionárias importantes de
nossa parte, ataques rápidos da Cavalaria Vermelha podem ter um papel relevante na desorganização
da administração e do suprimento das forças inimigas. Se unidades de nossa cavalaria, que se
encontram dispersas e ociosas, puderem ser empregadas contra a retaguarda do inimigo, ele ficaria em
situação crítica, enquanto nossas forças seriam aliviadas de muita pressão. O Estado-maior Geral
acredita que tais incursões devem ser executadas por algumas dezenas de divisões de cavalaria ligeira
das forças com vocação para o ataque, cada uma delas com efetivo aproximado de 3 mil homens em
transportes leves, sem sobrecarregar nossos serviços de retaguarda.24
Pela URSS, o colegiado militar da Corte Suprema da URSS, constituído de: Presidente: advogado
militar V.V. Ulrikh;
Membros: advogados militares divisionários A.A. Orlov e D.Ya. Kandybin; Secretário: advogado
militar A.S. Mazur.
Numa sessão fechada em Moscou, em .... de julho de 1941, os seguintes casos foram julgados:
1. Pavlov, Dmitri Grigoryevich, nascido em 1897, ex-comandante do front oeste, general de exército.
2. Klimovskikh, Vladimir Yefimovich, nascido em 1895, ex-chefe do Estado-maior do front oeste,
major-general. Ambos acusados de crimes capitulados nos Artigos 63-2 e 76 do Código Penal
Bielorrusso.
3. Grigoryev, Andrei Terentyevich, nascido em 1889, ex-chefe das comunicações do front oeste, major
general.
4. Korobkov, Alexander Andreyevich, nascido em 1897, ex-comandante do IV Exército, major
general. Ambos acusados de crimes capitulados no Artigo 180, parágrafo b, do Código Penal
Bielorrusso.
Stalin pulou grande parte do documento que continuava nesta linha, mas leu a
seção final:
Desta forma, a culpa de Pavlov e Klimovskikh [...] e de Grigoryev e Korobkov [...] foi estabelecida.
Em consequência do acima exposto e de acordo com os Artigos 319 e 320 do Código do Processo
Penal da URSS, o colegiado militar da Corte Suprema da URSS sentencia que:
1. Pavlov, Dmitri Grigoryevich
2. Klimovskikh, Vladimir Yefimovich
3. Grigoryev, Andrei Terentyevich
4. Korobkov, Alexander Andreyevich
sejam despojados de seus postos, Pavlov como general de exército e o restante como major generais, e
sujeitos todos os quatro à mais alta forma de punição, ou seja, o fuzilamento, e que seus bens pessoais
sejam confiscados. A sentença é final e não comporta apelação.25
Surpreendo-me com o fato de o inimigo ter feito precisamente o mesmo tipo de avanço por trás de
nossas linhas no front de Stalingrado que o realizado no ano passado no front de Bryansk [...] Deve
ser ressaltado que o comandante do front de Bryansk era o mesmo Zakharov e que o ajudante do
Camarada Yeremenko era o mesmo Rukhle. Vale a pena pensar sobre isso. Ou Yeremenko não
entende a ideia de um segundo escalão enquanto as divisões da vanguarda não estão sob fogo, ou
estamos lidando aqui com alguém que alimenta sentimentos inamistosos e dá aos alemães detalhes
exatos de nossos pontos fracos.32
O major general Rukhle foi imediatamente preso, mas a sorte lhe sorriu e ele
sobreviveu. Stalin não podia se livrar do costume de apelar para medidas
severas e cruéis, mas todos àquela época acreditavam que providências duras se
justificavam em tempos difíceis.
Nota
* Não era ameaça vazia. O major-general N.A. Moskvin foi rebaixado por ordem de Stalin e mandado
para a frente de combate como soldado. (TsAMO, f.33. op. 11 454, d. 179.l.1)
[43]
Desastres e esperanças
O comandante de front Tyulenev acabou se tornando incompetente. Não sabe como avançar nem
como recuar sua tropa. Perdeu dois exércitos de uma forma com que não se perderiam nem dois
regimentos. Sugiro que você vá de imediato ao encontro de Tyulenev, veja por si mesmo como está a
situação e reporte prontamente sobre o plano de defesa. Acho que Tyulenev está desmoralizado e não
é capaz de comandar o front. Ditado por telefone às 5h50 de 12 Ago 41.35
Por outro lado, o tenente-general Kachalov, comandante do XXVIII Exército, demonstrou covardia e
se entregou, enquanto seu QG e suas unidades romperam o cerco; o major general Ponedelin se
rendeu, como também o major general Kirilov do 13º Corpo de Fuzileiros. Foram fatos vergonhosos.
Covardes e desertores devem ser destruídos.
Ordeno que:
1. Quem quer que remova seu distintivo de posto durante a batalha e se renda deve ser considerado
desertor mal-intencionado, cuja família tem que ser presa por parentesco com o violador do
juramento e traidor da pátria. Tais desertores têm que ser fuzilados no ato.
2. Os que forem cercados têm que lutar até o fim e tentar chegar às linhas amigas. Os que preferirem a
rendição têm que ser aniquilados por quaisquer meios disponíveis, e suas famílias privadas de toda a
assistência e subsídios estatais.
3. Os corajosos e os bravos devem ser promovidos com mais assiduidade.
Esta ordem é para ser lida em todas as companhias, esquadrões, baterias.36
Tendo ditado o texto impulsivo sem hesitação alguma, Stalin deixou-o
como estava, não o editou, mas determinou que os nomes de Molotov,
Budenny, Voroshilov, Timoshenko, Shaposhnikov e Zhukov fossem
acrescentados na assinatura, embora nem todos estivessem presentes.
Em torno do fim de agosto, Stalin recebeu uma carta do escritor Vladimir
Stavsky, que acabara de passar dez dias no front próximo a Yelnya. Um trecho
da carta é o seguinte:
O único comentário de Stalin sobre a carta foi assinalar o dado das execuções
para a atenção de Mekhlis. Nesse ínterim, uma das maiores tragédias da guerra
se aproximava. Em 8 de agosto de 1941, Stalin estava de novo na linha com
Kirponos:
Stalin: “Chamou a atenção o fato de que o front decidiu entregar logo Kiev ao inimigo, supostamente
por falta de tropas capazes de defender a cidade. Isso é verdade?”
Kirponos: “Alô, Camarada Stalin. Você foi mal-informado. O conselho de guerra e eu estamos
fazendo o possível para não deixar que Kiev seja capturada em hipótese alguma. Todos os nossos
pensamentos e nossas energias estão voltados para que o inimigo não conquiste Kiev.”
Stalin: “Muito bom. Envio meus cumprimentos e o desejo de sucesso. Isto é tudo.”38
Mais determinação e mais calma. A vitória está garantida. Só existem forças inimigas triviais contra
você. Concentre sua artilharia nos pontos de penetração. Nossa aviação opera em seu apoio. Nossas
tropas estão atacando Romny. Repito: mais determinação e mais calma. Reporte com mais
frequência.40
Este é o filho mais velho de Stalin, Yakov Djugashvili, comandante de bateria do 14º Regimento de
Artilharia de Campanha da 14ª Divisão Blindada, que se rendeu próximo a Vitebsk em 16 de julho,
juntamente com milhares de outros oficiais e praças. Por ordem de Stalin, Timoshenko e seus
comissários políticos andam dizendo a você que os bolcheviques não se entregam. Mas os homens do
Exército Vermelho estão se bandeando para o lado alemão o tempo todo. Para amedrontá-lo, os
comissários lhe dizem que os alemães tratam muito mal seus prisioneiros. O exemplo do próprio filho
de Stalin mostra que isto é uma mentira. Ele se rendeu porque qualquer resistência ao Exército
Alemão é inútil.43
Stalin esperava receber informações precisas sobre o que ocorria, mas quando
seus comandantes lhe relatavam francamente os fatos, sua reação, quase
sempre, era a de acusá-los de alarmismo. Durante a crise de Kiev, por exemplo,
Tupikov reportou: “A situação no front torna-se mais difícil a cada minuto. É o
começo da catástrofe que vocês sabem, e é só uma questão de dias.”44 Stalin
telegrafou de volta dizendo que a mensagem de Tupikov denotava pânico.45
Dali por diante, os comandantes mostraram cautela em dizer a verdade para
Stalin, caso ela não fosse agradável. A conversa de 4 de setembro de 1941 entre
Zhukov e o major-general K.I. Rakutin, comandante do XXIV Exército, é
típica do período. Zhukov censurou Rakutin por ter lançado seus tanques na
batalha “sem raciocinar”, perdendo-os, como também por fazer relatórios
falsos.
Rakutin: “Vou sair esta manhã para investigar o problema, já que acabei de
receber o relatório...”
Zhukov: “Você é um general, não um detetive. Mande-me um relatório
escrito para que eu possa apresentá-lo ao governo. Shepelovo foi ocupada ou
isso é lorota também?”
Rakutin: “Shepelovo não foi ocupada. Eu mesmo vou verificar amanhã e
relatarei para você. Não mentirei.”
Zhukov: “O principal é: acabe com essas mentiras que saem do seu Estado-
maior e lide adequadamente com a situação, ou não será nada bom para
você.”46
Rakutin fora iludido pelos subordinados que reportaram sucesso não
existente. Isto aconteceu com frequência, pois as pessoas mentiam com medo
da punição. Rakutin não investigou o problema porque, afinal de contas,
morreu em combate apenas um mês depois.
Em meados de setembro de 1941, Shaposhnikov observou para Stalin que,
se todas as divisões tivessem lutado tão bem quanto as melhores unidades, o
inimigo teria sido barrado bem antes. Stalin, que estava louco para elevar o
moral da tropa, determinou que o Estado-maior encontrasse uma forma de
distinguir as melhores unidades, a fim de estimular e dar exemplo para o
restante do exército. Resultou a Ordem nº 308, de 18 de setembro, criando as
Guardas Soviéticas e renomeando as 100ª, 127ª, 156ª e 161ª divisões de
infantaria como Divisões de Guardas por suas bravura, disciplina e
organização, aumentando pela metade o soldo de seus oficiais e dobrando o das
praças.47
Em março de 1942, Stalin convocou uma reunião para discutir propostas
do QG do front sudoeste. Compareceram Voroshilov, Timoshenko,
Shaposhnikov, Zhukov e Vasilievsky. Timoshenko sugeriu um ataque amplo no
sul, com o emprego de forças dos três fronts e partindo da linha Nikolaev-
Cherkassy-Kiev-Gomel. Shaposhnikov objetou dizendo que as reservas eram
insuficientes e que seria mais prudente manter uma defensiva ativa ao longo de
toda a frente, dando-se especial atenção ao setor do centro. Stalin observou:
“Não podemos ficar sem fazer alguma coisa, esperando que o inimigo ataque
primeiro.” A ideia de Zhukov foi atacar no setor ocidental e manter a defesa
ativa no restante do front. Timoshenko firmou posição e Voroshilov o apoiou,
mas Vasilievsky se opôs. As opiniões ficaram divididas e todos esperaram pela
palavra de Stalin. Chegara o momento de ele tomar uma decisão genuinamente
estratégica, mas optou por um meio-termo tíbio: as forças do setor sudoeste
executariam um único ataque local contra o grupo inimigo em Kharkov, como
um passo na direção da libertação total da bacia do Donets. Ninguém fez
qualquer objeção. Raramente isso ocorria no QG do Estado-maior Geral.
Stalin supôs que um ataque em direções convergentes – a partir do distrito
ao sul de Volchansk e da cabeça de ponte de Barvenkovo – deixaria o inimigo
em situação difícil. O que não sabia era que os alemães preparavam um ataque
às forças soviéticas no saliente de Barvenkovo. O plano de Stalin, portanto, era
risco puro.
A ofensiva de Kharkov teve lugar em 12 de maio e começou bem. As tropas
avançaram 50 quilômetros em três dias quando, de repente, os alemães
desencadearam poderoso ataque do sul contra o flanco da força soviética que
progredia. Uma série de ordens contraditórias foi expedida. Aparentemente,
por volta de 18 de maio, Timoshenko solicitou a Stalin que parasse a ofensiva
(não foi encontrado registro documental da conversa dos dois). Stalin recusou:
“Vamos enviar duas divisões de infantaria e duas brigadas blindadas. O front
sul tem que ser mantido. Os alemães em breve estarão desgastados.”
Mais tarde, durante o XX Congresso do partido, Khruschev culpou
diretamente Stalin pelo desastre de Kharkov. Lembrou-se de que procurou
contato com o Kremlin a partir do front. Malenkov pegou o telefone e
Khruschev exigiu falar com Stalin, o qual, a poucos passos de distância, disse
para Malenkov continuar atendendo a chamada. Khruschev disse para solicitar
a Stalin que suspendesse a ofensiva, ao que o secretário-geral replicou: “Deixe
as coisas como estão!”
Zhukov dá uma versão diferente para os eventos, colocando a culpa nas
lideranças dos setores sul e sudoeste. Escreve em suas memórias que o Estado-
maior teve consciência do perigo iminente antes dos fronts. Já em 18 de maio,
argumenta, o Estado-maior era favorável à interrupção da ofensiva. “Naquela
noite, houve uma conversa com Khruschev no front, que assumiu a mesma
linha da equipe do QG do sudoeste, ou seja, que o perigo representado pelo
grupo inimigo em Kramatorsk era exagerado e que não havia necessidade de
suspender a ofensiva.” Foi nesse relatório que Stalin confiara, ignorando as
preocupações do Estado-maior Geral. Zhukov descarta os pleitos de Khruschev
quanto ao envio de relatórios alarmantes: “Posso servir de testemunha, pois
participei das conversações com o comandante-supremo.”48 Zhukov repete
várias vezes que Stalin fiou-se nos relatórios de Khruschev e Timoshenko,
deixando de dar o devido peso às análises mais ponderadas do Estado-maior
Geral.
À proporção que o exército blindado de Kleist intensificava o ataque e
alargava a brecha no front, Stalin foi se conscientizando de que, em um dia ou
dois, as tropas soviéticas ficariam presas na “ratoeira” de Barenkovo; portanto,
finalmente, deu a ordem para que o saliente de Barenkovo fosse mantido. Mas
já era tarde. O VI e o LVII exércitos e o Corpo de Exército do general L.V.
Bobkin, que avançavam sobre Krasnograd, caíram no cerco e foram
praticamente aniquilados. Se Stalin entendeu as causas daquilo que foi outra
grande tragédia da guerra, ou se ficou consciente de sua falibilidade como
estrategista e tático, é difícil dizer. De qualquer forma, tanto ele quanto o
Estado-maior estavam aprendendo as lições sangrentas da guerra.
Em decorrência das funestas derrotas na Crimeia e em Kharkov, Stalin
concluiu que era hora de aumentar a atividade guerrilheira. No fim de maio de
1942, assinou a Ordem nº 1.837 criando a equipe do QG central guerrilheiro
a ser vinculada ao Estado-maior. QGs de guerrilhas deveriam ficar adidos
também aos sovietes de guerra dos fronts sudoeste, de Bryansk, oeste, de
Kalinin, de Leningrado e da Karélia. A importância política e militar do
movimento foi demonstrada pelo fato de que seu Estado-maior do QG central
deveria incluir P.K. Ponomarenko, do Comitê Central, V.T. Sergienko, da
NKVD, e G.F. Korneyev, da divisão de informações do Comitê de Defesa.
Quando pareceu que o front sul estava mais ou menos estabilizado, Stalin
sentiu que era hora de intervir novamente. Às 2h de 26 de junho de 1942,
tendo ouvido o relatório rotineiro de Vasilievsky, Stalin não deixou que saísse e
disse:
“Espere um momento, quero dizer mais alguma coisa sobre a derrota de
Kharkov. Hoje, quando perguntei ao Estado-maior do sudoeste se o inimigo
fora detido em Kupyansk e como ia a formação das defesas no rio Oskol, não
consegui nada de sensato da parte deles. Quando essa gente aprenderá a
combater? Os QGs, por certo, já deveriam ter tirado algumas lições da derrota
de Kharkov. Quando começarão a cumprir as ordens do Estado-maior? Eles
têm que ser lembrados disso. Aqueles que merecerem deverão ser punidos e,
enquanto isso, eu gostaria de mandar uma carta pessoal para a liderança de lá.
O que você acha?”
“Acho que seria útil”, replicou Vasilievsky, e Stalin começou a ditar a carta
seguinte em nome do Comitê de Defesa, sem se dar ao trabalho de consultar
nenhum de seus membros:
Stalin fez uma pausa e perguntou: “Como é o nome daquele general que foi
derrotado juntamente com Samsonov em 1914? Aquele com o nome alemão?”
“Rennenkampf ”, respondeu Vasilievsky.
“Sim, é isso. Correto, vamos continuar.”
Esta catástrofe é tão fatal em suas consequências como o foi a sofrida por Rennenkampf e Samsonov
na Prússia Oriental. Depois de tudo o que aconteceu, o Camarada Bagramyan poderia ter aprendido
alguma coisa, se quisesse. Infelizmente, não há indício disso. Agora, como antes da catástrofe, a ligação
do Estado-maior com os exércitos não é satisfatória, nossa informação é de pobre qualidade.
Estamos enviando o Camarada Bodin, vice-chefe do Estado-maior, para servir como seu chefe
temporário de Estado-maior. Ele conhece esse front e pode fazer um bom trabalho. O Camarada
Bagramyan é nomeado chefe de Estado-maior do XXVIII Exército. Se ele se sair bem nessa função,
levantarei o assunto de sua indicação para a promoção.
Obviamente, o Camarada Bagramyan não é todo o problema. Ainda existem os erros cometidos pelo
soviete de guerra, sobretudo pelos Camaradas Timoshenko e Khruschev. Se tivéssemos que contar ao
país a escala total do revés sofrido, e por que ainda passa o front, temo que o povo iria tratá-los de
maneira bem áspera. Boa sorte.
26 Jul 42, 2h. Stalin49
Moscou está em posição delicada e não pode fornecer novas reservas. Ou vocês rompem o cerco nos
próximos dois ou três dias e dão um escape para o leste para nossas tropas, caso Leningrado não possa
ser mantida, ou serão feitos prisioneiros. Exigimos uma ação rápida e decisiva. Concentrem oito ou
nove divisões e abram caminho para leste. Isto é essencial, possa Leningrado ser mantida ou render-se.
Para nós, o Exército é mais importante. Exigimos ação decisiva.
* Em 30 de setembro de 1941, a Força Aérea soviética tinha perdido 96,4% dos aviões que possuía
quando a guerra começou. (TsAMO, f.35. op. 11 285. d. 9. l. 324)
O Estado-maior considera intolerável e inadmissível que, por diversos dias, o soviete de guerra não
tenha mandado notícias sobre o destino do XXVIII e do LVII Exércitos e do 22º Corpo Blindado. De
diversas fontes, o Estado-maior tem conhecimento que os Estados-maiores destes exércitos recuaram
para trás do Don, mas nem tais Estados-maiores nem os sovietes de guerra informaram ao Estado-
maior para onde essas forças foram e o que lhes aconteceu, se ainda combatem ou caíram prisioneiras.
Eram cerca de quatorze divisões nestes exércitos e o Estado-maior deseja conhecer seu paradeiro.57
Os escribas nazistas estão citando cifras astronômicas de 30 mil supostos prisioneiros de guerra e
falando em maior quantidade ainda de mortos. Nem é preciso dizer que se trata de típica mentira
nazista. Segundo dados ainda não confirmados, pelo menos 30 mil alemães foram mortos [...] Partes
do II Exército de Assalto recuaram para posições preparadas. Perdemos aproximadamente 10 mil
mortos e 10 mil desaparecidos em ação.
A simetria destes dados já era bastante suspeita àquela época e agora sabemos
que milhares e milhares de combatentes soviéticos foram tragados pelos
pântanos na operação malplanejada e que ainda estão listados como
“desaparecidos”.
Em determinada ocasião, poucas semanas depois, Beria, que juntamente
com Molotov ainda se encontrava tarde da noite na dacha de Stalin, tirou um
documento de sua indefectível pasta e o mostrou a Stalin.
“O que é isso?”
“Dê uma olhada. Veja onde está o desaparecido comandante do II Exército
de Assalto”, replicou Beria.
Stalin passou os olhos pelo documento que era “Uma proclamação do
comitê russo dos soldados e oficiais do Exército Vermelho para todo o povo
russo e todas as nações da União Soviética”:
O Comitê Russo tem os seguintes objetivos: derrubar Stalin e sua súcia, concluir uma paz honrosa
com a Alemanha, criar uma Nova Rússia. Convocamos você a se juntar ao Exército Russo de
Liberação que luta em aliança com a Alemanha.
Presidente do Comitê Russo tenente-general Vlasov
Secretário do Comitê Russo tenente-general Malyshkin65
Havia passes para o cruzamento das linhas, “Uma carta aberta de Vlasov sobre
os motivos pelos quais tomei o caminho da luta contra o bolchevismo”, e
publicações semelhantes.
Stalin pôs de lado os documentos e perguntou a Beria: “Podem ser
falsificações? O que se sabe sobre Vlasov? Há confirmação?”
Beria replicou: “Há, sim. Vlasov está trabalhando para os alemães.”
“Como deixamos que escapasse antes da guerra?”, interveio Molotov.
Como resposta, Beria tirou a ficha pessoal de Vlasov de sua pasta. Stalin leu
que ele nascera na província de Nizhni Novgorod (Gorky) no seio de uma
família mediana (isto é, nem rica nem pobre) de camponeses. Não tinha
parentes além da esposa e do pai idoso. Beria sublinhou a anotação de que
Vlasov completara a escola religiosa e estudara durante dois anos num
seminário teológico antes de 1917. Combatera na guerra civil e todos os seus
serviços posteriores foram bem-sucedidos: a 99ª Divisão de Infantaria, sob seu
comando, estivera entre as melhores no distrito de Kiev. Antes, desempenhara
missão especial na China. Comandara o 4º Corpo Mecanizado que combateu
com bravura em Przemsyl e Lvov, e fora promovido para comandar o XXXVII
Exército que defendia Kiev. Saíra-se muito bem naquela missão, recebera o XX
Exército e, finalmente, o II Exército de Assalto.
Em 20 de abril de 1942, o próprio Stalin assinara a ordem nomeando-o
comandante “combinado” – um termo raro no vocabulário militar – do II
Exército de Assalto e vice-comandante em chefe do front de Volkhov.66 Fora
condecorado com a Ordem de Lenin e a da Bandeira Vermelha. Tinha um
histórico irretocável. O relatório de 1938 do partido a seu respeito afirmava
que “ele está fazendo muito para liquidar os remanescentes da sabotagem nas
unidades”. Seus avaliadores foram oficiais renomados como Kirponos,
Muzychenko, Parusinov e Golikov. O único comentário numa certidão datada
de 19 de novembro de 1940 referia-se a um desejo “de dedicar atenção ao
emprego e à manutenção dos cavalos”. Ao longo de toda a ficha havia
observações como “Dedicado à causa do partido de Lenin-Stalin e à da Pátria-
Mãe”. Numa avaliação de 24 de janeiro de 1942, o general Zhukov escrevera
que Vlasov era bem treinado operacionalmente e estava totalmente capacitado
para comandar um exército. Receber um “totalmente capacitado” de Zhukov
não era façanha pequena naqueles tempos sisudos.
Stalin não acreditava que Vlasov pudesse fazer muita coisa importante para
os alemães, mas entendeu que, depois do anúncio da formação do Exército
Russo de Liberação, poderia esperar o surgimento de outras organizações
nacionais como aquela, e estava certo.
Em 1942, as autoridades germânicas começaram a explorar os
acampamentos à procura de desertores que desejassem não apenas servir no
exército de Vlasov, como também nas diversas legiões nacionais: georgiana,
armênia, turquestã, caucasiana, báltica e outras. Muito esforço foi feito com
esse intuito, mas pouco resultou. Alguns prisioneiros de guerra se filiaram a
estas legiões como meio de sobrevivência e como uma possível maneira de
voltarem às suas forças, mas também existiram aqueles que se deixaram levar
pela propaganda nacionalista. Alguns “legionários” chegaram mesmo a tentar
cruzar as linhas em uniformes confeccionados pelos alemães, sem saber ao certo
o destino que os esperava. Por exemplo, em 3 de outubro de 1942, Bergenov,
Khasanov e Tulebaev, três soldados da legião turquestã, procuraram
companheiros durante quatro dias, toparam com unidades soviéticas e disseram
que grande parte de seu batalhão desejava retornar à sua unidade. Em 8 de
outubro,Tsulaya e Kabakadze apareceram numa zona de defesa da 2ª Divisão
de Guardas e pediram ajuda para que um destacamento da legião georgiana
cruzasse a linha.67
Os alemães eram bastante otimistas em relação às legiões que formaram nas
repúblicas bálticas, cujas populações só viviam sob mando soviético por apenas
um ano antes da guerra. O comando alemão, contudo, apenas as empregou
como auxiliares, na guarda de instalações e estradas e, ocasionalmente, em
expedições punitivas. Depois da guerra, esses legionários foram julgados e
exilados. O governo báltico solicitou às autoridades soviéticas que decretassem
uma anistia. Em 16 de março de 1946, V.T. Latsis, primeiro-ministro da RSS
da Letônia, e Ya.E. Kalberzin, primeiro-secretário do partido letão, escreveram
a Moscou:
A NKVD acha que seria sensato deportar de Stavropol, Kislovodsk, Pyatigorsk, Mineralnye Vody e
Essentuki as famílias de bandidos, cúmplices ativos dos alemães, traidores da Pátria-Mãe e aqueles que
passaram voluntariamente para o lado germânico, e assentá-los permanentemente na RSS do
Tadjiquistão como colonos especiais. As quantidades envolvidas são 735 famílias ou 2.238 pessoas.
Solicito suas ordens.69
De acordo com suas instruções, submeto à sua apreciação uma minuta de decreto do Presidium do
Soviete Supremo da URSS sobre condecorações e medalhas para os participantes que mais se
destacaram na deportação de chechênios e inguches. Dezenove mil membros da NKVD, da KGB e da
Smersh** tomaram parte, mais cerca de 100 mil oficiais e membros das forças da NKVD, dos quais
uma parcela substancial participou da deportação dos karachays e kalmyks, e serão envolvidos na
próxima deportação dos balkares. Como resultado destas três operações, cerca de 650 mil chechênios,
inguches, kalmyks e karachays já foram enviados para as regiões orientais da URSS.74
Stalin chegara a ponto de acusar nações inteiras de traição, e mais de 100 mil
soldados foram empregados para deportar velhos, mulheres e crianças. Se ele
tivesse seguido esta lógica até o extremo, depois da formação do Exército Russo
de Liberação, teria deportado todos os russos e todos os ucranianos – na
realidade, todas as nações da URSS!
O movimento Vlasov surgiu por uma série de razões: as grandes derrotas, os
sentimentos de injustiça nacional e social entre alguns representantes (e seus
filhos) de antigas classes privilegiadas, o medo da reação de Stalin por cair
prisioneiro. Quanto mais o Exército Vermelho era vitorioso em fazer o inimigo
refluir, menor a quantidade dos prisioneiros de guerra soviéticos que se
juntavam aos alemães e, pelo final de 1942 e em 1943, a quantidade minguou
para praticamente zero. Falando aos agitadores que trabalhavam no seio das
tropas não russas, o chefe da administração política do Exército Vermelho, A.S.
Shcherbakov, observou que em agosto de 1942, no front de Leningrado,
ocorreram 22 casos de homens que passaram para o lado alemão, enquanto em
janeiro de 1943 foram apenas dois. Depois, não houve mais caso algum.75
No seu livro Die Geschichte der Wlassow Armee, História do Exército Vlasov,
Joachim Hoffmann afirma, aparentemente com base nos arquivos de Vlasov,
que, por volta de maio de 1943, a Wehrmacht contava com noventa batalhões
russos e quase outras tantas legiões nacionais à sua disposição.76 Tais
quantidades são grosseiramente infladas, e a tentativa de retratar o movimento
Vlasov como alternativa viável para o bolchevismo é inconvincente ao extremo.
As formações de Vlasov não eram compostas de “combatentes ideológicos” e
sim de uma mistura de criminosos e nacionalistas, essencialmente de pessoas
que se encontravam em situação desesperadora e estavam convencidas de que
ali estava uma possível forma de sobrevivência. O fato de Vlasov recorrer a
emigrados brancos da estatura do comandante cossaco P.N. Krasnov, do
general A.G. Shkuro, do general Sultan-Girei Kluch e de outros bem atesta a
pobreza ideológica do movimento.
Foi principalmente o sucesso militar soviético que solapou o movimento
Vlasov, dissipando-o como fez à depressão, ao pânico e à apatia que tinham
provido solo fértil para as defecções. Não obstante, Stalin preferiu explicar o
movimento Vlasov como evidência de que nem todos os “inimigos do povo”
haviam sido desmascarados antes da guerra. Uma supervisão estrita foi mantida
sobre os que retornaram do cativeiro, medidas especiais seriam introduzidas
nos fronts, com ação punitiva contra os que manifestassem dúvida sobre a
capacitação de seus comandantes. A checagem nos territórios liberados e a
vigilância sobre a retaguarda do Exército Vermelho ficaram a cargo da NKVD
e, como demonstram seus relatórios regulares, Beria fez seu trabalho em grande
escala. Por exemplo:
Beria e sua equipe não se limitaram a trabalhar no lado soviético, mas também
tentaram descobrir o que acontecia nas unidades de prisioneiros de guerra
formadas pelos alemães. Beria, que normalmente despachava sozinho com
Stalin ou na companhia de Molotov, em certa ocasião mostrou a Stalin as
anotações feitas durante o interrogatório do major general A.E. Budykho, que
escapara de um campo de concentração alemão e se juntara a um grupo de
guerrilheiros. Ele então definhava num campo de concentração soviético em
Oranienburg, onde a maioria de seus colegas de prisão era constituída por
oficiais que tinham sido prisioneiros de guerra dos alemães. Budykho fez um
relato detalhado, descrevendo a chegada ao campo do representante pessoal de
Vlasov, o general Zhilenkov, e de outros oficiais do Exército Russo de
Liberação.
Zhilenkov fora secretário de um comitê do partido do distrito de Moscou
antes da guerra e progredira rapidamente na carreira, graças ao expurgo nas
organizações partidárias. Como membro do soviete de guerra do XXXII
Exército no front oeste, ele fora cercado e caiu prisioneiro. Oportunista
bajulador, ao se ver, subitamente, entre oficiais antigos do partido, logo se
transformou em colaborador. O mesmo aconteceu com outro dos auxiliares de
Vlasov, o tenente-general Malyshkin, chefe do Estado-maior do XIX Exército.
