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Nikolai

Tolstoy

A guerra secreta de Stalin


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Edição integral

Título do original: “Stalin’s secret war”

Copyright © 1981 by Nikolai Tolstoy

Tradução: Aulyde Soares Rodrigues Tradução das notas: Mary Amazonas Leite
de Barros Layout da capa: Tide Hellmeister

Direitos para o Brasil adquiridos por Comp. Melhoramentos de São Paulo, Inds.
de Papel e Círculo do Livro S.A.

Composto pela Linoart Ltda.

Impresso e encadernado pelo Círculo do Livro S.A.

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Este livro é dedicado à minha querida esposa

Georgina
Agradecimentos

Este livro não teria sido possível sem a generosa colaboração de amigos de boa
vontade em todo o mundo. Quero aproveitar a oportunidade para expressar meu
agradecimento e meus respeitos a todos, e especialmente àqueles que foram
vítimas dos terríveis acontecimentos que descrevo:

Sr. John Antonevics; Baltiska Humanistika Forbundet, Estocolmo; sr. W.


Bolubash; sr. Andrew Boyle; sr. e sra. Philip C. Brooks; Herr Ortwin
Buchbender; sr. Keith Bush (Rádio Europa Livre); Centre d’Études Russes de
Meudon; sr. e sra. Vladimir Czugunow; sr. O. Dikis; professor coronel Gerald
Draper; srta. Liz Dribben; Centro Estoniano de Informações, Estocolmo;
Legação Estoniana, Londres; Monsieur le Capitaine Patrick Ferrant; sr. Stanley
W. Frolick; reverendo Pranas Gaida; sr. Patrick Janson-Smith; sra. Anna
Petrovna Jekobsons; sr. Josef Josten; sr. Indulis Knzocins; sr. Arnis Keksis;
professor Robin Kemball; sr. Leo Labcdz.; Legação da Letônia, Londres;
Lettiska Nationella Fonden, Estocolmo; Conselho Lituano-Americano;
Associação Lituana na Grã-Bretanha; Consulado Geral da Lituânia, Toronto; a
equipe da Biblioteca de Londres; sr. Ulick Loring; sr. Michael Lüsis; Sir Fitzroy
Maclean, Bart.; sr. Eric Major; sr. David Martin; sra. Jill Merrill; a equipe dos
Arquivos Nacionais, Washington; dr. Michael Parrish; sr. Edward Pearce;
professor Vladimir Petrov; sr. Vilis Pomelnieks; dr. V. Poremski; reverendo J.
Prunskis; a equipe do Escritório de Registros Públicos, Londres; sr. John Reed;
sra. Lucy Roberts; Sir John Russell; capitão Z. Salnajs; dr. Ehrenfried Schütte;
sr. Charles Sellier; sr. J. Simanis; sr. V. Sokolov-Samarin; sr. Peter Solly-Flood;
Instituto Tartu, Toronto; sr. Robert K. G. Temple; sr. A. Teteris; professor Hugh
Thomas; professor Vladimir Tolstoy-Miloslavsky; sr. Arnold Tonska; sr. e sra.
Mallory Walker; dr. Alfred M. de Zayas; sr. Constantine Zelenko.

Transcrições dos registros cujos direitos autorais pertencem à coroa, conservados


no Escritório de Registro Público, aparecem com permissão do controlador do
H. M. Stationery Office. Agradeço à Federação do Trabalho e ao Congresso de
Organizações Industriais pela cessão do mapa das páginas de guarda, baseado no
mapa originalmente publicado pelo Comitê da União de Comércio Livre da
Federação do Trabalho Americana.


Nota sobre as abreviaturas

Na terra das siglas, algumas instituições constituem parte integrante do sistema


soviético. Esses serviços de segurança, espionagem e atividades correlatas foram
estabelecidos por Lenin no começo do governo soviético, e mais tarde pouco
alterados em sua extensão e nomenclatura.

O aparato de segurança nacional foi criado a 20 de dezembro de 1917, sob o


nome de Tcheka, as iniciais da Comissão Extraordinária (Tchrezvitchainaia
Kommissia), cujo título por extenso era “Comissão Extraordinária de toda a
Rússia para o Combate à Contrarrevolução”.

A 6 de fevereiro de 1922, a Tcheka foi substituída pela GPU, mais tarde (em
1923) chamada OGPU, conhecida pelas iniciais da Obedinnoie
Gossudarstvennoie Polititcheskoie Upravlenie: “Administração Política do
Estado Unido”. A mudança do nome aparentemente foi decorrência do pavor
generalizado suscitado pela organização, dentro da Rússia e no exterior. Por essa
mesma razão, em 10 de julho de 1934, a OGPU transformou-se no braço armado
do NKVD, nome pelo qual as forças de segurança passaram a ser conhecidas.
NKVD são as iniciais do Narodni Kommissariat Vnutrennikh Del:
“Comissariado do Povo para Negócios Internos”.

Em 1941, a polícia política foi oficialmente separada do NKVD sob o nome de


NKGB, Narodni Kommissariat Gossudarstvennoie Bezopasnosti, ou
“Comissariado do Povo para a Segurança do listado”.

Em 1934, todos os campos de trabalho e colônias correcionais passaram para a


jurisdição do GULAG, uma divisão subordinada ao NKVD. GULAG é a sigla de
Glavnoie Upravlenie Ispravitelno-Trudovikh Lagerei: “Administração Principal
dos Campos de Trabalho Correcionais”.

Durante e depois da guerra de 1941-45, foi criado um ramo especial da


administração de segurança sob o nome de Smerch, popularizado por Ian
Fleming em um livro de James Bond. Smerch é a sigla de Smert Chpionam:
“Morte aos Espiões”.

No período de tempo abrangido por este livro, a ala paralela de espionagem e


subversão do Exército Vermelho era chamada GRU, ou Glavnoie
Razvedivatelnoie Upravlenie: “Diretorado de Suprema Inteligência”.
Introdução

A guerra secreta de Stalin não é a biografia de Iossip Stalin, nem a história do


papel da Rússia soviética na Segunda Guerra Mundial. Nada pode substituir a
soberba biografia escrita por Adam B. Ulam, e o professor John Erikson está
terminando sua magistral história das operações militares na frente ocidental.
Este livro é principalmente uma tentativa de interpretação da política soviética,
interna e externa, durante os anos cruciais de 1938 até 1945. Acima de tudo,
procurei esclarecer o ponto de vista de Stalin sobre os acontecimentos e o modo
como reagia a eles. Provavelmente, jamais houve um governante com poder tão
absoluto quanto Stalin. Embora a autocracia tenha suas limitações, podemos
dizer com certeza que em essência toda a política soviética era simplesmente a
política de Stalin.

Sendo assim, estou certo de que o que Stalin fez e o que Stalin disse é de
extrema importância. Nenhuma ação, nenhuma palavra era franca e direta, mas
pelo menos ele agia coerentemente, ao passo que o que dizia revelava
claramente alterações em suas esperanças e temores. Suas esperanças e temores
talvez fossem irreais ou pouco sensatos, mas eram a fonte principal da estrutura
de sua política, e por isso têm de ser compreendidos.

Portanto, acredito que Stalin tenha vivido todo esse período temendo um súbito
colapso interno do regime soviético, semelhante àquele que envolveu o governo
provisório de Kerenski, em 1917. A semelhança pode parecer remota, em vista
da enorme debilidade da população em geral e dos recursos policiais do Estado
soviético. Mas a questão não é a validade desse temor, e sim sua existência e as
reações que provocou.
Além disso, a política soviética não pode ser compreendida fora do seu contexto
social. A distância entre a classe privilegiada e o resto da população era tão
grande, que não teve precedente na história, e a estrutura destinada a conservar
essa barreira era tão vasta que pareceria paranoica, não fosse sua necessidade
real. Abaixo da população “livre” estavam os quinze milhões, ou mais, de
escravos do GULAG, outra fonte de medo e ódio.

Grande parte da literatura sobre a Rússia soviética peca por considerar esses
aspectos isoladamente. Existem excelentes livros que descrevem a diplomacia e
a história militar soviéticas. Outros relatam com detalhes a extraordinária vida
privada de Stalin, e outros ainda descrevem os horrores selvagens do GULAG e
de Katin, Lvov e Vinnitsa. Parece-me necessário unir todos esses fatores, de
tempos em tempos, em uma narrativa contínua.

O Massacre de Katin, por exemplo, foi mais do que um exemplo do barbarismo


soviético. Foi uma operação paramilitar devida a uma perturbação em larga
escala, durante um mês, nas principais seções do sistema ferroviário soviético,
quando a situação internacional parecia colocar a URSS em perigo mortal. Por
que Stalin escolheu aquele exato momento para a operação? Da mesma forma, é
de extrema importância a escolha da ocasião para os expurgos nos Estados
bálticos, na Polônia e na Bessarábia, a partir de 1940.

O relacionamento de Stalin com Hitler é outro aspecto muito interessante. Tudo


indica que a aliança nazi-soviética de 1939-41 era a “menina dos olhos” de
Stalin. Em junho de 1945, Stalin disse a uma delegação de poloneses que “na
Polônia, o sacrifício do povo, durante a ocupação alemã, tornara possíveis
mudanças internas, dando margem a um melhor relacionamento com a Rússia
soviética” Há aqui alusão à ordem de Hitler para que as SS de Himmler, em
1939, providenciassem a “liquidação das classes superiores da Polônia, onde
quer que se encontrassem”2, e ao abandono, por Stalin, da revolta de Varsóvia,
em 1944.

Stalin era bastante perspicaz para compreender a coincidência dos seus objetivos
com os de Hitler, mas não para perceber o perigo dessa aliança. Tudo indica que
o pacto com Hitler foi extremamente bem recebido, enquanto a subsequente
aliança com a Grã-Bretanha e os Estados Unidos foi encarada com medo e
suspeita. Tudo isso é explicável quando se verifica que a principal preocupação
de Stalin era a estabilidade interna da União Soviética. A política externa sempre
desempenhou papel secundário ao lado dessa consideração principal, mesmo nas
circunstâncias mais perigosas e extraordinárias. Na primeira semana da invasão
alemã, o massacre dos prisioneiros das prisões da Lituânia e da Ucrânia teve
precedência sobre o suprimento de munições de primeira necessidade para o
Exército Vermelho, na fronteira. Centenas de milhares de homens bem-
equipados guardavam os campos do GULAG, ao invés de defender a Rússia da
investida alemã.

Muitos outros aspectos estranhos desses anos turbulentos merecem uma revisão.
Até que ponto os comunistas britânicos e franceses ajudaram Hitler em 1940?
Qual é a verdadeira história dos “vinte milhões de vítimas da guerra” na Rússia,
uma estatística usada regularmente pelos porta-vozes russos para rebater a crítica
do Ocidente? O que levou os russos a lutar tão bravamente, depois de 1941, por
um regime que virtualmente fizera guerra contra eles por mais de vinte anos?
Como Hitler conseguiu enganar Stalin, na véspera da Operação Barba-Roxa? As
incipientes atitudes da guerra fria poderiam ter sido evitadas em 1945?

Finalmente, o fracasso da diplomacia britânica e americana, quase sempre


suplantada por Stalin, é examinado neste livro. Isso aconteceu devido a um
crescente sentimento pró-soviético na opinião pública no Ocidente. Grande parte
dele teve como origem impulsos generosos, embora irracionais, e a sensação de
culpa pessoal ou pública. Intenções menos respeitáveis motivaram simpatizantes
e comunistas, muitos dos quais foram vítimas de sentimentos de incompetência
pessoal, o que os levava a impulsos sádicos, satisfeitos à custa do sofredor povo
russo. Suas mentalidades assemelhavam-se, em muitos pontos, à do próprio
Stalin. O papel sinistro do traidor é vislumbrado em certas ocasiões, e homens
que traíram seus países e estiveram muito perto de causar a ruína de civilizações
vivem hoje aposentados, com todas as honras e com pensão do governo, na Grã-
Bretanha e nos Estados Unidos.

A União Soviética permanece essencialmente a mesma, depois de quarenta anos


de sua criação, com as mesmas instituições, ambições e temores. Na Europa
Oriental, ela conserva o único monumento comemorativo do Terceiro Reich: as
ocupações dos países bálticos, da Polônia oriental e do norte da Romênia,
concedidas por Hitler a Stalin na Recompensa de Moscou, em 1939. Soljenitsin
adverte:

“Hoje o mundo ocidental enfrenta um perigo maior do que aquele que o


ameaçava em 1939. . . Tanto foi cedido, entregue e negociado, que hoje nem
mesmo um mundo ocidental completamente unido poderá prevalecer, exceto
aliando-se aos povos cativos do mundo comunista”3.

Esta situação de perigo tem sua origem nos acontecimentos de 1939-45, pois
ainda está presente a herança de Stalin e Hitler. Um estudo mais atento desses
anos cruciais pode nos levar a compreender a natureza do perigo, e até mesmo a
sugerir soluções. Compreensão, paciência, determinação e auto-sacrifício são as
qualidades de que a civilização necessita para a sobrevivência. O KGB tem
todos os recursos do seu predecessor, NKVD, e o ressoar dos canhões nas ruas
escuras às três da manhã, a batida na porta, podem acontecer tanto em
Washington quanto em Varsóvia.
Primeira Parte
I. A nova sociedade

Karl Marx afirmava que, se as contradições da sociedade capitalista pudessem


ser abolidas e o homem levado a aceitar sua condição, a vida e a política se
combinariam em um satisfatório sentido de união com o ambiente social 1.
Torna-se difícil relacionar esse vago conceito com qualquer realidade, e Marx
raramente ia muito além disso em sua visão do futuro. Quando o fazia, o sonho
era estranhamente simples. Na Ideologia alemã, ele diz:

“Na sociedade comunista, onde ninguém possui uma esfera exclusiva de


atividade, mas cada um pode se realizar em qualquer ramo de objetivos, a
sociedade regula a produção geral, tornando possível fazer uma coisa hoje e
outra amanhã, caçar de manhã, pescar à tarde, cuidar do gado no fim do dia,
criticar depois do jantar, do mesmo modo como eu possuo uma mente, sem me
transformar em caçador, pescador, pastor ou crítico” 2.

Lenin era um apóstolo entusiasta dessa futura Nova Harmonia e, como um


revolucionário prático, era mais específico na descrição do seu funcionamento.
Cada cidadão seria responsável pelo governo do Estado, um trabalho que
executaria mediante o salário de um trabalhador. Não haveria exército
permanente; as massas seriam armadas e guardariam sua herança conquistada a
duras penas. A burocracia, a polícia e as cortes de justiça tornar-se-iam
supérfluas, à medida que os instintos competitivos do homem fossem
transformados em um espírito de cooperação voluntária. Resumindo, o Estado
desapareceria progressivamente, dando lugar a um corpo de cidadãos que
encontrariam tanta satisfação no seu trabalho não-explorado, que trabalhariam
produtivamente pelo simples prazer de trabalhar, eliminando assim todos os
motivos de antagonismo social3. Esse conceito evidentemente concorda com a
prescrição de Marx. Ele acentua enfaticamente o fato de a sociedade comunista,
ipso facto, “não ter necessidade de instituições burguesas, como organismos
políticos representativos (que invariavelmente dão origem a burocracias
alienadas do público) e regulamentos legais para salvaguardar as liberdades
civis” 4.

Nesse meio tempo, as leis, na medida em que fossem necessárias, existiriam para
Nesse meio tempo, as leis, na medida em que fossem necessárias, existiriam para
suprimir a resistência das classes hostis aos interesses do proletariado. Na
verdade, naturalmente, esse conceito significava que não existia outra lei a não
ser aquela que a liderança do Partido considerasse como tal. Esse ponto de vista
é explicado nos escritos de Lenin, na sua defesa da “liderança do proletariado”
como um prelúdio necessário ao Estado comunista: “o termo científico
‘ditadura’ significa nada mais nada menos do que autoridade não prejudicada
por leis, sem ser restringida por qualquer regulamento e baseada diretamente na
violência. O termo ‘ditadura’ não tem outro significado — tomem nota disso...”5
Lenin acreditava firmemente que a liderança do Partido, assim como a
vanguarda do proletariado, não devia ser prejudicada por nenhuma obstrução
institucional. As instruções aos seus colegas de partido para “usar tanto a
corrupção quanto a ameaça de extermínio geral” e (sobre possíveis sabotadores)
“matar a todos sem exceção” garantiam a eficiência da nova ditadura6.

O fato de Stalin ter continuado e estendido o uso do terror como a principal arma
do Partido é um desenvolvimento lógico da mesma política. Havia muito de
selvagem e irracional nos seus expurgos, mas eram coerentes com a ausência de
leis no governo comunista. Para garantir a extinção da oposição, era necessário
mexer a panela continuamente, abafando a formação de focos de resistência 7.

Assim, a Rússia soviética foi, desde o princípio, uma ditadura declarada, na qual
as sucessivas manifestações da polícia política podiam se desenvolver sem o
desafio das restrições usuais, levando o povo para qualquer direção que
conviesse à ditadura. Como diz sucintamente Milovan Djilas:

“Naturalmente, a Rússia, sob o governo de Stalin, tinha ‘leis’ e ‘instituições’,


que eram até mesmo respeitadas quando se tratava de dirigir no lado certo da
estrada, controlar o suprimento de energia elétrica para Tomsk ou regular o
conteúdo alcoólico da vodca. Mas em tudo o que dizia respeito à liberdade
intelectual e espiritual do homem, a Rússia de Stalin era uma terra sem lei. O
que o Príncipe diz deve ser feito — e nada mais” 8.

Contudo, estende-se sobre esse irrestrito aparato de coerção e terror um


palimpsesto de instituições legais. A primeira Constituição soviética, de 1918,
declara abertamente ser seu objetivo a criação de “uma ditadura do proletariado,
um governo poderosamente centralizado”. Aceitando essa determinação,
entretanto, foram estabelecidas garantias de longo alcance de liberdade para a
parte da população que Lenin e o Partido convencionaram que seria o
proletariado. Incluíam liberdade de palavra, de imprensa, de associação, de
proletariado. Incluíam liberdade de palavra, de imprensa, de associação, de
reunião, de consciência, e assim por diante. Às Repúblicas que constituíam a
União, muitas das quais haviam sido recém-conquistadas pela força das armas,
foi concedido o direito de se separarem, se assim o desejassem. O Congresso de
Toda a Rússia Soviética era formado por delegados teoricamente escolhidos por
eleição popular, sendo o direito de voto destinado a conceder uma voz
predominante ao proletariado urbano. Uma Constituição revisada, ratificada em
1924, confirmou e esclareceu essas providências, criando uma Suprema Corte e
aumentando oficialmente a independência judiciária.

Em 1936, Stalin promulgou com grande alarde uma Constituição completamente


nova. Baseava-se na premissa de que finalmente as classes hostis haviam sido
eliminadas, e, portanto, não era mais necessário restringir o direito de voto a
nenhuma classe. A partir de então haveria sufrágio universal para adultos, ao
lado de um voto secreto. O governo central e o nacional seriam inteiramente
democráticos e representativos. Todos os direitos imagináveis (trabalho, lazer,
descanso, educação, associação, liberdade de imprensa e religiosa, etc.) estavam
expressamente garantidos. Foram estabelecidas a privacidade e inviolabilidade
da correspondência e do indivíduo, bem como o direito à posse irrestrita e à
herança da habitação e de propriedades9.

Não é necessário dizer que nenhum desses direitos existia realmente, e que todos
eram violados com uma frequência tal que confirmava sua inexistência. O
custoso e perturbador enigma tinha como objetivo disfarçar o exercício do poder
livre e completo, tomado e mantido pela força bruta. Imediatamente após sua
ascensão ao poder, Lenin, que sempre foi extremamente franco sobre seus
objetivos e métodos, começou a observar a repulsa geral que seus assaltos à
liberdade estavam ocasionando. “Via a erosão cotidiana das poucas instituições
democráticas que ainda restavam, mas, de tempos em tempos, gostava de evocar,
com virtuosa sonoridade, a palavra democracia.” 10 Assim, a Constituição de
1924 alardeava formas democráticas e parlamentares, “mas as molas do poder no
sistema soviético estavam escondidas” 11. A nível local, por exemplo, o
Congresso dos Sovietes de uma oblast (província) não passava de um anteparo
do partido local, sem nenhuma capacidade executiva ou legislativa. O papel do
Soviete Supremo era também “ornamental e decorativo”, dando “a impressão de
um espetáculo teatral bem ensaiado, do qual tivessem sido eliminados quase
todos os elementos de conflito... A tarefa do Soviete Supremo não consiste em
questionar e sim em executar, colocando sobre a tese do partido um manto de
legalidade constitucional”. É compreensível a ausência de qualquer atitude
refratária ou de oposição; como revelou um antigo oficial da Guarda do Kremlin,
“para nos prevenirmos contra qualquer súbita tendência subversiva por parte dos
“para nos prevenirmos contra qualquer súbita tendência subversiva por parte dos
delegados escolhidos, um oficial armado da Guarda senta-se a cada mesa de
quinze delegados. Há também um oficial armado da Guarda para cada doze
pessoas, nas galerias” 12.

As realidades da ditadura de Lenin e Stalin escondem-se precariamente atrás de


uma fachada de leis liberais e processos constitucionais. O objetivo dessa
amostra fictícia era vestir a estrutura despótica com um manto de
responsabilidade, e “legalizar” a administração governamental. As eleições, com
vitórias previsíveis por uma margem de 99,7 por cento dos votos, tinham a
função complementar de acentuar a participação periódica do povo no
funcionamento do governo, registrando ao mesmo tempo a solidariedade de
todos para com o Partido e o governo. Mais importante ainda era a intenção
óbvia de iludir estrangeiros desavisados e facilitar o trabalho de propaganda dos
partidos comunistas estrangeiros. Por exemplo: a “Constituição de Stalin”, de
1936, com sua concessão não-comunista à existência da propriedade privada,
coincidia com a política da Frente Popular que unia os socialistas do mundo todo
contra o fascismo. Sua eficácia era previsível em determinados círculos: Stephen
Spender concluiu que a nova Constituição havia “removido ... o terror... ”,
opinião compartilhada pelos deprimentes grupos de Harold Laski, Walter
Duranty, Anna Louise Strong, et al 13.

Essa espantosa dicotomia entre fato e fábula, na URSS, teve um efeito


esquizofrênico sobre a população, ao qual o povo gradualmente se adaptou. O
povo tinha que “acreditar sem acreditar, e era esse o estado de espírito que o
Partido procurou criar e manter nos seus próprios membros, e, tanto quanto
possível, em toda a população. Um povo faminto, privado do essencial para
viver, comparecia a comícios nos quais repetia as mentiras do governo sobre o
bem-estar que desfrutava, e estranhamente quase acreditava no que dizia. Todos
eles sabiam o que era ‘direito’ dizer, isto é, o que era exigido deles, e
curiosamente confundiam o que era ‘direito’ com a verdade. A verdade, eles
sabiam, era assunto do Partido, portanto mentiras transformavam-se em
verdades, mesmo quando contradiziam evidências gritantes. Levar a população a
viver em mundos diferentes foi uma das maiores realizações do sistema
stalinista” 14.

Por mais fantasiosas que fossem suas ideologias, Lenin era realista quando se
tratava de medidas essenciais à sobrevivência do seu regime. Como Hitler, era
um estudioso dedicado do clássico de Gustave Lebon sobre o comportamento
das massas, La psychologie de la foule. (Hitler, por sua vez, declarou que “havia
das massas, La psychologie de la foule. (Hitler, por sua vez, declarou que “havia
estudado a técnica revolucionária nas obras de Lenin e Trotsky, e de outros
marxistas” 15.) Lenin, e Stalin depois dele, aceitava o fato de que a violência dos
bolchevistas era repelida por muitos, e que, para se tornar aceitável, a ditadura
precisava se ocultar parcialmente sob uma aparência de processo democrático.
Tinha de admitir que aquilo que o povo desejava desesperadamente não eram
conceitos de “liberdade”, muito menos igualdade, e sim proteção tangível sob a
forma de representação eletiva, cortes de justiça imparciais, direitos de
propriedade e outros itens constitucionais, para a preservação da liberdade
característica do Estado burguês do século XIX, vilipendiado por Karl Marx.

A aparência de instituições liberais na URSS impressionou pessoas de todos os


níveis de inteligência no estrangeiro. Era sem dúvida seu principal objetivo.
Mas, no que dizia respeito às condições materiais, a imensa maioria da
população da Rússia vivia em condições de tal pobreza que, em comparação, a
vida sob o regime czarista, difícil como tinha sido para os pobres, parecia
tolerável16.

Em 1937, um funcionário soviético notou que a média do espaço habitacional


em Smolensk havia caído para três metros quadrados por pessoa.
Consequentemente, era normal mais de quinze famílias viverem em um único
apartamento, “com um excesso de ‘empregados domésticos’ dormindo em
caixotes no corredor, no chão da cozinha, no forno comum”. Ter um teto sobre a
cabeça era um privilégio dispendioso: um repórter comunista americano em
Moscou teve de pagar um depósito de mil e quinhentos dólares para viver com a
família em um estábulo semidesocupado. “A casa não tinha alicerces, e quando
as neves do inverno se derreteram, na primavera, as paredes começaram a
porejar. Grandes manchas escuras espalhavam-se pelo chão e pelo teto, lenta
mas persistentemente.” O estábulo estava infestado de parasitas; mal podíamos
imaginar como viviam os menos privilegiados17. Nos arredores da favorecida
cidade siberiana de Stalinsk (antiga Kuznetsk),

“. . . imensos acampamentos-colônias tinham surgido, fora dos limites da velha


cidade. Milhares de famílias moravam em úmidas trincheiras cavadas no solo,
chamadas zemlianki. Esses buracos primitivos, cobertos com telhados feitos à
mão, formavam um cenário patético ao redor dos novos empreendimentos da
União Soviética, onde a habitação não podia acompanhar o ritmo da nova
população. Geralmente tinham de 4,88 a 5,49 metros de comprimento, de 2,44 a
3,05 metros de largura e de 1,83 a 2,44 metros de profundidade — o suficiente
para que duas pessoas pudessem dormir nesse espaço”.
Muitos desses recém-chegados eram camponeses, levados, pela política de
coletivização, a deixar o campo e procurar alimento nas cidades. A maior parte
morria de inanição nas ruas, e houve casos de canibalismo entre as pessoas
enlouquecidas pela fome 18. O alimento era mais difícil de obter do que a
habitação. Formavam-se filas em frente às lojas, na expectativa de conseguir
algo para comer; muitos passavam a noite toda na calçada, esperando conseguir
um arenque no dia seguinte.

Em abril de 1940 o embaixador americano viu “em quase todas as cidades onde
estive (no sul da Rússia) longas filas à espera de pão e outros alimentos. No
importante porto de Odessa, essa situação era mais evidente, pois as filas para
comprar comida eram tão extensas, na rua principal, que milhares de pessoas
podiam ser vistas de um único ponto de observação”. O embaixador acreditava
que isso se devia mais à deficiência na distribuição do que à falta real de
alimento. Outro observador que falava russo, no mesmo ano,

“. . . disse que as condições pioram a cada dia, que as mulheres geralmente


levantam-se às duas horas da manhã (a quarenta e oito graus abaixo de zero, no
auge do inverno) para tomar seus lugares na fila e comprar tudo o que fosse
possível. Quase sempre, tudo estava vendido quando chegava sua vez. Então,
voltavam para casa exaustas, a fim de tentar novamente no dia seguinte. Não se
preocupam absolutamente com o que está à venda... O exército e a nova classe
alta têm preferência, mas ninguém mais no país inteiro tem direitos ou
privilégios que não possam ser anulados sem prévio aviso”.

Depois de um ano em Moscou, a testemunha conclui que

“não seria necessária muita liderança para dar início a uma revolução anti-
stalinista. .. Muitos acreditam que, se a Alemanha se dirigir para o oriente,
encontrará muita gente na Rússia farta do governo e disposta a receber de braços
abertos qualquer ajuda externa, mesmo da Alemanha” 19.

A disciplina nas fábricas era draconiana. Lenin havia determinado que “as
massas inquestionavelmente obedecem à vontade única dos líderes do processo
do trabalho”, enquanto Trotsky pregava a “militarização do trabalho”, segundo a
qual os trabalhadores ficariam completamente à disposição do Estado20. Coube
a Stalin a tarefa de pôr em prática as recomendações dos seus antecessores. Em
1932 foram criados os passaportes internos, para evitar que os trabalhadores
mudassem de emprego sem permissão; se o fizessem, seriam privados dos
cartões de racionamento e do direito à habitação. Essa providência foi
cartões de racionamento e do direito à habitação. Essa providência foi
acompanhada, em 1938, pela criação de uma “carteira de trabalho”, que continha
um histórico completo da carreira do trabalhador, e sem a qual ele não conseguia
emprego. “Um decreto baixado em junho de 1940 determinava que o empregado
que chegasse com mais de vinte minutos de atraso ao trabalho, sem uma
dispensa médica válida, estaria sujeito a uma pena de trabalho compulsório com
dedução de até vinte e cinco por cento do salário, e a reincidência seria punida
com penalidades mais drásticas.”

Finalmente, em junho de 1940, “todos os trabalhadores foram congelados nos


empregos. A mudança de emprego exigia permissão expressa da diretoria, e
saídas do emprego sem essa autorização eram punidas com prisão”. Condições
rígidas como essas pouco diferiam da escravidão. Os trabalhadores indefesos
aceitavam a submissão total aos seus empregadores com um provérbio fatalista:
“Deixe que os natchalniks (os patrões) pensem no assunto; eles leem os jornais,
falam ao telefone e tomam chá com açúcar” 21.

Tudo isso e mais informações sobre a situação real dos trabalhadores da União
Soviética era acessível a quem quer que se interessasse pelo assunto. Andrew
Smith, um americano comunista, trabalhou em fábricas russas, como voluntário,
de 1932 a 1935. Ao voltar, publicou um extenso livro de memórias22, que teve,
em inglês, sete edições em dois meses. Descreve com detalhes as horrendas
condições de vida dos seus companheiros; as medidas óbvias para iludir os
visitantes estrangeiros; o controle férreo da polícia da GPU; o luxo esquálido e a
imoralidade da nova classe governante; os expurgos, os sequestros e outros
aspectos terríveis da vida soviética.

Mas um dos aspectos mais desanimadores do sofrimento do povo russo era a


indiferença crescente e geral do Ocidente rico. Essa indiferença transformava-se,
em muitos, em ódio positivo e desprezo declarado pelo povo russo. Walter
Duranty, um jornalista americano, decidiu ignorar milhões de mortes provocadas
pela fome com uma frase que era repetida por muitos liberais do Ocidente: “Mas
são apenas russos...” Os Webbs e os escritores americanos Lincoln Steffens e
Upton Sinclair eram da mesma opinião, e uma multidão de outros simpatizantes
estava ansiosa para que a experiência marxista fosse realizada entre os russos
primitivos, que aparentemente gostavam de sofrer23.

A ausência de uma atitude condenatória por parte do Ocidente é mais


significativa quando se considera o número imenso de russos que viviam em
condições muito mais precárias do que as descritas acima. A denúncia de
Soljenitsin, no Arquipélago GULAG, fez com que o mundo abrisse os olhos para
Soljenitsin, no Arquipélago GULAG, fez com que o mundo abrisse os olhos para
a existência da instituição mais notável da Rússia soviética. Contudo, por mais
importante que seja o feito de Soljenitsin, não há em sua descrição fatos
importantes que não tenham sido denunciados em relatórios de primeira mão em
todas as línguas ocidentais, desde que Lenin autorizou a criação dos primeiros
campos penais, em janeiro de 1918. Assim, os observadores do Ocidente tinham
mais acesso à verdade sobre o sistema GULAG de trabalho forçado do que o
próprio povo russo24.

Logo depois da Revolução, em janeiro de 1918, Lenin declarou seu objetivo de


“livrar a Rússia de todos os insetos nocivos”, isto é, todos os que se opunham à
sua tomada do poder. Para tanto, sugeriu diversas medidas, todas mais ou menos
brutais, inclusive “punição por trabalho forçado”25. No começo dos anos 30, a
população das prisões e dos campos de concentração crescia com tal velocidade,
que Stalin, talvez influenciado pela sugestão de um antigo prisioneiro que servia
então no NKVD (polícia política), adotou a idéia de utilizar os prisioneiros como
fator primordial da força de trabalho do país 26. Esse plano apresentava várias
vantagens. Os prisioneiros, inimigos reais ou potenciais do regime, podiam ser
mandados para regiões inóspitas que jamais atrairiam o trabalho voluntário. O
índice de mortes seria alto, mas isso também era uma vantagem, pois assim a
oposição em potencial estaria sendo continuamente dizimada, ao passo que a
população “livre” seria uma fonte inexaurível de novo material humano.

Embora o trabalho forçado fosse uma forma de produção necessariamente


dispendiosa e ineficiente, ocupava lugar de destaque na economia soviética até o
fim dos anos 50. Na verdade, considerando a colossal força de trabalho à sua
disposição e as várias fontes de produção industrial à qual estava ligado, podia
ser considerado como o fator principal da economia soviética27.

Durante a guerra, os alemães apreenderam um exemplar impresso do Plano


Estatal para o Desenvolvimento da Economia Nacional da URSS em 1941. A
apropriação do NKVD compreendia cerca de dezoito por cento do total, mas
como a produção do ouro (feita quase exclusivamente por escravos) e outros
materiais não constava do relatório, é evidente que o trabalho escravo era
responsável por pelo menos vinte e cinco por cento da economia da União
Soviética. Quando a guerra exigiu o uso de enormes suprimentos de potencial
humano, o NKVD acompanhou o Exército Vermelho aos Estados vizinhos para
enviar para os campos milhões de escravos estrangeiros 28.

Embora o renascimento da escravatura no Estado comunista possa parecer uma


medida reacionária, foi, sob muitos aspectos, um dado inteiramente novo. De
medida reacionária, foi, sob muitos aspectos, um dado inteiramente novo. De
vários pontos de vista, o Estado comunista era mais rígido do que as conhecidas
comunidades escravas do mundo antigo, e do que a dos negros nos Estados
Unidos.

Em primeiro lugar, as condições climáticas eram geralmente muito mais severas


na União Soviética, fosse nos campos do Ártico ou nos desertos da Ásia central.
Segundo, os escravos soviéticos invariavelmente eram separados das mulheres e
dos filhos e proibidos de iniciar novos relacionamentos permanentes. Terceiro,
os escravos soviéticos viviam normalmente em regiões isoladas do resto da
sociedade. Quarto, os escravos soviéticos sofriam um flagelo que, segundo o
consenso geral, era muito pior do que os guardas: a comunidade criminosa do
campo, que, com a conivência dos guardas, torturava dia e noite os infelizes
prisioneiros. Quinto, o tratamento dos escravos soviéticos era especialmente
cruel, porque não só eram considerados como meros instrumentos de trabalho
barato, mas também como inimigos da nação.

O único fator atenuante consistia em que, nas sociedades escravocratas pré-


soviéticas, os escravos viviam e morriam em estado de servidão, ao passo que no
tempo de Lenin e de Stalin eram sentenciados a penas com tempo determinado.
Entretanto, considerando-se o enorme índice de mortes e o fato de que as
sentenças podiam ser arbitrariamente aumentadas, essa limitação era um consolo
muito precário.

Todos esses fatores tiveram como resultado um índice de mortalidade que,


mesmo sem estatísticas exatas, pode ser considerado superior ao das outras
sociedades escravocratas.

As estimativas variam consideravelmente quanto ao número de prisioneiros no


GULAG. OS registros e relatórios arquivados no escritório central eram bastante
detalhados, e Vichinski provavelmente disse a verdade ao jactar-se, em conversa
com o embaixador da Polônia, de que “temos registros de todos, vivos ou
mortos” 29. Embora seja pouco provável que venham à luz antes da dissolução
do poder soviético, existem métodos convincentes elaborados por observadores,
especialmente prisioneiros, que permitem um cálculo mais ou menos exato.

Em 1938, foram expurgados e aprisionados vários funcionários-chefes do


GULAG. Um alemão comunista, feito prisioneiro, soube nessa época que

"... esses funcionários do GULAG conheciam o número de prisões efetuadas a


cada mês. Em Kiev, e depois em Moscou, encontrei camaradas que tinham
cada mês. Em Kiev, e depois em Moscou, encontrei camaradas que tinham
compartilhado as celas com eles. Seus cálculos excedem os nossos de dez a
quinze por cento. Chegamos a um grande total de nove milhões de prisões e
deduzimos dois milhões de criminosos, o que deixa sete milhões de ‘presos
políticos’, em 1937 e 1938. Devemos agora acrescentar cerca de um milhão, que
já estavam na prisão em 1936”30.

Mas um prisioneiro que trabalhava na seção de estatística do Conjunto do Mar


Branco do Báltico, em 1934, nesse mesmo ano conseguiu fazer uma “estimativa
da população total dos campos de concentração de não menos do que cinco
milhões, e esse cálculo provavelmente é muito conservador”31.

Em 1940, alguns prisioneiros, por meio de cálculos precisos, baseados no


número conhecido de prisioneiros em Leningrado, concluíram por um total de
“entre dezoito e vinte e cinco milhões”, e um prisioneiro cossaco, cinco anos
mais tarde, sugeriu números semelhantes32. Os cálculos fornecidos por guardas
e funcionários do NKVD eram mais modestos: doze a quinze milhões33. É
provável, porém, que os números oficiais fossem mantidos propositadamente
baixos para justificar o colossal desperdício de vidas. Ao que sabemos, o número
total de prisioneiros na época de maior afluência (provavelmente 1945-46,
quando verdadeiras multidões de novos prisioneiros chegavam dos territórios
conquistados, além dos russos que voltavam da Europa liberada) era muito
maior.

Outros ex-prisioneiros inteligentes concluíram que o número de pessoas sob a


autoridade do GULAG era no mínimo de quarenta a quarenta e cinco milhões, e,
embora esta estimativa seja sem dúvida exagerada, reflete o impacto da
experiência no que era praticamente “uma nação nas minas”. Uma observação
em um dos campos de trânsito, onde os prisioneiros esperavam o embarque para
Kolyma: “Quando saímos para a imensa praça do lado de fora do Campo I,
fomos testemunhas de um espetáculo que teria feito justiça a Cecil B. de Mille.
Até onde a visão alcançava, havia colunas de prisioneiros marchando em uma ou
outra direção, como exércitos num campo de batalha. Um imenso destacamento
de homens da segurança, soldados e homens do corpo de sinaleiros com
telefones de campo e motocicletas, mantinha-se em contato com o quartel-
general, controlando a disposição e o movimento daqueles rios humanos. . . Cem
mil eram parte do cenário à nossa frente. Viam-se infindáveis colunas de
mulheres, aleijados, velhos e até mesmo adolescentes, todos em formação
militar, em filas de cinco, andando no imenso campo, dirigidos por apitos e
bandeirolas”34.
bandeirolas”34.

As divergências nas estimativas podem ser devidas ao fato de que o cálculo


exato era apenas um dos fatores considerados, pois outros argumentos
desempenhavam papel importante.

Por exemplo, aproximadamente meio milhão de pessoas estavam detidas nos


campos auríferos de Kolyma, mas, para manter esse total, era necessário que o
NKVD o completasse, a cada ano, com mais oitenta ou cem mil35. Assim, a
população registrada de um campo, em um determinado ano, podia variar em
metade do total, de acordo com o modo de considerar os números.

Além disso, um grande número de prisioneiros era constantemente levado em


caminhões de gado, da prisão para os campos de trânsito, e desses para o campo
de trabalho. “Numa estimativa modesta, há um milhão e meio de prisioneiros
sendo transportados por estrada de ferro na Rússia soviética em qualquer
momento dado.” E, entre eles, um grande número nunca chegava ao campo
propriamente dito. Durante o inverno muitos morriam na viagem, antes de verem
os campos. Sem aquecimento, nos abarrotados caminhões de transporte de gado,
viajando às vezes durante semanas e semanas na neve, havia um espantoso
índice de mortalidade. Uma mulher alemã viu sessenta trabalhadores serem
removidos, depois de uma dessas viagens, com os corpos completamente
congelados. Em 1941, mil seiscentos e cinquenta poloneses morreram
congelados em um trem superlotado, além de cento e dez guardas do NKVD 36.

Para as centenas de milhares de prisioneiros que viajavam anualmente para


Kolyma, havia a dolorosa experiência da viagem através do mar de Okhotsk. O
navio a vapor Djurrna ficou preso no gelo na sua primeira viagem, perto da ilha
Wrangel. Só foi libertado depois da primavera seguinte, quando os doze mil
prisioneiros haviam morrido de frio. Outros desastres, quase tão pavorosos como
esse, ocorriam com frequência; e em todas as viagens, prisioneiros morriam
devido ao excesso de indivíduos, à inanição ou à crueldade dos guardas e
criminosos37.

Muitos sobreviviam, para morrer logo depois de sua chegada aos campos de
trânsito. No campo de trânsito de Vladivostok, por exemplo, onde os prisioneiros
eram reunidos antes da viagem marítima para o campo aurífero de Kolyma,
“dezenas de milhares”, em 1938, foram vítimas de uma terrível epidemia de tifo
exantemático. A doença se propagou rapidamente nas barracas superlotadas.

"A enfermaria do campo estava tão cheia de doentes, deitados nos caíres e no
"A enfermaria do campo estava tão cheia de doentes, deitados nos caíres e no
chão das salas e dos corredores, que era impossível qualquer tipo de tratamento.
Algumas das mulheres no nosso alojamento foram requisitadas como
enfermeiras. Sua tarefa principal consistia em contar os mortos que haviam
escapado dos padecimentos que esperavam os outros: as minas de ouro. Em
silêncio, olhávamos através do arame farpado para os carros que entravam no
campo todas as noites Os corpos eram empilhados, atados com cordas e cobertos
com lona, e os caminhões saíam, levando as vítimas para a liberdade eterna."

Na ausência de qualquer tipo de higiene, o lugar era infestado de piolhos, a tal


ponto que nada podia ser feito para se livrar deles, a não ser suportar o tormento.
“Às vezes, enfiávamos a mão sob os blusões”, escreveu uma prisioneira,
“quando não mais podíamos suportar a coceira, e apanhávamos um punhado de
parasitas e os atirávamos para longe. Geralmente, não iam parar no chão, mas
em outros prisioneiros.” 38

Mas o mais selvagem índice de mortalidade anual ainda estava para vir: nos
próprios campos de trabalho. Um prisioneiro polonês notou que “nunca
conheceu um prisioneiro que tivesse trabalhado na floresta por mais de dois
anos. Via de regra, eles deixavam o campo depois de um ano, com doença
cardíaca incurável, e eram transferidos para brigadas de trabalho mais leve; daí
eram logo ‘aposentados’ — no necrotério”. Um camarada que trabalhava no
escritório de registro de óbitos do campo lembra-se de que “no escritório havia
dois armários da altura de um homem normal; um continha três pilhas verticais
de certificados de óbito, o outro, apenas duas pilhas e meia. Os prisioneiros
mortos eram levados ao escritório, todos com os dados pessoais em um cartão
amarrado no tornozelo”. Uma cópia de cada certificado era enviada para o
GULAG — mas não para a família do morto39.

Em Kolyma, o índice de mortalidade anual cresceu rapidamente em mais de


cinquenta por cento. Os homens simplesmente caíam onde quer que estivessem.
Nos campos auríferos,

“um homem empurrando um barril para cima, na direção do aparelho de batear,


subitamente parava, cambaleava por um momento e caía de uma altura de sete a
nove metros. E era o fim. Outro homem, enchendo um barril, incitado pelos
gritos de um capataz ou de um guarda, inesperadamente caía ao chão com
sangue espirrando da boca — e tudo terminava”.

Poloneses e outros estrangeiros que chegaram anos mais tarde morriam em


maior número: na proporção de sessenta a setenta por cento. Em 1941, os
maior número: na proporção de sessenta a setenta por cento. Em 1941, os
prisioneiros de 1937-38 praticamente tinham desaparecido40.

Das chaminés da Lubianka diariamente evolava-se a fumaça do forno


crematório, espalhando as cinzas dos mortos pelas casas dos vivos41. No décimo
ano do regime, a Rússia transformara-se em um colossal cemitério; ao longo da
infindável rede de vias férreas viam-se corpos congelados pela neve do norte, ou
devorados pelos abutres nos desertos da Ásia central; e o arquipélago dos
campos era circundado por uma comunidade de mortos que se tornara mais
numerosa do que a dos vivos. Até 1948, todos os corpos eram levados à sala da
guarda do campo para ser registrada a morte. Uma sentinela enfiava a baioneta
no coração silenciado, para ter certeza de que nenhum vivo poderia sair do
campo, e os corpos nus eram empilhados nos caminhões de transporte de gado a
fim de serem levados à vala comum, fora do perímetro do campo. Numa região
de solo permanentemente gelado, o sepultamento não podia ser perfeito: “Às
vezes, uma mão esquelética ou um pé em condições perfeitas de conservação
surgiam da cova; tinham sido levados para a superfície pelo degelo, pois no
inverno era impossível cavar a terra congelada para fazer uma cova
suficientemente profunda”. No inverno de 1944-45, em Kotlas, um prisioneiro
polonês dormia em um quarto que dava para o necrotério. “Não era uma vista
agradável, especialmente quando o índice de mortalidade no campo era tão alto
que não havia lugar para os corpos no barracão, e estes eram empilhados do lado
de fora, encostados na parede; as pilhas eram precariamente cobertas, de modo
que uma perna ou um rosto pavoroso e sorridente ficavam de fora.”42

Um estudioso atento, cujos números são “baseados em pressuposições


conservadoras”, calculou um total de três milhões de mortes em Kolyma.
Segundo o mesmo critério cauteloso, estimou em doze milhões o número de
mortos em todo o GULAG: uma cifra que pode ser comparada com o total de
catorze mil execuções ocorridas nos últimos cinquenta anos do regime czarista
43.

A escala enorme desses assassínios em massa não pode ser apreciada em termos
humanos. Segundo um prisioneiro alemão em Vorkuta, “calculava-se que, nas
viagens de trem, cada homem que dormia custava uma vida, e nas minas havia
dois mortos por metro cavado sob o solo”. Em poucos anos, uma geração inteira
de prisioneiros era dizimada, sendo substituída por outra44. A União Soviética
ultrapassou seu aliado de 1939-41 no número de vítimas destruídas. O dr. Julius
Margolin, um líder sionista, libertado depois de sete anos sob custódia do
GULAG, escreveu que “o hitlerismo foi derrotado, ao passo que os campos
GULAG, escreveu que “o hitlerismo foi derrotado, ao passo que os campos
soviéticos continuam a existir . . . Desde que foram criados, os campos
soviéticos devoraram maior número de pessoas, fizeram maior número de
vítimas do que qualquer outro campo — os de Hitler e outros — juntos, e essa
máquina letal continua a funcionar a todo o vapor. . . Uma geração de sionistas
pereceu nas prisões soviéticas, nos campos e no exílio” 45. Uma mulher que teve
a infelicidade de conhecer os dois sistemas durante muito tempo concluiu que no
campo de Ravensbrück, somente nos últimos dias do seu regime agonizante, os
nazistas conseguiram igualar os bolchevistas em brutalidade: “As mortes
estavam aumentando, e no fim de 1944 não havia muita diferença entre
Ravensbrück e Kuruganda"46.

Variam Chalamov, ex prisioneiro em Kolyma, conta que as condições climáticas


provocaram a abertura de uma imensa vala comum, que começou a deslizar
colina abaixo. Uma máquina de terraplenagem do GULAG “achatou os corpos
congelados, milhares de corpos esqueléticos. Todos preservados; dedos
retorcidos, artelhos putrefatos — pedaços de membros congelados, a pele seca
riscada de sangue e olhos famintos e fulgurantes”. É provável que Chalamov
tenha presenciado um terrível incidente, descrito por um ucraniano chamado
Dachtchin, que escapou miraculosamente e mais tarde contou a história. Um
campo de Kolyma “continha sete mil prisioneiros de todas as regiões da União
Soviética, e, quando terminaram o trabalho, não havia meios de transporte para
levá-los a outro local. Os prisioneiros estavam muito fracos e subnutridos para ir
a qualquer parte a pé, pois o campo de trabalho mais próximo estava a milhares
de quilômetros. O problema foi resolvido de modo simples. Os prisioneiros
foram conduzidos a um penhasco minado, e desapareceram na explosão”.

Os nazistas poderiam ter destruído todos os judeus da Europa. Mas os soviéticos


podiam fazer mais, como é demonstrado em uma breve conversa entre um
prisioneiro polonês e um magistrado soviético: “ ‘Somos trinta milhões de
poloneses, não será tão fácil como pensam destruir a todos!’ O magistrado riu:
‘O que são trinta milhões?’, disse ele, ‘temos mais do que isso nos nossos
campos de prisioneiros’ ”,

A comparação entre dois sistemas totalitários de extermínio em massa pode ser


pouco significativa. Para a vítima, como indivíduo, fosse um judeu em Belsen,
ou um russo em Petchora, o limite do sofrimento e do desespero foi alcançado.
Moças adolescentes eram separadas de suas famílias e colocadas à mercê dos
criminosos dos campos. Um ex-prisioneiro de um campo de Vorkuta relata uma
cena muito comum:
“...‘Sua cadela suja, vou fazê-la implorar por isso!’... ele a agarrou pelos cabelos
e arrastou-a, batendo-lhe no rosto; depois, aproximou a boca da moça da
abertura de sua calça. Ela gritava o tempo todo. . . Cuspindo sangue, o rosto
ferido e marcado, ela gritava ainda quando o homem lhe tirou a calcinha. Então,
ele não pôde esperar mais e ejaculou. Os que assistiam à cena começaram a rir.
‘Vocês viram? Você não sabe foder, precisa de algumas lições.’ Esse ataque ao
seu orgulho masculino o irritou mais ainda. Ela não passava de uma coisa suja
que ousava resistir a ele e devia ser punida. Começou a dar socos no rosto da
moça e pontapés em sua barriga. Agora ela não lutava mais. Com o sangue
escorrendo da boca e do nariz, apenas gemia, tentando proteger o abdômen...
‘Pare com isso, seu cretino estúpido, outros podem querer usá-la também’ ”48.

Eram homens, mulheres e crianças, morrendo de tifo, pleurisia, sífilis, inanição;


levados, pelo que restava do instinto de conservação, a comer ratos, o próprio
vômito... até mesmo os outros prisioneiros. Um homem que estava morrendo de
septicemia num hospital de Kolyma foi transportado por quarenta quilômetros
em uma tempestade de neve, com uma febre de quarenta graus devida à
pleurisia, enquanto um guarda da NKVD, atrás dele, batia com um bastão em um
furúnculo supurado nas costas do prisioneiro. Um momento precioso de
descanso no longo dia de trabalho; acende-se um cigarro feito à mão com dedos
trêmulos. . .

"O capataz correu para a escavação e com um golpe rápido enfiou o cigarro
aceso na boca do homem. O prisioneiro encolheu-se, cobrindo o rosto com as
mãos. Com uma série de palavrões, o capataz continuou a bater na cabeça do
trabalhador, depois no peito. O homem caiu. Então o capataz começou a dar
pontapés, com suas botas pesadas, no homem caído...” 49

Em milhares de prisões, trens e campos, abrangendo todo o comprimento e a


largura da Rússia, estava oculta uma população maior do que a do Canadá, tão
grande quanto a da Checoslováquia ou da Iugoslávia, ou da Bélgica e Áustria
juntas. Ano após ano, a Rússia ouviu o choro contínuo das criancinhas de um ou
dois anos, tiradas para sempre das mães; os uivos do torturador bêbado do
NKVD, “acompanhados pelo som de pancadas e os gritos de uma jovem, hora
após hora, até se transformarem em um rugido demente”; os “fantasmas
humanos” de Kolyma: “Era uma procissão não de seres humanos, mas de
cadáveres e troncos. A maioria deles não tinha mais nariz, lábios ou orelhas;
muitos não tinham braços nem pernas”.

A única comparação possível é com o próprio inferno50, um inferno cuja


A única comparação possível é com o próprio inferno50, um inferno cuja
existência era negada por muitos no Ocidente, e um inferno para o qual políticos
e diplomatas britânicos e americanos enviariam mais de dois milhões de novas
vítimas. O lado iluminado da Lua, com a Constituição de Stalin e sua “oposição
incansável” ao mal do nazismo, aquecia com seus raios pálidos os rostos dos
admiradores do Ocidente. O lado escuro era uma terra cujos habitantes
pertenciam a três categorias: prisioneiros, ex-prisioneiros e futuros
prisioneiros5I. Era também uma terra cujos guardiões estavam muito ocupados
com telegramas que traziam instruções deste teor: “Ao NKVD, Frunze. Está
encarregado da tarefa de exterminar dez mil inimigos do povo. Transmita
resultados. — Iejov”52.

II. Stalin, o líder

Sobre todo esse império do medo — sobre os milhões que agonizavam nas
minas de carvão de Vorkuta e nos campos auríferos de Kolyma, sobre
trabalhadores urbanos famintos, guardas de fronteira com gorros azuis,
camponeses coletivizados, sem lar, viúvas do GULAG, torturadores
profissionais, falsificadores de passaportes, professores do Instituto de
Marxismo-Leninismo, carrascos — estendia-se a sombra de um homenzinho.
Cidades, vilas, fábricas, institutos e montanhas tinham seu nome; todos os
jornais, livros, publicações científicas o exaltavam como um ser nobre,
verdadeiro e sábio; e milhões se uniam para adorar publicamente um homem que
levara a tragédia a cada família daquele país.

Iossip Vissariónovitch Djugatchvíli, aliás Stalin, era conhecido de vista por


poucos dos seus súditos. Os comícios dos ditadores do Ocidente não eram do seu
feitio, nem os contatos com as multidões, as torrentes de eloquência que faziam
se erguer milhões num êxtase de fervor comum. Seus métodos eram secretos e
sua personalidade, desconhecida. Atribuíam-lhe características heroicas —
bondade, onisciência, modéstia, imensa e incansável capacidade de trabalho —,
bondade, onisciência, modéstia, imensa e incansável capacidade de trabalho —,
mas esses atributos lembravam mais os epítetos criados para faraós e reis da
Antiguidade do que evocavam qualidades conhecidas. Ainda hoje, até onde se
sabe, permanecem dúvidas quanto às suas motivações, que aparentemente
ficarão para sempre em mistério.

Fotografias e retratos invariavelmente representam Stalin calmo e majestoso,


fisicamente sólido e inabalável. A realidade era tão diferente que muitos
atribuem sua aversão a aparecer em público à consciência das próprias
deficiências 1. O compositor Chostakóvitch lembra que ele

“não parecia em nada com seus numerosos retratos. Stalin mandou fuzilar vários
pintores. Eram chamados ao Kremlin para retratar o Líder e Professor para a
eternidade, mas aparentemente não o satisfaziam. Stalin queria ser alto, com
mãos fortes. Nalbadian (um pintor da corte) enganou a todos. No seu retrato,
Stalin caminha diretamente para o observador com as mãos cruzadas sobre o
estômago. É visto de baixo para cima, um ângulo que faria um liliputiano
parecer um gigante”.

A realidade era muito diferente: “sua mão direita era visivelmente mais fina do
que a esquerda. Stalin procurava sempre escondê-la” 2. Uma exata descrição nos
arquivos da polícia czarista, quando ele tinha vinte e dois anos, refere-se ao fato
de que o segundo e terceiro artelhos do seu pé esquerdo eram pregados um no
outro. Tinha apenas um metro e sessenta e quatro de altura, era magro, moreno e
com profundas marcas de varíola. Um acidente na mocidade deixara-o com o
cotovelo esquerdo rígido e o braço um pouco mais curto3.

Apesar da pequena estatura e do físico miúdo, manteve-se rijo e forte durante a


maior parte de sua vida. Em 1930, concedeu uma rara entrevista a um repórter
americano. “Embora de físico vigoroso”, escreveu Eugene Lyons, “pareceu-me
ter mais que cinquenta e um anos; tinha o rosto largo e cheio, mais moreno do
que eu imaginara, e levemente marcado; o cabelo era espesso, rebelde e com
alguns fios brancos.” 4 Nos últimos anos, a tensão dos expurgos e, acima de
tudo, o choque da invasão alemã começaram a solapar sua constituição robusta.

Em novembro de 1941, escreveu uma testemunha ocular russa, “eu não o via
desde 1933. Desde então, ele tinha mudado muito; viu a minha frente um
homem baixo, de rosto abatido e cansado. Em oito anos tinha envelhecido vinte.
Não havia nos olhos a antiga força, não se ouvia a confiança em sua voz”. A
confiança voltou com os sucessos dos Aliados um ano depois, mas a
deterioração física não foi detida. O cabelo ficou grisalho e ralo e seu ventre
deterioração física não foi detida. O cabelo ficou grisalho e ralo e seu ventre
pendia dentro dos uniformes justos que usava. O rosto marcado parecia mais
enrugado do que antes, o bigode estava ralo e grisalho e os dentes, escurecidos e
manchados. Em junho de 1942, o embaixador britânico surpreendeu-se com “seu
aspecto e estatura. Eu esperava um homem alto e agressivo. Mas o que vi foi. . .
um homenzinho magro, curvado, grisalho, com uma grande cabeça e mãos
brancas e imensas. . . quando apertou minha mão, olhou quase furtivamente para
o meu ombro, e não para o meu rosto”. Certas vezes, esse homenzinho malfeito
e desajeitado parecia “constrangido” e “era uma figura bastante ridícula”,
incapaz de olhar os visitantes diretamente nos olhos ou de manter uma conversa
inconsequente. Outras vezes, era todo encanto e boas maneiras, cativando
estrangeiros com sua aparente modéstia e bom senso. Um vislumbre do outro
Stalin surgia apenas nas cabeças de lobos que ele estava sempre desenhando e na
chama súbita dos olhos amarelos, quando fitava severamente um vassalo que o
ofendia5.

O encanto e a polidez eram geralmente reservados para todos os que estavam


distantes ou que eram poderosos demais para serem colocados sob seu controle,
especialmente estadistas estrangeiros que o visitavam. Em sua vida privada, era
geralmente mal-educado, cruel e sem cultura, características que o distinguiam
desde a mocidade. Como lembra Khrushchev, “o caráter de Stalin era brutal, e
seu temperamento, áspero; mas sua brutalidade nem sempre implicava má
vontade contra as pessoas com quem agia desse modo. Tratava-se de uma
brutalidade inata. Era grosseiro e agressivo com todos. Eu mesmo muitas vezes
fui alvo de sua rudeza” 6.

Esse parece ter sido o verdadeiro Stalin, cuja vulgaridade não era amenizada
nem pela presença da filha mais moça. “Em casa”, escreve Svetlana, “à mesa,
com seu habitual círculo de ‘companheiros de arma’, ele usava a linguagem dos
trabalhadores e muitas vezes palavras obscenas. . . Nessas reuniões
essencialmente masculinas, ao redor da mesa, só eu poderia ser um elemento
moderador, mas minha presença jamais o impediu de contar piadas e histórias
grosseiras de camponeses.” A pequena Svetlana fugia da sala, mas era obrigada
a voltar e testemunhar cenas cada vez mais desagradáveis e selvagens.

A brutalidade de Stalin não era a brutalidade natural de um homem de passado


pobre e educação rudimentar; era uma vulgaridade calculada para ferir — e
talvez sondar — a submissão dos seus acólitos. “Quando ele estava de mau
humor, dizia na frente de todos: ‘Agora saia, estou ocupado!’”7

Nos anos 20, quando Stalin estava ainda consolidando seu poder, seu secretário
Nos anos 20, quando Stalin estava ainda consolidando seu poder, seu secretário
assistiu a uma cena característica entre o líder e o secretário Mekhlis, um judeu.
Sem perceber que Mekhlis estava na sala, Stalin observou, irritado: “Quem ele
pensa que é, este judeuzinho sujo?” Subitamente, viu que Mekhlis estava a
pouca distância dele. Voltou-se, olhando com curiosidade para seu afável
subordinado: “Muito bem, pequeno Liev, então você engoliu isso?” Mekhlis
fingiu espanto: “O quê? Do que está falando?”

Um secretário explicou: “Você é judeu, não é?”

“Não”, respondeu Mekhlis, “não sou judeu — sou um comunista.” 8 Esta


resposta cheia de tato valeu a Mekhlis a eterna proteção do seu patrão.

Os modos maliciosos e agressivos de Stalin revelaram-se muito cedo. Um amigo


de juventude diz que “ele via em toda parte e em tudo apenas o que era negativo,
o lado mau, e não tinha nenhuma fé nos motivos idealistas ou nas qualidades da
humanidade”. Reagiu violentamente ao seminário onde foi educado, declarando-
se um ateu convicto, embora mais tarde tenha demonstrado indícios da
superstição profunda que sempre acompanha uma atitude “racionalista”
exagerada. De modo geral, suas maneiras rudes lhe valeram o desprezo das
autoridades czaristas e bolchevistas, e foram motivo de ofensas graves aos seus
companheiros mais chegados 9.

Quando seu poder se tornou absoluto e todos à sua volta demonstravam um


servilismo evidente, Stalin continuou descontente. Achava necessário humilhar
constantemente seus seguidores. “Seu secretário pessoal, Poskrebichev, era o
alvo constante. Na véspera do ano-novo, Stalin fazia pequenos tubos de papel e
os enfiava nos dedos de Poskrebichev. Então, punha fogo no papel, como se
fossem velas de ano-novo. Poskrebichev contorcia-se de dor, mas não ousava
tirar os tubos de papel dos dedos.” Stalin dispensava essas pequenas atenções
aos mais altos dignitários do Estado soviético; isso acontecia frequentemente
perante visitantes do exterior, como se ele quisesse enfatizar a completa
submissão de homens que ele podia promover ou rebaixar de acordo com sua
vontade. Stalin gostava de assustar o idoso presidente Kalinin; Tito, estupefato,
viu cigarros caírem das mãos trêmulas do velho: “Stalin riu, e seu rosto parecia o
de um sátiro”. Em um jantar público ele fez um brinde a Maiski, embaixador
soviético na Grã-Bretanha, chamando-o de “nosso poeta diplomata”. O
assustado Maiski explicou ao seu vizinho britânico que o “nosso último poeta
diplomata foi assassinado — essa é a piada!” 10

Tinha prazer em fazer com que seus companheiros ficassem completamente


Tinha prazer em fazer com que seus companheiros ficassem completamente
bêbados nas festas bárbaras que eram o auge da vida social soviética. Ele
geralmente permanecia sóbrio nessas ocasiões — às vezes substituindo a vodca
do seu copo por água — para levar os correligionários a atitudes humilhantes ou
a revelações indiscretas. Mas sozinho, na sua vila perto de Sotchi, no mar Negro,
permitia-se vez por outra um dia inteiro de embriaguez solitária. Um visitante
repugnado observou:

“Bebeu copo após copo de vinho, e depois de algum tempo começou a dançar.
Era um espetáculo ridículo, e quanto mais bebia mais apavorante ele ficava.
Toda a cena parecia um pesadelo. Ele dava risadas ruidosas, cambaleando e
batendo os pés pela casa, completamente fora do ritmo da bela música. A
impressão geral não era somente grosseira e vulgar, mas tão estranha que
lembrava uma ameaça sinistra O mais assustador era que, apesar de sua
embriaguez, ele ainda parecia suficientemente sóbrio para observar minha reação
a essa conduta. Passamos o dia todo. . . com o ditador bêbado, que a cada minuto
mais se parecia com um monstro apavorante” 11.

O desejo de humilhar e aterrorizar estendia-se à sua própria família. Diziam que


ele havia assassinado a mulher, Nadejda Alliluieva, embora as provas sugiram
que ela tenha sido levada ao suicídio, em 1932, pela crueldade de Stalin e por ter
descoberto muito tarde a tirania com que ele governava a Rússia 12. O filho do
primeiro casamento, Iákov, levou uma vida miserável e teve morte trágica —
ambas por causa do pai. Nada do que fazia estava certo para Stalin, que se
referia a ele, na frente de subordinados, como “meu louco”. Em 1928 ou 1929,
Iákov tentou o suicídio, mas, como o pobre Kóstia Trepilov em A gaivota, só
conseguiu se ferir. Stalin “costumava zombar dele, dizendo com desprezo: ‘Ah!
Não sabe nem atirar direito!’” Em 1941, Iákov, servindo no Exército Vermelho,
foi capturado pelos alemães. Foram feitas tentativas para trocá-lo por vários
prisioneiros alemães, mas todas elas foram bloqueadas pelo próprio Stalin.
Abandonado pelo pai, o infeliz Iákov morreu no campo de prisioneiros em
circunstâncias trágicas 13.

O segundo filho de Stalin (do seu segundo casamento), Vassili, nasceu em 1920.
Ao contrário de Iákov, foi reconhecido publicamente, o que parecia indicar
aprovação paterna. Com pouco mais de vinte anos, recebeu a patente de general-
de-divisão, uma promoção sem precedentes, que só podia ser baseada em
princípios de hereditariedade. Tudo indicava que Vassili fosse um herdeiro
digno da afeição do pai, pois era um informante maldoso, arrogante e vingativo.
Apelidado de “Czarévitch” por seus companheiros, ele era “malfeito de corpo,
Apelidado de “Czarévitch” por seus companheiros, ele era “malfeito de corpo,
com aparência desleixada e cor de farrista... sua vaidade era colossal”. Depois
que o pai o ensinou a tomar bebidas fortes, tornou-se um beberrão incorrigível e
morreu de alcoolismo ainda jovem. O pai aparentemente não sentiu muito a
perda, pois, como Khrushchev ouviu dizer, ele “costumava bater no filho
regularmente, e designara homens para vigiar Vássia”. (Dizem que Iákov
também apanhava de Stalin 14.)

Com sua filha mais nova, a célebre Svetlana, ele podia ser gentil e afetuoso. Mas
era também extremamente cruel, puxando-lhe o cabelo por ter errado o passo em
uma dança que ele a obrigara a executar em uma das orgias alcoólicas do
Kremlin. Quando mais tarde ela teve a ousadia de se apaixonar por um diretor de
cinema judeu, o pai o mandou para Vorkuta. “Mas eu o amo!”, protestou
Svetlana, angustiada.

“ ‘Amor!’, gritou meu pai, demonstrando um ódio por essa palavra que eu nunca
teria imaginado. E pela primeira vez em sua vida ele me esbofeteou duas vezes.
‘Veja só o quanto ela se rebaixou!’ Ele não se conteve: ‘Uma guerra terrível à
nossa porta e ela se ocupa o tempo todo em...! ’ Incapaz de encontrar outra
expressão, ele usou a rude palavra camponesa.”

Stalin esbofeteou-a outra e outra vez, e depois disse com zombaria: “Olhe para
você. Quem vai querer isso? Sua tola! Ele está cheio de mulheres!” 1S

Se esse era o modo com que Stalin tratava a própria família, sua atitude para
com os companheiros e súditos não era muito diferente. Não acreditava nas
afeições humanas e, para ele, o medo era o único sentimento no qual podia
confiar. Achava que “todo homem tem seu preço”. Era a própria personificação
da cautela e da dissimulação: “Todas as suas atitudes eram calculadas e
deliberadas. Cada passo, bom ou mau, era cuidadosamente medido”. As mais
triviais reações dos que o rodeavam eram estudadas com olhos semicerrados. Em
1951, declarou confidencialmente: “Não acredito em ninguém, nem em mim
mesmo”. Não é de admirar, portanto, que não pudesse ficar sozinho, obrigando
seu guarda-costas a fazer-lhe companhia constantemente 16.

É tentadora a idéia de estudar as circunstâncias da infância do ditador, para uma


explicação do seu caráter anormal e possivelmente paranoico 17. Infelizmente,
os fatos são por demais escassos para que se faça um julgamento satisfatório, em
grande parte porque o próprio Stalin providenciou a destruição de qualquer
prova. Seus pais eram pobres, mas muitos outros também eram. Seu pai tinha um
temperamento selvagem, bebia muito e frequentemente batia no filho — todos
temperamento selvagem, bebia muito e frequentemente batia no filho — todos
os defeitos de Stalin. Era um menino pequeno e pouco atraente, e parece que
desde cedo adquiriu um profundo sentimento de injustiça e inferioridade. Não é
raro que jovens criados nessas circunstâncias se desenvolvam exatamente como
Stalin. Tornou se cada vez mais amargo, cínico, autoritário e ateu — rejeitando o
Deus dos seus progenitores, tradicionalmente representado como um pai 18.

Em Lenin, Stalin encontrou um homem capaz de expressar com espantosa


clareza os desejos e ressentimentos que embotavam seu próprio espírito. Contra
os que não acreditavam, Lenin lançava uma torrente de oratória que, no mundo
confinado dos bolchevistas, parecia irrefutável. Nas mãos daquele líder, estava a
salvo a aura de retidão que protegia o microcosmo do Partido de todos os perigos
externos. A tarefa principal da vida de Stalin resumia-se, em primeiro lugar, em
tornar-se indispensável a esse mentor, e depois, mostrar-se capaz de continuar o
trabalho que ele realizava. Somente nos seus últimos anos deixou entrever
indícios de quebra nessa disciplina auto-imposta 19.

Na verdade, Stalin devia tudo a Lenin. Seu papel na organização de um violento


assalto a banco em Tbilissi em 1907, no qual várias pessoas foram feridas e
mortas, mereceu a aprovação duradoura do líder bolchevista. A crueldade de
Stalin era um atributo que agradava a Lenin, que aprovava também o uso de
assaltos para aumentar os fundos do Partido. É curioso notar que Lenin parece
ter sido o único a gostar de Stalin e a lhe dar valor; praticamente nenhum dos
seus companheiros gostava dele, devido à sua natureza rude e maldosa, que
consideravam o fator dominante do seu caráter.

Mais tarde, seus modos bruscos, típicos da classe trabalhadora, chegaram a


ofender Lenin, que, como Trotsky, dava grande valor à educação de classe
média que recebera. Stalin era “rude” e “mal-educado”, escreveu ele; e
Khrushchev, em 1956, explorou essas definições, declarando que a “mente
perspicaz de Lenin. . . percebeu em Stalin, em tempo, essas características
negativas que tiveram, mais tarde, graves consequências”. É difícil levar a sério
essa conclusão, e o compositor Chostakóvitch, com seu comentário sarcástico,
parece estar mais próximo da verdade: “. . .que defeito eram as maneiras
grosseiras? Ao contrário, eram quase uma qualidade” 20.

Embora a dívida de Stalin para com Lenin fosse imensa, seu reconhecimento
dela era quase exagerado. Para ele, Lenin continuava a ser um gênio, cuja fé
imorredoura e cujo brilhante intelecto levaram um pequeno grupo de
conspiradores a derrubar o governo do maior país do mundo e conseguir poder
ilimitado. Só Lenin compreendeu e dominou o cataclismo histórico, e o poder
ilimitado. Só Lenin compreendeu e dominou o cataclismo histórico, e o poder
bolchevista na Rússia podia ser considerado como uma criação pessoal e a
herança do próprio Lenin21. Durante todo o seu governo, Stalin exaltou Lenin
como um gigante de intelecto e de humanismo, conservou sua viúva e alguns
companheiros felizardos como relíquias 22, e considerou seu governo legitimado
pelo imprimatur da criação e da sucessão de Lenin.

A crueldade que provocara a admiração de Lenin era dominante no caráter de


Stalin. Provavelmente, o sadismo era devido aos espancamentos sofridos na
infância. Stalin, “verde de raiva”, gritou para dois interrogadores do NKVD que
trabalhavam com dois rivais caídos em desgraça: “Torturem-nos até que venham
se arrastando sobre as barrigas com confissões nos dentes!” Quando recebeu
relatórios comprovando a eficácia desse método, “Stalin deu um largo sorriso e
passou a mão repetidamente pelo bigode. . . levantou-se da cadeira e, esfregando
as mãos excitado, disse: ‘Bravo, rapazes! Muito bem!’” Durante a guerra,
quando era informado sobre algum erro de um dos seus oficiais, “Stalin
costumava perguntar: ‘Você lhe deu um soco no nariz? Se ele fizer outra coisa
igual a essa, dê-lhe um soco bem no meio da cara!’ ” Quanto aos interrogatórios,
suas instruções eram simples: “Batam, batam e, mais uma vez, batam!” 23

A idéia de que a cada dia o mundo ficava livre de maior número dos seus
inimigos acalmava os temores de Stalin. Em abril de 1943, um visitante britânico
observou-o “contar como se fosse uma piada o modo pelo qual tinha eliminado a
maioria dos quinta-colunas. Nunca vi Stalin tão satisfeito”.

Orgulhava-se da habilidade com que fazia desaparecer qualquer suspeita da


mente de suas vítimas, antes de desfechar o golpe mortal. Convidava um
companheiro para jantar, dispensava-lhe uma atenção especial — então mandava
fuzilá-lo. Como Bulganin confessou certa vez a Khrushchev, “tem acontecido
muitas vezes um homem ser convidado por Stalin como amigo. Quando se
sentam para conversar, ele não sabe para onde será mandado a seguir — para
casa ou para a cadeia”. Era exatamente a impressão que Stalin pretendia causar;
só a eterna vigilância garantia a sobrevivência. Os elos normais entre indivíduos
não existiam para ele. “Sabe o que é gratidão?”, um camarada perguntou-lhe
certa vez. Stalin tirou o cachimbo da boca e murmurou, pensativo, “Oh! Sim, eu
sei; sei muito bem; é uma doença que afeta os cachorros”24.

Evidentemente, Stalin sofria em parte de delírios, embora nada houvesse de


irracional em imaginar que a repetição e o aumento dos banhos de sangue
autorizados por ele tivessem como resultado o ódio de grande parte da
autorizados por ele tivessem como resultado o ódio de grande parte da
população. Segundo sua filha, em 1948, ele “estava extremamente amargurado
contra o mundo. Via inimigos por toda parte. Era um mecanismo patológico,
uma mania de perseguição ...” Quanto mais absurda a fantasia, mais real ela lhe
parecia; e pobre de quem sugerisse o contrário25.

Era inevitável que Stalin acabasse compartilhando com seu irmão, o ditador de
Berlim, o ódio e o medo do “judeu universal”. Não era tanto a crença na
inferioridade racial dos judeus que agitava a mente de Stalin, e sim a convicção
de que estava ameaçado por unia vasta conspiração, engendrada por um povo
misterioso e estranho Sua mão era visível em toda parte: eles “tentavam formar
um Estudo judeu na Crimeia para tirar a Crimeia da União Soviética e
estabelecer um posto avançado de imperialismo americano”; eles haviam
“arranjado” um marido judeu para sua filha Svetlana; eles se haviam unido sob o
disfarce de médicos para envenenar o Líder dos Povos.

Entretanto, a antipatia de Stalin pelos judeus não era uma obsessão absoluta,
como para Hitler. Seu antissemitismo, cujas origens remontam à sua juventude,
era um reflexo do ódio que sentia por qualquer grupo que permanecesse
inassimilado, inteiro, sob seu governo. No profundo aforismo de Ronald
Hingley, “o Stalin maduro não era um inimigo fanático de qualquer população
específica da humanidade, pois suas simpatias eram anti-humanas em geral”.
Ainda assim, seu ódio voltou-se pesadamente contra aquele povo perseguido e
torturado. O fato de ele condenar publicamente o antissemitismo como um crime
indica claramente que seu antissemitismo tinha origem em um preconceito
genuíno, não sendo uma tentativa de conseguir a aprovação de alguns grupos
antissemitas. Apesar disso, foi observado que o antissemitismo popular se
desenvolveu enormemente durante o governo de Stalin; em parte, como resposta
às indicações pouco sutis da aprovação do governo, e em parte como uma reação
irracional às impressionantes atribulações daquela época 26.

A nível oficial, a perseguição aos judeus ia desde a “cota” secreta, em empregos


públicos (virtualmente todos), que teve como resultado a determinação de
limites ao número de judeus que podiam conseguir trabalho, e o expurgo dos
judeus das universidades em 1953, até a prisão e tortura dos chamados sionistas
nos célebres campos do GULAG. Finalmente, Stalin preparou o ambiente para
uma “solução final” do “problema” judeu: todo judeu na Rússia devia ser banido
para as regiões inóspitas do norte do Cazaquistão. Somente a morte do Líder
evitou a execução dessa ordem tipicamente hitlerista. O aspecto mais revoltante
dessa política talvez tenha sido a entrega de numerosos judeus antinazistas aos
alemães, durante o período da aliança de Stalin com Hitler, descrita em outra
alemães, durante o período da aliança de Stalin com Hitler, descrita em outra
parte deste livro27.

A crença obsessiva de Stalin na presença de inimigos, judeus ou não, todos à sua


volta, quando dormia ou quando caminhava, faz-nos lembrar dos temores de
nossos ancestrais primitivos, que acreditavam estar sempre rodeados por
demônios28. Outras ilusões permanentes e profundas formaram-se na mente
sombria de Stalin. A vaidade, que o levava a se imaginar como uma grande
autoridade em vários assuntos, que iam desde a estratégia à composição musical,
da economia à filologia, parece indicar que aquela mente, fria e clara no que se
referia ao objetivo central, tinha facetas menos equilibradas 29. Outra fraqueza,
segundo consta, era um penchant pela pornografia; se for verdadeiro, esse era
outro traço em comum com seu amigo e rival, Adolf Hitler 30.

Muitas das manias mais mórbidas de Stalin aparentemente podem ser atribuídas
a um acentuado complexo de inferioridade. A pouca altura e aparência geral
insignificante já foram comentadas31, bem como as circunstâncias infelizes de
sua infância. Pode-se duvidar da teoria de Roy Medvedev, segundo a qual Stalin
se sentia desprezado por seus “brilhantes” camaradas bolchevistas32; eles talvez
pudessem recitar de cor longos textos das escrituras marxistas, mas sua
compreensão dos homens e dos negócios de Estado era muito inferior. Ainda
assim, sua inveja feroz, suas pretensões intelectuais e a vaidade obsessiva
indicavam sentimentos profundamente enraizados, embora inconscientes, de
inferioridade33.

Muito antes do início da Segunda Guerra Mundial, Stalin tinha conseguido o


poder absoluto na Rússia, sem paralelo na história. Sem nenhuma restrição de
religião, moral, leis ou costumes, sua liberdade total de ação fazia que o próprio
Hitler parecesse um fiel cumpridor da lei 34. A União Soviética tinha um corpo
legislativo, uma Constituição e um código de leis, mas nenhum deles tinha
função alguma, servindo apenas para confirmar a auto-ilusão do soberano e da
sua teocracia marxista, persuadir alguns membros do público de que existia na
Rússia uma substância de legalidade, e, acima de tudo, levar observadores do
exterior a uma complacente aceitação das reivindicações e objetivos da Rússia
soviética.

As intermináveis discussões doutrinárias do Politburo do tempo de Lenin


terminaram rapidamente. Um antigo funcionário da Secretaria do Politburo faz
um relato detalhado sobre o modo de conduzir os assuntos sob o governo do
Chefe (khoziain):
Chefe (khoziain):

“As reuniões do Politburo começavam com a leitura da agenda, feita por Stalin.
Depois disso, ele geralmente falava durante horas com Béria, no dialeto da
Geórgia. Ninguém compreendia o que diziam. Então ele anunciava em russo as
resoluções a serem adotadas. Todos concordavam. Fim da reunião”35.

Stalin tinha também uma opinião bastante sucinta sobre a importância do Partido
Comunista na União Soviética. Em 1923, quando um assunto importante estava
para ser votado, um relatório da GPU sugeriu que a maioria se oporia à
liderança. Kamenev ousou pedir a opinião de Stalin. “Sabem, camaradas”,
respondeu o Líder com voz calma, “o que eu penso desse assunto? Penso isto:
quem vota no Partido, e como, não importa; o que é importante é quem conta os
votos, e como.”36

As únicas limitações ao poder de Stalin eram as restrições naturais de tempo e


espaço: politicamente, ele podia fazer o que bem entendesse. O sistema era tão
centralizado que, como explicou um antigo funcionário do NKVD, em 1938,

“.. .se tomarmos o último trabalhador da União Soviética, nunca haverá mais de
três pessoas entre ele e Stalin, seja através do Partido ou da administração. Um
trabalhador geralmente conhece o diretor da sua fábrica. O diretor conhece o
porta-voz da Administração Central e este conhece o comissário do povo. E o
comissário está em contato direto com Stalin, O mesmo se dá no Partido. O
homem do povo está ligado ao seu secretário de distrito, e todos os secretários de
distrito recebem ordens do comitê da área. Em muitos casos, os secretários de
área estão em contato direto com Stalin. Outros precisam passar pelo vice-
secretário do Comitê Central de Moscou. Portanto, como se vê, nunca há mais de
três pessoas entre o mais simples indivíduo do povo e Stalin”.

O tenente do NKVD, Brande, acrescenta que

“. . . pelo menos uma vez por semana eu via o chefe do NKVD de Kharkov e ele
ia a Moscou, uma vez a cada dois meses, para ver Iejov (chefe do NKVD). OS
chefes de todos os distritos reuniam-se em Moscou para receber instruções do
comissário, ou seja, Iejov. Podiam também se comunicar com ele por linha
direta se precisassem de esclarecimentos ou informações sobre qualquer assunto
nos intervalos dessas reuniões. Iejov, naturalmente, estava em contato
permanente com Stalin. Agora, como vê. . . há apenas dois homens entre mim e
Stalin”.
E foi assim que uma sugestão feita por Stalin a Iejov, em meados de agosto, teve
como resultado o espancamento de prisioneiros, por seus interrogadores, em
todas as prisões da Rússia 37.

Nos primeiros anos do seu governo, Stalin constituiu um secretariado pessoal,


independente do secretariado do Comitê Central, por meio do qual ele podia
controlar e vigiar todos os órgãos do Estado, inclusive a polícia política 38. Esse
secretariado pessoal era chefiado por um homenzinho de cabeça redonda e calva
chamado Poskrebichev, cujos modos bajuladores e natureza inescrupulosa são
conhecidos dos leitores do Primeiro círculo39. Nenhum departamento de Estado
ou oficial exercia autoridade que não estivesse diretamente sob o olhar de Stalin;
o próprio horário dos funcionários era governado pelas excêntricas horas de
trabalho do ditador. Um ex-alto funcionário do Sovnarkhoz explica:

“Stalin normalmente começa o dia mais ou menos às onze horas da manhã, e


trabalha sem intervalo até quatro ou cinco da tarde. Então, geralmente descansa
até dez ou onze da noite, e volta a trabalhar até três, quatro, ou mesmo mais
tarde, da madrugada; os funcionários da capital regulavam seus horários pelo
relógio excêntrico de Stalin. . . O resto do país, em constante contato telefônico
com a capital e sensível aos estados de espírito da mesma, também respeitava
esse horário”.

Havia várias teorias a respeito desse estranho horário de trabalho. O mais


provável é que seu medo confessado de ficar sozinho fizesse que Stalin
conservasse seus companheiros de trabalho ao seu lado até as primeiras horas do
dia 40.

Stalin não tolerava o menor sinal de pensamento independente por parte dos seus
subordinados. A vida em sua corte era um contínuo pesadelo de medo e de tédio,
com as intermináveis sessões de discussões, orgias e bebedeiras e filmes infantis.
Os visitantes estrangeiros notaram o silêncio de todos quando o patrão falava, e
o mais bravo dos seus generais encolhia-se na presença do ditador41. Não é de
admirar, uma vez que ninguém podia ter certeza de que o convite para a corte
não era um prelúdio da execução, da tortura ou do campo de trabalho escravo.
Geralmente, a violência limitava-se a brincadeiras de mau gosto, mas muitas
vezes o tirano esbravejava com seu sotaque georgiano, dizendo que os culpados
deviam ser acorrentados, espancados até se tornarem uma massa e então moídos
para se transformar em pó. Contudo, a despeito dessas cenas terríveis, os
companheiros mais antigos não ousavam deixar de comparecer, para que sua
sorte não fosse decidida sem seu conhecimento 42.
sorte não fosse decidida sem seu conhecimento 42.

Essa era, em resumo, a natureza do governo de Stalin na Rússia, onde a


manutenção dos poderes do déspota era o objetivo principal do aparelho
governamental43. O manto do marxismo legitimava esse estado aos olhos de
Stalin e dos seus admiradores (predominantemente ocidentais). Sem esse abrigo
esgarçado, aparecem simplesmente as neuroses de um homem instável: desejo
de poder, destruição, sadismo, suspeita e cobiça material.

Bernard Shaw, cuja admiração passava de um ditador para outro, observou que
não podia acreditar que Stalin fosse um “gângster vulgar”44. Na verdade, tudo
indica que, se não fosse pelas oportunidades oferecidas a homens do seu tipo
pela Revolução, ele teria seguido as trilhas do crime comum. O assalto ao banco
de Erivan elevou-o na estima de Lenin. Pouco depois disso, as autoridades
czaristas o confinaram na prisão Bailov, perto do mar Cáspio. Um companheiro
de cela notou que o “Koba” ignorava a lei tácita segundo a qual prisioneiros
políticos não se misturam com criminosos comuns. Stalin estava “sempre na
companhia de valentões, chantagistas políticos, ladrões e assaltantes”. Seus
amigos mais chegados eram dois irmãos, os Sakvarelidje, condenados por
falsificação de notas de quinhentos rublos45.

Em 1912, Stalin foi exilado para Vologda. Mais tarde, lembrava com saudade
que, no exílio, ele “andava especialmente com os criminosos... Eram criminosos
amáveis, o sal da terra. Mas havia muitos ratos entre os condenados políticos.
Eles não demoraram em organizar uma corte de camaradas e me puseram em
julgamento por beber com criminosos comuns, o que consideravam uma
ofensa”46. É provável que a mistura indiscriminada de prisioneiros políticos e
criminosos comuns nos campos do GULAG, promovida por Stalin, fosse um
meio de se vingar das ofensas de 1912. Uma vez que essa mistura era regra
universal, pode-se supor que tenha sido autorizada pelo próprio Stalin. As
perseguições sofridas pelos “presos políticos” por parte dos criminosos comuns,
na opinião de todos, eram o aspecto mais insuportável de uma existência
torturada47.

A predileção de Stalin por gângsteres continuou mesmo depois que subiu ao


poder. Boris Chumiatski, chefe da indústria cinematográfica da Rússia antes da
guerra, notou a preferência do ditador por filmes americanos de gângsteres.
Gostava também de brincar com armas de fogo, muitas vezes pondo em risco a
vida dos que o rodeavam. Comentando a visita de Molotov aos Estados Unidos,
em 1942, seus pensamentos voam para a capital do crime violento; o comissário
do Exterior, observou ele em tom de zombaria, “deu uma fugida para Chicago,
do Exterior, observou ele em tom de zombaria, “deu uma fugida para Chicago,
onde moram os outros gângsteres”48.

Quando o Partido solidificou seu poder na Rússia, Stalin acreditava ainda na


eficácia das “desapropriações”. Em 1937, agentes da OGPU, na República
espanhola, planejaram o roubo de todas as reservas de ouro da Espanha. As
barras de ouro foram embarcadas secretamente para Odessa, onde unidades
especiais da GPU as transportaram para Moscou. Stalin deu um magnífico
banquete no Kremlin para comemorar o roubo habilidoso de quase sessenta
milhões de libras esterlinas49.

Outro exemplo, mais extraordinário ainda, de crime puro e simples perpetrado


pelo governo soviético teve a cobertura da imprensa mundial, no começo dos
anos 30. Em 1928, Stalin iniciou o Primeiro Plano Quinquenal, cujo objetivo era
forçar a industrialização, para transformar a Rússia em uma potência militar de
primeira ordem. Porém, o país estava exaurido, empobrecido e à beira da
falência, e era necessário criar reservas maciças de moeda estrangeira e de ouro.
Milhares de cidadãos foram presos sob vários pretextos e enviados para a
inóspita região das minas de ouro de Kolyma50, embora essa fosse
evidentemente uma solução a curto prazo.

Medidas drásticas foram tomadas pela OGPU para extorquir ouro e joias da
população, uma quantidade bem pequena, no total. O cidadão suspeito de
esconder um relógio de ouro ou aliança era levado para as prisões da GPU e
submetido a torturas até revelar onde estava o tesouro (quando tinha o que
revelar). Poucos resistiam aos horrores da parilka (câmara de tortura) e ao
“transportador”. Os que saíam vivos logo sucumbiam ao estágio seguinte do
refinamento da tortura soviética: ver os próprios filhos serem torturados. Os
judeus especialmente eram suspeitos de esconder suas riquezas, e o
antissemitismo, muito difundido entre os agentes da GPU, fazia que tivessem um
prazer especial em infligir dor e humilhação aos jidovskaia morda, “narigão de
judeu”. Um judeu idoso foi obrigado a beber a própria urina na frente de
brutamontes divertidos. Outros foram submetidos a tormentos pavorosos para
dar informações sobre seus amigos51.

Era pouco provável que esses métodos de extorsão, que lembravam o reino do
rei João, na Inglaterra, resolvessem os problemas econômicos da Rússia, e Stalin
imaginou uma nova solução. Em maio de 1928, os bancos de todo o mundo
sofreram uma verdadeira inundação de notas de cem dólares, e os especialistas
não tardaram a descobrir que eram falsas. Durante algum tempo, suspeitaram
não tardaram a descobrir que eram falsas. Durante algum tempo, suspeitaram
dos criminosos do Ocidente, embora fosse praticamente impossível ao maior
criminoso conseguir recursos suficientes para uma operação tão vultosa, em
qualidade e quantidade. As forças policiais de uma dezena de países começaram
a investigar, e logo ficou estabelecido que as notas vinham da Rússia. Um banco
particular, Sass e Martini, fora comprado, em Berlim, por agentes soviéticos, e
através dele notas falsas no valor de milhões de dólares eram introduzidas no
Ocidente. Comunistas do Ocidente e outros criminosos organizaram a
distribuição, mas, apesar da perfeição das notas, o plano foi descoberto e
aniquilado pelas forças policiais americanas, alemãs, polonesas e outras.

Essa aventura, que tinha como objetivo estabilizar as finanças da União


Soviética, estava destinada ao fracasso desde o começo. Funcionários da GRU
(inteligência militar), responsáveis pela execução do plano, não acreditavam na
possibilidade de sucesso, mas, como a idéia vinha diretamente de Stalin, não
tiveram outra escolha senão tentar a sorte. Talvez o plano tenha sido motivado
pelas conversas com falsários, companheiros de Stalin na prisão Bailov
dezesseis anos antes. É simbólico o fato de terem sido usados gângsteres de
Chicago como intermediários da operação, formando assim elos indiretos entre
Iossip Stalin e seu famoso contemporâneo, Al “Scarface” Capone52.

Pode-se dizer, portanto, que Stalin possuía uma mentalidade criminosa e que a
diferença entre ele e Al Capone estava apenas nas oportunidades oferecidas
pelas sociedades onde ambos operavam. Não é surpreendente que um homem
como Stalin tenha conquistado o poder na Rússia, considerando-se a atmosfera e
as circunstâncias da sociedade pós revolucionária. A filosofia do terror e os
meios para sua aplicação tinham sido legados a ele por Lenin 53, e a revolução
parda na Alemanha, na mesma época, tinha lançado um líder igualmente sádico
e inescrupuloso.

O que nos parece extraordinário é que esse Estado, liderado por esse homem,
cujos crimes iam do sórdido ao espetacular, pudesse provocar admiração em
muitos indivíduos educados que viviam fora da proteção do seu poder, todos
com oportunidades de compreender as realidades do governo soviético. Usavam
meios primitivos e evidentes para esconder a verdade dos visitantes do
Ocidente54, mas não se compreende como um barbarismo praticado em grande
escala durante um quarto de século não tivesse sido detectado.

Na verdade, para muitos desses simpatizantes, a crueldade e a violência eram as


atrações principais. A desumanidade dos bolchevistas sugeria a alguns, como
Stephen Spender, que “o elemento destruidor” era “o caminho certo”. Na Europa
Stephen Spender, que “o elemento destruidor” era “o caminho certo”. Na Europa
e na América, o comunismo soviético criou um novo fervor religioso entre
comunistas e simpatizantes, e até seus oponentes concordavam em que era
necessário um regime forte para os russos. Tudo isso tinha como origem uma
multiplicidade de motivações: nostalgia anticapitalista, temores e sentimento de
culpa dos intelectuais da classe média, a necessidade de uma resposta simples
para os problemas do mundo, a atração de tudo o que era “novo” e “jovem”. A
existência de uma União Soviética ideal justificava a fé milenarista dos jovens
que eram herdeiros de uma classe média vulnerável55.

Certa vez, Litvinov advertiu Stalin sobre o efeito perigoso que suas crueldades
públicas poderiam ter na opinião democrática do Ocidente. “Não se preocupe,
eles vão engolir tudo”, resmungou o ditador sarcasticamente.

III. A vida no auge do poder

Stalin fazia questão de apresentar ao mundo a imagem de um líder diligente, que


se contentava com um mínimo de bens materiais. Em 1931, um jornalista
americano conseguiu uma entrevista. Ficou impressionado com a simplicidade
do escritório do ditador: “tranquilo, ordenado, mas eficiente”. Enquanto
esperava, fez inúmeras conjeturas. “Imaginem as antecâmaras dos antigos
governantes, a pompa e a grandiosidade, os cortesões e generais, e vejam a
simplicidade disto! Stalin pode ser inacessível aos repórteres e diplomatas, mas
acredito. . . que é bastante acessível ao povo do seu Partido.” 1

Na verdade, o gosto de Stalin para certas coisas — roupas e filmes, por exemplo
— era bastante simples. Mas se os admiradores ocidentais de Stalin pudessem
ver os bastidores teriam ficado estranhamente surpresos. Em 1919, o sr. e sra.
Stalin tinham se mudado para uma espaçosa casa de campo perto de Usovo, a
cerca de trinta e dois quilômetros de Moscou.

“A casa foi reformada na década de 20 e, sob a orientação de Stalin,


“A casa foi reformada na década de 20 e, sob a orientação de Stalin,
transformada em uma próspera propriedade, com várias construções, jardins,
pomares, criação de perus e um lago com patos. A fim de exercer suas atividades
fora de casa, Nádia (a mulher de Stalin) entregava os filhos, Vassili e Svetlana, a
amas e tutores.” 2

Isso, porém, era um começo modesto. Na década de 30, a fortuna de Stalin tinha
crescido extraordinariamente. Além da datcha em Zuvalovo, descrita acima,
Stalin tinha outra em Kuntsevo, que preferia à primeira. Havia outra ainda, perto
de Kuntsevo, construída pelo arquiteto soviético Miron Merjanov. Mas três casas
podem parecer pouco quando se tem um enteado, empregados, convidados ...
assim, conta sua filha,

“... meu pai tinha mais outras duas casas fora de Moscou... Lipki, uma antiga
propriedade na Rodovia Dmitrov, com um lago, uma casa maravilhosa e um
parque enorme cercado de altas tílias, e Smionovskaia, uma bela propriedade
com uma casa construída pouco antes da guerra, lagos alimentados por fontes
naturais e feitos por servos nos velhos tempos, e mais bosques imensos. . . Meu
pai raramente visitava essas duas propriedades, passando às vezes um ano sem
vê-las, mas a criadagem estava sempre de prontidão. Se o desfile de automóveis
saísse de Kuntsevo dirigindo-se para Lipki, criava-se um verdadeiro
pandemônio; todos, desde o mestre-cuca até o guarda dos portões, das copeiras
aos comandantes, ficavam em pânico”.

Cinco casas de campo e uma suíte no Kremlin estava muito bem, mas era
preciso pensar nas férias. Seu arquiteto favorito, Merjanov, construiu “várias
datchas no sul” para Stalin — era difícil lembrar-se de quantas eram. Em 1937
havia pelo menos quatro, e mais a luxuosa vila perto de Gagri, um presente de
Béria, assim como o cardeal Wolsey havia doado Hampton Court a Henrique
VIII. Não podemos dizer se essa propriedade se assemelhava à magnífica
residência de Stalin nas montanhas de Abecásia, que, segundo alguns, era uma
imitação do “Ninho da Águia” de Hitler, em Berchtesgaden3. Ao contrário dos
estadistas estrangeiros e dos seus predecessores, os czares, Stalin raramente
recebia dignitários estrangeiros, e todas essas mansões e vilas eram destinadas
unicamente à distração do ditador e de seus amigos. Mais tarde, depois de 1946,
foi construída outra "datcha em Novi Afon, outra perto de Sukhumi e um
conjunto delas no lago Mitsa. Outra datcha foi construída nas colinas Valdai, na
província de Novgorod, ao norte”4.

Em 1935, um convidado notou, na datcha de Sotchi, que o grande parque era


Em 1935, um convidado notou, na datcha de Sotchi, que o grande parque era
protegido por homens da GPU.

“Casas para eles e para os empregados tinham sido construídas perto da estrada,
do lado de dentro dos portões. Em seguida, subindo a colina, ficam as garagens
para vinte e cinco ou trinta carros. Mais acima, próximo à casa de Stalin, havia
três vilas para os convidados do ditador, equipadas com quadras de tênis, de
squash, uma construção especial para mesas de bilhar, etc.”

Infinitamente mais luxuosa era a imensa casa de campo em Zelioni Miss, no mar
Negro. Stalin

“... mandou abrir uma vasta área para o parque, de frente para o mar, fechou-a
permanentemente ao público e construiu outra casa. Essa propriedade, com os
parques paisagísticos e reservas naturais, é mantida cuidadosamente em segredo,
para que o povo não tome conhecimento de sua existência. Não posso citar o
preço exato do desenho dos jardins, construção dos prédios, e outras
benfeitorias, mas, pela extensão de terra, duvido que o San Simeon de Hearst
tenha custado mais do que o palácio de Zelioni Miss”.

Todas essas mansões eram magnificamente decoradas e equipadas, contendo


“tudo, desde salas de bilhar até cinemas e estábulos com cavalos de raça” 5.

A despeito desse aparente excesso de espaço, o filho de Stalin, Vassili, exigiu


uma casa própria. Foi facilmente arranjada no “mais livre país da terra”. Vassili
denunciou o marechal Novikov, comandante-em-chefe da Força Aérea
Vermelha, ao NKVD, e mudou-se para a mansão de Novikov quando o marechal
foi deportado para uma das prisões russas. Porém, a decoração não agradou ao
“Czarévitch” e foi, mais tarde, complementada com propriedade confiscada da
Alemanha Oriental6.

Stalin possuía uma frota de carros estrangeiros, Rolls-Royces, Packards,


Cadillacs e Lincolns, com motoristas sempre de prontidão, dia e noite. Gastava
milhões de rublos na encenação de óperas, concertos, filmes que lhe agradavam,
comparecendo nas noites de estreia, no antigo camarote imperial. Assim,
nenhum capricho, por mais extravagante ou excêntrico que fosse, deixava de ser
satisfeito pelo orçamento do Estado 7.

A fortuna de Stalin não estava representada por dinheiro no banco. Seu salário
era, na verdade, bastante modesto. Porém, não havia limites para as facilidades
que ele podia obter sem dinheiro. “Tudo aquilo de que precisava — roupas,
que ele podia obter sem dinheiro. “Tudo aquilo de que precisava — roupas,
alimentos, suas datchas e empregados — era pago pelo governo. A polícia
secreta tinha uma divisão especial para esse fim, com um departamento de
contabilidade exclusivo.” “Só Deus sabe o quanto tudo isso custava e para onde
ia todo o dinheiro”, diz a filha de Stalin, Svetlana. “Meu pai certamente não
sabia.” Stalin não tinha idéia do valor do dinheiro, que ele raramente via, e
continuava a pensar em termos do valor da moeda de antes da revolução8.
Contudo, o dinheiro estava sempre à sua disposição quando era preciso. Certa
vez abriu uma gaveta no quarto da mulher: estava praticamente repleta de notas
de dez, vinte e trinta rublos9. Nunca foi possível calcular a renda real de Stalin,
mas o balanço anual apresentava uma “quantia astronômica”. “O Estado gastava
mais para manter Stalin do que gasta o povo americano para manter seu
presidente, e não devia ser muito menos do que se gastava na Rússia para manter
Nicolau II”, diz Roy Medvedev 10.

Na verdade, Stalin praticamente era o dono da União Soviética, no sentido mais


lato do termo propriedade. Nas férias no mar Negro, certa vez, ele expressou o
desejo de comer um prato de peixe à moda da Geórgia. O NKVD conseguiu o
que ele queria, explodindo granadas num lago onde eram criados esses peixes, e
destruindo o meio de sustento de uma cidadezinha próxima. Quando os
habitantes protestaram, foram todos deportados para o GULAG do Cazaquistão.
O cão de um cego acordou o déspota com seus latidos; ele e o dono foram
imediatamente fuzilados 11. É evidente que, para Stalin, a Rússia era um feudo
particular do qual podia dispor à vontade. Não existia nenhum direito de
propriedade na Rússia, exceto o de Stalin; ele podia fazer o que bem entendesse
com qualquer coisa. Quando Hitler ameaçou abalar esse confortável estado de
coisas com uma invasão, Stalin lamentou-se, angustiado: “Perdemos para
sempre tudo o que Lenin criou” 12. A herança corria o risco de ser roubada.

A crença marxista de que as desigualdades seriam eliminadas com um governo


comunista foi rejeitada na prática soviética logo depois da Revolução, e a teoria
não tardou a desaparecer também. “Igualitarismo nada tem em comum com o
socialismo marxista”, declarou Stalin em 193113, e a estrutura da sociedade
soviética era uma prova da verdade dessa declaração. Todos aqueles que haviam
sacrificado tanto, por tanto tempo, achavam-se no direito de ser recompensados
por seus serviços.

Em 1922, Trotsky havia instalado seus pais “em uma grande datcha amarela, no
belo parque Neskutchni, perto do rio Moskva. A casa pertencera a um russo rico,
antes da revolução...” Vorochilov, comissário da Guerra, tinha uma grande
datcha de três andares perto de Moscou, com uma imensa biblioteca. Como
datcha de três andares perto de Moscou, com uma imensa biblioteca. Como
todos os outros líderes soviéticos, recebia gratuitamente um exemplar de todos
os livros publicados na União Soviética, mas este não era necessariamente um
privilégio invejável. Essa casa do marechal, ou talvez outra, era uma cópia do
palácio do czar em Livadia. Kaganovitch, chefe da Comissão Central de
Controle, tinha também uma residência palaciana, mas era “a casa de um rico
arrivista, cheia de objetos caros e grupos de palmeiras nos cantos. O próprio
Kaganovitch era grosseiro e espalhafatoso. Parecia um gordo proprietário de
terras”. Os outros luminares da hierarquia do Partido tinham também um nível
de vida muito alto. Krilenko, o promotor público, que antecedeu Vichinski como
o Fouquier-Tinville da Revolução Russa, apossara-se da esplêndida mansão do
príncipe Gagarin, mas essa vida de luxo parecia modesta comparada à do
escritor soviético Maksim Górki. Ele possuía uma bela casa em Moscou e duas
grandes vilas no campo. “Nessas vilas cultivava suas flores favoritas,
importadas. Fumava cigarros especiais, encomendados no Egito. Bastava um
pedido seu para que lhe fosse enviado qualquer livro, de qualquer país.” 14

Quando Kamenev, presidente do Conselho Popular de Defesa e Controle,


passava em alta velocidade pelas imensas filas do pão em Moscou, no seu
magnífico Rolls-Royce, a pompa do seu estilo de vida só era eclipsada pela
arrogância patrícia de Zinoviev, presidente da Internacional Comunista. Um
observador estrangeiro lembra-se de “um incidente no verão de 1921, quando a
partida de um trem no qual eu viajava de Petrogrado para Moscou foi atrasada
por ordem de Zinoviev, porque o horário não lhe convinha, e dois vagões
repletos de passageiros foram desligados, substituídos pelo pesado vagão
especial de Zinoviev”. Em Moscou, o desembarque dos passageiros foi também
atrasado porque o sátrapa do Partido não estava com pressa de sair do trem. Mais
tarde, ele descansou na luxuosa suíte do palácio do Kremlin, descrita por um ex-
funcionário 15.

O amigo íntimo de Stalin, Abel Ienukidje, estava mais do que farto do esplendor
da sua existência. “Qual é o maior interesse dele?”, perguntou certa vez seu
secretário. “Oh, ele gosta de comparar seu modo de vida com o dos czares.” 16
Seria injusto pensar que os líderes comunistas levaram muito tempo para
adquirir gostos extravagantes. Antes da revolução, Anastas Mikoian organizava
greves e dirigia grupos de estudo para trabalhadores nas refinarias de petróleo de
Baku e Batum, que pertenciam a um industrial chamado Zubalov. Imediatamente
depois da revolução, Mikoian mudou-se para a mansão de Zubalov, então
abandonada. Svetlana Stalin lembra-se das agradáveis visitas à casa de Mikoian:
“A casa dos Mikoian está até hoje exatamente como era no tempo dos seus ex-
proprietários exilados. Na entrada há a estátua de um cão, o favorito do antigo
dono da casa. Dentro, estátuas de mármore importadas da Itália. Nas paredes há
gobelinos e as janelas do andar térreo são vitrais coloridos. O jardim, o parque,
as quadras de tênis, a estufa para cultivo de laranjas, os estábulos e viveiros de
plantas continuam exatamente como eram antes.” 17

Os comissários da segurança do Estado, cuja vigilância protegia toda essa


riqueza e luxo, levavam também vida faustosa. O apartamento de Iagoda era
“magnificamente. . . decorado no estilo oriental, com tapeçarias nas paredes,
divãs e espessos tapetes no chão”. Quanto ao seu sucessor, Béria, tinha uma
mansão “suntuosa, imensa A enorme casa branca era rodeada de abetos. Os
móveis, o papel de parede, as lâmpadas de mesa tinham sido desenhados pelo
arquiteto ...” 11

A riqueza e os privilégios dessa oligarquia eram quase tão ilimitados quanto os


de Stalin, com a condição precária e sombria de permanecerem nas boas graças
do Patrão. Isso, sem dúvida, era uma nota amarga em toda aquela alegria19, e
provavelmente explica, em parte, a vulgaridade grosseira dos prazeres desses
arrivistas, que lembrava o estilo de vida dos gângsteres bem-sucedidos,
impossibilitados de aproveitar publicamente os frutos de suas atividades. Em
consequência, todos aqueles que tinham tido a sorte de receber a “herança de
Lenin” não demonstravam nenhum constrangimento em desfrutar uma boa vida.

Nas décadas de 20 e 30, os detalhes dessa vida de luxo foram mantidos quase
completamente em segredo, mas, com a aliança do tempo de guerra, os visitantes
estrangeiros tiveram a oportunidade de testemunhar a vida da nova classe e seus
prazeres. O general americano Deane chegou a Moscou em outubro de 1943.
Seu país quase não fora afetado pelas privações da economia do tempo de
guerra, mas nada do que tinha visto na América se comparava com as maravilhas
da União Soviética.

“Nunca antes eu tinha visto um serviço de jantar tão refinado. Os centros de


mesa eram imensas vasilhas com frutas frescas do Cáucaso. Somente nesse tipo
de função social é que se viam frutas frescas em Moscou. Os copos, lindamente
lapidados, iam desde as finas taças de champanha, os copos para vinho tinto e
branco, até os inevitáveis copos para vodca, de tamanho intermediário entre
nossos cálices de licor e os de coquetel, sem os quais a mesa russa não está
completa. As garrafas estavam arrumadas em todo o comprimento da mesa, e a
bebida era servida constantemente. Entre as garrafas, havia bandejas de prata
bebida era servida constantemente. Entre as garrafas, havia bandejas de prata
com zokouska russa, que incluía caviar escuro de grão grande, caviar em pasta,
muito escuro, com a consistência de piche, imensos picles de pepino, salmão cru
e esturjão, fatias de presunto malcozido, salame, chocolates em papel de
alumínio colorido e inúmeros outros petiscos que os russos não dispensam, para
abrir o apetite. Facas, garfos e colheres de ouro e pratos de servir da mais fina
porcelana com pesadas incrustações a ouro. Era um espetáculo surpreendente
que fazia lembrar a cena do banquete no filme Henrique VIII, estrelado por
Charles Laughton.

O almoço foi uma longa sucessão de pratos, começando com uma pesada sopa
de beterraba, depois um delicioso peixe com molho hollandaise, um assado, uma
salada, e terminando com uma imensa monstruosidade arquitetônica feita de
sorvete, que criou uma série de problemas diversos e interessantes ao ser atacada
sucessivamente pelos convidados.”20

“Tudo perfeito”, como comentou o general inglês Jacob, ao testemunhar uma


cena semelhante, em 1942, “a não ser pelo fato de que a vasta maioria da
população estava morrendo de fome.”21 A festa pantagruélica descrita pelo
general Deane não era de modo nenhum excepcional, como provam vários
outros relatos. O próprio Stalin 22 e todos os seus subordinados imediatos,
membros da elite soviética, aparentemente consideravam essas orgias de
comidas e bebidas o pináculo de suas vidas privilegiadas 23. Sua satisfação não
era em nada prejudicada por considerações sobre a origem de todo esse
desperdício. O magnífico salmão que enfeitava esplendidamente as mesas dos
líderes do Partido, por exemplo, podia contar uma longa história. No campo
Balagannoie, no complexo dos campos GULAG de Kolyma, as mulheres
escravas, vestidas com sacos, trabalhavam de doze a catorze horas limpando o
salmão e extraindo o caviar vermelho. “As mãos das mulheres que trabalham nas
longas mesas são vermelhas e inchadas; a pele das costas das mãos fica gretada e
o sal queima os cortes.” Porém, elas se ofereciam como voluntárias para esse
trabalho exaustivo, pois, ao contrário dos outros prisioneiros que morriam à
míngua nas minas de ouro, podiam comer uma vez ou outra (às escondidas,
naturalmente) pedaços do coração ou do fígado do salmão 24.

Quando um comissário resolvia jantar fora, podia se saciar com uma refeição tão
esplêndida quanto a de um milionário de Chicago, e infinitamente mais farta do
que a de um duque britânico, durante a guerra. No Hotel Argvi, em Moscou, o
jantar “custava cinquenta e cinco dólares americanos por prato”, em 1943.
Podemos ter uma idéia comparativa dos padrões se considerarmos que uma
refeição no Hotel Moskva custava mil e quatrocentos rublos — para os que
refeição no Hotel Moskva custava mil e quatrocentos rublos — para os que
podiam pagar; uma cabeleireira ganhava, na época, duzentos rublos por mês25.

A vida era realmente fácil e suave para os ricos. No Cassino de Moscou, dirigido
pela GPU, OS chefes do Partido, perfumados e luxuosamente vestidos,
deixavam nas mesas de jogo o excedente de sua riqueza. Um visitante escocês
ficou maravilhado com o que viu na plateia do teatro, “a nova aristocracia
proletária, com uniformes imaculados e ternos azuis impecáveis, as mulheres
com peles caras e perfumes soviéticos”. No Hotel Metrópole, além da comida
excelente, podia-se dançar ao som de “um conjunto de jazz que tinha as
proporções de uma orquestra sinfônica”, ou sentar no bar com uma bebida e
ouvir o único coral cigano ainda existente na Rússia. Enquanto os pares se
moviam ao ritmo da música, ouviam-se vez por outra risadas divertidas quando
algum bêbado caía no lago ornamental cheio de peixes, no centro do salão 26.

Logo depois da revolução, a classe privilegiada dos bolchevistas não encontrou


nenhuma dificuldade em “socializar” (como diziam na União Soviética)27 a
propriedade do czar e dos nobres assassinados ou exilados. Os empregados
domésticos do antigo regime voltaram ao trabalho. Os chefes do Partido
geralmente tinham, em média, “uma copeira-arrumadeira, uma cozinheira e, se
os filhos eram pequenos, uma governanta”. Naturalmente, essa lista não incluía
os empregados encarregados da faxina dos apartamentos e casas ocupados
gratuitamente. Lá fora, “nos parques de Moscou, grupos enormes de crianças,
filhos dos funcionários dos círculos superiores do Kremlin, passeavam com
governantas que conversavam com elas em francês ou inglês” 28.

Podiam confiar nesses empregados para manter os padrões desse tipo de vida.
Em 1936, numa festa organizada pelo NKVD,

“homens vestidos a rigor ou com uniforme dançavam com mulheres de vestidos


longos ou fantasias de operetas, ao som do conjunto de jazz. Algumas mulheres
usavam máscaras e fantasias maravilhosamente decorativas. . . emprestadas do
guarda-roupa da Grande Ópera de Moscou. As mesas estavam repletas de
garrafas de champanha, vinho e outras. Exclamações de prazer, risadas ruidosas
e o riso mais discreto das mulheres abafavam os acordes da música. Um coronel
dos guardas da fronteira gritou, num êxtase de embriaguez: ‘Oh, rapazes, isto é
que é vida! Devemos agradecer a Stalin nossa infância feliz!’ ”29

Nem todos os divertimentos da nova classe eram tão refinados. Bernard Shaw
afirmou que a liderança estava comprometida com “votos de pobreza e
afirmou que a liderança estava comprometida com “votos de pobreza e
castidade” 30. Sua existência de pobreza já foi descrita, e a castidade precisaria
ter uma definição muito elástica para se aplicar à liderança soviética. Alguns
excessos, aqui e ali, de modo nenhum perturbavam Stalin, cujos sucessivos
comissários de segurança do Estado mantinham extensos arquivos sobre essas
atividades, como Heydrich fazia, na mesma época, na Alemanha. O próprio
Iagoda, chefe da polícia política da GPU, organizava orgias em sua casa de
Moscou, enquanto seu sucessor, Béria, era especialista em drogar meninas — em
geral estudantes — para violentá-las. Como disse Khrushchev, ele era “um
homem horrível, uma fera, para quem nada era sagrado”. Rudjutak, membro do
Politburo, tinha gostos semelhantes, e “em 1932 embriagou a filha do segundo-
secretário do Comitê de Moscou, de apenas treze anos, e violentou-a”.
Kuibichev, amigo de Stalin, raptou a mulher de um companheiro do Partido,
quando estava embriagada, e desapareceu com ela durante três dias. O marechal
Blundenim, cujas tolices custaram inúmeras vidas de russos em 1941, assassinou
a própria mulher com um tiro nas costas e foi perdoado por Stalin, uma semana
depois. O velho herói da guerra civil tinha várias amantes e violentou diversas
secretárias. Esse tipo de alta moralidade era comum no Partido, como os
escândalos de Smolensk, em 1929, de Irkutsk, Artemovsk, Sotchi e outros
esporadicamente revelavam. Todos os partidos políticos e todas as burocracias
têm sua roupa suja, mas o Partido Comunista Soviético aparentemente tinha um
número maior do que o normal. Nenhuma organização do nosso tempo teve
poder tão absoluto, e nenhuma foi tão completamente corrupta. O NKVD
especialmente atraía homens destituídos de qualquer moralidade ou honra31.

Antes do coup d’état dos bolchevistas, em outubro de 1917, Lenin acentuava


repetidamente que uma das maiores realizações do futuro Estado comunista seria
o “desaparecimento gradual” da burocracia, característica dos Estados
capitalistas. A administração poderia ser feita por qualquer pessoa e os cidadãos
se revezariam no governo, recebendo salário igual ao dos trabalhadores braçais.
Quando o Partido tomou o poder, praticamente todas as promessas e os
prognósticos de Lenin transformaram-se em letra morta32, mas nenhum com
tanta rapidez quanto o conceito de salário igual para governantes e governados.
Pouco antes da revolução, o Comitê Central decidiu que seus membros teriam
salários duas vezes maiores do que o dos mestres artesãos de Petrogrado e, a
partir daí, a nova classe jamais lançou um olhar para trás33. Oficialmente, os
salários continuaram a ser calculados a um nível que poderíamos considerar
relativamente modesto, se não fosse pela discrepância com os ideais marxistas e
as promessas de Lenin. Porém, no fim da década de 20, “surgiu uma fina camada
de pessoas privilegiadas — com ‘pacotes’ (pagamentos em dinheiro
secretamente feitos a funcionários, para complementar seus salários), vilas no
secretamente feitos a funcionários, para complementar seus salários), vilas no
campo e carros”. Vivendo com luxo crescente, entre uma população que
afundava cada vez mais na pobreza e na fome, “justificavam-se dizendo que,
uma vez que o povo estava trabalhando para construir uma nova ordem, seria
pura hipocrisia negar a si próprios o que lhes era devido como mantenedores do
poder” 34.

Assim, virtuosamente livres de toda hipocrisia, a investida da nova elite para


obter sua parte das coisas boas da vida transformou-se num verdadeiro estouro
da boiada. Não tinham apenas a cobiça de uma classe média de arrivistas, livre
de qualquer restrição moral ou legal, mas também a consciência de que, de um
momento para outro, podiam ser arrancados de seus luxuosos apartamentos e
vilas e lançados em uma cela sobatchnik superlotada da Lubianka, à mercê de
um interrogador da GPU. Era desesperada a procura pelas melhores casas dos
nobres, no campo e na cidade 35, e, um pouco mais baixo na escala, sinecuras
com salários razoáveis. Um administrador de indústria profissional, encarregado
dos trabalhos de impressão, em 1926, viu-se obrigado a manter oitenta e quatro
parasitas do Partido, que tinham encontrado em sua fábrica um nicho confortável
34.

Roy Medvedev sugere que “o teste do poder” era extremamente árduo, “numa
época em que o Partido tinha adquirido poder quase ilimitado”37. Muitos
deviam pensar se seria prudente aplicar esse teste quando os resultados eram tão
previsíveis. Características semelhantes apareciam na Alemanha depois da
revolução parda, na mesma época. O nacional-socialismo era tão idealista quanto
o marxismo soviético, mas também nele os camaradas do partido consideravam-
se com direito a alguma recompensa por seus serviços. Fábricas e firmas
comerciais estavam repletas de nazistas não-qualificados, que exigiam e
recebiam posições confortáveis. Muitos deles eram tão incompetentes quanto
seus equivalentes comunistas, mas era difícil não empregar um homem que
colocava um revólver diante do empregador. A perseguição e a expulsão dos
judeus deixaram muitas vagas que podiam ser convenientemente preenchidas
por membros leais ao partido. Como Lenin, Hitler queixava-se em altos brados
do estilo de vida superopulenta de muitos dos seus partidários e, como Lenin,
sentia-se na obrigação de observá-los enquanto eles enriqueciam e engordavam:
“De outro modo, como poderia satisfazer os desejos dos meus companheiros de
partido como recompensa aos seus anos de luta desumana?” Hitler e Stalin
percebiam que essa riqueza e o privilégio recém-adquiridos eram o elo de
ligação entre o partido e seu líder, criando laços de gratidão e de culpa 38. Nesse
paradigma, os judeus alemães correspondiam, de modo geral, às classes
paradigma, os judeus alemães correspondiam, de modo geral, às classes
proprietárias da Rússia; dogma e autopromoção misturavam-se inseparavelmente
na motivação dos que os suplantavam. Um judeu alemão despediu um operário
de sua fábrica por estar fazendo propaganda comunista. Veio a revolução, os
comunistas aliaram-se aos nazistas e triunfantemente invadiram a fábrica, à
frente de um bando das SA com camisas pardas 39.

A riqueza dos novos-ricos não consistia apenas em belas casas, móveis, carros,
empregados, entradas para o teatro, lojas especiais, casas de descanso no mar
Negro40; nem tampouco na saciedade do poder sem restrições — o poder de se
apropriar de um orfanato para uso pessoal, ou “desapropriar” um cão de um
indivíduo que não pertencia ao Partido, nem mesmo no gozo de imunidade de
acusação de crime civil41. Havia também o prazer intangível mas delicioso de
pertencer a uma elite elegante, com sua hierarquia e patentes cuidadosamente
medidas. Tinham uniformes, títulos e o retrato de Stalin no escritório ou em
casa, cujo tamanho indicava o status do indivíduo42. Além disso, essa nova
burguesia transformava-se gradualmente em uma classe hereditária43. A filha de
Stalin, Svetlana, cursou um colégio para crianças privilegiadas, onde as
precauções para manter uma posição especial eram tão rigorosas que tornavam
sua vida miserável. Seu irmão Vassili estudava na Escola Número 19, na rua da
embaixada britânica em Moscou. Somente os filhos dos privilegiados podiam
estudar nessa Eton soviética. Um deles recordou mais tarde:

“Eu sentia prazer extremo na sociedade daqueles meninos. Eram arrogantes e


prepotentes e demonstravam uma firme convicção de poder pessoal, como se
tivessem nascido com ele... Eram cruéis e egocêntricos. Mas todos eram boa
companhia, pois eu era um deles... Todos os alunos se consideravam
extremamente superiores aos mestres, porque seus pais ocupavam altos postos...
Nós nos divertíamos. Dançávamos, namorávamos as meninas, íamos ao teatro,
dávamos festas e nos divertíamos a valer. As dificuldades, a miséria do povo,
não nos interessavam. Éramos os herdeiros do universo, e absorvíamos o que de
melhor a vida tinha para nos oferecer no campo de prazeres sempre novos44.

O luxo e os privilégios desfrutados pelos escolhidos do Partido eram de tal


ordem que, sem dúvida, pareciam pertencer a uma raça diferente dos noventa e
cinco por cento da população da Rússia, que viviam condições de extrema
privação e sofrimento. A liderança comunista era na verdade como um poder de
ocupação em terra conquistada. Quando o governo central mudou-se para
Kuibichev, depois do ataque alemão a Moscou, metade da população da cidade
foi simplesmente expulsa para acomodar os poucos governantes e seu exército
de parentes, empregados e protetores policiais. Um polonês, viajando pela
de parentes, empregados e protetores policiais. Um polonês, viajando pela
Rússia naquele ano, encontrou um grupo de funcionários do Partido num trem:

“Todos vestiam roupas bem-cortadas, de boa qualidade, e peles caras. Tinham


bagagem elegante, cobertores de lã coloridos, joias caras, relógios de ouro,
cigarreiras de prata, câmaras fotográficas modernas, garrafas térmicas e toca-
discos com excelentes coleções de discos. Durante a viagem, tomavam vinho,
chocolate e comiam alimentos enlatados da melhor qualidade”.

Estavam acompanhados por um grande número de empregados. O pensamento


do polonês voltou-se imediatamente para os russos menos afortunados, os que
não pertenciam ao Partido.

“O espetáculo de um homem encostado a um muro, morrendo de inanição, é


comum na Rússia. Em Kotlas, chamei a atenção de um membro da milícia para
um caso desses. ‘Sim, e daí? Deixe-o morrer!’, foi a resposta que recebi.”

Ocasionalmente, os donos do solo russo deixavam transparecer vislumbres de


simpatia para com aqueles condenados a uma posição social menos afortunada.
O secretário do Partido, Ivan Rumiantsev, quando viajava com todo o conforto
pelo campo de Smolensk, divertia-se e aos seus entediados companheiros
espalhando copeques, que eram avidamente apanhados por crianças e
camponeses. Durante a guerra, Viktor Kravtchenko fez uma longa viagem de
trem com o camarada Borodin, membro do Soviete Supremo. O grande homem,
na primeira classe, convidava Kravtchenko para as refeições rebuscadas,
servidas por dois ordenanças, e os dois homens jogavam cartas, discutiam a
guerra, o cenário e “as virtudes relativas de vários vinhos do Cáucaso e outros
problemas dessa ordem. Apenas o espetáculo de crianças abandonadas, seminuas
e famintas nas estações perturbava o prazer da viagem. Em uma estação,
Borodin jogou alguns ossos de galinha bem descarnados pela janela.
Imediatamente, crianças famintas atiraram-se àqueles tesouros, lutando
furiosamente pelos menores pedaços”. No mesmo trem viajava uma delegação
de sindicalistas britânicos, e Kravtchenko não pôde deixar de imaginar o que
pensariam dessa interessante cena 45.

Quando Trotsky viajava para o exílio em Alma-Ata, em 1928, dizem que seu
enorme trem de bagagens chamava a atenção dos camponeses que o viam passar,
e eles diziam em altas vozes que um grande senhor devia estar viajando naquele
trem. A história pode ser invenção stalinista, mas não há dúvida de que o
contraste sem precedentes entre riqueza e pobreza na União Soviética começou a
contraste sem precedentes entre riqueza e pobreza na União Soviética começou a
se imprimir na mente dos milhões de oprimidos. Não se tratava apenas do fato
de os novos-ricos proclamarem sua posição e inacessibilidade sem nenhum dos
paliativos normais do privilégio: refinamento cultural, modos agradáveis, a
aceitação costumeira da autoridade hereditária. Havia, sobretudo, a hipocrisia
imperdoável de um sistema que parecia existir apenas para manter esse grupo
dourado, pregando ao mesmo tempo em altos brados, diariamente, doutrinas
extremas de igualdade social.