Fora preso em 1938 e libertado no começo da guerra. Quando Beria reportou
sobre diversos generais que tinham sido condenados e depois libertados, Stalin
quis saber quem tinha feito a petição em favor de Malyshkin. Lamentou o
tempo perdido para ouvir relatos sobre todos os traidores desconsiderados nos
anos 1930.
Em fevereiro e março de 1943, foram realizados julgamentos in absentia,
nos quais Vlasov e outros foram condenados à morte. As sentenças foram
executadas em agosto de 1946, depois que os sentenciados foram capturados
pelas forças soviéticas e repatriados.
No fim, Stalin deve ter pensado que tudo que os Vlasovs armaram não fez a
menor diferença. O país já tinha passado pelo pior. Seria difícil encontrar um
início de guerra mais melancólico que o de junho de 1941. Todas as
autoridades civis e militares de proa achavam que a URSS, na melhor das
hipóteses, sobreviveria por três meses. Mas o povo soviético as desmentiu.
Contudo, a inacreditável resistência e a obstinação sem limites seriam
creditadas à “sábia liderança” de Stalin, o responsável mais direto pela
catástrofe.
Notas
* Surgiram também informações de que Khozin era muito dado à bebida e de que levava mulheres para
seu apartamento — ele alegou que elas iam lá para assistir filmes (TsPA IMI. F.77. op. 3 . d. 133. 1. 1-4.)
** Sigla russa de Smyert Shpiona, “Morte aos Espiões,” um apelido da Voyenna Kontra Razvedka, a
contrainteligência militar.
PARTE IX
O comandante supremo
S talin não foi o líder militar genial descrito em tantos livros, filmes,
poemas, monografias e histórias. Tampouco era dotado do grande poder
de prognosticar que lhe atribuem. Dado o molde dogmático de sua
mente, seria até de admirar que o tivesse. Mais significativo ainda, embora
determinado e inflexível, carecia de habilitações profissionais militares. Chegou
a alguma sapiência estratégica à custa de tentativa e erro salpicada de sangue.
Seu histórico civil era totalmente inadequado ao posto de Supremo
Comandante em Chefe e, na verdade, sua reputação como líder guerreiro foi
sustentada pela capacidade coletiva do Estado-maior Geral e pelos excepcionais
talentos de algumas das personalidades que trabalharam próximo a ele durante
a guerra. Entre elas, sobretudo Shaposhnikov, Zhukov, Vasilievsky e Antonov.
Destituído de real experiência militar, Stalin, em especial durante os primeiros
dezoito meses de guerra, não dominava a concepção do trabalho da máquina
militar, o sentido de tempo operacional, as distâncias reais, ou mesmo o que as
tropas podiam ou não executar. Em consequência, muitas de suas ordens não
foram cumpridas, já que eram irrealistas, apressadas ou irrefletidas.
Por exemplo, em 28 de agosto de 1941, ele determinou que a força aérea de
dois fronts destruísse algumas formações de carros de combate com o emprego
de não menos que 450 aeronaves, e a operação deveria começar ao amanhecer
do dia seguinte.1 Até em termos de informações, para não falar em logísticos,
esta ordem revela completa ausência de percepção do que é esperado que tal
força consiga. Como Supremo, era como se supusesse que bastava expedir a
ordem para que o sistema entrasse em ação, sem ideia de como ele funcionava.
Pouco a pouco, no entanto, foi aprendendo e, ao tempo de Stalingrado,
segundo Zhukov, “ele tinha uma boa compreensão das questões estratégicas
amplas”.2 Contudo, uma boa compreensão não corresponde a conhecimento
estratégico. Aí sim foi que entrou a contribuição coletiva do Estado-maior, cujo
papel foi excepcional.
Na véspera da guerra, Zhukov e Timoshenko levantaram para Stalin a
questão da criação de um ou dois centros de controle especialmente equipados
para a direção das Forças Armadas. Em maio de 1941, pela segunda ou terceira
vez, eles propuseram a formação do Quartel-General do Estado-maior Geral, o
qual, entre outras coisas, instituiria o treinamento em todo o país com o
propósito de colocar a economia em pé de guerra. Stalin, em princípio,
considerou boa a ideia de um QG do comando supremo, mas não tomou
decisão concreta e ninguém mais tocou no assunto, ainda mais porque todos
sabiam que ele permaneceria apenas em dois locais – no Kremlin ou na dacha
próxima. Raramente ia à outra dacha em Semenovsky e acabou por
transformá-la, em novembro de 1941, em casa de feridos de guerra. O QG do
Supremo Comandante em Chefe foi, portanto, a sala de Stalin no Kremlin, na
dacha das proximidades, na casa da rua Kirov ou no edifício do Estado-maior.
Como Stalin desempenhava diversas funções — não havia ordem do
Comitê Central, do Sovnarkom ou do Soviete Supremo que não passasse por
seu crivo —, e por causa do fluxo constante de funcionários para consultá-lo
sobre qualquer questão a qualquer hora do dia ou da noite, ninguém sabia ao
certo qual era o órgão específico que estava “operacional” em determinado
momento. Podia ser o Politburo, com seus militares cooptados, ou o Comitê
de Defesa do Estado, juntamente com outros comitês, ou o Estado-maior, com
alguns membros do Politburo. Por vezes, Stalin aclarava a situação dizendo
“Registre isso como ordem do Comitê de Defesa”, ou “Isso deve ser formulado
como uma diretriz do Estado-maior”. Em algumas ocasiões, Malenkov anotava
as minutas de uma discussão como ordens do Politburo. Praticamente tudo que
Stalin pronunciava era final e decisivo, a despeito da maneira com que a ordem
fosse redigida. A impressão é que ele dava pouco valor à sua filiação formal a
este ou àquele comitê. Não obstante, isso causava dificuldades para os
funcionários que tinham que decidir, para o cumprimento das determinações,
qual agência deveria desempenhar a tarefa.
Como regra, não eram tomadas anotações ou preparadas minutas. Os
arquivos de Stalin estão repletos de documentos contendo relatórios,
inquéritos, ordens e prescrições, mas não há praticamente nada sobre debates
do Estado-maior a respeito de questões estratégicas. Depois de recuperado do
choque inicial, Stalin reunia dois ou três membros do Estado-maior e, juntos,
equacionavam e resolviam problemas operacionais. Desde o início, os oficiais
dos altos escalões do Estado-maior aprenderam que, quando convocados,
deveriam chegar com propostas e argumentos totalmente preparados. Isso
fortalecia o papel de Stalin como árbitro superior e sumo sacerdote.
Os integrantes da equipe do secretário-geral sabiam que cada membro do
Comitê de Defesa do Estado era responsável por determinado setor: munições,
aviões, transportes, relações exteriores, e assim por diante. Não havia tal divisão
de responsabilidades no QG de Stalin, o qual dirigia os fronts na base do dia a
dia com a ajuda do Estado-maior Geral, do Estado-maior da Força Aérea e de
repartições do Comissariado de Defesa. No lugar de assessores servindo na
equipe de Stalin, um instituto de representantes dele começou a funcionar “de
forma espontânea” dentro das Forças Armadas. Em geral, Stalin não retinha os
homens do Estado-maior em Moscou, parecia preferir vê-los em missão em
diferentes locais. Assim, Zhukov, Timoshenko, Vasilievsky, Voronov e, no
começo, Mekhlis, todos responsáveis por tarefas cruciais, faziam frequentes
visitas às tropas.
Stalin esperava que reportassem diariamente, fosse por escrito fosse por
telefone, e os recriminava, por vezes com veemência, quando não o faziam no
devido tempo. Nas suas memórias, Vasilievsky, com quem Stalin mantinha,
pode-se dizer, boas relações, cita parte de um dos telegramas recebidos do
chefe, datado de 17 de agosto de 1943. O texto completo merece citação:
São quase 3h30 de 17 de agosto e você ainda não se dignou em reportar para o Estado-maior sobre os
resultados da operação de 16 de agosto e em fazer sua avaliação da situação.
Faz muito tempo que o responsabilizei, como um plenipotenciário do Estado-maior, a enviar
relatórios ao fim de cada dia de operações. Quase sempre, você tem se esquecido desta
responsabilidade.
Dia 16 de agosto foi o primeiro de uma operação importante no front sudoeste, onde você é o
representante do Estado-maior. E parece que fica satisfeito por esquecer seu dever para com este
Estado-maior, e não envia relatório.
Você não pode usar a desculpa da falta de tempo, porque o marechal Zhukov faz exatamente o mesmo
no front e remete relatórios diários. A diferença entre você e Zhukov é que o marechal é disciplinado e
conhece suas obrigações. Enquanto você é indisciplinado e descura destas obrigações.
Vou alertá-lo pela última vez que, se você, uma vez mais, se permitir esquecer seu compromisso com o
Estado-maior, será afastado do cargo de chefe do Estado-maior e enviado para o front.3
Seria difícil encontrar um único marechal ou oficial de alto posto que servisse
no Estado-maior, ou inspecionasse as tropas como representante deste Estado-
maior, ou comandasse um front, que não tivesse experimentado este tipo de
tratamento da parte de Stalin, quase sempre imerecido.
Igualmente, se, depois da visita de um emissário do Estado-maior, a
situação naquele setor do front não melhorasse, Stalin tiraria as “conclusões
adequadas”. Em fevereiro de 1942, ele enviou Voroshilov ao front de Volkhov.
A reputação do marechal como líder militar inferior já estava estabelecida e, ao
não conseguir coisa alguma também naquela ocasião, Voroshilov se viu em
posição embaraçosa quando Stalin propôs através da linha direta que ele
assumisse o comando do front. O marechal começou a recusar. Isto foi demais
para o Supremo e, um mês depois, quando Voroshilov já tinha retornado de
Volkhov, Stalin ditou um memorando “sobre o trabalho do Camarada
Voroshilov” que iria acabar como uma decisão do Politburo, tomada em 1º de
abril de 1942. Vale a pena citá-la, mesmo de forma abreviada:
Primeiro. A guerra contra a Finlândia, em 1939-40, revelou grandes deficiências e atrasos na liderança
do comissariado de Defesa. Faltaram morteiros e metralhadoras ao Exército Vermelho, inexistiram
inventários precisos sobre aviões e carros de combate, os uniformes de inverno da tropa eram
inadequados, como também os produtos alimentícios concentrados. Seções importantes como
artilharia, instrução militar, administração da Força Aérea, foram negligenciadas. Tudo isso fez com
que a guerra se arrastasse, causando baixas desnecessárias. Como comissário da Defesa naquela
oportunidade, o Camarada Voroshilov foi compelido, no pleno do final de março de 1941, a admitir a
inadequação — que ficara exposta — de sua liderança do comissariado. O Comitê Central se viu
obrigado a afastá-lo da função.
Segundo. No começo da guerra contra a Alemanha, o Camarada Voroshilov foi indicado para o
comando do front noroeste, com a missão principal de defender Leningrado. Como se demonstrou
mais tarde, ele foi incapaz de cumprir a missão e não organizou a defesa da cidade. O Camarada
Voroshilov cometeu vários erros no desempenho de suas atribuições: expediu ordens para que
comandantes de batalhões da Guarda do Interior fossem eleitos, ordens revogadas pelo QG do
Estado-maior, já que poderiam levar à desorganização e ao enfraquecimento da disciplina no Exército
Vermelho; estabeleceu um soviete de defesa de Leningrado, mas não se incluiu nele: tal ordem foi
igualmente revogada pelo QG do Estado-maior por ser incorreta e prejudicial, uma vez que os
trabalhadores da cidade poderiam pensar que o Camarada Voroshilov não se juntara ao soviete de
defesa por não acreditar na possibilidade de defender Leningrado; perdeu tempo com batalhões de
trabalhadores armados com armas leves tais como espingardas, lanças, facas e coisas semelhantes, e
negligenciou as defesas de artilharia da cidade...
Terceiro. Por sua própria solicitação, o Camarada Voroshilov foi enviado, em fevereiro, como
representante do Estado-maior, ao front de Volkhov para cooperar nas ações, e ficou lá cerca de um
mês. Sua estada, no entanto, não produziu os resultados esperados. Desejando, mais uma vez, dar ao
Camarada Voroshilov a chance de empregar sua experiência no trabalho da linha de frente, o Comitê
Central sugeriu que ele próprio assumisse o comando direto do front. Mas o Camarada Voroshilov
recebeu negativamente a proposta e não quis arcar com a responsabilidade, apesar de este front ter
agora importância crucial para a defesa de Leningrado, apresentando a desculpa de que o front de
Volkhov era difícil e ele não queria fracassar na missão.
Em vista do acima citado, o Comitê Central:
Primeiro: reconhece que o Camarada Voroshilov não esteve à altura da missão que lhe foi confiada no
front.
Segundo: está transferindo o Camarada Voroshilov para trabalhos de retaguarda na guerra.4
No fim de 1941, eu comandava um regimento de uma posição defensiva. Havia dois vilarejos à nossa
frente, Bannovskoe e Prishib, se bem me recordo. Recebemos ordem da divisão para incendiar as
aldeias que estivessem ao nosso alcance. Estávamos no interior do abrigo e eu explicava como iríamos
cumprir a missão quando, subitamente, infringindo todos os regulamentos, o rádio-operador, um
sargento de meia-idade, intercedeu.
“Camarada Major. Aquele é meu vilarejo! Minha esposa e meus filhos, e minha irmã e seus filhos estão
todos lá. Como podemos incendiá-lo? Todos morrerão!” “Não se meta, cabe a nós resolver”, eu disse.
Mandei que o sargento se retirasse e conferi com os comandantes de batalhões. Lembro-me de chamar
a ordem de “estúpida”, o que quase me complicou, uma vez que ela partira de Stalin. Mas fui salvo da
polícia de segurança pelo general R.Ya. Malinovsky e pelo membro do soviete de guerra I.I. Larin.
Quanto aos dois vilarejos, nós os capturamos na manhã seguinte com a permissão do comandante
divisionário Zamortsev, e demos um jeito de não destruí-los.
No curso do dia 11 e, o mais tardar, no dia 12 de janeiro, a cidade de Rzhev tem que ser capturada. O
Estado-maior recomenda para este objetivo o emprego de toda a artilharia, morteiros e Força Aérea a
fim de que a cidade inteira seja destroçada, sem que haja qualquer hesitação em destruí-la.
Confirme o recebimento desta ordem e informe quando ela foi cumprida. I. Stalin10
É
É evidente que fazia sentido destruir, durante a retirada, tudo aquilo que o
povo construíra, tais como pontes, ferrovias, fábricas e objetivos semelhantes
estrategicamente importantes. Mas de que valia para os alemães uma pobre
choupana de camponês?
[46]
Amanhecer em Stalingrado
O inimigo penetrou em sua frente com pequenos efetivos. Você tem boa chance de destruí-lo. Reúna
os aviões dos dois fronts e jogue-os contra o inimigo. Mobilize os trens blindados e os ponha na linha
circular em torno de Stalingrado. Use cortina de fumaça para desorientar o inimigo. Faça contato com
o inimigo também à noite, não só de dia. Utilize ao máximo o fogo de artilharia e de foguetes.
Mais uma vez, por incompetência e ineficiência, Lopatin deixou o front de Stalingrado em má
situação. Exerça uma supervisão efetiva sobre ele e organize uma segunda linha por trás do exército
dele.
Mais importante, não entre em pânico, não tema esse audacioso inimigo e mantenha a fé em nossa
vitória.
23 de agosto de 1942.11
b) os comandantes de exército que permitirem o abandono voluntário das posições deverão ser
afastados e enviados de imediato ao QG do Estado-maior para enfrentar de pronto o tribunal militar.
c) formem-se de um a três batalhões punitivos (com cerca de 800 homens cada) dentro dos limites do
front, para os quais devem ser enviados oficiais antigos e dos postos intermediários e oficiais políticos
de postos correspondentes.13
De três a cinco destacamentos bem armados (até 200 homens cada) deverão ser organizados dentro de
um exército e colocados diretamente à retaguarda das divisões inconfiáveis, e devem atirar, no ato, em
boateiros do pânico e covardes, na eventualidade de retiradas desordenadas e causadas por esse pânico.
Dependendo das circunstâncias, de cinco a dez companhias de presos (efetivo de 150 a 200 homens)
devem ser formadas dentro do exército e posicionadas em locais perigosos, a fim de que eles possam
expiar com seu sangue os crimes que cometeram contra a Pátria Mãe.
Esta ordem deve ser lida para todas as companhias, esquadrões, baterias, tripulações e quartéis-
generais.15
Pânico reinava em muitas unidades. A instrução psicológica fora negligenciada
antes da guerra e, é claro, o próprio corpo de oficiais fora dizimado pelos
expurgos. Sabe-se bem que, sob tensão e quando a confiança é perdida, uma
reação emocional negativa ao perigo pode escalar para o comportamento
descontrolado. O instinto de multidão se alastra e solapa a capacidade de
pensamento racional. Stalin tentou enfrentar este problema com o emprego de
unidades de “vigilância” e companhias de presos, mas nada fez para elevar o
perfil dos comandantes e oficiais políticos naquelas condições extremas. Nem
se policiou na expedição de regulamentos ameaçadores. Em 1942, como em
1941, grande número de soldados escapou do cerco, quer em grupos, quer
individualmente. Os oficiais eram imediatamente despachados para campos da
NKVD. E como a posição em julho-agosto ficou ainda mais delicada, Stalin foi
além. Os oficiais que permanecessem em território ocupado pelo inimigo por
qualquer período de tempo e não servissem com os guerrilheiros, e que
estivessem naquela ocasião em campos especiais da NKVD, deveriam receber a
oportunidade “de pegar em armas para provar sua lealdade à Pátria Mãe”.
Unidades especiais de infantaria de assalto deveriam ser organizadas com
exatamente 929 desses oficiais para combater nas partes mais ativas do front.16
Enquanto isso, os eventos foram se sucedendo e avolumando no período de
agosto a novembro de 1942, quando atingiram o ponto mais alto. Ainda assim,
na oportunidade em que a sorte de Leningrado estava por um fio, Vasilievsky
determinou que uma equipe do Estado-maior, constituída por A.A. Gryzlov,
S.I. Teteshkin e N. Boikov, concebesse um cenário para a captura do
agrupamento de ataque da vanguarda inimiga por meio de uma ação
combinada partindo do norte e do sul. Existe um mapa que mostra os
primeiros esquemas de Boikov para a futura e famosa operação. Stalin ainda
não sabia o que se passava. O ano que ele descrevera como o “da destruição do
ocupante alemão” parecia se transformar em outro grande desastre para a
União Soviética. Ficou no escritório por diversos dias seguidos, adormecendo
por curtos períodos, sempre advertindo Poskrebyshev para acordá-lo depois de
duas horas de descanso. De uma vez, penalizado com a carga de trabalho do
chefe, Poskrebyshev deixou-o dormir por mais meia hora.
Stalin olhou para o relógio e censurou mansamente o auxiliar: “De repente,
virou filantropo! Vá, coloque-me Vasilievsky na linha. Rápido! O filantropo
careca...”
Vasilievsky, que voara de Stalingrado dois dias antes, atendeu a chamada.
Stalin logo perguntou se a 1ª de Guardas e os exércitos XXIV e LXVI já
tinham engajado o inimigo e se a munição tão esperada havia chegado.
Vasilievsky reportou a situação existente na noite de 3 de setembro: uma das
formações alemãs de tanques havia penetrado até os subúrbios de Stalingrado.
Stalin interveio furioso: “Que é que há com eles? Será que não entendem que,
se entregarmos Stalingrado, o sul do país ficará isolado do centro e que,
provavelmente, não teremos capacidade para defendê-lo? Não entendem que
não se trata de uma catástrofe só para Stalingrado? Perderíamos nossa principal
hidrovia e, logo depois, também nosso petróleo!”
Vasilievsky replicou calmamente, mas a tensão estava clara em sua voz:
“Estamos deslocando tudo o que pode combater para os locais ameaçados.
Penso que ainda há uma chance de não perdermos a cidade.”
Stalin telefonou de novo para Vasilievsky alguns minutos mais tarde, e este
não foi encontrado. Boikov atendeu. Stalin ordenou-lhe que achasse Zhukov
em Stalingrado e lhe passasse a mensagem que começou a ditar:
A situação em Stalingrado piorou. O inimigo está a dez quilômetros da cidade. Stalingrado pode ser
capturada hoje ou amanhã se o agrupamento norte não der ajuda imediata. Diga aos comandantes das
forças ao norte e noroeste da cidade que eles têm que atacar o inimigo e prestar assistência ao povo de
Stalingrado. O atraso é indesculpável. Equivale ao crime. Empregue todos os aviões para defender a
cidade. Existe agora pequena quantidade deles dentro da cidade.
3.9.4217
Zhukov logo foi obrigado a reportar que as forças do front não tinham
conseguido abrir um corredor para realizar a junção com as forças da frente
sudeste dentro da cidade. A linha de defesa alemã foi substancialmente
reforçada com forças deslocadas das cercanias de Stalingrado. Continuar
atacando com as mesmas tropas soviéticas não fazia sentido e poderia causar
pesadas perdas. Stalin convocou Zhukov e Vasilievsky a Moscou.
Lá, debruçados sobre mapas e com assessores do Estado-maior, resolveram
adotar a tática do desgaste do inimigo pela resistência obstinada e pelo atrito,
enquanto era preparado um contra-ataque de vulto. O ataque principal foi
planejado para cair sobre os flancos das forças alemãs que estavam sendo
cobertas por soldados romenos, tropa menos ameaçadora. O plano foi
apresentado a Stalin em 13 de setembro e estava destinado a se tornar um dos
clássicos da Segunda Guerra Mundial. Foi como um despertar e não foi Stalin,
e sim seus dois chefes militares que o conceberam. A princípio, o secretário-
geral não se impressionou muito, ressaltando que o principal era manter
Stalingrado e não permitir que os alemães avançassem mais na direção de
Kamyshin. Parece que não gostou muito da audácia do plano ou o considerou
inexequível. Toda a sua atenção estava voltada para a defesa de Stalingrado.
Entrementes, em Stalingrado, os alemães investiram a cidade e, por mais de
dois meses, dia e noite, o combate prosseguiu com um nível de ferocidade sem
precedentes. Enquanto os alemães, no começo da batalha, mediam sua
progressão a partir do sudoeste em termos de dezenas de quilômetros, depois
passaram a alguns quilômetros; em setembro, tiveram que raciocinar em apenas
centenas de metros por dia e, a partir de outubro, consideraram um avanço de
40 a 50 metros como uma grande vitória. Em meados de outubro, pararam de
vez. A Ordem nº 227 de Stalin era então cumprida à risca. Apesar de os
alemães terem 22 divisões em Stalingrado, mais outras tantas formações de seus
aliados, a máquina de guerra nazista emperrara.
Em novembro, Stalin passou quase todos os dias pensando sobre a operação
futura nos três fronts – Stalingrado, sudoeste e Don. O plano recebeu a
denominação provisória de “Uranus” e Stalin insistiu em que ele permanecesse
do conhecimento apenas de um número restrito de pessoas. A responsabilidade
pela coordenação das três frentes foi entregue a Vasilievsky. Quando o contra-
ataque foi desfechado em 19 de novembro, é provável que tenha aumentado a
confiança de Stalin na vitória, não por causa da superioridade soviética em
homens e armamento, mas porque nenhuma operação anterior fora preparada
com tanto esmero e precisão. É verdade que, uma semana antes do início,
Stalin foi tomado de dúvida, particularmente porque o poder aéreo soviético
equivalia ao do inimigo, e ele sempre atribuíra enorme importância a este vetor
do combate. Ficou tão preocupado que chegou a pensar em adiar a operação,
telegrafando em 11 de setembro a Zhukov para dizer que, se Yeremenko e
Vatutin tivessem aviação inadequada, a ação fracassaria: “A experiência nesta
guerra tem mostrado que só se pode vencer os alemães com superioridade
aérea.” Se isto não pudesse ser garantido, continuou, “seria melhor adiar a
operação por algum tempo”.18 No entanto, confiando totalmente na
possibilidade de Zhukov levar o plano a bom termo, quatro dias antes do
previsto para o desencadeamento da operação passou outro telegrama dizendo
que ele, Zhukov, tinha total liberdade de ação para julgar quando a ofensiva
deveria ser lançada.19
Zhukov exercitou seu critério e, em 19 de novembro, as forças combinadas
das frentes sudoeste e do Don entraram em ação, seguidas no dia seguinte pelas
do front de Stalingrado. Por volta de 23 de novembro, o agrupamento inimigo
que se encontrava em Stalingrado foi cercado. Stalin sempre gostou de
geografia e de esquadrinhar mapas do mundo. Já então, aprendera a interpretar
uma carta militar, marcada pelo Estado-maior com símbolos azuis e vermelhos,
linhas denteadas, círculos em torno de reservas de distritos e linhas tracejadas
assinalando o deslocamento de carros de combate. Quando, em 23 de
novembro, ele viu um enorme anel vermelho mostrando as forças soviéticas
formando uma linha fechada, ficou excitado e nervoso; excitado porque,
finalmente, as forças soviéticas o haviam conseguido, e logo na simbólica
cidade chamada Stalingrado. Ainda não sabia a quantidade de tropa alemã que
estava dentro do laço – 330 mil, como se viu depois – mas sabia que, se a
operação chegasse a uma conclusão vitoriosa, seria um ponto de inflexão na
guerra. Ficou nervoso porque esperava que o comando alemão fizesse tudo ao
seu alcance para tirar as 22 divisões da Wehrmacht da armadilha. As forças
soviéticas tinham certa vez fechado um cerco, em Demyansk, mas não
conseguiram destruir o inimigo sitiado. Agora, a iniciativa estratégica estava
com o Exército Vermelho, embora algum tempo ainda iria se passar até que o
general Paulus fosse dobrado. Em 24 de dezembro, Paulus expediu uma ordem
para suas forças cercadas, da qual foi encaminhada uma transcrição para Stalin.
Dizia:
Ultimamente, os russos vêm fazendo incessantes tentativas para entrar em negociações com o exército
ou suas unidades. Seu objetivo é muito claro: querem quebrar nossa determinação em resistir por
meio de promessas nessas conversas de rendição. Todos sabemos o que nos espera se o exército parar
de resistir: a morte certa nos aguarda, seja por uma bala inimiga, seja de fome e sofrimento em
vergonhoso cativeiro siberiano. Uma coisa é certa: quem se render jamais verá de novo seus entes mais
próximos e queridos. Só temos uma saída: lutar até o último cartucho, a despeito do frio e da fome
crescentes. Portanto, qualquer tentativa de negociação deverá ser repelida, deixada sem resposta, e os
emissários com bandeiras de paz, rechaçados à bala. Enquanto isto, continuemos no aguardo da
libertação, que já está a caminho.20
[47]
O comandantes e seus generais
D urante a guerra, Stalin pouco tempo teve para ler outra coisa que
não despachos, telegramas codificados, planos operacionais e
correspondência diplomática, mesmo assim os arquivos contêm um
memorando de Poskrebyshev para ele com uma lista de 15 livros sobre a arte
da liderança militar. Os que Stalin marcou com uma estrela incluem Kutuzov,
de S. Borislov, o primeiro volume das obras de Napoleão, e Science of
Winning, de Suvorov, e e Brains of the Army, de Shaposhnikov. Nem foi por
acaso que, no começo das hostilidades, ele mandou pendurar em sua sala
retratos de Suvorov, o maior soldado da Rússia no século XVIII, e de Kutuzov,*
o herói da derrota de Napoleão na Rússia. Da mesma forma, quando discursou
brevemente para as tropas na Praça Vermelha, em 7 de novembro de 1941,
disse: “Sejamos inspirados nesta guerra pela imagem corajosa de nossos grandes
antepassados – Alexander Nevsky, Dimitry Donskoy, Kuzma Minin, Dimitry
Pozharsky, Alexander Suvorov, Mikhail Kutuzov! Que o estandarte vitorioso do
grande Lenin vos proteja!”21
Stalin frequentemente recorria aos grandes líderes guerreiros do passado
russo, evocando neles a fé na vitória, e criou as Ordens de Suvorov, Kutuzov,
Bogdan Khmelnitsky, Alexander Nevsky, Nahkimov e Ushakov – todos heróis
de guerra da velha Rússia – para condecorar seus generais. Entendendo por
instinto o valor da tradição militar para estimular o orgulho e a honra
nacionais, determinou que fossem escritos panfletos sobre estes antigos líderes
guerreiros para distribuição no front.
Como já vimos, a maior influência sobre Stalin como líder militar foi
exercida por Shaposhnikov, Zhukov, Vasilievsky e Antonov, e foi por
intermédio deles que Stalin aprendeu as exigências fundamentais da tática, a
respeito da qual permaneceu no nível da mediocridade, e as da estratégia, onde
se saiu bem melhor. Dos quatro, que foram, todos, em algum momento, chefes
do Estado-maior ou vices-Supremo Comandante em Chefe, pode-se dizer que,
provavelmente, a contribuição de Shaposhnikov foi a maior. Ele não teve a
ventura de ver a culminância das grandes vitórias soviéticas porque faleceu em
março de 1945, mas sua influência intelectual sobre a chefia militar está fora de
dúvida.
Como marechal e professor, Shaposhnikov, que fora coronel do exército
czarista, combinava elevada cultura militar com excelente educação, muita
experiência como comandante, profundidade teórica e imenso charme pessoal.
Não acostumado a se curvar à vontade dos outros, quando Stalin conheceu
melhor Shaposhnikov, percebeu com mais acuidade sua própria falta de
conhecimento e de lógica. Shaposhnikov não tinha personalidade dominadora,
expressando-se por meio de sua mente sutil, flexível e de amplo discernimento,
e Stalin, evidentemente, achou Shaposhnikov irresistível. Todos notaram isto, e
Zhukov escreveu sobre o grande respeito de Stalin pelo marechal: “Ele sempre
se dirigiu a Shaposhnikov como Boris Mikhailovich, seu nome e patronímico,
e jamais levantou a voz enquanto conversavam, mesmo que discordasse.
Shaposhnikov foi a única pessoa autorizada a fumar em seu escritório.”22
Foi um raro exemplo de confiança de Stalin em especialistas militares do
antigo regime, o restante dos quais ele liquidara antes da guerra. Shaposhnikov
foi um dos poucos aos quais Stalin recorreu sem ficar envergonhado em busca
de uma explicação, um conselho, uma ajuda. Era típico de Stalin dar atenção
àqueles em quem reconhecesse a presença de grande inteligência. O
comandante da artilharia, marechal N.N. Voronov, recordou-se de certa vez em
que presenciou Shaposhnikov reportando para Stalin. O chefe do Estado-maior
mencionou que, a despeito das providências tomadas, nenhuma informação
chegara de dois fronts. Stalin perguntou-lhe: “Você já puniu essas pessoas que
não querem nos contar o que acontece em seus fronts?” Shaposhnikov replicou
que já tinha dado uma repreensão aos dois comandantes, mas, a julgar por seu
tom de voz, assemelhava uma repreensão à forma mais extrema de punição.
Stalin deu um sorriso triste e lhe disse: “Qualquer célula do partido distribui
reprimendas. Isto nem constitui punição para um militar.” Shaposhnikov então
lembrou-lhe de uma antiga tradição militar, a saber, quando o chefe do Estado-
maior censura um general comandante, este último tem que pedir na hora
demissão do comando. Stalin olhou para Shaposhnikov como se estivesse
diante de um idealista incorrigível, mas não disse coisa alguma. A inteligência
do ex-coronel czarista desarmava Stalin e foi essa qualidade que o ajudou, com
tato, a ensinar ao líder o pensamento estratégico, a habilitação militar e até a
tática.
Se Shaposhnikov repassou a Stalin a dura lógica do conflito armado, a
importância das linhas de defesa e de ataque, o papel das reservas estratégicas
durante as operações, foi Zhukov quem inspirou Stalin como homem de
determinação inquebrantável e cuja liderança militar não admitia meios-
termos. O general A.A. Yepishev, oficial político de elevada posição durante a
guerra e, mais tarde, chefe da administração política do exército, disse-me que
Stalin alimentara a ideia de pôr funcionários da alta administração no front já
durante a guerra civil, e daí a razão de mandar constantemente tais pessoas para
a frente de combate durante a Segunda Guerra Mundial. Stalin considerava
Zhukov seu representante principal porque confiava em que o militar
cumpriria suas ordens, por mais duras que fossem e dessem no que dessem. A
formidável contribuição de Zhukov para a derrota dos alemães em Moscou,
para a salvação de Leningrado, também em Stalingrado e numa série de outras
operações é amplamente reconhecida. Foi natural, portanto, que, com a
continuação da guerra, a popularidade de Zhukov crescesse e aí, então, a
atitude de Stalin para com ele tornou-se mais reservada; na arrancada final para
Berlim, Stalin não o encarregou da coordenação da campanha nas três frentes,
reservando-a formalmente para si mesmo, e enviando Zhukov para comandar o
front bielorrusso. O secretário-geral não pretendia partilhar a glória da vitória
com ninguém, ainda mais com um líder guerreiro tão popular como Zhukov.
Stalin sabia que o marechal Zhukov não lhe deixava nada a dever em dureza
de caráter. Notou isto em particular no início da guerra. Por exemplo, nos
primeiros dias de setembro de 1941, o comandante do front de Leningrado,
Voroshilov, e o membro do soviete de guerra do front, Zhdanov, pediram
permissão a Stalin para preparar os navios de guerra da Esquadra do Báltico da
Bandeira Vermelha para serem afundados, caso a rendição de Leningrado se
tornasse uma possibilidade. Stalin consentiu e, por volta de 8 de setembro,
Voroshilov e Zhdanov assinaram a instrução devida. Foi então que, na ocasião
em que o soviete de guerra dava os últimos retoques na ordem, Zhukov chegou
num voo de Moscou com plenos poderes delegados por Stalin. “Eis meu
mandato”, disse, mostrando a Voroshilov que era o novo comandante em chefe
do front. “Proíbo a destruição dos navios. Existem neles quarenta tripulações
completamente prontas para a batalha.”
Recordando o episódio em 1950, Zhukov escreveu: “Por que explodir as
belonaves? Sua destruição era provável, mas se assim fosse, que afundassem em
combate, disparando seus canhões. Quando os alemães progrediam ao longo
da costa, os marinheiros atiraram, e eles simplesmente correram. E também
correriam dos canhões de 16 polegadas. Imaginem o poder!”23 Ao saber por
intermédio de Zhdanov que Zhukov tinha, de fato, revogado uma das ordens
expedidas por ele, o Supremo, Stalin não fez qualquer comentário: não pôde
deixar de admirar a audácia e a visão do comandado, e deixou claro que
delegava a Zhukov a autoridade para decidir o que deveria ser feito. Stalin sabia
que, numa crise, Zhukov seria impiedoso e não tergiversaria. Tal característica
o impressionava e estava em harmonia com seu próprio modo de ser. Zhukov
era implacável com os alarmistas do pânico e com os covardes, e era capaz de
tomar as providências mais duras contra eles, se as circunstâncias assim o
ditassem. Num momento crítico de setembro de 1941, durante a defesa de
Leningrado, ditou a Ordem nº 0064, divulgando para todos os oficiais
políticos e do exército, bem como para as praças, que quem abandonasse seu
posto sem permissão por escrito seria fuzilado sem tergiversação.24
Stalin muitas vezes explodiu com Zhukov, em especial no começo da
guerra. Em julho de 1941, quando a situação no distrito de Vyazma era crítica,
Zhukov propôs a montagem de um contra-ataque no distrito de Yelnya para
evitar que os alemães alcançassem a retaguarda do front oeste. Sem esperar que
ele completasse a ideia, Stalin esbravejou: “Que contra-ataques? Para que falar
bobagens? Nossas tropas não são capazes nem de organizar uma defesa
adequada e vem você falar em contra-ataques!”
Zhukov replicou: “Se você acha que eu, o chefe do Estado-maior, falo
bobagens, solicito que me dispense e mande para o front, onde posso ser mais
útil do que sou aqui.”
Mekhlis, que estava presente, protestou: “Quem lhe deu o direito de falar
com o Camarada Stalin desta forma?”
Em consequência daquela dura troca de palavras, Zhukov foi nomeado
comandante das reservas, porém, malgrado os esforços de Beria e Mekhlis para
indispor o marechal com ele, Stalin não pôde prescindir da ajuda do destacado
militar como seu principal solucionador de problemas. Nos primeiros dias de
outubro de 1941, quando uma série de atabalhoadas iniciativas do
agrupamento central do exército soviético levou ao cerco de significativa parte
do front oeste e das reservas, Stalin enviou Zhukov para lidar com a desastrosa
situação. O marechal lembrava-se de que Stalin lhe dissera: “Veja a confusão
em que Konev nos meteu. Em três ou quatro dias os alemães podem chegar a
Moscou. O pior é que nem Konev nem Budenny sabem onde estão as tropas
deles nem o que o inimigo pode fazer. Konev tem que ser punido. Vou enviar
amanhã uma comissão especial chefiada por Molotov.”
Com poderes extraordinários, Zhukov conseguiu estabilizar a posição e,
graças a ele, Konev escapou do tribunal militar, pois o interventor o resgatou
ao nomeá-lo seu vice para o front oeste. Stalin logo viu que não eram apenas a
autoconfiança, a decisão e o pulso firme que permitiam a Zhukov conseguir de
imediato mudanças na organização das operações militares; sua mera presença
no front sempre empolgava a tropa e aumentava o espírito combatente. O
general I.F. Minyuk disse-me que, quando Golikov e Khruschev perderam o
controle de seus homens em Belgorod, no front de Voronezh, “Zhukov,
praticamente, assumiu o comando e, de forma surpreendente, a tropa percebeu
que na mente do marechal não havia lugar para dúvidas. Quando tudo parecia
perdido, e a situação se tornava desesperançada, ele permanecia calmo,
composto, decisivo e determinado. O perigo não o amedrontava; pelo
contrário, ficava mais resoluto, transformava-se numa mola fortemente
comprimida.”
Stalin não tinha favoritos. Simplesmente confiava mais em algumas pessoas
que em outras. Afora ao que vinha, em certo grau, de Beria, ele dava pouca
atenção ao que seu entourage lhe contava sobre indivíduos. É bem conhecido o
fato de que, depois da guerra, Beria e Abakumov engendraram um caso contra
Zhukov. Usaram até álbuns de fotografias onde o marechal aparecia ao lado de
militares e políticos americanos, ingleses e franceses. Grampearam seus
telefones, vasculharam seus arquivos pessoais e interceptaram sua
correspondência. Numa ordem assinada por Stalin em 9 de junho de 1946, há
uma referência ao que um alto chefe da guerra escrevera à liderança sobre “fatos
concernentes ao desonroso e pernicioso comportamento do marechal Zhukov
para com o governo e o Supremo Comandante em Chefe”. Fora dito que
Zhukov perdera a modéstia, “creditando a si mesmo o mérito de ter
conquistado as maiores das grandes vitórias” e tornando-se o centro de um
grupo de descontentes.25 Mas Stalin não era desprovido de bom senso e
interrompeu o processo em vez de afastar o líder guerreiro que tinha se coberto
de tanta glória. Não há dúvida de que a prisão de Zhukov foi planejada. Stalin
convocou uma sessão especial, à qual compareceram Beria, Kaganovich e
outros membros de proa do partido, bem como militares dos altos escalões, e,
com base em testemunhos de alguns generais presos, Zhukov foi acusado de
“ter concedido a si mesmo o laurel de grande vitorioso”. Alguns generais,
como, por exemplo, P.S. Rybalko, falaram em defesa de Zhukov. Stalin hesitou
e decidiu que, em vez de prendê-lo, mandaria Zhukov para algum posto
remoto, primeiro Odessa e depois os Urais. A decisão final foi de Stalin e de
mais ninguém.
Por vezes, diz-se que Stalin era duro, mas justo. Cita-se o caso do
tratamento que dispensou ao filho mais novo, Vasili, removido sem meias
medidas do posto por Stalin por não cumprir sua missão, mas, na verdade, por
Vasili ter desmerecido o pai. Stalin demitiu seu filho duas vezes, antes e durante
a guerra. Em 26 de maio de 1943, Beria relatou a Stalin que o alcoolismo de
Vasili, então comandante de um regimento da força aérea, estava de novo
causando problemas. Furioso, Stalin ditou imediatamente a seguinte ordem ao
marechal do ar Novikov:
1. V.I. Stalin deve ser imediatamente afastado do cargo de comandante de regimento da força aérea e
não deve ser comissionado para outro comando sem minha ordem.
2. Tanto ao regimento quanto ao seu ex-comandante, coronel Stalin, deve ser dito que o coronel Stalin
está sendo afastado por alcoolismo e libertinagem e porque está levando o regimento à ruína e à
perversão.
3. Você deve me informar que estas ordens foram cumpridas.26
Stalin sabia que Zhukov era muito rígido como chefe. Quando comandava as
operações ofensivas no front oeste, no verão de 1942, ele deu uma ordem da
qual não podia se orgulhar e à qual jamais se referiu mais tarde. Seu relatório
para Stalin sobre os resultados da operação deixa claro que espécie de ordem
exarou:
Recebi seu despacho com a informação dos prisioneiros alemães de que [lhes estava sendo dito] para
não cederem aos russos e lutar até o último homem, mesmo que os americanos estivessem
imediatamente à retaguarda deles. Não dê atenção ao que os prisioneiros alemães dizem. Hitler está
tecendo uma trama no distrito de Berlim para criar a discórdia entre as tropas soviéticas e os Aliados.
Temos que desmanchar esta trama capturando Berlim com as tropas soviéticas. Arrase os alemães sem
piedade e você em breve estará dentro de Berlim.29
* O Generalíssimo Conde Alexander Suvorov foi o grande soldado russo do século XVIII; o Marechal
Mikhail Kutuzov foi o responsável pela derrota de Napoleão na Rússia.
** Ralph Parker foi o correspondente do Times em Moscou durante a guerra, encarregado de promover a
compreensão anglo-soviética. No fim da guerra, fixou residência em Moscou, onde mais tarde morreu.
Seu caso é contado em History of the Times, de Iverich McDonald, vol. 5.
[48]
Ideias de um estrategista
Reportem alguma coisa do que está acontecendo em Stalingrado. É verdade que a cidade foi capturada
pelos alemães? Deem uma resposta direta e verdadeira.
Aguardo contestação imediata.
16.9.42.35
Para ele, o que interessava era o resultado. Jamais foi atormentado por crises de
consciência ou de pesar pelas baixas enormes. As notícias referentes à
destruição de grande número de divisões, corpos ou exércitos o alarmavam,
mas não existe um só documento nos arquivos do Estado-maior mostrando
preocupação sua com o número de vidas humanas perdidas. Não levava em
conta um dos princípios fundamentais da arte militar, o de que o objetivo deve
ser conquistado com a mínima perda de vidas humanas. Acreditava que tanto
as vitórias quanto as derrotas inevitavelmente colhiam safras amargas, fato
inescapável da guerra moderna. Talvez pensasse desta forma porque, como
Supremo, tinha expressivo número de exércitos à sua disposição. No fim da
guerra, as forças armadas desdobravam cerca de 500 divisões, sem contar
artilharia, blindados e aviões. Era o dobro do que existia antes da guerra. Na
realidade, os alemães possuíam quantidade maior, mas isto aconteceu porque
Stalin resistiu aos repetidos pleitos dos assessores para que dividisse as
formações em maior número e com efetivos menores. Em função do vasto
poderio militar e do organizado sistema de reservas, pareceu desnecessário a
Stalin tornar a conquista de objetivos estratégicos dependente da escala das
perdas. Ao mesmo tempo, ele era atraído pelas novas formas de ação estratégica
tais como as operações com forças de fronts combinados. Isto resultava no mais
complicado e maciço complexo de batalhas, enquadrado em um só conceito e
tudo coordenado para objetivo, tempo e lugar. Algumas destas operações
envolveram, entre cem e 150 divisões, às vezes mais, dezenas de milhares de
canhões, três a quatro mil carros de combate, cinco a sete mil aviões. Esta
colossal força era colocada em movimento de acordo com um cenário de
cálculos e deslocamentos estratégicos concebido pelo Estado-maior Geral e
pelos QGs, com base em inúmeros fatores e opções tanto nossos como do
inimigo. Foi precisamente durante tais operações combinadas que Stalin
sentiu-se mais como líder militar. Uma escala tão vasta significava não só a
expressão quantitativa da força empregada. Também representava sua própria
autoexpressão e autoafirmativa como um estrategista.
Depois das batalhas de Moscou e Stalingrado, ele buscou acoplar os esforços
de vários fronts em combinações cada vez mais novas. Kursk, Bielorrússia,
Prússia Oriental, Vístula-Oder, Berlim e Manchúria representaram o curso
objetivo da guerra, mas também corresponderam à predileção de Stalin por
essas operações maciças e em escala avassaladora. A extensão da frente de
combate naqueles casos chegava, com frequência, a 500-700km, com
profundidades que iam de 300 a 500km, e podiam durar até um mês. Como
regra, Stalin se impacientava por seu início, ficava insatisfeito com o ritmo da
progressão e se irritava com as dificuldades. Apreendia com rapidez o conceito
geral de uma operação ofensiva e, ocasionalmente, fazia sugestões relevantes
visando a intensificar a força do ataque.
Muito raramente, no entanto, sugeria alternativas para a ideia principal
concebida e burilada pelo Estado-maior, o cérebro do exército. Stalin tendia a
enfatizar o papel da força aérea, porém, depois do verão de 1942, quando os
exércitos blindados começaram a entrar em ação, ele dava opinião detalhada
sobre seus objetivos e acompanhava as poderosas formações de ataque
enquanto executavam suas missões. Embora não existam provas nos arquivos
indicando que as sugestões de Stalin tiveram influência importante sobre o
planejamento, curso, desenvolvimento e conclusão das operações estratégicas,
manda a verdade que se diga que, no período de 1943-45, ele foi capaz de
avaliar os valores relativos. Se demonstrou alguma “genialidade”, foi durante
este último estágio da guerra, quando aprovou os planos formulados e
submetidos à sua apreciação por Zhukov, Vasilievsky, Antonov e pelos
comandantes de fronts.
Por outro lado, deu grande atenção ao incremento do espírito combatente
da tropa, normalmente por métodos radicais. A decisão de realizar a parada de
7 de novembro de 1941 na Praça Vermelha foi uma dessas ideias, e também,
no verão de 1944, de repente propôs que um enorme efetivo de prisioneiros de
guerra alemães desfilasse pelas ruas de Moscou.
“Isto levantará ainda mais o moral do povo e do exército e acelerará a
derrota dos fascistas. O que vocês acham?”
Após um breve momento de silêncio confuso, Molotov, Beria, Voroshilov e
Kalinin começaram a tagarelar ao mesmo tempo e começaram a competir uns
com os outros para expressar sua total concordância.
“Uma iniciativa inteligente, Iosif Vissarionovich!” “Só você poderia ter
pensado nisto!”
“Uma decisão de gênio!”
Passada uma semana, em 13 de julho, Beria submeteu à aprovação de Stalin
uma operação inusitada de levantamento moral: “De acordo com sua proposta,
Iosif Vissarionovich, dia 17 de julho, 55 mil prisioneiros de guerra desfilarão
pelas ruas de Moscou. Entre eles, estarão 18 generais e 1.200 oficiais. Vinte e
seis trens especiais os trarão a Moscou dos três fronts bielorrussos. Os generais
Dmitriev, Milovsky, Gornostaev e o comissário de segurança Arkadiev já
tomaram as providências. A segurança e a escolta em Moscou serão da
responsabilidade dos Camaradas Vasiliev e Romanenko da NKVD. Os
prisioneiros serão concentrados no hipódromo, e a NKVD fará a segurança
motorizada da área na noite de 16 de julho. Dos 26 trens formaremos 26
colunas de marcha. Itinerário: Hipódromo de Moscou, autoestrada
Leningrado, rua Gorky, praça Mayakovsky e ao longo de Sadovaya; depois, de
Sadovaya-Triumfalnaya para Karetnaya, Samotechnaya, Sukharevskaya,
Spasskaya, Chernogryazskaya, rua Chkalov, estação Crimeia, bulevar
Smolensk, ao longo das ruas Barricade e Krasnaya Presnya de volta ao
Hipódromo. A marcha começará às 9h e deverá terminar às 16h.”36
“Vocês conseguirão manter as colunas intactas?”, interrompeu Stalin. “Sim,
Camarada Stalin.”
“Que acontecerá depois?”
“Bem cedo na manhã seguinte, eles sairão de 11 pontos de partida para
acampamentos no leste.”
Beria estava disposto a prosseguir com a explanação do plano, mas Stalin
não quis ouvir mais nada. “Eu dou uma ideia e aí fazem. Por que vocês não
pensam em alguma coisa por si mesmos?”, disse Stalin, olhando em volta com
menosprezo para seu entourage. (Ocorreu que tanto a hora como o itinerário
foram modificados.) Como parte de sua preocupação com a elevação do moral,
particularmente dos oficiais, Stalin foi bastante criativo na questão das
condecorações. Por exemplo, em 9 de setembro de 1943, deu ordem para que:
No caso dos oficiais que completarem com sucesso a travessia forçada de um rio difícil como o Desna:
1. Comandantes de exército devem receber a Ordem de Suvorov, 1ª Classe.
2. Comandantes de corpos, divisões e brigadas a Ordem de Suvorov, 2ª Classe.
3. Comandantes de regimentos e os de batalhões de engenharia, de sapadores e de pontoneiros
deverão receber a Ordem de Suvorov, 3ª Classe.
Para a travessia forçada de rios como o Dnieper, ou da mesma dificuldade, os comandantes de
unidades e de formações devem ser feitos Heróis da União Soviética.37
Nas suas memórias e End of the ird Reich, e em diversas outras publicações
e discursos, o marechal V.I. Chuikov expressa a opinião de que teria sido
possível tomar Berlim em fevereiro de 1945, em vez de se esperar até maio.
Zhukov, A.Kh. Babadzhanyan e outros contestaram essa opinião em
documentos impressos como em outras ocasiões, e Chuikov quis publicar uma
resposta na Voenno-istoricheskii zhurnal (“Revista de História Militar”).
Recusada a permissão, ele escreveu ao Comitê Central do partido, no qual se
decidiu que alguma coisa deveria ser feita para controlar o teimoso marechal.
Em 17 de janeiro de 1966, o chefe da Administração Política Principal, general
A.A. Yepishev, convocou uma reunião de destacados marechais, generais e
especialistas para “injetar bom senso” em Chuikov.39 Em sua exposição,
Chuikov, mais uma vez, insistiu:
“Isto é especialmente importante. A zona da linha de frente tem que ser inacessível a espiões e agentes
inimigos. Já é tempo de entender que os locais habitados próximos à retaguarda constituem um
refúgio conveniente para espiões e para a espionagem.”40 Nada há na diretriz sobre a remoção dos
cidadãos soviéticos do perigo ou sobre a proteção deles.
De que vale uma posição defensiva se não é defendida? E parece que você não conseguiu reverter a
situação, embora não houvesse pânico e a tropa estivesse combatendo muito bem. Suvorov disse: “Se
atemorizei o inimigo, mesmo sem lhe olhar nos olhos, já ganhei metade da batalha: levo minhas
tropas para o front a fim de aniquilar um inimigo amedrontado.”41
Entre outras coisas, Beria foi empregado por Stalin para ajudar no suprimento
da área de retaguarda do front, para “peneirar” nos campos aqueles que
escapavam do cerco inimigo e para mobilizar centenas de milhares de
prisioneiros para trabalhos relacionados com a guerra. Envolveu-se também
com a organização de diversos destacamentos e unidades. Por exemplo, em 29
de junho de 1941, recebeu do Estado-maior a missão de formar 15 divisões
com base em unidades da NKVD.42 Em agosto de 1942 e março de 1943,
esteve no Cáucaso para cooperar com a defesa da região. Foi de lá que enviou
uma série de telegramas a Stalin informando que estava afastando chechênios e
ingushes do exército como inconfiáveis, fazendo sua avaliação de Budenny,
Tyulenev e Sergatskov, reportando suas decisões sobre várias nomeações
militares, algumas delas patentemente inadequadas. Foi de Beria a sugestão
para que Stalin, em 20 de agosto de 1943, telegrafasse a Shchadenko,
comandante do front caucasiano, determinando:
1. A remoção de 3.767 armênios, 2.721 azerbaijanos e 740 membros de grupos étnicos do Daguestão
das fileiras da 61ª Divisão de Infantaria.
2. Que os militares assim removidos fossem enviados para postos da reserva do front oeste e que as
vagas criadas pela transferência fossem preenchidas com tropas reservas do front constituídas de
russos, ucranianos e bielorrussos.43
Inveterado causador de problemas durante seus giros pela linha de frente, Beria
tentou complicar a vida dos generais Tyulenev, Maslennikov, Sergatskov, I.E.
Petrov e Shtemenko, entre outros, fazendo com que todos eles telegrafassem a
Stalin solicitando que suas equipes fossem protegidas contra a horda de Beria.
Parece que Beria só foi bem-sucedido com Maslennikov, seu subordinado por
certo tempo. Os generais Pokrovsky e Platonov, que pesquisaram este assunto
em 1955, chegaram à mesma conclusão no seu “Relatório sobre a atividade
criminosa de Beria durante a defesa do Cáucaso em 1942-43”. Escreveram:
Para defender a parte leste da área do Cáucaso, foi criado um agrupamento norte do front caucasiano,
em 8 de agosto, sob o comando, parece que por insistência de Beria, do general Maslennikov, o qual
até então vinha sendo o desafortunado comandante do front de Kalinin. O general Maslennikov, que,
sem dúvida gozava da proteção de Beria, frequentemente ignorou as ordens do comandante do front e
prejudicou o reagrupamento das forças com suas ações.44
Bem no íntimo, Stalin seguramente tinha desprezo por Beria, mas não podia
passar sem ele. Beria era seu inquisidor, seu braço direito, seu espião. Foi ele,
por exemplo, quem lhe informou que Berlim, havia muito tempo, vinha
planejando um ato terrorista contra o líder soviético. De acordo com alguns
informes recebidos, um Messerschmitt Arado-332 especial lançaria um grupo
treinado de terroristas do Exército Russo de Liberação, de Vlasov, enquanto
outras informações diziam que os alemães deixariam para trás um grupo de
comandos na retirada. Quase a cada mês, Beria relatava a Stalin as novas
medidas que tomara para aumentar a segurança do seu chefe. Mas Stalin
precisava de Beria para uma série de outras tarefas. Por exemplo, saber por que
140 dos 400 aviões de caça designados para emprego nos fronts de Kalinin e de
oeste tinham sido retirados da ação após três ou quatro dias de serviço.47 Por
outro lado, não gostava quando Beria metia o bedelho nos assuntos do QG do
Estado-maior e nos do próprio Estado-maior.
Quando Beria retornava de suas visitas ao front e dava suas opiniões sobre a
situação, sobre bombardeios e sobre o pobre desempenho de alguns generais
“suspeitos” e de outras pessoas, Stalin sentia uma certa vulnerabilidade. Não
estivera perto da linha de frente desde outubro de 1941, quando foi à
autoestrada Volokolamsk assistir ao fogo antiaéreo no céu e, ainda mais, tinha
que ficar ouvindo as descrições de Malenkov e Beria sobre seus “batismos de
fogo”. Portanto, resolveu que deveria ir ao front, nem que fosse para registro
pela posteridade. E teve lugar uma viagem cuidadosamente preparada. Stalin
passou algum tempo nos fronts Kalinin e oeste, em agosto de 1943, e sentiu
que sua imagem como líder guerreiro estava preservada.
Em 1º de agosto, deixou Kuntsevo num trem especial que consistia em uma
velha locomotiva e vagões bem avariados. Tanto a plataforma como o pequeno
trem foram camuflados com galhos de árvores. Stalin se fez acompanhar por
Beria, por seu assistente especial Rumyantsev e por seguranças em trajes civis.
Ao chegar em Gzhatsk, foi recebido pelo comandante do front oeste,
Sokolovsky, e por Bulganin, que era um dos membros do soviete de guerra.
Ouviu seus relatos, desejou-lhes felicidades, foi para a cama e seguiu no dia
seguinte na direção de Rzhev, no front Kalinin, que era comandado por
Yeremenko. Lá, instalou-se numa cabana simples de camponês na vila de
Khoroshevo, algo isolada das outras residências rurais. (A camponesa residente
fora despachada com armas e bagagem.) A pequena cabana, com sua cornija
ornamental e uma placa comemorativa, ainda hoje existe, como monumento
da “explorações” de Stalin do front. Diz-se que, durante sua permanência na
modesta instalação, ele preparou a ordem para uma salva de tiros de canhão a
fim de comemorar a retomada de Orel e Belgorod. Mas não mostrou desejo de
ir à linha de frente para confraternizar com as tropas e seus oficiais. Depois da
noite em Khoroshevo, o pequeno comboio fez a viagem de volta a Moscou sem
quaisquer tropelias, onde Stalin pôde se confortar com o sentimento de que
ninguém mais poderia dizer que ele só conhecia o front pelos documentários
do cinema.
Haveria mesmo necessidade da visita à linha de frente? Afinal de contas,
jamais estivera nas fábricas, se bem que tivesse levado o país a dar um salto
quantitativo na produção industrial. Só uma vez fizera um giro pelos vilarejos,
e que revolução causara naquele setor! Por que o campo de batalha seria uma
exceção, quando podia acompanhar todos os eventos que ocorriam e, na
realidade, dirigir tudo de sua sala no Kremlin? A visita foi necessária para a
“história”. Sua biografia tinha que incluir uma descrição da chegada do
Supremo no seio das tropas combatentes para elevar o moral. Ele também fez
questão de que os Aliados tomassem conhecimento do fato. Escreveu a
Roosevelt em 8 de agosto de 1943:
Recém-chegado do front, só agora tenho condições para responder à sua carta de 16 de julho. Não
tenho dúvida de que o senhor está consciente de nossa situação militar e, portanto, entenderá o atraso.
Tenho que fazer visitas pessoais aos vários setores do front com cada vez maior frequência e subordinar
tudo o mais aos interesses da linha de frente.
E, para Churchill, escreveu no mesmo dia seguindo linha idêntica,
acrescentando que a provável eventualidade de novos ataques alemães tornava
as visitas pessoais mais assíduas ao front uma necessidade premente.48
Para falar a verdade, estas cartas também serviram para explicar por que
Stalin declinara do convite para se encontrar com os outros dois líderes em
Scapa Flow, nas ilhas Orkney. Mas foram úteis também para dissipar qualquer
noção de que conduzia a guerra de sua poltrona. Para sua grande satisfação, nas
respostas dos dois líderes, de 19 de agosto de 1943, tanto Roosevelt quanto
Churchill comentaram que “entendiam perfeitamente as ponderáveis razões
que o obrigam a permanecer em proximidade cerrada dos fronts de combate
onde sua presença pessoal tem contribuído tanto para as vitórias”.49
Nota
* Sigla russa de Glavnoe upravlenie po delam literatury i izdatv, a “Repartição para a Proteção dos Segredos
de Estado Impressos,” agência de censura responsável pela revisão de todas as matérias antes da
publicação. No fim da década de 1980, era responsável pela proteção de segredos de Estado. Foi abolida
em julho de 1990.
[49]
Stalin e os Aliados
Penso que a única saída é a abertura, neste mesmo ano, de uma segunda frente, em algum lugar dos
Bálcãs ou na França, capaz de puxar trinta ou quarenta divisões alemãs da frente leste e,
simultaneamente, a garantia para a União Soviética de 30 mil toneladas de alumínio pelo início de
outubro deste ano, e uma ajuda mínima de 400 aviões e 500 tanques (pequenos ou médios) por mês.
Sem estas duas espécies de socorro, a União Soviética ou será derrotada ou restará tão enfraquecida
que perderá sua capacidade de auxiliar seus aliados por um longo período.
Sei que esta mensagem causará aflição a Vossa Excelência. Mas que posso fazer? A experiência ensinou-
me a olhar a realidade de frente, por mais desagradável que ela seja, e a não ter medo de dizer mesmo a
verdade indesejável.55
Embora tenha conseguido ajuda militar dos Aliados em escala maciça – ajuda
consistentemente ignorada ou depreciada pelos historiadores soviéticos –,
Stalin foi menos bem-sucedido no esforço para que abrissem uma segunda
frente. Até meados de 1944, esta questão ocupou lugar central no palco de suas
iniciativas diplomáticas. É verdade que, quando os ventos da vitória
começaram a inflar suas velas, ele se tornou menos insistente, e, de fato, a
frente na Europa Ocidental só foi aberta quando ficou óbvio que a União
Soviética era capaz de destruir sozinha a Alemanha nazista.