A discrepância era revelada abertamente em todos os aspectos da vida. Um


general britânico ficou atônito ao descobrir, em Moscou, que soldados rasos não
podiam ocupar as poltronas nos teatros46. No mesmo ano (1944), um almirante
soviético, viajando pela Grã-Bretanha, ficou escandalizado ao saber que
soldados rasos podiam viajar no mesmo compartimento que um oficial47. Até as
compras seguiam um processo estritamente hierárquico, como verificou a
mulher do líder do Komintern, Otto Kuusinen, na década de 20:

“A dona-de-casa comum não podia comprar tudo o que queria. Todo alimento
era racionado, e só pequenas quantidades estavam à venda. Por exemplo, não era
possível comprar mais do que cem gramas de manteiga — às vezes conseguiam-
se duzentos gramas se se ficasse na fila o tempo suficiente. Mas os altos
funcionários, que possuíam um número ilimitado de cartões de racionamento,
podiam encomendar qualquer quantidade de alimentos. As filas se formavam de
manhã bem cedo e havia sempre um policial para manter a ordem. Quando um
freguês saía da loja ou do armazém com seus pequenos embrulhos, outro
entrava. Porém, nossa cozinheira não precisava entrar na fila. Assim que ela
mostrava ao policial o cartão de racionamento, ele gritava: ‘Abram caminho,
abram caminho!’ Quando ela saía do armazém carregada de embrulhos, as
mulheres na fila reclamavam em altas vozes, não só pelo fato de ter-lhes passado
à frente, mas também por ter comprado tanta coisa. Aleksandra” (a cozinheira
dos Kuusinen) “não compreendia muito bem o poder mágico dos nossos cartões
de racionamento; pensava que pagávamos toda aquela comida, pois no fim do
mês o carnê tinha sempre o carimbo ‘pago’ impresso na última folha, mas na
verdade jamais pagamos um copeque. Muitos funcionários de graduação mais
baixa do Komintern tinham também carnes de racionamento que lhes conferiam
o direito de comprar em quantidade ilimitada nos armazéns do Estado, mas
pagavam em dinheiro; apenas nós, os ‘aristocratas’, tínhamos tudo pago pela
‘sociedade sem classes’ ”48.

A diferença era mais acentuada em assuntos de vida e morte. Quando os líderes


do Estado ficavam doentes, o avanço espantoso da medicina soviética era
do Estado ficavam doentes, o avanço espantoso da medicina soviética era
completamente esquecido. Somente a eficiência e a limpeza dos alemães
serviam para homens que haviam sacrificado tanto pelos milhões de sofredores
do mundo todo. “Tchitcherin (comissário para assuntos estrangeiros) procurou o
médico de Rantzau, em Wiesbaden; Trotsky internou-se em uma clínica em
Berlim para tratar dos seus problemas digestivos, na primavera de 1926; . . .e
Lenin, nos seus últimos meses de vida, foi tratado por muitos clínicos e
cirurgiões alemães.” 49 Além de outras dificuldades, os médicos soviéticos
provavelmente sentiam-se constrangidos porque sabiam que, se falhassem,
seriam atirados na prisão sem julgamento50.

Para os nativos, havia a medicina socializada, motivo de admiração dos vários


visitantes ocidentais. Basta descrever o melhor tipo de tratamento que existia na
Rússia soviética para imaginar qual poderia ser o pior. Um jornalista americano
que morava em Moscou precisou de cuidados médicos para sua mulher. Como
comunista estrangeiro, gozava de um privilégio concedido a essas duas
condições, qual seja, o de interná-la no Hospital Botkinski, o primeiro depois do
Hospital Kremlin, reservado para a “camada mais importante da hierarquia de
Moscou”. Os médicos haviam diagnosticado apendicite, e depois de horas
desesperadoras preenchendo formulários, telefonando e procurando
recomendação de altos funcionários, o jornalista conseguiu um leito para ela.
Transportada aos trancos pelas ruas cobertas de gelo, em uma velha ambulância,
a paciente foi primeiro levada a um escritório gelado, onde ficou deitada no chão
antes de preencher um imenso questionário e ser preparada para exame. Em
seguida foi levada em um trenó aberto, a uma temperatura abaixo de zero, para o
hospital, onde a mergulharam em um imundo banho com outras pacientes.
Afinal, o marido, depois de reclamações infindáveis, conseguiu um leito na
barulhenta enfermaria geral. Aí, pelo menos, foi-lhe concedida “alimentação
especial”: pão preto e úmido, atirado sobre a cama por um atendente imundo.
Felizmente, o diagnóstico dos três médicos estava errado, e a Sra. Lyons
começou a se recuperar — tanto do tratamento quanto da doença. “A não ser em
circunstâncias especiais, a roupa de cama era trocada uma vez por semana. Os
lençóis não eram lavados, apenas desinfetados, de modo que tinham as sobras da
sujeira e do vômito de outros pacientes.” 51 Nada parecido com o sanatório na
Alemanha onde Tchitcherin se tratou.

Talvez encontremos paralelos na história da fantástica disparidade das condições


de vida dos ricos e dos pobres na Rússia soviética, mas, ao fazer a comparação, é
preciso lembrar que a pobreza e o sofrimento abjeto do povo russo eram quase
exclusivamente o resultado de uma política errada ou maliciosamente praticada
exclusivamente o resultado de uma política errada ou maliciosamente praticada
pelos ricos. O fato de estes viverem com o constante temor do seu chefe, o que
naturalmente devia amargar seus prazeres, não os isenta de culpa, assim como o
pretexto de obedecer a ordens não desculpa os criminosos nazistas. Como
conclui o professor Leszek Kolakowski, no seu grande estudo do marxismo,
“todo o Partido transformou-se em uma organização de torturadores e de
opressores; ninguém era inocente, e todos os comunistas foram cúmplices na
coerção da sociedade. Assim, o partido adquiriu uma nova espécie de unidade
moral, e entrou por um caminho do qual não pôde voltar atrás” 52.

IV. A salvaguarda da nova sociedade


Se existe um traço coerente na política de Stalin, é a implantação do medo, um
temor tão absoluto e onipresente que, pode-se afirmar, governava suas horas de
sono e de vigília. Outros governantes, mais ou menos tirânicos, tiveram motivos
para temer o assassinato, mas continuavam com sua vida pública. Stalin
aparentemente parecia crer que todos os homens do país estavam contra ele. À
medida que crescia o número de suas atrocidades, mais certo ficava de que
dificilmente encontraria na Rússia homem, mulher ou criança que não tivesse
motivo para odiá-lo amargamente, como responsável por todo o seu sofrimento.

Tudo na vida de Stalin sugere que ele acreditava nisso. Sua aparência ríspida e
impassível escondia — talvez tivesse esse objetivo — um temperamento
altamente nervoso. A evidência sugere que não era um homem corajoso. Como
revolucionário, fora o superapostolo da violência contra a autoridade, mas não se
sabe de nenhuma ocasião em que estivesse presente quando essa violência
ocorria ou podia ocorrer 1. Seu braço esquerdo mais curto evitou que fosse
convocado em 19162, mas não tomou parte na breve luta que colocou os
bolchevistas no poder em 1917. Na Segunda Guerra Mundial, jamais visitou a
linha de frente, embora tivesse sido distribuído um heroico retrato dele, de pé
sobre uma casamata, aparentemente à vista do inimigo. Porém, duas vezes
afirmou a Churchill (que servira na frente ocidental na Primeira Guerra) que
tinha frequentemente visitado as frentes de batalha 3. Em junho de 1942, Stalin
recebeu a visita do novo embaixador britânico, Sir Archibald Clark Kerre. Kerre
escreveu no seu relatório para o Ministério do Exterior:
escreveu no seu relatório para o Ministério do Exterior:

“Assim que me aproximei dele, no fim dos intermináveis corredores do Kremlin,


as sirenes de alarme aéreo começaram a soar... Ele perguntou se eu gostaria de ir
para o abrigo. E cometi então meu primeiro erro, dizendo que não. A expressão
de desagrado de Stalin e de Molotov fizeram que eu mudasse o não desajeitado
para um sim mais desajeitado ainda. Não foi um bom começo. Stalin disse que o
abrigo seria mais tranquilo e saiu na frente; com passos rápidos, dirigiu-se para o
elevador; entrei, com Molotov, e Stalin bateu a porta com força, mas ficou do
lado de fora. Era uma longa viagem, um caminho em ângulo agudo. Um
elevador, e depois uma comprida caminhada e outro elevador. Imensas portas de
aço abriram-se e entramos em um aposento longo, abobadado, feericamente
iluminado. Antes que eu pudesse adaptar meus olhos à luz intensa, lá estava
Stalin, misteriosamente, entre nós. Imaginei que tivesse descido por uma rampa
especial para uma só pessoa, que permitia alta velocidade na descida” 4.

A possibilidade de que uma bomba alemã atingisse seu escritório era quase
inexistente, embora assustadora. Porém, o que realmente o assombrava era a
perspectiva do assassinato. Para não dar nenhuma oportunidade à morte, que ele
sentia estar constantemente de emboscada, transformou-se em um prisioneiro
dentro do próprio sistema. Otto Kuusinen, que esteve o mais próximo possível
de Stalin, observa que, “quanto mais cruel e mais frio ele se tornava, mais
crescia seu insano pavor pela perda da própria vida”. Durante anos, fez a própria
barba, aterrorizado com a idéia de ver um barbeiro aproximar-se dele com uma
navalha na mão5.

As precauções tomadas por Stalin contra envenenamento eram extraordinárias,


sugerindo paranoia aguda, se não fosse perfeitamente lógico supor que seus
inimigos formavam uma legião. Antes que qualquer alimento chegasse à sua
cozinha, era analisado quimicamente por uma equipe de médicos em um
laboratório especial. “Relatórios oficiais declarando ‘nenhum elemento venenoso
encontrado’, com carimbos oficiais e assinados por um responsável especialista
em venenos, acompanhavam cada pão, cada pacote de carne ou de fruta.” Todo
alimento vinha de chácaras especiais dirigidas pela polícia política. “Plantio,
colheita, transporte, preparo e distribuição — tudo era feito por agentes especiais
da OGPU, sob supervisão direta de Iagoda.” Stalin tinha o hábito russo de tomar
chá o dia inteiro, o que era um risco isolado. Uma mulher tinha como única
tarefa preparar o chá e servi-lo.

“O processo seguia estritamente as regras: os pacotes de chá, selados, eram


trancados em um armário especial, do qual só Olga tinha a chave. Ela o abria
trancados em um armário especial, do qual só Olga tinha a chave. Ela o abria
apenas na presença de um supervisor, cuja tarefa consistia em examinar o pacote
para verificar se o selo e o lacre estavam intactos. O pacote era então aberto e a
quantidade exata, retirada. O resto era jogado fora pelo supervisor — em
nenhuma hipótese deviam tirar duas doses de chá do mesmo pacote.”

Certo dia, o supervisor notou que um selo tinha sido previamente aberto. Não
descobriram nenhum veneno, mas Olga foi imediatamente mandada para a
prisão Lubianka. Seria de supor que, depois de todas essas precauções, Stalin
pudesse sentar-se tranquilamente para jantar. Mas não: convidava os
companheiros a experimentar cada prato antes dele. “Olhe, aí estão os miúdos,
Nikita. Já os provou?” Os olhos orientais e estreitos observavam o alimento
descendo pela garganta do outro. O sistema parecia realmente de segurança a
toda prova, pois os garçons eram guarda-costas6.

Mas, como respirar livremente, quando o próprio ar podia estar envenenado?


Afinal Iagoda tentara assassinar seu sucessor no cargo de comissário de
segurança do Estado com gases venenosos. O dr. Diakov, do laboratório do
NKVD, aparecia vez por outra no Kremlin para colher amostras do ar nos seus
tubos de ensaio7. O ditador podia então respirar novamente.

No Kremlin, Stalin vivia como se estivesse permanentemente sitiado. Cerca de


quinze mil homens do NKVD estavam estacionados noite e dia na área de
Moscou vizinha à fortaleza. A seleção preliminar para recrutamento desses
homens era extremamente minuciosa, e continuava durante o serviço dos
guardas. Afinal, era possível que um inimigo se infiltrasse na guarda. A seção de
Diretoria do Pessoal da Guarda empregava funcionários encarregados de
verificar permanentemente o passado e o comportamento dos outros, enquanto
terceiros faziam o mesmo em relação a esses funcionários. Mas, e se um deles
fosse traidor? A inventividade marxista achou uma solução chamada "chakmati”,
“tabuleiro de xadrez”.

“Funcionava do seguinte modo: a intervalos regulares, às vezes de dez minutos,


às vezes mais longos, os guardas do NKVD mudavam de posição, como peões
num tabuleiro de xadrez. A mudança era feita sem aviso prévio, de acordo com
um plano complexo, cujas ordens eram enviadas através de um ponto central de
controle. Assim, nenhum guarda sabia exatamente onde ia estar em dado
momento. Desse modo, era impossível uma combinação entre quatro ou cinco
guardas para permitir a entrada de um visitante não-autorizado.”

Os visitantes podiam ser revistados quinze vezes a caminho do seu destino, por
Os visitantes podiam ser revistados quinze vezes a caminho do seu destino, por
homens uniformizados do NKVD, colocados nos corredores. Quando Stalin ia
dos seus aposentos para o palácio do Kremlin, os guardas retiravam todos os
funcionários do caminho, independentemente de posição ou patente. A procissão
seguia lentamente; quando ia ao cinema do Kremlin, era acompanhado por
destacamentos de guardas e até mesmo carros blindados. Nas reuniões do
Soviete Supremo ou em congressos do Partido, entre cada grupo de doze
deputados sentava-se um oficial do NKVD, armado 8.

Porém, nem mesmo Stalin podia viver permanentemente fechado no Kremlin. Ia


regularmente às suas datchas nas vizinhanças de Moscou, e com menor
frequência aos palácios e residências do mar Negro. Era um momento de risco
que exigia novas precauções. Avenidas largas — a Vosdvijenka e a Arbat —
foram construídas especialmente, e iam até a Rodovia Majaisk, para que Stalin
pudesse viajar livremente. Nos dias de semana, mais ou menos às dez horas da
manhã, uma multidão de guardas do NKVD reunia-se no lado de fora da datcha
de Kuntsevo. Stalin aparecia furtivamente e entrava no enorme Packard
blindado, com vidros verde-escuros de seis centímetros de espessura e à prova
de bala, até mesmo de metralhadora. Cerca de quatrocentos homens do NKVD,
equipados com todos os tipos de armas leves, distribuíam-se por uma frota de
Lincolns; o cortejo, com as sirenes tocando, dirigia-se velozmente para a estrada
principal e, atravessando ruas desertas, chegava ao Kremlin. Luzes amarelas
piscando nos cruzamentos e nas esquinas avisavam os moscovitas para ficarem
afastados, enquanto milhares de homens do NKVD vasculhavam casas e
guardavam os pontos vulneráveis do trajeto. Os cidadãos comuns, conscientes do
perigo, evitavam a área por onde passava o Chefe. Em 1949, um pedestre foi
atropelado e morto por um dos carros da escolta. Seu corpo foi mandado
imediatamente para o necrotério e sua identificação não foi averiguada. O trajeto
era escolhido pelo próprio Stalin, que só informava os guarda-costas no último
momento. Mais tarde ele tomou providências para evitar essas viagens ao ar
livre, efetuando-as com segurança sob a superfície da terra. Uma linha especial
do metrô foi estendida até Kuntsevo, e foram construídos túneis que ligavam o
Kremlin aos importantes edifícios do governo 9.

A própria datcha parecia vulnerável, comparada ao Kremlin. Khrushchev notou


que

“todas as vezes que chegávamos a uma das datchas mais próximas,


comentávamos em voz baixa o fato de haver mais ferrolhos do que da última
vez. O portão era reforçado com todos os tipos de fechaduras, e fora erguida uma
vez. O portão era reforçado com todos os tipos de fechaduras, e fora erguida uma
barricada. Além disso, havia dois muros ao redor da datcha, e entre eles, cães de
guarda. Um sistema elétrico de alarme foi instalado, bem como todo tipo de
aparelhos de segurança” 10.

Um amigo do compositor Chostakóvitch conhecia um dos guarda-costas, o qual,


num momento de confidência, confessou os riscos do seu trabalho: “O trabalho
era bem pago, e, na opinião do guarda-costas, altamente respeitável e de muita
responsabilidade. Em companhia dos seus inúmeros companheiros, ele
patrulhava a datcha de Stalin, fora de Moscou. No inverno, de esquis, no verão,
de bicicleta. Davam voltas ao redor da datcha constantemente, dia e noite, sem
parar. O guarda queixou-se de que isso o deixava tonto. O líder e professor
raramente saía dos limites da datcha, e quando o fazia, agia como um paranoico.
Segundo o guarda, olhava em volta o tempo todo, observando, procurando. O
guarda-costas ficava atônito. ‘Ele está procurando inimigos. Um olhar e ele vê
tudo’, explicou satisfeito, na frente de um copo de vodca” 11.

Precauções igualmente complexas eram adotadas quando Stalin viajava para o


sul, para o mar Negro. Como explicou um alto funcionário do NKVD:

“Todos os anos, antes de suas férias em Sotchi, no Cáucaso, Stalin dava ordens
para que preparassem seu trem em Moscou e o barco a vapor, na cidade de
Górki, ao mesmo tempo. Às vezes ia de trem de Moscou diretamente para
Sotchi, outras, viajava de barco pelo Volga até Stalingrado, e daí ia em trem
especial até Sotchi. Ninguém sabia com antecedência a data da partida. O trem e
o barco ficavam de prontidão durante vários dias. Somente algumas horas antes
de sair ele revelava o itinerário. Na frente e atrás do trem de aço, iam dois outros
com destacamentos de guardas. O trem de Stalin era adaptado para duas semanas
de cerco. Em caso de alarme, as janelas eram fechadas automaticamente com
chapas blindadas” 12.

Porque “vivia constantemente com um medo quase insano de ser morto”, Stalin
jamais ousava visitar fábricas, galerias de arte ou outros locais públicos onde
pudesse encontrar pessoas vingativas. Tinha pavor de multidões e ficou furioso
quando, certa ocasião, um grupo de georgianos leais avançou entusiasticamente
para o seu trem na estação de Kutaise 13. Jamais andou livremente entre seu
povo, como faziam os ditadores e os chefes democratas do resto da Europa. Mas,
em certas ocasiões, não tinha outra alternativa senão se arriscar nas ruas
desprotegidas. Estas incluíam as poucas paradas na Praça Vermelha, funerais de
membros do governo e visitas regulares ao teatro. Se as precauções para proteger
seus movimentos cotidianos parecem extraordinárias, as que eram postas em
seus movimentos cotidianos parecem extraordinárias, as que eram postas em
prática nessas ocasiões mais “públicas” eram completamente fantásticas.

Em Teerã e Potsdam, observadores ocidentais acharam divertidas as precauções


exageradas. Para uma caminhada de cinco minutos, Stalin exigia uma proteção
de centenas de “valentões” armados com fuzis-metralhadoras, embora o parque
onde passeava estivesse guardado por milhares de homens 14. Esse aparato
surpreendia os observadores, mas nem podiam imaginar que estavam vendo
apenas a ponta do iceberg. No 1° de Maio e no 7 de Novembro, as duas festas
bolchevistas, Stalin era obrigado a aparecer diante do Exército Vermelho, o qual
tanto temia e do qual tanto dependia. Em 1937, Fitzroy Maclean viu-o surgir
discretamente de uma porta lateral do Kremlin, acompanhado pelos trêmulos
membros do Politburo, e subir ao mausoléu de Lenin. Enquanto as vastas hordas
de soldados disciplinados marchavam, Maclean escutou, divertido, os alto-
falantes, amplificando os aplausos para compensar a falta de espectadores.
Maclean e sua embaixada sabiam perfeitamente que estavam sendo tomadas
precauções maciças para proteger Stalin da multidão inexistente. Dois anos mais
tarde, foi relatado que,

“como nas ocasiões anteriores, eles” (os soldados) “passaram marchando pelo
mausoléu de Lenin entre filas de homens uniformizados do NKVD, que
separavam as colunas em marcha e as isolavam dos importantes espectadores.
Oficiais do NKVD também patrulhavam as casas próximas da Praça Vermelha e
fechavam hermeticamente sótãos e águas-furtadas que levavam aos telhados”.

Todas as janelas que davam para a Praça Vermelha eram ocupadas por agentes
do NKVD, mas a maior ameaça era o próprio Exército Vermelho. Um ex-oficial
da guarda do palácio lembra-se das precauções tomadas por ele e seus
companheiros:

“Em todas essas paradas ou demonstrações na Praça Vermelha, fosse qual fosse
sua natureza, de cada três pessoas presentes nos palanques uma era um membro
da segurança do Estado, fortemente armado. Para evitar o contato muito próximo
entre os leais soldados do exército soviético, ou os ‘demonstradores espontâneos
da massa de trabalhadores agradecidos’, e os líderes soviéticos, no palanque
oficial, todas as filas da direita de cada coluna eram compostas de funcionários
ou agentes da segurança do Estado, ou pelo menos de leais membros do Partido
designados pelos comitês locais e com autorização especial para esse serviço. Às
vezes, dez colunas de dezoito homens marchavam na Praça Vermelha. A
extremidade direita de cada uma pertencia ao KGB.
Uma das principais responsabilidades dos guardas, nas paradas militares,
consistia em verificar se nenhum soldado levava munição real. A penalidade
pela omissão, nesses casos, era de vinte e cinco anos de trabalhos forçados para
o soldado, seus oficiais e todos os homens da segurança do Estado envolvidos na
emissão de autorização. Como medida complementar de proteção contra
demonstrações excessivas de entusiasmo popular, a segurança de Estado
colocava um batalhão de seus homens no subsolo do mausoléu de Lenin, com
armas automáticas, além de membros da milícia e do KGB nas imediações,
geralmente em subsolos da Avenida Vetochni. Metralhadoras eram colocadas
nos muros do Kremlin, e guardas armados vigiavam dos sótãos do Kremlin e
telhados dos prédios mais próximos: a Catedral de São Basílio, o magazine
GUM e o Museu de História.”

Seria lógico supor que, com esse colossal sistema de vigilância e


contravigilância, Stalin se sentisse confiante mesmo a céu aberto. Mas não era
assim: “Usava, sob a túnica, um pesado colete à prova de bala, feito
especialmente para ele na Alemanha” 15.

Nos funerais dos poucos líderes soviéticos que morriam de causas naturais ou
que tinham conservado as boas graças, medidas semelhantes de segurança eram
postas em prática 16. No teatro, que apreciava muito, Stalin invariavelmente
sentava-se no escuro, no fundo do antigo camarote imperial. Seus companheiros
sentavam-se na frente, enquanto os homens do NKVD, com e sem uniforme,
ocupavam os camarotes vizinhos. No dia 14 de outubro de 1944, houve um
espetáculo de gala no Teatro Bolshoi em honra a Winston Churchill, que visitava
a Rússia. No primeiro intervalo, Stalin convidou Churchill a se adiantar, a fim de
receber os aplausos da audiência. Houve uma verdadeira tempestade de palmas e
saudações, que aumentava em volume cada vez que o primeiro-ministro fazia o
sinal da vitória. Stalin tinha recuado assim que as luzes se acenderam, mas
depois de quinze minutos, vendo que Churchill continuava de pé, ileso, à vista
dos espectadores, o generalíssimo voltou para receber sua parte nos aplausos. Os
cortesões e policiais ficaram roucos de tanto gritar de entusiasmo. O recuo e
reaparecimento de Stalin agradou ao bondoso general Ismay, um homem
corajoso como um leão, que ficou “atônito ao ver um homem de aço como.
Stalin praticar um ato de evidente cortesia”17.

Tudo indica que Stalin era fisicamente covarde. “Não sabia nadar e tinha medo
da água”, nota Roy Medvedev. Também tinha medo de voar e viajou de avião
apenas uma vez, para a conferência de Teerã, em 1943. Não havia linha férrea
entre Baku e Teerã, portanto não teve escolha, mas sua preocupação era evidente
entre Baku e Teerã, portanto não teve escolha, mas sua preocupação era evidente
para todos 18. (Molotov, seu companheiro de pavor durante o bombardeio aéreo
do Kremlin, também tinha medo de voar 19.) Stalin temia até seus guardas da
MVD, tendo certa vez resmungado para um almirante soviético “com ódio
amargo, ‘eles ficam ali parados, vigiando. . . mas são capazes de nos fuzilar
pelas costas a qualquer momento’ ” 20.

Naturalmente, é justo indagar se Stalin não sofria de alguma desordem mental.


Era paranoico, ou tinha uma personalidade neurótica? Roy Medvedev argumenta
que, a despeito das tendências patológicas que se tornaram evidentes nos últimos
anos, “Stalin era, sem dúvida alguma, um homem responsável (vmeniaemii), e
quase sempre perfeitamente consciente do que fazia”21. Muita coisa que
aconteceu na Rússia durante seu governo pode parecer “paranoia
institucionalizada”, mas, ao mesmo tempo, a dicotomia entre realidade e fantasia
foi, de um modo geral, cuidadosamente preservada, servindo ao objetivo válido
de manter a ordem totalitária. E esta, por sua vez, Stalin herdara da filosofia de
Marx e da prática de Lenin; com limitações óbvias, pode-se dizer que a liberdade
política de ação de Stalin nesse setor era limitada22. Por exemplo, Stalin
frequentemente se irritava com o culto da personalidade que ele próprio tinha
instigado, mas mantinha-o por considerá-lo politicamente essencial. Longe de
ser o gênio que seus admiradores na Rússia e no exterior afirmavam ser,
demonstrava muitas vezes um bom senso básico e perspicácia nos negócios de
Estado superiores aos dos brilhantes Lenin e Trotsky 23. Foi esse Stalin que
impressionou Churchill e outros visitantes estrangeiros com seu sólido bom
senso.

Portanto, as precauções exageradas para proteger a vida do ditador eram


aparentemente motivadas, não por sua obsessão paranoica, mas por um temor
realista de que sua vida estivesse constantemente ameaçada por seus inimigos24.
Tudo parece provar isso. Naturalmente, Stalin tinha motivos para temer que o
assassinassem. Lenin tinha escapado por pouco da morte em 1918, e Kirov fora
assassinado em 1934. Qualquer governante devia tomar precauções sensatas,
especialmente os ditadores, e Stalin mais do que todos. Mas não era apenas o
assassinato que ele temia, e sim outra forma de ataque mais aberto. Não seria
necessária uma divisão inteira de homens da MVD para repelir um adversário
isolado, nem um atacante desse tipo poderia sitiar seu trem fortemente armado
durante quinze dias. Por mais monolítico que o poder bolchevista pudesse
parecer aos estrangeiros e ao povo russo intimidado, é evidente que Stalin tinha
uma idéia mais realista da vulnerabilidade do seu governo. Esse aspecto foi
muito bem comentado recentemente por Milovan Djilas:
muito bem comentado recentemente por Milovan Djilas:

“No que se refere à cabala que cercava Stalin, sua procura desesperada por vinho
e canção (mulheres eram estritamente eliminadas desses prazeres) era uma
expressão da natureza conspiratória da liderança soviética. Sempre que eu era
convidado para a mesa de Stalin e que me sentia envolvido pelo tétrico jogo de
brindes dos bajuladores, nas maratonas de ingestão de álcool e na politicagem,
com o déspota quase anão, de rosto marcado pela varíola, sentado ali como juiz
das vidas dos seus súditos naquele imenso império, não podia evitar a sensação
de que aqueles homens não tinham nenhuma confiança na legitimidade do seu
governo e precisavam procurar uma certeza, fosse onde fosse: na bebida, nos
resultados 99,9 por cento favoráveis das eleições, na vasta força armada, em
tratados internacionais que reconheciam sua legitimidade... até mesmo na
adulação de visitantes estrangeiros simpatizantes, como eu. . . O que a visita a
Stalin me ensinou foi que aqueles homens consideravam-se designados para
governar acima e contra a vontade do povo. Agiam como um grupo de
conspiradores, planejando suprimir, esmagar, encurralar ou enganar os
habitantes de uma terra conquistada, que não era a sua. O poder para Stalin era
uma conspiração, sendo ele o chefe e ao mesmo tempo o homem contra quem se
conspirava. Esse era um aspecto da guerra civil que os comunistas sempre
pregaram, e continuarão a pregar contra a sociedade” 25.

A possibilidade de que o povo russo, na primeira oportunidade, fizesse uma


revolução contra o poder soviético vivia aparentemente na mente de Stalin desde
os primeiros momentos da tomada do poder pelos bolchevistas. Em 1919 ou
1920, seu secretário viu documentos referentes a uma grande quantidade de
diamantes ocultos, para o uso de Lenin e seus auxiliares mais próximos, no caso
de serem alijados do poder 26. Os relatórios do NKVD sobre o
descontentamento popular eram extremamente realistas, como revelam os
arquivos de Smolensk, e expurgos cada vez mais severos só serviam para
intensificar esse descontentamento. Como observou um funcionário da MVD,
“cada homem é um inimigo. . . Se uma idéia brilhante for atirada nesse barril de
pólvora, todo o resto irá pelos ares!”27

Quando a invasão alemã estremeceu as bases da sociedade soviética, Stalin


temeu o pior, como deixou transparecer mais tarde, em momentos de rara
franqueza. Em 1942, “afirmava repetidamente estar atônito com o espírito de
luta e a determinação do seu próprio povo. Ele não o conhecia; jamais imaginara
que os russos pudessem demonstrar tanta união e coragem!”. E no seu discurso
no Kremlin para os comandantes do Exército Vermelho, em 24 de maio de 1945,
deixou claro o que tinha passado por sua mente durante aqueles dias de pânico,
deixou claro o que tinha passado por sua mente durante aqueles dias de pânico,
no fim de junho e começo de julho de 1941. Referindo-se às terríveis derrotas
militares de 1941-42, ele disse:

“Um povo diferente podia ter dito ao governo: não correspondeu às nossas
expectativas; vá embora, criaremos um novo governo que fará a paz com a
Alemanha, permitindo à Rússia uma vida tranquila. Mas o povo russo não fez
isso, porque acreditou na política do seu governo e fez sacrifícios para garantir a
derrota da Alemanha. E essa confiança do povo russo no governo soviético
demonstrou ser a força decisiva que permitiu a vitória histórica sobre os
inimigos da humanidade — sobre o fascismo”.

A surpresa de ver o povo se identificar com o regime é evidente em suas


palavras. É significativa também a distinção que faz entre o povo russo e o
governo soviético; Stalin sempre se referia ao “povo soviético”. É interessante
também notar que o filho de Stalin, Iákov, quando interrogado por seus captores
alemães, em 1941, rejeitou a idéia da conquista da Rússia pelos alemães, mas
demonstrou consternação ante a perspectiva de uma revolução nacional russa.
“Isso seria perigoso”, admitiu 28.

O fato de o povo russo ser considerado por Stalin um inimigo em potencial,


muito mais perigoso do que os britânicos e os alemães, é comprovado, acima de
tudo, pelos extraordinários recursos que o Estado soviético empregava contra
ele. Em janeiro de 1946, George Kennan, na embaixada americana em Moscou,
em seu relatório sobre o NKVD, diz que “seu orçamento apenas para despesas
administrativas é dois terços maior do que o total gasto para esse fim por todo o
resto do aparelho governamental soviético”29.

A Tcheka, como era chamada a princípio a polícia política, foi criada seis
semanas depois da tomada do poder pelos bolchevistas. Em 7 de dezembro de
1917, surgiu a Comissão Extraordinária de Toda a Rússia para a Luta contra a
Contrarrevolução e Sabotagem. Em vista da constante popularidade da União
Soviética em certos setores dos movimentos sindicalistas e socialistas britânico,
francês e italiano, é interessante notar que o objetivo da comissão era
“concentrar sua atenção na imprensa, na sabotagem, etc., dos revolucionários
socialistas da direita, sabotadores e grevistas”. Lenin incentivara a criação do
comitê especialmente para o controle de uma greve extensa dos funcionários
públicos, faxineiros de escritórios, motoristas e outras pessoas empregadas em
repartições do governo. Sob a liderança de um fanático obcecado, Félix
Dzerjinski, a Tcheka logo adquiriu uma reputação de selvageria que suplantou
qualquer coisa semelhante na Europa, desde a Revolução Francesa.
qualquer coisa semelhante na Europa, desde a Revolução Francesa.
Espancamentos, chicotadas e queimaduras proliferavam. O massacre de reféns e
outras pessoas completamente inocentes como “representantes de classe” era
outra de suas especialidades30.

Até o fim da sua carreira, Lenin advogou o uso máximo do terror contra todos os
que eram, ou podiam ser, contrários às suas idéias. Em 1922, quando estava
sendo formulado um novo código criminal, ele insistiu em que “o parágrafo
sobre terror fosse o mais extenso possível, uma vez que apenas a consciência
revolucionária de justiça podia determinar as condições de sua aplicação”.

O ditador, já doente, demonstrou até o fim intenso interesse por todas as


atividades da polícia secreta, e visitava frequentemente seu quartel-general na
Lubianka. Foi Lenin quem conferiu poderes de terror à Tcheka, estendendo
continuamente sua autoridade e abrangência, e incitando-a a usar medidas cada
vez mais severas. Foi essa arma “a Espada da Revolução” que Stalin herdou e
que lhe permitiu dominar o Partido e, depois, solidificar seu domínio sobre a
Rússia31. Stalin era uma criatura da revolução, não seu destruidor, e seria
impossível compreender sua natureza ou a natureza de sua política se
considerássemos que seu poder originou-se ex nihilo.

Stalin continuou a política de Lenin até sua conclusão lógica. Nenhum aspecto
da vida soviética escapava ao controle policial, inclusive o próprio Partido. Uma
vez que o poder soviético precisava ser total para sobreviver, era inevitável que a
oligarquia do Partido, arbitrariamente constituída, fosse dispensada.

“Lenin tomou providências para que não se formassem grupos de oposição


dentro do Partido. Foram adotados regulamentos que proibiam a formação de
facções internas e que reforçavam o poder do Comitê Central para expulsar do
seu meio os membros que tinham sido eleitos no congresso do Partido. Desse
modo, por uma progressão natural, a ditadura, a princípio praticada sobre a
sociedade em nome do Partido, era agora aplicada no próprio Partido, criando as
bases para uma nova tirania.”32

A grande realização de Stalin consistiu em colocar uma população de quase


duzentos milhões inteiramente nas mãos da polícia, enquanto ele exercia poder
absoluto sobre essa mesma polícia. Como dois sucessivos chefes de polícia e
milhares de funcionários inferiores haviam sido expurgados, o comissário da
segurança do Estado supostamente teria motivos extras para empregar o poder
extraordinário sob seu controle e derrubar a figura ameaçadora do Chefe. O fato
extraordinário sob seu controle e derrubar a figura ameaçadora do Chefe. O fato
de jamais ter havido perigo de que essa ameaça se tornasse realidade prova a
extrema habilidade de Stalin na manipulação desse instrumento de opressão.

Stalin mantinha nas mãos ligações com o NKVD em cada oblast e raion, de
modo que um simples tenente podia afirmar corretamente que “havia apenas
dois homens entre mim e Stalin”; esses dois homens eram o chefe do NKVD de
Kharkov e o comissário da segurança do Estado, Iejov (isso em 1938) 33. Para a
mente desconfiada de Stalin, o elo perigoso devia ser o comissário da segurança
do Estado. Uma precaução elementar foi a criação de uma guarda palaciana
independente do comissariado. Era comandada por um companheiro dos dias da
guerra civil, o “general” Nikolai Vlassik. Vlassik era um idiota rude, valentão e
semianalfabeto, que combinava uma devoção canina por Stalin com o controle
absoluto de toda a sua segurança pessoal 34.

Os sucessivos comissários da segurança do Estado eram cuidadosamente


escolhidos por suas características pessoais, combinando excepcional falta de
escrúpulos com deficiências de caráter que facilitavam sua remoção sempre que
necessário. Iejov era tão servil que suas palavras podiam ser consideradas
“praticamente um disco gravado pelo próprio chefe”. É quase certo que, em
qualquer outro país, ele seria considerado completamente doido. “No meio de
uma conversa telefônica importante e confidencial, subitamente explodia em
gargalhadas e começava a contar histórias de sua vida, usando a linguagem mais
obscena.” De acordo com o próprio Stalin, Iejov era um bêbado. Em 1938 foi
substituído por Lavrenty Béria 35, por meio do método cauteloso de convidá-lo
e aos seus companheiros de trabalho para uma conferência. Deixaram as armas
do lado de fora da sala e logo ouviram as palavras “estão presos”. O anão louco
foi mandado para a prisão 36, e substituído pelo “gorducho, esverdeado e pálido.
. . com mãos macias e úmidas”: Béria, cujas maneiras untuosas e cruéis
conquistaram a afeição do chefe. Demonstrou ser o homem certo para o cargo
quando fez com que seu padrasto de oitenta anos fosse condenado a dez anos de
trabalhos forçados no “campo da morte” de Karaganda. Seus modos
desagradáveis à mesa, sua vulgaridade e vida privada depravada provavam que
seu vigor revolucionário não havia esmorecido37.

A identificação de Stalin com a polícia política estendia-se até sua família. Seu
cunhado, Stanislav Redens, um antigo tchekista do tempo de Lenin, era um
interrogador brutal e foi chefe do NKVD em Moscou até desaparecer, em 1938
38. Não podia haver ligação direta entre o Chefe e os membros de uma força
policial cujo efetivo era composto de centenas de milhares de homens. Todas as
fábricas e outras instituições tinham uma unidade de supervisão 39, e o único
fábricas e outras instituições tinham uma unidade de supervisão 39, e o único
meio eficaz de recrutar homens que de modo nenhum podiam se identificar com
as classes trabalhadoras, que deviam controlar, consistia em mantê-los sob a
constante ameaça de serem também banidos, e em recrutar tipos incapazes de
reações humanas normais.

Quando Lenin e Dzerjinski criaram a Tcheka, recrutaram muitos poloneses,


letões, judeus e outros não-russos entre a população soviética. Eles viviam
segregados das pessoas normais tanto quanto possível, e recebiam pagamento e
espólio como gratificação do seu trabalho perigoso40. A maior parte desses
“estrangeiros” foi expurgada em 1938 e nos anos seguintes, e o recrutamento
teve de ser feito em bases mais regulares. Os oficiais eram escolhidos entre os
filhos das classes privilegiadas, sempre que possível: as escolas que
frequentavam os preparavam para essa carreira. Outros eram escolhidos por sua
lealdade comprovada ao Partido ou outras indicações promissoras 41.

As atribuições do NKVD — como vigiar os campos de escravos no extremo


norte, evitar que cidadãos soviéticos saíssem do país, torturar e executar
suspeitos, e assim por diante — não eram de molde a atrair homens inteligentes
e íntegros. “Seu nível de educação era baixo”, e muitos romperam
definitivamente com as famílias para acentuar a lealdade não-dividida. Grande
número deles tinha inteligência abaixo do normal. Khrushchev (que devia saber)
descreve um oficial superior — um “juiz” investigador — como “um indivíduo
vil, com cérebro de passarinho e completamente degenerado moralmente”.
Como explicou o general Vlassik, comandante da guarda de Stalin, “não
precisamos da intelligentsia podre”.

A massa das outras patentes da guarda tinha de ser recrutada por métodos mais
primitivos. Depois do expurgo de 1938, no qual muitos veteranos tchekistas
foram eliminados, os quadros foram preenchidos por “jovens comunistas de
fábricas e escolas, com poucos meses de treinamento para as novas tarefas”.
Mesmo antes disso, a extrema juventude já era uma característica desses
homens, e muitos dos primeiros executores de Lenin eram adolescentes; mais
tarde, jovens estudantes de métodos de tortura assistiam aos interrogatórios para
adquirir experiência prática. Durante a guerra, a maioria dos assassinos de massa
do NKVD era de verdadeiras crianças, e dizia-se que “os filhos dos tchekistas
tinham-lhes conseguido esse emprego para impedir que fossem para a frente de
batalha” 42. Gangsteres típicos proliferavam no NKVD43, e sem dúvida havia
algo de muito tenebroso num sistema capaz de condenar um surdo-mudo pelo
crime de propaganda hostil e mandar um menino de dez anos para a prisão de
crime de propaganda hostil e mandar um menino de dez anos para a prisão de
Lefortovo, como espião americano — especialmente considerando que “o
NKVD nunca erra!” Contudo, muitas vezes a tensão tornava-se excessiva. São
conhecidos casos de homens do NKVD que receberam altas patentes a despeito
de provas claras de insanidade 44.

Mais frequentemente, o próprio comissário dava o passo lógico de enlouquecer


dentro do sistema insano. Na Lubianka, por exemplo, foram ouvidos gritos
estridentes e estranhos (o que não era nada incomum) vindos de uma cela. Dois
oficiais do NKVD olharam para dentro e ficaram alarmados ao ver o
interrogador, “num estado de fúria frenética, gritando incoerentemente e
acusando o prisioneiro, chamado Friedland, professor no Instituto Leningrado de
Marxismo, de tentar engolir o tinteiro que estava na mesa de Kedrov”. O pobre
Kedrov tinha sem dúvida ficado louco, mas continuou no seu trabalho, que na
verdade realizava conscienciosamente. Um companheiro entregou-se à bebida, e
“assistiu-se ao seguinte espetáculo. . . O oficial estava sentado à sua mesa,
chorando e se lamentando: ‘Hoje vou interrogar você, amanhã eles vão me
interrogar. Nossa vida não vale um copeque!’ O prisioneiro de pé ao lado do
interrogador dava pancadinhas no seu ombro, procurando consolá-lo”. Grande
número desses funcionários, expostos a tremenda tensão, procuravam alívio nas
drogas e no álcool, e na Crimeia existia um sanatório especial da polícia “para
tratamento dos viciados em drogas e impotentes” 45.

Aparentemente, não existem estatísticas exatas da força numérica do NKVD no


tempo de Stalin. Devia ser formidável. A guarda pessoal de Stalin e dos seus
companheiros era de milhares de homens. Em cada cidade, em cada
universidade, em cada fábrica e em cada unidade militar havia uma seção do
NKVD. AO longo dos mais de vinte e quatro mil quilômetros de fronteiras
centenas de milhares de guardas com gorros azuis aprisionavam pessoas que
procuravam sair da Rússia ou entrar no país. Nos navios russos que cruzavam os
oceanos, havia contingentes de agentes para evitar que a tripulação fugisse; todas
as embaixadas, legações, consulados, delegações comerciais ou militares tinham
seus acompanhantes, em parte cães de guarda, em parte espiões; todo partido
comunista nacional tinha supervisores do Komintern. Grupos de assassinos
cruzavam as fronteiras e os mares perseguindo suas vítimas: aqui um general
russo-branco, ali um oficial desertor do NKVD, e mais adiante, o próprio
Trotsky. Uma seção especial tratava da infiltração de grupos imigrantes russos e
outra, do “assunto líquido” — assassinato. Em Paris e Berlim, a possibilidade de
guerra era evidente nos departamentos especiais das embaixadas soviéticas:
“paredes à prova de som, portas pesadas de aço, operadas eletricamente, orifícios
ocultos para vigilância e aberturas através das quais era possível disparar armas
ocultos para vigilância e aberturas através das quais era possível disparar armas
de um cômodo para outro; uma fornalha elétrica e uma banheira onde os corpos
eram feitos em pedaços, além de instrumentos para arrombamento, cápsulas de
veneno e assim por diante”46.

Os homens do NKVD estavam muito ocupados. A tarefa que absorvia o tempo


de maior número de indivíduos era provavelmente a administração dos campos
do GULAG. O chefe do GULAG era o general Nedoseken, “um indivíduo
grande e gordo, que usava uniformes de fazendas muito finas”. Em uma das
paredes do seu escritório havia um grande mapa da Rússia, coberto, de costa a
costa, por pequenas estrelas que representavam os campos maiores e médios,
desde Magadan, a leste, até Solovetskie, a oeste47. Não se tem registro do
número de homens empregados como guardas (vokhra) ou outras atribuições, no
GULAG, mas é possível fazer uma estimativa. O total devia ser enorme. Cerca
de duas mil pessoas trabalhavam no escritório central, em Moscou48. Uma
estimativa cuidadosa do número de prisioneiros, em 1941, indica dez ou doze
milhões de prisioneiros, num dado momento. Ora, o coronel Vladimir Andreiev,
que comandou todo o complexo de Karaganda, de 1937 a 1941, em 1951, depois
de ter passado para o Ocidente, declarou que tinha sob suas ordens três mil e
quatrocentos guardas armados50. Os prisioneiros de Karaganda deviam ser
aproximadamente quinze mil51. Assim, havia um guarda para cada grupo de
quarenta e quatro prisioneiros. Nessa base, dez milhões de prisioneiros exigiriam
quase um quarto de milhão de guardas. Essa estimativa, porém, é bastante
conservadora. Provavelmente, havia mais de dez milhões de prisioneiros nessa
época. Além disso, não se tem certeza de que Andreiev comandasse todos os
campos de Karaganda, e havia muitos outros funcionários além dos guardas.
Uma testemunha digna de crédito afirma que, no começo da guerra, em 1941,
havia dois guardas para cada grupo de vinte prisioneiros, e estima o número dos
guardas em um milhão 52. Portanto, pode-se supor que o NKVD tinha uma força
de mais de meio milhão de homens.

Se medirmos o grau de liberdade e de opressão pela extensão dos poderes


coercitivos empregados para manter o governo, então a Rússia soviética devia
ser a potência mais repressiva do mundo. Além disso, esses poderes não eram
exercidos moderadamente. As execuções em massa e o trabalho escravo
dizimaram milhões, e, para aqueles que o Estado considerava uma ameaça por
suas idéias rebeldes, os castigos eram muito mais severos. Um oficial cossaco
entregue ao NKVD pelos britânicos, em 1945, disse para seu captor:

“Não posso lhe dizer nada! Não compreendo por que todos esses preâmbulos.
“Não posso lhe dizer nada! Não compreendo por que todos esses preâmbulos.
Acabe logo com isso. Uma bala na nuca e. . .’ ‘Oh, não, sr. Krasnov’, disse
Merkulov rindo zombeteiramente e recostando-se na poltrona. ‘As coisas não
acontecem com tanta simplicidade. O que está pensando? Uma bala na nuca, e
pronto? Tolice, meritíssimo. . . Ah! Se fosse apenas a morte!’ ”53

Merkulov era o comissário do povo da segurança do Estado e sabia do que


estava falando. A tortura fora há muito tempo abolida na Rússia imperial, mas o
regime soviético tinha imensos recursos para recuperar o tempo perdido. Havia
espancamentos, por exemplo, “com cassetetes de borracha, nas costas e nas
pernas e, o que é muito mais doloroso, na cabeça”. A vítima podia receber
“inúmeros golpes violentos na carótida, desfechados com as costas da mão”, ou
os interrogadores “usavam um processo de espancamento com garrafas vazias”.
As costas da vítima transformavam-se “em uma enorme ferida sangrenta”, ou o
mesmo tratamento era infligido nas solas dos pés54. Esses espancamentos não
eram infligidos só a homens: “Mulheres e moças eram atiradas nas celas e
espancadas até se transformarem em uma massa informe. Os cabelos eram
arrancados, os dedos quebrados, os artelhos amassados, a pele lacerada.
Recebiam pancadas nas solas dos pés e na barriga; os rins se desfaziam. Alanka,
a jovem ucraniana da nossa cela, voltou inconsciente depois de ter sido
maltratada de modo especialmente bárbaro quando estava menstruada.

... Se não tivesse visto com meus olhos, não acreditaria que fosse possível
espancar uma moça daquele modo... Uma delas, depois de ser violentada, foi
levada para a cela e colocada ao lado da mãe. A própria mãe me contou. Uma
menina foi espancada até a morte. Em Brigidki, outra moça morreu devido aos
espancamentos”.

Não era difícil aos interrogadores do NKVD refinar o horror de um simples


espancamento. Quebravam braços e pernas, que não recebiam depois nenhum
cuidado médico. Um homem, na prisão de Butirki, foi espancado com “coronhas
de rifles e canos de borracha. Suas mãos foram pregadas a uma mesa, e enfiaram
agulhas de gramofone sob suas unhas. Depois, deram-lhe um pontapé nos órgãos
genitais, que o fez perder a consciência”. Esse homem teve de ser castrado no
hospital da prisão. Porém, como continuasse a recusar-se a confessar as
acusações imaginárias de “trotskismo”, foram buscar sua mulher, que estava
grávida.

Quatro homens entraram na sala; dois deles seguraram Gorodietski com tanta
força que ele não podia fazer um movimento e os outros dois jogaram a mulher
no chão. Enquanto Gorodietski gritava em vão, eles a espancavam dando-lhe
no chão. Enquanto Gorodietski gritava em vão, eles a espancavam dando-lhe
pontapés, incansavelmente. Afinal ela deu um grito terrível e os homens
recuaram, pois alguma coisa estava acontecendo. A criança nasceu morta no
chão frio da sala de interrogatórios, enquanto a fúria impotente de Gorodietski, o
ódio e a dor quase o sufocavam. A mulher foi levada para o hospital sem
sentidos.

Ameaças desse tipo, de espancamento das mulheres e dos filhos, muitas vezes
contribuíram para as espantosas “confissões” nos julgamentos encenados para a
delícia dos simpatizantes ocidentais. Um homem, cuja “confissão” foi
considerada insatisfatória, soube mais tarde que seu filho fora seguro pelos pés e
sua cabeça despedaçada contra uma parede56.

Espancamentos de prisioneiros e de suas famílias eram uma forma normal de


interrogatório. Mas havia também as práticas mais refinadas. Arrancavam os
dentes a pontapés. Sujeitavam a vítima à stoika: ficar de pé durante dez ou vinte
horas até as pernas ficarem tão inchadas que elas caíam ao chão. Eram obrigadas
a se sentarem em canos quentes até ficarem com as nádegas completamente
queimadas. Havia também a “prancha”: “sabem o que significa? Prendiam um
homem a um pedaço de madeira e depois golpeavam-na com um machado. A
vítima morria. As pancadas soltavam seus rins e suas entranhas”. Ou então,
despiam o homem, amarravam-no a uma mesa e transformavam seus órgãos
genitais em uma massa, batendo neles com toalhas grossas molhadas (“pense na
pior agonia que pode imaginar, multiplique por um milhão e chegará perto do
que eu sofri”). Quando esses castigos não eram suficientes colocavam-se os
prisioneiros em um barril cheio de urina durante vinte e quatro horas, ou
espetavam uma agulha repetidamente na nuca da vítima até atingir a medula,
provocando-lhe convulsões. Faziam também coisas horríveis com a broca de
dentista e enfiavam anzóis que retiravam lentamente, nas mãos e nas costas57.

Isaac Brevda era um homem “pequeno, fraco e perseguido”, professor da


Academia Médica Militar, perito em cirurgia plástica. Sua especialidade era dar
alívio à humanidade sofredora. Foi submetido ao castigo da stoika durante dois
dias, até as veias dos seus pés se romperem. Tiraram-lhe os óculos e o obrigaram
a olhar fixamente para uma lâmpada de dois mil watts, durante horas. Então,
seus musculosos captores, todos de ótimo humor, “jogaram bola” com ele,
atirando-o de um lado ao outro da sala. Ele sobreviveu para saber que sua
mulher tinha sido mandada para um campo e a filha, brutalmente violentada por
outro interrogador58. Em 1948, foi criado um laboratório na Lubianka, chamado
“a câmara”. Nele os cientistas realizavam experiências pavorosas com os
prisioneiros, usando drogas e venenos cujos efeitos ainda não conheciam. A
prisioneiros, usando drogas e venenos cujos efeitos ainda não conheciam. A
idéia deve ter-se originado nos ensinamentos recebidos das SS na Alemanha
liberada. A “câmara” foi abolida em 1953 59, mas, atualmente, a tortura nos
hospitais psiquiátricos é ainda uma das punições favoritas do regime
soviético60.

Em poucas palavras, todos os métodos para aumentar e prolongar a agonia das


vítimas foram usados pelo NKVD 61. A crueldade soviética suplantou a do
nacional-socialismo no número de pessoas às quais essas selvagerias foram
impostas e no tempo em que foram postas em prática 62, se é que comparações
como essa são válidas. A tortura, na Rússia, foi (e é) empregada em larga escala
como meio punitivo importante para acovardar a população. A rejeição de
qualquer conceito de moralidade por Lenin, independentemente de ideologia,
teve como resultado uma doutrina que aceita a idéia de que “torturas
representam a fúria nobre do povo contra os exploradores” 63. A prática se
generalizou logo após a ascensão de Lenin ao poder, e novos refinamentos eram
introduzidos a cada ano 64. Stalin, por sua vez, ocupava-se pessoalmente com os
tipos de torturas empregados, dando instruções detalhadas aos interrogadores.
Béria e Malenkov fizeram mais, pois assistiam nas celas às torturas de certas
vítimas especiais6S.

Visitantes do Ocidente passavam rapidamente pela Rússia. Em livros, artigos e


conversas relatavam com entusiasmo o progresso soviético na educação, saúde,
condições de trabalho e emancipação social. Conservavam intacta uma fé que
lhes era desesperadamente necessária, escondendo deliberadamente falhas que
podiam ser vistas por qualquer pessoa. Os russos, afirmavam eles, não
conheciam até então o significado da liberdade e estavam mais do que satisfeitos
com os benefícios tangíveis do socialismo. “Entre garfadas de frango à la
Kievski”, como disse um observador revoltado, em Moscou, “eles diziam: ‘Não
importa que isso signifique o sacrifício de uma geração, ou de duas, desde que
contribua para a construção do socialismo!’” O povo russo, indefeso, odiava
esses visitantes ricos e paternalistas, mas era obrigado a suportar em silêncio e
ouvir a frase tão usada: “Mas, meu caro, eles são russos e nunca tiveram coisa
melhor”. Se esses visitantes percebiam a verdade (e sem dúvida eles a viam) 66,
não estavam dispostos a contar a ninguém. Implícita nessa visão liberal “estava a
satisfação paternalista de que a grande experiência estava sendo realizada no
grande Laboratório Social, a uma distância segura dos seus países, com
numerosos russos primitivos e não com os conscientes cidadãos do Ocidente”
67.
Mas os russos não são primitivos. Massacrados, perseguidos, escravizados como
no tempo das conquistas dos tártaros, seu ressentimento crescia lentamente. O
próprio NKVD sentia a opinião pública o suficiente para não usar uniformes na
rua 68 e para perceber que a derrota do seu time de futebol era motivo de júbilo
momentâneo 69; mais do que isso não era possível. Como diz o provérbio russo:
“Alimente o lobo como quiser, ele sempre vai procurar a floresta”.
Segunda Parte
V. Manobras em Munique

No dia 13 de setembro de 1938, o Evening Standard de Londres publicou uma


charge de Low que colocava graficamente a grande questão que pairava sobre a
crise europeia. Os quatro estadistas líderes da Europa ocidental, Hitler,
Chamberlain, Daladier e Mussolini, estão sentados, tendo à sua frente um mapa
da sacrificada Checoslováquia. Os dois ditadores, com os braços cruzados,
parecem agressivos e obstinados, ao passo que o inglês e o francês voltam-se
com expressão preocupada para um gigantesco recém-chegado que está de pé à
porta, em atitude confiante. “Como, não há uma cadeira para mim?”, exclama
Iossip Stalin, com um sorriso entre benigno e sarcástico 1.

A idéia implícita no desenho de Low, de que o pacto das quatro potências e a


solução da crise da Checoslováquia exigiam a participação da outra potência
europeia, era compartilhada por grande parte do povo do Ocidente, exceto pelas
ditaduras nazista e fascista. A União Soviética, afinal de contas, estava
comprometida com a França pelo Tratado de Assistência Mútua (2 de maio de
1935), segundo o qual os dois países se comprometiam a um auxílio mútuo em
caso de ameaça de agressão de terceiros. Pactos similares uniam os franceses aos
tchecos (16 de outubro de 1925) e a URSS aos tchecos (16 de maio de 1935) 2,
e, em vista desses e de outros tratados entre a União Soviética e as nações do
Ocidente que temiam a expansão territorial da Alemanha, era realmente
extraordinário que a maior potência militar do continente fosse excluída das
negociações.

Declarações repetidas dos soviéticos na Liga das Nações e em outros locais


acentuavam o fato de que a União Soviética acompanharia a França e a Grã-
Bretanha no cumprimento das obrigações para com a Checoslováquia, impostas
pelo tratado, e essa franqueza provocou uma reação entusiástica em vários povos
do Ocidente. Em 21 de setembro de 1937, Maksim Litvinov, comissário
soviético dos Negócios Estrangeiros, declarou claramente que

"pretendemos cumprir nossas obrigações de acordo com o pacto e, ao lado da


França, dar assistência à Checoslováquia com os meios de que dispomos. Nosso
Departamento de Guerra está pronto para participar imediatamente de uma
conferência com representantes dos Departamentos de Guerra da França e da
Checoslováquia, a fim de discutir as medidas apropriadas para o momento ...”

Como escreveu Winston Churchill, mais tarde, horrorizado com o plano de ceder
às reivindicações da Alemanha: “É na verdade espantoso que essa declaração
pública e não-secreta de uma das maiores potências interessadas não tenha sido
incluída nas negociações do sr. Chamberlain, nem na solução da crise proposta
pela França”3.

Esse sentimento era geral, mesmo entre aqueles que, como Churchill,
desaprovavam tudo o que a Rússia soviética representava. O motivo era claro e
simples, pois, como disse outro observador, “cada hora que vivemos demonstra
claramente que é a Alemanha, e não a Rússia, a ameaça real à existência física
de todos os países e de cada cidadão, individualmente” 4.

Para estes últimos, a Rússia soviética e o Exército Vermelho eram as cartas que
deviam ser jogadas. Conscientes da falta de preparo militar da Grã-Bretanha e da
França, bem como do pacifismo que predominava entre esses povos, eles viam a
compensação nos grandes exércitos dos soviéticos, governados por uma
liderança implacável e determinada. Com cerca de dois milhões de homens
armados, sem dúvida estavam em condições de auxiliar os tchecos ameaçados
com uma eficiência que teria feito o próprio megalomaníaco Führer pensar duas
vezes.

É verdade que a boa fé dos soviéticos nunca foi digna de confiança, mas seus
representantes haviam demonstrado rara coerência na recomendação de deter a
ameaça nazista, desde a subida de Hitler ao poder, em 1933 5. Quando a
Wehrmacht tomou a Áustria, em março de 1938, foi Litvinov quem recomendou
a urgência de “uma atitude firme e decisiva de todos os governos, especialmente
das grandes potências”, e o embaixador Maiski, em Londres, advertiu os povos,
com grande visão, de que o Anschluss era “uma ameaça à Checoslováquia”6. A
oposição soviética não se limitou a palavras: foram assinados tratados de não-
agressão com as nações vizinhas, do Báltico aos Cárpatos; em 1934, a URSS
entrou para a Liga das Nações, liderando a proposta de uma força de segurança
coletiva para deter a Alemanha; várias declarações foram transmitidas a Londres,
Paris e Praga, garantindo a disposição dos soviéticos de tomar parte em qualquer
medida, inclusive intervenção militar, para impedir a divisão ou a conquista da
Checoslováquia pelos alemães 7.
Naquela ocasião, naturalmente, o tenebroso problema foi resolvido em Munique
pelos quatro líderes ocidentais, em 29 de setembro de 1938. A União Soviética,
aliada oficial da vítima e do seu principal aliado, não tomou parte nas
deliberações. Na verdade, foi ignorada, como se não existisse. Era quase
unânime a opinião dos interessados de que a União Soviética, a despeito da boa
vontade declarada e do seu poderio aparente, não devia ser aceita nem como
aliada, nem como consultora.

Naturalmente, Hitler opunha todo tipo de objeções à interferência russa na


confusão da Checoslováquia, pois acreditava que, através do pacto tcheco-
soviético, a Rússia, geograficamente isolada no leste, poderia penetrar no
coração da Europa 8. As objeções do Führer eram compartilhadas pelo primeiro-
ministro Neville Chamberlain, pelos mesmos motivos:

“Devo confessar minha profunda desconfiança da Rússia. Não acredito na


possibilidade de ela manter uma ofensiva eficaz, mesmo que esteja disposta a
isso. E não confio nos seus motivos, que me parecem ter pouca conexão com
nossas idéias de liberdade, e que se resumem em querer segurar todos pelas
orelhas. Além disso, as nações menores a odeiam e suspeitam dela,
especialmente a Polônia, a Romênia e a Finlândia”.

Seus conselheiros bem-informados compartilhavam dessa opinião 10, e os


franceses, que tinham dentro dos seus portões um enorme partido comunista
totalmente servil a Moscou, opunham-se com maior determinação. “A principal
vantagem dessa reunião é o fato de a Rússia estar fora dela. Nunca será demais o
que fizermos para removê-la da Europa e mandá-la de volta à Ásia e às suas
lutas internas”, escreveu Léon Bailly, uma semana depois da conferência 11.

Mais surpreendentes foram as objeções de extensos círculos na própria


Checoslováquia. “Combateremos os alemães”, declarou o tcheco Jan Lyrov,
“sozinhos ou com os [britânicos]... e os franceses, mas não queremos os russos
aqui. Jamais nos livraríamos deles.” O partido agrário opunha-se decididamente
ao encorajamento da intervenção soviética, e o presidente Benes declinou o
oferecimento soviético de assistência unilateral 12.

Essas objeções deviam-se em parte ao temor de que a participação soviética em


questões tão afastadas das fronteiras que lhe tinham sido impostas pelas
desconfiadas potências da Entente, em 1921, pudesse significar estímulo e
facilidades aos comunistas nativos. Além disso, eram de opinião que, apesar das
garantias dadas por Litvinov, os soviéticos pretendiam provocar um conflito do
qual poderiam se afastar com a maior facilidade. Havia ainda a dúvida, a
despeito do que pensavam os líderes soviéticos, quanto à capacidade do Exército
Vermelho de dar uma contribuição militar eficaz, em caso de conflito.