A persistência de Stalin e a posição inglesa sobre a segunda frente chegaram
a um ponto tal que foi necessário aos dois líderes se encontrarem pessoalmente.
Em consequência, Churchill foi a Moscou, em agosto de 1942 e, na presença
do embaixador americano Averell Harriman, tentou convencer Stalin da
impossibilidade da abertura de uma frente na Europa Ocidental ou no Ártico
naquele momento. Stalin não teve outra escolha senão aceitar a
argumentação,56 mas deixou claro que considerava a posição inglesa uma
quebra de promessa.57 Considerando que a URSS estava aguentando o maior
impacto da agressão nazista, Stalin se achava no direito de reivindicar um lugar
especial na aliança. Isto se aplicava particularmente às solicitações da União
Soviética – que soavam mais como exigências – de auxílio. No interesse do
país, Stalin comportou-se como um político duro que não aceitava meios-
termos e, no processo, granjeou o respeito de seus parceiros. Roosevelt,
Churchill e de Gaulle o consideravam um ditador esperto e cruel. Ele sabia
disto e não fez qualquer tentativa de alterar esta imagem.
Ansioso pela máxima quantidade possível de assistência da parte dos
Aliados, em especial ajuda militar, Stalin buscou maneiras de desbordar as
diferenças ideológicas. Enquanto conversava com Churchill no Kremlin,
madrugada adentro, estava consciente de que, apenas a alguns blocos de
distância, ficava a sede do comitê executivo da Internacional Comunista – o
Comintern –, instituição que identificava o inimigo de classes não só em
Hitler, mas também no primeiro-ministro inglês. A decisão de Stalin de
desmantelar o Comintern – por um decreto do próprio Comintern, é claro –
não causou espanto aos observadores inteligentes que se lembravam de que,
muito recentemente, em 1939, o secretário-geral demonstrara o quanto estava
disposto a abandonar um princípio ideológico em favor de um objetivo
particular. Tampouco fez questão de camuflar sua decisão. Falando numa
cerimônia comemorativa do 25º aniversário da Revolução de Outubro,
ressaltou o fato de que as diferenças ideológicas não eram obstáculo para a
cooperação militar e política com os Aliados.58 Na verdade, o que ele estava
dizendo era que a lógica das classes não tinha lugar na luta pela sobrevivência.
O destino do Comintern estava selado. Na primavera de 1943, ele dissolveu
a si próprio e, em 28 de maio de 1943, respondendo a uma pergunta do
correspondente da Reuters, Stalin disse:
Outra área na qual Stalin aplicou sua abordagem pragmática foi a da Igreja
Ortodoxa Russa, instituição com a qual o ex-seminarista, até então, não vinha
sendo muito pródigo em atenção. Pelo contrário, em 1925, por sua iniciativa, a
Igreja foi proibida de eleger um novo patriarca. Seu chefe temporário, ou locum
tenens, ficou sendo o eclesiástico metropolitano Sergius. Stalin nem permitiu
que o conselho local da Igreja se reunisse, tornando assim impossível completar
o número de membros do Sínodo Sagrado, o qual deixou de funcionar por um
longo período. Subitamente, em 4 de setembro de 1943, Stalin convidou G.G.
Karpov, presidente do conselho para as Questões da Igreja Ortodoxa Russa, à
sua dacha. Durante a conversa, e com a presença de Malenkov e Beria, foi
debatido o papel que a igreja poderia desempenhar no esforço de guerra. Deve-
se frisar que ela já vinha dando uma grande contribuição em dinheiro vivo com
tal objetivo e repassara para os cofres públicos substanciais partes de sua
riqueza, ao mesmo tempo que os sacerdotes faziam o possível para fortalecer a
fé do povo na vitória final sobre o invasor.
Tendo ouvido Karpov, Stalin decidiu, na hora, receber os líderes da Igreja e,
poucas horas depois, chegaram os eclesiásticos metropolitanos Sergius, Alexei e
Nikolai, algo surpresos com o inusitado da ocasião. Durante a longa discussão,
concordaram em convocar o conselho da Igreja, nomear um patriarca e abrir
instituições de ensino religioso. Entusiasmado com a própria generosidade,
Stalin prometeu também ajuda material à Igreja e várias indulgências, dando
para Beria um olhar significativo enquanto dizia isto. Stalin, o seminarista
falhado, deve ter sentido imensa satisfação pela inimaginável oportunidade de
influir não apenas na sorte dos dignitários de posição mais elevada da Igreja,
mas na própria religião. E a maioria das promessas que fez foi cumprida.
No dia seguinte, 5 de setembro, o Pravda publicou notícias sobre a reunião
– a única entre a liderança do país e o chefe da Igreja até 1988 – e anunciou
que o eclesiástico metropolitano Sergius iria convocar o conselho dos bispos
para a eleição de novo patriarca. “O chefe de governo, Camarada I.V. Stalin,
demonstrou simpatia em relação a tais propostas e declarou que o governo não
estorvaria sua concretização.”
Stalin tomou essa atitude por duas razões. Primeiro, porque reconhecia o
valor patriótico da Igreja e queria encorajá-lo. A segunda razão estava ligada à
situação internacional. Ele se preparava para a conferência de cúpula em Teerã
no final do ano, e era sua intenção pressionar pela abertura da segunda frente e
pleitear também um aumento da assistência. Neste particular, papel
importante, acreditava ele, poderia ser desempenhado pela Ajuda Britânica
para o Fundo Russo, comitê do qual faziam parte a senhora Churchill e o Deão
de Canterbury, Hewlett Johnson. Já tendo recebido diversas mensagens do
deão, Stalin concluiu que era chegado o momento de fazer um gesto público
para demonstrar sua lealdade à Igreja. Estava convencido de que o Ocidente
reconheceria aquele sinal e que ele provocaria a resposta desejada. Sua principal
motivação, portanto, não foi a gratificação da vaidade do seminarista
malsucedido, mas o exercício de pragmatismo puro nas relações com os
Aliados.
Tais relações chegaram ao ápice com os encontros dos Três Grandes em
Teerã (28 de novembro a 1º de dezembro de 1943), em Yalta (4 a 11 de
fevereiro de 1945) e em Potsdam (17 de julho a 2 de agosto de 1945). O
resultado destas reuniões é bem conhecido. Meu propósito aqui é apenas tocar
na atitude de Stalin em relação a algumas das questões debatidas.
Stalin era um “homem caseiro”. Embora desejasse encontrar os líderes
Aliados, relutava em viajar, seja para longe, seja por muito tempo fora da
URSS. Churchill e Roosevelt sugeriram locais como Cairo, Asmara, Bagdad,
Basra e outros mais ao sul. Churchill até pensou que Stalin concordaria com
um encontro no deserto, onde seriam armados três acampamentos de tendas e
eles poderiam conversar segura e sigilosamente. Stalin insistiu em Teerã
porque, segundo suas palavras, de lá seria capaz de continuar “dirigindo o dia a
dia do Estado-maior”. Depois de alentada troca de correspondência, Churchill
e Roosevelt concordaram. Naturalmente, Stalin não revelou que tinha um
pouco de medo de voar. Aquele viria a ser seu primeiro voo, e o último. Nunca
fora de correr riscos, e não viu por que haveria de começar agora. Estava no
auge da glória, e qualquer possibilidade de aborrecimentos, por menores que
fossem, o perturbava. Dois dias antes da viagem, telegrafou a Roosevelt e
Churchill, ambos já no Cairo, dizendo que estaria “à vossa disposição” em
Teerã na noite de 28 de novembro. Partida dele, era uma expressão desusada,
que, sem dúvida, objetivava passar a imagem de um gentleman.
Aquela foi a primeira conferência internacional de Stalin fora de seu próprio
país, e ele cuidou de observar atentamente seus parceiros. Tudo era novo.
Churchill não despertava tanto interesse, pois já havia se encontrado com ele e
sabia tratar-se de um político invulgarmente inteligente e arguto. Mas havia
alguma coisa em Roosevelt, com seus olhos penetrantes e a evidente marca da
fadiga e da doença, que logo o atraiu. Talvez fosse sua franqueza. Na última
conversa que tiveram, em 1º de dezembro, o presidente disse-lhe com toda a
sinceridade que não desejava discutir publicamente questões de fronteira
polonesa, uma vez que era muito provável que fosse candidato a presidente no
ano seguinte. Existem “seis ou sete milhões de cidadãos americanos de origem
polonesa”, e ele, sendo um “homem prático, não queria perder aqueles votos”.
Stalin não estava acostumado com tais expressões de autointeresse político,
mesmo assim admirou esta qualidade de Roosevelt.
O presidente era o mais novo dos “Três Grandes” e, no seu discurso de
abertura, chamou o trio de “membros de uma nova família”. Churchill
acrescentou que eles representavam “a maior concentração de poder jamais
havida na história da humanidade”. Os dois, então, esperaram pelas palavras de
Stalin. “Acho que a história está sendo condescendente conosco”, começou ele
abruptamente. “Ela colocou em nossas mãos poderes muito grandes e mui
grandes oportunidades. Espero que tomemos todas as medidas para que esta
conferência use do poder e da força que nos foram confiados por nossos povos,
adequadamente e dentro de um espírito de cooperação. E agora, vamos ao
trabalho.”
A questão da segunda frente foi, por fim, resolvida. No café da manhã de
30 de novembro, Roosevelt sacudiu seu guardanapo, virou-se para Stalin com
um sorriso e disse: “Hoje, Mr. Churchill e eu tomamos uma decisão com base
em propostas de nosso estado-maior combinado: a Operação Overlord começará
em maio, juntamente com um desembarque no sul da França.”
“Fico satisfeito com esta decisão”, replicou Stalin tão calmamente quanto
pôde. “Mas também quero dizer a Mr. Churchill e a Mr. Roosevelt que, no
momento em que os desembarques começarem, nossas tropas estarão
preparando um ataque de grande vulto contra os alemães.” Estas novas foram
do agrado dos outros líderes.
Como em Yalta e, mais tarde, em Potsdam, a questão polonesa preocupou
os Três Grandes em Teerã. Na última sessão, Churchill leu uma proposta,
evidentemente combinada antes com Roosevelt, estabelecendo que “o torrão
do estado e do povo polonês deve ser localizado entre a chamada Linha Curzon
e o rio Oder, com a inclusão na Polônia da Prússia Oriental e da província da
Silésia”. Stalin replicou: “Se os ingleses concordarem em transferir para nós [os
portos de águas quentes de Königsberg e Memel], aceitamos a fórmula
proposta por Mr. Churchill.”60
Durante as negociações sobre o futuro da Polônia que tiveram lugar mais
tarde na Conferência de Yalta, apenas três meses antes da destruição da
Alemanha de Hitler, Stalin apresentou a fórmula em que trabalhava havia
muito tempo, ou seja, que a questão da Polônia não era só de honra, mas
também de segurança:
É uma questão de honra porque os russos cometeram muitos pecados contra os poloneses no passado,
e o governo soviético deseja fazer reparações. E é uma questão de segurança porque a Polônia
apresenta o mais grave dentre os problemas estratégicos para a União Soviética. Ao longo da história, a
Polônia tem servido de corredor para os inimigos que chegam para atacar a Rússia. Por que os
inimigos acharam tão fácil, até agora, passar através da Polônia? Principalmente porque a Polônia era
fraca. Essa passagem polonesa não poderia ser fechada pela parte de fora apenas com a força russa. Isto
só poderia ser bem feito por dentro, pela ação da própria Polônia. O que significa que a Polônia tem
que ser forte. Daí a razão de a União Soviética estar interessada na criação de uma Polônia poderosa,
livre e independente. A questão polonesa é um problema de vida ou morte para o estado soviético.61
Stalin deixou patente que estava mais inquieto com governos do que com
fronteiras. Aceitou imediatamente a Linha Curzon, com alguns ajustes em
favor da Polônia, mas não faria concessões quanto à questão do governo
polonês, a despeito do fato de, no início da guerra, ter se mostrado desejoso de
cooperar com ele. Em 18 de agosto de 1941, determinara que o major-general
Vasilievsky assinasse um tratado militar entre o Alto-Comando Soviético e o
Alto-Comando Polonês. Concordaram em que o lado soviético arcaria com
todos os custos da manutenção de um exército polonês em território soviético e
abriria uma missão militar soviética no Alto-Comando Polonês, em Londres.62
E agora Churchill e Roosevelt estavam chamando o governo legítimo de
“governo de Lublin”, como se não fosse mais que uma autoridade provincial,
não obstante já estar instalado em Varsóvia e controlar a situação no país.
Na última fase da guerra, e depois dela, Stalin viu-se afogado em questões
de caráter diplomático. É claro que ele contava com a assistência de Molotov,
A.Ya. Vyshinsky, S.I. Kavtaradze e I.M. Maisky, entre outros, porém, ao mais
das vezes, tomava decisões por si próprio. Ficou irritado quando Churchill
meteu o nariz nas questões da Europa Oriental: uma vez que as forças
soviéticas estavam lá, cabia à URSS solucionar a questão do futuro da região,
assim pensava ele.
Mais uma vez, Stalin viu o tipo de executivo fiel que era Molotov. Para este,
uma ordem de Stalin tinha precedência sobre qualquer estatuto do partido. Em
15 de outubro de 1945, Averell Harriman quase “bateu nele”, como iria dizer a
Stalin no mês seguinte. O secretário-geral se preparava para suas primeiras
férias de pós-guerra e não queria receber o embaixador dos EUA, que
pressionava por uma audiência. Stalin dissera a Molotov: “Você o recebe. Não
vou fazê-lo. Diga-lhes o que eles precisam saber.”
De acordo com Molotov, o embaixador Harriman e o primeiro-secretário
Page foram visitá-lo, e a conversa mantida foi registrada em seu diário assim:
Harriman: “Recebi um telegrama do presidente para o generalíssimo. Tenho instruções para entregá-lo
pessoalmente e, na ocasião, discutir uns certos assuntos.”
Molotov: “Stalin entrou em férias por cerca de mês e meio. Informarei Stalin sobre o desejo do
presidente.”
Harriman: “O presidente sabe que Stalin está de férias, mas espera que, assim mesmo, ele concorde
em receber o embaixador. É sobre a Conferência de Londres. Estou disposto a ir a qualquer lugar.”
Molotov: “O generalíssimo Stalin não está trabalhando no momento, o que quer dizer que está de
férias longe de Moscou.”
Harriman: “O presidente espera que Stalin receba o embaixador.”
Molotov: “Informarei Stalin.”
Harriman: “O presidente acha que o generalíssimo merece férias.”
Molotov: “Todos achamos que Stalin deve fazer uma pausa adequada para um descanso.”
Harriman: “Durante o desfile esportivo, notei que Stalin parecia em forma.” Molotov: “Stalin é um
homem muito disposto.”
Harriman: “No noticiário cinematográfico sobre o desfile esportivo, o generalíssimo me pareceu
bastante vigoroso e entusiasmado.”
Molotov: “Nós, as pessoas soviéticas, ficamos muito felizes em ver Stalin com bom estado de espírito.”
Harriman: “Eu gostaria de ter uma cópia daquele filme.”
Molotov: “É claro, o senhor terá uma.”
Harriman: “Não tenho mais nada a dizer para explicar o propósito de minha visita.”
Molotov: “Informarei a Stalin, que está no gozo de completo repouso.” Harriman: “Nem preciso falar
quão importante a questão é...”
Molotov: “Isto está entendido.”
Harriman: “Eu gostaria de visitar Stalin como um amigo...”
Molotov: “Direi a Stalin, mas ele está de férias.”63
Talvez fosse este episódio que Harriman lembrou quando escreveu em suas
memórias que “Stalin permanece para mim a pessoa mais inescrutável,
enigmática e contraditória que jamais conheci”.64 As anotações sobre a
conversa, feitas pelo assistente de Molotov, V. Pavlov, refletem muito bem a
persistência obstinada dos dois homens. Nenhuma conferência importante,
nenhum apelo do presidente abalariam Molotov, para quem a vontade do chefe
era soberana. E, assim, ele executou suas instruções à risca. Nada de
flexibilizações. Molotov era da escola stalinista. Mas quando ele acabou seu
monólogo interminável, Stalin disse: “E se Harriman tivesse, de fato, algo
importante para me dizer do presidente?” Molotov e Beria trocaram um olhar.
Não sabiam se Stalin estava brincando ou lamentava sinceramente uma
oportunidade perdida.
Entre as numerosas pastas que Poskrebyshev colocava em cima da mesa de
Stalin, muitas requeriam sua atenção: tratavam dos países liberados, que eram
em bom número. As lembranças ainda eram recentes das maquinações do
presidente Risto Ryuti em Helsinque. Chegavam sinais por intermédio da
embaixadora soviética em Estocolmo, Alexandra Kollontal, de que os
finlandeses aprestavam-se para abandonar a guerra quando, subitamente, em
26 de junho de 1944, em seguida a uma visita de Ribbentrop a Helsinque,
Ryuti declarou que a Finlândia jamais faria a paz, nem permitiria que
quaisquer negociações de armistício fossem encetadas com a URSS sem a
concordância do império alemão.65 Stalin reagiu determinando a imediata
aceleração das operações ofensivas no front da Karélia. Já então aprendera que
golpes firmes tornavam o inimigo mais tratável. A manobra funcionou, embora
a operação não tivesse sido tão bem-sucedida como ele esperava. Em 4 de
setembro de 1944, os finlandeses aceitaram as condições soviéticas para pôr um
fim na guerra, e um armistício foi assinado no dia 19 do mesmo mês.
Em agosto de 1944, Stalin recebera relatórios de que aviões Aliados estavam
aterrando em crescentes quantidades nos territórios ocupados pelos soviéticos,
e admoestou Voroshilov na Hungria, Susaikov na Romênia e Shatilov em
Varsóvia pela “complacência perigosa, credulidade desnecessária e falta de
vigilância que permitiam que elementos hostis aterrissassem para infiltrar
terroristas, sabotadores e agentes poloneses a serviço do governo polonês de
Londres”.66
Em 18 de outubro de 1944, teve ocasião de enviar um cabograma “Muito
Importante” ao marechal Tito, com uma cópia para o marechal Tolbukhin:
O senhor solicitou ao marechal Tolbukhin que retirasse as forças búlgaras da Sérvia e as deixasse
apenas na Macedônia. Além do mais, queixou-se a Tolbukhin do comportamento incorreto das tropas
búlgaras na divisão do butim tomado aos alemães. Sobre as duas questões, considero necessário
informar-lhe o seguinte:
1. As tropas búlgaras operam em território sérvio segundo o plano geral da assistência substancial às
tropas soviéticas, de acordo com o senhor e por sua solicitação, como estabelecido em seu telegrama
número 337 de 12.10.44. Enquanto um considerável efetivo alemão permanecer em território
iugoslavo, não teremos condições de retirar as tropas búlgaras da Sérvia.
2. Quanto ao butim, a lei da guerra é a de quem o toma e fica com ele.67
Para garantir a recepção organizada e a contenção dos ex-prisioneiros soviéticos de guerra e dos
cidadãos soviéticos liberados pelas forças aliadas no território da Alemanha Ocidental, e também para
a entrega de ex-prisioneiros de guerra e de cidadãos dos países Aliados liberados pelo Exército
Vermelho, o Supremo Alto-Comando determina:
Que os sovietes de guerra organizem campos na área de retaguarda para acomodar e reter ex-
prisioneiros de guerra e cidadãos soviéticos que estão sendo repatriados, alocando 10 mil pessoas para
cada acampamento. As necessidades são: 2º front bielorrusso – 15 campos; 1º front bielorrusso – 30;
1º front ucraniano – 30; 4º front ucraniano – 5; 2º front ucraniano – 10; e 3º front ucraniano – 10.
Alguns campos devem ser criados em território polonês.
Que a checagem de ex-prisioneiros de guerra e de cidadãos liberados seja executada da seguinte
maneira: os órgãos de contrainformação da Smersh deverão ficar encarregados dos militares, enquanto
comissões de averiguação da NKVD, da NKGB e da Smersh, sob a coordenação da NKVD,
verificarão os civis. A checagem não deverá durar mais que um ou dois meses.
A entrega de ex-prisioneiros Aliados de guerra e de cidadãos às comissões do comando aliado deverá
ser administrada pelos sovietes de guerra e por um representante do Sovnarkom da URSS.
11 de maio de 1945. 24h.69
1. O oficial mais antigo [...] deve fazer contato com o oficial Aliado mais antigo e estabelecer com ele
a linha divisória. Nada sobre nossos planos e objetivos de batalha deve ser divulgado a quem quer que
seja.
2. Nenhuma iniciativa deve ser tomada para a organização de encontros de confraternização. As forças
Aliadas devem ser recebidas de maneira amistosa.70
A NKVD da URSS reporta que os preparativos estão completados para a recepção e acomodação da
conferência vindoura. Sessenta e duas vilas foram aprontadas (10.000m2, mais uma casa afastada de
dois andares para o Camarada Stalin, com 400m2 de área construída: 15 cômodos, uma varanda
externa e água-furtada). A casa está completamente equipada. Possui um centro de comunicações.
Foram feitos estoques de carne de caça, aves, guloseimas, mantimentos e bebidas. Três depósitos
suplementares de suprimento foram criados a sete quilômetros de Potsdam, com fazendas de gado e
aviários e reservas de vegetais; duas padarias estão funcionando. Todas as equipes são de Moscou. Dois
aeródromos especiais foram preparados. Sete regimentos de tropas da NKVD e 1.500 militares
operacionais proverão a segurança, que será feita em três círculos concêntricos. O chefe da segurança
na residência será o tenente-general Vlasik. Kruglov será o encarregado da segurança na conferência.
Uma composição ferroviária especial foi montada. O percurso é de 1.923 quilômetros (1.095 na
URSS, 594 na Polônia e 234 na Alemanha). A segurança ao longo do itinerário será proporcionada
por 17 mil homens da NKVD e 1.515 operacionais. Entre seis e 15 homens estarão postados a cada
quilômetro de trilhos. Oito trens blindados com tropas da NKVD patrulharão a extensão total do
caminho ferroviário.
Uma casa com dois pavimentos e 11 cômodos foi preparada para Molotov. Existem 55 vilas, inclusive
oito casas separadas, para a delegação.5
Tudo isto estava, de fato, muito distante do “ascetismo” de Stalin dos anos
1920. Quanto mais idoso ficava, mais temia por sua vida. Com a aproximação
da viagem, passou a consultar Beria mais amiúde, chegando a algumas vezes
por dia – sobre o sigilo a respeito da data da partida, a espessura da blindagem
dos vagões, a rota através da Polônia.
Em Potsdam, ao trocar cumprimentos com Truman, ao meio-dia de 17 de
julho, Stalin disse: “Por favor, desculpe-me pelo atraso de um dia. Fiquei
ocupado com as conversações com os chineses. Queria voar, mas os médicos
proibiram.” Truman replicou: “Entendo perfeitamente. Tenho muito prazer em
conhecer o Generalíssimo Stalin.”*
Stalin atrasou simplesmente para acentuar sua própria importância. Não foi
a última vez que utilizou tal artifício, como William Hayter, um dos membros
da delegação inglesa e mais tarde embaixador em Moscou, recordou.6
Naquela noite, os Três Grandes começaram a dividir os frutos de sua
vitória, trabalho mais fácil que o de preservar a aliança, que cada um deles sabia
viver seus últimos dias.
Agora que a guerra estava ganha, Stalin podia pensar em relaxar no ar puro do
Cáucaso, e Beria pôs mãos à obra para os preparativos, embora eles fossem bem
menos complicados que os de levar seu líder a Potsdam. O chefe da segurança
em Krasnodar reportou para Merkulov que o elemento antissoviético em Sochi
estava sob vigilância e seria preso na ocasião oportuna. As matas entre os rios
Golovinka e Psou eram vasculhadas. Cento e quarenta e oito postos de
segurança tinham sido estabelecidos entre a estação ferroviária e a dacha, e todo
o itinerário estava protegido. Um trem de força máxima estava em reserva.24
Mesmo em seu país, o “pai do povo” temia atentados contra sua vida.
Parte da jornada foi feita de carro. Como sempre, quando entrava em férias,
Stalin era acompanhado por Vlasik, Poskrebyshev, Istomina, inúmeros
serventes, guardas e outros empregados. Foi de fato depois dessa viagem que ele
ordenou a construção de uma estrada para Simferopol. Ao passar por Orel,
Kursk e outras cidades e vilas, a comitiva parava para contatos locais. O
sacrifício por que as mulheres e crianças sobreviventes passavam era
indescritível. Por todos os lados, as cidades estavam em ruínas; mesmo assim,
quando as autoridades chegaram ao sul, Stalin foi informado de que novas
casas de verão para funcionários estatais estavam sendo construídas segundo
ordens urgentes das agências de Beria.
Stalin logo se cansou do contato próximo com as massas; chegava de hurras
leais, de lágrimas de alegria das mulheres, de brados confiantes dos homens de
“Tudo acabou bem, Camarada Stalin!” e de olhares admirados de idosos e
crianças, perguntando se aquele era mesmo Stalin. Ademais, ele tinha
consciência de que era bem melhor para sua imagem acenar para as multidões a
partir do Mausoléu, ou sorrir para elas das telas dos cinemas, que tinha maior
efeito sua aparição diária em retratos, estátuas e bustos. Em vez disso, agora, as
pessoas olhavam para um homem de baixa estatura, tronco
desproporcionalmente curto, pernas e braços um tanto longos, barriga
pronunciada, cabelos ralos, rosto pálido e com sinais deixados pela varíola, e
dentes amarelados. Em Kursk, uma mulher mais atrevida chegou mesmo a
tocar na manga de sua túnica como para se certificar de que aquele era o
mesmo homem que conhecia por retratos. Para as perguntas curtas que ele
fazia, as pessoas respondiam com exclamações também curtas, expressando
embevecimento, adoração entranhada e esperança por um milagre. Não
esperavam que ele falasse, simplesmente banqueteavam-se olhando, incapazes
de acreditar que aquele era seu Líder. Stalin começou a perceber na expressão
das pessoas não só alegria e êxtase, mas também um certo e indisfarçável
desapontamento com a figura que viam. Sabedor de que era impossível para
qualquer deus terreno não causar desilusão pelo contato direto, Stalin decidiu
que não repetiria aquela prática insensata, e sim, dali por diante, sustentaria a
quimera da onipresença, tornando-se majestosamente distante do povo. As
pessoas tinham que continuar vendo nele o homem que erigira o socialismo,
destruíra todos os inimigos, derrotara o fascismo e que logo teria que
conclamar o povo para voltar à “grande construção do comunismo”. Aquele era
o sistema que ele edificara e que não podia prescindir de sua liderança. Os que
esperassem mudanças, aguardariam em vão. O sistema tinha que ser
fortalecido, o poder do estado, reforçado, e todos aqueles de que não precisasse
deveriam ser afastados. A grande vitória fora prova de que ele sempre estivera
certo.
Embora toda esta descrição pareça imaginária e muito fantasiosa, ela se
baseia na dedução lógica das evidências. As ações e decisões de Stalin indicam
que ele não desejou alterar nada que tivesse significação. As pessoas podiam e
deviam mudar, mas não a ordem que o elevara ao cume do poder. Estava
convencido de que o sistema que queria preservar chegara então, depois da
guerra, mais próximo daquele visualizado pelos fundadores do socialismo
científico. Tudo era planejado, programado, prescrito e determinado. Portanto,
ao se dispor a reconstruir o edifício do socialismo assolado pela guerra,
relançaria o slogan “Temos que alcançar e ultrapassar!”.
Stalin poderia razoavelmente julgar que, depois da guerra, o mundo se
encaminharia perceptivelmente para a esquerda. A luta antifascista unira as
massas, revigorara a democracia e fizera a reação bater em retirada. Os feitos
heroicos do povo soviético despertaram profunda e genuína simpatia pelo
Estado soviético. Existiam até mesmo emigrados brancos, bem como
intelectuais e ex-russos comuns que estavam ávidos para retornar. Stalin estava
especialmente interessado nos indícios partidos dos mencheviques georgianos
de Paris, muitos dos quais conhecia pessoalmente. Tão logo a guerra terminou,
enviou à capital francesa o chefe da propaganda do Comitê Central georgiano,
P.A. Shariya, e leu com atenção seu relatório quando chegou pelas mãos de
Beria e Merkulov.
Shariya reportou que os emigrados georgianos entregaram-lhe antigos
manuscritos, artefatos de ouro e prata, moedas raras e tesouros arqueológicos
para que fossem repatriados à Geórgia. Por instruções de Moscou, Shariya
encontrou-se com Noah Zhordaniya, Yevgeni Gegechkori, Iosif Gobechiya e
Spiridon Kediya – todos nomes que devem ter evocado em Stalin lembranças
de sua vida como revolucionário na clandestinidade, bem como o período duro
em que as repúblicas foram formadas depois da guerra civil. No começo da
reunião, Zhordanyia reafirmou seu ponto de vista de que não havia
democracia, liberdade de expressão e de imprensa, eleições livres e iniciativa
privada na URSS. Não obstante, declarou então – e foram palavras sublinhadas
por Stalin – que:
Stalin ganhou a guerra. Acho que ele é o maior dos homens. Seria uma idiotice negar sua grandeza por
causa de nossas diferenças políticas. A história ainda terá muito a relatar sobre tal grandeza.
Desvendará aspectos de suas atividades ainda desconhecidos por seus contemporâneos.25
* Esse novo título fora conferido a Stalin apenas recentemente, em 27 de junho de 1945.
** Mesmo buscando com muito interesse nos arquivos, nada achei sobre o destino de Raoul Wallenberg.
[51]
Cortina de segredos
É
Shepilov quase não teve tempo para dizer “É claro”, antes que Stalin
desligasse. Imaginava para onde deveria ir quando o telefone tocou de novo e
lhe foi dito que um automóvel estava a caminho para buscá-lo. Logo depois,
era conduzido através de corredores silenciosos e intermináveis no Kremlin,
passando por seguranças a cada virada.