Essa breve recapitulação de fatos sobejamente conhecidos nos leva à questão


essencial: qual era a política externa soviética em 1938-39? Seria pró-Entente e
tão honesta e coerente quanto sugeria a conduta do sr. Litvinov? Seria covarde e
pragmática, sem força suficiente para intervir, mas desejando desesperadamente
influenciar os acontecimentos a fim de garantir de algum modo a sobrevivência
do socialismo na própria Rússia? Ou seria externamente astuciosa e hábil,
procurando jogar um adversário contra o outro, até que toda a Europa central se
transformasse em um monte de ruínas calcinadas, entre as quais o Exército
Vermelho poderia se movimentar à vontade?

A política soviética provavelmente era uma combinação de todos esses


conceitos, embora de modo nenhum em proporções idênticas. Os soviéticos
tinham motivos para odiar e temer os nazistas; portanto, queriam realmente que
sua expansão fosse detida na Boêmia. Tudo na ideologia nazista indicava que
uma Alemanha renovada, mais cedo ou mais tarde, seria uma ameaça para a
Rússia 13. Maksim Litvinov denunciou claramente a Alemanha como uma
ameaça à paz da Europa, propondo com insistência uma aliança dos Estados
europeus para eliminar o perigo, antes que fosse tarde demais.

Em contraste com o passado sangrento do regime soviético, que fazia parecerem


brandas as denúncias contra Hitler, Litvinov, corpulento, alegre, cheio de vida,
parecia um estadista genuinamente humano e civilizado. Entre as vergonhosas
prevaricações dos líderes ingleses e franceses e os brutais pronunciamentos dos
dois ditadores, seus pedidos de firmeza e franqueza nas negociações pareciam,
para muitos, a única voz sensata no continente sombrio. Como judeu, ele só
podia sentir repugnância pelo nacional-socialismo, e aparentemente não temos
razão para duvidar da sinceridade de sua cruzada.

Porém, sua política seria a mesma do seu governo? A Rússia soviética estaria
realmente disposta a lutar ombro a ombro contra os franceses e britânicos, se
ambos resolvessem decretar o nec plus ultra às ambições de Hitler nos Sudetos?
Para muitos Estados do Ocidente, frustrados pela aparente falência das próprias
lideranças, a Rússia era o único Estado que parecia oferecer uma liderança que
não existia mais em parte alguma. Essa opinião persiste, e ainda hoje muitos
pensam que o desprezo com que foram tratados os oferecimentos de Litvinov
não só contribuiu para destruir a única esperança de deter Hitler, como também
provocou — até frutificou — o subsequente pacto nazista-soviético 14.

Até que, num futuro remoto, os arquivos dos soviéticos venham a ser abertos aos
historiadores, jamais saberemos a história completa. Mas temos provas
suficientes para garantir que, fossem quais fossem as tendências pessoais de
Litvinov, a política do governo soviético nada tinha de altruísta ou benigna. Na
Liga das Nações, onde conduziu suas mais enérgicas campanhas para impedir
que a Alemanha ultrapassasse as próprias fronteiras, o comissário do Exterior
sem dúvida parecia dispor de considerável visão na condução dos debates e das
negociações. “Litvinov raramente pedia tempo para consultar seu governo”,
escreveu um observador; “parecia sempre preparado para decidir no momento
em que devia provocar uma discussão, propor um compromisso ou se resignar à
aceitação da opinião da maioria. Era evidente que tinha tanto poder de decisão
quanto o que é geralmente atribuído a qualquer ministro do Exterior dos países
democráticos.” 15

Esse fato, por si só, era motivo para suspeitas: quando, na história, desde o
tratado de Brest-Litovsk, um representante soviético tivera tanta liberdade de
movimentos? Tudo indica que Litvinov tinha realmente permissão para expor
com a ênfase que quisesse seus pontos de vista tão vigorosamente sinceros. Mas
seus projetos podiam ser repudiados, modificados ou transformados em
inesperadas vantagens para os soviéticos, de acordo com as exigências do
momento. O curso de ação de Litvinov não era o dos seus patrões: ele era apenas
uma carta em jogo, e de modo nenhum a mais forte.

Aparentemente, ele conhecia sua posição anômala, pois chegou a admiti-la em


um momento de descontração. No auge da crise tcheca, quando reiterava
publicamente a promessa da Rússia de permanecer ao lado do seu aliado tcheco
16, Litvinov encontrou-se com Arnost Heidrich, diretor-geral do Ministério do
Exterior da Checoslováquia, o qual, mais tarde, descreveu esse encontro:

“Segundo instruções do presidente Benes, discuti o problema com o sr. Litvinov,


naquela época ministro do Exterior soviético, em janeiro, maio e setembro de
1938, em Genebra. Litvinov encarava a situação com pessimismo, expressando a
opinião de que a guerra não podia ser evitada. Depois de expor suas dúvidas
sobre a disposição e possibilidade de a França assistir militarmente a
Checoslováquia no conflito em potencial com a Alemanha, Litvinov, em nosso
encontro de 11 de maio de 1938, declarou que a Rússia soviética não repetiria o
erro da Rússia czarista, em 1914. Raciocinava da seguinte forma: ‘Sabemos que
as potências do Ocidente gostariam de ver Hitler liquidado por Stalin, e Stalin
liquidado por Hitler, mas não vão conseguir isso. Enquanto, em 1914-18, as
potências do Ocidente, poupando suas forças, assistiram à luta sangrenta entre
Alemanha e Rússia, desta vez nós observaremos a disputa entre a Alemanha e as
potências do Ocidente e não vamos intervir no conflito enquanto não estivermos
preparados para levá-lo à decisão final’ ” 17.

A prova de que a campanha de Litvinov destinava-se somente ao consumo


externo estava na reticência soviética. Em julho, o perspicaz Fitzroy Maclean,
segundo-secretário da embaixada britânica em Moscou, observou:

“O governo soviético mostrava-se agora decididamente oportunista. Os expurgos


do alto comando do exército, por exemplo, que haviam atingido setenta e cinco
por cento dos seus oficiais e porcentagem maior em outras atividades, haviam
estremecido gravemente a eficiência soviética. Durante a crise tcheca, o governo
soviético permaneceu em silêncio absoluto, apavorado com a idéia de precisar se
envolver. Ninguém vivia em segurança” l8.

O fato é que o Exército Vermelho, o maior do mundo na época, era, como todos
sabiam, desproporcionalmente ineficaz como força militar. Em 1933, um
conferencista do Komintern informou às forças soviéticas de que não haveria
guerra nesse ano, e a reação geral foi um audível suspiro de alívio19; três anos
mais tarde observadores militares do Ocidente consideraram inexpressivas as
manobras do Exército Vermelho (foi comentado na época que “os esforços
determinados de Stalin para apaziguar Hitler até o último momento do ataque
alemão, em 1941, sugerem que a avaliação que o líder fazia do seu próprio
exército não era melhor do que a dos observadores do Ocidente)20. Não é pois
de admirar que, em 1936, o marechal Tukhachevsky, deputado do povo na
Comissão de Defesa, tenha sido obrigado a confessar que “no momento, a União
Soviética não está em condições de prestar ajuda militar à Checoslováquia em
caso de ataque alemão”21. E depois, no auge da crise europeia, entre junho de
1937 e outubro de 1938, houve vários expurgos tenebrosos no corpo de oficiais
do Exército Vermelho, privando-o de setenta por cento dos seus líderes mais
experientes 22. Não se questionava apenas a eficiência do exército como força
de combate, mas também a escolha do momento para o expurgo demonstrava
que os líderes soviéticos estavam por demais preocupados com a supressão de
uma revolta real ou imaginária no seu próprio país, para considerar qualquer
aventura que envolvesse o Exército Vermelho numa guerra a centenas de
quilômetros de suas fronteiras. Segundo o professor Lukacs, “em 1938, Stalin
não estava mais preparado para a guerra do que Chamberlain ou Daladier”23.

É difícil fazer alguma afirmativa sobre esse assunto sem acesso aos arquivos
soviéticos. Só eles podem revelar as verdadeiras intenções do governo soviético.
Mas é bastante esclarecedor considerar as medidas que poderiam ter sido
estudadas se a União Soviética tivesse honrado sua parte no tratado com a
Checoslováquia.

Mesmo que as promessas soviéticas fossem sinceras, haveria obstáculos sérios,


se não insuperáveis, para a ajuda militar soviética aos tchecos. Dado o grande
despreparo militar do Exército Vermelho, é inconcebível que pudessem enviar
homens e aviões para a Boêmia em número suficiente para influenciar o
resultado de uma invasão alemã. Afinal, Praga estava muito mais próxima da
fronteira francesa do que da russa. Mais importante era o fato de não serem as
fronteiras tchecas e soviéticas contíguas em nenhum ponto, mas separadas por
centenas de quilômetros de território polonês e romeno.

Nenhum dos dois governos via com muito entusiasmo a possibilidade de abrir
suas fronteiras para um país com o qual mantinham relações tradicionalmente
hostis, e além disso os exércitos soviéticos eram conhecidos por sua selvageria
bárbara. Havia a forte suspeita de que o Exército Vermelho, uma vez de posse de
território estrangeiro, jamais o abandonaria. Ficou provado o fundamento dessa
suspeita no ano seguinte, quando os soviéticos se utilizaram do pacto com a
Alemanha para dominar extensas áreas dos dois países — conquistas repetidas
quando nova oportunidade se apresentou, em 1945.

A Polônia, que havia assinado um tratado de não-agressão com a Alemanha, em


1934 24, recusou categoricamente passagem às tropas soviéticas por seu
território. A recusa da Romênia era mais do que certa, embora talvez fosse
expressa com maior cautela e atenuada com justificações. Litvinov,
imperturbável, continuava a garantir alegremente que o consentimento da
Romênia seria dado em breve e que as forças soviéticas poderiam ser enviadas à
Checoslováquia em caso de guerra25. Essas afirmações nada custavam à URSS,
pois, mesmo no caso pouco provável de serem postas à prova, não seria culpa da
União Soviética se não pudessem ser comprovadas na ocasião. A França e a
Inglaterra estavam cientes da improbabilidade de auxílio direto à
Checoslováquia pela Ucrânia carpática.
Os temores dos poloneses se confirmaram em 23 de setembro de 1938, quando
Moscou informou Varsóvia de que, no caso de um ataque polonês à
Checoslováquia, a Rússia soviética estaria na obrigação de adotar uma atitude
beligerante. A ameaça pareceu legítima aos países do Ocidente, uma vez que os
poloneses realmente planejavam tomar a província tcheca de Teschen, fazendo
com que a manobra parecesse uma invasão alemã. Inúmeros soldados soviéticos
marcharam para a fronteira com a Polônia26.

A Rússia não podia estar em melhor posição. As inegáveis dificuldades


logísticas que teria de enfrentar, se participasse de qualquer ação contra a
Alemanha, lhe dariam direito à extensão de território, pequena ou grande, que
pudesse ganhar dos seus vizinhos mais próximos, com um mínimo de risco e
protegida pelo manto de respeitabilidade da Liga das Nações. Se a Alemanha
tivesse invadido a Checoslováquia em 1938, a Rússia soviética poderia ter
oferecido inúmeros movimentos alternativos. Se a invasão encontrasse pouca
oposição e a França permanecesse inativa, os soviéticos poderiam
tranquilamente pedir passagem para seus homens através da Polônia e da
Romênia. A Polônia recusaria e a Romênia pediria garantias à liga. Outras
tergiversações poderiam ser criadas durante os eventos. Se a marcha da
Alemanha continuasse sem oposição, os soviéticos poderiam deplorar a
intransigência da Polônia e da Romênia, torcer as mãos e voltar para casa.

Se, por outro lado, os franceses e tchecos começassem a levar vantagem, ou se a


guerra no Ocidente chegasse a um impasse, os exércitos soviéticos marchariam
em seu auxílio atravessando o território interveniente. Os protestos da Polônia e
da Checoslováquia despertariam pouca simpatia, nessas circunstâncias, e
naturalmente grande parte dos seus territórios orientais ficariam para sempre nas
mãos dos soviéticos. Essa possibilidade não difere muito do que aconteceu nos
dois anos seguintes, quando a União Soviética se aproveitou da expansão alemã
para o leste, usando-a como pretexto para tomar a Bessarábia da Romênia e
extensas áreas do leste polonês.

Na ausência de documentação soviética, não é possível saber o quanto essas


considerações pesaram nas decisões soviéticas. Mas era uma política que não
exigia grande sutileza ou planejamento prévio, apenas cautela e a determinação
de não deixar fugir as oportunidades. Como disse o próprio Stalin, em 1925:

“Nossa bandeira continua a ser, como antes, uma bandeira de paz. Mas se houver
guerra, não poderemos ficar de braços cruzados — precisamos nos movimentar,
mas esse movimento só será efetuado no fim. E agiremos de modo a colocar o
peso decisivo na balança, o peso que poderá ser preponderante” 27.

Do ponto de vista soviético, a situação ideal seria aquela em que os aliados


franco-britânicos e os alemães se empenhassem em um combate tão destruidor
que o perigo, dos dois lados, se tornasse mínimo para a União Soviética. E, se
tudo corresse bem, seria fácil inventar pretextos para avançar as fronteiras do
território soviético, tanto quanto as circunstâncias permitissem, para o interior da
Europa ocidental. Uma vez que os alemães estavam falando sério, ao passo que
as potências do Ocidente vacilavam, nenhuma oportunidade foi perdida para
apressar a decisão dos últimos 28. De qualquer modo, uma vitória aliada não
representaria grande perigo. Os soviéticos teriam concorrido ativamente para a
manutenção da soberania tcheca, e a Grã-Bretanha e a França estavam muito
distantes para protestar, caso alguns pedaços da Polônia ou da Romênia
desaparecessem no processo. Mas, e se a Alemanha vencesse uma
Checoslováquia abandonada, ou uma França hesitante, ao mesmo tempo?
Nenhum político soviético podia desprezar essa possibilidade.

Até o verão de 1933, a política externa da União Soviética, aos olhos do mundo,
foi satisfatoriamente simples. A Rússia soviética, o único Estado genuinamente
socialista do mundo, sobrevivia isolada e combatida, num mundo hostil. A
despeito das pequenas rivalidades, seus vizinhos burgueses uniam-se com a
intenção de derrubar o jovem Estado socialista, que sempre representou para eles
uma ameaça e uma censura. França, Japão, Estados Unidos e Grã-Bretanha
lideravam essa ameaçadora união capitalista; a Grã-Bretanha era o líder
principal, com seu vasto império que abrangia o mundo todo e era sem dúvida o
mais perigoso. Entre 1925 e 1930, a URSS temia cada vez mais um ataque
imperialista29. Com a ascensão do nazismo ao poder, entretanto, a situação
mudou radicalmente. Havia agora dois centros de poder imperialista, liderados
pela Grã-Bretanha e pela Alemanha. Ambos eram hostis à União Soviética, mas
também hostis entre si. Os soviéticos precisavam considerar seu curso de ação
nesse mundo agora mais complexo.

A Alemanha, até o começo da década de 30, fora a vítima derrotada e


desmembrada do Tratado de Versalhes, com seu exército insignificante de cem
mil homens que não representava ameaça para a União Soviética. Havia também
na Alemanha um grande e leal partido comunista, cujo sucesso (profetizado por
Lenin em várias ocasiões) era considerado a chave-mestra da inevitável
revolução mundial. A partir de 1921, as duas potências pouco amadas, vivendo
no ostracismo imposto pelos vitoriosos de Versalhes, tinham se aproximado, e
no ano seguinte assinaram em Rapallo um tratado de colaboração que
surpreendeu e alarmou as grandes potências. A Rússia soviética e a Alemanha
concordavam em muitos pontos: ressentimento contra a França e contra a Grã-
Bretanha; desejo de restabelecer as poderosas forças militares das quais tinham
sido privadas por suas derrotas na Primeira Guerra Mundial; e descontentamento
com as restrições impostas pelo Tratado de Versalhes.

Acima de tudo, odiavam a Polônia, uma nova nação, criada pelas potências de
Versalhes com territórios que tinham pertencido à Alemanha e à Rússia. Era
necessário andar com cuidado, pois a Polônia era ferozmente independente e
muito ligada à França. Ainda assim, “nunca fomos protetores da Polônia e nunca
seremos”, observou Stalin enfaticamente para um visitante alemão; e um
importante general do Exército Vermelho, depois de ter bebido uns copos a
mais, definiu claramente as intenções soviéticas em 1930: “Não estaremos
preparados, em dois anos, para fazer as correções na fronteira e matar os
poloneses? Afinal, precisamos repartir a Polônia outra vez” 30.

Uma vez que França e Grã-Bretanha eram consideradas como as principais


ameaças à sobrevivência soviética, as tentativas da Alemanha para recuperar
terreno à sua custa só poderiam ser encaradas favoravelmente por Moscou31. A
Alemanha, por sua vez, contava com a Rússia soviética para ajudá-la a esmagar
a Polônia, a aliada da França 32. Com a Polônia destruída e uma fronteira
comum ligando-a à Rússia amiga, a Alemanha estaria numa posição vantajosa
para enfrentar seus dois poderosos adversários do Ocidente.

A Alemanha também se revoltava contra a cláusula que limitava seu exército, o


Reichswehr, a cem mil homens armados. Fora criada imediatamente uma
“reserva” secreta (o Reichswehr Negro), mas a necessidade de segredo restringia
as facilidades de treinamento. Ora, com os vastos espaços isolados da Rússia
abertos para eles, os generais alemães teriam a oportunidade que tanto
desejavam. Em janeiro de 1920, o general Hans von Seeckt expôs a idéia de que
a Alemanha devia abandonar sua política de tempo de guerra que visava à
destruição do império russo. “Chegamos agora a um acordo com a Rússia
soviética”, escreveu ele, “não temos outra alternativa.” Dois anos depois, foi
mais explícito:

“A existência da Polônia é intolerável, incompatível com a soberania da


Alemanha. Ela precisa desaparecer e desaparecerá por sua própria fraqueza
interna e pela intervenção da Rússia — e com nossa ajuda. Para a Rússia, a
Polônia é mais intolerável do que para nós; nunca a Rússia poderia concordar
com a existência da Polônia. Com a Polônia, desaparecerá um dos fortes
baluartes do acordo de Versalhes, a preponderância da França”.

Foi estabelecido contato com representantes do governo soviético, todos a favor


de uma invasão imediata e conjunta da Polônia. Os alemães consideraram o
plano perigosamente prematuro, mas, a partir dessa ocasião, a cooperação militar
secreta se processou em ordem crescente. A Junkers construiu uma fábrica para
produção de aviões de combate perto de Moscou e, em 1920, trezentas mil
granadas foram produzidas nas fábricas russas e despachadas para a Alemanha.

O mais importante fator para as máquinas de guerra dos dois países era o
intercâmbio de facilidades de treinamento. Os alemães, com sua incomparável
tradição da arte militar, forneciam oficiais para treinamento das tropas, muitos
dos quais foram, mais tarde, altas patentes na Wehrmacht de Hitler. Os
soviéticos, por sua vez, forneciam local para treinamento e para experiência de
novo material. Foram criados três centros de treinamento secreto na Rússia: uma
escola de equipes de tanques, perto de Kazan, uma escola de uso de gás
venenoso, perto de Saratov, e uma escola de aviação militar em Lipetsk. Uma
vez que o Tratado de Versalhes proibia qualquer tipo de força aérea alemã, esta
última escola foi especialmente importante no desenvolvimento da Luftwaffe.
Construíram um imenso e moderno aeródromo em Lipetsk sob a orientação dos
alemães, no qual pilotos da Alemanha faziam anualmente cursos de treinamento,
com aviões Junkers e Fokkers. Ocasionalmente, chegavam ao Ocidente rumores
sobre esse intercâmbio, mas sua natureza e extensão permaneceram secretas,
num país que se tornara tão remoto quanto “o lado não-iluminado da Lua”.

Essa aliança entre o Reichswehr, monarquista e nacionalista, liderado até 1927


pela epítome do militarismo prussiano de monóculo, o general Hans von Seeckt,
com os apóstolos da revolução proletária, conduzindo abertamente à destruição
da antiga ordem social da Alemanha, era necessariamente sujeita a grandes
tensões. Mas os generais estavam certos de poder manter em ordem seus
concidadãos bolchevistas, assim como os russos bolchevistas estavam certos de
que, no momento oportuno, a Alemanha seria vencida pelas chamas da
revolução mundial. Os elos criados pelos interesses comuns sobrepujavam certos
temores e ódios, e a cooperação militar soviético-alemã continuou durante a era
de Brüning, cada vez mais voltada para a direita, a de Von Papen e de Von
Schleicher, até os primeiros meses do governo de Hitler. Somente no outono de
1933 foram desativados os estabelecimentos alemães na Rússia. Para o novo
chanceler, a visão de Von Seeckt de uma Polônia dividida era agora um objetivo
muito modesto33.

Um dos principais dogmas do nacional-socialismo e tema constante do Mein


Kampf e dos discursos de Hitler, era o anticomunismo feroz. “O marxismo”,
escreveu o futuro Führer, “representa a mais chocante fase dos esforços dos
judeus no sentido de eliminar o dominante significado da personalidade em
todas as esferas da vida humana, substituindo-a pelo poder numérico das
massas.”34 Além disso, um dos objetivos declarados do movimento nazista era
tomar e colonizar imensos espaços da Rússia que haviam pertencido ao
Reichswehr por breve tempo, depois do Tratado de Brest-Litovsk, em 1918. A
opção seguida pela União Soviética era esquecer temporariamente suas
diferenças com as potências da Entente e fazer tudo para sufocar a ameaça
nazista no berço. Esta era a política adotada por Litvinov na Liga das Nações e
em toda parte.

Mas essa política franca e direta seria suficiente? A cada mês que passava, o
novo Reich revelava sinais cada vez mais alarmantes do vigor impiedoso com
que pretendia atingir seus objetivos. Ao mesmo tempo, a fraqueza (ou seria
duplicidade?) das políticas francesa e inglesa tornava-se cada vez mais evidente.
Tudo parecia indicar que, cedo ou tarde, a Alemanha chegaria a um ponto no
qual seus interesses entrariam em conflito violento com os da Entente. Mas os
movimentos de Hitler eram invariavelmente súbitos e secretos. Havia outra
perspectiva inevitável, segundo a qual a Alemanha deixaria de enfrentar o risco
iminente do desafio às democracias, voltando-se para o Oriente. É verdade que a
Rússia e a Alemanha não tinham fronteiras comuns, mas no primeiro ano do seu
governo Hitler assinou um pacto de não-agressão com os poloneses e, a partir
desse momento, enfatizava publicamente o respeito e a amizade entre Alemanha
e Polônia35. Não era difícil visualizar os poloneses, igualmente anticomunistas,
aliando-se à Alemanha numa cruzada contra o bolchevismo. A política soviética,
sempre cautelosa e empírica, precisava tomar medidas para se proteger dessa
eventualidade. No Kremlin, processava-se uma reviravolta política, tão nova e
secreta que o infeliz Litvinov, a princípio, teve de ser mantido à margem dela.
VI. O pacto de sangue

Na noite de 30 de junho de 1934, a Alemanha assistiu à primeira demonstração


em grande escala da impiedosa violência do sistema nazista. Centenas de
pessoas foram mortas pelos homens das SS de Hitler, muitas delas na presença
do chanceler. Um homem idoso que se opusera ao Putsch de Hitler, em 1923, foi
cortado a golpes de machado, e os pedaços, atirados num pântano; um general e
sua mulher foram fuzilados na sala de jantar, e a filha da senhora, de apenas
catorze anos, foi deixada sozinha com os corpos; nas cidades e nas vilas de todo
o Reich, indivíduos foram crivados de balas enquanto dormiam, ou arrastados
para a frente de pelotões de fuzilamento organizados às pressas. As vítimas
principais foram os líderes dos camisas-pardas que Hitler considerava um fardo,
agora que seu poder estava solidificado. Então, quando as listas de morte
estavam sendo feitas, outros possíveis inimigos do Partido foram acrescentados a
elas, bem como indivíduos com os quais um ou outro sátrapa do Partido tinha
contas a ajustar.

Quando cessou o pipocar das armas leves nos quartéis de Lichterfelde e o sangue
foi lavado das paredes da prisão Stadelheim, em Munique, mais de mil pessoas
jaziam mortas. O povo alemão ficou em silêncio, apavorado, enquanto a
imprensa estrangeira conjeturava sobre a natureza da “conspiração”. Hitler e
Göring respiraram aliviados. O golpe fora dado sem provocar repercussões.
Agora, o Führer era realmente o dono da sua casa.

Do outro lado dos Alpes, Mussolini condenou o massacre, classificando-o de


primitivo e mal-executado. Nas democracias, foi denunciado como bárbaro, e o
fato de ter sido necessário, como indício da natureza precária do regime. Só
muito distante, a leste, no Kremlin, o expurgo foi visto com indisfarçada
admiração. Em tom de respeito reverente, Stalin anunciou ao seu Politburo,
reunido às pressas, que “os acontecimentos da Alemanha não indicavam de
modo algum o colapso do regime nazista. Ao contrário, provavelmente levarão à
consolidação daquele regime e ao fortalecimento do próprio Hitler”.

O Führer demonstrara ter qualidades que Stalin podia avaliar perfeitamente. A


partir desse momento, Stalin passou a encarar Hitler com temor e respeito. Ao
que parece, o que mais o impressionou foi a impunidade com que Hitler
conseguira massacrar grande número de suspeitos em plena luz do dia. Depois
de algumas semanas, Stalin iniciou os preparativos para seu próprio expurgo
sangrento, logo depois do assassinato misterioso do seu rival Kirov 1.

Antes de janeiro de 1933, data em que Hitler se tornou chanceler, Stalin o via
através dos óculos da ortodoxia marxista. O Partido Comunista Alemão, com
milhões de membros, estava destinado a soltar os grilhões impostos pelos
capitalistas e introduzir a era interminável da liberdade proletária. O próprio
Lenin profetizara que “a crise na Alemanha ... terminará infalivelmente com a
transferência do poder político para as mãos do proletariado”, embora “a vitória
final seja impossível sem a longa e obstinada guerra de vida e morte” 2.

Mas como a Revolução Parda se encaixava nesse esquema? Lenin não deixara
nenhuma obiter dieta sobre o nazismo, que estava ainda na infância por ocasião
da sua morte. Era uma oportunidade para Stalin fazer sua própria análise, sempre
fiel aos cânones leninistas. “O fascismo alemão é a ponta de lança do
capitalismo mundial”, explicavam os oradores comunistas por toda a União
Soviética e por toda a Alemanha.

“O capitalismo finalmente tirou a máscara — os trabalhadores do mundo


enfrentam agora uma escolha clara entre o fascismo e o comunismo. Podemos
duvidar de qual será sua escolha? A União Soviética é o único baluarte contra o
fascismo, e o proletariado de todo o mundo está conosco. Mussolini na Itália,
Hitler na Alemanha, camaradas, são os precursores da nossa revolução.
Revelando a verdadeira face do moderno capitalismo fascista, eles levam as
massas a uma compreensão da verdade. Há força no nosso slogan: ‘Quanto pior,
melhor!’ ” 3

A lógica dialética, de acordo com esse esquema, não viu vantagem em se unir
ocasionalmente aos esforços nazistas para derrubar o inimigo real, a
socialdemocracia (ou “social-fascismo”, como os comunistas confusamente o
chamavam). Em todo caso, havia muita coisa que aproximava os proponentes
das duas grandes revoluções dos tempos modernos. As conexões psicológicas,
filosóficas e históricas entre comunismo e nacional-socialismo eram tão
próximas que seus partidários estavam, em sua maioria, a par desse fato,
consciente ou inconscientemente. Os marxistas eram mais cautelosos e não
faziam admissões comprometedoras, mas a política soviética, que insistia em se
referir incorretamente aos nacional-socialistas como “fascistas alemães”, sem
dúvida traía um conhecimento consciente do perigoso paralelo que poderia ser
feito entre as duas filosofias.

Essa similaridade tem sido muitas vezes obscurecida na mente do povo pela
contínua sugestão de que o nazismo pertencia à “ala direita”, um termo de
significado impreciso. Se, como parece ser aceito de modo geral, o termo
implica “reacionário” e “conservador”, na política e na moral, então a
ambiguidade é realmente mais profunda. Pois, como faz notar um estudioso,
“ninguém produziu jamais uma instituição que Hitler e seu círculo tivessem
desejado conservar . . . não queriam conservar coisa alguma, portanto não devem
ser rotulados de conservadores” 4. Na verdade, é evidente que o nacional-
socialismo, “embora os aspectos reacionários de sua ideologia e sua oposição
aos resultados políticos da revolução [de 1918, na Alemanha] disfarcem
convenientemente esse fato, foi um movimento revolucionário” 5. A distinção a
ser feita não é entre “esquerda” e “direita”, mas entre totalitarismo e outros
conceitos de governo. Todas as doutrinas totalitárias modernas visam a um ideal:
a “esquerda”, um milênio socialista, e a “direita”, o estímulo das massas para a
participação ativa e um objetivo nacional6.

Desde os primeiros dias do Partido Nazista, muitos dos seus membros tinham
grande respeito, geralmente recíproco, por aquilo que consideravam como a
sinceridade, o vigor e objetivos semelhantes aos seus, no comunismo7. O
filósofo marxista Ernst Nukisch pregava um programa que consistia na
combinação das idéias do marxismo com as idéias do nazismo, e um movimento
“nacional-bolchevista” que procuraria realizar essa união foi aprovado com
simpatia por Goebbels e Karl Radek, o ideólogo soviético 8.

Os primeiros membros do Partido Nazista foram quase todos recrutados no


Partido Comunista (KPD), e vice-versa9. Um grande número de camisas-pardas
tinham saído das fileiras dos comunistas. Ernst Röhm, chefe das SA, os recebia
alegremente por seu fanatismo e sua violência, e apelidou-os de “rosbifes”
(pardos por fora e vermelhos por dentro) 10. O fluxo corria também em sentido
contrário, e em 1923 Hitler, segundo dizem, admitiu que “ou agimos agora ou
nossas SA passam-se para os comunistas” 11. (Do mesmo modo, muitos jovens
italianos fascistas se passaram para o Partido Comunista, depois da queda de
Mussolini12.)

Um observador diz, a respeito de William Joyce (“Lorde Haw-Haw”): “Se não


fosse por sua atitude histérica em relação aos judeus, poderia ter se tornado um
ótimo agitador comunista” I3. Theo Habicht, o agente de Hitler na Áustria, era
um ex-comunista; Anton Drexler, um dos fundadores do Partido Nazista, achava
que ex-marxistas eram os melhores nazistas; até mesmo o fundo vermelho da
bandeira com a suástica foi adotado por Hitler por causa da bandeira do seu
rival, e a Horst Wessel Lied era uma canção popular russa para a qual Goebbels
escrevera a letra em alemão 14. Quanto mais fanático for o nazista, mais sólidos
são seus elos espirituais com o marxismo soviético: Roland Freisler (“o
Vichinski alemão”, como Hitler orgulhosamente o chamava) era um ardente
estudioso dos métodos terroristas soviéticos, e em 1920 tinha sido comissário
bolchevista na Ucrânia; Vidkun Quisling, por outro lado, tinha sido
“originalmente muito favorável à ‘experiência’ comunista na Rússia” 15.

O líder nacional-socialista cujas simpatias mais se aproximavam do bolchevismo


era Goebbels. Sem dúvida, poderia ter sido tanto marxista quanto nazista; desde
a juventude demonstrava preferir o socialismo ao nacionalismo, considerando o
primeiro como “a rejeição final do mamonismo material e capitalista do
Ocidente”. Em 1925, registrou em seu diário o desejo de ir à Rússia, e sua crença
de que era melhor “cair com o bolchevismo do que viver em eterna servidão
capitalista”. Acreditando que comunismo e nazismo eram “feitos do mesmo
pano”, demonstrava grande admiração por Lenin. “Lenin sacrificou Marx, mas
em compensação deu liberdade à Rússia”, explicava ele; “nenhum czar
compreendeu o povo russo em sua profundidade, no seu sofrimento, nos seus
instintos nacionais, como Lenin.” 16

A atitude de Hitler para com o bolchevismo era mais ambivalente, mas muito
franca sobre o que o nacional-socialismo devia ao marxismo. Desde o começo
da luta do partido, sempre demonstrou uma acentuada preferência por ex-
marxistas para membros do seu partido. Com confiança compreensível,
declarava, em 1934:

“Não é a Alemanha que vai se tornar bolchevista, e sim o bolchevismo que se


transformará em nacional-socialismo. Além disso, é maior o número de fatores
que nos ligam ao bolchevismo do que os que nos separam. Há, acima de tudo,
um genuíno sentimento revolucionário, vivo em toda a Rússia, exceto entre os
judeus marxistas. Sempre levei em conta essa circunstância, e dei ordens para
que os ex-comunistas fossem imediatamente admitidos no partido. O pequeno
burguês socialdemocrata e o chefe de sindicato jamais poderão ser nacional-
socialistas, mas os comunistas, sempre”.
Não se trata de uma afirmação gratuita. Mais da metade dos cinquenta mil
camisas-pardas recrutados em Berlim no ano anterior eram ex-comunistas 17.
Hitler tinha grande admiração e respeito por Stalin, em contraste com o desprezo
e ódio que demonstrava por Roosevelt e Churchill. “Stalin”, afirmou ele, em
1942, “merece nosso respeito incondicional. Ao seu modo, é um homem e tanto.
. . [Ele] é metade animal, metade gigante.” 18

Essa simpatia dos nazistas por seus rivais ou equivalentes era recíproca,
deliberadamente ou não. A não ser pelo anti-semitismo, o Partido Comunista
Alemão (KPD) pregava uma política muito parecida com a do nazismo. Seu
programa era ditado pelo Kremlin, através do Komintern. “Até o fim, o Partido
Comunista fez soar os tambores do nacionalismo e lançou as massas contra
Versalhes. Não esperavam poder suplantar os nazistas, mas serviram como
valiosos orientadores e ajudaram a preparar os trabalhadores para a política
antiocidentalista de Hitler.” 19

Stalin estava convencido de que os socialdemocratas representavam o maior


obstáculo ao poderio soviético na Alemanha, e considerava os nazistas como
meros provocadores do capitalismo, que jamais poderiam conservar o poder se
viessem a conquistá-lo. No sexto congresso do Komintern, em 1928, em
Moscou, ele declarou que o objetivo principal de ataque do Partido Comunista
Alemão deviam ser os socialdemocratas. Essa diretriz foi fielmente seguida até
Hitler se tornar chanceler. Mais de uma vez, nazistas e comunistas uniram-se,
votando contra moções no Landtag e no Reichstag, e, em novembro de 1932, foi
organizada em Berlim pelos dois partidos uma séria greve dos transportes. Um
deputado comunista do Landtag prussiano foi acusado de contribuir para uma
vitória nazista. “Colega Diel”, respondeu o homem de Stalin, satisfeito, “é isso
exatamente o que queremos! Nossa estratégia deve ser tal que faça a direita ser a
primeira a subir ao poder. Toda a massa de trabalhadores se erguerá em oposição
a esse governo. O domínio nazista não sobreviverá. Logo será derrubado e os
herdeiros seremos nós!”20

Em 1934, Stalin convenceu-se de que sua política na Alemanha tinha se baseado


em uma idéia fantasticamente falsa. Hitler havia triunfado, e o expurgo
sangrento de 30 de junho demonstrava claramente que o novo chanceler não
seria posto de lado pelo KPD nem por seus supostos patrões capitalistas. A nova
Alemanha vibrava de energia e de força, e a necessidade de reaproximação era
premente.
Não era provável que a aparente retratação da aliança alemã-soviética
provocasse uma mudança de opinião nos marxistas, nem tampouco nos nacional-
socialistas. Os repetidos expurgos dentro da Rússia garantiam a aquiescência da
opinião pública soviética a qualquer decisão tomada pelo ditador, enquanto os
partidos comunistas nos países estrangeiros tinham demonstrado tanta
subserviência aos menores caprichos de Stalin, que ele não esperava nenhuma
dificuldade nesse setor.

Observadores cautelosos, escudados na fraseologia marxista propositadamente


complexa, iam mais adiante, afirmando que a URSS poderia em certas
circunstâncias ser cortejada pela Alemanha “fascista” e insinuando que o
cadáver da Polônia não seria um presente de casamento muito aceitável. No
XVII Congresso do Partido, em janeiro de 1934, Stalin explicou que uma guerra
imperialista era iminente, declarando sombriamente: “Os senhores burgueses
não ponham a culpa em nós se, no dia seguinte ao fim dessa guerra, certos
governos próximos deles e que lhes são caros, hoje seguros no poder ‘pela graça
de Deus’, venham a desaparecer”. A “guerra imperialista” só podia ser entre a
Alemanha e as potências da Entente, de um lado, e, de outro, os governos que
iam “desaparecer”, os Estados clientes da Entente, da Finlândia à Romênia,
acompanhando a linha da fronteira russa21.

Karl Radek, o principal porta-voz de Stalin nos assuntos da Alemanha, escreveu,


em 15 de julho de 1935 (quinze dias depois do sangrento expurgo de Hitler):
“Não há motivo para que a Alemanha fascista e a Rússia soviética não se aliem,
especialmente considerando que a União Soviética e a Itália são amigas”. Radek
disse acreditar que algum dia as SA seriam uma maravilhosa “reserva” de
futuros comunistas 22. A força da Alemanha e a crueldade dos nazistas eram
fatores mais significativos para Stalin do que qualquer outra consideração; como
disse enfaticamente ao seu chefe de polícia, Iejov, em 1937: “Precisamos fazer
um acordo com uma potência superior, como, por exemplo, a Alemanha nazista”
23.

Stalin aprovara havia muito a cooperação militar secreta com a Alemanha, e seu
cunhado fora representante militar soviético em Berlim até a ruptura, em 1933
24. A despeito da total supressão do Partido Comunista Alemão, determinada
por Hitler, depois do incêndio do Reichstag, estadistas soviéticos, como
Krestinski, Molotov e Litvinov, esforçaram-se ao máximo para garantir aos
diplomatas alemães a boa vontade soviética 25. Esse namoro continuou durante
os cinco primeiros anos do governo de Hitler, e, em julho de 1935, o confidente
e conterrâneo georgiano de Stalin, David Kandelake, apresentou publicamente,
em Berlim, a primeira sugestão para que os dois países se aproximassem mais, a
nível político. Entretanto, nessa época, Hitler desconfiava muito das intenções
dos soviéticos; a proposta foi recebida com frieza 26, e a política alemã
continuou no seu curso anticomunista, que culminou com o Pacto Anticomunista
com a Itália e o Japão, em 1936. Essas decisões ameaçadoras só serviram para
aumentar o respeito e o temor de Stalin por uma Alemanha que ressurgia e se
armava com muita rapidez. Violentas explosões de propaganda antinazista
alternavam-se com sondagens discretas a respeito de um acordo ou
reaproximação27.

A força da Alemanha e a ferocidade do Partido Nazista continuavam a fascinar e


assustar Stalin. No fim da década de 30, nazismo e fascismo pareciam se
movimentar em uma maré vitoriosa no mundo todo. Na Espanha, forças
nacionalistas, apoiadas por italianos e alemães, começavam a restaurar no poder
os protegidos republicanos de Stalin; os japoneses haviam penetrado mais
profundamente no território chinês; e o novo e ousado golpe de Hitler provocam
grande desequilíbrio na diplomacia das potências do Ocidentais, sempre
dispostas a fazer concessões. Stalin estava também ansioso para satisfazer Hitler,
mas a contínua intransigência do Führer não lhe deixava outra alternativa senão
tomar medidas de precaução.

No capítulo anterior mostramos como a diplomacia soviética procurou levar a


França e a Grã-Bretanha a tomarem medidas decisivas para conter a expansão
alemã. As tentativas soviéticas de aproximação com as potências da Entente
ecoaram no mundo todo com maior intensidade do que as sondagens discretas
feitas junto aos alemães. A União Soviética entrou para a Liga das Nações, que
era dominada pela Entente, em 1934, estabeleceu relações diplomáticas com os
Estados Unidos e defendeu publicamente quaisquer medidas, sem excluir
intervenção militar, que servissem para preservar a integridade da
Checoslováquia28. Litvinov, o comissário do Exterior, entrou em contato com
toda a Europa capitalista, dando garantias cuja amplitude só era superada por sua
insinceridade.

Na época do acordo de Munique, estadistas franceses e britânicos rejeitaram


esses oferecimentos de ajuda dos soviéticos. O breve idílio subsequente entre os
líderes da Entente e a Alemanha, os dois lados considerando (por motivos muito
diferentes) que tudo tinha sido resolvido satisfatoriamente, deixava os soviéticos
mais isolados e assustados do que nunca. Desde a ascensão de Hitler ao poder,
em 1933, a diplomacia de Stalin tinha sido uma faca de dois gumes, com
Litvinov incentivando a segurança coletiva na Grã-Bretanha, França, Polônia e
outras potências europeias, enquanto contatos secretos tentavam novamente
levar a Alemanha a garantir a segurança soviética. Era uma política até certo
ponto sutil, mas na realidade poucas eram as alternativas para que a União
Soviética atemorizada e enfraquecida pudesse sobreviver.

Tanto uma como outra dessas políticas, aparentemente conflitantes, podia ser
executada com o mesmo vigor. Afinal, o sucesso em ambos os casos
apresentaria grandes vantagens, pois quanto mais energicamente Litvinov
cortejasse os britânicos e os franceses, mais Hitler daria valor à amizade
soviética 29. Por trás dessa política cautelosa e astuta, havia na mente de Stalin
considerações diversas: estava decidido a manter a União Soviética fora de
qualquer guerra, até saber com certeza quem seria vitorioso; ambicionava
aproveitar-se de qualquer oportunidade oferecida pela crise, especialmente a
destruição ou absorção dos seus vizinhos mais próximos, que eram
violentamente antissoviéticos; admirava Hitler como estadista; respeitava os
recursos do Império Britânico, que abrangia o mundo todo; e, acima de tudo,
acatava o fato de que a estrutura da sociedade bolchevista era extremamente
frágil, e provavelmente não sobreviveria a um choque mais violento.

Em 1939, Litvinov fez a oferta oficial de uma tríplice aliança de garantia mútua
com a Grã-Bretanha e a França, uma oferta que, segundo Churchill, Eden e
outros críticos da política de Chamberlain, na época e mais tarde, devia ter sido
aceita30. Mas essa e outras ofertas foram recebidas friamente pelo governo
britânico, e relegadas ao esquecimento. Chamberlain continuava a desconfiar
profundamente dos soviéticos, e os Estados da Europa oriental, que deviam ser
“salvos” de um possível abraço alemão, pelos braços do urso que estava atrás
deles, não se mostraram dispostos a aceitar. (Os tchecos lamentavam Munique
como uma traição ao seu país. Os finlandeses, por seu lado, viam o acordo como
seu resgate das garras dos soviéticos, que sem dúvida tirariam vantagem de
qualquer conflito entre a Alemanha e a Entente.)31

Contudo, as negociações continuaram durante todo o verão. Em maio, uma


delegação do Ministério do Exterior, chefiada por William Strang, chefe do
Departamento Central, chegou a Moscou com esperança de conseguir algo
decisivo. A ameaça nazista crescia a cada semana, e o próprio Chamberlain não
podia mais desprezar a oferta russa. Mas essa missão não obteve mais sucesso do
que a seguinte: uma delegação militar, em agosto, chefiada pelo almirante Drax
e pelo general francês Doumenc. A essa altura o jogo terminara, e a temida
reaproximação soviética-alemã tornava-se realidade.

Winston Churchill e outros sugeriram que foi perdida assim uma ótima
oportunidade de deter Hitler.

“Não pode haver. . . nenhuma dúvida, mesmo examinando o fato à luz do futuro,
de que a Grã-Bretanha e a França deviam ter aceito a oferta russa... A aliança da
Grã-Bretanha, França e Rússia teria alarmado profundamente o coração da
Alemanha em 1939, e ninguém pode dizer o que poderia ou não ter sido
evitado.” 32

Essa era, certamente, a opinião da maioria do público: em abril, uma pesquisa de


opinião feita pelo Instituto Gallup demonstrou que noventa e dois por cento dos
britânicos eram favoráveis à aliança com a União Soviética33. Na verdade, se
não fosse pela pressão da opinião pública, a Grã-Bretanha teria encarado com
maior isenção a proposta. Como observa um irônico sumário do governo, no
começo de 1940:

“Um futuro historiador talvez estranhe a persistência demonstrada pelos


governos da França e da Grã-Bretanha em continuar com aquelas malsucedidas
negociações, durante tantos meses e com evidentes dificuldades. Fazendo justiça
ao governo de Sua Majestade, esse resumo ficaria incompleto sem uma alusão à
notável onda de entusiasmo pró-Rússia que varreu a Inglaterra nesse período ...
desde o começo das negociações, em 1939, sob a influência dos que acreditavam
piamente na intenção de Stalin de proteger os mais fracos, na intenção dos
derrotistas, que viam no ‘rolo compressor’ russo nossa única defesa contra o
perigo alemão, e nos amigos profissionais da União Soviética, a imprensa e o
público foram levados a um verdadeiro histerismo” 34.

É impossível avaliar até que ponto as propostas e reações soviéticas eram


sinceras. O ex-chefe da rede de inteligência militar na Europa (GRU), que se
afastou do cargo em 1939, expressou-se com ceticismo a respeito. Em 1938,
escreveu:

‘‘Toda a política internacional de Stalin nos últimos seis anos foi uma série de
manobras destinadas a colocá-lo numa posição favorável para um acordo com
Hitler. Quando entrou para a Liga das Nações, quando propôs o sistema de
segurança coletiva, quando procurou a mão da França, namorou a Polônia,
cortejou a Grã-Bretanha, fez sua intervenção na Espanha, estava calculando cada
movimento com os olhos fitos em Berlim. Sua esperança era colocar-se numa
posição tal que Hitler achasse vantajoso aceitar suas propostas” 3S.

A sucessão dos fatos sugere, às vezes com extraordinária clareza, que a


interpretação de Krivitski (publicada antes do Pacto Nazista-Soviético) era
abalizada. A decisão de Stalin, de passar da atitude de apenas apaziguar Hitler
para a política de aliança, aparentemente ocorreu em 1939. Em 10 de março, no
XVIII Congresso do Partido, Stalin fez um discurso no qual expôs a política
soviética em relação à crise da Europa. Depois de recapitular as agressões das
potências anti-Komintern (Alemanha, Itália, Japão), passou a descrever o papel
do seu próprio país no futuro: a Rússia estava imensamente fortalecida, tanto
militar quanto industrialmente, e opunha-se vigorosamente à agressão fascista;
porém, não daria ouvidos a sugestões provocadoras das democracias sobre as
pretensões de Hitler na Ucrânia, não se deixaria enganar pela Alemanha e,
sobretudo, não era tão ingênua a ponto de se oferecer para aplainar o terreno de
outras potências 36.

A resposta de Hitler não se fez esperar. Cinco dias depois, tropas alemãs
invadiram a Boêmia, arrasando todo vestígio da Checoslováquia que havia
sobrevivido ao Tratado de Munique. A Grã-Bretanha e a França não fizeram
nenhum movimento, e, no dia l.° de abril, Hitler confirmou amargamente a
justificativa da política cautelosa de Stalin: “Quem quer que se declare pronto a
tirar do fogo as castanhas das grandes potências [isto é, Grã-Bretanha e França],
deve estar consciente de que queimará os dedos no processo” 37.

A advertência era supérflua; Stalin não tinha intenção de queimar os dedos e


compreendeu muito bem onde estava a verdadeira força. A Entente finalmente
acordara para os perigos das manobras de apaziguamento, e num acesso de
firmeza oferecera garantias unilaterais de assistência militar, no caso de invasão
da Polônia, Grécia, Romênia, Dinamarca, Holanda e Suíça38. Em 17 de abril, a
União Soviética fez a oferta de uma tríplice aliança com a Grã-Bretanha e a
França, que compreensivelmente foi considerada por muitos como a única
chance de colocar um firme nec plus ultra no caminho do avanço alemão.

Entretanto, essa oferta aparentemente não passava de um plano de acordo com a


política descrita por Krivitski, segundo a qual a Alemanha devia ser lisonjeada e
atemorizada a fim de procurar a amizade da União Soviética. No mesmo dia em
que os soviéticos ofereceram aliança à Grã-Bretanha e à França, aproximaram-se
secretamente dos alemães com indicações de oferta semelhante. O embaixador
soviético em Berlim, Merekalov, visitou o Ministério do Exterior da Alemanha
pela primeira vez desde sua chegada, dez meses antes. Evidentemente seguindo
instruções, Merekalov explicou ao secretário de Estado Weizsäcker que a
política soviética não era de modo algum antialemã, e que não havia motivo para
que as relações não progredissem39.

A proposta não chegou ao conhecimento de Litvinov40, pois, do contrário, ele


talvez não conseguisse continuar desempenhando seu papel de modo tão
convincente; acima de tudo, os britânicos e franceses precisavam ser persuadidos
a estudar seriamente a proposta da tríplice aliança. Naturalmente, a verdadeira
intenção da proposta era levar os alemães a tomar a sério as insinuações de
Merekalov. Se a situação fosse diferente, o governo soviético provavelmente
teria o cuidado de permitir que a sondagem feita pelo embaixador em Berlim
chegasse ao conhecimento dos ingleses e dos franceses 41.

O efeito provocado em Hitler foi imediato. Abandonou a política de apoio à


Polônia contra a Rússia e passou a cortejar a União Soviética como uma aliada.
Quinze dias depois, Stalin demitiu o judeu Litvinov, substituindo-o pelo sombrio
e inexpressivo Molotov, persuadindo Hitler de que a Rússia não estava mais
“dominada pelos judeus” e de que daquele dia em diante a política externa
seguiria o curso determinado por ele. Entre maio e agosto, os dois ditadores se
aproximaram inexoravelmente. Em 17 de maio, um emissário soviético declarou
francamente em Berlim que as negociações anglo-soviéticas provavelmente não
seriam bem sucedidas.

Afinal, como os alemães fizeram questão de acentuar, o que a Grã-Bretanha


podia oferecer? Participação numa guerra da qual ninguém podia prever o
resultado, e a certeza da hostilidade da Alemanha. Esta, por outro lado, podia
oferecer precisamente o que Stalin desejava: neutralidade, e, se chegassem a um
acordo mais concreto, certas vantagens não-especificadas, mas materiais.

Dois déspotas, ambos com uma vida inteira de traições e violências, não podiam
deixar de ter suspeitas mútuas. Mas o interesse comum e o respeito mútuo
triunfaram, e, no dia 15 de agosto, Ribbentrop levou a Molotov propostas
destinadas a estabelecer a amizade soviética-alemã e esclarecer certas “questões
territoriais” na Europa oriental. Molotov foi mais do que simpático, e no dia 23,
August Ribbentrop voou para Moscou para assinar o acordo42.
A visita foi um triunfo delirante do começo ao fim. Bandeiras com a suástica
(cedidas por um estúdio cinematográfico que rodava na ocasião um filme
antinazista, que foi posto de lado às pressas) tremulavam ao lado da foice e do
martelo, enquanto uma banda tonitruava os acordes da Horst Wessel Lied e da
Internacional: Ribbentrop estava nas nuvens, pois tudo corria satisfatoriamente.
“As coisas estão esplêndidas para os russos!”, repetia ele, notando também com
imensa alegria que os líderes soviéticos eram “homens de traços fortes”, com os
quais ele se sentia tão à vontade quanto com os seus camaradas do Partido
Nazista, na Alemanha 43. Naquela noite, foi assinado no Kremlin o Tratado de
Não-Agressão.

Mais tarde, Stalin providenciou uma festinha íntima para seus novos amigos. As
conversas versavam sobre os mais variados assuntos, embora um tema contínuo
fossem as numerosas piadas sobre os “estúpidos” ingleses, a quem o tratado que
estavam comemorando iria confundir extremamente. Foram feitos também
brindes efusivos, enquanto o champanha corria fartamente. “Sei o quanto a
nação alemã ama seu Führer”, declarou Stalin; “portanto, tenho prazer em beber
à sua saúde.” Molotov bebeu à saúde de Stalin, confirmando com isso que na
verdade fora o discurso dele sobre as “castanhas”, em 10 de março, que dera
início a essa revolução diplomática. Finalmente, quando os distintos visitantes
partiram, Stalin declarou que “o governo soviético encarava o novo pacto com
muita seriedade; ele podia dar sua palavra de honra de que a União Soviética
jamais trairia seu parceiro” 44.

No dia seguinte, Ribbentrop e sua comitiva voltaram para Berlim a fim de relatar
os acontecimentos a Hitler. Este ficou tão satisfeito quanto Stalin, pelo qual tinha
uma admiração sempre crescente. “Agora, tenho o mundo no bolso!”, exclamou
ao saber do convite de Ribbentrop45. Era o triunfo de uma política que
germinava há muito tempo na mente do Führer.

“Uma aliança russo-alemã significa simplesmente a confluência de dois rios que


correm para o mesmo mar, o mar da revolução mundial. O nacional-socialismo
vai se submeter à Gleicbschaltung [sintonia] com a revolução bolchevista
mundial, ou sujeitará essa revolução à Gleicbschaltung com ele mesmo: dos dois
modos, o resultado será idêntico. Não será uma coalizão comum entre duas
potências para fins normais práticos. A Alemanha e a Rússia, se se reunirem,
transformarão o mundo radicalmente. Essa aliança será o próximo grande golpe
de Hitler.”
Foi o que previu um ex-companheiro de Hitler alguns meses antes 46.

O Pacto de Não-Agressão obrigava os signatários a observarem relações


pacíficas entre si durante dez anos, e a não ser que fosse denunciado antes disso,
seria automaticamente prorrogado por mais cinco anos — até 1954. Um
protocolo secreto adicional determinava a demarcação da Europa oriental em
esferas de interesse alemãs e soviéticas. Finlândia, Estônia, Letônia e Bessarábia
ficavam na esfera soviética, enquanto a Lituânia ficava com a Alemanha. Foi
traçada uma linha atravessando a Polônia, embora a “manutenção de um Estado
polonês independente e a maneira como esse Estado será governado só poderá
ser definitivamente resolvida no decorrer de outros desenvolvimentos políticos”.

Alguns dias antes, fora assinado um acordo comercial de grande significado


político e militar para as duas potências. A Alemanha deveria receber matéria-
prima de primeira necessidade (madeira, algodão, cereais, torta de óleo, fosfato,
platina, petróleo, etc.) no valor de cerca de cento e oitenta milhões de
Reichsmarks, enquanto a União Soviética receberia produtos industriais e
militares manufaturados. Com um só golpe, a Alemanha protegia-se contra
qualquer combinação entre Inglaterra, França e União Soviética, e se garantia no
sentido de poder enfrentar qualquer bloqueio naval britânico, que tinha
provocado tanta confusão na economia alemã na Primeira Guerra47. Estava
aberto o caminho para o primeiro golpe contra o cerco da Entente: a destruição
da Polônia.

Exatamente uma semana depois da assinatura do protocolo secreto no Kremlin, a


Wehrmacht brindou o mundo com a primeira amostra do seu novo estilo de
guerra. Ao amanhecer de l.° de setembro, um milhão e meio de soldados alemães
atravessou a fronteira polonesa em um movimento maciço em pinça, vindos do
norte e do sul. Cerca de duzentos aeroplanos sobrevoaram a Polônia espalhando
a destruição entre os poloneses reunidos às pressas e mal-equipados. Dois
grandes grupos do exército, sob as ordens dos marechais-de-campo Von Bock e
Von Rundstedt, avançaram, rompendo a defesa das forças polonesas, até o
Vístula, na direção de Varsóvia.

No Ocidente, começou uma azáfama frenética de atividades diplomáticas, e, no


dia 3 de setembro, a Grã-Bretanha e a França, honrando seus compromissos,
declararam guerra à Alemanha. Mas os Aliados não podiam ajudar a Polônia,
que começava a entrar em colapso e estava inacessível a qualquer ajuda. Hitler
ficou menos perturbado com esse acontecimento do que com o fato de a Rússia
não ter feito o menor movimento no leste. Naquela noite, Ribbentrop telegrafou
ao embaixador alemão em Moscou dando ordens para que informasse Molotov
de que a Polônia seria destruída em poucas semanas. Pretendiam ocupar a parte
ocidental da Polônia anexada à Alemanha em 23 de agosto: não seria do
interesse dos soviéticos avançar imediatamente para a parte que lhes cabia? Esse
apelo não punha em dúvida que a Alemanha fosse capaz de conseguir a vitória
sozinha, pois escondia o desejo de mostrar aos ingleses e franceses que a Rússia
soviética era uma aliada ativa da Alemanha, e não apenas uma observadora
passiva48.

Mas Molotov recusou-se a fazer qualquer movimento, cautelosamente sugerindo


“que, com pressa excessiva, poderemos prejudicar nossa causa e promover a
unidade entre nossos oponentes”. Não se tratava de desaprovação dos sucessos
da Alemanha; em 9 de setembro, Molotov telefonara para o embaixador Von
Schulenburg, ao receber a notícia prematura da queda de Varsóvia49: “Por
favor, transmita minhas congratulações e cumprimentos ao governo do Reich
alemão”. Ribbentrop apelou novamente para a intervenção russa, mas Molotov
explicou que tudo tinha acontecido depressa demais para a máquina de guerra
soviética. Contudo, os preparativos estavam sendo feitos. Nesse intervalo, ele
achou um pretexto para a invasão soviética: poderiam dizer que a União
Soviética estava se preparando para proteger os ucranianos e bielo-russos no
leste da Polônia contra os efeitos da guerra.

Contudo, fora informado de que havia certas dificuldades. Comentava-se que a


Alemanha e a Polônia estavam para assinar um armistício, o que faria o pretexto
soviético parecer tolo. O que fazer? O medo era evidente por trás das palavras de
Molotov (palavras de Stalin, na verdade, pois ele não passava de um porta-voz).
A política soviética teria de navegar entre recifes perigosos. A Grã-Bretanha e a
França movimentavam-se com excessiva lentidão, mas seus recursos eram
imensos — quase ilimitados, se fossem apoiadas pelos Estados Unidos. E se os
Aliados vencessem, deixando a União Soviética entregue à própria sorte? Por
outro lado, se fossem cautelosos demais, a Alemanha faria a paz, deixando uma
parte da Polônia independente atrás do Vístula ou do Bug. Sob que pretexto a
Rússia poderia atacar a Polônia, se esta não estivesse mais em guerra contra a
Alemanha, mas ainda (provavelmente) aliada à Grã-Bretanha e à França? Por
outro lado, os alemães poderiam avançar até a fronteira soviética. A Rússia
soviética estava temporariamente inerte, um gigante imenso, estatelado e
covarde, com medo de agir e obrigado a fazê-lo.

Entretanto, como se passassem duas semanas de contínuo sucesso alemão e não


houvesse nenhuma evidência de qualquer atividade mais séria por parte da Grã-
Bretanha ou da França, a coragem de Stalin ganhou ímpeto. Molotov explicou
que o Exército Vermelho estava esperando notícias da queda de Varsóvia (que
ainda resistia galhardamente) antes de agir. Esse acontecimento poderia justificar
a “proteção” soviética da Ucrânia e da Bielo-Rússia polonesas. Porém, os
soviéticos não esperaram tanto (Varsóvia resistiu magnificamente até o dia 27), e
na hora característica, duas da madrugada de 17 de setembro, Stalin recebeu Von
Schulenburg e informou-o de que o Exército Vermelho atacaria a Polônia ao
nascer do dia50.

A caracterização dessa invasão como um ato protetor, apresentada por Molotov,


devia-se à necessidade de “justificar no exterior, de um modo ou de outro, a
intervenção”. Os diplomatas alemães ficaram irritados, pois, por motivos
paralelos, queriam que a Rússia se declarasse abertamente sua aliada. Uma vez
que o “exterior” de Molotov só podia significar as democracias ocidentais, era
evidente que Stalin temia ter de prestar contas de seus atos a uma Entente
vitoriosa 51. O estratagema surtiu efeito, e os diplomatas britânicos,
desencorajados com a perspectiva de um fracasso, relutavam em aceitar os fatos
como realmente se apresentavam 52.

No primeiro dia da invasão alemã, Moscou permitira a cooperação do serviço


secreto aos seus aliados 53, e então, duas semanas e meia mais tarde, o próprio
Exército Vermelho estava em marcha. Uma vasta horda de divisões
semimotorizadas e mal-equipadas espalhou-se pela fronteira, passando por uma
força mínima de guardas de fronteira poloneses. Não encontrando grande
oposição a princípio, avançaram rapidamente para se unirem aos alemães, que já
haviam chegado à linha de demarcação. Muitos soldados soviéticos e poloneses
cumprimentavam-se amistosamente, na ilusão de que o Exército Vermelho
estivesse ali para enfrentar a Wehrmacht. Porém, folhetos distribuídos pelos
homens do general Timotchenko revelavam a natureza bárbara dessa invasão
asiática: “Soldados! Matem seus oficiais e generais. Não obedeçam a suas
ordens. Expulsem os oficiais de suas terras. . . Acreditem em nós, seu único
amigo é o Exército Vermelho da União Soviética”.

No dia 19 de setembro, os canhões da fortaleza de Brest-Litovsk silenciaram,


depois de um ataque combinado das tropas nazistas e soviéticas. Uma parada na
cidadela vencida mais uma vez viu a bandeira vermelha e a suástica tremulando
lado a lado. No dia 27, a heroica Varsóvia caiu e a resistência polonesa se
desmoronou. Os alemães observaram a linha de demarcação meticulosamente, e
os conquistadores sentaram-se para saborear o banquete 54.

A despeito dessa fácil “vitória”, Stalin estava mais preocupado do que antes. A
contribuição do Exército Vermelho foi tão corajosa e valiosa quanto o ataque de
chacal de Mussolini sobre a França, vencida no ano seguinte. Aparentemente,
Hitler teria atacado a Polônia independentemente da atitude da Rússia55, e a
natureza devastadora da máquina de guerra alemã deve ter aterrorizado o
coração temeroso de Stalin. Consumia-o a suspeita de que os alemães
avançariam além da linha de demarcação 56. Nos primeiros dias do ataque
alemão, os soviéticos tinham na verdade incentivado a resistência polonesa,
talvez num vão esforço de “sangrar” a Wehrmacht e dar tempo ao seu imenso
mas primitivo exército para se mobilizar. Em 10 de setembro, Molotov declarou
que três milhões de russos já haviam sido mobilizados; como seria absurdo supor
que um número tão vasto de homens fosse necessário para dizimar os poloneses,
a única suposição é de que foi uma tentativa patética de impressionar os alemães
com o poder militar soviético 57.

Além disso, essa demora talvez escondesse também um temor real do exército
polonês, cuja eficiência Stalin já experimentara na desastrosa campanha de 1920.
Durante o acordo final, a diplomacia soviética, depois da derrota da Polônia,
traía um temor profundamente enraizado em relação à Polônia, tanto como nação
combatente, que jamais se conformara com o domínio estrangeiro, quanto como
aliada dos britânicos, cujo poder impressionante e atitudes decisivas alternavam-
se com os da Alemanha nos pesadelos de Stalin. Hitler não pretendia provocar o
desaparecimento da Polônia, mas pretendia criar um Estado sem autonomia, com
sede em Varsóvia.

A idéia não agradava a Stalin, e em 20 de setembro ele propôs a divisão de todo


o território polonês, que colocaria a fronteira soviética muito perto da Linha
Curzon. Essa fronteira marcava precariamente a marcha étnica da Polônia para o
leste, sugerida pelos britânicos em 1919, e com a qual eles contariam em 1939,
se houvesse algum problema. Uma vez que esse projeto concedia à Alemanha
maior extensão de território do que o pacto de 23 de agosto previa, Stalin sugeriu
que a Lituânia fosse anexada, em troca da parte devida aos soviéticos.
Acrescentou que, nesse caso, “a União Soviética se encarregaria imediatamente
da solução [Lösung] do problema dos países do Báltico conforme o protocolo de
23 de agosto, e esperava a ajuda incondicional do governo alemão para essa
tarefa”. Essas propostas, interessantes para os alemães, demonstram a astúcia e a
covardia da política de Stalin nessa época. Era evidente que ele ainda temia a
possibilidade da vitória anglo-francesa, enquanto tinha de conviver com a
realidade da vitória alemã. As terras agora em seu poder tinham pertencido ao
império russo, e sua anexação dificilmente provocaria um sério casus belli com
os Aliados. Qualquer revolta pela conquista recairia sobre os alemães, que
governavam mais de noventa por cento da Polônia “polonesa”. Ao mesmo
tempo, protegido pelo poderio da Alemanha armada, o Exército Vermelho
poderia reunir seus milhões de homens, e (com a devida cautela) atacar os
pequenos Estados do Báltico pelos quais os alemães não demonstravam
interesse.

O acordo oficial foi feito no Kremlin. A 27 de setembro, Ribbentrop voou


novamente para Moscou, e as negociações iniciadas na tarde do dia seguinte
estenderam-se até as primeiras horas da manhã. Às cinco horas do dia 29, foi
assinado o tratado oficial. Um preâmbulo descrevia a missão civilizadora das
duas grandes potências: a URSS e o Reich “consideram como tarefa exclusiva de
sua responsabilidade, depois do colapso do antigo Estado polonês [e como se
dera esse colapso!], estabelecer a paz e a ordem nesses territórios e garantir aos
povos que os habitam uma vida pacífica de acordo com seu caráter nacional”.
Esse propósito benéfico seria executado do modo já descrito, ou seja, a divisão
da Polônia; o tratado incluía ainda a anexação da Lituânia à Rússia em
compensação pela aquisição de Lublin e Varsóvia pelos alemães, e acrescentava
uma sombria advertência de que “as duas partes não tolerariam em seus
territórios agitações polonesas que afetassem o território da outra parte.
Reprimiriam em seus territórios qualquer indício desse tipo de agitação e
tomariam medidas em comum acordo para esse fim”.

Isso quanto aos poloneses; no que se referia aos seus aliados, os signatários
apelavam para que a França e a Grã-Bretanha fizessem a paz, agora que Hitler e
Stalin tinham “criado uma base segura para a paz duradoura na Europa
oriental...” Do contrário, continuava o tratado, “os governos da Alemanha e da
URSS efetuariam consultas mútuas para adotar as medidas necessárias”.

No banquete comemorativo daquela tarde, todos estavam felizes. Stalin bebeu


pouco, mas encorajou todos a beber. Ribbentrop mais uma vez estava em êxtase.
Alguns dias depois, o ministro do Exterior da Itália observou com amargura em
seu relatório que “ele está todo voltado para os russos, e declarou-se a favor dos
comunistas de modo tão imprudente e vulgar que todos ficaram perplexos”.
Estava presente também no banquete um funcionário soviético que devia
representar um papel crucial no “restabelecimento da paz e da ordem” na
Polônia. Um oficial alemão relata o incidente: “Béria, que estava à minha direita,
tentava fazer que eu bebesse mais do que desejava. Stalin logo notou uma
discussão entre mim e Béria e perguntou, do outro lado da mesa: ‘Sobre o que
estão discutindo?’ Quando expliquei, ele respondeu: ‘Bem, se não quer beber,
ninguém pode obrigá-lo’. ‘Nem mesmo o chefe do NKVD?’, perguntei em tom
de brincadeira. E ele respondeu: ‘Aqui, nesta mesa, o chefe do NKVD tem tanta
autoridade quanto qualquer outra pessoa’ ”58.

Esse era o destino da Polônia, um destino pregado entusiasticamente por Engels


em uma carta a Marx, escrita quase um século antes:

“Tirem tudo o que puderem dos poloneses no leste; sob pretexto de defesa,
guarneçam suas fortalezas com soldados alemães, deixem que eles criem sua
própria confusão, atirem-nos ao fogo, devorem sua terra. . . e, se os russos
concordarem, façam aliança com eles, e forcem os poloneses a ceder” 59.

A sombra de Engels não podia ser desapontada; os poloneses estavam sendo


atirados ao fogo com uma intensidade que teria satisfeito até seu espírito
vingativo. Desde os primeiros dias da invasão, ficou claro o tipo de guerra
praticado pelas novas ideologias. Bombardeios indiscriminados de alvos civis
eram realizados com crescente ferocidade pela Luftwaffe, e no dia 12 de
setembro todo o corpo diplomático estrangeiro foi testemunha de um ataque
extremamente selvagem contra a cidadezinha aberta e indefesa de
Krzemieniec60.

Contudo, isso não era nada, comparado ao que acontecia atrás das linhas de
combate. Hitler dera instruções a Himmler para que “liquidasse tudo o que
parecesse pertencer à classe alta da Polônia; se outra forma de sociedade tomasse
seu lugar, seria colocada sob vigilância e liquidada no devido tempo”. Em 8 de
setembro, os Einsatzgruppen das SS orgulhavam-se de estar matando duzentos
poloneses por dia, e no fim de setembro, centenas de milhares de poloneses
haviam sido assassinados. Seus nomes constavam de listas especiais preparadas
por Heydrich, e eram especialmente de nobres, padres e judeus. Em 27 de
setembro, quando Ribbentrop estava a caminho da Rússia para conferenciar com
Stalin, Heydrich declarou que “apenas um máximo de três por cento das classes
superiores polonesas existem ainda nos territórios ocupados”. Foi assim que
Hitler garantiu “a certeza de que a intelligentsia polonesa não poderá formar uma
nova classe”, e deu ordens para que “judeus, poloneses e todo o lixo semelhante
fosse eliminado dos territórios novos e antigos do Reich”61.

Nesse intervalo, o Exército Vermelho encontrara coragem para atacar pelas


costas os poloneses divididos. O que se seguiu foi algo horroroso, mas
previsível. O embaixador italiano em Varsóvia resumiu a situação: “...a força
aérea alemã é ... absolutamente impiedosa, e tem bombardeado constantemente
populações civis, mas a barbárie alemã é sobrepujada mil vezes pelos
indescritíveis horrores do avanço bolchevista”62. Evidentemente, o embaixador
não tinha conhecimento das atividades dos Einsatzgruppen, mas nenhuma
descrição seria exagerada para definir a natureza da invasão soviética.

Não havia realmente necessidade de criar Einsatzgruppen marxistas, uma vez


que o NKVD e sua predecessora, a Tcheka, vinham exercendo havia vinte anos
as mesmas atividades. Enquanto o Exército Vermelho se insinuava
nervosamente na direção da linha de demarcação, apavorado com a possibilidade
de a Wehrmacht mudar de idéia e avançar além dessa linha, milhares de
batalhões do NKVD espalhavam-se pelo território indefeso da retaguarda. O
Exército Vermelho limitava-se ao estupro (as velhas eram vítimas escolhidas,
pois acreditavam que o estuprador viveria até a idade de suas vítimas; assim,
mulheres de noventa anos eram frequentemente violentadas uma e mais vezes) e
à pilhagem. A própria pilhagem era ocasionalmente limitada pelo terror dos
invasores, quando se defrontavam com aparelhos assombrosos como um ferro
elétrico, por exemplo.

Porém, o que realmente aterrorizava os poloneses era o NKVD. Chegava alguns


dias depois do exército “regular”, estabelecia suas sedes em todas as cidades e
trabalhava de preferência à noite. À semelhança da Gestapo, tinha listas de certas
categorias de cidadãos, que relacionavam desde aristocratas e padres até
funcionários da Cruz Vermelha, pessoas que falavam esperanto, filatelistas e
assim por diante. Recolhidos apressadamente às prisões, esses indivíduos eram
depois transportados pela longa fila de vagões para transporte de gado que
chegavam ruidosamente à estação local. A viagem era um pesadelo, preparando-
os para o que os esperava no local de destino. Um vagão, por exemplo,
transportava trinta e seis prisioneiros.

“O trem levou seis semanas para chegar a Moscou, e durante esse tempo os
prisioneiros receberam pão e água a intervalos irregulares. Dos trinta e seis
passageiros daquele vagão, somente três chegaram vivos ao seu destino. O trem
parava por longos períodos em diversos desvios, e uma vez por semana a porta
do vagão era aberta apenas o suficiente para deixar cair os mortos.

Corpos de crianças congelavam-se na neve, e as mães, na vã tentativa de


restaurar-lhes a vida, cobriam-nos com seus próprios corpos e sentiam o frio
mortal subindo-lhes pelos membros até tocar seus corações.”

As crianças que sobreviviam, pelas quais os soviéticos pareciam nutrir um ódio


especial, gritavam e choravam continuamente de frio, fome e medo. Os vagões
estavam lambuzados de excremento deixado pelos batalhões de assalto do
Exército Vermelho, que os usavam também como transporte. Através de
orifícios existentes nos lados dos vagões, as famílias polonesas viam pela última
vez uma propriedade rural que tinham amado, uma vaca favorita, ou uma igreja
condenada. Guardas do NKVD privavam os prisioneiros de água,
deliberadamente, de modo que estes eram levados a beber a própria urina; suas
línguas negras e rígidas projetavam-se das bocas e gargantas repugnantes.
Crianças nasciam durante a viagem interminável e morriam nos braços das mães
agonizantes.

Como explicou um polonês que fez essa viagem macabra: “Volumes e volumes
podiam ser escritos só com as histórias desses trens. E ainda assim, a história não
teria sido contada porque não há palavras que reproduzam as emoções
experimentadas e as sensações sofridas. Podem-se dar fatos ao leitor. Mas ele
não pode compartilhar da experiência”. Esses sofrimentos não eram provocados
apenas por omissão ou falta de recursos. Em nenhuma ocasião os guardas do
NKVD demonstraram qualquer sentimento que não fosse a crueldade gratuita e
o desprezo63.

O destino de todos aqueles infelizes eram, naturalmente, os campos de


escravidão do GULAG e outras instituições penais semelhantes, cujo objetivo
era matar de trabalho os inimigos do regime. Seus “crimes” iam desde
hostilidade declarada à ocupação estrangeira até “invasão ilegal da fronteira”,
isto é, ter acordado na zona de ocupação soviética, depois da invasão 64. O
índice de mortalidade era pavoroso, desde grupos inteiros de trabalho, mortos
por congelamento e abandonados, até o caso de três mil poloneses que morreram
de envenenamento por chumbo, nas minas de chumbo de Tchukhotsk, em agosto
de 1940 65.
Estima-se que um total de um milhão a um milhão e meio de poloneses
(inclusive prisioneiros de guerra) foram deportados para a União Soviética entre
1939 e 1941 66. No espaço de dois anos, cerca de duzentos e setenta mil tinham
morrido assassinados, de inanição, doença e fome67. A população dos territórios
ocupados era de cerca de doze milhões68, o que significa que cerca de um
décimo foi levado à escravidão e às prisões, e cerca de um quarto,
deliberadamente assassinado.

É interessante comparar essas estatísticas com as populações da Grã-Bretanha e


dos Estados Unidos na época. Se o Exército Vermelho tivesse tido oportunidade
em 1939 de libertar a Inglaterra da sua classe exploradora de capitalistas, a
proporção equivalente de pessoas levadas para os campos da Sibéria e do
Círculo Ártico seria de quase cinco milhões, isto é, toda a população da Grande
Londres, Yorkshire, Lancashire ou Escócia. Desses, um quarto de milhão de
homens, mulheres e crianças teriam morrido, uma parte com uma bala na nuca e
o resto por inanição e crueldade. Assim, toda a população de Warwickshire,
Middlesex ou Staffordshire poderia ser liquidada até o último homem.

Nos Estados Unidos, as unidades do NKVD teriam enviado cerca de treze


milhões de pessoas, através do Pacífico, para Vladivostok e para o complexo de
Kolyma, o que equivale a toda a população de Nova York. Dezoito meses
depois, três milhões e um quarto teriam desaparecido, seus corpos rígidos sendo
devorados pelos lobos no gelo permanente, o que equivale a toda a população da
Virgínia Ocidental, de Dakota do Norte, de New Hampshire e do Arizona.

Naturalmente, cenas igualmente pavorosas desenrolavam-se na região mais


populosa da Polônia, ocupada pelos alemães. Quando a Gestapo e o NKVD
começaram a executar suas tarefas paralelas, tornou-se evidente que tinham o
mesmo objetivo, e não faltavam oportunidades de colaboração amistosa. Foram
estabelecidas relações de trabalho entre as duas forças de segurança, e um
representante da Gestapo fazia viagens regulares para reuniões de consulta com
o general Ivan Serov, do NKVD, na cidade de Lvov, ocupada pelos soviéticos69.
A Alemanha e a Rússia soviética, pelo tratado de 28 de setembro, tinham
concordado em agir para eliminar a oposição polonesa ao seu governo conjunto,
e foram tomadas medidas eficazes para esse fim. Grande número de prisioneiros
de guerra poloneses foram trocados na fortaleza da fronteira, em Brest-Litovsk
70.

O símbolo mais marcante da determinação dos dois Estados totalitários de


esquecer a antiga hostilidade e agir como amigos foi o tratado secreto de ceder
refugiados políticos, que os dois países haviam asilado antes do pacto de 23 de
agosto. Marxistas alemães que viviam em Moscou foram entregues à Gestapo
em Brest-Litovsk 71. Assim, o infeliz povo polonês teve oportunidade de
comparar ao vivo os sistemas penais dos dois Estados socialistas; uma
comparação pouco lisonjeira para as instalações do GULAG72.

Os mais sacrificados foram os judeus da Polônia. No território alemão, a fúria


tremenda dos Einsatzkommandos das SS abatia-se sem trégua sobre esse povo
indefeso. A campanha começou com provocações e crueldades gratuitas. Em
Turck, no dia 30 de outubro de 1939,

“um grande número de judeus foi levado para a sinagoga e obrigado a se arrastar
entre os bancos, cantando, sob os golpes de chicotes dos homens das SS.
Fizeram-nos tirar as calças para serem chicoteados nas nádegas. Um judeu que
sujou a calça, de medo, foi obrigado a passar as próprias fezes nos rostos dos
outros”.

Cenas como essa foram o prelúdio do assassinato em massa e da desapropriação,


bem conhecidos de todos, não sendo necessárias maiores explicações73. O
antissemitismo havia se espalhado por algumas regiões da Polônia antes da
guerra, mas agora os judeus compreendiam que estavam sob uma ameaça pior
do que qualquer coisa que já haviam experimentado em séculos de perseguição.

Sendo assim, não admira que muitos deles vissem nos invasores soviéticos seus
salvadores ou, pelo menos, o mal menor. Logo depois da invasão, um grande
número de judeus fugiu para a zona soviética 14. Durante as confusas primeiras
semanas de guerra, muitos conseguiram cruzar a linha, mas o tratamento que
receberam nas mãos do NKVD os levou a um ódio quase universal pela URSS e
por tudo o que ela representava. Como observou o embaixador polonês em
Moscou, em 1942, “sua atitude em relação à Rússia é hoje muito mais severa e
inflexível do que dos poloneses não-judeus, que não tinham nenhuma ilusão
quanto ao tratamento que lhes dariam os russos”7S. Um deles era o dr. Julius
Margolin, um famoso sionista. Antes da guerra, ele compartilhava da opinião de
grande parte da Europa ocidental e dos Estados Unidos:

“É verdade que o sistema deles não serve para nós, na Europa. Mas parece que é
um regime que satisfaz aos desejos do povo russo. É assunto deles, pediram isso.
Para nós, europeus, tem o valor de uma grande experiência social, e podemos
aprender muito com a União Soviética”.

Entretanto, o dr. Margolin acabou fazendo parte da “grande experiência social”.


Passou cinco anos nos campos do GULAG e depois de voltar à civilização, em
1946, publicou uma retratação completa e honrosa:

“A Rússia está, na verdade, dividida em duas partes, a Rússia livre [e] a outra
Rússia — a segunda Rússia, atrás da cerca de arame farpado —, que consiste em
milhares, infinitos milhares de campos, locais de trabalho compulsório, onde
estão internados milhões de pessoas. . . Desde sua instalação, os campos
soviéticos devoraram maior número de indivíduos, fizeram maior número de
vítimas do que quaisquer outros campos juntos — os de Hitler e outros —, e essa
máquina mortal continua funcionando a todo o vapor. . . Uma geração inteira de
sionistas morreu nas prisões, nos campos e no exílio” 76.

A história registra também o fato extraordinário de que os judeus recorriam ao


suborno e a outras medidas desesperadas para escapar do território soviético,
rumo à misericórdia branda dos nazistas77. Contudo, a muitos foi poupada a
desilusão dessa fuga dupla. No inverno de 1939-40, milhares de judeus
aterrorizados, fugindo da selvageria das SS, chegaram à terra de ninguém, na
margem leste do rio Bug. Haviam deixado para trás os chicotes e as coronhas
dos rifles dos carrascos de Heydrich, e agora viam-se à frente de uma verdadeira
parede de tropas da fronteira, o NKVD, que abria fogo de metralhadora e
açulava cães selvagens em quem tentasse cruzar a fronteira. Durante os rigorosos
meses de inverno, uma multidão de judeus dormiu ao relento, espremida entre as
terras dos conquistadores aliados. Seu número continuou a diminuir com a morte
por exposição às intempéries e privações, enquanto outros, desesperados,
voltavam à zona alemã, para os abatedouros de Maidanek e Belsen.

“Alguns, porém, não desistiram e ficaram nas margens do rio, à espera de uma
oportunidade para atravessar. Às vezes, à noite, um deles separava-se daquela
massa humana informe, corria por alguns metros na planície coberta de neve e
então, apanhado pelo facho de um holofote soviético, caía no solo gelado
atingido pelas balas de metralhadora. Então, lamentos e choros espasmódicos
juntavam-se às mãos que se erguiam como débeis chamas ameaçando o céu, e
depois tudo voltava ao silêncio mortal da espera.” 78

No fim do ano (1939), Stalin enviou calorosos cumprimentos a Hitler,


acentuando o fato de que a amizade entre os povos da União Soviética e da
Alemanha nazista tinha todos os motivos para ser sólida e duradoura, cimentada,
como fora, com sangue 79. Era a pura expressão da verdade: o sangue de
milhares de poloneses e judeus.

VII. Desfrutando a pilhagem

Em Moscou, na noite de 15-16 de agosto de 1942, Churchill perguntou a Stalin


por que tinha assinado o pacto com Hitler, em 1938.

“Stalin respondeu que pensou que a Inglaterra estivesse blefando; sabia que
tínhamos apenas duas divisões capazes de mobilização imediata, e pensou que
devíamos saber do estado precário do exército francês e da pouca confiança que
ele inspirava. Não imaginou que pudéssemos entrar na guerra nessa situação de
fraqueza. Por outro lado, disse que sabia que a Alemanha pretendia, no fim,
atacar a Rússia. Não estava preparado para enfrentar esse ataque; atacando a
Polônia ao lado da Alemanha, conseguiria maior território, e território
significava tempo; assim, teria mais tempo para se preparar.” 1

Essa explicação parece convincente à luz dos fatos subsequentes, o bastante para
ser aceita como verdade dentro da União Soviética e por vários historiadores de
todo o mundo 2. Porém, não há nela uma palavra verdadeira. Stalin não avaliou
a fraqueza militar dos Aliados até o fim da primavera de 1940; parece certo que
não acreditava no ataque alemão contra a Rússia em futuro próximo; e,
considerando-se que território equivalia a tempo, Stalin ganhou menos de três
semanas com suas concessões, o tempo que a Wehrmacht precisou para
atravessar a Polônia ocupada pelos soviéticos, em junho e julho de 1941. Mais
tarde, Khrushchev declarou que o pacto fora uma necessidade desagradável3; é
duvidoso que fosse uma necessidade, e certamente não foi desagradável.

Para Stalin e para a maioria dos funcionários do Partido, o pacto não foi uma
necessidade premente, mas uma aliança muito compatível. Aparentemente,
durante um certo tempo, só o medo (dos Aliados, não dos alemães) evitou que a
União Soviética se aliasse à Alemanha como co-beligerante.

Para Hitler, por outro lado, o pacto representava, sem dúvida alguma, tempo para
respirar, e a guerra com a União Soviética continuou a ser seu objetivo último.
Tinha uma admiração pessoal por Stalin e respeitava o bolchevismo como uma
ideologia que podia ser comparada, em muitos pontos, à força dinâmica do
nacional-socialismo. Mas desde que expôs sua intenção declarada de incrustar o
Lebensraum alemão nos grandes espaços do leste, nas páginas do Mein Kampf,
seus propósitos raramente se desviaram dessa meta. Era apenas uma questão de
oportunidade 4. Entretanto, a certeza de que as duas grandes potências
ideológicas se enfrentariam nos campos de batalha jamais afetou as relações
cotidianas entre a liderança nazista e a soviética, e a maioria dos seus membros
acreditava que a aliança era permanente. Como Ribbentrop explicou para os
italianos, em 10 de março de 1940, a União Soviética tornara-se uma parceira
respeitável: era agora nacionalista, tinha dado cabo dos judeus e não interferia
mais nos negócios internos da Alemanha 5.

Na medida em que se pode separar os aspectos econômicos e políticos do pacto,


o que interessava a Stalin eram as vantagens políticas, e para Hitler, as vantagens
econômicas eram mais importantes. Naturalmente, o Führer compreendia a força
da diretriz de Bismarck e os erros da Alemanha em 1914, e não era a favor de
fazer guerra em duas frentes. Mas as possibilidades de a União Soviética ir em
auxílio da Polônia eram tão fracas que podiam ser virtualmente ignoradas, e tudo
indica que Hitler teria atacado a Polônia, com ou sem o pacto. Como declarou
em novembro de 1939, o pacto duraria o tempo que fosse conveniente para
Stalin e para ele, Hitler6.

O pacto continuou a ser muito conveniente para Stalin, e foi com um real
sentimento de ter sido traído que recebeu a notícia inesperada da sua ruptura, em
22 de junho de 1941. O protocolo secreto, escrupulosamente cumprido pela
Alemanha no primeiro ano, concedia à União Soviética uma esfera de influência
que ia muito além do oeste de suas fronteiras na Europa oriental. Essa região
correspondia praticamente à parte da Rússia imperial desmembrada na época da
revolução. Durante vinte anos, a liderança soviética contemplara os territórios
tomados com cobiça e temor. A Finlândia, os Estados bálticos, a Polônia oriental
e a Bessarábia pertenciam à Rússia por direito. A expansão da revolução, por
muito tempo adiada, inevitavelmente teria de começar por esses Estados sem
autonomia. Além disso, à medida que cresciam a suspeita e o temor de Stalin na
década de 30, nesses Estados surgiram segmentos livres violentamente
antissoviéticos, formados por grupos nacionais proeminentes da URSS. Se os
ucranianos ou os bielo-russos sonhavam com uma contrarrevolução, certamente
era por instigação dos seus compatriotas, que viviam em segurança sob o
domínio de Stalin, e que podiam, por sua vez, tentar a intervenção em uma ou
outra das grandes potências.

Stalin não poderia respirar livremente enquanto todas as raças componentes do


antigo império russo não estivessem sob o controle do NKVD. Agora, o maior
poder militar do continente não só lhe havia dado liberdade total para absorver
os territórios desejados, como também permanecia vigilante do outro lado da
linha divisória, preparado para combater qualquer intervenção das potências da
Entente. Ainda assim, Stalin demonstrou uma cautela que revelava acentuada
falta de confiança na capacidade do Exército Vermelho em tomar qualquer
Estado que não fosse extremamente fraco. A Polônia foi atacada apenas quando
seus exércitos estavam praticamente desintegrados, e os três pequenos Estados
bálticos foram obrigados, sob ameaça, a aceitar a situação de “bases” militares
soviéticas. Mas sua anexação completa foi adiada até o verão seguinte, bem
como o confronto com a Romênia, enquanto se faziam preparativos maciços
para um ataque à Finlândia, que tinha uma população pouco maior do que o
número de homens do exército russo.

A dádiva de Hitler foi generosa, assim como o que recebeu em troca. Em 11 de


fevereiro de 1940, Molotov e Ribbentrop assinaram um acordo comercial
alemão-soviético. Os soviéticos concordavam em fornecer à Alemanha, durante
os dezoito meses seguintes, matéria-prima no valor de cerca de seiscentos e
cinquenta milhões de Reichsmarks. A Rússia soviética concordava em permitir
que as importações alemãs atravessassem território russo, e a União Soviética
agiria como intermediária da Alemanha na compra de metais e matérias-primas
do resto do mundo, evitando assim o bloqueio inglês. Por seu lado, a Alemanha,
durante os sete meses seguintes, forneceria transporte, processamento e
instalação para os produtos industriais da URSS e material bélico 1.

Os soviéticos receberam uma quantidade considerável de armamentos valiosos,


mas, como provaram os acontecimentos, eles não representaram aumento
substancial no potencial militar da Rússia. Por exemplo, a marinha alemã
transferiu seu cruzador Lützov, cuja construção não estava terminada, para a
marinha vermelha. O cruzador foi rebocado para Leningrado, mas os
engenheiros alemães interromperam os trabalhos devido às ocorrências de 1941,
e no fim da guerra o casco inútil estava ainda nas docas 8.

Por outro lado, o acordo representou benefícios incalculáveis para a Alemanha.


Foi providenciado o suprimento, feito pela Rússia, de um milhão de toneladas de
alimento para o gado, novecentas mil toneladas de óleo mineral, cem mil
toneladas de algodão, quinhentas mil toneladas de fosfatos, cem mil toneladas de
minério bruto de cromo, quinhentas mil toneladas de minério bruto de ferro,
trezentas mil toneladas de sucata e lingotes de ferro, e outros materiais vitais
para o esforço de guerra alemão. Em setembro de 1940, as reservas de cereais da
Alemanha, como foi registrado no Ministério do Exterior, “serão usadas nas
plantações deste ano, de modo que entraremos no próximo ano sem essas
reservas”. A Alemanha dependia totalmente do suprimento soviético para essa
mercadoria essencial, e em maio de 1941, o mesmo funcionário registrou, com
satisfação, que “as quantidades de matéria-prima encomendadas estão sendo
entregues regularmente pela Rússia, apesar do pesado fardo que isso significa
para eles, o que, especialmente no que se refere aos cereais, representa um
desempenho notável, uma vez que a quantidade total de cereais a ser entregue,
segundo o acordo de 10 de abril deste ano. . ., importa em mais de três milhões
de toneladas até l.° de agosto de 1942” 9.

O petróleo e o algodão russos foram também cruciais para a manutenção da


máquina de guerra alemã durante as campanhas de 1940 e 1941, bem como a
borracha do Extremo Oriente importada pela Estrada de Ferro Transiberiana. Na
verdade, este último fator foi tão vital que o general Thomas (chefe da economia
de guerra da Wehrmacht e do Escritório de Armamentos) foi contrário à guerra
contra a Rússia, dando como único motivo o corte do transporte vital de
borracha para a Alemanha.

Ambos os países estavam conscientes da dependência da Alemanha no que se


referia à matéria-prima soviética e às facilidades de importação. “Os suprimentos
fornecidos pelos russos têm sido até agora um apoio muito substancial à
economia alemã”, notou o dr. Karl Schnurre, do Ministério do Exterior, em
setembro de 1940; e em 13 de novembro, Molotov enfatizava para Hitler “o fato
de que o acordo alemão-russo havia concorrido para as grandes vitórias alemãs”
10.

Evidentemente, não podemos fazer uma estimativa do quanto as vitórias alemãs


de 1940 dependeram realmente do suprimento de matéria-prima da Rússia. Sem
dúvida, o poder de fogo e a extraordinária mobilidade da Wehrmacht devia
muito ao petróleo russo, algodão-pólvora e outras matérias-primas. Eliminaram
completamente os efeitos da política dos Aliados de desgastar a agressão alemã
por meio do bloqueio — uma arma aperfeiçoada no fim da Primeira Guerra, com
efeitos desastrosos para a economia alemã, que sem dúvida apressara o término
da guerra e que foi provavelmente o principal fator da derrota alemã em 1918
11.

No outono de 1938, Churchill informou Roosevelt de que “seus cálculos sobre a


posição de Hitler em relação ao petróleo indicam que ele está chegando ao fim”
12. Ele não sabia ainda que milhares de toneladas estavam sendo preparados
para embarcar para o Ocidente, nos campos petrolíferos de Baku. Como disse
Hitler aos seus generais, em 22 de agosto, “não precisamos temer um bloqueio.
O Oriente nos suprirá de cereais, gado, carvão, chumbo e zinco” 13. Em suma,
como sugeriu um estudioso, é “uma questão . . . em aberto ... se, sem a ajuda
soviética, especialmente o suprimento de petróleo e o tráfego da borracha, o
ataque alemão no leste, em 1940, teria sido tão bem sucedido quanto foi, e se o
ataque à União Soviética teria sido possível” 14.

Certamente, sob o ponto de vista soviético, a ajuda econômica à Alemanha não


era um mero quid pro quo, mas um meio positivo de auxiliar o esforço de guerra
alemão. Foram eles que compararam o acordo ao recebimento, pela Inglaterra,
de suprimentos por meio do lend-lease, provenientes dos Estados Unidos 15, e a
cooperação soviética com a Alemanha demonstrou uma boa vontade e intenção
de agradar que não se via desde a revolução. “A União Soviética”, disse Stalin,
“estava interessada em ter uma Alemanha forte como vizinha, e, no caso de
conflito armado entre a Alemanha e as democracias do Ocidente, os interesses
da União Soviética e da Alemanha certamente percorreriam um curso paralelo.”
16 Os ditadores trocaram cumprimentos afetuosos no Natal daquele ano 17, e o
embaixador Von Schulenburg recebeu uma bela vila (datcha) como presente do
governo soviético 18. Os escritórios do consulado alemão na União Soviética,
fechados desde 1937, foram reabertos l9, privilégio obstinadamente negado aos
próximos aliados da Rússia, a Grã-Bretanha e os Estados Unidos, depois de
1941.

Embora a União Soviética hesitasse em se unir à Alemanha como aliada


beligerante, forneceu aos alemães cooperação militar muito mais eficaz do que a
que os Estados Unidos davam à Grã-Bretanha na época. À marinha alemã foram
concedidas facilidades em Murmansk, numa escala que contrasta em vários
aspectos com as restrições impostas aos Aliados para o uso do mesmo porto,
entre 1941 e 1945. O Bremen, navio de passageiros alemão, refugiou-se nesse
porto, bem como diversas embarcações que haviam furado o bloqueio, e os
soviéticos adotaram medidas que violavam a lei internacional para permitir a
fuga dos alemães com um navio mercante americano que fora capturado, o City
of Flint 20. Cruzadores alemães auxiliares foram equipados em Murmansk para
ataques de surpresa aos navios mercantes ingleses.

Mais ainda, os soviéticos permitiram que a Alemanha instalasse uma base em


solo russo. Em outubro de 1939, as marinhas alemã e soviética estabeleceram,
em conjunto, a base, chamada “Basis Nord”, na baía de Zapadnaia Litza, perto
de Murmansk. Prestou grandes serviços aos submarinos alemães que operavam
no mar do Norte e desempenhou papel importante no suprimento para a invasão
da Noruega. (Depois disso, a base foi abandonada, por ser desnecessária.) Os
soviéticos ajudaram um cruzador de combate alemão, o Schiff 45, a atravessar o
gelo da Sibéria, a caminho do Pacífico, onde afundou e capturou sessenta e
quatro mil toneladas de navios mercantes aliados. Dessa e de muitas outras
formas o governo soviético prestou assistência significativa à marinha alemã,
que de outro modo ficaria extremamente vulnerável21.

As duas potências totalitárias não se moviam em uníssono apenas nas relações


externas. A propaganda antissoviética emudeceu na Alemanha22, enquanto na
Rússia foram tomadas medidas extraordinárias para garantir que a população
apoiasse a nova aliança com entusiasmo. Livros antialemães, cartazes e filmes
foram tirados de circulação, e a imprensa adotou uma atitude decididamente
favorável ao esforço de guerra alemão. Foram realizadas na Rússia exposições
que exaltavam as realizações artísticas, econômicas e militares dos nazistas, e
foram encenadas produções especiais das óperas de Wagner nos teatros da
capital. Até no mundo secreto do GULAG, Béria baixou um decreto proibindo
que se usasse o termo “fascista” pejorativamente. A lealdade à aliança com a
Alemanha estava tão entranhada, que um polonês foi preso cinco semanas depois
da invasão alemã na Rússia “por atividades antigermânicas”, assim como
prenderam o ex-conselheiro soviético na embaixada de Paris um mês depois 23.

A lealdade ao pacto com Hitler não era demonstrada apenas na Rússia. Partidos
comunistas do mundo todo eram filiados ao Komintern, cujo quartel-general
ficava na Mokhavaia Ulitsa, 6, em frente ao Kremlin, em Moscou.
Teoricamente, o Komintern era uma instituição independente, que coordenava a
luta dos partidos nacionais para a revolução mundial. No quinto andar da sede
ficava o escritório da OMS (Otdiel Mejdunarodnoi Sviazi, “Seção de Ligação
Internacional”), um organismo interno encarregado de dirigir as táticas do
Partido Comunista. Na verdade, o Komintern não gozava de nenhuma
independência e era simplesmente um ramo da OGPU (mais tarde, o NKVD),
cujos guardas em trajes civis policiavam o prédio, tratando os altos funcionários
da Internacional com desprezo mal disfarçado24.

Entretanto, no exterior, o NKVD desempenhava apenas um papel secundário


(sob a forma de subornos, chantagem, assassinatos, etc.) na manutenção da
unidade comunista sob a liderança soviética. A lealdade e a devoção à causa
foram postas à prova como nunca com a notícia do extraordinário pacto nazi-
soviético. Por razões óbvias, nenhum comunista estrangeiro fora previamente
informado dos acontecimentos, e a notícia foi recebida com um choque
profundo. Na Grã-Bretanha, John Strachey chorou copiosamente, temendo que
toda a sua posição política fosse desmantelada. Entretanto, consolou-se com o
fato inegável de que, “se a Rússia era um país socialista, então, tudo o que fazia
era no interesse do socialismo”25. Outros tiveram abalos emocionais
semelhantes, mas a maioria logo entrou na nova linha. A 2 de fevereiro de 1940,
o comunista alemão Walter UIbricht obteve permissão do governo nazista para
publicar um artigo no Die Welt, no qual declarava que “aqueles que fazem
intriga contra a amizade dos povos alemão e soviético são inimigos do povo
alemão e cúmplices do imperialismo britânico”.

O Daily Worker britânico adotou uma linha semelhante, até a invasão da Rússia
pela Alemanha26. Em 7 de outubro de 1939, Claud Cockburn saudou com júbilo
a aliança nazista: “Nesta semana excepcional, surgiu subitamente ante os olhos
do mundo a possibilidade de paz. Quero com isso dizer possibilidade prática. E
quero dizer paz genuína”. Cockburn referia-se ao apelo de Hitler feito no
Reichstag no dia anterior. Stalin não havia ainda tentado uma aproximação com
os Aliados. Essas ofensivas de paz eram um dos muitos fatores que tinham como
objetivo minar o moral aliado naquele inverno27.

Nos Estados Unidos, o Daily Worker americano adotou linha idêntica. Em 19 de


setembro, quando a guerra estava no auge na Polônia, o jornal publicou uma
declaração do Comitê Nacional, denunciando a guerra como imperialista e digna
do repúdio dos trabalhadores. Simpatizantes como Dashiell Hammett, Theodore
Dreiser, Anna Louise Strong e Corliss Lamont também adotaram uma atitude
pró-soviética e pró-Eixo, embora muitos outros tenham se afastado com
repugnância28. Os sindicatos comunistas começaram a sabotar a produção nas
fábricas de munições, temendo que a Grã-Bretanha ou a França recebessem
algum auxílio, e, até a véspera da Operação Barba-Roxa, a propaganda
comunista fez o possível para dissuadir os Estados Unidos de prestar ajuda às
democracias assediadas 29.

Entretanto, os partidos comunistas britânico e americano representavam


minorias com pouca repercussão popular. Na França, a situação era outra. O
Partido Comunista tinha o apoio de grande parte da população e milhões de
seguidores. Como seus equivalentes britânico e americano, não tinha autoridade
para formular nenhuma política individual, e seguia as diretrizes de Stalin ao pé
da letra. Um dos seus principais representantes, Jacques Duelos, fora
reconhecido por Trotsky como agente da “antiga GPU” 30. O Partido trabalhou
tão arduamente para solapar o esforço de guerra francês como se fosse uma
quinta-coluna. Seu líder, Maurice Thorez, foi para Moscou um mês depois da
entrada da França na guerra, para dirigir a resistência à preparação do seu país
para combater os alemães 31. Em novembro de 1940, Thorez e Duelos
exultaram abertamente com a queda da França 32, e Thorez admitiu “que a luta
do povo francês tinha a mesma finalidade que a luta do imperialismo alemão.
Nesse sentido, existe de fato uma aliança temporária”33.

Essa aliança se manifestava em termos concretos. Os folhetos de propaganda


alemã jogados sobre a Linha Maginot faziam notar, assustadoramente, que “a
Alemanha, depois da vitória contra a Polônia e desde o seu pacto com a Rússia,
dispõe de recursos inexauríveis de homens e material”34, enquanto todos os
deputados comunistas faziam uma petição ao presidente Herriot para que fizesse
a paz em resposta ao apelo de Hitler 35. Depois que as publicações comunistas
foram suprimidas, por decreto, na França, o Partido continuou a publicar sua
propaganda nos jornais alemães, como informou Ribbentrop, divertido, ao conde
Ciano36. Os panfletos incitavam os soldados, os estivadores e outros, que faziam
trabalho essencial ao esforço de guerra, a resistir e sabotar o esforço do seu país.
Em março de 1940, um folheto do Partido declarava que a impossibilidade de a
França desfechar uma ofensiva devia-se à eficiência da sua propaganda
derrotista, e que, sem dúvida, esse fato, aliado a sérios casos de sabotagem nas
fábricas de munições, desempenhou um papel importante na derrota catastrófica
de junho de 1940 — uma derrota com a qual Thorez e Duelos se rejubilaram
abertamente37.

No dia 18 de junho (o dia em que o general De Gaulle lançou seu apelo em


Londres), delegados comunistas entraram em contato com o Departamento de
Censura da Alemanha pedindo permissão para publicar o jornal do partido,
L'Humanité. Presos pela vigilante polícia francesa, foram postos em liberdade
pela Gestapo no dia 25. Seguiram-se novas negociações com os nazistas, e, em l.
° de julho de 1940, L’Humanité publicou um artigo que agradou tanto a seus
patrões soviéticos quanto a seus aliados nazistas:

“NÃO PARA A INGLATERRA

O general De Gaulle e outros agentes do capital britânico gostariam de obrigar


os franceses a lutar pela Cidade [de Londres] ... Os franceses darão a resposta de
Cambrone [merde ] a esses cavalheiros ...”38

A propaganda antibritânica dos comunistas era extraordinariamente ferina, e


foram feitas tentativas enérgicas no sentido de colocar o exército francês contra
seu aliado 39. Por mais espantoso que possa parecer à primeira vista, é provável
que a campanha antipatriótica do Partido Comunista Francês fosse dirigida por
um auxiliar direto de Hitler.

Mais tarde, Khrushchev recordava-se de que “Stalin disseme certa vez que Hitler
havia pedido um favor através de canais secretos. Hitler queria que Stalin, como
o homem de maior autoridade e prestígio no mundo comunista, convencesse o
Partido Comunista Francês a não liderar a resistência contra a ocupação alemã
na França”. Stalin afirmou que havia declinado energicamente “um acordo tão
degradante. . . Hitler havia descido a novas profundezas de imundícies e
vilania”40. Mas deduz-se claramente dos acontecimentos que Stalin havia
descido alegremente com Hitler a essas profundezas. Thorez estava praticamente
preso em Moscou, e não poderia ter enviado instruções ao Partido Comunista
Francês sem a autorização de Stalin.

O apoio dos comunistas franceses ao aliado de Stalin, nessa época, desempenhou


papel crucial na destruição da disposição do povo para resistir. Uma vez que a
França era o ponto central da oposição da Entente a Hitler, foi um golpe de
enorme importância estratégica41. Especialmente importante nesse contexto é o
fato de que o Partido Comunista Francês sempre se distinguiu por sua completa
submissão a Stalin, podendo ser considerado como um ramo da GRU ou do
NKVD 42. Portanto, o apoio fervoroso que deu a Hitler em 1940 confirma mais
uma vez que o interesse de Stalin coincidia com uma vitória alemã. Se sua única
consideração fosse o temor da força da Alemanha, ele poderia ter declarado o
Komintern e os partidos comunistas estrangeiros organismos independentes com
políticas próprias. Mas foram tomadas as mais severas medidas disciplinares
para garantir que todos trabalhassem para a causa comum. No mundo todo os
partidos comunistas sabotaram ou ignoraram os movimentos nacionais
antinazistas. Na Iugoslávia, onde o movimento comunista havia usado todas as
suas energias para desacreditar os ingleses e franceses, ouviu-se o primeiro apelo
de Tito para a luta contra o invasor alemão. . . em 22 de junho de 1941! Não foi
a conquista da Iugoslávia que fez ferver sua ira, mas a invasão da Rússia43.
Muito distante, em Buenos Aires, Nicholas Cheetham, na embaixada britânica,
informava que diplomatas nazistas “estão colaborando com os comunistas locais
na perigosa tentativa de conquistar as massas com o brado de ‘abaixo o
capitalismo britânico e a exploração comercial’ ”44.

De modo geral, a atitude de Stalin para com a Alemanha era a de um aliado ativo
e leal, disposto a qualquer coisa para agradar aos nazistas, exceto entrar na luta.
E quanto a isso, o único fator inibitório era o medo invencível de declarar guerra
a qualquer potência maior do que a Finlândia ou a Letônia. Como observaram
inteligentes diplomatas britânicos, Stalin não temia tanto a derrota militar quanto
a possibilidade de uma consequente revolta interna contra seu regime
selvagem45. Mas ele fez mais do que apaziguar seu formidável aliado, e a
extensão do seu apoio aos alemães sugere que estava trabalhando para a vitória
do nazismo. Naturalmente, um impasse sangrento na Linha Maginot teria sido
muito mais conveniente para ele, mas como esse equilíbrio tão delicado parecia
impossível, compreendeu que sua chance de sobrevivência estava no triunfo do
seu poderoso protetor nazista e não nos Aliados, bois estes eram amigos da
Polônia e da Finlândia, presas que ele não estava disposto a devolver.

Grande parte da atitude apaziguadora de Stalin para com a Alemanha pode ser
atribuída ao medo e ao desejo de agradar. Mas a guerra enérgica de sedição e
propaganda seria supérflua só com esses motivos, e seus aspectos secretos
revelam a direção real da política soviética. Ele superestimava a força militar da
França e da Inglaterra, e, sem confiança no Exército Vermelho, achava que só
podia confiar na Wehrmacht para proteção 46.

Provavelmente, o golpe de propaganda mais bem-sucedido de Stalin foi a


disseminação do mito de que as aquisições territoriais soviéticas em 1939 tinham
por fim estabelecer uma linha estratégica avançada, para o caso de um ataque
alemão. Essa história foi largamente aceita, mas é decididamente inverídica.
Dezoito meses mais tarde, quando Hitler desfechou sua invasão, praticamente
nada tinha sido feito no sentido de fortificações, linhas defensivas ou campos de
aviação militares, para aproveitar as áreas ganhas com o pacto nazi-soviético 47.
Não é fácil imaginar uma razão plausível para que Stalin se recusasse a dar
ordens para essas providências com medo de desagradar a Hitler, e parece-nos
evidente que considerações de ordem estratégica tinham pouca importância na
lista de prioridades de Stalin. Na verdade, como observou George Kennan, os
exércitos nacionais da Finlândia, da Romênia e dos Estados do Báltico teriam
protegido os flancos da Rússia com maior eficiência do que no seu papel de
satrapias conquistadas e oprimidas 48. Naquela situação, Finlândia e Romênia
transformaram-se em aliadas afetivas dos alemães, e os Estados bálticos
forneceram excelentes soldados a Hitler.

O que Stalin ganhou no Oriente com o pacto de 1938 foi o controle sobre
territórios vizinhos, cuja independência, hostilidade ao bolchevismo e afinidade
racial, religiosa e cultural com os povos fronteiriços da União Soviética
provavelmente representavam uma atração permanente para milhões dos súditos
infelizes de Stalin. Sua prioridade é indicada por uma série de expurgos e
deportações, que envolviam centenas de milhares de pessoas classificadas como
suspeitas, em todos os países conquistados. Essas providências eram planejadas
e executadas meticulosamente, e foram repetidas durante todo o período da
cooperação nazi-soviética.

De modo geral, a política externa de Stalin, de 1939 a 1941, parece-se muito


com a de Mussolini. A União Soviética e a Itália agiram como chacais para o
leão alemão, ansiosos por compartilhar dos espólios, mas apavorados com as
consequências. Quando se oferecia uma oportunidade, aventuravam-se à
conquista de países do porte da Albânia ou Estônia, mas só depois de uma
antecipação temerosa e cheia de ansiedade. Em outubro de 1939, o Duce
explicou que, “nas atuais circunstâncias, a Itália representa uma reserva
econômica e moral para a Alemanha, mas mais tarde ela poderá desempenhar
também um papel militar”49. Isso pode ser tomado como um sumário da opinião
de Stalin; a única diferença é que Mussolini acabou tomando coragem para
desempenhar parte ativa no conflito.

No protocolo secreto do pacto de 28 de setembro de 1939, fora cedida pela


Alemanha uma esfera de influência para a Rússia soviética que compreendia um
grande cinturão de território na Europa oriental. Estavam incluídas a Finlândia, a
Estônia, a Letônia, a Lituânia, a Polônia oriental e a Bessarábia. Stalin estava
ansioso por anexar esses países ao seu império, mas, a despeito da permissão
expressa da Alemanha de tratar qualquer desses países como propriedade sua,
iniciou a anexação e absorção com extrema cautela. Esse processo tem uma
história notável, menos como exemplo da agressão soviética do que como um
indicador do modo de pensar de Stalin durante esses meses vitais. Na ausência
quase total de documentação soviética, o historiador precisa basear-se na
dedução e na inferência de outras fontes; contudo, o processo revelou-se
coerente e digno de crédito.

O protocolo secreto do pacto de 28 de setembro cedia os três Estados bálticos à


União Soviética. Essa cessão representava o principal reajuste ao acordo original
feito por Ribbentrop e Molotov em 23 de agosto. Neste, ficara estipulado que “a
fronteira norte da Lituânia passaria a representar a fronteira da esfera de
influência da Alemanha e da URSS. Nessa conexão, o interesse da Lituânia na
área de Vilna é reconhecido pelas duas partes”. Vilna era a antiga capital da
Lituânia, que fora incorporada à Polônia em 1920, durante o confuso período da
criação da República polonesa. Tanto Stalin quanto Hitler desejavam
desmembrar a Polônia, e a separação de Vilna parecia-lhes um meio eficaz de
conseguir isso. A Lituânia provavelmente foi incluída na esfera de influência da
Alemanha porque Hitler queria estender o controle do Reich ao longo da costa
do Báltico para o norte, a partir da Prússia Oriental. Stalin rejeitou o plano pelo
mesmo motivo; além disso, a Lituânia fora parte do império russo.

No dia 25 de setembro, Stalin propôs que a União Soviética tomasse a Lituânia,


enquanto a Alemanha receberia em troca grandes áreas da Polônia, antes cedidas
aos soviéticos. Essa proposta, como já foi observado, foi aceita pelos alemães
(com mais uma doação de sete milhões e quinhentos mil dólares-ouro) e
acrescentada ao acordo de 28 de setembro. A concessão feita pela Alemanha
talvez tenha sido devida à irritação pela recusa da Lituânia em aceitar o convite
de Hitler para participar da partilha da Polônia. Na opinião de Stalin, foi uma
troca excelente. Sua fronteira com a Polônia agora correspondia mais ou menos
à Linha Curzon, que a fazia aceitável mesmo no caso da vitória aliada. A
Lituânia não era aliada dos ingleses e nem dos franceses, e praticamente não
havia lituanos fora do controle de Stalin que pudessem criar agitação no sentido
de pedir auxílio, caso os Aliados derrotassem a Alemanha e começassem a
restaurar a independência nacional dos países despojados por ela. A cautela
característica de Stalin e o estudo cuidadoso de todas as possibilidades
revelaram-se mais claramente do que nunca 50.

No mesmo dia em que Stalin insinuou essa proposta ao embaixador Von


Schulenburg, sugeriu também que, com a permissão da Alemanha, ele se
dedicaria a resolver o “problema” dos Estados do Báltico, e esperava o apoio
total da Alemanha nesse assunto. A fraseologia revela claramente o medo de
Stalin e sua dependência da proteção alemã, enquanto se preparava para destruir
os três pequenos Estados. Suas ações subsequentes demonstram o quanto ele
temia as consequências de um movimento em falso. Assinado o pacto e
mobilizado o Exército Vermelho de três milhões de homens, só precisava agora
dominar os Estados do Báltico com seus minúsculos exércitos. Contudo, ele
procedeu com extrema cautela, por estágios, durante muitos meses.

Começou com a Estônia, a menor (população: 1 130 000), que estava mais
afastada de todas as potências em guerra. Em 24 de setembro, os soviéticos
exigiram os direitos de estabelecer base naval, militar e aérea em território
estoniano. O ministro do Exterior, Karl Selter, foi informado de que a
neutralidade da Estônia constituía um perigo para a União Soviética, pois as
autoridades haviam permitido a fuga de um submarino polonês de um porto
estoniano, o qual afundara um navio soviético perto de Leningrado.

A história real é a seguinte: o submarino Orzel entrou no porto estoniano de


Tallin, no dia 15 de setembro, para desembarcar o capitão que estava doente.
Como era tempo de guerra, os estonianos resolveram apresar o navio, retirando
todas as cartas de navegação e os blocos das culatras dos canhões. A despeito
disso, os marinheiros poloneses conseguiram dominar os guardas e levar o Orzel
para o Báltico. Depois de vencerem inúmeros obstáculos, chegaram à segurança
das águas inglesas, e mais tarde o submarino desempenhou um papel importante
na campanha da Noruega51. Os soviéticos declararam que o submarino polonês
havia afundado um dos seus navios perto de Leningrado, mas como o navio em
questão entrou em porto estoniano alguns meses mais tarde, a declaração foi
considerada duvidosa. Na verdade, a única infração real da neutralidade
estoniana foi representada por uma série de violações do seu espaço aéreo por
bombardeiros soviéticos.

Entretanto, o árbitro do conflito foi a força e não a verdade. Numa reunião do


gabinete estoniano, em 26 de setembro, Selter explicou aos seus companheiros
que não lhes restava escolha no assunto. Molotov, depois de requerer a
conclusão de um “Tratado de Assistência Mútua”, fizera uma sinistra
advertência. Se recusarem, acrescentou ele, “a URSS realizará os objetivos
mencionados no pacto de segurança, recorrendo a outros meios”. Diante da
ameaça, Selter recebeu instruções para voltar a Moscou e concordar com os
melhores termos possíveis nas circunstâncias. Como os alemães haviam
demonstrado completa indiferença pelo assunto, a Estônia não tinha nenhum
ponto para negociar, e foi obrigada a assinar a perda de sua independência. A
União Soviética pôde assim estabelecer bases navais nas ilhas estonianas do mar
Báltico e no porto de Paldiski, e um grande número de aeródromos. Vinte e
cinco mil homens do Exército Vermelho foram designados para essas bases: o
núcleo de uma futura força de invasão.

Como murmurou Stalin para a delegação, depois de tudo assinado e carimbado,


“posso lhes dizer que o governo da Estônia agiu acertadamente. . . Podia ter
acontecido a vocês o, que aconteceu com a Polônia. . . Onde está a Polônia
agora?” Era o dia 28 de setembro, e Ribbentrop estava em Moscou para assinar o
tratado alemão-soviético de limites e amizade. Alguns dias depois, a Estônia era
o segundo país a ver os caminhões do Exército Vermelho e os tanques
despejando-se através de suas fronteiras. Uma testemunha ocular observou:

“Os soldados russos estavam malvestidos, muitos deles com botas com sola de
madeira. Seus rostos eram pálidos, subnutridos; um terço deles tinha marcas de
varíola — jovens de mais ou menos vinte anos. . . Muitos nunca tinham visto
manteiga, e não sabiam o que era creme de leite. Nossas lojas foram invadidas
por eles. Levavam seus sapatos velhos para provar que precisavam de outro par.
Ficavam maravilhados ao saber que era permitido comer mais de um pedaço de
bolo nas confeitarias. E então, comiam vinte... Os oficiais tiveram permissão de
levar as famílias para a Estônia. As mulheres estavam vestidas com andrajos, à
exceção de alguns casacos de peles. Elas invadiam as lojas para comprar roupas.
No primeiro baile militar em Tallin, as mulheres russas estavam usando
camisolas, que pensaram ser vestidos de noite expostos nas nossas vitrinas!” 52

No começo, o Exército Vermelho comportou-se razoavelmente. Porém, em


pouco tempo os infelizes estonianos compreenderiam que a selvageria dos seus
visitantes não se limitava às suas roupas 53.

Quando Stalin teve certeza de que os movimentos preliminares na Estônia não


tinham tido repercussões desagradáveis, apressou-se a fazer exigências
semelhantes em relação ao país vizinho, a Letônia (população: 1 951 000
habitantes). No mesmo dia da assinatura do tratado estoniano e do pacto de
amizade nazi-soviético, 28 de setembro, Stalin deixou seu amigo Ribbentrop
assistindo ao inevitável Lago do cisne, para conferenciar com a legação da
Letônia que havia sido chamada a Moscou. Ameaças e insinuações semelhantes
às que haviam sido feitas aos estonianos produziram o mesmo efeito. Em 5 de
outubro, o ministro do Exterior, Munters, assinou o segundo pacto de assistência
mútua. Os termos eram os mesmos do pacto estoniano, exceto que o número de
homens do Exército Vermelho a se instalar na Letônia fora aumentado para
trinta mil. Stalin informou Munters francamente que Hitler lhe dera carta branca
para ocupar as terras do Báltico: “Estabelecemos relações duradouras com a
Alemanha, e, no que diz respeito aos Estados do Báltico, nossos pontos de vista
não diferem em nada”.

As consequências foram também idênticas. Tropas soviéticas entraram


imediatamente no país, comportando-se corretamente, mas deixando o povo
atônito com sua aparência imunda e primitiva. Politruks explicavam a
prosperidade evidente e embaraçosa dos letões com um engenhoso exemplo da
dialética marxista:

“Vocês compreendem, a Letônia capitalista pode ter abundância de mercadorias


em suas lojas de propriedade de capitalistas, porque as massas, os trabalhadores
mal pagos e explorados não podem comprá-las. Por outro lado, as massas na
União Soviética são tão bem pagas que podem comprar toda a mercadoria
existente. Isso provoca racionamentos temporários no mercado interno. Qualquer
um pode compreender isso” 54.

A Lituânia era a última na lista de Stalin (população: 2 575 363). Como esse país
tinha fronteira com o vitorioso Terceiro Reich, é provável que ele quisesse ir
com maior cuidado, embora Hitler lhe tivesse dado permissão para prosseguir.
Em 2 de outubro, o ministro do Exterior da Lituânia, Urbsis, chegou a Moscou e
foram-lhe apresentadas as exigências feitas aos seus dois predecessores. O
número de homens do exército russo que ficaria sediado na Lituânia era maior
dessa vez: cinquenta mil. A delegação lituana opôs-se tenazmente à presença de
soldados soviéticos, “porque reduziria a Lituânia a um Estado vassalo”. Stalin, a
princípio, ouviu com paciência aparente, mas afinal interrompeu o delegado: "Vi
slichkom mnogo dokazivaete” (“Está falando demais”). As tropas soviéticas
reuniram-se ostensivamente na fronteira e, em 10 de outubro, Molotov informou
a Urbsis que não ia esperar mais. O próprio Stalin acrescentara uma cláusula
sobre a salvaguarda da integridade da Lituânia quando a guerra terminasse, e os
lituanos deviam assiná-la, quisessem ou não 55.

Uma característica comum aos três tratados consistia em uma cláusula que
declarava terminantemente que “a realização deste acordo não deverá afetar de
modo algum a soberania das partes contratantes, especialmente sua organização
de governo, sistemas econômico e social, medidas militares e, em geral, o
princípio de não-intervenção nos negócios internos”. No jantar de 5 de outubro,
em honra à assinatura do tratado com a Letônia, Stalin fez um discurso dando
“sua palavra de honra bolchevista de que a União Soviética cumprirá as
promessas e obrigações especificadas nos acordos recém-concluídos”.

Mas, nessa mesma época, foi dada uma amostra sinistra da natureza de sua
“palavra de honra bolchevista”. Mapas da Lituânia, impressos para o comando
do Exército Vermelho, traziam a data “primeira edição, 1939” (o grifo é meu) e
a legenda “R[epública] S[ocialista] S[oviética] Lituana” 56. E o que isso
significava já estava também decidido. No dia seguinte ao da assinatura do
último dos três tratados, 11 de outubro de 1939, Stalin ofereceu à delegação
lituana um magnífico banquete no Kremlin. Conversou jovialmente com seus
visitantes intimidados, repetindo com insistência a honestidade de suas
intenções. Ocasionalmente, porém, seus pensamentos pareciam fugir para outra
cena que ocorria não muito distante dali.

A alguns quarteirões dos salões feericamente iluminados do Kremlin, via-se a


silhueta sombria do prédio da Lubianka, na Praça Dzejinski, 2. Um baixo-relevo
de Karl Marx, na entrada, era a última coisa do mundo exterior vista por
milhares de visitantes, pois era para lá que os prisioneiros políticos eram
conduzidos do Lefortovo e Butirki, as prisões russas, para interrogatório e
execução. Nas pequenas celas chamadas sobatchnik, ou “canis”, esperavam os
interrogadores. Em alguns casos, a portinhola na porta reforçada era circundada
por um olho aberto, pintado; em outros, toda a cela era pintada de vermelho-
vivo.

Os interrogadores eram homens do tipo que podia satisfazer às mais cruéis


exigências de Stalin, e ele não precisava recomendar para que “espancassem,
espancassem e espancassem outra vez”. Um oficial finlandês foi interrogado por
um major do NKVD:

“Ele era baixo, de ombros muito largos, quase quadrado. Olhos pequenos e
malévolos brilhavam sob a sobrancelha baixa, e os caninos inferiores eram
longos e salientes como os de um gorila. As pernas em arco e as mãos peludas
que chegavam até os joelhos acentuavam essa impressão”.

Frequentemente, mulheres eram objeto de atenção dessas criaturas, e os


corredores ecoavam com os gritos terríveis e animalescos quando eram
espancadas com canos de borracha ou submetidas a torturas mais refinadas. Os
outros prisioneiros agachavam-se aterrorizados nas celas diminutas, enquanto
miríades de baratas andavam pelo teto, pelas paredes e pelo chão.

No subsolo estavam as câmaras de execução. Os prisioneiros eram “conduzidos


por um longo corredor. . . escoltados por um membro da promotoria do Estado,
um médico e o governador da prisão. Dois homens do NKVD seguravam-nos
pelos braços, enquanto um terceiro dava-lhes um tiro na nuca, à queima-roupa”.
Os corpos eram atirados em um crematório especial, aceso dia e noite. Tudo o
que restava dos infelizes prisioneiros da Lubianka era, muitas vezes, uma pilha
enorme de óculos e pince-nez. Esse material tinha utilidade. Era emprestado a
recém-chegados com vista fraca, que tinham dificuldade para assinar suas
“confissões” 57.

A Lubianka era um imenso centro de interrogatórios, câmara de tortura e


crematório. Continha também os escritórios centrais do NKVD, a poderosa
organização cujas prisões abrigavam milhares de infelizes, e cujos campos
espalhados por toda a União Soviética dispunham de milhões de escravos.
Durante vinte anos os povos da Rússia haviam sofrido a opressão; agora, a
convite de Hitler, começavam a atravessar as fronteiras entrando nos pequenos e
indefesos Estados cristãos do Ocidente. Os homens que presidiam o legado de
Lenin trabalhavam em escritórios luxuosos, numa parte isolada do prédio, com
tapetes espessos, móveis pesados da era imperial, e retratos do Pai dos Povos
com molduras douradas, o tamanho deles graduado de acordo com a patente do
oficial58.