A conversa demorou mais de uma hora. Stalin começou com um
comentário vago sobre os novos tempos que requeriam nova economia. Os
líderes da indústria, disse ele, tinham nível muito baixo de conhecimento
econômico. Havia necessidade premente de um livro didático bom e popular
sobre economia do socialismo. Shepilov entendeu que lhe era solicitado que o
escrevesse com a ajuda de dois renomados economistas. De forma obviamente
ensaiada, Stalin recitou então as recomendações que o livro deveria conter: a
nacionalização dos meios de produção deveria ser incrementada, o
planejamento melhorado, o plano transformado em lei férrea, a eficiência do
trabalho aprimorada, e diversos outros aspectos de características similarmente
coercitivas.
Stalin falara. Um cronograma apertado foi imposto. Shepilov e seus colegas
foram “encarcerados” numa dacha fora de Moscou. No final de cada semana,
Suslov telefonava para perguntar como as coisas andavam e quando seria
possível ler o manuscrito. “O Camarada Stalin está esperando, não esqueça!”
Manter um estado de tensão permanente na mente pública foi um dos
métodos mais usados por Stalin. Um estado de “guerra civil” potencial ou,
melhor, uma luta permanente contra os “inimigos do povo”, “espiões”,
“céticos”, “cosmopolitas”, “degenerados”, “destruidores”, criava uma atmosfera
na qual sua prescrição de constante vigilância encontrava solo fértil. Ele
pressentiu que, depois da guerra, as pessoas, em especial as que constituíam a
intelligentsia, alimentavam indefinida expectativa por mudanças. Era como se a
guerra as tivesse liberado em parte. De acordo com Shepilov, Stalin, em
consequência, determinou que Zhdanov “desferisse um golpe contra todas as
obras que não apresentassem conteúdo ideológico. Houve marcante
afastamento dos princípios de classe na literatura criativa. Cheque uma ou duas
revistas. Especialmente em Leningrado”.
O Comitê Central expediu as devidas instruções para as revistas Zvezda e
Leningrad, e Zhdanov voou para a antiga capital. Lá, declarou que a questão
tinha sido levantada por Stalin no Comitê Central, “o qual vem
acompanhando o fato nas revistas, propôs que discutíssemos as deficiências nas
lideranças de tais revistas, participou dos debates e, incidentalmente,
proporcionou a base para a decisão”. Ao nomear os escritores cujas obras
encarava como “estranhas à literatura soviética”, Stalin estava levando a
sociedade pós-guerra de volta ao clima de suspeita e medo, e reativando a caça
às bruxas que grassara nos anos 1930.
Para ele, a ideia da luta de classes era uma regra primordial. Depois da
destruição dos capitalistas e dos proprietários de terra, ele descobriu outra
classe para aniquilar, a dos kulaks. Posteriormente, sem inimigos a enfrentar,
engendrou uma fórmula que garantiria a existência de tais inimigos. Sentado
no Kremlin já bem tarde da noite, na semana que antecedeu o sinistro pleno de
fevereiro-março de 1937, ele buscou a definição ou a argumentação que faria
da condição de luta dentro da sociedade uma característica permanente. As
incontáveis alterações e emendas na minuta do discurso mostram o quão
exaustivamente trabalhou naquilo. Como já vimos, o resultado ficou registrado
nas seguintes palavras:
Quanto mais avançarmos, quanto maior o sucesso, mais exasperados se tornarão os remanescentes das
classes exploradoras destruídas, mais cedo apelarão para formas extremadas de luta, mais difamarão o
estado soviético e mais recorrerão aos meios desesperados como solução última dos condenados...
Esmagaremos nossos inimigos no futuro, como o fazemos agora e o fizemos no passado.26
Se a luta de classes é boa ou má, nobre ou desprezível, nós, seres viventes, que tomamos parte nessa
luta, seja como carrascos seja como vítimas, sabemos alguma coisa sobre ela de que Marx jamais teve
conhecimento e com que nenhum dos sábios da democracia social jamais sonhou. Para eles, a luta de
classes não passa de uma ideia em suas mentes, enquanto para nós significa sangue e ossos;
derramamos nosso sangue e quebramos nossos ossos em função dela.28
Stalin, de fato, fez tudo o que era possível para transformar a ideia da luta de
classes em força dominante na política, ideologia, cultura e na vida comum.
Era como se não pudesse descansar caso não ouvisse as convulsões das vítimas
de tal ideia. Depois da guerra, quando o mundo deu sensível virada para a
esquerda, a impressão foi a de que a história justificara Stalin. Muitos acharam
que o arado de ferro do socialismo ia começar de novo a revolver o solo. As
pessoas não pensavam ainda globalmente, tampouco estavam conscientes por
completo da espada de Dâmocles nuclear suspensa sobre suas cabeças.
Os primeiros discursos pós-guerra de Stalin foram sobre a recuperação da
economia, como sempre fazendo da indústria pesada a principal entre as
prioridades, e sobre a retomada da agricultura, cuja condição era extremamente
precária. A safra do primeiro ano depois da guerra foi ruim. A interrupção da
importação de grãos dos EUA, acoplada com a baixa produção da parte
europeia do país, criou uma situação crítica. A abolição dos cartões de
racionamento foi adiada até o outono de 1947. As safras também não tinham
sido boas em 1943, mas, naquela ocasião, os americanos abasteciam o front, ao
passo que a população civil, como sempre, aguentava estoicamente o sacrifício.
Em abril de 1944, Beria mostrou a Stalin um relatório de oito páginas sobre a
situação em Chita, Cazaquistão. O comissário do interior daquela república,
Bogdanov, declarou que a má colheita de 1943 causara dificuldades sérias:
milhares de pessoas estavam com os abdomens inchados de fome e muitas
morriam, particularmente os exilados políticos. O relato de Bogdanov
descreveu histórias de suicídios, de camponeses se alimentando de animais
mortos e lixo, comendo gatos e cães, e até mesmo de camponeses de uma
fazenda coletiva esquartejando um cavalo morto para dividir entre eles algo
para comer.29 Apesar disto, naquele ano, 1.300 quilos de cereais por hectare
foram coletados pelo estado. Nem o rádio nem a imprensa escrita
mencionavam a fome, e entre a pilha de documentos que consultei, não existe
um só que indique qualquer comentário de Stalin sobre atitude construtiva em
relação às agruras enfrentadas pelo país.
O secretário-geral, aparentemente, não mantinha um diário e era cuidadoso
com o que escrevia. Muitos documentos foram destruídos por ordens suas,30
como, por exemplo, nas oportunidades em que relatórios foram feitos sobre a
execução de ordens que expediu à NKVD. Por outro lado, restaram muitos
documentos no arquivo pessoal de Stalin. Existe a cópia de um deles, datado de
1923 e intitulado “Detalhes Biográficos de I.V. Stalin”, localizado no
Comissariado das Nacionalidades. Não há indicações sobre o autor e o objetivo
do documento, mas parece provável que foi preparado sob a orientação de
Stalin.
A pasta oferece um relato minucioso dos “serviços revolucionários” de Stalin
antes da Revolução de Outubro de 1917:
Durante os dias de outubro, I.V. Stalin foi um de um grupo de cinco (um coletivo) cuja tarefa era
proporcionar liderança política ao levante. [...] Da mesma forma que seu trabalho pré-revolucionário,
a obra revolucionária atual de Stalin é de enorme importância. Distinguindo-se por sua incansável
energia, mente excepcional e privilegiada e determinação implacável, o Camarada Stalin é uma das
molas principais, despercebidas e realmente de aço da revolução, a qual, com sua força invencível, está
transformando a revolução russa num Outubro de âmbito mundial. Antigo seguidor de Lenin, ele
absorveu melhor do que ninguém os métodos e ideias do líder sobre a atividade prática.
Graças a isto, ele hoje secunda brilhantemente Lenin na esfera não só da atividade partidária como
também na construção do Estado.31
Seria muito improvável que um documento destes fosse escrito enquanto Lenin
vivia. Quem foi o autor? O que tem a ver “a mola realmente de aço da
revolução” com “detalhes biográficos”? Será que Stalin, percebendo que Lenin
não voltaria a empunhar o leme político, já se preparava em 1923 para assumir
o poder?
A.A. Yepishev, que foi vice-ministro da segurança estatal, disse-me que
Stalin mantinha um caderno de exercícios escolares, com capa de oleado preto,
no qual fazia anotações ocasionais e que, por determinado período de tempo,
guardou cartas de Zinoviev, Kamenev e mesmo de Trotsky. Fracassaram todos
os esforços para localizar quer o caderno de capa negra quer as cartas, e
Yepishev não revelou sua fonte. Somente Beria, Poskrebyshev e Vlasik tinham
acesso direto a Stalin, e só eles poderiam saber sobre tais anotações, mas os dois
últimos foram implicados por Beria pouco antes da morte de Stalin. Só Beria
permaneceu ao lado do líder e, quando os médicos foram finalmente chamados
para atender Stalin, já em estado de coma e depois de um intervalo de 12 a14
horas, o auxiliar percebeu que tudo acabara também para ele. Deixando
Khruschev, Malenkov e outros membros do Politburo ao lado do moribundo
Stalin na dacha, Beria correu para o Kremlin onde, é bastante razoável que se
suponha, esvaziou o cofre, removendo as anotações pessoais do chefe e com
elas, presume-se, o caderno de capa preta.
Beria deve ter notado que a atitude de Stalin em relação a ele esfriara
consideravelmente no último ano, ou nos últimos 18 meses. De sua parte, o
secretário-geral deve também ter percebido as intenções de Beria. Será que
Stalin deixou instruções ou uma espécie de última vontade que seu
subserviente entourage cumpriu ao pé da letra? Beria tinha razões para correr.
Somente ele tinha permissão para entrar no escritório de Stalin, e, é claro, os
seguranças de Stalin estavam a postos, porém, quando o cofre foi oficialmente
aberto, descobriu-se que quase não continha nada, apenas a carteira de filiação
do líder ao partido e alguns documentos insignificantes. Ao destruir o caderno
de anotações de Stalin, se é que de fato estava lá, Beria abriria o caminho para
sua própria ascensão. Talvez a verdade nunca seja conhecida, mas Yepishev
estava convencido de que Beria limpou o cofre antes que os outros chegassem.
Stalin tinha o hábito de arquivar documentos que lhe interessavam
pessoalmente como, por exemplo, o da última vontade de Hitler, no qual o
Führer fala em dar um fim à sua “vida terrena”, como se esperando chegar a um
lugar melhor.32 Ou uma carta endereçada a Stalin, de 27 de outubro de 1935,
da classe de formandos do Instituto dos Professores Vermelhos, queixando-se
de que estavam sendo despejados da hospedaria, enquanto “elementos hostis à
classe, como a princesa Bagration,* recebem permissão para permanecer”.33
Outro arquivo era referente à dissolução da Sociedade dos Ex-Prisioneiros e
Exilados. Ya. Peters e P. Pospelov escreveram que a “Sociedade consiste
primordialmente em SR e mencheviques com estreitas conexões. De quarenta a
cinquenta membros da Sociedade foram presos depois da morte de Kirov”. Um
de seus afiliados teria dito “que deveriam defender os membros que tinham
sido presos pelo regime soviético”.34 Quando Stalin viu o relatório, o destino da
Sociedade ficou decidido.
Existia uma carta de um amigo da filha de Stalin, A.Ya. Kapler, sentenciado
a dez anos de prisão, solicitando ser enviado para o front. Havia um bilhete de
Beria contendo informação dada pelo general iugoslavo Stefanovic sobre o filho
de Stalin, Yakov, com o qual partilhara o cativeiro por determinado tempo; um
relatório de Kruglov a respeito da transferência do Arquivo Russo de Relações
Exteriores de Praga;35 e muitas outras cartas mandadas a Stalin que mostram
quão diligentes foram os auxiliares, como Zhdanov e Suslov, no trabalho para a
garantia de que o povo em geral recebesse apenas o mínimo absoluto de
informação sobre seu governo.
Um dos mistérios indecifrados da história, e que provavelmente
permanecerá assim, é a morte da esposa de Stalin. Nenhuma das bem
conhecidas explicações, oficiais e oficiosas, convence de forma alguma. Em
ligação com o fato, um dos documentos do arquivo merece menção. Escrito
em tinta carmim em diversas páginas de um caderno de exercícios escolares e
datado de 22 de outubro de 1935, trata-se de um apelo a Kalinin por
clemência para Alexandra Gavrilovna Korchagina, prisioneira no campo de
concentração de Solovki. Deduz-se do documento que Korchagina, filiada ao
partido, trabalhara por cinco anos na casa de Stalin como empregada
doméstica. Ela fora detida quando um prisioneiro de nome Sinedobov,
também ex-membro da equipe do Kremlin, testemunhou que ela havia dito
que Stalin atirara na esposa. Korchagina nega o fato em sua carta, de modo
bastante inconvincente, e cita a versão oficial, ou seja, que sua patroa morrera
de ataque do coração. Escreve que Burkov, Sinedobov (ambos sem iniciais),
residentes na casa juntamente com Korchagina, o guarda de segurança Ya.K.
Glome e um secretário da célula do partido, cujo nome não foi citado, todos se
admiraram com o fato de a causa da morte não ter sido mencionada pela
imprensa. Parece que muitas pessoas questionavam a explicação oficial de um
mal súbito, especialmente, como Korchagina escreve, porque Stalin
acompanhou sua esposa de volta ao Kremlin naquela noite. Essas conversas
foram do conhecimento de Stalin e causaram algum alarme, pois a decisão de
afastar Korchagina deve ter sido tomada para silenciar qualquer pessoa que
pudesse saber alguma coisa.
Korchagina relata que o investigador, um tal de Kogan, a intimidou durante
o interrogatório, fazendo com que confessasse, após o que foi deportada sem
julgamento para Solovki. Anexado à carta está o julgamento, assinado por
Lutsky, funcionário da NKVD, especificando que Korchagina envolvera-se
com “grupos terroristas contrarrevolucionários na biblioteca do governo, na
equipe de segurança do Kremlin e noutros lugares”. Kalinin escreveu na pasta:
“Recusado.”36
Outro mistério que persiste é o destino do filho mais velho de Stalin. Existe
uma variedade de evidências que sinalizam a organização de diversas tentativas
para que escapasse do cativeiro alemão, inclusive o depoimento de Dolores
Ibarruri já citado. Os alemães, no entanto, passaram a falar cada vez menos
sobre Yakov e acabaram silenciando por completo. Stalin, provavelmente, não
estava inteiramente seguro sobre a sorte do filho até que recebeu um relatório,
datado de 5 de março de 1945 e assinado por Beria, que dizia:
No final de janeiro deste ano, um grupo de oficiais iugoslavos foi libertado do campo de concentração
alemão pelo primeiro front bielorrusso. Entre eles estava o miliciano iugoslavo general Stefanovic, que
fez o seguinte relato:
“O primeiro-tenente Yakov Djugashvili e o capitão Robert Blum, filho do ex-primeiro-ministro
francês, dividiam uma cela no campo em Lübeck. Stefanovic esteve com Djugashvili várias vezes
oferecendo ajuda material, que foi declinada por ele ser independente e orgulhoso. Por recusar
perfilar-se diante de oficiais alemães, foi posto na solitária. Djugashvili disse que os boatos divulgados
sobre ele pela imprensa germânica eram falsos. Estava convicto da vitória soviética. Deu-me seu
endereço em Moscou: Rua Granovsky, nº 3, apartamento 84.”37
Todos entenderão que eu não podia escrever coisa alguma na URSS. Deixo estas anotações aos
cuidados de amigos no exterior e peço-lhes que não as publiquem antes de minha morte. Se as pessoas
da Europa quiserem salvar seu modo de vida, a família, suas pátrias amadas, deixem que conheçam
meus erros e não os repitam. Nossos partidos políticos discutiram e lutaram até que destruíram a
Rússia!39
Stalin tinha que saber sobre tudo. Até os formulários recebidos de volta a
respeito do censo de 1930, exibindo os nomes das famílias dos funcionários
mais categorizados, tinham que lhe ser mostrados. Só ele sabia por que ticou
certos nomes com fortes sinais em vermelho:
Beria, Nina Teimuradovna; georgiana, cientista, filho Sergei de 14 anos. Kaganovich, Maria
Markovna; filha Maya e filho Yuri.Voroshilova, Yekaterina Davidovna. Zhemchuzhina, Polina
Semenovna; e as filhas Svetlana Vyacheslavovna, Rita Aronovna Zhemchuzhina. Andreyeva – Dora
Moiseyevna Khazan; filha Natalya Andreyevna.
* A família Bragation era da nobreza georgiana. A esposa do grão-duque Vladimir Kirillovich, um dos
pretendentes ao trono imperial russo, é uma princesa Bragation que deixou a URSS em 1935.
[52]
Um acesso de violência
Fiquei literalmente arrasada com o decreto do Comitê Central sobre as revistas Zvezda e Leningrad.
[...] Como pôde isto acontecer, quando todos gostavam tanto de Zoshchenko? Gorky, Tikhonov,
[Marietta] Shaginyan, A.A. Kuznetsov, Maisky, todos eles diziam que o amavam. Nunca houve a
questão de ele abandonar Leningrado [...] Trabalhava num livro sobre partisans ao longo de todo o
verão de 44. Não há vestígio de injúria ou malevolência em seus livros.
Altamente neurótico [...] e tem estranhas obsessões. Temia por demais enlouquecer, como Gogol.
Começou um tratamento pela autoanálise e teve certo sucesso. Sua doença provocou nele o
sentimento da sátira, e aí está o problema. Mas ele é incapaz de se submeter à vontade dos outros, não
consegue agir sob as ordens de ninguém.42
Evidentemente, Stalin leu a carta, pois ela exibe suas marcas em lápis vermelho,
e deve ter percebido que a esposa não era a única pessoa que rejeitava sua
opinião sobre Zoshchenko. Contudo, surpreendentemente, afora a expulsão do
sindicato dos escritores – punição severa em si mesma, de vez que o sindicato
proporcionava o acesso de um escritor à publicação, ou seja, ao seu ganha-pão
– Stalin não foi além do terror psicológico sobre Zoshchenko e sua família.
Dois anos depois do lançamento da campanha ideológica em Leningrado,
Stalin deu-lhe continuidade com um violento ataque político e punitivo, que
muitos viram como primeiro ato da reencenação da repressão em massa dos
anos 1930. Em meados de fevereiro de 1949, Malenkov foi instruído por Stalin
e enviado a Leningrado. O pretexto da missão foi uma alegada inadequação de
procedimentos durante a conferência do partido na cidade. Acontecera uma
situação típica: a despeito de terem recebido votos contrários, alguns líderes
partidários provinciais, como P.S. Popkov, G.F. Badaev, Ya.F. Kapustin e P.G.
Lazutin, foram declarados eleitos por unanimidade pelo presidente da
conferência A.Ya. Tikhonov. Um dos membros do comitê eleitoral, por causa
disto, escreveu uma carta anônima ao Comitê Central, motivando uma ríspida
resposta de Stalin, ele mesmo um mestre do passado na manipulação de
eleições, como ocorreu, por exemplo, em 1934, no XVII Congresso do partido.
Disse a Malenkov que “têm sido muitos os sinais de perigo a respeito da
liderança de Leningrado para que não reajamos”. Malenkov deveria “ir para lá e
dar uma boa olhada no que se passava. O Camarada Beria tem mais
informações”. Malenkov tomou o trem naquela mesma noite.
Os “sinais” partidos de Leningrado alegavam que, com a conivência do
secretário do Comitê Central, A.A. Kuznetsov, o chefe do partido local não
estava levando em conta as autoridades centrais do partido. O principal fato era
que, em janeiro de 1948, fora organizado um mercado por atacado em
Leningrado sem a permissão do centro. Numa sessão conjunta do birô regional
do partido e do comitê partidário da cidade, Malenkov, pupilo diligente de
Stalin que era, enumerou um “erro” atrás do outro numa fieira de acusações. A
plateia ouvia em silêncio depressivo, enquanto Malenkov, crescentemente
inflamado, disparava incriminações. Descreveu o mercado por atacado como
iniciativa antipartidária, inspirada por um grupo em oposição à organização
local do Comitê Central. O pior estava por vir. Seguindo a linha estabelecida
em Moscou, Malenkov citou declarações infelizes de P.S. Popkov, um líder
local, dizendo que elas representavam a tentativa de criar um Partido
Comunista da Rússia com objetivos de longo alcance. Todos no salão
perceberam que o discurso de Malenkov era indicação de maus augúrios.
Contudo, eles não sabiam que seu ex-secretário Kuznetsov, recentemente
promovido a secretário do Comitê Central, já fora destituído da função havia
uma semana. Naturalmente, toda a liderança local perdeu os cargos depois do
pronunciamento de Malenkov, mas aquilo foi só o começo. Um “caso” foi
rapidamente fabricado contra cada funcionário suspeito, e efetuadas prisões.
“Espiões” foram identificados, por exemplo Kapustin, bem como
“degenerados”, como Popkov, e “inspiradores de linha antipartidária”, como
Kuznetsov.
Em março de 1949, N.A. Voznesensky, outro comunista de Leningrado, foi
afastado do Politburo. Organizador fundamental da economia de tempo de
guerra, acadêmico, sem papas na língua e homem de caráter impoluto,
Voznesensky passara a ser considerado muito perigoso para Stalin e, com a
ajuda de Beria, um processo gigantesco e totalmente sem fundamento foi
engendrado contra ele por Kruglov, Abakumov e Goglidze. Foram procedidos
interrogatórios com o único propósito de arrancar uma confissão de atividade
antipartidária e antiestado. Depois de lançar a enorme provocação, Malenkov
podia esfregar as mãos satisfeito: a vontade de Stalin fora concretizada, ele
fizera um trabalho completo. Tal como seu amigo íntimo Beria, Malenkov não
gostava de Voznesensky e de Kuznetsov. Estava em curso a caça às bruxas e
todos esperaram o pior, especialmente quando ex-funcionários de Leningrado
começaram a ser apanhados em outras repúblicas, para onde haviam sido
transferidos a fim de desempenharem diversas funções.
Por que Stalin desencadeou esta ação criminosa? Por que na véspera de seu
septuagésimo aniversário? Por que dava seguimento à campanha ideológica de
agosto de 1946 com outra mais aterradora e punitiva, dois anos e meio mais
tarde? Só ele sabia a resposta correta para tais perguntas, porém, com base em
documentos, podemos deduzir o seguinte.
Stalin não tolerava o pensamento livre e independente. Voznesensky e
Kuznetsov o haviam glorificado, tanto verbalmente como por escrito, mas o
fato de se mostrarem mais independentes que os outros deixava Stalin em
guarda contra eles. Por algum tempo, ignorou as calúnias levantadas por
Malenkov e Beria e, na verdade, fez até referências públicas elogiosas aos dois
leningradenses, e é mesmo possível que eles tenham se considerado prováveis
sucessores, em vista da avançada idade do líder. Mas isto não era aceito pelos
membros da camarilha stalinista de Moscou. Em sucessivos relatórios secretos a
Stalin, realçaram que, antes da guerra, Voznesensky não descobrira um só
“inimigo” no Gosplan e talvez os tivesse protegido, enquanto Beria queixava-se
de que, na ocasião em que ficara encarregado das indústrias química e
metalúrgica como presidente do Gosplan, Voznesensky rebaixara patentemente
as normas de produção daqueles setores, ao passo que ele, Beria, elevara as da
indústria madeireira.
Na ocasião, Stalin não deu atenção a tudo aquilo. No entanto, não ficou
satisfeito com o discurso que Voznesensky fez no Politburo, apresentando uma
série de argumentos convincentes contra a imposição de novas taxas sobre os
fazendeiros coletivos. Não lhe agradou também o fato de Kuznetsov,
responsável pelos quadros do Comitê Central, ter expressado sua intenção de
exercer controle mais cerrado sobre o comissariado das Questões Internas e
Segurança Estatal. Chegou igualmente ao conhecimento de Stalin que
Kuznetsov dissera que a investigação sobre o caso Kirov não revelara os
verdadeiros inspiradores do crime.
Para Stalin, os principais atributos de qualquer funcionário, não importasse
quão valioso ou essencial, eram a confiança que infundiam e a lealdade a ele. Já
então, não só duvidava dos obstinados leningradenses, mas os via como
potenciais inimigos. De acordo com S.I. Semin, que era gerente departamental
no Gosplan, Voznesensky empenhou extraordinária energia e cuidadosa
preparação no planejamento da economia nacional. Malgrado o caráter
severamente administrativo do sistema econômico, Voznesensky procurara
sempre que possível levar os trabalhadores para o processo de planejamento e
administração, como também estabelecer objetivos para cada empreitada.
Jamais gozara de dispensas ou férias. Até então, fora provavelmente o maior
economista da liderança soviética depois de Bukharin.
Embora, antes de sua prisão, Voznesensky e outros leningradenses tivessem
enviado uma nota a Stalin declarando total inocência, o líder não hesitou. De
início, é verdade, desejou transferir Voznesensky para a chefia do Instituto
Marx-Engels-Lenin, mas depois mudou de ideia, decidindo, em vez disto,
deixar que todo o grupo de Leningrado experimentasse junto a taça de fel. O
julgamento, que teve lugar em setembro de 1950 na Casa dos Oficiais, no
Bulevar Liteiny, em Leningrado, foi conduzido de acordo com as ordens de
Stalin. Quase duzentas pessoas foram implicadas, inclusive N.A. Voznesensky,
A.A. Kuznetsov, P.S. Popkov, Ya.F. Kapustin, M.I. Rodionov, todos os quais
foram mortos, sorte pouco depois partilhada por G.F. Badaev, I.S. Kharitonov,
P.I. Kabatkin, P.I. Levin, M.V. Basov, A.D. Verbitsky, N.V. Solovyov, A.I.
Burlin, V.I. Ivanov, M.N. Nikitin, V.P. Galkin, M.I. Safonov, P.A. Chursin e
A.T. Bondarenko.43
O tribunal não ouviu declarações de arrependimento de Voznesensky ou
Kuznetsov, tendo o último declarado: “Fui um bolchevique e continuarei
sendo; qualquer que seja a sentença que eu receba, a história nos inocentará.”
Em abril de 1954, a Corte Suprema da URSS, sob A.A. Volin, invalidou o
processo, citando a seguinte prova de setembro de 1950:
O meio pelo qual tais confissões foram extraídas foi revelado, em 29 de janeiro
de 1954, por Turko, enquanto ainda cumpria a pena:
Não cometi crimes nem me considerei culpado, tampouco o faço agora. Produzi meu depoimento
depois de ser sistematicamente espancado por negar minha culpa. O investigador Putintsev começou
o espancamento no interrogatório [...] Batia-me na cabeça, no rosto e nas pernas. De certa feita,
atingiu-me com tal força que o sangue saiu-me pelos ouvidos. Depois das surras, ele me enviou para o
confinamento solitário, ameaçou matar minha esposa e filhos e disse que me daria vinte anos se não
confessasse. Como resultado, assinei qualquer coisa que quisessem.45
* Sigla em russo da Glavnoye Upravleniye Ispravitelno-trudovykh Lagerey, repartição central dos campos de
trabalho corretivo. [N.T.]
[53]
O líder envelhece
O Camarada Stalin, que esteve envolvido por muitos anos com o estudo e o cultivo da cultura cítrica
na costa do mar Negro, demonstrou ser um inovador científico. Outros exemplos incluem a
introdução de árvores de eucalipto no litoral daquele mar e dos melões na região de Moscou.
Certa vez, já tarde da noite, fui convocado com meu vice para um encontro com Beria. Com os olhos
brilhando ameaçadoramente por trás do pincenê, ele perguntou com disfarçada calma a respeito de
uma construção especial: “Por que vocês não informaram que a oficina está pronta?”
Respondi: “Eles ainda não terminaram com a instalação do equipamento.” “Quem não terminou?” E,
sem esperar pela resposta, disparou para um assistente: “Ligue-me com o gerente do projeto.”
Três ou quatro minutos mais tarde, uma voz distante foi ouvida ao telefone diretamente da bacia do
Donets. Beria, de pronto, vociferou: “Alô, aqui é Beria. Por que o trabalho não terminou a tempo? A
instalação tem que estar completa às oito horas da manhã! Boa noite!” Pode-se bem imaginar que tipo
de boa noite o gerente teve! Beria disse então ao assistente para colocar na linha o chefe da
administração, a quem disse: “Já determinei ao fulano (Zademidko não conseguiu lembrar-se do
nome) para terminar o trabalho às oito da manhã. Se ele não completar, prenda-o no seu porão.
Adeus!”
Meu vice e eu evidentemente conhecíamos os métodos de trabalho de Beria, mas ao ouvi-lo
distribuindo ordens frias e sucintas nossa pele ficou arrepiada. Era assim que as coisas funcionavam
naquele tempo...
A despeito da baixa produtividade do trabalho forçado, Stalin acreditava que o
uso disseminado de prisioneiros nos projetos da defesa não era apenas uma
forma barata de aumentar o potencial militar da União Soviética, como
também um método testado de “reeducar” centenas de milhares de “inimigos”
e “traidores”.
Seja o que for que pensemos de Stalin, sua impiedosa determinação, aliada
ao enorme custo para o povo soviético, resultou no impossível salto para a
frente: fora quebrado o monopólio nuclear norte-americano e lançada a pedra
fundamental da paridade estratégica. Stalin estava disposto a empregar
qualquer meio, inclusive os movimentos trabalhistas e comunistas
internacionais e o emergente movimento pela paz, desde que conseguisse
vantagens para a União Soviética na sua luta competitiva com o colosso
transatlântico. Depois de uma longa discussão com Molotov e Zhdanov,
decidiu por uma medida que tinha tudo para ser vista pelo Ocidente através de
uma perspectiva altamente negativa. Resolveu estabelecer uma agência para
coordenar as atividades dos partidos comunistas. Na Europa e nos EUA, tal
passo foi interpretado como a aceitação oficial de Stalin do desafio da Guerra
Fria.
Ele fora persuadido a dissolver o Comintern logo no início da guerra, mas
tivera o bom senso tático de ver que a iniciativa seria encarada como fraqueza
e, portanto, adiou a decisão e escolheu um bom momento para fazê-lo, isto é,
na primavera de 1943, esperando que os Aliados ficassem assim encorajados a
abrir a segunda frente. Sabia muito bem que o Comintern era uma agência
puramente soviética e porta-voz dele próprio, mas sua dissolução, considerou,
traria vantagens e desvantagens. E agora, subitamente, criava um novo centro
internacional comunista. Que estaria pensando?
Quando o Comintern foi criado, em 1919, seus líderes – principalmente
Lenin, Trotsky e Zinoviev – acreditavam numa revolução mundial iminente.
Mas quando a onda da revolução recuou, verificou-se que os alicerces do antigo
mundo continuavam intactos. Ficou patente que o papel do Comintern era
tanto limitado quanto subordinado ao país onde se encontrava seu quartel-
general, ou seja, a União Soviética. O fato de ser dirigido a partir de um centro
minou seriamente o movimento comunista e permitiu aos críticos e inimigos a
fácil e justificável acusação de que era manipulado pela “mão de Moscou”.
Agora, no entanto, com a emergência de um mundo bipolar, de dois lados,
Stalin ponderou que a colaboração entre os partidos comunistas estava de novo
na ordem do dia, embora não no antigo estilo ou na velha forma de
organização.
De 22 a 27 de setembro de 1947, os comunistas poloneses, encorajados por
Stalin, organizaram um encontro de nove partidos comunistas europeus na
cidade polonesa de Szklarska Poreba. Na véspera da reunião, Zhdanov, que
recebera a delegação de Stalin para representar o partido comunista soviético,
enviou um telegrama codificado para Moscou delineando os resultados
preliminares de uma reunião de trabalho do partido:
Foi proposto começar com relatórios de informações de todos os partidos comunistas participantes.
Seria então trabalhada uma pauta. Vamos sugerir: 1) a situação internacional, apresentação feita por
nós, 2) coordenação das atividades dos partidos. O resultado deve ser um centro coordenador com
sede em Varsóvia. Creio que ênfase especial deve ser dada ao voluntariado nesta questão. Aguardo suas
instruções.64
Tito, Kardelj, Djilas e Rankovic devem ser inteiramente responsabilizados pela presente situação. Eles
buscaram seus métodos no arsenal do trotskysmo. Sua política para a cidade e o campo está errada.
Um regime vergonhoso e de puro estilo terrorista turco é intolerável num partido comunista [...] Há
que se ver livre de um regime desses. O partido comunista da Iugoslávia tem o elevado dever de
cumprir a honrosa tarefa de acabar com ele.68
Stalin confiava que, como disse Khruschev no XX Congresso, bastava mover
um dedo e Tito estaria acabado. Tal confiança ainda era mais reforçada pelo
que Zhdanov escreveu em seu relatório de Bucarest. Os outros líderes –
Chervenkov, Togliatti, Duclos, Rákosi, Gheorghiu-Dej – tinham “todos, sem
exceção, assumido uma posição irreconciliável com respeito aos iugoslavos”.69
Exibindo-se como campeã do internacionalismo proletário, uma grande
potência exercitava os músculos para intimidar os vizinhos mais fracos e assim
saciar os sentimentos rixentos do irritado ditador. Stalin não hesitou em
denunciar o tratado de amizade, retirar o embaixador soviético e cortar os laços
econômicos. O conflito chegou ao ponto máximo em novembro de 1949, em
Budapest, com a resolução do Cominform intitulada “O partido comunista
iugoslavo está em poder de assassinos e espiões”. Suslov trabalhou sobre o texto
da resolução e ela abarcou todos os tipos de acusações. Os líderes iugoslavos
foram comparados aos nazistas e responsabilizados, entre outras coisas, por
espionagem, aliança com o imperialismo e fomento ao renascimento dos
kulaks.
Os poucos anos que Stalin teve depois da guerra foram tão turbulentos
quanto sua vida após a Revolução de Outubro, e agora suas preocupações iam
bem além das fronteiras soviéticas. Nos países socialistas, que, segundo
Zhdanov, agora formavam um “campo”, os problemas se avolumaram. Em vez
de deixar que cada país desenvolvesse o socialismo à sua maneira, de acordo
com as tradições nacionais, experiência histórica e situação corrente, Stalin
insistiu em adotar o mesmo modelo, os mesmos padrões burocráticos e
dogmáticos da União Soviética em suas estruturas políticas, causando, no
processo, considerável dano à causa geral.
Há razões para que se acredite que, antes da morte, Stalin duvidasse do
“centro unificado”. A derrota que sofrera nas mãos dos iugoslavos fez com que
reexaminasse seus métodos dogmáticos. Isto é demonstrado pelo seu declinante
interesse no Cominform. Em seguida à débâcle iugoslava, o Cominform
reuniu-se apenas uma ou duas vezes e, despercebido, deixou de existir. A
tentativa de transplantar o método de comando para o movimento comunista
internacional fracassara redondamente.
Stalin só pôde considerar dois eventos como luminosos naqueles anos
sombrios: a criação da República Popular da China e o crescimento de um
poderoso movimento internacional da paz. O final dos anos 1940 e início dos
50 foi um período de ansiedades e, por vezes, pareceu que os líderes mundiais
haviam perdido o bom senso. Até o Papa declarou que qualquer católico que
apoiasse os comunistas seria excomungado. A caça às bruxas alastrou-se. Era
difícil conceber que, em questão de dois ou três anos depois da grande vitória,
os Aliados estivessem diante de outra guerra, desta vez uns contra os outros. A
percepção soviética era de que os Estados Unidos não podiam aceitar o
surgimento de outro colosso, e foram feitos até planos pelo Pentágono para o
bombardeamento nuclear da URSS. Naquelas circunstâncias, Stalin adotou
uma política cautelosa, desenvolvendo o poderio militar enquanto evitava
qualquer provocação ao antigo aliado. Embora não fosse tão longe quanto
Mao, que declarou que a força nuclear era um “tigre de papel”, repetidamente
deixou claro que a missão decisiva na guerra futura seria desempenhada pelas
massas.
Houve, é verdade, um breve momento em que pareceu possível que a
ameaça retrocedesse. Em 1º de fevereiro de 1949, o chefe europeu do
International News Service, Kingsbury Smith, enviou o seguinte telegrama de
Paris para Stalin: “O representante oficial da Casa Branca, Charles Ross,
anunciou hoje que o presidente Truman gostaria de ter a oportunidade de se
encontrar com o líder soviético em Washington. Estaria Vossa Excelência em
condições de ir a Washington com este propósito? Caso contrário, onde
gostaria de encontrar o presidente?” No dia seguinte, Stalin respondeu:
Sou grato ao presidente Truman pelo convite para ir a Washington. Uma viagem à capital americana é
um desejo que acalento há muito tempo, que mencionei ao presidente Roosevelt em Yalta e ao
presidente Truman em Potsdam. Infelizmente, neste momento, estou impossibilitado de concretizar
meu desejo de viajar a qualquer distância considerável, em especial por mar ou pelo ar, pois os
médicos proíbem terminantemente que o faça.70
César não quis celebrar seu triunfo por sobre o sofrimento de seu país.
Plutarco
[55]
Anomalia histórica
S talin, com frequência, pensou em ter sua Breve biografia substituída por
um estudo monumental. Diversos sinais indicam-no, inclusive suas
ordens para que os arquivos fossem “pesquisados”, seus comentários
ocasionais com Zhdanov e Poskrebyshev, e suas constantes solicitações a G.F.
Alexandrov, M.B. Mitin e P.N. Pospelov, compiladores de suas biografias
oficiais, para que dessem realce à historiografia partidária e ao “papel dos
pupilos de Lenin”. Cada vez mais, então, se recordava do passado, voltando em
diversas ocasiões à virada do século, à luta pós-Outubro, ao nome das pessoas
cujas vidas havia destruído. Por vezes, era levado ao passado por parentes de ex-
camaradas. Em determinadas ocasiões, depois de despachos de rotina, Beria
mostrava-lhe uma lista de cartas pessoais de parentes de “inimigos do povo”
executados ou exilados. Stalin, normalmente, lia por alto a lista e a devolvia
sem uma palavra. Beria olhava para o mestre como quem tinha entendido,
recolhia os papéis e se retirava.
Noutras oportunidades, ele solicitava informações a Beria sobre um
determinado suplicante. Por exemplo, existe carta de uma Jadwiga Iosifovna,
parente de Felix Dzerzhinsky, o fundador da Cheka, indagando sobre sua mãe,
Jadwiga Genrikhovna Dzerzhinskaya, que fora condenada pela Corte Especial e
que definhava havia anos em campos de Karaganda. A filha escreveu que sua
mãe “se encontrava muito doente, acometida de tuberculose, escorbuto e
brucelose. Estava em condições muito precárias”.1 Caso semelhante foi o da
filha de Radek, Sofia, que escreveu a Stalin dizendo que um ano depois que seu
pai fora condenado, em 30 de janeiro de 1937, ela e sua mãe tinham sido
exiladas para Astrakhan por cinco anos. “Em Astrakhan, minha mãe foi presa
de novo e sentenciada a oito anos nos campos de Temnikov [no norte] onde
morreu.” Em novembro de 1941, Sofia foi exilada de Astrakhan para o
Cazaquistão. Seu exílio terminou em junho de 1942. Continuou ela: “Também
sou um ser humano: se sou filha de um inimigo do povo isto significa também
que sou inimiga? Eu tinha 17 anos quando meu pai foi condenado, em 1937,
e, desde então, sou rotulada de inimiga. Sou formada, mas não tenho onde
aplicar meus conhecimentos em Chelkar. Ainda não possuo passaporte interno.
O chefe da NKVD em Chelkar, o Camarada Ivanov, não responde aos meus
requerimentos. Ajude-me a resgatar os crimes de meu pai!”2 Stalin deixava que
Beria administrasse estes problemas da forma que lhe parecesse conveniente.
Em menos de três décadas, ele elevara o país ao status de grande potência e,
mesmo assim, ainda havia tanta gente descontente. O ministro do Interior
reportara que, em abril de 1949, existiam 180 mil internos em campos
especiais e pedira permissão para aumentar a capacidade de tais campos em 70
mil, para chegar ao quarto de milhão.3 Tratava-se de uma categoria especial de
prisioneiros, contudo, Beria continuava lhe dizendo que não era possível
satisfazer a todas as demandas dos ministérios por mão de obra proveniente
desses campos.
Como se encaixava a ideologia marxista-leninista neste quadro? Por mais
remotos que fossem em relação às preocupações do século XX, muitos de seus
dogmas foram tomados como verdades pelo regime soviético desde o momento
de sua formulação. Nos anos 1920, era dito com frequência que “a classe
operária não pode cometer erros”, ou que “o partido não pode cometer
enganos”, mas ambos cometiam.
Muitos de tais erros foram apontados bem cedo. Em novembro de 1917, no
seu jornal Novaya Zhizn (“Vida Nova”), Gorki publicou um artigo intitulado
“Para a atenção dos trabalhadores”, no qual escreveu:
Tendo forçado o proletariado a concordar com a destruição da liberdade de imprensa, Lenin e seus
adeptos tornaram legal para os inimigos da democracia calar a boca dos outros, ameaçando com a
fome e a perseguição quem não concordasse com o despotismo de Lenin e Trotsky; esses “líderes”
estão justificando um despotismo de autoridade do tipo contra o qual os melhores elementos do país
vêm lutando com veemência por tanto tempo.4
No interesse da causa, devo perturbá-lo para solicitar ajuda e aconselhamento. Trabalhos bastante
bons foram escritos por Korneichuk, Svetlov, Levin, Yanovsky, Leonov, Avdeyenko. Alguns velhos
mestres do “silêncio”, como Falko, Tikhonov, Babel e Olesha, começaram também a dizer alguma
coisa. Novos nomes apareceram: Orlov, Kron, Tvardovsky. No geral, entretanto, o atraso na literatura
não foi compensado. A crítica não ajuda. Um escritor (Vinogradov) falou sobre suicídio depois de ser
cruelmente atacado. E o crítico em questão (Yermilov) disse em resposta: “Se pessoas como essas se
envenenarem, ninguém se importará.” Esta é a posição na literatura. O necessário agora é um slogan
concreto e militante para mobilizar os escritores. Ajude-nos, Camarada Stalin, a encontrar o slogan.8
Tendo, em meados dos anos 1930, desviado sua atenção principal do Comitê
Central para a NKVD e para o exército, Stalin, ao fim da guerra, foi
particularmente pródigo com as medalhas e ordens que conferiu aos oficiais
mais antigos daquelas armas. Beria, que foi feito marechal da União Soviética
em 1945, recebeu muitas outras altas honras militares e, em 7 de julho de
1945, Stalin aprovou a solicitação de Beria ao ministério para promover sete
chefes de polícia e de segurança ao posto de coronel-general: V.S. Abakumov,
S.N. Kruglov, I.A. Serov, B.Z. Kobulov, V.V. Chernyshev, S.A. Goglidze e K.A.
Pavlov.9 Generais da ativa no front jamais receberam tais sinais de amor “em
massa” do presidente do comitê de defesa.
Era uma lei não escrita da ditadura que a tensão deveria ser mantida
durante todo o tempo sobre os funcionários dos altos escalões do aparato.
Stalin acreditava que a autoridade deveria inspirar não apenas respeito, mas
também medo, e introduziu regras não oficiais de conduta mesmo para o
círculo mais íntimo de camaradas em armas. Por exemplo, eles sabiam que não
deveriam se reunir em grupos de dois, três ou mais, sem sua permissão, seja em
casa, em suas villas ou em seus escritórios. As únicas exceções para tal regra
eram Beria e Molotov que, normalmente, viajavam juntos no mesmo carro
para a dacha de Stalin. Se houve encontros entre os outros membros, foi na
casa de Stalin e a convite dele.
Como sistema de governo, o stalinismo baseava-se primordialmente em
relatórios recebidos das organizações, em particular das agências de polícia e de
segurança. Exemplificando, depois da guerra, Stalin interessou-se pela
Academia de Ciências. Beria reportou que corria que seu presidente ficava
constantemente doente, que sua pesquisa não tinha padrão elevado e que o
trabalho dos outros acadêmicos merecia também investigação. Stalin requisitou
informações e breves descrições de outros cientistas e, logo depois, as pastas já
estavam sobre sua mesa. Desnecessário dizer que as pastas não foram
compiladas na administração da Academia ou no comitê do partido, mas numa
divisão da Segurança Estatal. Um de tais documentos inclui as seguintes
anotações:
Acadêmico Vavilov, S.I. – físico, está no auge de sua capacidade. Irmão de N.I. Vavilov, o geneticista
que foi preso em 1940 por sabotagem na agricultura, sentenciado a quinze anos e morreu na prisão de
Saratov.
Acadêmico Lysenko, T.D. – não filiado ao partido, diretor do Instituto de Genética. Presidente do
Instituto de Ciência Agrícola, por duas vencedor do Prêmio Stalin. O acadêmico Lysenko não desfruta
de respeito, inclusive do presidente [da Academia] Komarov. Todos o culpam pela prisão de N.I.
Vavilov.10
* Lei contra a disseminação de propaganda antissoviética, que foi largamente interpretada como inclusiva
de qualquer crítica ao sistema, falada, escrita ou mesmo insinuada.
[56]
Dogmas mumificados
Mannerheim disse que, depois de muitos anos de hostilidades, chegou a hora de uma mudança radical
nas relações entre nossos dois estados. Linhas de defesa contra a URSS são inúteis, disse ele, se não
existem boas relações. Afirmou que não quis a guerra em 1939, nem em 1940-41, e que não esperou
um bom resultado, mesmo antes de elas começarem. Expressou concordância com a colaboração na
defesa do litoral, mas defenderia ele mesmo o interior do país. Perguntou se havia tratados-padrões e
respondi que o tratado com a Tchecoslováquia poderia ser considerado como tal. Aguardo
instruções.15
Você foi muito longe. Um pacto com Mannerheim do tipo que temos com a Tchecoslováquia é
música para o futuro. Temos que restabelecer primeiro as relações diplomáticas. Não amedronte
Mannerheim com propostas radicais. Esclareça apenas sua posição.
Disse-lhe que um pacto do tipo que tínhamos com a Tchecoslováquia era “música para o futuro”,
seguindo-se ao restabelecimento de relações diplomáticas. Mannerheim disse que entendia: a
Finlândia estava sob vigilância como um país que ainda não podia ter relações de uma espécie
diferente com a URSS. Ele ficou obviamente desapontado.16
Como era de seu costume, Stalin testara Zhdanov e seu próprio julgamento das
pessoas. Algumas vezes, testava seus auxiliares por longo tempo, em certos
casos, durante a vida toda, mas jamais esquecia um erro importante. Zhdanov
sempre justificou a confiança que Stalin nele depositava, embora seja também
verdade que, se não tivesse falecido subitamente, em 1948, aos 52 anos de
idade, provavelmente seria também engolfado pelo massacre de Leningrado,
que ele próprio desencadeara. O filho, Yuri, afirma que Stalin estava esfriando a
relação com seu pai, justamente como o fez com Voznesensky, Kuznetsov e,
mais tarde, também com Molotov. Contudo, a atitude de Stalin com respeito a
Zhdanov só pode ser julgada por evidências circunstanciais.
Durante seu tempo no Comitê Central, Zhdanov demonstrou ser um
severo e implacável zelador da ideologia e da cultura. O dogmatismo foi
inculcado não só por meio da deificação do “gênio criativo do líder” como
também pela instalação de todo um sistema de proibições relativas ao
pensamento: o que podia ou não ser exibido nas telas dos cinemas, o que os
produtores de teatro não podiam encenar, o que os escritores podiam ou não
escrever, os músicos, tocar, os filósofos e historiadores, debater. Os tabus eram
incontáveis. A vida cultural depois da guerra caiu de novo no marasmo, antes
de receber a chance de descongelar após o pesadelo de 1937-38.
Naquelas condições, as ciências sociais só podiam vegetar. As explanações
primitivas da ocasião só fizeram matar a alma do academicismo e limitar
seriamente sua esfera de influência. Como mencionamos, desde o final dos
anos 1930, só era possível comentar sobre o que Stalin dizia. De inexperientes
cientistas sociais a acadêmicos de renome, a “pesquisa” de todos se resumia ao
mesmo tema: o papel de I.V. Stalin no desenvolvimento da economia; o
significado de Problemas econômicos do socialismo na URSS, de I.V. Stalin, para
o desenvolvimento da filosofia; I.V. Stalin sobre a teoria do estado e a lei; a
contribuição decisiva de I.V. Stalin para o desenvolvimento da ciência militar.
Um exame superficial das bibliotecas revelou mais de quinhentos livros e
artigos sobre estes e temas análogos, escritos entre 1945 e 1953. O pensamento
científico se encontrava refém de dogmas primitivos e plúmbeos, e o esforço
criativo, atrofiado.
As ciências naturais e técnicas não sofreram menos. O desenvolvimento da
genética atrasou-se décadas e a cibernética foi banida, porque as novas ideias e
os novos campos do aprendizado eram orientados por pontos de vista
grosseiros, senão totalmente ignorantes. A caça aos “cosmopolitas”, na maior
parte das vezes codinome dos judeus (ver adiante), condenou as ciências a
isolamento ainda maior do mundo intelectual. Artigos como “Cosmopolitismo
a serviço da reação imperialista”, publicado no jornal governamental, o
Izvestiya, em 18 de abril de 1950, mataram qualquer desejo dos cientistas
soviéticos de fazerem contato com estabelecimentos estrangeiros de pesquisas.
A menção a um cientista soviético numa revista científica estrangeira ou um
convite para congresso internacional podiam ser desastrosos.
A tentativa de transferir mecanicamente as formulações de Stalin para o
desenvolvimento da biologia foi equivalente à morte dos esforços soviéticos
neste campo, e se tivesse continuado por mais cinco anos, ou perto disso, a
ciência como um todo teria descarrilado completamente. Naquelas
circunstâncias, foram pessoas como T.D. Lisenko que se aproveitaram do
ditado de Stalin – “Precisamos de resultados práticos imediatos na ciência” –
para chegar ao topo. No que tange a Stalin, as ciências constituíam um mundo
mágico, misterioso e de alquimias, de alguma forma conectado com as
conquistas do novo. A ele parecia que a principal coisa sobre a ciência era como
organizá-la. Acreditava que o trabalho científico poderia até ser realizado no
Gulag, se adequadamente organizado e, de fato, os resultados mostraram-lhe
que não estava de todo errado. Aqueles que considerou perigosos ou que não
trilharam seus caminhos dogmáticos ou foram destruídos sem misericórdia ou
foram se juntar à vasta população dos acampamentos, entre os quais estavam
possuidores das mais refinadas mentes científicas do país.
Os cientistas cujas vidas foram poupadas passaram a trabalhar nos
laboratórios dos campos e prisões – sharashkas – sob a supervisão da 4ª Seção
Especial do Ministério do Interior. Nesta área, Stalin adotou uma orientação
puramente pragmática, ou seja, a visão do mundo e as opiniões políticas dos
sentenciados não tinham a menor importância. O que interessava eram os
resultados rápidos, e, quando eles eram conseguidos, Stalin era capaz até de
demonstrar alguma benevolência, reduzindo às vezes a sentença e mesmo
libertando o prisioneiro. A agência de Beria mantinha Stalin constantemente
informado sobre o trabalho dos cientistas nas prisões e nos campos. Em 18 de
maio de 1946, por exemplo, Kruglov reportou que:
Um grupo de prisioneiros cientistas, inclusive o professor K.I. Stakhovich, o professor A.Yu. Vinblat e
o engenheito G.K. Teifel, vem trabalhando há muito tempo na construção de um motor nosso turbo-
propulsado. Fundamentando o trabalho em suas próprias pesquisas teóricas, o grupo propõe a
construção do motor TRD-7B. Solicito que seja apreciada a minuta de decreto do Conselho de
Ministros.17
Em 1947, o prisioneiro especialista A.S. Abramson (sentenciado a dez anos) propôs um sistema novo
e original para um carburador econômico de automóveis. Os testes no ZIS-150 produziram uma
economia de combustível da ordem de 19%. Sugiro que A.S. Abramson, o engenheiro mecânico
M.G. Ardzhevanidze e o engenheiro construtor G.N. Tsvetkov tenham suas sentenças reduzidas de
dois anos. Aguardo suas instruções.18
Acabamos de saber hoje que os operários [de Petrogrado] quiseram responder à morte de Volodarsky
com terror de massa e que vocês (não você, pessoalmente, mas o Comitê Central de Petrogrado) os
impediram.
Protesto veementemente!
Estamos nos comprometendo: até mesmo nos nossos sovietes de deputados, ameaçamos o emprego do
terror de massa, mas, quando chega a hora, pisamos no freio de uma iniciativa revolucionária
totalmente justificável.
Isto é im-pos-sí-vel!
Os terroristas nos tomarão por covardes. Estamos num estado de guerra sem quartel. Temos que
encorajar a energia e a presença maciça do terror contra os terroristas, em especial em Petrogrado que
representa um exemplo decisivo.29
Esta digressão em meu passado serve como lembrete de que não faz sentido
tentar vingar a história. O que foi feito não pode ser desfeito. Tem, no entanto,
que ser conhecido e lembrado.
O quanto Stalin e seus sequazes no Kremlin sabiam do que se passava em
Agul e em milhares de outros lugares de seu abrangente Gulag? A resposta é:
muita coisa. Os arquivos estão repletos de cartas descrevendo a agonia,
implorando ajuda, pedindo que Stalin examinasse, interviesse, revisse
desapaixonadamente este ou aquele caso. Uma delas veio de um interno na
seção 14 do Campo nº 283 da NKVD e Mina de Carvão nº 26:
A situação dos prisioneiros é dura. A Inquisição medieval seria um paraíso em comparação. Ex-
soldados e partisans estão amontoados juntamente com colaboradores e Polizei.* Ninguém sabe a
duração das sentenças, o que é pior que ser fuzilado. Somos espancados regularmente. Nossas roupas
são farrapos infestados de piolhos. A comida é horrível, normalmente eles servem ratos. O corte do
repolho é feito em máquinas de forragem, de modo que normalmente vem misturado com estrume de
cavalo. Os prisioneiros são agredidos a pancadas pelos guardas. Eles são selecionados entre as pessoas
mais selvagens. Esta carta não contém uma só palavra mentirosa, porém, assiná-la significaria
trabalhos forçados imediatamente.35
Stalin repassou a carta a Malenkov que nela anotou: “Para os Camaradas Beria
e Chernyshev”, ao passo que Beria só apôs sua assinatura nela. O círculo estava
fechado. A burocracia vivia envolta num manto de ilegalidade. As raras
ocasiões em que alguém de alta posição levantava um débil protesto
surpreendem quando são achadas nos arquivos. Entre os documentos de
Molotov, há uma carta para Stalin e Molotov escrita pelo ministro da justiça N.
Rychkov, em maio de 1947:
Não se sabe como Stalin reagiu. Molotov expediu uma carta aos funcionários
do Ministério do Interior em maio de 1947, mas demorou bastante até que a
insana regulamentação fosse alterada. Stalin e o sistema que engendrou
ensinaram ao povo a ser paciente, a ser silencioso e submisso. De um modo
geral, as pessoas não paravam para pensar sobre tudo aquilo, nem sabiam muita
coisa do que se passava no pesadelo escondido por trás das telas do sistema
stalinista.
Se a morte física chegou para Stalin mais cedo do que esperado, sua morte
política foi bastante retardada. Seu falecimento histórico é improvável, já que
as pessoas jamais esquecerão o que foi feito em seu nome.
Nota
O Chefe de governo expressou sua insatisfação com Beria, dizendo que o trabalho dos órgãos de
segurança estatal não justificava a proteção que recebiam. Disse ter dado ordens para a remoção de
Beria da direção do MGB. Perguntou-me o que eu achava de Merkulov e Kobulov e, mais tarde, de
Goglidze e Tsanave. Contei-lhe o que sabia. Quando, depois, eu soube que minha conversa com o
Chefe de governo passara a ser, sem a menor dúvida, do conhecimento de todos, fiquei estupefato.
Beria, obviamente, estava alarmado com a atitude de Stalin a seu respeito, mas
como pudera saber o que o chefe e Vlasik conversaram a sós sobre ele? Teria
Stalin repassado os termos da conversa, ou Beria conseguira um meio de
monitorar sigilosamente seu líder?
Vlasik prosseguiu dizendo que, em certa ocasião foi chamado à presença de
Beria para interrogatório. “Sabia que não poderia esperar nada diferente da
morte, pois estava seguro de que eles tinham conseguido enganar o Chefe de
governo.” Aparentemente, o objetivo da ocasião era fazê-lo incriminar
Poskrebyshev. Quando recusou, disseram-lhe que ele morreria como um
cachorro na prisão. Vlasik recebeu o tratamento completo e, como escreveu a
Voroshilov:
Em vista de minhas idade e saúde, não aguentei. Fiquei confuso, estava em completo estado de
choque e perdi o autocontrole e o bom senso. Com as algemas cortando-me até os ossos, não tive nem
condições para ler o que eles escreveram sobre minhas respostas e assinei o documento
comprometedor, enquanto eles continuavam xingando e fazendo ameaças [...] tiraram as algemas e
prometeram que me deixariam dormir, mas não foi o que aconteceu; continuaram a me torturar na
cela.38
As férias em Sochi não restabeleceram a energia de Stalin e os surtos de
tonturas continuaram. Sem prestar muita atenção, folheava os documentos
preparados pelo secretariado de Malenkov, passava a vista nos jornais e revistas,
e nos livros e artigos estrangeiros traduzidos para ele. Telefonou para Malenkov
e disse-lhe para não mandar mais papel algum. Acompanhado por uma dezena
de seguranças, foi ao Teatro Bolshoi assistir O lago dos cisnes. O gerente do
teatro, A.I. Rybin, que também era o chefe da segurança, esperou por ele no
camarote. Noutras oportunidades, Stalin teria convidado Molotov ou Zhdanov
a acompanhá-lo, mas, naquela noite, sentou-se macambúzio em um canto e
assistiu ao balé. Sentindo-se desconfortável e um tanto alarmado com um
crescente sentimento de fraqueza, levantou-se e foi embora antes de o
espetáculo terminar.
Em 28 de fevereiro de 1953, acordou mais tarde que o normal, sentindo-se
um pouco melhor. Leu relatórios vindos da Coreia, os dados sobre os
interrogatórios dos doutores judeus M.S. Vovsi, Ya.G. Etinger, M.B. Kogan e
A.M. Grinshtein. Fez uma caminhada curta. Mais tarde naquela noite, como
combinado, Malenkov, Beria, Khruschev e Bulganin chegaram na dacha.
Como sempre, debateram grande variedade de tópicos. Bulganin fez um relato
sobre a guerra na Coreia, confirmando a opinião de Stalin de que a situação
chegara a um impasse. Stalin decidiu dizer a Molotov no dia seguinte para
aconselhar chineses e norte-coreanos a “tentarem conseguir as melhores
condições que pudessem nas negociações”, porém, de qualquer forma, para
tentarem parar com o conflito armado.
Beria falou bastante. Sentindo que Stalin perdia a confiança nele, resolveu
fazer um esforço especial:
Ryumin produziu provas irrefutáveis de que toda a fraternidade constituída por Vovsi, Kogan,
Feldman, Etinger, Yegorov, Vasilenko, Shereshevsky e outros vinha, sub-repticiamente, encurtando a
vida da liderança havia muito tempo. Zhdanov, Dimitrov, Shcherbakov – estamos preparando uma
lista exata de suas vítimas no momento – foram todos sacrificados por esta gangue. Por exemplo, o
eletrocardiograma de Zhdanov foi simplesmente falsificado. Esconderam o fato de que Zhdanov tivera
um enfarte e autorizaram-no a continuar com suas atividades, o que logo o derrubou. Mas o ponto
principal é que a coisa toda foi trabalho da agência da organização judaica burguesa-nacionalista, a
“Joint”.* A trama é profunda e atinge funcionários do partido e militares. A maioria dos acusados
confessou.
O caso dos doutores começou quando o professor V.N. Vinogradov fez sua
última visita a Stalin, em 1952 e, encontrando-o em más condições,
recomendou que, dali por diante, ele trabalhasse o mínimo possível. Stalin
ficou furioso, e Vinogradov não foi mais chamado. Na realidade, logo depois
foi preso. A insatisfação de Stalin com seu médico foi trabalhada pelo
investigador Ryumin da Segurança Estatal, que nela viu uma maneira de
progredir na carreira. Percebendo o estado de espírito de Stalin e levando em
conta os eventos mundiais, em que a política soviética no Oriente Médio virou
contra o novo estado de Israel, os órgãos de segurança prepararam um
gigantesco caso sobre uma alastrada “trama dos médicos”, de natureza
claramente antissemita. Por certo, haveria um julgamento e todo o problema
poderia resultar em outro banho de sangue em larga escala. Somente a morte
súbita de Stalin alterou o curso dos acontecimentos.