Em um desses escritórios, naquela quarta-feira, 11 de outubro de 1939, estava


Aleksandrovitch Serov, um comissário do NKVD, de alta patente. Com trinta e
quatro anos, era baixo, entroncado, com uniforme impecável e tão
completamente insensível, cínico e cruel quanto seu mestre Lavrenty Béria 59.
Enquanto Stalin trocava brindes com seus convidados lituanos, o comissário
Serov assinava a

“ORDEM N.° 001223

referente ao procedimento para a deportação de elementos antissoviéticos da


Lituânia, Letônia e Estônia.
ESTRITAMENTE SECRETO”

Escrito em linguagem concisa, semilegal, o documento começa explicando que


“a tarefa de deportação dos elementos antissoviéticos das Repúblicas do Báltico
é assunto de grande importância política”. As unidades do NKVD encarregadas
do cumprimento da ordem deviam manter suas armas “em completa preparação
de combate” e começar a operação sempre de madrugada. Deviam entrar de
surpresa nas casas designadas a reunir toda a família em um único cômodo.
Portas trancadas deviam ser arrombadas e vizinhos que protestassem, afastados.
Transportados em carroças ou caminhões até a estação mais próxima, a partida
dos prisioneiros devia ser rigorosamente vigiada pelos homens do NKVD. Na
estação, o chefe de cada família devia ser separado da mulher e dos filhos e
embarcado em outro transporte. (Convém notar que os “elementos
antissoviéticos” invariavelmente eram famílias inteiras, inclusive crianças.) O
destino dos deportados não era especificado.

Esse documento inesperadamente tornou-se acessível aos historiadores, ao cair


nas mãos dos alemães em Valka, quando da retirada do NKVD no verão de 1941
60. Evidentemente, não poderia ter sido publicado sem a expressa autorização de
Stalin, e o fato de ele ter escolhido para isso o dia em que oferecia um banquete
aos lituanos é bastante significativo. O professor Ulam observa que, “em sua
juventude, os mencheviques georgianos tinham apelidado Stalin de kinto — um
moleque das ruas, desordeiro e cínico. E até o fim ele manteve essas
características de um adolescente impossível”. “Então, pensaram que podiam
enganar Stalin?”, dizia ele sorrindo para si mesmo. “Olhe só para eles, tentaram
enganar Stalin!”61 Aparentemente, tinha tanto prazer em zombar da boa fé
daqueles que pretendia enganar quanto com os ganhos materiais dessa
duplicidade. Churchill, e especialmente Roosevelt, teriam lucrado muito se
tivessem observado essa característica de Stalin.

O resultado histórico demonstrou que a hora determinada para a conclusão da


ordem de Serov, número 001223, tinha como objetivo mais a zombaria
particular à custa dos líderes lituanos, do que fins administrativos imediatos.
Stalin não estava preparado ainda para desfechar o ataque à população civil do
Báltico, e o terror só começou no ano seguinte. No outono de 1939, ele estava
apreensivo demais para tentar a sorte em qualquer aventura. Hitler poderia se
ofender se seu aliado demonstrasse avidez excessiva. E se os temidos ingleses
levassem sua guerra até o Báltico? Em 12 de setembro, Churchill propusera aos
ministros e aos chefes do estado-maior, o “Plano Catherine”, que consistia no
domínio naval do Báltico. Uma frota de cinco cruzadores com armas pesadas,
acompanhada por flotilhas de destroieres, submarinos, um porta-aviões,
navegariam sob a proteção de uma cortina de fumaça, atravessando o Kattegat,
para destruir as instalações navais costeiras. Como acentuava Churchill, além de
confundir os alemães, “a influência desse movimento sobre a Rússia seria muito
extensa...” 62

Devido à desorganização da segurança britânica na época, é provável que o


NKVD tenha sido informado sobre o plano, ou a GRU, em Moscou. Anthony
Blunt fora recrutado recentemente para a Inteligência Militar, e Kim Philby
estava em Londres, gozando da confiança de pessoas influentes do governo.
Outra fonte de informação pode ter sido o capitão John Herbert King, um
funcionário da seção de códigos no Ministério do Exterior, que trabalhava para o
NKVD. Identificado pelo chefe do serviço de inteligência soviético que passara
para o Ocidente, Walter Krivitski, King foi preso no dia 25 de setembro de 1939.
Evidentemente, havia outros traidores em postos de maior importância no
Ministério do Exterior e em outras repartições, e qualquer um deles poderia ter
facilmente passado a informação para o residente do NKVD na embaixada de
Londres, Ernst Henry63.

A experiência de Stalin era limitada, e ele provavelmente se lembrou dos dias


perigosos de 1918 e 1919, quando a Marinha Real bloqueou a frota vermelha em
Kronstadt e os Estados do Báltico estabeleceram então sua independência, sob a
proteção dos canhões dos navios de guerra do almirante Cowan64. Embora as
opiniões estivessem ainda em aberto, a “neutralidade” dos Estados do Báltico
poderia, no momento, ser uma salvaguarda mais eficaz do que sua absorção.
Entrementes, o exército soviético estabelecia sua presença nas novas bases, a
Ordem n.° 001223 estava nos arquivos da Lubianka e, assim que houvesse
oportunidade, aquelas excrescências nas bordas do império soviético seriam
apagadas para sempre.

Quanto aos alemães, observavam esses movimentos com serenidade. Stalin tinha
cumprido sua parte no negócio e tinha direito aos seus desertos. Contudo, havia
uma pequena questão a ser resolvida. Durante séculos, a Curlândia, a região
onde estavam estabelecidos os Estados do Báltico, fora considerada como o
posto mais avançado da cultura teutônica e, na verdade, europeia. Nobres e
cavalheiros alemães haviam construído castelos e instalado fazendeiros alemães
nas suas propriedades. Consequentemente, cada Estado báltico possuía agora
uma minoria próspera de habitantes alemães. Hitler concordava em permitir o
avanço do barbarismo bolchevista na Europa oriental, mas não lhe agradava a
idéia de que alemães sucumbiriam também a essa investida. Um protocolo
confidencial do pacto de 28 de setembro estipulava que cidadãos do Reich e
outras pessoas de ascendência alemã não podiam ser proibidos de emigrar para o
território do Reich. A transferência da população devia ser organizada por
“agentes do governo do Reich em cooperação com as autoridades locais
competentes”. O que vinha a ser Himmler e as SS, de um lado, e do outro o
NKVD (provavelmente chefiado por Serov, que assinara a Ordem n.° 001223 e
que desempenhava papel semelhante na Ucrânia, na época). Em poucas
semanas, milhares de alemães e cidadãos do Báltico de origem germânica foram
transportados através do Báltico para o solo do Reich. Foram instalados em
terras próximas de Dantzig, das quais as SS havia recentemente expulsado os
proprietários poloneses 6S.

O convés estava limpo, os possíveis pontos de discórdia eliminados, e os dois


grandes aliados podiam agora engolir e desfrutar calmamente o que restava de
civilizado nas suas respectivas esferas de influência. Para Hitler, o pacto
representou tempo e segurança para sua guerra relâmpago contra o Ocidente.
Para um Stalin agradecido, o muro cinzento da Wehrmacht permitia que
realizasse o que era, na verdade, uma extensão da política interna da URSS. A
independência dos Estados fronteiriços era como que uma ameaça constante ao
seu governo monolítico, mas agora Hitler manteria seus protetores ocidentais
afastados, enquanto Béria, Abakumov, Merkulov e Serov se preparavam para a
liquidação e a deportação de todos aqueles cuja existência eles consideravam
como uma ameaça ao NKVD. Do mar Branco ao Negro, um muro dividia a
Europa. Num extremo, os alemães estavam vigilantes, abafando a propaganda
antissoviética com mão de ferro. Stalin, por sua vez, podia varrer o pouco de
oposição que restava. Era um encontro perfeito de interesses, ou pelo menos o
líder soviético pensava assim. Como repetiu nostalgicamente depois da guerra:
"Ech, junto com os alemães nós teríamos sido invencíveis!” 66

VIII. Davi e Golias


As negociações com os três Estados do Báltico haviam se processado sem
nenhum problema. Permitindo a entrada das tropas soviéticas em seu solo, eles
haviam praticamente assinado a perda de sua independência. A Alemanha não
demonstrara nenhum descontentamento com o fato de os soviéticos terem
exigido sua parte no acordo, obtendo o consentimento da Estônia, da Letônia e
da Lituânia (por mais relutante que fosse) a essa meia medida habilidosa, e assim
a preocupação dos Aliados e dos Estados Unidos pela independência desses
Estados neutros foi aplacada. Logo que as potências em guerra estivessem por
demais ocupadas, a independência do Báltico poderia ser liquidada.

Assim, só restavam na lista de compras de Stalin a Finlândia e a província da


Bessarábia, ao norte da Romênia. A Bessarábia devia ser deixada para o fim,
pois precisaria ser manejada cautelosamente. A Alemanha tinha interesses na
Romênia devido aos campos de petróleo e da sua posição estratégica nos Bálcãs.
O pacto cedia a Bessarábia à União Soviética, mas cautela nunca era demais,
quando se tratava de um homem como Hitler.

Por outro lado, a Finlândia não apresentava problemas. Situada nas planícies
desertas e remotas do norte coberto de neve, estava separada das potências hostis
pela Noruega neutra e pela Suécia. Sua escassa população (3 695 600) não era
maior do que o crescimento anual da população da Rússia soviética 1, e seu
pequeno exército era mal-equipado, devido à preferência do seu governo
socialdemocrata pela segurança social em detrimento da segurança nacional2.
Não havia motivo para supor que os finlandeses não oferecessem as mesmas
facilidades apresentadas pelos lituanos, tendo em vista sua população e recursos.
A Finlândia fizera parte do império russo, e logo faria novamente.

Havia muito tempo, Stalin lançava olhares cobiçosos sobre a Finlândia. Em


1920, ele sugeriu a Lenin que a Finlândia fosse anexada à União Soviética com
outros Estados, como uma medida preliminar à absorção total dentro do futuro
Estado comunista mundial3. A proximidade geográfica da Finlândia com a
antiga capital russa, Leningrado, e o fato de sua costa sul dominar o golfo pelo
qual a frota vermelha deveria passar, saindo de sua base em Kronstadt, fazia dela
uma vizinha perigosa. Naturalmente, não havia perigo de que a própria Finlândia
atacasse a poderosa União Soviética, mas podia servir de plataforma, da qual
uma grande potência poderia intervir no norte da Rússia. Falando claro, essa
potência podia tanto ser a Alemanha quanto a Grã-Bretanha.

Antes da guerra, a Alemanha parecia a mais provável. Em 12 de abril de 1938, a


Finlândia comemorou o vigésimo aniversário da liberação de Helsinki do
domínio soviético. As cerimônias contaram com a presença de tropas alemãs
chefiadas pelo formidável conde Rüdiger von der Goltz, que compareceu com
uma delegação alemã para tomar parte nos festejos. As implicações eram claras
demais para serem ignoradas, e Stalin ficou muito alarmado, com razão. Dois
dias depois, em 14 de abril, o segundo-secretário Boris Iartsev, da embaixada
soviética em Helsinki, telefonou para o ministro do Exterior, Rudolf Holsti,
pedindo-lhe uma entrevista particular. O ministro ficou surpreso, pois tal pedido
era contrário ao protocolo diplomático, mas concordou.

Iartsev explicou, logo de início, que acabava de chegar de Moscou, onde seus
“superiores” haviam expressado sua ansiedade em melhorar as relações
soviético-finlandesas. Continuou dizendo que seu país tinha fortes razões para
crer que a Alemanha planejava a invasão da Rússia, e que seu estado-maior
necessariamente incluiria nesse plano um ataque através da Finlândia. O que
fariam os finlandeses nesse caso? Na opinião dos soviéticos, não era possível
esperar a chegada dos alemães, delicadamente, na fronteira soviético-finlandesa.
O Exército Vermelho entraria na Finlândia, tentando encontrar os alemães o
mais distante possível da fronteira. Naturalmente, não era uma perspectiva
agradável para os finlandeses. Mas, se estivessem preparados para resistir ao
desembarque dos alemães, a União Soviética comprometia-se a fornecer ajuda
militar e econômica à Finlândia e garantia que suas tropas seriam evacuadas
quando a guerra terminasse. O perigo alemão era maior do que os finlandeses
supunham, continuou Iartsev, pois haviam sido elaborados planos segundo os
quais, se a Finlândia se recusasse a cooperar, um golpe fascista, inspirado pelos
alemães, instalaria um governo preparado para tomar essas providências. O
enviado soviético concluiu com instruções bem estranhas: o embaixador
soviético em Helsinki, Derevianski, não devia de modo algum ser informado
dessa conversa, nem o primeiro-secretário Austrin. Uma vez que a inteligência
finlandesa havia identificado Iartsev como o representante do NKVD na
embaixada, Holsti compreendeu que, através dele, estava tratando diretamente
com Stalin.

Mas Holsti não podia encorajar a aceitação dessas propostas. Negou que seu país
estivesse ameaçado pelos alemães e afirmou que seu governo não estava tão
enfraquecido a ponto de temer o triunfo do pequeno Partido Fascista. A
Finlândia continuaria neutra, intimamente ligada aos seus vizinhos escandinavos.
Iartsev ofendeu-se. Seu governo exigia “garantias” de que a Finlândia não
apoiaria a Alemanha, em caso de guerra. “O que quer dizer com garantias?”,
perguntou Holsti, curioso. Mas Iartsev subitamente calou-se. Não podia revelar o
que sabia; sem dúvida, negociações subsequentes divulgariam a natureza das
garantias exigidas.

Mas isso não aconteceu. As negociações continuaram por alguns meses, durante
o verão e o outono de 1938, culminando com um encontro em Moscou, em 7 de
dezembro. Como Iartsev tinha observado que o embaixador Derevianski “fala
muito mas não diz nada”, os delegados finlandeses ficaram surpresos ao saber
que iriam conferenciar, não com o comissário Litvinov, mas com Anastas
Mikoian, comissário do Comércio Exterior. Explicaram friamente que Litvinov
não fora informado da reunião. Os soviéticos queriam alugar certas ilhas
estratégicas no golfo da Finlândia para fortificações defensivas, em caso de
guerra. Ao mesmo tempo, não pretendiam militarizar esses postos até o início
real das hostilidades. Os finlandeses não podiam concordar com essa violação da
soberania nacional, e negociações subsequentes com outros emissários secretos
de Stalin encontraram a mesma resistência. Como a situação internacional
parecia mais grave na primavera de 1939, as discussões foram interrompidas, e o
assunto estava nessa posição insatisfatória quando Ribbentrop e Molotov
dividiram a Europa oriental entre eles, em agosto.

Durante todo o tempo que duraram as negociações, os soviéticos enfatizaram a


importância vital de que elas permanecessem em completo segredo. Os
finlandeses estranharam aquele intercâmbio secreto e não-conclusivo, e ainda
hoje é impossível avaliar as intenções reais de Stalin. Sem dúvida, no começo de
1938, ele estava assustado com o que pensava ser uma incipiente cooperação
finlandesa-alemã, logo depois da absorção triunfante da Áustria pelo Reich.
Queria ser convencido pelos finlandeses de que eles impediriam qualquer
intervenção alemã, e que, se houvesse guerra, os soviéticos teriam uma cabeça-
de-ponte garantida.

Mas por que conduzir o assunto com tanto segredo, não informando Litvinov,
que só veio a saber das negociações quase um ano depois da primeira visita de
Iartsev a Holsti? Obviamente, os alemães não deviam saber, pois as sondagens
soviéticas poderiam provocar a intervenção que estavam procurando evitar. A
Grã-Bretanha e a França também se oporiam a qualquer interferência na
Escandinávia neutra, e a legitimidade dos apelos de Litvinov pela segurança
coletiva contra a agressão seria questionada. Stalin não temia a oposição de
Litvinov, e sim sua indiscrição. Como Luís XV, Stalin muitas vezes fazia duas
ou mais políticas externas paralelas, sem conhecimento do seu Departamento do
Exterior (Narkomindel). Para o mundo todo, Litvinov pedia abertamente
segurança coletiva contra a expansão nazista. Em particular, Stalin preparava-se
para fazer sondagens para a reaproximação soviético-alemã. No caso de esta
falhar, ele se esforçou, prejudicado pela necessidade de segredo, para convencer
a Finlândia e os Estados do Báltico a aceitarem a “cooperação” militar soviética
quando a guerra começasse. Esta última política foi abandonada quando Stalin
compreendeu que o acordo com Hitler lhe daria de qualquer modo os Estados da
fronteira.

A mais importante revelação que surge dessas intrigas talvez seja a confirmação
de que Litvinov e sua política representavam uma cortina de fumaça que
escondia as verdadeiras intenções de Stalin 4.

Assinado o pacto de 28 de setembro de 1939, Stalin apressou-se em receber seu


cheque. Como foi descrito no capítulo anterior, os três Estados do Báltico,
Estônia, Letônia e Lituânia, sucumbiram sob uma pressão irresistível. Stalin
precisava agir rapidamente, do contrário podiam surgir obstáculos à sua
oportunidade magnífica. No dia da partida dos delegados lituanos, 12 de
outubro, os diplomatas finlandeses foram chamados ao Kremlin. O comissário
do Exterior, Molotov, não esperava nenhuma atitude pouco sensata; os ministros
da Suécia, Noruega e Holanda, em Moscou, haviam enviado mensagens nas
quais expressavam a esperança de que nada seria feito que violasse a
independência e a neutralidade da Finlândia. Molotov recusou-se a receber as
mensagens, que foram deixadas na sua antessala.

A delegação finlandesa, que não sabia o que esperar, foi recebida pelo próprio
Stalin. Depois de uma breve conversa preliminar, Stalin expôs as exigências
soviéticas. A União Soviética exigia a cessão extensiva de bases nas ilhas e nas
costas do golfo da Finlândia, além de outros reajustamentos territoriais
destinados a proteger Leningrado de uma força naval hostil e remover a perigosa
proximidade da fronteira daquela cidade vulnerável. A reunião foi encerrada, e a
delegação finlandesa telegrafou para Helsinki a proposta de Stalin.

Stalin estava com pressa. O discurso de Hitler no Reichstag, em 6 de outubro,


oferecia “paz” à Entente, e se a paz fosse feita, o acordo subsequente poderia
impedir que a União Soviética adquirisse seus despojos 5. O apoio de Stalin ao
movimento de Hitler, entretanto, sugere que ele devia acreditar que a tomada da
Finlândia e da Bessarábia se processaria com tranquilidade e rapidez. Mas, em
14 de outubro, quando Stalin reencetou as negociações, surpreendeu-se ao
verificar que a delegação finlandesa continuava a declarar firmemente que os
termos eram inaceitáveis e que exigiam consulta ao seu governo.

Stalin aceitou essa resposta com perfeito bom humor. Deixemos que os
finlandeses vão para casa para obter a autoridade necessária, eles voltarão dentro
de uma semana. “Assinaremos o acordo em 20 de outubro”, exclamou Molotov
jovialmente, “e na noite seguinte, daremos uma festa em sua honra.” A alegria
dos dois sem dúvida era alimentada pela lembrança do documento que o
comissário do povo, Serov, havia redigido durante a festa oferecida dois dias
antes para os lituanos. Sem dúvida, uma duplicata da Ordem n.° 001223 poderia
ser feita para esses finlandeses cheios de autoconfiança! Naturalmente,
precisavam manter as aparências, retardando as negociações por alguns dias —
os próprios lituanos haviam oferecido alguma resistência a princípio. Foram dias
espantosos: em três semanas a diplomacia brilhante de Stalin recuperaria todos
os territórios perdidos pela Rússia na Guerra Civil! O próprio Lenin não poderia
ter conseguido isso, muito menos o vaidoso diletante Trotsky.

O Conselho de Estado Finlandês reuniu-se em 21 de outubro e discutiu


calorosamente as propostas. A Suécia não parecia inclinada a auxiliar sua
vizinha. O primeiro-ministro, Per Albim Flansson, queria poder fazer alguma
coisa, mas “tenho de tratar com um povo complacente, que só deseja ser deixado
em paz”. O público sueco demonstrava a maior simpatia, mas não havia nenhum
indício de estar disposto a fazer qualquer coisa que pudesse provocar a ruptura
com o urso do leste. Evidentemente, os finlandeses teriam de fazer algumas
concessões, e redigiram uma alternativa muito mais branda para as exigências
impetuosas de Stalin. Nesse meio tempo, seria prudente estarem preparados para
qualquer contingência, e o Conselho apelou para o povo finlandês no sentido de
uma contribuição de quinhentos milhões de marcos, como empréstimo para a
defesa. Num mês, conseguiu duzentos milhões de marcos a mais.

Em 23 de outubro, a delegação voltou a Moscou. À medida que prosseguiam as


discussões, Stalin e Molotov perceberam que os finlandeses estavam
interpretando o assunto literalmente, acreditando que as exigências soviéticas
podiam ser realmente contornadas. Depois de duas horas, as negociações
chegaram a um impasse. Nenhum lado cedia, e os finlandeses resolveram que
não era possível continuar. Como disse mais tarde Väinö Tanner, o ministro das
Finanças da Finlândia, “Molotov parecia atônito com nossa partida. Ele disse,
procurando parecer casual: ‘Vocês pretendem provocar um conflito?’ ” Nesse
momento, os finlandeses deviam ter compreendido a realidade, mas o delegado
finlandês respondeu tranquilamente: “Nós não queremos isso, mas parece que
vocês querem”. Stalin sorriu enigmaticamente enquanto eles se retiravam.
Talvez um pouco de sarígue fosse interessante, afinal. A pequena Finlândia seria
derrotada com maior facilidade do que a Polônia. Como notou a imprensa
soviética em uma série de artigos inflamados, a Finlândia estava fervendo de
descontentamento. O proletariado alienado, oprimido pelos capitalistas e pelos
senhores da Guarda Branca, estava prestes a se revoltar. As deserções do
exército finlandês aumentavam a cada dia, e praticamente todo o país esperava a
chegada do fraternal Exército Vermelho para sair às ruas com lágrimas nos olhos
e flores nas mãos. Afinal, os poloneses haviam recebido seus libertadores
marxistas com “grande alegria” (como lembra Khrushchev6), e a Finlândia não
estava imune às leis da história.

Embora essas afirmações fossem um tanto fantasiosas, não se podia negar que a
Finlândia estivesse em posição mais desesperada do que a Polônia estivera, no
começo do mês anterior. A Suécia declarou sua intenção de permanecer como
observadora, se houvesse guerra. A Grã-Bretanha via a possibilidade de um
avanço soviético no Báltico como essencialmente prejudicial à hegemonia da
Alemanha; assim, as considerações da Realpolitik suplantariam sua simpatia
natural por uma pequena democracia em apuros.

Pelo mesmo motivo, os finlandeses achavam que a Alemanha poderia dar-lhes


apoio em sua recusa. Não sabiam do protocolo secreto do pacto, que cedia a
Finlândia à esfera da Rússia. Os alemães estavam descontentes com os
finlandeses, cujo povo expressava aversão generalizada pelas doutrinas do
nacional-socialismo, e cujo governo tivera a ousadia de declinar a oferta de
Hitler para um pacto de não-agressão. No começo de outubro, os finlandeses
foram informados de que a Alemanha “dificilmente estaria em posição... de
intervir nas conversações russo-finlandesas”. O Ministério do Exterior da
Alemanha deu ordem aos seus diplomatas no estrangeiro para enfatizar o fato de
que os finlandeses tinham provocado essa situação, e que sua repulsa ao nazismo
e admiração pela democracia britânica os colocavam além da proteção e da
simpatia alemã. “A culpa da Inglaterra no conflito russo-finlandês deve ser
enfatizada especialmente. A Alemanha não está envolvida nesses
acontecimentos. Nas reuniões deve ser demonstrada simpatia pelo ponto de vista
russo. Por favor, não demonstrem nenhuma simpatia pelo ponto de vista
finlandês”, concluía a nota7.

Durante algum tempo, Stalin e Molotov continuaram frustrados e um pouco


intrigados com a obstinação dos finlandeses. Eles pareciam pensar que as
negociações envolviam um acordo genuíno, enquanto, na verdade, não passavam
de uma formalidade, uma introdução para o desaparecimento do seu país do
conjunto de nações da terra.

“Ora, a Finlândia”, disse Molotov mais tarde, “é um amendoim” 8. As


negociações não podiam se estender por mais tempo, o inverno se aproximava, a
Bessarábia esperava ainda sua libertação e o temor de que a paz pudesse chegar
à Europa provocava noites de insônia aos homens generosos do Kremlin. Uma
observação de Molotov em 3 de novembro prova que a paciência dos soviéticos
estava se esgotando: “Nós, os civis, aparentemente não estamos conseguindo
nada; chegou a hora de os soldados começarem a falar”. Porém, mesmo depois
disso, os soviéticos fizeram algumas tentativas para continuar as conversações.
Algumas exigências foram modificadas, mas agora a opinião pública da
Finlândia não estava preparada para aceitar qualquer tipo de controle do exército
ou da marinha soviética no seu território. Viviam havia muito tempo ao lado do
urso e tinham certeza de que ele não se contentaria apenas em colocar uma pata
na soleira da porta. O exemplo dos Estados do Báltico provou que tinham razão.

Quando Stalin começou a se convencer de que os finlandeses não iam ceder,


passou a imaginar o que poderia ser feito. Estavam forçando uma radicalização,
e não era mais possível aplicar a técnica de absorção por estágios, que estava
funcionando tão bem nos Estados bálticos. Em todo caso, ele acreditava que uma
grande potência poderia atacar Leningrado pelo golfo da Finlândia. Antes do
pacto de não-agressão, ele temia a intervenção alemã. Embora suas suspeitas não
tivessem desaparecido de todo, essa contingência parecia agora pouco provável.
A marinha vermelha tinha suas novas bases na costa do Báltico, e a possibilidade
de a marinha alemã navegar em procissão, de Wilhelmshaven até Kronstadt,
quando tinha agora uma fronteira terrestre comum, parecia muito remota.

Mas restava o inimigo antigo e inveterado. A Grã-Bretanha possuía a maior


marinha do mundo e, naquele momento, o velho adversário do bolchevismo,
Winston Churchill, planejava enviar uma força poderosa para o Báltico.
Suspeitava-se em Londres que as bases soviéticas no Báltico destinavam-se a
defender a Rússia contra a Grã-Bretanha e não contra a Alemanha, e esse ponto
de vista podia estar certo 9. A mente de Stalin voltava agora ao passado, como
sempre fazia, para os dias miraculosos da Guerra Civil, quando Lenin e ele
haviam salvo a revolução incipiente, que parecia prestes a ser destruída. Naquele
tempo o general dos russos-brancos, Iudenitch, “atacou pelo golfo da Finlândia,
e os britânicos fizeram o mesmo, mais tarde. Isso pode acontecer novamente. . .
a Inglaterra está pressionando a Suécia para a concessão de bases. A Alemanha
também. Quando terminar a guerra entre essas duas potências, a frota vitoriosa
entrará no golfo”. Assim pensava Stalin.

Um conselheiro militar finlandês já fizera notar a natureza extremamente


improvável desse pensamento estratégico, mas Stalin estava tão convencido da
extraordinária duplicidade e astúcia dos britânicos que os considerava capazes de
qualquer coisa. Como disse o embaixador soviético Ivan Maiski para Eden,
“onde há feras selvagens à solta, todos os países devem tomar precauções para
sua segurança 10. Os finlandeses não poderiam ser tão ousados sem o
encorajamento secreto dos ingleses11. A situação ameaçava sair do seu controle
e chegara o momento de decisão (algo que Stalin detestava).

Como tinham insinuado Molotov e o Pravda em 3 de novembro, estava na hora


de os civis deixarem o palco. Não havia outra alternativa, e não seria uma guerra
com objeções limitadas. As exigências das bases tinham sido apenas uma
preliminar para a absorção de todo o país. A Alemanha deixara bem claro que
não se oporia. Havia os temidos britânicos, mas de quanto tempo os Aliados
precisavam para chegar à distante Finlândia? Os alemães tinham demonstrado na
Polônia o que podia fazer um exército moderno, com superioridade absoluta de
armamento e poder aéreo. A disparidade entre a Finlândia e a União Soviética
era infinitamente maior; como Stalin costumava observar, a população da
Finlândia equivalia à de Leningrado.

Faltava apenas criar um pretexto legítimo, uma proposição de considerável


importância no pensamento marxista. Sendo assim, pode parecer surpreendente
que Molotov, às vésperas da invasão, tenha falado no rádio, garantindo aos seus
ouvintes que, “independentemente do regime existente na Finlândia, nós a
consideramos um país soberano, independente na sua política interna e externa. .
. Os povos no nosso país estão também dispostos a prestar assistência ao povo
finlandês, no futuro, para garantir seu desenvolvimento livre e independente” 12.
Embora a liderança soviética tenha deixado bem claro que não pretendia
respeitar o tratado de não-agressão com a Finlândia, o reconhecimento da
independência finlandesa parecia impossibilitar qualquer justificativa legítima
para a conquista. Na verdade, embora não soubessem, os finlandeses estavam
preparando uma mudança drástica no seu governo.

Otto Kuusinen era um comunista finlandês de cinquenta e oito anos que pedira
asilo à URSS, depois do colapso da tentativa bolchevista para controlar a
Finlândia, em 1918. Sua obsessão pelos menores detalhes da teoria marxista
atraiu a admiração de Lenin e, subsequentemente, de Stalin. Ele chegou a um
cargo de proeminência no Komintern, a organização controlada pela GPU e
destinada a bolchevizar o mundo, e tornou-se o principal conselheiro de Stalin
em assuntos externos. O ditador tinha feito rápidas visitas, quando jovem, à
Inglaterra e à Polônia, mas continuava espantosamente ignorante do mundo fora
do seu escritório do Kremlin. Kuusinen sabia como se tornar indispensável e
tinha a habilidade de sugerir idéias a Stalin, de modo que o ditador imaginasse
que ele próprio as tivesse concebido.

Como resultado de suas antigas e frustradas ambições, Kuusinen odiava seu país
natal e queria uma oportunidade para reconquistar alguma autoridade na
Finlândia e vingar-se de todos os que o haviam humilhado. Aparentemente, essa
oportunidade tinha chegado. Conversações que se prolongavam noite adentro
tiveram lugar no Kremlin, dirigidas por Stalin, Molotov e Kuusinen. Kuusinen
era chamado carinhosamente por Lenin de “devorador da Finlândia”, depois de
um artigo escrito por ele no qual descrevia a Finlândia como uma partícula de
poeira que devia ser varrida do mapa. Havia muito, ele sonhava governar uma
Finlândia conquistada e expurgada, e era essa a perspectiva que oferecia agora a
Stalin. Seria formado um “governo democrático na Finlândia” com a ajuda das
armas soviéticas, e Kuusinen seria seu chefe. Desse modo, a entrada do Exército
Vermelho através da fronteira não seria uma violação, mas sim um reforço da
soberania finlandesa.

Stalin ficou muito entusiasmado com essa casuística. Quando os finlandeses se


opuseram à presença de uma base soviética na península de Hango, ele propôs
transformá-la em ilha, abrindo um canal (podia sempre substituir os escravos que
tinham morrido no projeto do canal do mar Branco); e Molotov refutou
jocosamente a oposição dos finlandeses ao estabelecimento de bases soviéticas
no seu território, chamando a atenção para o fato de que não mais seria território
finlandês. Essas mentiras e subterfúgios tiveram pouco impacto prático, mas era
divertido ver como eram avidamente aceitos pelos pomposos liberais e
simpatizantes do Ocidente.
O futuro comissário do povo da Finlândia não tinha nada que o recomendasse;
na verdade, sairia perdendo se fosse comparado com seu companheiro
escandinavo Vidkun Quisling, que na época dirigia negociações exatamente
paralelas à liderança nazista em Berlim. A mulher de Kuusinen, o filho e vários
amigos foram enviados para campos de trabalho forçado, sem que ele fizesse a
menor objeção; ao contrário, aproveitou-se de todos os meios à sua disposição
para privá-los de qualquer conforto, por menor que fosse, que poderiam ter tido.
A morte do filho, de tuberculose, atraiu até a simpatia do desprezível Béria, mas
Kuusinen ficou indiferente. Era notável sua indiferença ao sofrimento humano,
mesmo entre os homens da liderança soviética, o que, sem dúvida, é
significativo.

Os fatores motivantes do seu caráter eram o desejo de poder e a ambição.


Aparentemente, ambos seriam agora gratificados; embora, como ele confessou
em conversa particular, o domínio total sobre a pobre Finlândia não fosse
suficiente, “sonhava controlar a Finlândia e tornar-se ‘procônsul’ de toda a
Escandinávia; então, depois que o resto da Europa tivesse sido conquistado pelo
comunismo, voltaria a Moscou para ser a eminence grise do império soviético”.

O traço mais dominante de sua natureza era o desejo de vingança contra todos os
que o haviam desprezado, e foi talvez o que fez que Stalin o admirasse, pois
nisso eram muito parecidos. A mulher de Kuusinen observou que, “depois de
pensar muito, acho que a verdadeira chave-mestra da sua personalidade era o
ódio. . . Ele queria voltar para a Finlândia sob as bandeiras do Exército
Vermelho e vingar-se do país que o havia rejeitado” 13.

Quando as negociações chegaram ao impasse inevitável, Stalin apressou os


preparativos para o ataque à Finlândia; Kuusinen viajaria junto com o Exército
Vermelho, no trem de carga, para estabelecer seu governo fantoche. Khrushchev
lembrava-se do dia da decisão. Ele reuniu-se com Stalin, Molotov e Kuusinen no
Kremlin. “Quando cheguei ao apartamento, Stalin estava dizendo: ‘Vamos
começar hoje’.” Aparentemente, já tinham decidido que, se os finlandeses “não
cedessem ao nosso ultimato, iniciaríamos a ação militar. Essa era a idéia de
Stalin. Naturalmente, não me opus a ele. Além disso, eu achava que era a coisa
certa. Bastava erguer um pouco a voz e os finlandeses nos obedeceriam. Se isso
não funcionasse, poderíamos dar um tiro e os finlandeses se entregariam com os
braços levantados”.

O plano de batalha de Stalin nada tinha de original. Profundamente


impressionado com o sucesso dos alemães na Polônia, resolveu imitar aquela
campanha (ou como ele a compreendia) ao pé da letra. Em primeiro lugar, era
preciso mostrar ao mundo que a União Soviética, amante da paz, não era a parte
agressora. As SS de Hitler haviam encenado um ataque a uma estação de rádio
da fronteira, em Gleiwitz, realizado por prisioneiros dos campos de concentração
com uniformes poloneses. Então, em l.° de setembro de 1939, Hitler informou o
Reichstag sobre esse “ataque” e anunciou que a Alemanha estava desfechando
seu contra-ataque 14.

Stalin encenou uma provocação semelhante por parte dos finlandeses. Na tarde
de 26 de novembro, guardas finlandeses da fronteira ouviram o ruído de fogo de
artilharia perto da cidade de Mainila, no lado soviético. O governo finlandês foi
imediatamente informado por Molotov de que sua artilharia tinha
propositadamente atirado contra Mainila, matando quatro homens e ferindo
nove. Os finlandeses receberam ordens de se retirar para vinte a vinte e cinco
quilômetros da fronteira. Na verdade, não havia artilharia finlandesa a muitos
quilômetros de Mainila, e ficou definitivamente estabelecido que os tiros tinham
partido do lado soviético da fronteira. Não sabemos se Béria havia ou não
fornecido corpos como prova, imitando o espetáculo teatral de Heydrich, em
Gleiwitz, e o incidente parece ter sido apenas um ritual preparatório para a
carnificina 15.

O passo seguinte foi o gigantesco ataque do tipo Blitzkrieg, no qual vasto


número de bombardeiros e de tanques provocariam uma devastação no exército
finlandês e nos civis, o que os deixaria indefesos em poucos dias. A liderança
soviética estava extremamente confiante: o mundo veria agora que Hitler não era
o único líder que dominava as técnicas modernas da guerra! Em Moscou,
Vorochilov e Potemkin (assistente de Molotov) proclamavam exultantes que a
guerra duraria quatro dias, enquanto um funcionário da embaixada de Berlim
achava que três seriam suficientes 16.

A tarefa de desfechar o ataque inicial às linhas finlandesas foi confiada a um dos


comandantes favoritos de Stalin, o marechal G. I. Kulik, da artilharia, tido por
seus subordinados como um valentão ignorante e estúpido, que devia sua
promoção ao fato de ter trabalhado com Stalin na defesa de Tsaritsin, em 1918
17. O subordinado de Kulik, N. N. Voronov, descreve a conferência militar que
precedeu a invasão. Todos os presentes irradiavam confiança, e em resposta à
sua pergunta, Voronov recebeu ordens para garantir um suprimento de munições
apenas para dez ou doze dias. Todos riram zombeteiramente quando Voronov
disse que preferia fazer suprimento para dois ou três meses 18.

Três dias depois do incidente de Mainila, a URSS rompeu relações com a


Finlândia. No dia seguinte, 30 de novembro, Stalin atendeu alegremente o
telefone no seu escritório do Kremlin. Os canhões de Kulik haviam começado o
bombardeio! 19 Quatro grupos do exército soviético foram dispostos nas
fronteiras, de Petsamo até o golfo da Finlândia. Perfaziam um total de seiscentos
mil homens, equipados com um vasto número de tanques, artilharia e
metralhadoras, apoiados por três mil aviões. Essa massa imensa começou a
avançar em todas as frentes. O exército finlandês de fronteira, com armamentos
leves, recuou lentamente para as linhas de defesa previamente estabelecidas.

Não houve declaração de guerra — outra boa idéia do Führer. Em Helsinki, o


gabinete reuniu-se às pressas. O país foi declarado, de modo um tanto supérfluo,
em estado de guerra e o marechal Mannerheim, o veterano salvador da Finlândia
em 1918, foi designado comandante-em-chefe. Enquanto realizavam a reunião,
ouviram um zumbido sinistro acima das nuvens cinzentas. Uma esquadrilha de
bombardeiros soviéticos apareceu sobre a capital. Alguns deles despejaram
folhetos incitando os trabalhadores a desertarem do “exército branco kulak” e
unirem-se ao Exército Vermelho, para derrubar seus senhores capitalistas e
feudais. Para encorajá-los a essa aventura tão elevada, milhares de bombas
incendiárias e altamente explosivas choveram sobre a cidade indefesa.

A reunião do gabinete foi interrompida, e os ministros voltaram aos seus


escritórios. Apesar das detalhadas instruções dadas previamente, o povo nas ruas
prosseguia nos seus afazeres, como se nada tivesse acontecido. Quando soou a
sirene de perigo passado, os cidadãos de Helsinki começaram a avaliar os danos.
Não eram tão extensos quanto se poderia temer, considerando a escala e a
ferocidade do ataque, mas era grande o número de pessoas mortas e de prédios
destruídos. A natureza da destruição sugeria que, embora os pilotos da força
aérea vermelha tivessem encontrado um alvo perfeito, qualquer eficácia maior
estava além de sua capacidade. Os danos mais importantes foram causados ao
Edifício Central Milk, que aparentemente fora atingido numa tentativa
malograda de destruir a casa do Parlamento, e à embaixada soviética 20.

Apesar desse toque quase cômico e da frieza notável com que os finlandeses
enfrentaram o ataque inesperado, não havia dúvida de que a tragédia era
iminente. A Finlândia conhecera o terror vermelho em 1918, e desde esse tempo
tinha recebido um número pequeno, mas constante, de fugitivos, que
atravessavam as florestas cobertas de neve, escapando aos horrores gelados dos
campos do GULAG, no canal Belomorsk ou nas minas de carvão do Vorkuta.
Sabiam que uma vitória soviética não significaria apenas a imposição de um
governo estrangeiro, sua cultura e suas leis, mas também morte, tortura e
escravidão para milhares de pessoas, e a extinção de todos os vestígios de vida
civilizada para os restantes. Na Carélia soviética, junto à fronteira finlandesa,
grande número de indivíduos de língua finlandesa eram deportados para a
Sibéria, todos os anos, desde 1934 21. A Finlândia lutaria, custasse o que
custasse, independentemente dos fatores contrários, com ou sem aliados.
“Orgulho-me do meu povo e do que ele está fazendo hoje”, declarou o idoso
Jean Sibelius em sua casa, fora da cidade bombardeada de Helsinki.

Enquanto isso, um tipo muito diferente de finlandês estava gozando seu breve
momento de triunfo. Enquanto os canhões do Exército Vermelho soavam na
fronteira e a força aérea vermelha bombardeava sua própria embaixada, a Rádio
de Moscou anunciava que havia interceptado uma irradiação de “uma estação
desconhecida em algum lugar da Finlândia”. Era um transmissor, operado dentro
do território liberado pelo proletariado em revolta, não mais de joelhos.
Anunciava que “um governo democrático finlandês” fora estabelecido, tendo
como primeiro-ministro e ministro do Exterior o virtuoso sr. Kuusinen. Essa
respeitável administração, anunciou-se em Moscou, tinha-se estabelecido em
Terijoki, a primeira cidade liberada pelo Exército Vermelho.

No dia seguinte, a Rádio de Moscou anunciou que o novo primeiro-ministro


tinha chegado a Moscou, onde seu governo foi reconhecido. O estadista
pretendia negociar um tratado com a União Soviética. As negociações se
processaram com incrível rapidez, e nas primeiras quarenta e oito horas da
criação do novo Estado, o primeiro-ministro Kuusinen havia concordado com
todas as exigências razoáveis dos soviéticos, que o governo reacionário da
Finlândia tinha deliberadamente obstruído nos últimos dois meses. Em
reconhecimento por essa exemplar cooperação, o governo soviético, por seu
lado, oferecia uma grande extensão da área deserta da Carélia soviética ao
governo democrático finlandês. Um grande número de finlandeses renegados,
com forte sotaque russo, ocupavam os outros cargos no novo ministério; havia
até um ministro de Assuntos Literários, chamado Paavo Prokkonen. Kuusinen,
declaravam, estava à frente de um exército de cinquenta mil homens, equipados
com magníficos uniformes do tempo de Carlos XII para a futura entrada triunfal
do futuro procônsul da Escandinávia em Helsinki. A veracidade dessa
proclamação é duvidosa, pois ninguém viu esse exército.
A verdade é que Terijoki era um confortável recanto à beira-mar, perto da
fronteira, que fora completamente abandonado por seus habitantes por ocasião
da chegada do Exército Vermelho. Os únicos “finlandeses” eram uma vintena de
renegados idosos que tinham conseguido sobreviver ao terrível expurgo do
Komintern em 1937. Quanto ao primeiro-ministro Kuusinen, parecia muito
duvidoso que tivesse pressa em se mudar para Terijoki; pelo menos, não antes da
assinatura do tratado de 2 de dezembro.

O efeito principal dessa jogada do governo soviético era convencer os


finlandeses de que a subjugação total do seu país constava da agenda russa havia
algumas semanas, e as exigências em relação às bases não passaram de uma
cortina de fumaça. Já em 13 de novembro, quando os representantes finlandeses
haviam demonstrado desejo de reiniciar as negociações, Kuusinen entrara em
contato com um comunista finlandês que morava na Suécia, Arvo Tuominen.
Kuusinen explicou que as negociações não estavam levando a nada, que o
governo soviético previa o uso de métodos mais rigorosos e que Tuominen podia
contar com o oferecimento de “um emprego, se quisesse”. Uma semana mais
tarde, ficou sabendo que se tratava do cargo de primeiro-ministro na futura
República Democrática Finlandesa. Tuominen não estava preparado para se
tornar um traidor, e mais tarde revelou a trama toda. O adiamento de mais ou
menos quinze dias da data da invasão foi devido talvez à demora nos
preparativos militares e às discussões, acaloradas no Kremlin sobre as
implicações internacionais. Mas a política de neutralidade da Finlândia, o fato de
ter sido abandonada pela Suécia, os termos do pacto nazi-soviético e seu
isolamento geográfico a faziam parecer presa fácil.

Os acontecimentos militares que vieram a seguir são muito conhecidos e não


precisam ser descritos detalhadamente, além de não estarem diretamente ligados
ao assunto central deste livro. O 7.° e o 13.° exércitos soviéticos atacaram em
primeiro lugar, no estreito istmo entre o lago Ladoga e o golfo da Finlândia.
Enormes colunas de tanques eram acompanhadas por unidades maciças de
infantaria, enquanto ondas sucessivas de bombardeiros espalhavam o terror entre
a indefesa população civil. A entrada triunfal de Kuusinen em Helsinki parecia
próxima, e aparentemente o Exército Vermelho tomaria a capital em menos
tempo do que a Wehrmacht levara para tomar Varsóvia. A segunda grande
Blitzkrieg estava em movimento.

Pelo menos, era o que pensavam Stalin e seus conselheiros. Porém, as coisas não
saíram exatamente como tinham previsto. Um complexo sistema de minas
conteve a vanguarda, antes que os Panzers atacassem a Linha Mannerheim. A
propaganda soviética naquela época e até hoje compara essa defesa a uma
réplica maciça da Linha Maginot. Era “inexpugnável”, lembrava Khrushchev22.
Na verdade era, em sua maior parte, uma obstrução improvisada de trincheiras e
armadilhas para tanques, construída quase toda por estudantes em férias. Apenas
sessenta e três posições de defesa no reduto de cento e quarenta e um
quilômetros e meio, das quais dois terços eram velhos demais para serem usados.
Para destruir as ondas contínuas de blindados, o exército finlandês, no começo
da guerra, dispunha apenas de dois canhões antitanques para cada batalhão —
cem ao todo, para cobrir mais de cento e doze quilômetros de frente. A
insistência na melhoria do padrão de vida com prioridade sobre a defesa, antes
da guerra, teve como resultado um exército precariamente equipado. Contra três
mil bombardeiros da força aérea vermelha e aviões de combate, os finlandeses
possuíam cento e sessenta e dois aparelhos antiquados.

A estratégia soviética era simples. Enquanto o ataque maciço era lançado contra
a Linha Mannerheim e seguia o excelente elo de comunicação entre Leningrado
e Helsinki, no sul, o 8.° Exército esmagaria a resistência finlandesa no território
ao norte do lago Ladoga. Mais para o norte, o 9.° Exército avançaria através de
Suomussalmi até Oulu, no golfo de Bótnia, dividindo a Finlândia em duas partes
na sua “linha central”. Finalmente, no extremo norte, no mar de Barents, o 14.°
Exército, com base em Murmansk, tomaria Petsamo, o único porto ártico da
Finlândia e centro das famosas minas de níquel, cortando as comunicações com
a Noruega e com o resto do mundo.

A princípio, o mundo estava convencido de que a Finlândia simplesmente


desapareceria, em vista dessas desvantagens. Mas o que faltava aos finlandeses
em número e equipamento sobrava em coragem e recursos. Os atiradores
exímios passavam pelos flancos das colunas de tanques, atacando com um
tiroteio cerrado e eficaz a infantaria, que marchava em massa atrás dos veículos
blindados. Uma vez destruída e desmoralizada a infantaria, passavam aos
tanques, usando métodos engenhosos. Havia minas feitas com canos velhos
cheios de resina de cloreto, detonados por meio de fios ocultos. Havia minas
não-magnéticas em caixas de madeira, outras em caixas à prova d’água, prontas
para disparar sob o gelo, quando os tanques soviéticos passavam sobre elas.
Métodos mais primitivos também foram usados, como grandes cavidades
serradas no gelo, tiras de celofane que pareciam água quando fotografadas do ar
e defesas falsas, construídas com papelão. Enquanto os monstros de aço
andavam às tontas entre essa rede de armadilhas, as tropas finlandesas (a maioria
civis reservistas) saíam de escavações camufladas e enfiavam galhos de árvores
e alavancas nas lagartas dos tanques lentos. Quando as tripulações saíam,
piscando contra a claridade, para fazer reparos, eram fuziladas impiedosamente
por atiradores solitários, escondidos nas sombras das florestas. A arma mais
terrível era o famoso “coquetel Molotov”. Uma garrafa de vodca vazia, na qual
era colocada uma mistura de querosene, piche e gasolina, com um pedaço de
pano, em volta do gargalo, molhado em gasolina e aceso. Eram atirados nas
aberturas superiores dos tanques, enchendo o interior com fogo explosivo.

Esse novo tipo de guerra obrigou o 7.° e o 13.° exércitos vermelhos a uma
parada a cerca de trinta e dois quilômetros da fronteira. O general Meretskov,
comandante do Exército Vermelho, resolveu lançar um ataque simulado no seu
flanco direito em Taipale, no lago Ladoga, enquanto a verdadeira ofensiva era
planejada para Vipuri, mais a oeste. Ao mesmo tempo, a força aérea soviética
podia espalhar a devastação livremente, operando de sua base recém-conquistada
em Tallin, na Estônia. Dois enormes navios de guerra, o Revolução de Outubro e
o Marat, saíram sorrateiramente de Kronstadt, acompanhados por uma flotilha de
destroieres.

O resultado foi vergonhoso. Em 17 de dezembro, o 13.° Exército estava se


retirando apressadamente de Taipale, e três dias depois, os cento e vinte mil
soldados soviéticos que haviam atacado Vipuri foram repelidos com uma
ferocidade espantosa. No ar, os pilotos finlandeses, com seus pequenos Fokkers
holandeses e Brewsters americanos, lançaram-se sobre a frota aérea vermelha.
Demonstraram tanta habilidade quanto sua infantaria nas florestas, mergulhando
subitamente do céu cinzento e pesado sobre os esquadrões dos bombardeiros
Iliúchin e Tupolev, soberbamente construídos e equipados. No fim da guerra,
tinham sido destruídos cerca de mil aviões soviéticos, contra sessenta e dois
finlandeses. Os pilotos finlandeses realizaram façanhas extraordinárias, tendo
sido talvez a mais notável a do tenente Sarvanto, que, em 6 de janeiro de 1940,
derrubou seis Iliúchins de um grupo de sete, em quatro minutos.

A esquadra vermelha navegou às tontas no golfo, até que tiros certeiros das
baterias de costa finlandesa a fizeram recuar. Khrushchev conta o feito épico de
um submarino soviético que tentou em vão afundar um navio mercante sueco,
pensando que fosse um vaso de guerra finlandês. Os oficiais da marinha alemã
observaram a ação com mal disfarçada zombaria.

Stalin ficou possesso quando soube desses desastres. Despejou uma torrente de
palavras ofensivas sobre seu velho companheiro, o ridículo Vorochilov,
comissário do povo para a defesa. Provocado ao máximo, Vorochilov respondeu
aos gritos: “A culpa é toda sua! Foi você quem aniquilou a velha guarda do
exército; você mandou matar nossos melhores generais!” A discussão teve lugar
em um dos banquetes de Stalin, tarde da noite; a cena acabou com Vorochilov
derrubando uma enorme travessa de leitão assado 23.

Por mais estranho que pareça, Vorochilov sobreviveu a esse desabafo e


continuou a ser o bobo da corte de Stalin. Meses depois foi afastado do seu
posto, mas muito antes disso já estava sendo substituído em suas funções por
Semion Timotchenko, um ex-tanoeiro, menos incapaz como soldado, que
substituiu Meretskov na frente de batalha da Finlândia.

Nesse intervalo, os próprios finlandeses tomaram a iniciativa, com uma ofensiva


desfechada no dia 23 de dezembro. Repeliram as forças soviéticas até uma certa
distância e provocaram tamanha confusão entre o inimigo que não foi possível
outro ataque à Linha Mannerheim durante seis semanas. Os finlandeses
entrincheiraram-se e se prepararam para o próximo ataque. Os bombardeios
diários eram irritantes, mas não mais do que isso. Nos pequenos intervalos, havia
transmissões com alto-falantes das linhas soviéticas, apelos do primeiro-ministro
Kuusinen aos seus súditos rebeldes. Como o tiroteio era interrompido para essas
transmissões, os finlandeses aproveitavam para um momento de paz nas latrinas
do campo.

Enquanto as batalhas principais eram travadas no istmo, os quatro grupos do


exército soviético, ao norte, tinham avançado atravessando a fronteira. Naquelas
regiões desertas e geladas, não havia trincheiras nem fortificações; apenas as
planícies infindáveis cobertas de neve e as florestas de pinheiros. Nessa
imensidão gelada, marcharam longas colunas com centenas de milhares de
soldados soviéticos. Grandes tempestades de neve atrasavam seu avanço,
tornando quase impossível a proteção dos flancos. Mas não para os finlandeses:
na longa escuridão da noite de inverno, soldados finlandeses com esquis
deslizavam suavemente em meio às tempestades, passando pelas clareiras das
florestas e por pântanos congelados, até avistarem a massa escura marchando
penosa e ameaçadoramente para o oeste. A maioria do povo finlandês passava a
vida esquiando; eram duros como couro, resistentes como aço, e tinham vários
atletas olímpicos entre eles. (Os jogos deveriam se realizar em Helsinki em
1940.) Do fundo da noite, partiam os tiros certeiros dos rifles e das
submetralhadoras Suomi que os finlandeses carregavam nas costas. Antes que os
russos pudessem tirar os rifles do ombro, os finlandeses desapareciam
silenciosamente na escuridão. Esse tipo de guerra era tão mortal que a
disparidade imensa de número entre os dois exércitos perdeu todo o significado.
Simo Háyá, um pequeno fazendeiro que havia conquistado vários troféus de tiro
ao alvo, antes da invasão, saía todos os dias para “caçar russos”. Afinal, ele foi
ferido, mas não sem antes ter matado quinhentos soldados russos.

O avanço soviético foi repelido. Ao norte do lago Ladoga, uns poucos batalhões
finlandeses puseram em retirada trinta e seis mil soviéticos, equipados com
trezentas e trinta e cinco peças de artilharia. As baixas soviéticas incluíam quatro
mil mortos, seiscentos prisioneiros, a captura de cinquenta e nove tanques, trinta
e um canhões, trezentas e quarenta e duas metralhadoras e três mil rifles: uma
dádiva para o mal equipado exército finlandês. O avanço soviético em direção ao
mar, em Oalu, foi também desastroso. Depois de uma luta renhida, duas das três
divisões empenhadas na batalha foram praticamente dizimadas.

Com o começo do novo ano, a luta ficou mais feroz. Os russos estavam
desesperadamente cansados e desanimados com uma guerra que parecia inútil e
sem nenhuma vantagem para a Rússia. Seu sofrimento era terrível,
especialmente para os milhares de recrutas das regiões quentes da Ásia central
soviética. Em um dos regimentos típicos, cem homens morreram de frio antes
que o resto recebesse ordem de se retirar. Para restabelecer o moral, grandes
grupos de homens do NKVD bem-armados caminhavam na retaguarda dos
exércitos, prontos para exterminar indivíduos ou unidades que tentassem deixar
o campo de batalha. Em janeiro de 1940, um prisioneiro russo informou a seus
captores que todos os soldados que recuavam eram fuzilados 24. Lutando nessas
condições primitivas e bárbaras, não é de admirar que o Exército Vermelho mais
uma vez confirmasse sua fama de crueldade. Desde o primeiro dia da invasão, os
aviões vermelhos metralhavam constantemente civis em estradas abertas ou em
seus vilarejos, e casas particulares eram escolhidas para os ataques incendiários.
Para o Exército Vermelho, parecia natural queimar prisioneiros com vida ou
arrancar os olhos de um oficial com a ponta da baioneta 2S. Objetos roubados
das casas dos finlandeses eram expostos tentadoramente nas lojas de Moscou 26.

Embora o terror fosse muito do agrado dos soviéticos como meio eficaz de fazer
a guerra, e tenha sido empregado em grande escala na luta contra a Alemanha,
não era suficiente para resolver o tremendo fracasso na Finlândia. Tal como
Vorochilov dissera acusadoramente a Stalin, o expurgo militar de 1937 tinha
deixado o Exército Vermelho praticamente acéfalo. No alto comando, três dos
cinco marechais tinham sido executados, catorze dos quinze comandantes do
exército, todos os oito almirantes, sessenta dos sessenta e sete comandantes de
armas, cento e trinta e seis dos cento e noventa e nove comandantes-de-divisão e
duzentos e vinte e um dos trezentos e noventa e sete comandantes de brigadas;
ao todo, metade do corpo de oficiais, cerca de trinta e cinco mil homens, tinha
sido fuzilada ou aprisionada por ordem de Stalin. Como a guerra contra a
Finlândia desfalcou ainda mais o exército, não havia mais nenhum comandante
formado pela Academia Militar de Frunze 27.

Tudo isso prova que Stalin temia o Exército Vermelho mais do que os alemães
ou outra potência estrangeira; agora, porém, era preciso fazer alguma coisa para
corrigir uma situação que fizera da União Soviética um alvo de zombaria no
mundo todo. Foram tomadas medidas drásticas. Um grande número de generais
incapazes foi fuzilado sumariamente. Uma medida mais construtiva foi a
seguinte:

“Todo o esforço de guerra soviético foi reorganizado. Os ataques em massa da


infantaria, que haviam proporcionado alvos tão generosos aos atiradores
finlandeses, não mais seriam efetuados. O fogo mal dirigido da artilharia devia
ser orientado para os pontos de tiro dos inimigos. Novas divisões e reforços não
entrariam em ação antes de tomarem conhecimento das condições sob as quais
deveriam lutar. O rifle Modelo 1939 foi distribuído entre os homens da
infantaria; os novos tanques KV entraram em ação. Trenós blindados para a
infantaria e escavadoras elétricas foram enviados para a frente de batalha” 28.

Em janeiro de 1940, esses preparativos estavam sendo feitos às pressas, com


urgência desesperada. Os finlandeses deviam ser massacrados nas semanas
seguintes. O fracasso dos planos soviéticos de ocupação, a fraqueza vergonhosa
e óbvia do desempenho do Exército Vermelho e o ridículo perante todo o mundo
eram terríveis. A repetição da conquista relâmpago da Polônia por Hitler,
ansiosamente esperada em novembro, era agora pior do que uma piada sem
graça. Mas havia um motivo mais importante do que esses fatores sérios. Havia
indicações evidentes de que a Grã-Bretanha e a França pretendiam colocar seus
enormes recursos na balança. Como derrotar os finlandeses então? E como
poderia a União Soviética evitar a guerra com as grandes potências? Stalin
precisava de uma vitória rápida, custasse o que custasse.
IX. A guerra não declarada

A atenção do mundo todo na guerra de inverno, já tão prolongada, não era a


menor das preocupações de Stalin. A Rússia soviética havia atacado um vizinho
pequeno, livre e amante da paz, sem outro motivo a não ser o da conquista
territorial. Os inesperados sucessos militares dos finlandeses eram um apelo aos
sentimentos cavalheirescos do mundo todo. “O Czar Vermelho é agora o
executor do tradicional imperialismo da Rússia czarista”, proclamava um
panfleto publicado pelo Partido Trabalhista Britânico; “os homens de Stalin
usam a liberdade de que desfrutam para defender a Guerra e a Tirania, uma
guerra de conquista feita por um poderoso déspota estrangeiro contra um
pequeno posto avançado da democracia republicana” L

Havia uma sensação de liberação moral no ar: afinal, as duas variantes do


totalitarismo tinham tirado as máscaras, e Hitler e Stalin mostravam-se como
realmente eram. Somente os comunistas continuavam a apoiar a agressão
soviética, e já estavam se tornando tão impopulares quanto possível, com seu
apoio à “oferta de paz” de Hitler. A Guerra Fingida continuava seu curso
inglório. Os alemães não tinham demonstrado nenhuma inclinação para quebrar
lanças contra a Linha Maginot, e a luta distante sob a aurora boreal era quase
uma diversão bem-vinda.

Naturalmente, os gabinetes de guerra da Grã-Bretanha e da França viam os


acontecimentos de modo mais prático. Como a situação angustiosa da Finlândia
afetava sua conduta na guerra contra Hitler? À primeira vista, parecia absurdo
supor que seriam tomadas medidas práticas para antagonizar a União Soviética,
enquanto não tivessem certeza de poder derrotar a Alemanha. Mas, à medida que
a resistência finlandesa se tornava mais decidida e a fraqueza soviética mais
aparente, a tentação de pescar naquelas águas turvas crescia.

A iniciativa partiu dos franceses. O grande Partido Comunista Francês


trabalhava arduamente pela causa do domínio nazi-soviético na Europa central e
oriental, e, com sua propaganda derrotista e subversiva, estava pondo em perigo
a causa aliada. A existência dessa enorme quinta-coluna na França tinha
polarizado havia muito as opiniões políticas, e figuras influentes do povo eram a
favor de medidas que atingissem a fonte da atividade do Komintern, em Moscou.
Havia também o elemento derrotista da direita, mais tarde revelado em Vichy,
que desejava uma aliança com a Alemanha para a cruzada contra o bolchevismo.

Além dessas considerações básicas, aliadas à simpatia genuinamente altruística


pela situação da Finlândia, havia também fatores estratégicos reais ligados à
continuação da guerra contra a Alemanha. Esses fatores eram: primeiro, a
Alemanha dependia em grande parte do suprimento de minério de ferro das
minas de Gallivare, no norte da Suécia. Assim, a força expedicionária aliada,
enquanto prestasse ajuda aos finlandeses, poderia ocupar os campos de minério,
que se comunicavam diretamente com Narvik, na costa da Noruega, até a
Finlândia. Segundo, a Alemanha era ainda mais dependente do petróleo, cereais,
algodão e outras mercadorias essenciais que recebia da União Soviética. A
guerra contra a União Soviética, limitada ou geral, devia ameaçar esses
suprimentos. De qualquer modo, enquanto durasse a resistência da Finlândia,
grande parte, se não todos os recursos da Rússia, teriam de reverter para seu
próprio esforço de guerra. Terceiro e último, os franceses hesitavam em
provocar o início real das hostilidades na frente de batalha do seu próprio país e
aceitavam com agrado a idéia de prosseguir com a guerra em horizontes
distantes. Essa perspectiva entusiasmou o primeiro-ministro Daladier, que estava
sendo acusado de uma política pouco enérgica.