Durante a última noite de sua vida, Stalin perguntou várias vezes sobre o
progresso do caso, especificamente sobre Vinogradov. Beria disse-lhe que “além
de suas outras más qualidades, o professor tem a língua muito comprida. Ele
disse a um dos médicos de sua clínica que o Camarada Stalin já tivera vários e
perigosos episódios de hipertonia”.
“Muito bem”, disse Stalin, “qual sua proposta para agora? Fazer os doutores
confessarem? Diga a Ignatiev que, se ele não conseguir confissões completas,
vamos rebaixar sua altura de uma cabeça.”
“Eles confessarão. Com a ajuda de Timashuk e de outros patriotas,
completaremos a investigação e voltaremos a você a fim de que dê permissão
para um julgamento público.”
Ficaram debatendo até as quatro horas da madrugada. Já pelo final da
conversa noturna, Stalin dava sinais de visível irritação com a companhia.
Apenas Bulganin escapava das recriminações. Todos esperavam que o anfitrião
se levantasse para que pudessem ir para casa dormir. Stalin, no entanto,
continuava batendo na tecla de que havia gente na liderança que se fiava
demais em seus méritos passados. “Estão enganados.” O ambiente era de mau
augúrio. Os circunstantes sentiam que alguma coisa fermentava. Será que o
velho pensava em despachá-los do Politburo, de modo a acusá-los pelos crimes
anteriores que cometera? Mas aquela seria sua última explosão de raiva.
Interrompendo uma frase no meio, ele, subitamente, levantou-se e foi para o
quarto. Os outros se dispersaram silenciosamente e se dirigiram para casa,
Malenkov e Beria viajando no mesmo automóvel.
Conforme Rybin descreveu os eventos para mim, já era meio-dia de 1º de
março quando a equipe de serventes domésticos começou a se preocupar. Stalin
não aparecera, não chamara ninguém. E não era permitido entrar no quarto
sem ser chamado. A inquietação aumentou, e então, às 18h30, a luz acendeu
em seu escritório. Todos respiraram aliviados e esperaram que a campainha
soasse. Stalin não se alimentara, nem olhara a correspondência ou qualquer
outro documento. Muito estranho. Rybin, que não escondia sua simpatia
pessoal pelo velho chefe, começou a resmungar que a campainha não tocava.
Oito da noite, e nada, 21h30 e o silêncio persistia no quarto de Stalin. Uma
espécie de pânico se apossou de todos. A equipe começou a discutir se não seria
bom que alguém desse uma olhada, quando houve um sentimento
generalizado de que algo seriamente errado estava ocorrendo. Os oficiais de
serviço, M. Starostin e V. Yukof, e a servente M. Butusova decidiram que
Starostin deveria investigar e, às 23h, ele se encaminhou para o quarto levando
a correspondência do dia, caso precisasse de uma desculpa.
Starostin teve que passar por uma sucessão de cômodos até chegar ao quarto
de Stalin e foi acendendo as luzes à proporção que avançava. Quando acionou
o interruptor da pequena sala de jantar, gelou. Estatelado no chão, só de
camiseta e calças do pijama, jazia Stalin. Só teve forças para levantar a mão para
Starostin, não podia falar. Seu olhos expressavam horror e medo, em súplica.
Um exemplar do Pravda estava espalhado pelo assoalho e havia uma garrafa
aberta de água mineral na mesa. Ele devia estar naquela posição havia muito
tempo, pois a luz não fora acesa. Starostin pediu ajuda e os outros serventes
chegaram correndo em grande agitação. Levantaram Stalin para o divã. Ele
tentou diversas vezes dizer alguma coisa, mas só saíram ruídos incoerentes. O
derrame paralisara a faculdade da fala, e pouco depois ele ficou inconsciente.
De acordo com Rybin, a equipe de segurança comunicou-se imediatamente
com Ignatiev no Ministério da Segurança Estatal. Ele aconselhou que Beria e
Malenkov fossem chamados. Beria não foi encontrado em lugar algum e
Malenkov mostrou-se incapaz de fazer qualquer coisa sem ele. Além do mais,
os médicos não deviam ser contatados sem a permissão de Beria. Finalmente,
Beria foi encontrado numa das villas do governo na companhia de uma de suas
últimas mulheres e, às três horas da manhã, ele e Malenkov chegaram. Beria,
por certo, andara bebendo. Malenkov, enfiando os sapatos novos debaixo do
braço para que não rangessem, entrou de meias no quarto de Stalin e viu seu
chefe respirando com extrema dificuldade. Beria não chamou os médicos; em
vez disso, virou-se para os empregados: “Por que o pânico? Não veem que o
Camarada Stalin caiu num sono pesado? Saiam todos e deixem nosso líder em
paz. Depois cuido de vocês!”
Malenkov, desanimado, deu um meio apoio a Beria. De acordo com o
relato de Rybin, tudo indicava que não haveria qualquer iniciativa de buscar
socorro médico para Stalin, que devia ter sofrido o derrame umas seis ou oito
horas antes. Todos pareciam comportar-se da maneira conveniente para Beria.
Depois de afastar todos os auxiliares, proibindo antes que telefonassem para
quem quer que fosse, os dois funcionários categorizados deixaram a casa
falando alto. Só às nove da manhã, Beria, Malenkov e Khruschev retornaram,
logo seguidos de outros membros do Politburo e dos médicos.
Seguiu-se um grande bulício. Svetlana Alliluyeva recordou-se de que os
doutores aplicaram sanguessugas atrás da cabeça e do pescoço de Stalin, fizeram
eletrocardiogramas e raios-X de seus pulmões e lhe aplicaram uma série
constante de injeções. A despeito dos esforços, todos estavam bem cientes de
que o fim estava perto. Beria dirigiu-se aos médicos, num tom de voz para que
todos ouvissem e perguntou-lhes se podiam garantir a vida de Stalin: “Vocês
entendem que são responsáveis pela saúde do Camarada Stalin? Estou
avisando.” Os médicos que tinham cuidado dele por longos anos estavam agora
na prisão, naturalmente, ou aguardavam julgamento, ao passo que os que lá se
esforçavam em vão para salvá-lo eram novos e sem conhecimento do paciente.
Pálidos de medo, professores, doutores e enfermeiras murmuravam
ansiosamente entre si, enquanto lutavam inutilmente, sabendo o inferno que
lhes esperava quando tudo acabasse.
Beria não escondia seu ar de triunfo. Todos os membros do Politburo,
inclusive Malenkov, tinham pavor daquele monstro. A morte de um tirano
prometia uma nova orgia de derramamento de sangue da parte de seu sucessor.
Exausto em função de todas as providências que tomara e seguro de que Stalin
cruzara a linha divisória entre a vida e a morte, Beria disparou para o Kremlin e
lá permaneceu por algumas horas, deixando os outros líderes junto a Stalin em
seu leito de morte. Já descrevi a versão segundo a qual Beria, como primeiro-
vice-presidente do Conselho de Ministros, passou a forçar o grande jogo
político que planejara havia muito tempo. A corrida para o Kremlin foi
possivelmente ligada ao seu esforço para remover documentos do cofre de
Stalin que pudessem conter instruções referentes ao modo de lidar com ele
próprio, um último desejo que talvez fosse difícil de contestar, preparadas pelo
secretário-geral no controle de suas faculdades.
Retornou à dacha cheio de confiança e começou a sugerir enfaticamente aos
desanimados colegas que preparassem uma declaração do governo participando
a doença de Stalin e publicassem também um boletim sobre seu estado de
saúde. A declaração, lida no rádio e estampada nos jornais, participava, em
parte, que:
às primeiras horas da manhã de 2 de março, o Camarada Stalin, que estava em sua casa em Moscou
[na realidade, estava fora de Moscou, na dacha] sofreu uma hemorragia cerebral que afetou regiões do
cérebro essenciais à vida. O Camarada Stalin perdeu a consciência. O braço e a perna direitos estão
paralisados. Perdeu a faculdade da fala. O funcionamento do coração e dos pulmões se mostra
severamente prejudicado. O tratamento do Camarada Stalin está sob constante observação do Comitê
Central do PCUS e do governo soviético. A séria enfermidade do Camarada Stalin significará sua
incapacidade mais ou menos longa para participar das questões governamentais.
Eu trabalhava então como editor-chefe do Pravda. O país esperava em silêncio por notícias de
Moscou. Às cinco da manhã, o telefone tocou. Era Suslov: “Venha imediatamente ao cantinho.” Assim
era conhecido o estúdio de Stalin no Kremlin. “O Camarada Stalin faleceu.” Coloquei o fone no
gancho. Quando cheguei ao Kremlin, o funeral era debatido. Fiquei espantado com o comportamento
dos membros do Politburo. Estavam sentados em torno da longa mesa e o lugar de Stalin na cabeceira
estava vazio. Beria e Malenkov de frente um para o outro, próximos à cadeira desocupada. Os dois
estavam obviamente excitados, interrompendo com frequência os colegas e falando muito mais que os
outros. Beria, simplesmente, florescia. Khruschev falou pouco, ainda em evidente estado de choque.
Fiquei particularmente admirado com o fato de Molotov permanecer em silêncio, distante, com
expressão mais pétrea que nunca; durante toda aquela reunião sem sentido, que durou hora e meia,
não disse uma só palavra.
1879
7 de novembro: Nasce Trotsky em Yanovka, próximo a Yelizavetgrad
(Kirovgrad), na Ucrânia.
21 de dezembro: Nasce Stalin em Gori, na Geórgia.
1888-93
S. frequenta escola religiosa, em Gori.
1894
S. entra no seminário teológico, em Tiflis.
Coroação de Nicolau II.
1898
Março: Formado o Partido Social Trabalhista Democrático
Russo (RSDLP), em Minsk.
1899
S. expulso do seminário.
1900
Lenin e Markov fundam seu jornal Iskra (“Centelha”).
1901
S. eleito membro do comitê social democrático de
Tiflis.
1902
S. preso pela primeira vez.
Trotsky conhece Lenin em Londres.
1903
S. casa-se com Yekaterina Svanidze.
S. transportado para a Sibéria Oriental.
Em Londres, no II Congresso, RSDLP racha em
bolcheviques, liderados por Lenin, e mencheviques,
liderados pelo grupo que inclui Markov e Trotsky.
1904
S. escapa da Sibéria, retorna a Tiflis e se torna
bolchevique adotando o cognome de Koba.
Nasce Yakov, filho de S.
1904-06
Guerra russo-japonesa e revolução de 1905.
1905
O Czar concede reformas políticas, inclusive uma
assembleia legislativa, a Duma Estatal.
S. vai à conferência bolchevique em Tammerfors, na
Finlândia, e se encontra pela primeira vez com Lenin.
1906
S. comparece ao IV Congresso do partido, em
Estocolmo. Numa unidade de combate no Cáucaso,
S. toma parte em roubos de bancos, a fim de angariar
fundos para o partido.
1907
S. comparece ao congresso de Londres; sua primeira
viagem maior ao exterior.
Yekaterina Svanidze morre de tuberculose.
1907-09
S. membro do comitê bolchevique de Baku.
1909
S. exilado para Solvychegodsk, em Vologda do Norte.
Escapa depois de quatro meses, retorna a Baku.
1910
Trotsky funda seu jornal independente, o Pravda.
1912
S. preso durante visita a São Petersburgo, deportado
para a Sibéria Ocidental, escapa depois de dois meses e
volta à capital.
S. visita Lenin em Cracow e segue para Viena, onde se
encontra com Bukharin e Trotsky e escreve um ensaio
sobre a questão das nações. Adota o cognome Stalin.
S. cooptado in absentia para o Comitê Central
bolchevique durante o XII Congresso do partido, em
Praga.
Lenin apropria-se do nome do jornal de Trotsky, o
Pravda, que até hoje [1989] permanece como órgão
do Comitê Central bolchevique.
1913
S. preso em São Petersburgo, exilado por quatro anos
para Turukhansk.
1914
Começa a Primeira Guerra Mundial.
1917
Março: O Czar abdica.
Novembro: Bolcheviques tomam o poder.
Formado o Soviete dos Comissários do Povo (governo
bolchevique), com Stalin como comissário para as
Nacionalidades; e Trotsky, comissário das Relações
Exteriores.
Dezembro: Armistício alemão-soviético.
1918
Janeiro: Dispersada a Assembleia Constituinte depois de uma
sessão.
Criado o Exército Vermelho.
Fevereiro: Chicherin substitui Trotsky nas relações exteriores.
Março: Assinado o tratado de paz de Brest-Litovsk com a
Alemanha.
Abril: Começa a guerra civil na Rússia.
Julho: Constituição da República Federativa Socialista Russa
(RSFSR).
Czar e família executados em Ekaterinburg. Adotado o
“Comunismo de Guerra”.
Começa a intervenção dos Aliados.
Agosto: Atentado contra a vida de Lenin pela revolucionária
socialista Fanny Kaplan.
Novembro: Armistício alemão-aliado.
1919
Março: Fundada a Internacional Comunista, o Comintern,
em Moscou.
1920
Abril: Poloneses invadem a Ucrânia soviética.
Julho: Tratado de comércio anglo-soviético.
Outubro: Armistício com a Polônia.
Novembro: Termina a guerra civil com a derrota e evacuação dos
exércitos brancos na Crimeia.
1921
Março: Levante de Kronstadt.
X Congresso do partido adota a Nova Política
Econômica de Lenin e proíbe as facções partidárias.
Estado independente da Geórgia sob governo
menchevique é derrubado pelos bolcheviques.
1922
Fevereiro: A Cheka passa a se chamar GPU.
Abril: S. eleito secretário-geral do partido.
Maio: Primeiro derrame de Lenin.
Dezembro: Segundo derrame de Lenin.
Formação da União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas (URSS).
1923
Março: Terceiro derrame de Lenin.
Abril: XII Congresso do partido.
1924
Janeiro: Morre Lenin.
Constituição da URSS promulgada.
Maio: XIII Congresso do partido.
Reconhecimento diplomático por parte de Áustria,
Inglaterra, China, Dinamarca, França, Grécia, Itália,
Noruega e Suécia.
1925
Dezembro: XIV Congresso do partido.
1926
Julho: Zinoviev expelido do Politburo e da liderança do
Comintern.
Outubro: Trotsky e Kamenev expelidos do Politburo.
1927
Novembro: Trotsky e Zinoviev expulsos do partido.
Dezembro: XV Congresso do partido.
1928
Janeiro: Trotsky banido para Alma-Ata, no Cazaquistão.
1929
Janeiro: Trotsky expulso da URSS.
Abril: Primeiro Plano Quinquenal adotado pela Décima
Sexta conferência do partido.
Novembro: Bukharin expulso do Politburo.
Dezembro: S. proclama o fim da NEP e começa a coletivização.
1930
Março: Suspensa a coletivização.
Abril-Junho: XVI Congresso do partido.
Dezembro: Julgamentos de vários grupos acusados de sabotagem e
destruição no setor agrícola.
1931
Março: Julgamento de mencheviques por pilhagem.
Começa revisão da história sobre a orientação de S.
1932
Novembro: Esposa de S., Nadezhda Alliluyeva, comete o suicídio.
Dezembro: Passaportes internos, ou carteiras de identidade,
expedidos para a população urbana. Negado aos
fazendeiros coletivos o direito de deixar suas aldeias.
1933
Janeiro: Hitler se torna chanceler da Alemanha.
Novembro: Relações diplomáticas e comerciais estabelecidas entre
URSS e EUA.
1934
Janeiro: XVII Congresso do partido. O “Congresso dos
Vitoriosos”. Setembro: A URSS filia-se à Liga das
Nações.
Dezembro: Sergei Kirov assassinado em Leningrado.
1935
Maio: URSS assina tratados militares com a França e a
Tchecoslováquia.
1936
Julgamento e execução de Zinoviev, de Kamenev e
quatorze outros.
Julgamento de dezessete, inclusive Radek e Pyatakov;
treze executados.
Execução da chefia do Exército Vermelho.
1937-39
O grande expurgo, com prisões em massa, execuções e
longas sentenças à prisão e a trabalho forçado em
campos de concentração.
1938
Março: Julgamento e execução de Bukharin, de Rykov e
dezesseis outros.
Julho: Embates armados com os japoneses no lago Khasan,
na fronteira entre Mongólia e China.
Dezembro: Beria substitui Yezhov como comissário do povo para
as Questões Internas (NKVD).
1939
Abril: Começam as negociações entre a URSS, a França e a
Inglaterra para uma aliança militar contra a
Alemanha.
A URSS também procura melhorar relações com a
Alemanha nazista.
Maio: Litvinov substitui Molotov como comissário para as
Relações Exteriores.
Agosto: Outros embates armados com os japoneses em
Khalkhin Gol, na fronteira com a Mongólia.
Assinado, no Kremlin, o Pacto de Não Agressão
Alemão-Soviético, com protocolo secreto sobre a
divisão da Polônia e sobre esferas de interesses.
Setembro: Alemanha invade a Polônia.
URSS invade a Polônia.
Assinado tratado germano-soviético sobre fronteiras e
amizade.
Novembro: URSS anexa a Ucrânia e a Bielorrússia ocidentais, de
acordo com o tratado de fronteiras com a Alemanha.
Guerra de inverno soviético-finlandesa.
Dezembro: URSS expelida da Liga das Nações.
1940
Fevereiro: Acordo de comércio alemão-soviético.
Março: Tratado de paz soviético-finlandês.
Abril: Massacre de oficiais poloneses prisioneiros de guerra
pela NKVD, em Katyn, Smolensk.
Junho: A URSS recupera a Bessarábia (Moldávia) e anexa a
Bukovina Setentrional.
Agosto: A URSS anexa Lituânia, Letônia e Estônia.
Trotsky assassinado no México pela NKVD.
1941
Abril: Assinado o tratado soviético-iugoslavo de amizade e
não agressão.
Pacto de neutralidade nipo-soviético.
6 de maio: S. se torna presidente do Soviete dos Comissários do
Povo.
21 de junho: Alemanha invade a URSS.
3 de julho: S. faz apelo pelo rádio para que o povo soviético salve
a mãe-pátria.
Novembro: EUA começam o lend-lease para a URSS.
Alemães chegam aos subúrbios de Moscou.
Dezembro: Japoneses começam a Guerra do Pacífico com o
ataque a Pearl Harbor.
Alemanha declara guerra aos EUA.
1942
Janeiro: Conferência de Wannsee. Hitler adota a “solução
final” para a “questão judia”.
Agosto: Exército alemão chega ao Cáucaso.
Dezembro: Criação do Exército Russo de Liberação, sob o
comando do general Vlasov, nos campos alemães de
prisioneiros de guerra.
1943
Janeiro: S. se torna marechal da União Soviética.
Fevereiro: Tropas alemãs se rendem em Stalingrado.
Maio: S. dissolve o Comintern.
Comissários do povo passam a se chamar ministros.
Julho: Postos e distintivos de ombro criados, e o título de
“oficial” substitui o de “comandante”, que existia
desde a criação do Exército Vermelho.
Setembro: S. permite a eleição do novo Patriarca da Igreja
Ortodoxa Russa.
Novembro: Conferência de Teerã com Stalin, Churchill e
Roosevelt.
Primeira e única viagem de S. de avião.
1944
Março: URSS restabelece relações diplomáticas com a Itália.
Junho: Segunda frente estabelecida na Europa com a invasão
aliada da Normandia.
Agosto: Levante de Varsóvia contra os alemães.
O Exército Vermelho entra em Bucarest.
Setembro: O Exército Vermelho entra em Sofia.
Outubro: O Exército Vermelho entra em Belgrado.
1945
Fevereiro: Conferência de Yalta entre Stalin, Roosevelt e
Churchill.
Abril: O Exército Vermelho entra em Viena.
2 de maio: O Exército Vermelho toma Berlim.
8 de maio: Alemanha aceita a rendição incondicional.
Julho-Agosto: Conferência de Potsdam com Stalin, Truman e
Churchill, sucedido por Attlee.
6 de agosto: EUA atiram bomba atômica em Hiroshima.
8 de agosto: A URSS declara guerra ao Japão.
9 de agosto: EUA atiram bomba atômica em Nagasaki.
A URSS começa ofensiva na Manchúria.
2 de setembro: O Japão assina rendição incondicional.
24 de outubro: Criada a Organização das Nações Unidas.
1946
Março: Discurso de Churchill sobre a “Cortina de Ferro” em
Fulton, Missouri.
Agosto: O general Vlasov e outros executados em Moscou.
Novembro: O Comitê Judeu Antifascista colocado sob suspeição.
1947
Setembro: Fundação do Cominform na Polônia.
Zhdanov proclama a doutrina dos dois campos.
1948
Janeiro: O chairman do Comitê Judeu Antifascista, o ator
Solomon Mikhoels, assassinado pela polícia secreta em
Minsk.
O Plano Marshall de ajuda à Europa.
Abril-Junho: Bloqueio de Berlim e ponte aérea para a cidade.
Maio: Proclamado o Estado Judeu de Israel.
Junho: O Cominform expulsa o Partido Comunista da
Iugoslávia.
Proclamada a República Popular da Tchecoslováquia.
Agosto: Zhdanov morre subitamente.
“O caso de Leningrado.”
Novembro: Fechado o Comitê Judeu Antifascista e seus membros
presos.
1949
Janeiro: Criado o Conselho para Assistência Econômica
Mútua entre estados socialistas (Comecon).
Lançada campanha contra a intelligentsia judaica,
rotulada de “cosmopolitas sem raízes”.
Abril: Constituída a OTAN.
Maio: Israel admitido na ONU.
A URSS começa propaganda antissionista.
Setembro: A URSS testa bomba atômica.
Outubro: Proclamada a República Popular da China.
1950
Fevereiro: Tratado de amizade sino-soviético.
Julgamentos políticos nos países socialistas.
Junho: Começa a Guerra da Coreia.
1951
Novembro: Julgamento de Slansky e expurgo antissionista do
Partido Comunista da Tchecoslováquia.
1952
Maio-Julho: Julgamento e execução do Comitê Judeu Antifascista.
Outubro: XIX Congresso do partido. O Politburo passa a se
chamar Presidium. O secretário-geral passa a ser
primeiro-secretário.
Novembro: EUA testam a primeira bomba de hidrogênio.
1953
Janeiro: “A Trama dos Médicos.”
5 de março: Morre Stalin.
Junho: Reprimida a Revolta dos Trabalhadores em Berlim
Oriental.
Julho: Prisão de Beria.
Agosto: Assinado armistício na Coreia.
A URSS testa bomba de hidrogênio.
Setembro: Khrushchev eleito primeiro-secretário.
1955
Maio: Assinado o Pacto de Varsóvia.
1956
Fevereiro: XX Congresso do partido. Khruschev faz o “discurso
secreto” denunciando Stalin.
Abril: Dissolução do Cominform.
Junho: Sublevações antissoviéticas em Poznan, na Polônia.
Outubro: Levante nacional húngaro reprimido pelos tanques
soviéticos.
1957
Julho: Grupo “antipartido” expulso do Presidium.
1958
Outubro: Boris Pasternak ganha o Prêmio Nobel com Doutor
Zhivago. Começa a perseguição a Pasternak na URSS.
Dezembro: Andrei Sakharov prega a proibição do teste com a
bomba de hidrogênio.
1961
Outubro: XXII Congresso do partido. Khrushchev intensifica a
desestalinização. A múmia de Stalin é removida do
Mausoléu.
Nota
VOLUME I
INTRODUÇÃO
1 – UM RETRATO
2 – FEVEREIRO, O PRÓLOGO
16. Florinsky, M. e End of the Russian Empire, New Haven, 1931, p. 228
17. Alekseyev, S.A. ed.: Fevral’skaya revolyutsiya. Prefácio e notas de A.I. Usagin, Moscou-Leningrado,
1926, p. 153
18. Shulgin, V.V. Dni, Belgrado, 1925, p. 108
19. Arquivo IKKI, f. 555, op. 1, d. 2802, l. 1-2
20. Alekseyev, op. cit. p. 153
21. Ibid. p.131
22. Lenin, PSS, vol. 31, p. 156
23. Kerensky, A.F. e Crucifixion of Liberty, Londres, 1934, p. 146
24. Alekseyev, op. cit. pp. 336-337
25. Stalin, I.V. Kratkaya biografiya, Moscou, 1951, p. 57
26. Trotsky, L.D. Fevral’skaya revolyutsiya. Berlim, 1931, pp. 321-322, 325
3 – OS ATORES COADJUVANTES
4 – O LEVANTE
6 – GUERRA CIVIL
7 – CAMARADAS EM ARMAS
8 – O SECRETÁRIO-GERAL
17. XI s’ezd Rossiiskoy kommunisticheskoy partii (bol’shevikov). Stenograficheskii otchet, Moscou, 1922,
pp. 47, 49, 51, 52
18. Ibid. pp. 69-70
19. TsPA IML, f. 17, op. 2, d. 29
20. TsPA IML, f. 17, op. 2, d. 78, l. 1-2
21. TsPA IML, f. 17, op. 2, d. 78, l. 1-9
22. Lenin, PSS, vol. 45, p. 188
23. Ibid. p. 211
24. TsPA IML, f. 4, op. 1, d. 142, l. 126; Lenin, Biograficheskaya khronika, vol. 12, p. 388
25. Adam Ulam, Stalin. e Man and his Era, Nova York, 1973, pp. 213-214, cita o Arquivo Trotsky
(Universidade de Harvard), T 755
26. Lenin, PSS, vol. 45, p. 357
27. Ibid. p. 358
28. Ibid. vol. 54, p. 329
29. Ibid. pp. 674-675
30. Ibid. pp. 329-330
31. Ibid. p. 330
9 – A CARTA AO CONGRESSO
10 – STALIN OU TROTSKY?
52. XII s’ezd RKP(b). op. cit. pp. 50-53
53. IX s’ezd RKP(b). Moscou, 1920, p. 81
54. Trotsky, Moya zhizn’, vol. 2, pp. 218, 226
55. Citado em U velikoy mogily, Moscou, 1924, pp. 27, 63
56. Ibid. p. 248
11 – AS RAÍZES DA TRAGÉDIA
12 – CONSTRUINDO O SOCIALISMO
14 – DESALINHO INTELECTUAL
15 – A DERROTA DO “INIMIGO Nº 1”
17 – O DESTINO DO CAMPO
18 – O DRAMA DE BUKHARIN
19 – DITADURA E DEMOCRACIA
21 – STALIN E KIROV
55. XVII s’ezd, p. 115
56. Stalin, Sochineniya, vol. 13, p. 19
57. TsPA IML, f. 558, op .1, d. 5228, l. 1
58. TsPA IML, f. 558, op. 1, d. 5228, l. 2
59. Arkhiv Genshtaba, op. 16, bloco 17, prateleira 9
60. XVII s’ezd KPSS. Stenograficheskii otchet. Moscou, 1962. vol. 2, p. 403
61. Citado em Pompeyev, Yu. Khochetsya zhit’ i zhit’. Dokumental’naya povest’ o S.M. Kirove. Moscou,
1987, p. 8
62. Ibid. p. 18
63. TsPA IML, f. 558, op. 1, d. 3334
64. Pravda, 3 de dezembro de 1934
65. Sbornik materialov po istorii sotsialisticheskogo ugolovnogo zakonodatel’stva. Moscou, 1938, p. 314
66. Arkhiv Verkhovnogo suda SSSR, f. 75, op. 35, d. 319
67. Stalin, I.V. Beseda s angliiskim pisatelem G. Uell’som, Moscou, 1935, pp. 13, 14, 16
68. TsPA IML, f. 558, op. 1, d. 3179
22 – PERSONALIDADE DOMINANTE
23 – O INTELECTO DE STALIN
24 – CESARISMO
30. Feuchtwanger, L. Moskva 1937. Otchet o poezdke dlya moikh druzei. Trad. do alemão. Moscou,
1937, pp. 58-59
31. Ibid. p. 64
32. Ibid. pp. 59-60
33. Berdyaev, N. Sud’ba Rossii, Moscou, 1918, p. 58
34. TsPA IML, f. 325, op. 1, d. 365, l. 79
35. TsPA IML, f. 17, op. 2, d. 612, l. 12
36. Ibid. l. 28
37. Stakhanov, A. Rasskaz o moei zhizni. Moscou, 1938. p. 149
38. TsPA IML, f. 558, op. 1, d. 2218
39. TsPA IML, f. 17, op. 2, d. 612
40. Pravda, 21 de outubro de 1937
25 – À SOMBRA DO CHEFE
26 – O FANTASMA DE TROTSKY
27 – UM VENCEDOR POPULAR
68. Narodnoe khozyastvo SSSR za 70 let. Yubileinyi staisticheskii ezhegodnik. Moscou, 1987, p. 32
69. Ibid. p. 37
70. Ibid. p. 39
71. Pravda, 6 de março de 1937
72. Stakhanov, A. Rasskaz o moei zhizni. Moscou, 1938, p. 50
73. TsPA IML, f. 17, op. 2, d. 612
74. Feuchtwanger, op. cit. p. 60
75. TsGASA, f. 918/33 987, op. 3, d. 301, l. 26-27
76. TsPA IML, f. 558, op. 1, d. 2915
77. K shestidesyatiletiyu so dnya rozhdeniya I.V. Stalina, Moscou, 1939, p. 177
78. TsPA IML, f. 538, op. 3, d. 86, l. 16
79. Izvestiya TsK KPSS, n. 3, 1988, p. 138
28 – INIMIGOS DO POVO
1. Pravda, 13 de janeiro de 1936
2. O Konstitutsii SSSR, pp. 16-17
3. Orlov, A. Protsessy. Nova York, 1973, p. 135
4. Izvestiya TsK KPSS, n. 7, 1989, p. 70
5. Ibid. n. 8, p. 89
6. Stalin, Sochineniya, vol. 13, p. 212
7. Kanal imeni Stalina (Belomoro-Baltiiskii kanal imeni Stalina. Istoriya stroitel’stva pod red. M.
Gor’kogo, L. Averbakha, S. Firina). Moscou, 1934, p. 12
8. TsPA IML, f. 17, op. 2, d. 612, l. 1-3
9. Ibid. l. 6
10. TsGASA, f. 33 987, op. 3, d. 1075, l. 37-42
11. TsPA IML, f. 17, op. 2, d. 612, l. 8-16
12. Ibid. l. 57
13. Ibid
14. Ibid. l. 8
15. Ibid. l. 9-11
16. Ibid. 111
17. TsPA IML, f. 17, op. 2, d. 577, l. 5-15
18. Ibid. l. 5-20
19. Ibid. l. 10-25
20. TsPA IML, f. 77, op. 1, d. 439, l. 118
21. TsPA IML, f. 77, op. 1, d. 644, l. 42-89
29 – FARSA POLÍTICA
31 – A “TRAMA” TUKHACHEVSKY
32 – O MONSTRO STALINISTA
Ã
33 – CULPA SEM PERDÃO
VOLUME II
34 – MANOBRAS POLÍTICAS
1. XVIII s' ezd Vsesoyuznoy Kommunisticheskoy partii (bol'shevikov). Stenografichaeskii otchet. Moscou,
1939, p. 18
2. Ibid. p. 26
3. Ibid. p. 2
4. Dokumenty i materialy kanuna vtoroy mirovoy voiny, 1937-39. 2 vols. Moscou, 1981, vol. 2, p. 47
5. TsPA IML, f. 17, op. 2, d. 109, l. 32-33
6. TsGASA, f. 33 987, op. 3, d. 1235, l. 9
7. AVP SSSR, f. 06, op. 1, p.19, d. 206, l. 551
8. AVP SSSR, f. 06, op. 1, p.1, d. 5, l. 554
9. AVP SSSR, f. 082, op. 22, p. 93, d. 7, l. 798
10. SSSR v bor'be protiv fashistskoy agressii, 1933-1945, Moscou, 1976, p.66
11. TsAMO SSSR, f. 5, op. 176 703, d. 7, l. 431
12. SSSR v bor'be... p. 74
13. TsGASA, f. 33 987, op. 3, d. 1235, l. 57-59, 86
14. AVP SSSR, f. 06, op. 16, p. 27, d. 1, l. 766
15. AVP SSSR, f. 06, op. 1a, p. 26, d. 1, l. 1176-1177
16. TsGASA, f. 33 987, op. 3, d. 1235, l. 66-72
17. Dokumenty i materialy… vol. 2, pp. 10, 11
18. SSSR v bor'be... pp. 78-79
19. AVP SSSR, f. 06, op. 1b, p. 27, d. 5, l. 22-32
20. TsGASA, f. 33 987, op. 3, d. 1235, l. 73
21. XVII s'ezd VKP(b). Stenografichsekii otchet. Moscou, 1934, p. 11
22. Geiden. K. (Heyden, C.) Istoriya germanskogo fashizma. Moscou-Leningrado, 1935, p. 60
23. XVII s'ezd. 1934, p. 12
24. AVP SSSR, f. 011, op. 4, p. 27, d. 61, l. 1218
25. AVP SSSR. f. 011, op. 4, p. 27, d. 59, l. 178-180
26. AVP SSSR, f. 0745, op. 15, p. 38, d. 8, l. 126-128
27. AVP SSSR, f. 0745, op. 19, p. 45, d. 4, l. 122-125
28. AVP SSSR, f. 0745, op. 19, p. 45, d. 9, l. 129-132
29. Akten zur deutschen auswärtigen Politik 1918-1945. Baden-Baden, 1956, vol. 7, p. 131
35 – REVIRAVOLTA
30. AVP SSSR, f. 0745, op. 15, p. 38, d. 8, l. 149
31. Zhilin, P.A. O voine i voennoy istorii. Moscou, 1984, p. 145
32. Pravda, 27 de agosto de 1939
33. Documents diplomatiques français, 1932-39. 2e serie, vol. 18, p. 243
34. AVP SSSR, f. 059, op. 1, p. 300, d. 2077, l. 233-234
35. TsGASA, f. 33 987, op. 3, d. 1237, l. 379, 381
36. Dokumenty I materialy... 1937-1939, vol. 2, pp. 85-86
37. Pravda, 18 de setembro de 1939
37a. TsAMO, f. 5, op. 362 360, d. 175 704, l. 90
38. TsAMO, f. 5, op. 391, d. 175 704, l. 96
39. TsGASA, f. 33 987, op. 3, d. 1237, l. 436-437
40. TsGAOR, f. 9401, op. 2, d. 105, t. III, l. 19-22
41. TsGAOR, f. 9401, op. 2, d. 105, t. III, l. 205
42. TsGAOR, f. 5325, op. 1, d. 244, l. 2
43. TsGAOR, f. 5325, op. 1, d. 244, l. 9
44. TsGASA, f. 33 988, op. 3, d. 373, l. 130
45. TsGASA, f. 33 988, op. 3, d. 373, l. 113
46. TsGASA, f. 33 987, op. 3, d. 1236, l. 376-380
47. TsGASA, f. 33 987, op. 3, d. 1366, l. 60-62
48. TsGASA, f. 33 987, op. 3, d. 1366, l. 27-29
49. TsGASA, f. 33 987, op. 3, d. 1235, l. 99
50. Izvestiya, 3 de dezembro de 1939
51. Izvestiya, 16 de dezembro de 1939
52. TsAMO, f. 8, op. 1, d. 23, l. 34
53. TsAMO, f. 15, op. 11 600, d. 160, l. 96
54. TsAMO, f. 132, op. 264 211, d. 73, 1.67-110
55. Ibid
36 – STALIN E O EXÉRCITO
56. Voenno-istoricheskii zhurnal, 1987, nº 9, p. 50
57. TsAMO, f. 37 837, op. 10, d. 142, l. 93
58. Voennye kadry Sovetskogo gosudarstva, 1941-1945. Moscou, 1963, p. 12
59. TsGASA, f. 33 987, op. 3, d. 993, l. 3, 1
60. TsAMO, f. 5, op. 176 703, d. 21, l. 16
61. Arkhiv Verkhovnogo suda SSSR. f. 75, op. 35, d. 319
62. TsGASA, f. 33 987, op. 3, d. 1305, l. 175, 192
63. TsAMO, f. 32, op. 11 309, d. 4, l. 153
64. TsGASA, f. 4, op. 18, d. 77, l. 56
65. TsGASA, f. 4, op. 18, d. 76, l. 20
66. TsGASA, f. 4, op. 18, d. 79, l. 9-l0
67. TsGASA, f. 365, op. 1, d. 18, l. 6
68. TsAMO, f. 32, op. 11 309, d. 3, l. 85-91
69. Voenno-istoricheskii zhurnal, nº 9, 1987, p. 49
37 – O ARSENAL DE DEFESA
70. TsGASA, f. 33 987, op. 3, d. 1302, l. 3
71. Zhilin, P.A. O voine i voennoy istorii, Moscou, 1984, p. 185
72. Ustinov, D.F. Vo imya pobedy. Moscou, 1988, p. 223
73. Nekrich, A.M. 22 Iyunya 1941. Moscou, 1965, p. 73
74. TsAMO, f. 15a, op. 2154, d. 4, l. 224-233
75. TsAMO, f. 75 284, op. 1, d. 119, l. 18
76. Voznesensky, N.A. Voennaya ekonomika SSSR v period Otechestvennoy voiny. Moscou, 1948, p. 78
77. TsAMO, f. 15a, op. 2154, d. 4, l. 224-233
78. TsPA IML, f. 17, op. 2, d. 653
79. Pravda, 22 de fevereiro de 1941
38 – O ASSASSÍNIO DO EXILADO
80. Trotsky, Dnevniki i pis' ma. pp. 160-162
81. Siqueiros, D.A. Menya nazyvali likhim polkovnikom. Moscou, 1986, p. 220
82. Trotsky, op. cit. pp. 164-166
37 – DIPLOMACIA SECRETA
83. e Public Papers of Franklin D. Roosevelt, 1939, pp. 201-205
84. Vneshnyaya politika SSSR. Sbornik dokumentov, vol. 4. Moscou, 1946, p. 417
85. Istoriya vneshnei politiki SSSR 1917-1945. Moscou, 1980, vol. 1, pp. 371-372
86. Voenno-istoricheskii zhurnal, nº 9, 1987, p. 49
87. TsGASA, f. 3987, op. 3, d. 1175, l. 33-34
88. TsGASA, f. 32 871, op. 1, d. 72, l. 216
89. AVP SSSR, f. 06, op. 1a, p. 26, d. 1, l. 1179
90. Leonhardt, W. Der Schock des Hitler-Stalin Paktes. Freiburg, 1986, pp. 66-68, 79-84
91. AVP SSSR, f. 011, op. 4, p. 25, d. 11, l. 1462-1463
92. TsAMO, f. 500, op. 12 458a, d. 34, 1.17
93. TsAMO, f. 500, op. 12 462, d. 7, l. 1-6
94. Voenno-istoricheskii zhurnal, nº 9, 1987, p. 54
95. Churchill, W. History of the Second World War, vol. 3, p. 493
96. Sandalov, L.M. Perezhitoe. Moscou, 1961, p. 75
40 – OMISSÕES FATAIS
97. TsAMO, f. 32, op. 11 302, d. 6, l. 522-523
98. TsAMO, f. 32, op. 11 302, d. 6, l. 526-561
99. Izvestiya, 28 de setembro de 1939
100. Pravda, 1º de novembro de 1939
101. Pravda, 2 de setembro de 1939
102. TsGASA, f. 25 871, op. 2, d. 285, l. 8-9
103. Uma conversa com A.A. Yepishev registrada nas memórias não publicadas de Vlasik e vistas pelo
autor.
104. TsGASA, f. 9, op. 39, d. 72, l. 44, 133, 536
105. TsAMO, f. 16a, op. 2951, d. 239, l. 10-14
106. Como registrado por Shtemenko e Vasilievsky em TsAMO
107. TsAMO, f. 16a, op. 2951, d. 239, l. 84-90
108. TsAMO, f. 16a, op. 2951, d. 239, l. 245-279
109. TsAMO, f. 16, op. 2951, d. 239
110. TsAMO, f. 16a, op. 2951, d. 242, l. 238
111. Zhukov, G.K. Vospominaniya i razmyshleniya. Moscou, 1969, p. 233
112. TsAMO, f. 32, op. 11 306, d. 5, l. 140-146
113. TsGASA, f. 33 988, op. 4, d. 36, l. 56
114. TsAMO, f. 32, op. 11 309, d. 3, l. 85-90
115. TsAMO, f. 127, op. 12 195, d. 16, l. 199-204
116. TsAMO, f. 127, op. 12 915, d. 16, l. 308-314
117. TsAMO, f. 208, op. 2513, d. 70a, l. 424-427
118. TsAMO, f. 15, op. 725 588, d. 36, l. 214-242
119. TsAMO, f. 208, op. 2513, d. 71, l. 34
120. Zhukov, op. cit, p. 233
41 – CHOQUE PARALISANTE
1. TsAMO, f. 32, op. 11 309, d. 101, l. 23, 35, 37
2. TsAMO, f. 16, op. 2951, d. 239
3. TsAMO, f. 16, op. 2951, d. 243, l. 123-130
4. Em Politicheskoe Obrazovanie, nº 9, 1988, pp. 69-75
5. TsAMO, f. 132a, op. 2642, d. 41, l. 1-2
6. TsAMO, f. 15, op. 881 474, d. 12, l. 246-253
7. TsAMO, f. 48a, op. 1554, d. 90, l. 260-262
8. TsAMO, f. 32, op. 1071, d. 1, l. 6-8
9. TsAMO, f. 208, op. 2513, d. 71, l. 203-204
10. TsAMO, f. 15, op. 725 588, d. 36, l. 239
11. Kumanev, V. "Iz vospominanii o voennykh godakh", Politicheskoe Obrazovanie, nº 9, 1988, p. 75
omite a obscenidade que está na fita original ouvida pelo autor.
12. TsAMO, f. 132a, op. 2642, d. 28, l. 1
13. Memórias do general D. I. Ryabishev, TsAMO, f. 15, op. 881 474, d. 12, l. 175-190
14. TsAMO, f. 48-A, op. 1554, d. 9, 1- 47
15. TsAMO, f. 48-A, op. 1554, d. 9, l. 25
16. Politicheskoe obrazovanie, 1988, nº 9, p. 75
17. TsAMO, f. 32, op. 701 323, d. 38, l. 53
18. Pravda, 3 de julho de 1941
42 – TEMPOS CRUÉIS
19. TsAMO, f. 3, op. 11 556, d. 1, l. 1744
20. TsAMO, f. 8, op. 11 627, d. 954, l. 65
21. TsAMO, f. 8, op. 1855, d. 7, l. 27
22. TsAMO, f. 32, op. 11 309, d. 70, 65-71
23. TsAMO, f. 3, op. 11 556, d. 2, l. 252
24. TsAMO, f. 48A, op. 1554, d. 91, l. 40-42
25. TsAMO, f. 32, op. 11 309, d. 70, l. 65-71
26. TsAMO, f. 33, op. 725 588, d. 36, l. 10
27. TsAMO, f. 33, op. 725 588, d. 36, l. 308-310
28. TsAMO, f.208, op. 2513, d. 71, l. 131, 221
29. TsAMO, f. 33. op. 11 454, d. 179, l. 144-145
30. TsGAOR, f. 9401, op. 2, d. 68, t. V, l. 231-232
31. TsAMO, f. 33, op. 11 454, d. 179, l. 320-321
32. TsAMO, f. 3, op. 11 556, d. 9, l. 324
43 – DESASTRES E ESPERANÇAS
33. TsAMO, f. 96-A, op. 2011, d. 5, l. 21-24
34. TsAMO, f. 132-A, op. 2642, d. 30, l. 12-13
35. TsAMO, f. 3, op. 11 556, d. 1, l. 315
36. TsAMO, f. 298, op. 2526, d. 5a, l. 443-448
37. TsAMO, f. 32, op. 11 306, d. 36, l. 82-84
38. TsAMO, f. 96-A, op. 2011, d. 5, l. 28-30
39. TsAMO, f. 96-A, op. 2011, d. 5, l. 96-99
40. TsAMO, f. 48-A, op. 1554, d. 9, l. 470
41. TsAMO, f. 229, op. 161, d. 103, l. 93
42. TsAMO, f. 8, op. 11 627, d. 954, l. 61
43. TsAMO, f. 7, op. 11250, d. 29, l. 37-38
44. TsAMO, f. 48-A, op. 1133, d. 7, l. 139-140
45. TsAMO, f. 48-A, op. 1554, d. 9, l. 431
46. TsAMO, f. 219. op. 679, d. 3, l. 17-21
47. Voenno-istoricheskii zhurnal, nº 9, 1987, p. 50
48. Zhukov, G.K. Vospominaniya i razmyshleniya. Moscou, 1983, vol. 2, p. 257
49. TsAMO, f. 3, op. 11 556, d. 8, l. 212-214
50. Ts AMO, f. 48-A, op. 1910, d. 11, l. 16-19
51. TsAMO, f. 96-A, op. 2011, d. 5, l. 141-143
52. TsAMO, f. 32, op. 11 306, d. 24, l. 7
53. Stalin, I.V. O Velikoy Otechestvennoy voine Sovetskogo Soyuza. Moscou, 1950, p. 35
45 – O QUARTEL-GENERAL
1. TsAMO, f. 132-A, op. 2642, d. 30, l. 24
2. Zhukov, G.K. Vospominaniya i razmyshleniya. Moscou, 1983, vol. 2, p. 97
3. TsAMO, f. 3, op. 11 556, d. 13, l. 247-248
4. TsAMO, f. 132, op. 2642, d. 233, l. 285-286
5. TsAMO, f. 3, op. 11 556, d. 14, l. 18
6. TsAMO, f. 3, op. 11 556, d. 6, l. 47
7. TsAMO, f. 3, op. 11 556, d. 14, l. 62
8. TsAMO, f. 132-A, op. 2642, d. 41, l. 75-81
9. TsAMO, f. 3, op. 11 556, d. 5, l. 51
10. TsAMO, f. 3, op. 11 556, d. 6, l. 20
46 – AMANHECER EM STALINGRADO
11. TsAMO, f. 3, op. 11 556, d. 9, l. 316
12. TsAMO, f. 3, op. 11 556, d. 9, l. 128-129
13. Ibid.
14. TsAMO, f. 3, op. 11 556, d. 2, l. 175
15. TsAMO, f. 3, op. 11 556. d. 9, l. 128-129
16. TsAMO, f. 3, op. 11 556, d. 13, l. 7, 8
17. TsAMO, f. 3, op. 11 556, d. 10, l. 9
18. TsAMO, f. 3, op. 11 556, d. 10, l. 336
19. TsAMO, f. 3, op. 11 556, d. 10, l. 339
20. TsAMO, f. 32, op. 11 309, d. 159, l. 87
48 – IDEIAS DE UM ESTRATEGISTA
34. TsAMO, f. 32, op. 11 302, d. 62, l. 546
35. TsAMO, f. 3, op. 11 556, d. 10, l. 27
36. TsGAOR, f. 9401, op. 2, d. 265, t. II, l. 340-347
37. TsAMO, f. 132-A, op. 2642, d. 41, l. 271-272
38. TsAMO, f. 3, op. 11 556, d. 14, l. 82-84
39. O relato desse encontro pode ser encontrado nos arquivos correntes da Seção Política do Exército,
onde o autor trabalhou e fez detalhadas anotações sobre a ocasião.
40. TsAMO, f. 3, op. 11 556, d. 10, l. 324
41. TsAMO, f. 132-A, op. 2642, d. 32, l. 145-147
42. TsAMO, f. 3, op. 11 556, d. 5, l. 6
43. TsAMO, f. 3, op. 11 556, d. 9, l. 313
44. TsAMO, f. 15, op. 178 612, d. 86, l. 132. 140
45. TsAMO, f. 15, op. 178 612, d. 86, l. 345-347
46. TsAMO, f. 15, op. 178 612, d. 86,1. 198
47. TsAMO, f. 3, op. 11 556, d. 9, l. 165-166
48. Tegeranskaya konferentsiya rukovoditelei trekh soyuznykh derzhav. Sb. dokumentov. Moscou, 1978,
vol. 2, pp. 52, 53
49. Ibid., p. 54
49 – STALIN E OS ALIADOS
50. TsAMO, f. 1178, op. 1.d. 38, l. 93
51. TsAMO, f. 236, op. 2675, d. 170, d. 108-311
52. Vneshnyaya politika SSSR. Sbornik documentov. Moscou, 1947, vol. 5, p. 40
53. Ibid., p. 54
54. Perepiska Predsedatelya Soveta Ministrov SSSR s Prezidentami SShA and Premier-Ministrami
Velikobritanii (1941-1945 gg.). Moscou, 1976, vol. 1, p. 19
55. Ibid., p. 29.
56. e Diaries of Sir Alexander Cadogan, 1938-1945. Nova York, 1971, p. 471.
57. Perepiska Predsedatelya Soveta Ministrov SSSR. p. 74
58. Stalin, O Velikoy Otechestvennoy voine. Moscou, 1950, p. 132
59. Pravda, 30 de maio de 1943
60. Tegeranskaya konferentsiya rukovoditelei trekh soyuznukh derzhav. Sbornik dokumentov. vol. 2, p.
167
61. Tegeran. Yalta. Potsdam. Sbornik documentov. Moscou, 1970, p. 22
62. TsAMO, f. 32, op. 11 309, d. 101, l. 338-341
63. TsGAOR, f. 9401, op. 2, d. 172, t. II, l. 247-248
64. Harriman, W. Averell e Elie Abel, Special Envoy to Churchill and Stalin,1941-1946, Nova York,
1976, p. 536
65. Lundin, C.L. Finland in the Second World War. Bloomington, 1957, p. 216
66. TsAMO, f. 3, op. 11 556, d. 18, l. 74
67. TsAMO, f. 3, op. 11 556, d. 16, l. 183
68. TsAMO, f. 3, op. 11 56, d. 18, l. 93
69. TsAMO, f. 3, op. 11 556, d. 18, l. 142-144
70. TsAMO, f. 3, op. 11 556, d. 18, l. 110
71. TsAMO, f. 48-A, op. 3412, d. 63, l. 187-188
72. Krymskaya konferentsiya rukovoditelei trekh soyuznykh derzhav. Sbornik dokumentov. Moscou,
1979, p. 273
73. TsAMO, f. 3, op. 11 556, d. 18, l. 177-190
Ó
50 – O PREÇO DA VITÓRIA
1. Vneshnyaya politika SSSR, Moscou, 1947, vol. 5, p. 598
2. Ibid., p. 97
3. Ibid., pp. 602-603
4. Gromyko, Andrei, Memories. Editado e traduzido por Harold Shukman, Londres, 1989, p. 108
5. TsGAOR, f. 9401, op. 2, d. 97, t. VI, l. 124-130
6. Hayter, W. Meeting at Potsdam. Londres, 1975, p. 136
7. TsGAA, f. 33987, op. 3, d. 1241, l. 61
8. TsGAOR, f. 9401, op. 2, d. 96, t. V, l. 4
9. TsGAOR, f. 9401, op. 2, d. 95, t. IV, l. 323
10. TsGAOR, f. 9401, op. 2, d. 135, t. II, l. 277
11. W. Averell Harriman e Elie Abel, op. cit., p. 92
12. Berlinskaya (Potsdamskaya) konferentsiya rukovoditelei trekh soyuznykh derzhav – SSSR, SShA i
Velikobritanii (17 iyulii-2 avgusta 1945 g.) Sbornik dokumentov. Moscou, 1980, pp. 42-43
13. TsAMO, f. 66, op. 178499, d. 9, l. 34-37
14. TsAMO, f. 66, op. 178499, d. 9, l. 61
15. Berlinskaya konferentsiya, pp. 299-300
16. KPSS v rezolyutsiyakh i resheniyakh… 9ª ed. vol. 8, pp. 7-16
17. TsAMO, f. 132, op. 2642, d. 15, l. 1-9
18. TsGAOR, f. 9401, op. 2, d. 96, t. V, l. 147
19. TsGAOR, f. 9401, op. 2, d. 103, t. III, l. 149-60
20. Voznesensky, N.A. Izbrannye proizvedeniya, Moscou, 1979, p. 584
21. TsAMO, f. 132, op. 104, d. 16, l. 22
22. TsAMO, f. 132, op. 2, d. 54, l. 97
23. TsGAOR, f. 9401, op. 2, d. 134, t. I, l. 1-7
24. TsGAOR, f. 9401, op. 2, d. 2223, l. 235-238
25. TsGAOR, f. 9401, op. 2, d. 97, 1.139-142
51 – CORTINA DE SEGREDOS
26. TsPA IML, f. 17, op. 2, d. 612 (vyp. 3), l. 8, 10
27. TsGAOR, f. 9401, op. 2, d. 199, l. 197
28. Merezhkovsky, D. Tsarstvo Antikhrista. Munique, 1921, p. 16
29. TsGAOR, f. 9401, op. 2, d. 64, t. I, l. 270-277
30. TsGAOR, f. 9401, op. 2, d. 199, l. 1
31. TsGAOR, f. 1318, op. 3, d. 8, l. 85
32. TsGAOR, f. 9401, op. 2, d. 134, t. I, l. 143-151
33. TsGAOR, f. 3316, op. 2, d. 1682, l. 3-7
34. TsGAOR, f. 3316, op. 2, d. 1613, l. 3-18
35. TsGAOR, f. 9401, op. 2, d. 134, t. I, l. 1-2
36. TsGAOR, f. 3316, op. 2, d. 2016, l. 1-10
37. TsGAOR, f. 9401, op. 2, d. 93, l. 276-278
38. TsGAOR, f. 9401, op. 2, d. 134, t. I, l. 1-2
39. TsGAOR, f. 9401, op. 2, d. 201, l. 79-81
52 – UM ACESSO DE VIOLÊNCIA
40. Pravda, 1º de março de 1949
41. TsGAOR, f. 9401, op. 2, d. 172, t. I, l. 85-92
42. TsPA IML, f. 71, op. 3, d. 121, l. 122-132
43. TsGAOR, f. 7523, op. 107, d. 261, l. 12
44. TsGAOR, f. 7523, op. 107, d. 261, l. 13-15
45. Ibid., l. 13
46. Ibid., l. 28
47. TsGAOR, f. 9401, op. 2, d. 255, t. I, l. 118-119
48. TsGAOR, f. 9401, op. 2, d. 319, 192-198
49. TsGAOR, f. 9401, op. 2, d. 269, 199, l. 57-77, 366
50. Ibid., l. 30
53 – O LÍDER ENVELHECE
51. Bol'shevik, dezembro de 1949, p. 34
52. TsGAOR, f. 7523, op. 6, d. 739, l. 1, 9, 12
53. TsGAOR, f. 7523, op. 63, d. 218a, l. 9
54. TsGAOR, f. 7523, op. 65, d. 2186, l. 1-15
55. Kautsky, K. "Sozialdemokratie und Bolschewismus" in Die Gesellschaft, nº 8, 1931, vol. 1, p.101
56. Alliluyeva, S. Tol'ko odin god. Nova York, 1968, pp. 109-110
54 – VENTOS GÉLIDOS
57. Kennan, G. Memoirs (1925-1950). Nova York, 1969, pp. 583-598
58. TsGAOR. f. 9401, op. 2, d. 135, t. II, l. 287-296
59. Truman, H. Mémoires, vol. 2 "L'appel des decisions". Paris, 1955, p. 112
60. TsGAOR, f. 9401, op. 2, d. 151, t. VIII, l. 99-112
61. TsGAOR, f. 9401, op. 2, d. 176, t. II, l. 235-254
62. TsGAOR, f. 9401, op. 2, d. 149, t. VI, l. 35
63. TsGAOR, f. 9401, op. 2, d. 176, t. II, l. 360
64. TsPA IML, f. 77, op. 5, d. 54, l. 14-15
65. TsPA IML, f. 77, op. 3, d. 92, l. 47, 55
66. Belgradskaya operatsiya, Moscou, 1964, p. 85
67. Djilas, M. Razgovory so Stalinym. Nova York, 1962, pp. 169-176
68. TsPA IML, f. 77, op. 3, d. 105, l. 1-8
69. TsPA IML, f. 77, op. 3, d. 106, l. 5-7, 17-19
70. Pravda, 3 de fevereiro de 1949
71. TsGAOR, f. 9401, op. 2, d. 2223, l. 291
72. Stalin, I. Sochineniya, vol. 7, p. 231
73. Ibid., vol. 8, pp. 363, 364, 376
74. TsPA IML, f. 325, op. 1, d. 155, l. 3a
75. Pravda, 25 de outubro de 1988: vide Gromyko, A. Memories, tradução H. Shukman, Londres,
1989, e material adicional em Memoirs, Nova York, 1990, pp. 248-53
76. Mao Tse-tung, Izbrannye proizvedeniya, Moscou, 1953, vol. 4, p. 580
Í
PARTE XI – AS RELÍQUIAS DO STALINISMO
55 – ANOMALIA HISTÓRICA
1. TsGAOR, f. 9401, op. l. d. 2180, l. 120-121
2. TsGAOR, f. 9401, op. I, d. 2180, l. 50-51
3. TsGAOR, f. 9401, op. 2, d. 269, t. I, l. 169-170
4. Novaya Zhizn', novembro de 1917
5. Sotsialisticheskii vestnik, 25 de abril de 1925
6. Dan, F.I. e Origins of Bolshevism, Nova York, 1964, p. 400-440
7. Ugolovnyi kodeks (kodeksy RSFSR), Moscou, 1938, pp. 26-32
8. TsPA IML, f. 88, op. 1, d. 474,1. 4
9. TsGAOR, f. 9401, op. 2, d. 97, t. VI, l. 276
10. TsGAOR, f. 9401, op. 2, d. 97, t. VI, l. 283-292
11. Serge, V. Destin d'une revolution. URSS 1917-1936. Paris, 1937, p. 323
56 – DOGMAS MUMIFICADOS
12. TsPA IML, f. 558, op. 1, d. 906, l. 44-52
13. TsPA IML, f. 558, op. 1, d. 3212, l. 27
14. TsPA IML, f. 77, op. 1, d. 268, l. 5-l0
15. TsPA IML, f. 77, op. 3, d. 54, l. 1-4
16. Ibid.
17. TsGAOR, f. 9401, op. 2, d. 136, t. III, l. 205
18. TsGAOR, f. 9401, op. 2, d. 302, t. I, l. 29-31
57 – BUROCRACIA ABSOLUTA
19. Lenin, PSS, vol. 35, p. 113 20. Ibid., vol. 50, p. 238
21. TsGAOR, f. 58, op. 1, d. 9, l. 3-4
22. TsGAOR, f. 567, op. 1, d. 89, l. 29
23. Lenin, PSS, vol. 44, p. 171
24. Ibid.
25. Ibid., p. 428
26. Trotsky, Sochineniya, vol. 12, pp. 261, 267
27. TsPA IML, f. 505, op. 1, d. 65, l. 10
28. TsPA IML, f. 505, op. 1, d. 65, l. 21
29. Lenin, PSS, vol. 50, p. 106
30. TsPA IML, f. 325, op. l. d. 403, l. 87a
31. Wood, A. "Siberia before 1917." Em Shukman, H. e Blackwell Encyclopedia of the Russian
Revolution. Oxford, 1988, p. 258; Pipes, R. Russia under the Old Regime, Cambridge, MA., 1981, p. 417
32. TsGAOR, f. 7523, op. 65, d. 231, l. 12
33. TsGAOR, f. 9401, op. 2, d. 2223, l. 338-357
34. TsGAOR, f. 9401, op. 2, d. 98, t. VII, l. 380
35. TsGAOR, f. 9401, op. I, d. 2180, l. 533-534
36. TsGAOR, f. 9401, op. 2, d. 172. t. I, l. 325-326
Ã
58 – DEUSES TERRENOS SÃO MORTAIS
37. Izvestiya TsK KPSS, nº 12, 1989, pp. 34-40
38. TsGAOR, f. 9401, op. 2, d. 176, t. II, l. 235-254
39. Rapoport, Ya.L. Na rubezhe dvukh epokh. Delo vrachei 1953 goda. Moscou, 1988, pp. 208-209.
40. TsGAOR, f. 7523, op. 107, d. 261, l. 28-34
DIREÇÃO EDITORIAL
Daniele Cajueiro
EDITORA RESPONSÁVEL
Ana Carla Sousa
PRODUÇÃO EDITORIAL
Adriana Torres
André Marinho
REVISÃO
Rita Godoy
Raquel Correa
Suelen Lopes
Luciana Bastos Figueiredo
Cristhiane Ruiz
Maria Helena Rouanet
Olga de Mello
CAPA
Studio DelRey
DIAGRAMAÇÃO
Filigrana
PRODUÇÃO DO EBOOK
Ranna Studio