Porém, a Grã-Bretanha não via essas propostas com o mesmo entusiasmo.


Neville Chamberlain acreditava que o tempo estava do lado dos Aliados (desde
que continuassem a construir sua superioridade econômica e estratégica), e que
deviam ser evitados na medida do possível confrontos decisivos. O Ministério do
Exterior era também de opinião que a guerra com a Rússia devia ser evitada.
Winston Churchill (na época, primeiro lorde do Almirantado) propunha uma
política mais vigorosa e era a favor da estratégia que privaria a Alemanha do
minério de ferro sueco, mas ao mesmo tempo queria também a todo custo evitar
uma guerra com a URSS, que sempre considerou uma aliada em potencial na
luta de vida e morte contra a Alemanha.

Afinal, os governos da Noruega e da Suécia receberam mensagens diplomáticas


explicando que, no devido tempo, os exércitos aliados iam requerer concessão de
trânsito por esses países. Suécia e Noruega recusaram vigorosamente, alegando
que não queriam se envolver na guerra e que as garantias de proteção dos
Aliados não tinham o menor valor. Não podiam fazer nada para evitar a
ocupação da Dinamarca pelos alemães e a devastação das cidades escandinavas
do sul por bombardeios aéreos. Essa negativa não preocupou Londres, pois
acreditavam que o apelo feito pelos sacrificados finlandeses, no momento certo,
seria irresistível para o cavalheirismo dos noruegueses e dos suecos.

Em 5 de fevereiro de 1940, o Conselho Supremo de Guerra reuniu-se em Paris.


Os franceses, ansiosos por ação real na frente finlandesa, propuseram-se enviar
cinquenta mil homens a Petsamo, o porto finlandês no mar de Barents. Se o
Exército Vermelho fosse expulso da Carélia, a frente de batalha finlandesa
ficaria muito menor, com o flanco esquerdo no mar Branco. Mas os ingleses
observaram que isso frustraria a finalidade real da operação, a tomada de
Gallivare, e sua proposta foi aceita. Os acontecimentos, porém, sucediam-se
agora com muito mais rapidez do que esses planos de guerra dilatórios dos
Aliados 2.

A perspectiva da intervenção inglesa e francesa no norte preocupou Stalin. A


guerra devia ser dirigida agora para um final rápido e vitorioso, não importava o
que acontecesse. Cinquenta mil homens de tropas de assalto inglesas e francesas,
equipados com a mais moderna artilharia e metralhadoras, eram uma perspectiva
assustadora. E o que não fariam trezentos bombardeiros da RAF sobre
Leningrado? Os finlandeses, com essa ajuda, poderiam imobilizar o Exército
Vermelho; praticamente, já o haviam feito sem nenhum auxílio. Haviam iniciado
negociações para a paz em termos honrosos, mas naturalmente Stalin não
poderia concordar com um mero empate.

No dia l.° de fevereiro, uma horda maciça de tanques vermelhos, artilharia e


soldados, mais de meio milhão ao todo, iniciou uma grande ofensiva contra a
Linha Mannerheim. O centro do ataque foi a cidade de Summa, um baluarte do
flanco direito finlandês. A barragem inicial ultrapassou tudo o que já se havia
visto na guerra, desde a pior batalha da frente ocidental, em 1918. Em vinte e
quatro horas, trezentos mil obuses choveram sobre Summa. Os observadores
finlandeses contaram quatrocentas e quarenta peças de artilharia assestadas para
um setor com dois quilômetros e meio de extensão; estavam quase encostadas
uma na outra, roda contra roda.

Cinco dias depois, foi desfechada a ofensiva soviética final. Cento e cinquenta
tanques avançaram na frente de um mar de soldados de infantaria com
compridos sobretudos. Duzentos bombardeiros cruzavam os céus despejando
explosivos sobre fortificações e comunicações da retaguarda. Grandes cortinas
de fumaça escondiam a torrente humana e blindada, que despejava com eficácia
centenas de armas, todas atirando ao mesmo tempo, uma barragem móvel que se
aproximava e se afastava das linhas finlandesas escassamente defendidas. Os
finlandeses tinham pouca artilharia, quase nenhuma cobertura aérea e sua
munição estava no fim. Mas não iam ceder. Seus artilheiros, quase mortos de
exaustão, atiravam até que seus canhões ficassem superaquecidos. Milhares e
milhares de russos caíram, mas, com as fileiras ameaçadoras dos batalhões do
NKVD cobrindo sua retaguarda, não tinham outra escolha senão cair outra vez.

Os russos mortos formavam pilhas a perder de vista, mas novas ondas


chegavam, passando sobre os corpos gelados dos seus camaradas.
Inevitavelmente, os finlandeses foram sendo dominados em vários pontos. Um
ataque soviético, de assalto em assalto, levou o flanco direito finlandês através
da baía congelada de Vipuri. O marechal Mannerheim mandou que as
guarnições desfalcadas se retirassem para uma segunda linha. Os finlandeses,
exaustos, moviam-se lentamente, disputando cada centímetro de chão. As baixas
russas elevavam-se a milhares (grande parte atingida por seu próprio fogo de
artilharia), mas as fileiras finlandesas estavam tão desfalcadas que pareciam
prestes a desaparecer. Entretanto, as semanas se passavam e os finlandeses
lutavam ainda, e só no mês seguinte, em 12 de março, a Finlândia finalmente
assinou, com relutância, um tratado de paz em Moscou.

Stalin não tinha tempo a perder. Daladier informara aos céticos finlandeses que
os cinquenta mil homens, franceses e ingleses, estavam afinal a caminho. Os
termos oferecidos aos finlandeses foram relativamente brandos, considerando-se
sua exaustão militar. A URSS adquiriu um cinturão ao norte e oeste do lago
Ladoga, outro perto de Salla, ao norte, uma base naval em Hango, além de fazer
sinistras restrições à soberania finlandesa. Foi especialmente proibida a
associação da Finlândia a um pacto escandinavo de defesa. Essa providência
demonstra a cegueira de Stalin em relação à política externa, pois esse pacto
teria dificultado a intervenção alemã na Noruega e a subsequente continuação da
guerra contra a Finlândia em 1941. Na verdade, toda a trágica aventura
finlandesa, que custou à Rússia mais de duzentas mil vidas (Khrushchev
calculou um milhão)3, tirou a Finlândia do campo aliado, onde tinham
repousado todas as suas simpatias em 1939, transformando-a em uma
involuntária mas vigorosa co-beligerante, ao lado da Alemanha 4.

As baixas finlandesas foram relativamente pequenas, mas, segundo qualquer


padrão normal, foi um ônus muito pesado para aquela nação de poucos recursos
e população escassa. Quase vinte e cinco mil soldados foram mortos 5, e os
territórios cedidos à Rússia foram abandonados por toda a sua população, que
voltou para a Finlândia recuperada, nos dez dias que lhe foram concedidos pelos
soviéticos 6. Assim, um oitavo da população da Finlândia foi privado de suas
casas. Talvez tivessem tido sorte. O ódio e o medo dos soviéticos
descarregaram-se sobre as pessoas de sangue finlandês que moravam em
Leningrado e na Carélia soviética. Foram presas pelo NKVD e enviadas para os
campos do GULAG no Círculo Ártico7.

Apesar disso tudo, não há dúvida de que o heroísmo finlandês pagou dividendos.
O apoio soviético ao “governo” de Kuusinen demonstrou claramente que o
objetivo último de Stalin era a absorção total da Finlândia pelo sistema soviético
8. Na época das negociações de paz, no começo de 1940, Kuusinen já estava no
esquecimento. (Não foi expulso, mas continuou com a vergonhosa existência de
um traidor, com pensão do governo.) Em março, Stalin concordou com a
imposição de termos que, embora severos, permitiam a sobrevivência da
Finlândia como nação. E exatamente para defender essa soberania foi que os
finlandeses tinham lutado9. Sem dúvida, o medo da intervenção aliada levou
Stalin a concluir apressadamente um tratado, muito diverso dos seus objetivos
originais 10, mas a perspectiva de prolongar uma guerra tão dispendiosa em
homens e em material também deve ter pesado na balança. A responsabilidade
última pelos erros militares mais ridículos foi atribuída a Stalin, como as fontes
soviéticas aceitam até hoje 11. Não se pode garantir se ele a aceitaria ou não,
mas sem dúvida devia reconhecer o ônus terrível que a guerra tinha representado
para os recursos e o moral dos soviéticos. Em cem dias de guerra contra um país
com população igual à de Leningrado, o Exército Vermelho tivera baixas
equivalentes a um oitavo das que haviam sofrido os exércitos da Alemanha,
Áustria-Hungria e Turquia combinados, em toda a Primeira Guerra Mundial.

A disparidade entre as esperanças soviéticas e a realidade nunca fora tão


evidente. Documentos apreendidos pelos finlandeses relacionavam atribuições
de guarnições designadas às tropas soviéticas na Finlândia ocupada, e a 18.a
Divisão do Exército Vermelho, em operação ao norte do lago Ladoga, tinha no
seu estandarte o mapa da Europa bordado, com uma adaga soviética enfiada no
seu coração 12. Doravante, as autoridades soviéticas tinham de enfrentar os
intangíveis efeitos da propaganda finlandesa, que exaltava em termos razoáveis
os benefícios das liberdades democráticas para os militares soviéticos oprimidos,
pobres e mal dirigidos. Porém, um problema pelo menos podia ser resolvido.
Alguns milhares de russos tinham sido feitos prisioneiros pelos finlandeses. Bem
tratados, de acordo com a Convenção de Genebra sobre Prisioneiros de Guerra
(assinada pela Finlândia, mas não pela URSS), tinham visto alguma coisa das
realidades da vida no Ocidente não-comunista. O perigo da infecção de toda a
população soviética por esse vírus era óbvio, e os prisioneiros devolvidos depois
da guerra foram imediatamente enviados para os campos de trabalho e a maior
parte deles desapareceu 13.

Esses prisioneiros russos foram objeto de grande interesse por parte dos
finlandeses e dos Aliados. Desde a revolução, alguns russos tinham conseguido,
apesar das penalidades draconianas, escapar da União Soviética. Suas histórias
eram coerentes e dignas de crédito, mas podia-se argumentar que eram, de certa
forma, atípicas em relação ao povo russo em geral, pois, aventurando-se aos
perigos da emigração, demonstravam ser obstinados oposicionistas do regime.
Mas agora os finlandeses tinham um grande número de russos de todas as
patentes e classes, tirados de suas casas pela guerra 14 e mantidos em quarentena
temporária, livres de qualquer influência estrangeira. A inteligência britânica,
prevendo a possibilidade de guerra com a União Soviética, não podia perder essa
oportunidade única de avaliar o moral russo.

Em fevereiro de 1940, dois oficiais do serviço de inteligência britânico, que


falavam russo, o major Gatehouse e o capitão Tamplin, viajaram para a
Finlândia e visitaram os campos de prisioneiros. Conduziram interrogatórios
intensivos entre dois mil prisioneiros de quatro campos. Seu extenso relatório
nos dá uma idéia fascinante e talvez única no gênero da realidade soviética em
1940, bem ocultada do resto do mundo e muito em breve completamente
transformada (e até certo ponto, de modo sem precedentes) pela invasão alemã
de 1941.

O relatório começa explicando, segundo o testemunho dos próprios prisioneiros,


que eles eram homens que

“tinham sido submetidos, em sua maioria, a incrível sofrimento e privação, que


haviam sido advertidos de que, se fossem capturados, seriam fuzilados ou
torturados até a morte, que em sua maioria só tinham visto um soldado finlandês
no momento da capitulação ou da captura, que tinham obedecido a ordens
cegamente, que estavam desiludidos com seu país por causa do que tinham visto
depois de capturados, que apreciavam a humanidade e bondade com que
estavam sendo tratados, que provavelmente estavam inclinados a dar respostas
que supunham agradáveis aos interrogadores, que queriam o fim da guerra e uma
volta para casa a salvo, que estavam ainda aterrorizados com seu próprio
‘pessoal de comando’, o Politruks, e com qualquer comunista de O[utra]
P[atente], que na verdade tinham sido humilhados, maltratados, tinham passado
fome, frio, foram quase mortos e mutilados, e alguns deles ainda não
acreditavam que não iam ser fuzilados. Alguns tinham sido fuzilados por seus
comandantes e deixados como mortos, ou tinham visto seus amigos serem
mortos desse modo; outros tinham ‘liquidado seus superiores’ ”.

O relatório ressaltava o fato de que a “ignorância dos prisioneiros era espantosa


— um grande número era de analfabetos”. Vinte anos de propaganda e censura
os fizera completamente ignorantes do resto do mundo. Muitos acreditavam que
a URSS tinha liberado a Polônia e poucos tinham ouvido falar na conquista
parcial dos países bálticos. Aqueles cujas unidades tinham servido na Polônia
explicaram que foram mantidos em alojamentos isolados da população. Ainda
assim, estavam atônitos com o que puderam ver do padrão de vida dos
poloneses, e impressionou-os sobretudo a inexistência das filas de pão. Reagiram
do mesmo modo na Finlândia, quando a caminho dos campos.

As condições na União Soviética foram descritas detalhadamente: o terror


universal imposto pelo NKVD, que chegava sorrateiramente durante a noite para
levar suas vítimas sem deixar nenhum traço; a propaganda interminável que
havia amortecido todo pensamento individual; o deplorável padrão de educação
entre as massas, que mal sabiam ler; a terrível condição física de um povo
sujeito à fome durante vinte anos; tudo isso era uma história bastante conhecida
de sofrimento. Não era de admirar que quase todos os camponeses sentissem
saudades dos tempos do czar, quando havia “boa comida em abundância e pratos
especiais para as festas”.

Depois do NKVD, a instituição mais odiada na Rússia era a fazenda coletiva


(Kolkhoz).

“O método normal para a criação do Kolkhoz consistia em fazer com que o


camponês mais preguiçoso e mais incapaz da comunidade se tornasse
violentamente comunista, obtendo permissão das autoridades locais para
coletivizar seus vizinhos. Assim, ele era designado para o cargo de diretor com
um alto salário, comparado ao que recebiam os outros fazendeiros, cujas
economias e o gado que possuíam eram colocados no fundo comum para criar a
fazenda coletiva.”

O camponês odiava a exploração que o mantinha e à sua família em um estado


constante de fome, e considerava “todo o procedimento como uma forma de
roubo e trapaça organizados”.

Os soldados do Exército Vermelho eram mantidos em tal ignorância militar, que


“poucos sabiam os números dos outros regimentos de suas divisões, muitos não
sabiam os nomes das grandes cidades da União Soviética, fora de sua
comunidade, e alguns não sabiam quem era Vorochilov”. Pode-se comparar esse
exemplo da vida real com as afirmações simplistas dos simpatizantes
contemporâneos do Ocidente, de que a educação na URSS teria praticamente
eliminado o analfabetismo e a ignorância em todo o país 15.

Os prisioneiros demonstravam um pavor sinistro à luz dos acontecimentos


futuros.

“Todas as classes, com exceção de alguns poucos comunistas, têm verdadeiro


pavor de que sua captura tenha sido notificada, pois foram advertidos de que, se
se entregassem, suas famílias sofreriam as consequências. O tratamento mais
humano que previam para suas famílias era a privação de alimento e de moradia,
o que significava a morte pela fome e pelo frio. Com poucas exceções, todos se
recusam a voltar para a União Soviética por meio da troca de prisioneiros de
guerra. Têm certeza de que serão fuzilados imediatamente.”

As patentes mais altas eram membros do Partido e quase todos, leais ao regime.
Mas os soldados rasos

“...odeiam e desconfiam dos seus comandantes e comissários. Percebem sua


ineficiência militar e sua ignorância e os culpam pelas perdas que sofreram. Sob
o pretexto da disciplina férrea e do medo, não hesitam em usar o revólver para
obrigar os homens a combater. Muitos soldados foram fuzilados por seus
comandantes e outros afirmam ter matado seus comandantes. Os relatos são tão
semelhantes e os sentimentos dos prisioneiros tão intensos que não temos dúvida
de que esses fuzilamentos eram ocorrências quase diárias. O patriotismo está
morto. Os russos marcham para a guerra com uma arma encostada nas costas e
preferem o risco da morte nas mãos do inimigo à certeza de serem mortos se se
recusarem a combater”.

Quase todos os prisioneiros demonstraram um vivo interesse pela religião,


especialmente os ortodoxos. A perseguição religiosa era ainda intensa e a prática
da religião, perigosa e cheia de dificuldades, mas desde 1937 havia sinais de um
pequeno abrandamento na hostilidade oficial a esse respeito. Era extraordinária a
sede de instrução, e as Bíblias, livros religiosos e cruzes distribuídos pelos
finlandeses eram aceitos com intensa gratidão. Os serviços religiosos realizados
nos campos de prisioneiros tinham uma enorme audiência, e os crucifixos eram
usados por quase todos (muitos eram mantidos em esconderijos secretos, entre as
roupas dos prisioneiros). De modo geral, a religião era aparentemente a única
fonte real de esperança e de significado nas vidas degradadas e paupérrimas das
massas russas. Os oficiais interrogadores concluíram: “A supressão da fé parece
afetar profundamente os camponeses. Não compreendem por que a religião é
considerada prejudicial ou desprezível. Para os russos, ela é essencialmente
emocional, e é possível que sua proibição tenha sido exatamente o que a
manteve viva”.

O relatório termina essa avaliação do sentimento do povo russo confirmando a


impressão sombria do major Gatehouse e do capitão Tamplin sobre os russos em
geral.

“Entre os prisioneiros de guerra, nota-se um evidente fatalismo. Aceitam a


perseguição na vida civil e a disciplina brutal da vida militar, o racionamento
permanente de alimentos e roupas e as ordens, a prepotência e a direção do
governo soviético como parte do seu triste destino. Aparentemente, não se
acham capazes de melhorar essa situação. Dão a impressão de um povo que
considera um milagre o fato de sobreviver cada dia, não só na guerra, mas em
casa também. . .

a) Há um sentimento permanente de medo em tudo o que é soviético.

b) A guerra é impopular e qualquer movimento a favor da paz será bem


recebido.

c) Os camponeses odeiam os Kolkhoz e anseiam pela restauração de suas terras.

d) As massas apegam-se ainda à religião, a despeito da supressão.”

Finalmente, o relatório passa de uma avaliação real do povo russo para o


problema específico e conjetural que estava claramente implícito na sua missão.
Haveria possibilidade de uma revolta ou contrarrevolução entre as massas
oprimidas, contra o regime soviético? Se a URSS entrasse na guerra contra os
Aliados, poderiam estes organizar uma revolta como a que derrubou o governo
provisório em 1917 e destruiu a capacidade de resistência militar da Rússia? A
essas perguntas, a equipe do serviço de inteligência, baseada no que havia
observado, só podia dar uma resposta pessimista.

Um apelo junto ao cidadão soviético no sentido de tomar medidas ativas contra o


atual regime deve ser descartado, pelas seguintes razões:

“i) Medo do NKVD.

ii) Medo dos agentes provocadores.

iii) Medo das represálias contra os dependentes.

iv) Falta de liderança.

v) Apatia política.

... o valor político dos prisioneiros de guerra pode ser considerado nulo... O valor
militar dos prisioneiros de guerra é inexistente. É quase impossível formar uma
força militar, ou qualquer tipo de formação organizada digna de confiança com
esses homens. Passaram por experiências terríveis nesta guerra, e não querem se
arriscar a uma repetição. Não pretendem, de modo nenhum, enfrentar
voluntariamente esse risco. Qualquer possibilidade de usá-los como força militar
deve ser descartada. Seu maior desejo é que a guerra termine, para voltarem às
escondidas para suas famílias”.

Apenas entre o grande contingente ucraniano havia fracos indícios de aspirações


mais positivas. “Eram mais estritamente religiosos como um todo”, e
demonstravam interesse pela formação de uma oposição nacionalista. Mas
“nenhum homem admite conhecimento de fatos reais, e nenhum homem
mostrou-se disposto a tomar parte em qualquer movimento secreto. Numa
atmosfera amistosa, foi perguntado a um grupo de trinta ucranianos se todos, ou
alguns deles, estariam dispostos a marchar, armados, contra o regime atual.
Depois de considerável hesitação, um homem disse: ‘Eu talvez o fizesse’ ” 16.

Esse relatório, sem dúvida valioso para as autoridades militares britânicas, tem
um valor muito maior para os historiadores. Com todas as limitações e reservas
que devem ser atribuídas a uma avaliação feita nessas circunstâncias, essa
análise ao acaso provavelmente representa o que mais se aproxima na história
soviética de uma pesquisa de opinião. Existe extenso material que confirma essa
imagem do povo russo em 1940: esmagado, derrotado, privado de qualquer
esperança; soturnamente ressentido, mas resignado a aceitar uma opressão
aparentemente difundida, e cruel demais para ser combatida.

Contudo, embora esse relatório apresente uma impressão extremamente precisa


da psicologia dos prisioneiros, outras provas indicam que algumas das suas
conclusões devem ser modificadas, considerando-se a alteração rápida das
circunstâncias, na época. Em primeiro lugar, a despeito de todos os erros e
horrores infligidos aos soldados soviéticos, havia indícios de que o patriotismo
inato e as qualidades militares dos russos não estavam de todo extintos. A
humilhação sem paralelo imposta pelos finlandeses havia tornado a Rússia
objeto de ridículo do mundo todo, um ridículo difícil de suportar, por mais
injusta que fosse a causa pela qual lutavam. Como observou indignado um
comandante de divisão: “Tudo isso é insultuoso e degradante para nós. Aqui
estamos — um grande povo. Os russos aprenderam a lutar há muito tempo. Mas
que tipo de brincadeira estamos enfrentando? Os finlandeses não são muitos,
mas não conseguimos derrotá-los. É um insulto!”

Quando a guerra chegava ao fim, esse sentimento generalizou-se entre os


soldados. “Soldados e oficiais subitamente perceberam que aquela situação não
podia mais ser tolerada — que havia algo de vergonhoso em tudo aquilo.”
Começou a surgir uma nova atitude militar. Voluntários sacrificaram suas vidas
em um ataque não ordenado pelas autoridades a uma fortificação finlandesa;
russos começaram a patrulhar as florestas à procura dos atiradores finlandeses,
antes invulneráveis. Havia um novo espírito no ar, intangível, frágil, mas real.
Não tinha nada a ver com ódio aos finlandeses, mas originava-se em raízes
muito mais antigas do que as do bolchevismo 17. Naturalmente, a vitória
soviética foi devida quase completamente à espantosa superioridade de número e
de equipamento, ao lado de táticas aperfeiçoadas de liderança, além do fator
moral.

Esse ressurgimento latente de patriotismo não foi detectado pela equipe do


serviço de inteligência britânico, nem tampouco outro fator significativo. Não
levaram em conta a possibilidade de se recrutar uma força antissoviética entre os
prisioneiros, cuja apatia sob aquela situação de opressão irresistível
aparentemente suplantava o ressentimento geral. O relatório diz que “a
derrubada do governo só poderá ser feita com intervenção militar estrangeira,
sendo a mesma apresentada aos russos como uma cruzada para a restauração dos
seus direitos e de sua liberdade, isto é, restauração da propriedade privada dos
camponeses e a volta da liberdade de religião”. Naturalmente, essa cruzada
estava muito além da capacidade ou das intenções dos finlandeses; contudo, foi
feita uma tentativa de recrutar os prisioneiros russos para sua luta contra o
inimigo comum.

Boris Bajanov fora secretário pessoal de Stalin até 1928, quando, repugnado
com os crimes do novo regime, fugiu para a Pérsia. Depois de muitas aventuras,
acabou na França, em 1940. Incitado e autorizado pelas organizações de exilados
russos, e ajudado pelas autoridades francesas, viajou para a Finlândia para
verificar se era possível organizar uma força militar com os prisioneiros russos.
Em 15 de janeiro, foi recebido pelo marechal Mannerheim no quartel-general
finlandês. Mannerheim mostrou-se agradável, mas cético. Autorizou Bajanov a
visitar um campo com quinhentos prisioneiros, e observou: “Se eles o
atenderem, organize um exército. Mas sou um velho soldado e duvido que esses
homens, que escaparam do inferno e se salvaram praticamente por milagre,
estejam dispostos a voltar por sua própria vontade para o inferno”.

Mas Bajanov insistiu e começou o recrutamento entre os prisioneiros do campo


designado. Não pretendia formar uma unidade militar antibolchevista para lutar
ao lado dos finlandeses, mas usar seu povo para apelar junto aos seus camaradas
no sentido de lutar do outro lado. O sucesso de Bajanov foi surpreendente,
exceto para ele próprio. Dos quinhentos homens, quatrocentos e cinquenta
responderam ao apelo do seu compatriota. Os outros cinquenta demonstraram
simpatia, mas tinham medo de agir. Contudo, junto aos oficiais ele não teve o
mesmo sucesso. Ameaçados por uma célula do NKVD que continuava
funcionando entre eles, estavam por demais amedrontados, temendo as
represálias contra suas famílias.

Bajanov recrutou então russos-brancos que eram oficiais exilados, e começou a


treinar sua pequena força. Mas o caos crescente, provocado pela devastação
aérea dos aviões soviéticos, atrasou os preparativos, e o que teria sido feito em
duas semanas demorou dois meses. Só em março a primeira seção apareceu na
frente de batalha. O efeito foi instantâneo: cerca de trezentos homens do
Exército Vermelho foram induzidos a desertar em poucos dias. Mas a Finlândia
estava prestes a concordar com os termos de paz; em 12 de março, foi feito o
acordo, e, no dia 14, Bajanov teve de se retirar às pressas da Finlândia, antes que
os finlandeses recebessem o inevitável pedido de extradição 18.

Essas modificações divergentes, ao lado do veredicto do relatório da inteligência


britânica, sem dúvida nos dão uma estimativa precisa da opinião do povo russo,
se é que tal opinião pode ser considerada real e mensurável. A população,
derrotada, acovardada e resignada, da qual cada indivíduo tivera um parente
próximo assassinado pelo Estado ou desaparecido nos campos de escravos,
estava por demais submetida ao peso do poder do NKVD para pensar em
qualquer mudança, e muito menos em resistência. Somente a intervenção
estrangeira ou a guerra poderiam agitar aquelas águas paradas, e o conflito
finlandês, durante seu breve curso, indicava a possibilidade de uma crise desse
tipo. Se lhes fosse dada uma real oportunidade de revolta e de restauração dos
direitos humanos e da decência, os russos se uniriam para derrubar o governo.
Como compensação de peso, havia os instintos do orgulho nacional, que,
canalizado com inteligência razoável, poderia levar os russos a defender a mãe-
pátria, fosse qual fosse o governo. A prevalência de um desses fatores
dependeria em grande parte da natureza da intervenção estrangeira e da reação
soviética. Após quinze meses, esses problemas seriam postos à prova.

Quando a resistência finlandesa começou a se desmoronar, em fevereiro e março


de 1940, os planos da França e da Grã-Bretanha para a intervenção começaram a
ser tardiamente elaborados. A inesperada tenacidade da defesa finlandesa havia
levado os estadistas aliados a considerar o que antes achavam fora de cogitação.
Acrescentar a Rússia soviética a uma Alemanha ainda não derrotada, no campo
inimigo, podia parecer uma loucura de verão. No fim, os que apoiavam a
intervenção abandonaram o plano, considerando-o impraticável. O súbito
colapso da França, na época do armistício finlandês, iria se dar em menos de três
meses. Assim, como poderiam a Grã-Bretanha e a França considerar uma guerra
contra a URSS e contra a Alemanha ao mesmo tempo?

Durante quatro meses, a partir de meados de dezembro de 1939, a intervenção


militar na União Soviética foi considerada séria proposição pelos governos
aliados. Como já foi observado, não se tratava do ridículo objetivo de conquistar
a Rússia, nem mesmo da fantástica idéia de derrotar seus exércitos nos campos
de batalha. O que cumpria era cortar, por meio de uma hábil estratégia, os
suprimentos dos materiais vitais para o esforço de guerra alemão. O
fornecimento do minério de ferro pela Suécia era, como os próprios alemães
confessaram, “decisivo para o esforço de guerra alemão” 19, e, como já vimos, o
petróleo, os cereais, o algodão e outras matérias-primas fornecidas pela Rússia
eram também de grande importância.

Pouco antes do fim da guerra contra a Finlândia, os chefes do estado-maior da


Grã-Bretanha enviaram um relatório ao gabinete sobre “Implicações Militares de
Hostilidades com a Rússia, em 1940”. Avaliava a fraqueza interna soviética, o
intenso descontentamento político, as comunicações deficientes, já levadas ao
máximo de sua capacidade, a dependência quase total do petróleo caucasiano e a
exaustão militar depois do fracasso na Finlândia. Contra esses fatores deviam ser
colocados na balança, de um lado, a capacidade dos soviéticos para provocar
danos e deslocamentos em regiões importantes, vizinhas dos interesses imperiais
britânicos, e, de outro, suas comunicações, principalmente no Oriente Médio e
no Afeganistão. A capacidade soviética de atacar muito além das fronteiras,
entretanto, parecia poder ser resolvida com os recursos da Grã-Bretanha. Era
possível que potências tradicionalmente hostis à União Soviética, como o Japão,
a Turquia e possivelmente a Itália, aproveitassem a oportunidade para atacar os
soviéticos.

Passando das táticas defensivas às possibilidades de ofensiva, os chefes do


estado-maior notaram que era viável o bloqueio dos navios soviéticos nos portos
dos mares do Norte e Negro. Passam então rapidamente ao exame do objetivo
central do projeto: a destruição dos campos petrolíferos do Cáucaso. Estes
ficavam em Baku, Gronzi e Batum, muito próximos das fronteiras da Pérsia e da
Turquia. Os soviéticos naturalmente sabiam da importância e da vulnerabilidade
desses campos, mas sua defesa terrestre e aérea no local não era de boa
qualidade. Era possível que a Alemanha apoiasse a Rússia com reforços e
baterias antiaéreas, e só por esse motivo seria conveniente atacar rápida e
maciçamente. Os bombardeiros da RAF, já em operação nos aeródromos do
Oriente Médio, não serviriam para essa operação, e a Grã-Bretanha teria de
fornecer um mínimo de três esquadrilhas de Mark IV Blenheims. Estes deviam
“estar preparados para operar a partir de bases no norte do Iraque ou da Síria, no
fim de abril”. A destruição dos campos de petróleo podia ser devastadora, mas
exigiria “operações contínuas durante um período de algumas semanas”.

A retirada desses aviões, mais as reservas e homens para proteger os aeródromos


e os campos de petróleo da Grã-Bretanha, no Irã, significaria um desfalque nas
forças de defesa da Inglaterra; mas, como acentuava o relatório, a “importância
de operações imediatas e eficazes contra as instalações do Cáucaso, no caso de
guerra contra a Rússia, poderia ser tão grande que justificaria os inevitáveis
riscos envolvidos”. Além disso, as forças navais poderiam, com a aquiescência
da Turquia, entrar e dominar o mar Negro, cortando as vias de suprimento de
petróleo para a Alemanha.

O estado-maior fora encarregado de fazer um resumo dos efeitos da guerra


contra a Rússia, considerando a posição estratégica da Grã-Bretanha na ocasião,
e apresentou todas as opiniões possíveis. Mas o tom geral do relatório era de
discreto pessimismo, sublinhando que a destruição das fontes de petróleo da
Rússia teria pequeno ou nenhum efeito imediato na guerra, e que os recursos da
Grã-Bretanha se estenderiam muito além dos seus já perigosos limites.
Terminava com a observação significativa de que, “sem a cooperação da Turquia
e do Irã, não podemos atacar os campos de petróleo do Cáucaso, a não ser
violando direitos territoriais” 20.

Essa estimativa pouco promissora concordava de um modo geral com a opinião


do governo de Chamberlain. O gabinete aceitou a dispersão das forças, que não
mais podiam ser enviadas para a Finlândia. Chamberlain e Halifax preferiram
concentrar seus esforços em medidas diplomáticas, destinadas a garantir a
cooperação da Noruega e da Suécia para interromper a exportação de minério de
ferro para a Alemanha. Somente Churchill continuava a pregar uma política mais
militar, incluindo um ataque a Narvik e uma espécie de intervenção armada na
Escandinávia.

Mais uma vez, o estímulo real para a ação veio de Paris. O primeiro-ministro
Daladier foi obrigado a renunciar, depois do fracasso do seu plano de ajuda aos
finlandeses, e seu sucessor, Paul Reynaud, estava mais disposto a tomar medidas
enérgicas. No dia 25 de março, ele propôs ao gabinete britânico a tese de que a
ação em águas norueguesas e os ataques nas fontes de petróleo da Rússia eram
essenciais para destruir a economia da máquina de guerra alemã, baseada nos
recursos soviéticos. Churchill apoiou calorosamente a proposta, mas
Chamberlain continuou cético e indeciso 21. Em 8 de abril, lorde Halifax
presidiu uma reunião dos embaixadores britânicos na União Soviética, Turquia e
outros países interessados. Ao fim de longa discussão, declarou:
“Aparentemente, todos concordavam em que, de modo geral, seria melhor adiar
por enquanto o projeto de Baku, e reconsiderá-lo no outono ...” Essa decisão
anunciava o fim do interesse britânico no plano, embora, como observou
enfaticamente lorde Hankey, “os preparativos para sua execução deviam
continuar, para que estejamos em posição vantajosa no caso de qualquer
mudança inesperada na situação” 22.

Os preparativos continuaram durante março e abril, tendo em vista um campo


muito vasto de operações. Relatórios do serviço secreto sugeriam que o relatório
do estado-maior era excessivamente pessimista, em muitos aspectos importantes.
De Washington, o embaixador britânico, lorde Lothian, passou para o Ministério
do Exterior informações sobre as condições no interior da União Soviética,
fornecidas por três engenheiros da Companhia Asiática de Petróleo que tinham
voltado da Rússia havia poucas semanas. Eram “técnicos especializados, sem
preconceitos políticos e muito objetivos”.

“Os três afirmaram que as condições de trabalho na Rússia eram más. Havia uma
contínua falta de emprego, a população estava subnutrida e a produção era
incrivelmente lenta. Os soldados que tinham visto eram mal equipados e
inexpressivos. O único serviço eficiente era o da OGPU (polícia política). O
engenheiro que trabalhava no distrito de Baku afirmou que não havia defesa real
contra um provável ataque. Não tinham baterias antiaéreas, e as refinarias em
Baku poderiam ser facilmente ocupadas ou destruídas, embora fossem
constituídas por três unidades completamente independentes. Do mesmo modo,
os condutos de petróleo Baku—Batum não poderiam ser defendidos contra um
ataque decisivo. . . A conclusão geral era de que não se podia, por mais que se
quisesse, exagerar a desorganização da Rússia.”

Outra estimativa especializada dos americanos considerava que, “uma vez que
todo o distrito [de Baku] estava simplesmente saturado de petróleo, o incêndio
seria sem precedentes na história, e os danos provavelmente não seriam
reparados em muitos anos”23.

Outros métodos mais diretos de informação foram complementados, e


praticamente quase forneceram as preliminares para uma guerra. Na principal
base da RAF, em Habbaniyah, no Iraque, foram expedidas ordens, em 30 de
março de 1940, no sentido de que a “esquadrilha número 84 fornecesse
fotografias pedidas pelo quartel-general do Oriente Médio o mais depressa
possível”. Da Inglaterra, chegou um Lockheed civil bimotor, camuflado de
verde-claro e adaptado para fotografar uma vasta área. Quando aterrissou em
Habbaniyah, todas as insígnias do avião foram retiradas. Então, em 30 de março,
o piloto Hugh Macphail levantou voo com dois fotógrafos da RAF. Passaram
sobre os desertos, rumo ao nordeste, e em grande altitude sobrevoaram as
montanhas do Irã neutro, até avistarem a vastidão azul do mar Cáspio. Logo
estavam voando sobre o mar, com a costa soviética do Azerbaijão à sua
esquerda. À sua frente, estava o cabo cuja costa azul protegia a cidade de Baku e
suas antiestéticas instalações petrolíferas. A ineficiência das defesas de Baku
tornou-se evidente quando o avião britânico sobrevoou a área, fotografando
tranquilamente a cidade, o porto e as vizinhanças. Durante uma hora, passou seis
vezes sobre o porto. Então, com a missão cumprida, o Lockheed fez a volta a
grande altitude sobre o mar e desapareceu na direção sul. Macphail e seus
companheiros regressaram a Habbaniyah nove horas depois de sua partida.

No dia 5 de abril, o ousado Macphail levantou voo novamente de Habbaniyah


para o norte. Dessa vez, sua missão levou-o para além das terras selvagens do
leste da Turquia. Emergindo das nuvens sobre o mar Negro, começou o
reconhecimento no ponto final do conduto de petróleo, no porto de Batum.
Porém, foi repelido por fogo antiaéreo, mas não antes de ter também fotografado
Batum satisfatoriamente. Macphail havia testemunhado os únicos tiros
disparados na “guerra” indecisa entre os anglo-franceses e o aliado soviético dos
alemães.

O ministro da Aviação tinha agora extensa documentação que permitia ao


comando do general Wavell, no Oriente Médio, fazer planos detalhados para
desfechar o único golpe que poderia tornar a União Soviética indefesa24. Além
disso, como se não bastasse planos incríveis estavam sendo elaborados para
fotografar Murmansk, um porto de importância vital para as operações da
esquadra vermelha em águas do norte, e extremamente vulnerável a qualquer
ação aliada, em combinação com os finlandeses 25.

Os franceses estavam, como sempre, ansiosos para entrar em ação. Em 30 de


abril, o serviço secreto alemão interceptou uma conversa telefônica entre
Reynaud e Chamberlain. O primeiro-ministro francês garantiu ao inglês que o
comando francês do Oriente Médio estaria preparado para o ataque a Baku no
dia 15 de maio. Chamberlain respondeu com sua característica reserva, mas não
deu nenhuma indicação de que o plano não seria executado 26. Evidentemente, a
Gestapo passou a informação para os funcionários do NKVD, através dos canais
costumeiros.

Afinal, esses projetos ambiciosos foram suplantados pelos acontecimentos e


arquivados. Os principais fatores dessa desistência foram, primeiro, a relutância
dos ingleses em tomar parte decisiva na aventura; e, segundo, a coerente recusa
dos países neutros (Suécia, Noruega, Turquia e Irã) em permitir a passagem de
tropas ou aviões aliados por seus territórios 27. (Deve-se notar, por outro lado,
que o reconhecimento feito pela RAF em Batum e Baku sugere que o espaço
aéreo turco e iraniano podia, pelo menos, ser violado impunemente em
determinadas circunstâncias.) Dada a natureza da hesitação aliada —
especialmente britânica — na época, o projeto parece jamais ter tido muita
chance de ser realizado. Havia considerações mais sérias no momento. Em abril,
maio e junho, os alemães lançariam seus ataques devastadores contra a Noruega
e a França. Como os Aliados poderiam ter pensado nesse plano? Os
historiadores, de modo geral, ridicularizam a idéia, e o professor Lukacs sugere
que “derreter a calota polar seria uma solução tão lógica quanto inundar a
Rússia”2S.

Não há dúvida de que a perspectiva de guerra entre a Grã-Bretanha e a França,


de um lado, e a União Soviética, do outro, era uma aventura ousada e
decididamente perigosa. Na primavera de 1940, tudo parecia favorecer a
Alemanha, de modo que qualquer curso de ação aliado se afigurava sem
esperança. Mas pode-se argumentar que uma estratégia ousada e arriscada teria
sido preferível a qualquer atitude passiva e complacente 29.

X. Murmúrios na floresta

O resultado provável de um ataque franco-britânico à Rússia, em 1940,


permanecerá sempre no campo das conjeturas. Porém, não a reação de Stalin à
ameaça desse ataque. Os arquivos soviéticos continuam fechados, mas o que
sabemos é o bastante para sugerir que aqueles que temiam provocar o sonolento
gigante russo talvez estivessem sendo cautelosos demais.

Durante todo o tempo em que durou a ameaça de uma intervenção anglo-


francesa na Finlândia, a União Soviética agiu com extrema delicadeza,
procurando ansiosamente manter um relacionamento satisfatório com os
Aliados. Em 30 de janeiro, o embaixador Ivan Maiski declarou a R. A. Butler,
no Ministério do Exterior, que seu governo estava ansioso para cooperar com os
ingleses, e insinuou que o pacto com a Alemanha não passava de uma
conveniência momentânea. Em fevereiro e março, afirmações semelhantes foram
feitas a Sir Stafford Crípps e a lorde Halifax, secretário do Exterior. Chegaram a
falar em um acordo comercial. Aparentemente, essas negociações contribuíram
como fator determinante na decisão dos ingleses de abandonar o plano Baku 1.
Somente Fitzroy Maclean, do Departamento Norte do Ministério do Exterior, era
de opinião que essa aproximação dos soviéticos não seria motivo para que
abandonassem os planos de ação contra a URSS, e sim um resultado direto da
existência desses planos. “Afinal”, escreveu ele em agosto, “a temporária
melhora na atitude dos soviéticos em relação à Grã-Bretanha, que ocorreu em
março, era devida inteiramente ao temor do governo soviético de que
estivéssemos nos preparando para bombardear seus campos petrolíferos.” 2

Stalin tinha razão para ter medo. A destruição de noventa por cento dos recursos
petrolíferos da União Soviética sem dúvida provocaria um tremendo
desequilíbrio, e talvez o caos em todo o país, com resultados incalculáveis. E os
astutos ingleses estavam elaborando outros planos igualmente alarmantes.
Preparando-se para qualquer eventualidade, no caso de conflito armado com a
União Soviética, o Ministério do Exterior e os oficiais do serviço secreto militar
estavam iniciando contatos que apelavam para o John Buchan que existia nos
“homens ágeis e morenos”, cuja versatilidade, coragem e recursos continuavam
a manter o extenso império britânico. Na Primeira Guerra Mundial, T. E.
Lawrence havia lançado tribos do deserto contra os turcos, com resultados
devastadores. E se esse mesmo jogo fosse posto em ação contra as nações
oprimidas do Cáucaso e da Ásia central soviética? Sua resistência ao domínio
bolchevista tinha sido eliminada somente depois de anos de indescritível
selvageria, e era provável que o descontentamento racial, religioso e ideológico
habitasse ainda as mentes das tribos das montanhas e dos desertos.

Sem que o povo tivesse conhecimento, o governo preocupava-se com “uma


possível ação subversiva na Transcaucásia e na Ásia central soviética”, e
Maclean, que viajara pelas duas regiões, estava sendo considerado como um
possível infiltrador. Foram iniciados contatos com vários grupos de exilados,
especialmente o Prometheus, uma organização com sede em Paris e
Constantinopla, que representava movimentos turcomanos no Azerbaijão
soviético, na Crimeia, no Turquestão e em Kazan. Não é possível determinar
com que apoio Prometheus contava dentro da URSS. Entretanto, ele não deve
ser subestimado 3; quem teria suspeitado da força do nacionalismo ucraniano, se
a invasão alemã não lhe tivesse dado oportunidade para uma ação decisiva4?

O neto do herói caucasiano Chamil (imortalizado por Liev Tolstoy), Said


Chamil, visitou o comandante-em-chefe francês no Oriente Médio, general
Weygand, no quartel-general em Beirute 5. Said Chamil representava os
interesses das tribos guerreiras do norte do Cáucaso, e sua visita tinha por
finalidade efetuar uma união com o exército de Weygand, que formava o núcleo
potencial de uma força expedicionária no Cáucaso. Weygand recebera ordens de
preparar suas forças para essa eventualidade, mas os seis mil homens sob seu
comando não eram suficientes para esse tipo de expedição, a não ser que a
Turquia interviesse também 6.

Todos esses planos e preparativos parecem fantásticos, dado o fato de terem sido
efetuados um pouco antes de a máquina militar alemã começar sua marcha para
o norte, contra a Noruega e a França. Contudo, não devem ser considerados
impraticáveis. Em três anos, os alemães obtiveram sucesso espantoso no
recrutamento de aliados entre esses mesmos povos soviéticos, sob circunstâncias
muito menos favoráveis. “O que podia ter sido”, porém, é de pouco interesse: o
que importa é o efeito que essas ameaças provocaram em Stalin, e o que isso nos
revela sobre sua política.

Não há dúvida de que Stalin estava apavorado. Na primeira semana de março,


era tão grande o pânico em Moscou, ante a perspectiva da destruição de Baku,
que os soviéticos fizeram investigações na embaixada americana sobre a
provável extensão dos danos.

A resposta não foi reconfortante: Baku se transformaria em um lençol de fogo e


as refinarias ficariam impedidas de funcionar durante anos 7. O exército
ineficiente de Weygand assumiu um significado ameaçador, completamente
desproporcional à sua verdadeira capacidade. Sua existência e a possibilidade de
ser usado para uma intervenção dos Bálcãs ou no Cáucaso foram tópicos de
importantes conjeturas. Dada a deficiência de segurança na época e o influxo de
traidores, com treinamento especial, operando nos departamentos do governo
britânico, provavelmente Stalin sabia mais do que muitos sobre os projetos
ousados que estavam sendo elaborados. É interessante notar que sua predileção
por material de informação conseguido por métodos clandestinos talvez o
levasse a reagir excessivamente a ameaças nem sempre realmente sérias.

Konni Zilliacus era um conhecido socialista britânico de esquerda e publicista.


Embora demonstrando às vezes idiossincrasias pessoais, suas opiniões
geralmente concordavam com as de Stalin. Ele foi a favor da invasão soviética
na Polônia em 1939, e defendeu a política de pós-guerra do ditador na Europa
oriental. Em 1947, sentiu-se honrado por ser recebido pelo próprio Stalin no
Kremlin, e dois anos mais tarde foi expulso do Partido Trabalhista por seu apoio
incondicional e excessivo às atividades comunistas 8. A inteligência britânica
tinha motivos para crer que esse apoio ao sistema soviético ia além das suas
bombásticas arengas no New Statesman: ele era um importante agente do
Komintern, portanto do NKVD de Stalin 9.

No começo de 1940, ele estava temporariamente usando uniforme e conseguiu


visitar o general Weygand no seu quartel-general em Beirute. Como oficial
aliado, foi-lhe concedida certa liberdade, e viu, ou afirmou ter visto, mapas
indicando vias de acesso para as tropas aliadas através da Armênia turca, para
atacar o Cáucaso, bem como fotografias aéreas de Baku e de Batum 10.

A idéia do exército improvisado de Weygand, marchando mil duzentos e vinte


seis quilômetros através das montanhas da Síria e da Turquia a caminho do
Cáucaso, era tão absurda que jamais poderia ser levada a sério 11. Mas é
possível que Stalin tenha recebido e aceito a estimativa grotescamente exagerada
de Zilliacus e que tenha reagido de acordo. Agindo como sempre sob as ordens
do Komintern, o Partido Comunista Francês lançou uma campanha estridente
contra a “ameaça” do exército de Weygand. Foi feita intensa propaganda entre
os soldados franceses para a retirada dos homens de Weygand, e um apelo
ansioso dizia: “Soldados, se eles os mandarem combater os trabalhadores
soviéticos, recusem-se a lutar contra o Exército Vermelho, que é o exército
internacional dos trabalhadores e dos camponeses”. O jornal comunista
L’Humanité calculava que Weygand dispunha de uma força de um milhão de
homens e “milhares de tanques, centenas de aviões!”12 Sob essas afirmações,
pode-se perceber os reais temores de Iossip Stalin.

O Cáucaso e a Ásia central soviética eram aparentemente as frentes russas mais


fracas. As populações estavam inquietas e aguerridas 13, o terreno ideal para a
guerrilha, e a proximidade das principais fontes de petróleo da fronteira podia
transformar qualquer invasão num desastre. Os britânicos, com sua antiga
tradição de serviço de fronteira, na Índia, eram mestres nos métodos de agitar os
povos primitivos, e Lawrence da Arábia e seus mentores do serviço secreto
britânico eram vultos temidos da demonologia comunista 14. No julgamento em
1938, o infeliz líder soviético Bukharin fora acusado, entre outras coisas, de
pretender auxiliar uma conspiração britânica para anexar a Ásia central soviética
à Grã-Bretanha. A acusação era naturalmente falsa, mas, como observa o
professor Ulam, “o julgamento revela um mapa muito exato dos seus [de Stalin]
pesadelos. Evidentemente, ele se preocupava com a possibilidade de as regiões
fronteiriças da Rússia gravitarem para os países vizinhos. . . O que podia ser
mais natural do que o fato de os traidores, entre os usbeques, se voltarem para os
ingleses, na Índia?”15 Os terríveis expurgos efetuados depois da guerra no
Cáucaso e nas regiões do leste, que tiveram como resultado a deportação de
grande parte de nações inteiras para o GULAG OU O exílio em regiões remotas,
provam que Stalin estava certo de que o ódio pelo regime soviético era tão
entranhado nessas áreas que podia chegar ao desejo de se separarem da URSS.
Nesses expurgos, não houve preocupação em estabelecer culpa ou inocência
individual; as autoridades estavam convencidas de que populações inteiras eram
desleais 16.

As intenções soviéticas foram muito bem resumidas por Fitzroy Maclean em l.°
de abril de 1940. Fazendo notar a lamentável eficácia de grande parte da
propaganda soviética (lorde Beaverbrook e seu desenhista Low estavam entre os
que se deixavam iludir com maior facilidade), explicava:

“Atualmente, o objetivo do governo soviético, enquanto continua sua


cooperação com a Alemanha, minimizando o efeito do bloqueio aliado, é evitar
seu envolvimento nas hostilidades com os Aliados. Tanto alemães quanto russos
desejam especialmente evitar um ataque aliado no Cáucaso, pelo menos até que
tenham tempo para reforçar suas defesas. Assim, pretendem dar ao governo
aliado e ao público francês e inglês a impressão de que o eixo Berlim—Moscou
não é muito sólido, e que, se soubermos fazer o jogo, com cautela e procurando
não ofender as suscetibilidades da União Soviética, poderemos tirar a Rússia da
Alemanha. Depois da sua experiência no verão passado, sem dúvida esperam
nos manter no jogo por esses meios, por um período quase indefinido” 17.

Aparentemente, essa era a situação dos temores soviéticos e suas esperanças no


começo de abril. O ataque ao Cáucaso podia começar a qualquer momento. Ao
norte, perigo semelhante ameaçava Leningrado e Murmansk, ambas vulneráveis
a ataque externo. Durante o mês de março, o governo britânico aumentara
progressivamente a pressão sobre a Noruega para a permissão de minar as águas
de sua costa. As potências beligerantes pareciam concentrar suas estratégias na
questão do controle das minas de ferro da Suécia. Assim, ao invés de ser detida
pelo colapso da resistência finlandesa, a determinação britânica de estabelecer a
supremacia militar no norte da Escandinávia parecia crescer a cada semana. Na
verdade, o objetivo agora era fechar os campos de minério para os alemães, mas
uma vez que as tropas britânicas desembarcassem na Noruega, como não
acreditar que procurassem mais uma vez usar a Finlândia, ou que a própria
Finlândia não provocasse o reinicio das hostilidades? E desta vez tropas aliadas
podiam se colocar na fronteira!

Em 8 de abril, o Almirantado britânico anunciou que haviam sido colocadas


minas nas águas territoriais da Noruega. Naquela manhã, quatro destroieres
ingleses haviam plantado minas nas entradas de Narvik. Evidentemente, a antiga
inibição dos ingleses ante a idéia de violar a neutralidade norueguesa tinha
desaparecido, embora o famoso ataque relâmpago ao Altmark, em 16 de
fevereiro, já tivesse demonstrado que as forças britânicas eram capazes de ação
destemida, independentemente das consequências. Como subsidiária à colocação
das minas, a “operação Wilfred” visava também a abrir caminho para o
desembarque de forças francesas e britânicas, que se instalariam em Narvik e em
outros portos vitais, avançando também para a fronteira sueca.

Hitler, porém, não era homem para assistir a esses movimentos de braços
cruzados. As intenções dos Aliados de intervir no norte eram do conhecimento
público desde o começo do ano, e os comandos naval e militar alemães não
haviam deixado o mato crescer sob seus pés. No momento mesmo em que as
minas inglesas caíam no mar no fiorde de Vest, uma esquadra alemã de invasão
estava a caminho. Naquele mesmo dia, quando a noite do norte chegava, o
Almirantado soube que, com espantosa habilidade e coragem, os navios de
guerra do almirante Raeder haviam desembarcado tropas alemãs,
simultaneamente, em pontos que cercavam toda a costa da Noruega, desde a
capital Oslo, no sul, até Narvik, no norte gelado. A Luftwaffe zumbia
ameaçadoramente sobre a capital, a família real norueguesa e o governo haviam
fugido para o interior, e às sete e meia da noite do dia seguinte (9 de abril), o
equivalente nazista do Otto Kuusinen de Stalin, Vidkun Quisling, falava
triunfalmente na rádio nacional. O golpe ao prestígio dos Aliados foi devastador,
e o mundo todo assistiu a ele, petrificado.

A notícia foi dada aos Aliados da pior forma possível. Todos os seus planos
haviam sido antecipados com extrema rapidez e precisão. O primeiro indício do
golpe que se abatia sobre eles foi o destróier Glowworm, afundado no mar do
Norte. Poucas horas depois, Moscou soube dos acontecimentos, embora de
modo muito mais agradável. Na madrugada de 9 de abril, o embaixador alemão
Von Schulenburg pediu uma entrevista com Molotov, e às dez e meia estava em
reunião secreta com o comissário dos Assuntos Estrangeiros. Von Schulenburg
explicou que a Alemanha tinha sido obrigada a intervir na Dinamarca e na
Noruega, porque “tivemos informações perfeitamente dignas de crédito sobre
um iminente avanço de forças militares anglo-francesas contra as costas da
Noruega e da Holanda, e, portanto, tivemos de agir sem demora”. Isso
naturalmente era verdade (um caso raro na diplomacia nazista), bem como o
comentário do embaixador. Ele acentuou o fato de que “o governo do Reich é de
opinião que nossas ações são também do interesse da União Soviética, pois a
execução do plano anglo-francês do qual tomamos conhecimento faria da
Escandinávia um teatro de guerra, e provavelmente levaria ao reinicio da questão
finlandesa”.

Molotov, normalmente impassível, demonstrou grande satisfação com a notícia:


“O governo soviético compreendia perfeitamente as medidas que a Alemanha
fora obrigada a tomar. Os ingleses tinham ido longe demais; haviam ignorado
completamente os direitos de nações neutras”. Concluindo, Molotov disse
literalmente: "Desejamos à Alemanha completo sucesso nas suas medidas
defensivas” (o grifo é meu).

Essa simpatia entusiástica era um chocante contraste com as atitudes dos


soviéticos nas últimas semanas, que se caracterizavam por uma visível frieza em
relação aos seus aliados, em vários aspectos. As razões para essa virada rápida
eram muito claras para o bem-informado Von Schulenburg. No memorando
redigido dois dias depois, ele recapitula os sintomas do descontentamento
soviético.

“Em todos os assuntos, subitamente vimo-nos à frente de obstáculos que, em


muitos casos, eram completamente desnecessários; até em pequenas coisas,
como vistos, eles começavam a criar dificuldades; a liberação do Volksdeutsch
capturado pelos poloneses, que nos foi prometida pelo tratado, não foi
concedida; a deportação de prisioneiros alemães, há muito detidos nas prisões
soviéticas, subitamente foi interrompida; o governo soviético retirou suas
promessas em relação à ‘Basis Nord’, na qual nossa marinha está interessada,
etc. Esses obstáculos, que aparentemente estavam em toda parte, atingiram o
auge com a suspensão dos embarques de cereais e petróleo para a Alemanha. No
dia 5 deste mês, tive uma longa conversa com Herr Mikoian, durante a qual a
atitude do comissário do povo foi muito negativa.”

Então, quatro dias depois, chegou a notícia da invasão da Noruega.

“Durante esta conversa, tornou-se evidente que o governo soviético deu


novamente uma virada de cento e oitenta graus. Subitamente, a suspensão do
embarque de petróleo e cereais foi definida como um ‘zelo excessivo das
agências subordinadas’ que seria imediatamente corrigido. (Herr Mikoian é
presidente assistente do Conselho de Comissários do Povo, isto é, a mais alta
personalidade depois de Herr Molotov!) Herr Molotov era a própria delicadeza,
e recebeu nossas reclamações com boa vontade, prometendo tomar providências.
Por sua própria iniciativa, abordou vários assuntos de nosso interesse e prometeu
que seriam resolvidos de forma positiva. Devo dizer francamente que fiquei
atônito com a mudança.”

A explicação não precisava ser procurada muito longe.

“Em minha opinião, só há uma explicação para essa virada completa: nossas
operações na Escandinávia devem ter trazido imenso alívio para o governo
soviético — removendo um enorme fardo de ansiedade, por assim dizer. No que
consistia sua apreensão, não podemos determinar com certeza. Suspeito o
seguinte: o governo soviético está sempre extremamente bem informado. Se os
ingleses e franceses pretendiam ocupar a Noruega e a Suécia, podemos supor
com certeza que o governo soviético sabia desses planos e estava aparentemente
apavorado. O governo soviético via os ingleses e franceses nas praias do mar
Báltico e via reaberta a questão finlandesa, como lorde Halifax havia previsto;
finalmente, temia sobretudo o perigo de se envolver em uma guerra com duas
grandes potências. Aparentemente, nós aliviamos esses temores. Só desse modo
pode ser compreendida a mudança completa na atitude de Herr Molotov. O
longo e notável artigo de hoje do Izvestia sobre nossa campanha na
Escandinávia. . . soa como um grande suspiro de alívio.”

A "generosa ajuda” que Stalin prometera a Hitler no Acordo Comercial Alemão-


Soviético, em 11 de fevereiro de 1940, foi revalidada IS.

Não há dúvida de que a análise de Von Schulenburg era correta. Com a derrota
da Finlândia, Stalin momentaneamente pensou ter detido a ação dos Aliados,
mas seus planos belicosos de intervenção no sul da Rússia continuavam de pé, e
nos últimos meses estava claro que o tão adiado desembarque na Noruega era
iminente 19. A União Soviética nada podia fazer, além de esperar o ataque.
Agora, a Alemanha entrara em cena, e a Wehrmacht estava travando a batalha
para Stalin. Se alguma vez em sua vida ele teve algum sentimento de gratidão,
foi sem dúvida nesse momento.

Mas esse assomo de alívio devia ser analisado. A ação inesperada da Alemanha
fora espantosamente corajosa. Era também arriscada, dada a supremacia
britânica no mar e sua evidente determinação de isolar e destruir as forças
alemãs na Noruega. Quatro dias depois do desembarque, uma flotilha britânica
tinha afundado ou inutilizado os dez destroieres alemães engarrafados em Narvik
20. Em meados do mês, consideráveis forças anglo-francesas tinham
desembarcado em Narvik, sitiando a guarnição, e a Mauriceforce havia ocupado
Namsos, avançando pela Noruega central e passando por Gudbrandsdalen, a
caminho de Lillehammer. Na realidade, todas essas valentes tentativas seriam
frustradas pelo vigor, o treinamento e o equipamento superiores dos alemães,
mas isso não era evidente para aqueles que viveram os dias terríveis daquele mês
de abril de 1940. No Conselho Supremo de Guerra, no dia 22 de abril, os
franceses pensavam ainda em enviar homens em número suficiente para libertar
toda a Escandinávia; e ainda em 2 de maio, quando a maré estava mudando
rapidamente, Churchill acentuava que “é muito cedo ainda para avaliar a
situação na Noruega, pois apenas a primeira fase da campanha está
concluída”21.

Assim, os dois lados proclamavam a fé na vitória até o começo de maio, e Stalin,


observando dos bastidores, também não podia prever o resultado. Para o ditador
soviético, a vitória alemã era tão vital quanto se o Exército Vermelho estivesse
lutando em Namsos e Narvik. A situação cuja perspectiva tanto o apavorara em
março estava acontecendo em abril. Então, ele tinha feito uma paz apressada
com os finlandeses, ante a mera perspectiva da intervenção aliada. Mas agora,
franceses e ingleses estavam desembarcando na Noruega em número cada vez
maior. Os escoceses e guardas irlandeses em Narvik estavam a apenas cento e
sessenta quilômetros da fronteira finlandesa, e a duzentos e quarenta e dois
quilômetros da própria União Soviética! O Ministério da Guerra tinha proposto o
envio de um batalhão para Kirkenes, em frente de Petsamo. Não se sabe se o
serviço de informações da GRU estava a par do fato, mas um avanço aliado
geral para leste devia aparecer claramente nas cartas. E tudo isso enquanto os
planos para a destruição de Baku e a subversão no Cáucaso estavam ainda de pé.
Os temores de Stalin podem ser deduzidos facilmente, e em breve provaremos
que na verdade ele entrou em pânico.

A Alemanha venceria? A “atitude de lealdade” 22 de Stalin para com Hitler foi


mais uma vez “cimentada com sangue”; a União Soviética modestamente tomou
parte direta na vitória alemã. Durante o planejamento da invasão da Noruega, o
almirante Raeder expressou grande preocupação com a questão do suprimento
das forças sob o comando do general Dietl, cujo objetivo era a tomada de
Narvik, o ponto central de toda a operação. Para evitar os perigos de enviar um
lento navio de suprimentos por toda a extensão da costa da Noruega, o petroleiro
Jan Wellen partiu do porto alemão em solo soviético, “Basis Nord”, perto de
Murmansk. O Jan Wellen chegou a salvo a Narvik, e desempenhou um papel
crucial no reabastecimento dos destroieres que infligiram sérios danos à frota
britânica logo depois da invasão. Mais importante, forneceu suprimentos vitais
para os homens do general Dietl, permitindo que resistissem, até que as
comunicações fossem abertas através da neutra Suécia 23.

Por meio da rede de comunicações do Komintern, através dos canais do NKVD


e da GRP, a União Soviética encarregou-se de solapar eficazmente o esforço de
guerra aliado, de dentro para fora. Os partidos comunistas francês e inglês
desfecharam uma campanha insidiosa, destinada a mostrar que os desembarques
alemães eram apenas uma resposta legítima aos planos aliados anteriores.
“Todos sabiam que, se a Grã-Bretanha invadisse as águas territoriais
norueguesas com minas, os alemães contra-atacariam. Ninguém é bastante tolo
para supor que eles não o fariam”, escreveu Claud Cockburn no Daily Worker
em 13 de abril 24. Enquanto ele escrevia esse artigo, marinheiros ingleses
estavam morrendo sob uma chuva de bombas e torpedos, nas águas geladas do
fiorde de Ofot. O Partido Comunista Francês, obedientemente, lançou também
uma feroz campanha de propaganda contra a ação aliada, declarando que a
finalidade da intervenção era uma conspiração para que os capitalistas britânicos
controlassem os campos de minérios de ferro da Suécia 25.

Stalin também forneceu a Hitler ajuda secreta, cujos efeitos só podem ser
vislumbrados quando momentaneamente eles vêm à superfície. Os serviços
secretos nazista e soviético certamente deviam cooperar quando, o que era
frequente, os interesses nacionais coincidiam. Como testemunhou Walter
Krivitski, o dissidente chefe da GRU, “visto que o pacto de Stalin com Hitler é
na realidade uma aliança dos dois exércitos, operando em zonas específicas, não
tenho dúvida de que o intercâmbio de segredos e informações militares. . . é
indispensável tanto para Hitler quanto para Stalin” 26. Parecia até provável,
como observou um funcionário do Ministério do Exterior em 9 de fevereiro, que
“os comunistas e os mosleístas estejam agora trabalhando juntos” 27.

Dez dias depois, quando as tropas britânicas lutavam para abrir caminho na
direção de Lillehammer, dois irmãos chamados Fyrth foram acusados de revelar
segredos navais ao Daily Worker 2S. Enquanto a marinha vermelha seria
certamente beneficiada com a tecnologia britânica, não há dúvida de que os
navios de guerra alemães estavam suplantando na batalha a esquadra inativa de
Stalin.

Os temores de Stalin são perfeitamente compreensíveis. Tudo podia sugerir a


uma mente desconfiada que a vitória aliada ameaçaria os interesses soviéticos.
Havia detalhes triviais, mas perturbadores, que indicavam esse perigo. Para
alguém que, como Stalin, estava tão ligado aos acontecimentos da guerra civil,
que havia preservado milagrosamente o poder bolchevista, só o nome do chefe
do estado-maior imperial bastava para evocar memórias de tropas britânicas em
operação no solo russo, ao lado dos russos antissoviéticos. Em 1919, Sir
Edmund Ironside comandara a força expedicionária inglesa em Arkhanguelsk.
Com o que pode parecer uma sinistra coincidência, o comandante das forças
aliadas em operação no extremo norte da Noruega, general Mackesy, servira
também com os exércitos brancos no sul da Rússia, em 1919-20 29.

Se esses fatores afetaram a atitude de Stalin ou não, é matéria duvidosa, mas


havia uma consideração muito mais material a preocupá-lo. No dia 19 de
setembro de 1939, depois da invasão da Polônia pelos soviéticos, o governo
britânico havia condenado o ataque como injustificado, acentuando que
pretendia cumprir suas obrigações para com a Polônia e prosseguir com a guerra,
até que esse objetivo fosse atingido30. Não ficou bem claro se a Polônia
recuperaria suas fronteiras de 1938, mas não havia dúvida de que, no caso de
uma vitória aliada, uma Polônia independente seria ressuscitada. Os soviéticos,
sem dúvida, seriam convidados a evacuar toda ou parte de sua zona de ocupação,
provavelmente sob a ameaça de guerra, se não o fizessem. Tudo isso trazia à
memória fatos desagradáveis de vinte anos antes, quando a vitória aliada no
Ocidente fez que uma Polônia revivida expulsasse os exércitos bolchevistas de
Varsóvia, enquanto as forças expedicionárias inglesas e francesas cooperavam
com os exércitos dos russos antibolchevistas em Murmansk e em Baku.

Os poloneses continuavam a ser uma ameaça em potencial na mente de Stalin.


Seus exércitos haviam-lhe infligido a maior humilhação de sua carreira, quando,
em agosto de 1920, recusou-se a ir em auxílio do avanço de Tukhachevsky sobre
Varsóvia, o que fez os poloneses esmagarem o Exército Vermelho.
Tukhachevsky tinha pago por isso com a vida, em 1937, mas o formidável
espírito nacional e marcial dos poloneses estava tão vivo quanto antes. Ao
contrário dos russos, que podiam ser derrotados, massacrados, espancados e
torturados até se submeterem, os poloneses possuíam uma qualidade
desagradavelmente duradoura, que os fazia erguer sua nação diversas vezes
depois de um desastre. Essa resistência e coragem despertava um grande respeito
em Stalin.

“Ele disse. . . certa vez, que nações que tinham sido governadas por poderosas
aristocracias, como a Hungria e a Polônia, eram nações fortes. Stalin era grande
admirador de nações e instituições poderosas, mesmo quando se opunham a ele,
e seu medo dos húngaros e dos poloneses era o reconhecimento da resistência
desses povos.”31

Provavelmente por isso, Stalin “considerava errado deixar um Estado polonês


independente”, por ocasião da partilha com a Alemanha 32.

A despeito de sua conquista no outono anterior, os poloneses estavam, em


muitos aspectos, em posição mais forte do que nas vésperas da conquista de sua
independência nacional, em 1919. A Grã-Bretanha e a França reconheceram seu
governo no exílio, estabelecido em Angers. Possuíam ainda consideráveis
unidades militares, marinha de guerra e aviões, lutando ao lado dos Aliados. No
caso de qualquer choque externo contra a União Soviética, um cenário de
acontecimentos prováveis deveria incluir uma revolta dos poloneses contra seus
opressores, com as forças polonesas do Ocidente atacando através da fronteira.

Esse último acontecimento estava sem dúvida inscrito nos astros. Quando os
franceses pensaram em enviar auxílio aos finlandeses, no começo do ano, um
dos projetos em estudo consistia no envio de uma força expedicionária polonesa
para Petsamo. Os poloneses dispunham de três destroieres e dois submarinos,
mas essa pequena força poderia ser complementada, juntando-se à Marinha Real.
O plano foi arquivado33, mas unidades do exército polonês foram designadas
para a campanha. Não foram dispersadas quando a Finlândia capitulou, e
permaneceram preparadas para uma nova expedição ao norte. Finalmente,
embarcaram em 21 de abril, em Brest, sob o comando do general Bohusz, com
destino a Narvik (fato significativo, do ponto de vista soviético) e o extremo
norte da Noruega. Tiveram um papel destacado na luta feroz que se travou 34.

Essas operações não podiam ter escapado à atenção de Stalin. Outras, mais
secretas, se fossem conhecidas, teriam parecido ainda mais sinistras. Em 15 de
abril, Fitzroy Maclean foi informado pela embaixada polonesa em Londres de
que seu governo estava financiando a organização separatista do Cáucaso com
base na Turquia, conhecida como Prometheus. A possibilidade de apoiar esse
grupo em operações de subversão e sabotagem, dentro da União Soviética,
estava sendo considerada pelos britânicos, e Maclean sugeriu que fosse feito
contato com o coronel Colin Gubbins, um especialista em luta de guerrilha e
mais tarde chefe do Executivo de Operações Especiais (SOE) 35.

Uma fonte mais potente de ruptura e descontentamento era representada pelos


duzentos mil prisioneiros de guerra poloneses nos campos soviéticos. Seria de
admirar se ninguém pensasse em recrutá-los, no caso de uma ruptura oficial
entre as forças anglo-franco-polonesas e o Exército Vermelho. No fim do verão
de 1941, quando tudo indicava que o Exército Vermelho e o sistema de governo
entrariam em colapso sob o peso do ataque alemão, os britânicos consideraram a
possibilidade de uma ação de emergência para destruir os campos petrolíferos de
Baku, com ou sem o consentimento dos soviéticos, se os alemães conseguissem
se aproximar deles. Mesmo nesse momento de desespero, Stalin parecia mais
apavorado com os britânicos do que com os alemães, e não se manifestou sobre
o assunto. E se fizesse a paz e reatasse sua aliança com os alemães? Foi discutida
a possibilidade de pedir aos poloneses para entrar em contato com seus
compatriotas nos campos soviéticos, e convencê-los a uma ação militar na
retaguarda soviética. Um dos campos de prisioneiros, em Temir-Khan-Chura,
ficava convenientemente próximo de Baku. Era um plano desesperado, mas
aparentemente os ingleses não eram os únicos que se lembravam dos feitos dos
ex-prisioneiros de guerra tchecos, na Rússia de 1918, que controlaram a Estrada
de Ferro Transiberiana e se uniram aos anticomunistas russos e aos Aliados para
repelir os bolchevistas nos Urais 36.

Estivessem ou não em andamento planos semelhantes em abril de 1940, sem


dúvida Stalin devia achar que os poloneses ocupavam um lugar de destaque na
lista dos perigos que o ameaçavam, e ao seu regime. Não podia fazer nada contra
as forças polonesas no estrangeiro, a não ser rezar pela vitória dos alemães na
Noruega. Mas, e os milhões de poloneses na Polônia ocupada pelos soviéticos e
os milhares de soldados capturados nos campos de trabalho? Entre todos os
inimigos poderosos que o ameaçavam, eles, pelo menos, estavam ao seu alcance.
Cinco dias depois que o Conselho Supremo de Guerra Aliado resolveu enviar
uma expedição à Finlândia, em 10 de fevereiro, tropas do NKVD invadiram
milhares de casas polonesas, “vilarejos inteiros de pequenos fazendeiros e
trabalhadores do campo, madeireiros, ex-soldados da última guerra que haviam
recebido terras, funcionários públicos, funcionários do governo local e membros
da força policial”.

Isso deve ter eliminado o pouco que restava de liderança popular na Polônia,
sobrevivente das deportações maciças que se seguiram à invasão soviética, em
setembro de 1939. Mas em abril, com as tropas aliadas cruzando o mar do Norte
em número sempre crescente, o governo soviético apavorou-se o suficiente para
promover outro expurgo em massa. Mais uma vez, as cidades e vilas da Polônia
ouviram o som abafado dos caminhões rodando sorrateiramente pelas ruas
escuras, os comandos sussurrados e os passos cautelosos e a temida batida na
porta. Os que foram removidos, dessa vez aos milhares, “incluíam famílias de
pessoas já aprisionadas, famílias dos soldados do exército polonês, pessoas do
comércio (a maioria judeus), trabalhadores dos campos confiscados e mais
grupos de poloneses, rutenos brancos e ucranianos, pequenos fazendeiros e
trabalhadores do campo”. Operações nessa escala, que envolviam o
deslocamento de milhares de pessoas sob condições climáticas espantosas,
evidentemente eram cuidadosamente planejadas em uma sede central e refletiam
decisões e diretrizes do próprio Stalin37.

Essas duas deportações em massa tinham como objetivo acovardar e levar à


submissão as massas polonesas. Mas, e seus líderes naturais? Em três grandes
campos, os soviéticos mantinham cerca de quinze mil oficiais poloneses. Muitos
eram soldados de carreira, mas a maioria tinha sido chamada às vésperas da
guerra. De modo geral, representavam a nata das classes cultas da Polônia de
antes da guerra. Eram mantidos em três grandes campos separados, longe da
fronteira polonesa, em Ostachkov, Kozielsk e Starobielsk38. E se esses homens,
aproveitando-se da perturbação provocada pela guerra no interior, conseguissem
escapar e incitar seus companheiros à revolta? Esse fantasma da
contrarrevolução perseguia Stalin nos seus sonhos e em suas horas de vigília. A
guerra era apavorante, e mais assustador ainda seria um levante dos milhões de
escravos do GULAG, poloneses, bálticos, caucasianos, camponeses ucranianos. .
. a lista era interminável. O ódio coletivo de milhões de pessoas torturadas era
uma visão terrível39.

Nos campos, pouco se pensava em resistência ou fuga. Ao contrário, um


sentimento de otimismo prevalecia entre os oficiais poloneses. A primavera
estava atrasada naquele ano, depois do terrível inverno de 1939-40, e com ela
vinha o renascimento da esperança. Palavras descuidadas (se eles soubessem!)
eram trocadas entre os poloneses: a ofensiva aliada no Ocidente deveria começar
logo e destruiria Hitler, deixando a União Soviética sem amigos e vulnerável. E,
no sul, o general Weygand estava reunindo seu imenso exército, com uma força
aérea capaz de bombardear em poucas horas as instalações vitais em Baku. Para
os onipresentes espiões do NKVD, tudo isso devia parecer uma ameaça
terrível40.
No começo de abril, os poloneses nos três campos alegraram-se ao saber que
seriam enviados para centros de distribuição dos quais, ao que parecia, voltariam
para casa, para a Polônia ocupada. A evacuação teve início em três dias
sucessivos: em 3 de abril, em Kozielsk, em 5 de abril, em Starobielsk, e em 6 de
abril, em Ostachkov. Todas as manhãs, às dez horas, o comandante do campo
recebia um telefonema de Moscou, da sede do NKVD, no prédio da Lubianka.
Eram lidos nomes de uma longa lista de prisioneiros que deviam ser removidos
naquele dia. Então, os homens eram levados aos caminhões que os
transportavam para uma estação de trem próxima. Durante todo o mês de abril e
os primeiros dias de maio, trens lotados com cem e duzentos prisioneiros de cada
vez partiam para destino ignorado. Os que ficavam não recebiam nenhuma
notícia, e, em sua maior parte, continuavam otimistas. O pior que podiam esperar
era serem entregues aos alemães.

Hoje, naturalmente, sabemos muito bem o que aconteceu àqueles infelizes. Três
anos depois, os alemães que ocuparam a área próxima da vila de Katin e seus
bosques descobriram a pavorosa prova do crime cometido pelos soviéticos.
Katin fica perto de Smolensk, onde o trem para Vitebsk faz uma parada, na
pequena estação de Gniezdovo. Não muito distante, numa clareira da entrada da
floresta, havia um dos campos de execução do NKVD, que marcavam várias
regiões do mapa da Rússia desde a revolução. Como os próprios eficientes
alemães iriam descobrir em breve, o massacre contínuo de milhares de pessoas é
uma tarefa complexa, que exige enorme e eficiente organização de homens e
recursos. É necessário o transporte, centenas de homens treinados em execuções
sempre a postos, e um método para evacuar a pilha sempre crescente dos mortos.
E tudo isso tinha de ser feito secretamente! Contudo, não era tarefa além da
capacidade de Lenin e dos seus herdeiros.

Um desses campos de execução, com o cemitério correspondente, tinha sido


estabelecido em Katin, em 1918, e ali, ano após ano, milhares de homens e
mulheres russos terminaram suas vidas infelizes. Em 1931, foi levantada uma
cerca com cartazes, proibindo a entrada na área, e em 1940, reforçada com
guardas do NKVD e cães-lobos 41.

Próximo da área de extermínio, havia uma construção de tijolo e madeira de dois


andares, de aparência agradável. Pode-se ter uma idéia da mentalidade daqueles
guardiões da revolução, pelo fato de o NKVD ter escolhido essa casa para clube
de recreação dos seus homens, que trabalhavam tão arduamente! Voltando de
um longo dia de trabalho na área cercada da floresta, os tchekistas podiam
repousar com uma bebida, enquanto um deles tocava um suave noturno no piano
do clube — uma raridade cultural na Rússia pós-revolucionária. A música
ecoava levemente através das clareiras da floresta silenciosa, e o único som
destoante era o zumbido de milhões de moscas, que procuravam aquele ponto.
Evidentemente, havia uma atração no lugar que superava esse inconveniente42.

Em 3 de abril, o primeiro destacamento de poloneses deixou o campo de


Kozielsk. Amontoados em vagões Stolipin, os sessenta e dois homens viajaram a
noite toda até que, de madrugada, divisaram entre as aberturas dos carros as
cúpulas douradas das igrejas de Smolensk cintilando ao sol matinal. Logo
depois, o trem parou em uma pequena estação. Os carros foram abertos e os
prisioneiros saíram para a luz pálida da manhã. Viram um pequeno pátio da
estação com alguns barracões quadrados ao lado, mas nenhum sinal de
habitantes. Um grupo de guardas do NKVD entrou em formação, armado com
rifles equipados com a baioneta de quatro gumes usada pelo Exército Vermelho
e pela polícia soviética. Um coronel do NKVD supervisionava o desembarque, e
com poucas palavras dirigia a transferência dos prisioneiros para um ônibus com
janelas pintadas de branco, que haviam encostado no primeiro vagão. A metade
dos prisioneiros entrou, e o ônibus partiu, deixando os outros trancados no
vagão. O ônibus partiu rapidamente pela estrada que ia da estação até a floresta
próxima. Parou ao lado de uma enorme escavação recente. Além da terra
amontoada ao lado, a neve cobria o solo; estava escuro ainda, e tudo era silêncio
no interior da floresta.

Um grupo de homens do NKVD esperava no ponto de chegada. À medida que


saíam do ônibus, os prisioneiros, um a um, eram seguros pelos guardas, que
rapidamente amarravam suas mãos nas costas e os levavam para a borda da
escavação. Cada guarda tinha uma pistola cujo cano, a um sinal do coronel do
NKVD, era encostado na nuca de cada prisioneiro. Outro sinal, e uma bala
calibre 7,65 atravessava o crânio da vítima, saindo pela testa. Os corpos caíam
diretamente na escavação.

No dia seguinte um grupo maior, trezentos e dois ao todo, chegou ao local e foi
dizimado do mesmo modo. Durante mais de quatro semanas, chegavam
prisioneiros quase diariamente. Ocasionalmente, no breve instante em que as
vítimas olhavam para o horror sangrento lá embaixo, um homem gritava.
Imediatamente, lançavam um casaco sobre sua cabeça e atiravam através da
fazenda. Outros, mais bravos ou mais desesperados, tentavam se libertar. Os
carrascos eram treinados e experientes: um guarda golpeava o homem com o
rifle, esfacelando seu queixo com a coronha. Outros, que continuavam gritando,
eram obrigados a receber serragem na boca. Gradualmente, a escavação se
enchia, com centenas e depois milhares de corpos. Os guardas tinham de descer
e arrastar os mortos para distribuí-los melhor. A pilha crescia e crescia, até
alcançar a altura de doze corpos. O local estava banhado em sangue, e a massa
retorcida começava a coagular, enquanto os assassinos pisavam os corpos
empilhados. Às vezes, um corpo estremecia: imediatamente, um guarda descia
para a imensa cova e enfiava a baioneta no peito do homem. Outras vezes, eram
empurrados para a cova ainda vivos, e fuzilados da forma habitual, de modo que
a bala, atravessando a cabeça de um, atingia o corpo do camarada que estava
embaixo.

Tudo foi feito com rapidez e eficiência. A organização contava com vinte e dois
anos de experiência (o tempo de existência do primeiro país marxista do
mundo). Quando chegou o último comboio, em 11 de maio, mais de quatro mil
corpos empilhavam-se retorcidos, em camadas de doze ou quinze, as mais
profundas começando já a se deteriorar sob o sangue que continuava a cair da
claridade da abertura distante. Afinal, sua missão cumprida, o destacamento do
NKVD começou a jogar terra sobre os mortos, formando uma grossa camada, e
plantou fileiras de mudas de pinho sobre a elevação. Por sorte, estavam na época
do plantio. Então, para terminar, os guardas voltaram satisfeitos para seu clube.
Quarenta anos são passados e muitos deles sem dúvida conseguiram altas
patentes e deram baixa honrosamente, passando a viver tranquilos em Moscou
ou Leningrado. A União Soviética continua viva.

O destino dos oficiais poloneses em Kozielsk foi revelado por um acaso da


guerra. Em 1943, as forças alemãs de ocupação escavaram o solo mortuário de
Katin e comunicaram sua descoberta para o mundo constrangido. “Quanto
menos se falar a respeito, melhor”, resmungou Winston Churchill43, enquanto
Roosevelt afirmava que tudo não passava de “propaganda alemã e conspiração
nazista” 44. Mais de quatro mil corpos de poloneses foram encontrados em
Katin, mas o paradeiro de mais de dez mil outros, de Ostachkov e de Starobielsk,
permanece incerto.

Quase quatro mil prisioneiros de Starobielsk foram transportados para Kharkov;


a partir daí, não se teve mais nenhum sinal deles. No Ocidente, foi dado a
público um documento que era supostamente o relatório final sobre os
massacres, redigido de Minsk pelo chefe do NKVD para seus superiores em
Moscou, no qual declara que os prisioneiros do campo de Starobielsk foram
liquidados em Dergatchi, pero de Kharkov. Mas o documento é de fonte
desconhecida e por falta de maior prova deve ser considerado suspeito 45. A
cidade de Kharkov era uma das áreas preferidas pelo NKVD para a eliminação
dos inimigos da revolução. Em 1919, o chefe da Tcheka de Kharkov (nome do
NKVD no tempo de Lenin) era um sádico chamado Saenko, excepcionalmente
cruel, até mesmo pelos padrões soviéticos. Na noite de 22 de junho de 1919, ele
e alguns dos seus auxiliares massacraram cento e catorze prisioneiros, usando o
método que já se tornara rotina: as vítimas eram atingidas por um tiro na nuca,
na borda da grande cova onde seriam enterradas. Antes de serem mortos, os
prisioneiros foram submetidos a torturas tão pavorosas, que apenas vinte e
quatro corpos puderam ser identificados 46. Pode ser que o extermínio tenha
continuado em Kharkov, como continuou em Katin.

Finalmente, mais de seis mil oficiais poloneses de Ostachkov foram levados para
a morte. Mais uma vez, temos dúvidas quanto ao local de execução, mas
segundo uma versão digna de crédito (baseada no depoimento de duas
testemunhas russas) eles foram levados para o norte, para as margens do mar
Branco, e embarcados em duas barcaças rebocadas por um navio a vapor, para
longe de terra. Depois de algum tempo, as barcaças foram afundadas
deliberadamente, e todos os passageiros morreram afogados 47. Esse processo
sem dúvida teria agradado a Stalin, que havia eliminado pessoas de quem não
gostava de modo semelhante em Tsaritsin, em 1918 48. Essas noyades,
aparentemente, tornaram-se uma prática comum do NKVD 49.

A eliminação dos oficiais poloneses foi uma operação altamente organizada e


bem sincronizada. Foi planejada pelo comissário de segurança do Estado,
Raichman, chefe da Administração Operacional do NKVD, sob a supervisão
direta de Béria. É certo também que toda a operação foi supervisionada
diretamente pelo próprio Stalin; em parte devido à sua importância e extensão,
mas muito mais por causa do perigo de possíveis repercussões internacionais 50.

O momento escolhido para a eliminação dos oficiais poloneses é significativo, e


é de admirar que nenhum historiador tenha atentado para esse fato. O mês de
abril de 1940 foi extremamente crítico para a União Soviética. O primeiro
grande encontro das grandes potências na Noruega, um país ao lado da Finlândia
e muito próximo das fronteiras soviéticas e dos seus interesses, inevitavelmente
deve ter sido objeto de intensa atenção por parte do governo da URSS. É
provável também que tivesse havido importantes movimentos de tropas em abril
e maio, para defesa contra qualquer desenvolvimento inesperado da guerra.
Além disso, a União Soviética tinha recomeçado o embarque em grande escala
de matéria-prima para a Alemanha, quase abandonado no mês anterior. O
sistema de transporte soviético, extremamente ineficiente, devia estar no
máximo do seu esforço, mesmo sem a tarefa de transportar durante um mês
milhares de poloneses através da Rússia.

Acima de tudo, o massacre deve ter sido considerado, na época, uma operação
muito arriscada. Ninguém sabia se os Aliados derrotariam ou não a Alemanha,
ou se ao menos a obrigariam a aceitar seus termos de paz. A primeira condição
seria, sem dúvida, a restauração da Polônia, e, nesse caso, os oficiais poloneses
desaparecidos se tornariam objeto da atenção internacional. Stalin dificilmente
teria ignorado esse risco, mas é evidente que, em sua opinião, o perigo de os
poloneses organizarem um movimento de resistência entre seus compatriotas da
URSS era muito maior. Foi sugerido em várias ocasiões que o objetivo de Stalin
era eliminar a liderança natural da Polônia com um só golpe, evitando assim seu
ressurgimento como nação. Mas essa opinião negligencia o fato de que a maioria
do corpo de oficiais poloneses estava nas mãos dos alemães, e portanto fora do
alcance de Stalin. Naturalmente, o maior desejo de Stalin era ver a Polônia
destruída como nação, mas os fatos sugerem que o massacre dos oficiais
prisioneiros de guerra em abril de 1940 tinha um objetivo político específico:
evitar uma revolta interna na União Soviética, na qual os poloneses naturalmente
desempenhariam um papel de liderança 51.

Passada a crise, em maio, com a retirada das forças aliadas da Noruega e a


invasão dos Países Baixos, o poderio alemão revelou-se em toda a sua força
terrível. Em 18 de junho, Molotov chamou o embaixador alemão “e expressou as
mais calorosas congratulações do governo soviético pelo esplêndido sucesso da
Wehrmacht”52. Mais uma vez, podemos ouvir o “grande suspiro de alívio” que
Von Schulenburg percebera ao informar Molotov sobre a intervenção alemã na
Noruega. Mas, analisando hoje a situação, os temores de Stalin em março e abril
de que os Aliados tomassem a Noruega, fechassem as minas de ferro da Suécia
aos alemães, fizessem ressurgir a ameaça finlandesa, destruíssem as refinarias de
petróleo do sul, espalhassem o descontentamento e a revolta no Turquestão, no
Cáucaso e em toda parte, e o início de uma revolta na Polônia, podem parecer
grotescamente exagerados.

E quando o equilíbrio total das forças foi alterado, em 1941, com a invasão da
Rússia pelos alemães, o massacre de grande parte do corpo de oficiais de um
país agora aliado tornou-se motivo de grande constrangimento. A Grã-Bretanha
exigia a liberação dos soldados poloneses prisioneiros dos russos para se unirem
ao esforço de guerra comum. . . e ali estava a Wehrmacht, fazendo pressão o
tempo todo e se aproximando cada vez mais de Smolensk e da floresta de
Katin53. Não é de admirar que oficiais soviéticos, incluindo o segundo em
comando depois de Béria, Merkulov, tivessem confessado, sob pressão, que
tinha havido um rokovaia ochibka, um erro fatal 54. Os riscos deviam ser
aparentes desde o começo; só a vitória alemã, tão desejada, teria posto a salvo os
assassinos, e isso não era tão previsível em março e abril de 1940. Que Stalin, o
tirano tão cauteloso e procrastinador, tivesse sido levado a enfrentar o risco é
uma prova do medo intenso que sentia, à medida que a guerra se aproximava de
suas fronteiras, em abril. Algo semelhante ao pânico que demonstrou em junho
de 1941, diante da ameaça do mesmo perigo, parece ter se apossado dele. E é
significativo o fato de que nos dois casos o fator principal tenha sido o medo da
revolta na Rússia. Mais do que isso, sem dúvida temia um colapso quase
imediato da União Soviética no caso de hostilidades — tão rápido que não
teriam tempo de se livrar dos poloneses.

Considerando tudo isso, a ocasião escolhida é muito significativa. Os primeiros


comboios saíram de Kozielsk no dia 3 de abril, mas os prisioneiros foram
notificados da transferência no fim de março, quando foi tomada a decisão
original, pois, a partir dessa data, as famílias dos prisioneiros subitamente
deixaram de receber correspondência dos campos55. O fim de março foi também
o período em que os Aliados finalmente fizeram seus planos para a operação na
Noruega e no sul da Rússia. Em 25 de março, Reynaud transmitiu ao gabinete
britânico uma importante comunicação sobre estratégia. Recomendava com
insistência a ação em águas norueguesas, bem como no mar Negro e no mar
Cáspio, “não só para cortar o suprimento de petróleo dos alemães, mas
especialmente para paralisar toda a economia da URSS, antes que o Reich
consiga organizá-la em próprio benefício”. Dois dias depois, na reunião do
gabinete de guerra, Churchill, em geral cauteloso a respeito de medidas que
poderiam provocar a União Soviética, insistiu vigorosamente em que fosse
efetuado um ataque no mar Negro e contra Baku. Na verdade, os britânicos
queriam justamente evitar uma operação desse tipo, mas essa intenção fora tão
pouco aventada na reunião do Conselho Supremo de Guerra, em 28 de março,
que tudo parecia a favor da ação nas duas frentes56.

Durante todo o mês de março, correram os rumores dessas propostas aliadas,


mas parece pouco provável que Stalin tivesse resolvido efetuar a tão arriscada
eliminação dos oficiais poloneses apenas baseado em boatos ou na possibilidade
geral de um conflito. Considerando sua reação à ameaça alemã, em junho de
1941, podemos deduzir que sua atitude tenha sido de dolorosa indecisão. Suas
ações acompanhavam tão de perto o calendário dos planos estratégicos dos
Aliados que fazem supor que tinha conhecimento mais ou menos preciso das
suas deliberações. Como observou Von Schulenburg em 11 de abril: “Suspeito o
seguinte: O governo soviético está sempre muito bem informado [o grifo é meu].
Se os franceses e ingleses pretendiam ocupar a Noruega e a Suécia, podemos
supor que o governo soviético estava a par desse plano, e aparentemente
apavorado com ele”.

Tudo indica que os serviços de espionagem de Stalin tinham acesso ilícito às


deliberações dos líderes aliados. Qualquer dos dois famosos traidores britânicos,
Burgess e Maclean, poderia ter acesso fácil aos planos militares anglo-franceses.
Maclean foi adido da embaixada britânica em Paris, de 1938 até a queda da
França57, enquanto Burgess tinha um caso com o chef du cabinet de Daladier,
um comunista homossexual chamado Edouard Pfeiffer58.

Nenhum dos dois podia saber que a informação passada para a sede do NKVD
teria como resultado o massacre de quinze mil pessoas inocentes, mas o que se
sabe sobre seu caráter sugere que, mesmo que soubessem, não teria feito
diferença. “Aquele que tocar o piche ficará manchado para sempre.”

XI. Amigos e vizinhos

Na primavera de 1940, Stalin tinha razões de sobra para encarar com admiração
incondicional e gratidão seu aliado Hitler. Em apenas oito meses, o Führer havia
dispensado favores ao atônito Vojd que nem mesmo nos dias de otimismo de
1920 teriam sido imaginados. Enquanto Hitler mantinha afastadas a Grã-
Bretanha e a França, Stalin tinha carta branca para absorver o cordon sanitaire
dos países anticomunistas sobre os quais a União Soviética lançava olhares
cobiçosos e medrosos havia duas décadas. Como se não bastasse, Hitler se
comprometera solenemente a suprimir toda a propaganda antibolchevista do seu
lado da Europa ocidental ocupada.

No começo, tudo correu muito bem. Metade da Polônia fora devorada, e os


países bálticos, subjugados. Veio então o contratempo da Finlândia. Com a
aproximação de 1939, o Exército Vermelho começou a sofrer vários reveses
sangrentos, e a União Soviética parecia estar correndo perigo muito maior do
que em qualquer outro momento, desde 1919. Indignado com a agressão e a
brutalidade soviética, o mundo todo se ergueu em protesto, abandonou sua
indiferença e parecia estar se preparando para uma cruzada global contra o
bolchevismo. A Grã-Bretanha e a França, seus exércitos ainda não tocados pela
guerra, começaram os preparativos maciços para a intervenção na Carélia.
Foram iniciadas conversações para os ataques no mar Negro, no Cáucaso e no
Turquestão, com a conivência e talvez a ajuda da Turquia e da Pérsia.

A situação era aflitiva. Agora, outras ameaças começavam a empilhar Ossa


sobre Pelion. Na Escandinávia, a simpatia do povo pelos finlandeses era
fervorosa. Voluntários, especialmente da Suécia, começaram a atravessar a
fronteira, em massa. Vinham também da Hungria, cujo povo tinha afinidades
raciais e religiosas com a Finlândia. A Itália, aliada da Alemanha no Pacto de
Aço, pedia em altos brados que se efetuasse uma ação militar para defender esse
grande posto avançado da civilização cristã europeia. “Na verdade, toda a Itália
está indignada com a agressão russa contra a Finlândia”, escreveu o primeiro-
ministro Ciano, em 2 de dezembro, quando começaram os preparativos para o
embarque maciço de homens, aviões, artilharia e munição. Antigos
antagonismos dissolveram-se temporariamente quando a Grã-Bretanha
concordou em permitir que os voluntários italianos passassem por seus portos, a
caminho da frente de batalha 1.

Em 13 de dezembro, a guerra original entre anglo-franceses e alemães parecia


esquecida, e o organismo representativo do mundo, a Liga das Nações, condenou
a agressão soviética e incentivou os países membros a auxiliarem a Finlândia.
No dia seguinte, a Rússia foi solenemente expulsa da liga2. Os mais variados
países, como a Bolívia e a Bélgica, declararam-se a favor da moção, mas em
nenhum lugar era tão grande o entusiasmo pela causa da Finlândia quanto no
gigante adormecido no outro lado do Atlântico. Os Estados Unidos
providenciaram um empréstimo de dez milhões de dólares para a compra de
armas estrangeiras para a Finlândia, e um “embargo moral” começou a retardar o
fornecimento de matérias-primas de guerra à União Soviética. O povo do mundo
todo estava ultrajado, e o próprio presidente Roosevelt, que nessa altura era
bastante realista para temer uma tentativa nazi-soviética de conquista do mundo,
declarou em 10 de fevereiro:

“A União Soviética, como todos os que têm coragem para encarar os fatos
devem saber, é governada por uma ditadura tão absolutista quanto qualquer outra
ditadura do mundo. Aliou-se a outra ditadura e invadiu um país vizinho tão
infinitamente pequeno que de modo nenhum poderia causar dano à União
Soviética, um vizinho que só deseja viver em paz como uma democracia, e
acima de tudo uma democracia com visões de futuro” 3.

A União Soviética, cujas forças armadas lutavam com crescente dificuldade para
sobrepujar essa vítima “infinitamente pequena”, deve ter encarado essa
hostilidade mundial com extremo pavor, a não ser por um aspecto. Um aspecto
decisivo. Durante toda a crise, Hitler permaneceu fielmente ao lado de seu
aliado. O Ministério do Exterior da Alemanha deixou bem claro, desde o
começo, que o protocolo secreto do pacto de 23 de agosto seria observado, e que
a Finlândia havia sido cedida à União Soviética. Os diplomatas alemães no
exterior tinham instruções para apoiar o ponto de vista soviético. A nível mais
ativo, a Alemanha proibiu o trânsito de material bélico belga e italiano por seu
território, informou ao governo sueco que qualquer intervenção importante a
favor dos finlandeses seria considerada como casus belli, e ordenou que os vasos
de guerra alemães dessem assistência à ofensiva naval russa no Báltico 4. Como
aliada, a Alemanha não poderia ter feito mais, a não ser declarar guerra aos
finlandeses. Em 11 de dezembro, Ribbentrop garantiu ao embaixador soviético
em Berlim que considerava a resistência finlandesa dependente dos planos de
guerra da Grã-Bretanha5. Até as comunicações telefônicas dos repórteres
simpatizantes da causa da Finlândia foram proibidas pelo sistema de telefonia
alemão 6.

Protegido pelo escudo alemão, Stalin conseguiu impor seus termos aos
finlandeses. Entretanto, logo em seguida os planos de guerra anglo-franceses
tornaram-se mais ameaçadores do que nunca. Preparados para o ataque na
Escandinávia e no Cáucaso, suas intenções agressivas foram detidas com grande
eficiência pela brilhante e ousada intervenção alemã na Noruega. A Wehrmacht
guardava as fronteiras soviéticas do oceano Ártico até os Bálcãs. Apenas a
derrota da própria Alemanha poderia pôr em perigo a segurança soviética, e essa
possibilidade era então mais remota.
No dia 10 de maio, a máquina de guerra alemã atacou a Holanda e, alguns dias
depois, entrou na Bélgica e na França. No fim desse mês, a força principal da
resistência aliada estava desmantelada, e a 22 de junho o marechal Pétain aceitou
os termos dos alemães. Em pouco mais de um mês, a Alemanha havia derrotado
completamente uma das partes da coalizão hostil, e repelira a outra para o outro
lado do oceano. Enquanto o desfecho parecia indeciso, Stalin demonstrou sua
habitual cautela, racionando o fornecimento da matéria-prima para a Alemanha.
Em 22 de maio, os alemães notaram que “as entregas estão ainda insatisfatórias,
especialmente no que se refere ao petróleo, em vista do consumo atual na
Alemanha. . . nessas circunstâncias, é muito importante que o governo do Reich
obtenha o máximo possível de gasolina de avião e de automóvel e outros
produtos do petróleo, nas próximas semanas”. Uma semana depois, quando a
Bélgica havia capitulado e Boulogne e Calais tinham caído, o deputado do povo,
comissário Krutikov, informou Berlim que acabava de receber instruções para
entregar todo o cobre, níquel e estanho, de acordo com o estipulado, “nos
próximos dias”, pois o governo soviético “supunha que, devido ao aumento da
atividade militar no Ocidente, esses metais deviam ser entregues com urgência”
7.

Mais uma vez a gratidão e o alívio do governo soviético eram evidentes. Na


manhã do dia da invasão dos Países Baixos, o embaixador Von Schulenburg
informou Molotov que o dia do ajuste de contas chegara afinal. Molotov
expressou sua satisfação, acrescentando que compreendia perfeitamente que a
Alemanha precisava se defender da ameaça anglo-francesa, e acentuou sua
confiança na vitória alemã. Sua fé foi recompensada, e em 17 de junho, quando
Pétain requereu o armistício, o comissário do Exterior convidou Von
Schulenburg ao seu escritório “e expressou as mais calorosas congratulações do
governo soviético pelo esplêndido sucesso das forças armadas alemãs” 8.

Não se pode duvidar da sinceridade das expressões de gratidão de Stalin. Uma


derrota alemã nos Países Baixos teria sido desastrosa para a União Soviética.
Num momento de pânico, ele havia ordenado o massacre dos oficiais poloneses;
agora, nos angustiosos dias de meados de maio, tinha sido obrigado a considerar
a possibilidade de uma vitória dos Aliados da Polônia. Compreendendo isso,
Stalin não permaneceu completamente como mero espectador do conflito. Sob
sua direção, o Partido Comunista Francês lutou ferozmente para garantir uma
vitória alemã (ou, para ser justo, uma vitória alemã-soviética). Uma operação
maciça de propaganda conseguira denunciar a guerra, desacreditar os líderes
franceses e disseminar a suspeita contra os aliados ingleses. Nas fábricas
francesas, a sabotagem era intensa e a literatura derrotista era distribuída entre os
soldados. É impossível avaliar o quanto essa operação influenciou a derrota da
França. Certamente, o próprio Partido Comunista Francês reivindicou o crédito
por esse feito, e logo depois do colapso, proclamava:

“O imperialismo francês acaba de sofrer sua maior derrota na história ... A classe
trabalhadora mundial e francesa deve encarar esse acontecimento como uma
vitória, e compreender que representa um inimigo a menos... É evidente, como
prova esse estado de coisas, que a luta do povo francês tem o mesmo objetivo
que a luta do imperialismo alemão contra o imperialismo francês. Nesse sentido,
podemos dizer que tivemos um aliado temporário. Lenin nos ensinou que não se
deve hesitar, quando chega o momento e quando se tratar do interesse do povo,
em fazer aliança temporária, até mesmo com o próprio Demônio ... Quem não
compreender isso não é um revolucionário” 9.

A subversão comunista do esforço de guerra francês era uma arma de dois


gumes, ao mesmo tempo solapando a vontade de resistir e levando membros da
direita, mais fracos e menos escrupulosos, a preferir, por medo, uma paz ditada
pela Alemanha a uma França comunista. Esse resultado final foi reconhecido por
Stalin num discurso feito no ano seguinte. Com pouco tato e atribuindo
absurdamente a subversão aos alemães, ele declarou:

“Os alemães sabiam que sua política de criar contradições entre classes em
países separados. . . teria resultado na França, cujos governantes, deixando-se
assustar pelo espectro da revolução, acovardados, colocaram o país aos pés de
Hitler, desistindo de toda resistência” 10.

Stalin era bastante astuto para prever que era exatamente o que ia acontecer.

Assim, o exército alemão conseguiu a vitória mais espetacular do século XX. A


participação de Stalin nesse sucesso foi obscurecida, mas não devemos nos
esquecer de que os tanques de Guderian operavam quase exclusivamente com
petróleo russo, quando avançaram para o mar, em Abbeville; as bombas que
arrasaram Rotterdam continham algodão-pólvora soviético, e as balas que
atingiam os soldados britânicos que embarcavam nas praias de Dunquerque eram
cobertas de cobre-níquel soviético. Muitos soldados britânicos iriam, mais tarde,
sofrer na pele pela aliança da União Soviética com a Alemanha nazista. Os
prisioneiros de guerra britânicos, capturados em Calais, Dunquerque e em outros
lugares, foram transportados para campos na Alemanha. Alguns conseguiram
fugir para a Polônia, onde eram ajudados pela Resistência. Com grande perigo
de vida, conseguiram cruzar a fronteira da URSS. Esperavam, naturalmente, ser
enviados para a Inglaterra, ou, na pior das hipóteses, internados. Mas a recepção
que tiveram provou que estavam em território inimigo. Foram recebidos a bala,
espancados e atirados na prisão. O fuzileiro John Yeowell, por exemplo, foi
condenado a vinte e cinco anos de trabalhos forçados, e James Allan quase
morreu de fome na prisão antes de escapar um ano depois, refugiando-se na
embaixada britânica em Moscou 11.

Stalin deve ter sorrido para si mesmo ao pensar no sucesso de uma política que
fez a Wehrmacht se encarregar da sua luta, enquanto ele a seguia na retaguarda,
acumulando os despojos. No outono do ano anterior, Hitler dera consentimento
para que ele absorvesse os países fronteiriços do leste europeu. Na época, Stalin
agira com extrema cautela. Temendo a intervenção anglo-francesa no Báltico,
limitara sua iniciativa, obrigando os três pequenos países a aceitar guarnições
militares soviéticas. Estas foram confinadas em suas bases, comportavam-se de
modo geral com muita disciplina e não interferiam diretamente nos assuntos
internos dos Estados. Agora Stalin via que chegara sua oportunidade, embora
continuasse com cautela para não queimar os dedos.

Em 14 de maio, Von Kleist e Guderian estabeleceram a primeira cabeça-de-


ponte a oeste do Meuse, flanqueando a Linha Maginot. Dois dias depois, o jornal
soviético Izvestia observava de modo sinistro:

“Os recentes acontecimentos da guerra mais uma vez demonstram que a


neutralidade das pequenas nações, que não têm poder suficiente para conservá-
la, é mera fantasia. Portanto, poucas são as possibilidades de sobrevivência e de
independência para os pequenos países. Todas as considerações dessas pequenas
nações sobre a questão de justiça e injustiça em relação às grandes potências,
que estão em guerra ‘para resolver se continuam existindo ou não’, são, na
melhor das hipóteses, ingênuas” 12.

Dois dias depois dessa advertência contundente, o Exército Vermelho começou a


transferência em grande escala de tropas, aviões e artilharia para sua base em
Gaizunai, no centro da Lituânia. Esse movimento continuou durante uma
semana; o Exército Vermelho não estava preparado para se mover com maior
rapidez, e Stalin estava excessivamente ansioso para evitar riscos desnecessários
13. Em 25 de maio, o 15.°, o 19.° e o 51.° exércitos alemães atravessaram as
linhas francesas, entrando no canal e investindo contra a força expedicionária
britânica em Boulogne, Calais e Dunquerque.

A serpente soviética começou a levantar a cabeça. As autoridades lituanas


receberam um comunicado, acusando-as de sequestro de dois soldados
soviéticos. Os lituanos prometeram a Molotov que iam investigar o assunto.
Descobriram que os soldados haviam se instalado confortavelmente, por vontade
própria, com duas belas lituanas e que não tinha sido usada nenhuma coerção do
governo para esse estado de coisas. Apesar disso, os soviéticos continuaram a
pressionar com suas reclamações. Os Aliados estavam sofrendo reveses
crescentes no Ocidente, e, em 28 de maio, o dia da capitulação da Bélgica, o
comissário Loktionov chegou a Kaunas para oficializar as acusações soviéticas.
O governo lituano, consciente do perigo que o ameaçava, ofereceu-se para tomar
as medidas que o governo soviético julgasse necessárias para satisfazê-lo. O
ministro do Exterior ofereceu-se para ir a Moscou, mas uma resposta áspera
exigiu a presença do primeiro-ministro Merkis. Este obedientemente tomou o
avião para a capital soviética, onde, a partir de 7 de junho, foi bombardeado com
uma série de acusações inteiramente falsas de conspiração antissoviética, feitas
por Molotov.

Entretanto, em 12 de junho, Merkis voltou para a Lituânia sem que Molotov


tivesse feito nenhuma exigência concreta. O Kremlin olhava ainda ansiosamente
para o drama que se desenvolvia com maior rapidez agora no Ocidente. Os
sucessos da Alemanha continuavam sem esmorecimento, com seus exércitos
avançando para o Sena. Mas o milagre de Dunquerque havia salvo a vida de
quase trezentos e quarenta mil soldados franceses e ingleses, que se preparavam
para desembarcar na Bretanha e voltar à campanha. Em 4 de junho, Churchill fez
seu discurso contundente na Câmara dos Comuns, jurando que a Grã-Bretanha
“iria até o fim, lutaremos na França. . . jamais capitularemos. . . até que, quando
Deus quiser, o Novo Mundo, com toda a sua força e poder, venha salvar e
libertar o Velho”. A obstinação britânica sempre surpreendeu o mundo em toda a
sua história. E se as coisas mudassem? Mas, em 14 de junho, Paris capitulou,
derrotada pelo 18.° exército do general Von Kütchler, e a suástica tremulou na
Torre Eiffel. Agora chegara o momento de agir; os intrometidos Aliados estavam
em retirada, e seria melhor acertar as coisas rapidamente, antes que as terríveis
cento e quarenta e três divisões de Hitler voltassem para casa.

Nesse dia, foi entregue um ultimato ao ministro do Exterior da Lituânia,


exigindo o julgamento de dois altos funcionários do Estado, cujas ações tinham
ofendido os soviéticos; a reconstrução do governo lituano de um modo que fosse
aceitável para a URSS; e liberdade de movimento e aumento ilimitado de tropas
russas dentro do país. Os soviéticos jamais definiram a conquista e a anexação
dos países vizinhos em termos claros — há sempre o temor de serem algum dia
chamados a justificar suas ações. O Tratado de Paz Soviético-Lituano de 1920, o
Pacto de Não-Agressão de 1926 e o Pacto de Assistência Mútua de 1939 foram
esquecidos como se jamais tivessem existido. Enquanto o presidente fugia
apressadamente do país, trezentos mil homens do Exército Vermelho
atravessaram a fronteira: um soldado para cada oito lituanos de todo o país.
Como notou Stalin, “a bravura dos guerreiros do Exército Vermelho é sem
precedentes” 14. A Lituânia, durante séculos um baluarte oriental da civilização
europeia, fora mergulhada nas trevas 15.

A Letônia também tinha assinado um Tratado de Paz (1920) com a URSS, e um


Tratado de Não-Agressão (1932). No dia seguinte ao da entrada dos soviéticos
na Lituânia (16 de junho), a Letônia recebeu um ultimato igualmente ameaçador.
Um dia antes, o Exército Vermelho (ou o NKVD) havia atacado um posto de
fronteira da Letônia. Queimaram o prédio e partiram com uma dúzia ou mais de
prisioneiros, deixando como cartão de visita os corpos de dois homens e uma
mulher, e uma mulher e uma criança gravemente feridos. Esse feito
provavelmente tinha como objetivo original ser classificado de “incidente” para
justificar a invasão iminente. Mas o próprio Molotov, ao que parece, concordou
em que o assassinato e sequestro de alguns letões pacíficos não seria prova
convincente, perante a opinião mundial, de agressão por parte da Letônia, e a
operação delicada não foi incluída nas negociações subsequentes. No dia
seguinte à entrega do ultimato, colunas de tanques soviéticos cruzaram a
fronteira em dois pontos; ao entardecer, estavam passando pela capital, Riga 16.

Em 16 de junho, os estonianos receberam seu ultimato. Os três países


independentes eram acusados pelos soviéticos de várias faltas, que por
coincidência chegaram ao auge no mesmo dia. A acusação contra a Estônia é
especialmente interessante. No dia 28 de maio, o Pravda queixava-se de que
“uma certa parte da intelligentsia estoniana considera a ocupação da Noruega e
da Dinamarca pelos alemães como agressão, como a escravização de pequenas
nações. Essa parte dos intelectuais prega uma atitude de lealdade para com a
Inglaterra e expressa seu ódio pela Alemanha e por tudo o que é alemão... Os
círculos governantes da Estônia tentam permanecer neutros em relação aos
acontecimentos no Ocidente... A imprensa estoniana igualmente procura evitar a
discussão de problemas constrangedores e acentua sua lealdade para com a
Inglaterra”.
Em 15 de junho, um avião de passageiros estoniano foi derrubado no mar —
provavelmente outra tentativa malograda de criar um “incidente” que provasse a
intenção da Estônia de invadir e conquistar a União Soviética. Nos dias 17 e 18
de junho, o Exército Vermelho invadiu o país 17.

Uma recente história soviética descreve o que se seguiu. Esquecendo-se de


mencionar a invasão de 17 de junho, os autores passam diretamente às cenas
dramáticas do dia 21, quando começou uma maciça revolução popular contra o
governo burguês na capital da Estônia.

“No mesmo dia, dezenas de milhares de pessoas saíram para as ruas de Tallin. O
trabalho foi interrompido em toda parte. Antes que o governo tivesse tempo de
tomar qualquer medida, viu-se completamente isolado, frente a frente com a
maioria do povo que o odiava por sua traição aos interesses nacionais” 18.

Na realidade, algumas centenas de revolucionários, importados da União


Soviética, uniram-se a um punhado de comunistas estonianos nativos para uma
demonstração na Praça da Liberdade. A “revolução” processou-se com muita
ordem: tanques do Exército Vermelho estavam presentes em cada esquina para
garantir que continuasse assim. A despeito de todos os esforços, entretanto, os
representantes das massas revoltadas continuaram a ser pouco numerosos, e os
estonianos divertiram-se ao ver na imprensa controlada pelos soviéticos
fotografias de uma enorme multidão acenando, rindo e aplaudindo. Num país tão
pequeno, não era difícil reconhecer os rostos: eram fotografias do povo, em um
recente festival da canção 19.

Durante alguns dias, a revolução e os governos burgueses do Báltico


coexistiram. O presidente Smetona, da Lituânia, fugira para a Prússia no dia 16
de junho, preferindo não confiar a própria pessoa e sua família ao cavalheirismo
soviético 20. Essa precaução foi recompensada: o infeliz presidente da Letônia e
o da Estônia foram logo depois removidos pelo NKVD para destino ignorado. O
destino do presidente Pats, da Estônia, foi especialmente trágico. Como milhões
de pessoas menos conhecidas, ele desapareceu nas trevas da URSS, e seu povo
não sabia do seu paradeiro. Então, em 1974, a Cruz Vermelha Internacional foi
informada por fontes soviéticas de que o presidente tinha morrido em janeiro de
1956. Três anos depois disso, mensagens secretas contrabandeadas para fora da
União Soviética tinham a assinatura e as impressões digitais de Pats. Guardadas
por quase trinta anos, continham saudações aos estonianos de todo o mundo e
uma prece para que “nossos lares permaneçam livres em uma pátria livre”.
Descreviam as condições terríveis de sua prisão, desde a conquista do seu país.
Mantido em “um hospital para judeus pobres”, seu sofrimento era igual ao dos
seus companheiros de prisão. Privado de todos os seus objetos pessoais, até do
uso do próprio nome (“aqui sou apenas o n.° 12”), e alimentado com rações
revoltantes, “fiquei fraco, minha visão e audição enfraqueceram. . . Logo
completarei oitenta anos, restam poucos dias de vida para mim. Tendo nascido
livre, gostaria de morrer livre” 21.

Não demorou para que os povos do Báltico fossem submetidos a sofrimentos


semelhantes e piores. Três dos mais selvagens capangas de Stalin foram
enviados para impor os regulamentos do NKVD aos países conquistados.
Vladimir Dekanozov foi para a Lituânia. Era um amigo de Béria, da Geórgia,
cuja enérgica atuação nos expurgos de 1937 em diante tinha lhe garantido a
promoção dentro do NKVD, qualificando-o evidentemente para controlar os
lituanos 22. A Letônia ficou com Andrei Vichinski, o promotor público dos
mesmos expurgos, capaz de reconhecer um inimigo da classe com um olhar.
Finalmente, os proletários liberados da Estônia viram Andrei Jdanov, o sátrapa
de Stalin em Leningrado, esgueirar-se sorrateiramente para sua nova capital “em
um carro blindado, acompanhado por dois tanques” 23.

O que aconteceu em seguida era tristemente previsível. Entre 14 e 17 de julho,


houve eleições na Estônia, Letônia e Lituânia, tendo como resultado uma
maioria comunista de 92,8, 97,8 e 99,19 por cento respectivamente. Tantos
comunistas do Báltico haviam sido assassinados pelo próprio Stalin, em 1936 e
1937, que foi difícil encontrar candidatos, mas a dificuldade foi contornada. Na
Estônia “um dos mais altos postos foi concedido a um homem de origem
estoniana que tinha sido até então auxiliar do mestre da estação no norte do
Cáucaso” 24. Finalmente, em 5 de agosto, o Soviete Supremo concordou
generosamente em admitir as três repúblicas como membros da URSS. As
emoções daquela época foram muito bem descritas por um poeta letão que, com
a ajuda de amigos, compôs esta bela interpretação:

“Erguemos nossas cabeças

E vimos de relance Stalin

De pé, com um simples terno cinzento.


Assentindo com a cabeça, ele saudou os letões:

‘Agora seu passado tristonho desapareceu para além das sete colinas,

Agora há um lugar para todos na livre família soviética.

Levantem-se para que possam subir mais alto

no todo-poderoso Estado soviético’.

E no seu rosto afetuoso podíamos ver mais alguma coisa:

‘Somos fortes como uma rocha, como um penhasco,

Somos uma força invencível,

Somos os representantes da liberdade, do humanismo, da beleza’ ” 25.

E assim, três países independentes, prósperos e civilizados desapareceram do


mapa da Europa. Quase imediatamente, houve uma grande falta de mercadorias
nas lojas de Tallin, Riga, Kaunas e em toda parte26. Em Moscou, por outro lado,
as lojas especiais, que se abriam apenas para os ricos não limitados aos talões de
racionamento, “. . . subitamente apareceram repletas de objetos estrangeiros
desconhecidos; ternos, vestidos, sapatos, cigarros, chocolate, biscoitos, queijo,
alimentos enlatados e uma centena de outros artigos, obviamente de origem não-
soviética. Era a inundação de mercadorias das áreas da fronteira tomadas pelo
Exército Vermelho. . . produtos do saque nos países bálticos... Os moscovitas
vibravam com a oportunidade de comprar essas maravilhas da produção
capitalista na capital ‘socialista’. Milhares de oficiais soviéticos ostentavam uma
elegância de despojos e contavam histórias espantosas, algumas vezes sem
dúvida exageradas, sobre as boas coisas que os libertadores soviéticos haviam
tomado nas áreas conquistadas e que se espalhavam agora pela capital”27.

Entretanto, pode-se dizer com certeza que os povos do Báltico teriam ficado
razoavelmente satisfeitos se fossem apenas mercadorias o que os homens do
NKVD despachavam em trens lotados para o interior da URSS.

Nem bem desapareceu a independência dos três países, começou a importação


de toda aparelhagem da civilização soviética.

“As pessoas começaram a desaparecer durante a noite, e jamais eram vistas


novamente. Nunca houve um julgamento, as pessoas apenas desapareciam. Aino
Kallas. . . perdeu dois filhos nesse ano. A filha foi morta por um atirador russo,
no jardim da casa de uma amiga, quando apanhava cerejas. Morreu
instantaneamente, tombando aos pés da filhinha de três anos.”28

Uma mulher estoniana escreveu que, na Letônia,

“noite após noite, os temidos caminhões negros da polícia secreta corriam pelas
ruas das cidades e pelas estradas dos distritos mais remotos. Centenas e centenas
de homens, mulheres e crianças desapareciam na vastidão da União Soviética,
para sempre”.

No primeiro ano da ocupação soviética, trinta e quatro mil duzentos e cinquenta


letões desapareceram sem deixar vestígios — mais de dois por cento da
população. Expurgos como esses equivaleriam a quase três milhões de
americanos, quase um milhão de britânicos, ou oitocentos e quarenta mil
franceses. Nem todos tinham saído do país: mil trezentos e cinquenta e cinco
pessoas, incluindo cento e nove mulheres, vinte e cinco crianças em idade
escolar e quatro crianças com menos de seis anos, morreram nas câmaras de
tortura do NKVD, dentro do próprio país 29.

Provas dessas atrocidades foram inesperadamente reveladas quando o Exército


Vermelho foi expulso pelos alemães, em 1941. Na Lituânia, foi apreendido um
documento com o plano do NKVD para 7 de julho de 1940, “de preparativos
para a liquidação. Visaremos à abolição ativa da influência orientadora dos
partidos hostis ao país: nacionalistas, voldemaristas, populistas, democrata-
cristãos, jovens lituanos, trotskistas, socialdemocratas, homens da guarda
nacional e outros. A ação deve ser realizada simultaneamente em toda a
Lituânia, na noite de 11-12 de junho de 1940”. O que isso significava,
mostraremos com alguns exemplos. Jouzas Viktoravivius, um trabalhador de
trinta e dois anos, foi interrogado na prisão de Kaunas.

“Aqui, minhas mãos foram colocadas em correntes de ferro e torcidas. Deram


golpes com o lado da mão no meu pescoço, e bateram com uma régua nas juntas
dos meus dedos. Apertaram meu abdome com os polegares, bateram
repetidamente com uma prensa nos meus ombros e abriram feridas
deliberadamente nos lugares atingidos. Finalmente, amarraram meus órgãos
sexuais com um pedaço de corda e puxaram com força. Durante a tortura, caí e
desmaiei duas vezes. Fui interrogado assim durante quarenta e cinco horas
seguidas. Terminado o interrogatório, amarraram minhas mãos e pés e me
colocaram dentro da água fria, no subsolo do prédio do NKVD. Na água,
desmaiei outra vez. De volta à prisão, meus amigos não me reconheceram.”

Outros tiveram os testículos transformados em uma massa, foram colocados


sobre fogões quentes, tiveram agulhas enfiadas sob as unhas, foram
escalpelados, suas mandíbulas foram quebradas, os olhos e a língua arrancados.
As execuções eram realizadas em celas da morte especiais. Em outros lugares,
como em Kretinga, as vítimas eram presas a árvores com arcos de ferro antes de
serem queimadas vivas. Outros foram enterrados vivos, alguns depois de terem
sido escalpelados e terem arrancada a pele das mãos.

A seis quilômetros da capital, Kaunas, o NKVD cercou uma área dentro da


floresta de Petrosiunai. Era expressamente proibido se aproximar do local, e os
transeuntes não tinham vontade nenhuma de fazê-lo, pois ouviam-se
ocasionalmente gritos e tiros vindos da área cercada. Depois da invasão alemã,
os habitantes puderam examinar o lugar. Era uma miniatura de Katin. Os
prisioneiros da principal prisão de Kaunas, condenados à morte, eram levados
para a floresta. Valas comuns, com um total de quatrocentos e cinquenta corpos,
foram descobertas. Para que os tiros não fossem ouvidos em Kaunas, o
comandante da prisão dera ordens aos algozes para matar a vítima golpeando
suas têmporas com um martelo. Os corpos estavam terrivelmente contorcidos,
alguns presos ainda às correntes, como mostram numerosas fotografias
espantosas30.

Qual seria o propósito de toda essa crueldade, se é que havia algum? Não havia a
menor possibilidade de uma séria resistência no Báltico, contra o poder arrasador
dos soviéticos, que, por sua vez, estavam protegidos de qualquer interferência
externa pela aliança com a Alemanha. Aparentemente, Stalin jamais se livrou do
medo de que um levante popular pusesse seu poder em perigo. Os estonianos,
letões e lituanos deviam receber os primeiros golpes do chicote como uma
advertência que não podia ser ignorada. E, temendo que naqueles tempos
conturbados surgissem outras idéias perigosas, ele soltou o NKVD novamente
sobre a infeliz Polônia.

“Em junho, refugiados de todas as outras partes da Polônia, que estavam na


Polônia oriental no dia 17 de setembro de 1939, foram levados. O registro dessas
pessoas fora facilitado por um aviso feito alguns meses antes, segundo o qual
todos os refugiados que desejassem voltar para a ocupação alemã poderiam fazê-
lo, desde que dessem seus nomes. Entre eles, estavam membros das classes
intelectuais, trabalhadoras e ‘especuladores’.”

Outras vítimas foram os milhares de judeus das vilas da Polônia (muitos deles
comunistas), que foram enviados para os piores campos de trabalho ao norte do
paralelo 70. Eles “morriam rapidamente no clima impiedoso do norte, com
maldições bíblicas nos lábios e o olhar furioso de profetas enganados”31.

O protocolo secreto do pacto nazi-soviético anotava o “interesse da Rússia


soviética pela Bessarábia”, que os alemães declararam-se prontos a satisfazer 32.
A província da Bessarábia pertencera à Rússia imperial por mais de um século,
mas tinha sido cedida à Romênia na época da revolução. Stalin tinha vários
motivos para querer ansiosamente recuperar a região. Uma espécie de justiça
natural parecia exigir que ele possuísse pelo menos tudo o que Nicolau II
governara, e tinha ambições de interferir também nas nações eslavas dos Bálcãs.
Acima de tudo, a Bessarábia possuía uma grande população de ucranianos, e a
existência, fora do seu controle, de segmentos de povos súditos da Rússia
parecia na verdade muito perigosa. A liberdade e a prosperidade desses povos
davam-lhes uma vantagem injusta na competição pela lealdade dos ucranianos
soviéticos, e representavam uma tentação para qualquer potência que quisesse
inflamar o sentimento nacionalista dentro da URSS. Porém, era preciso proceder
com muita cautela. No dia 13 de abril de 1939, exatamente um ano antes, a
Romênia recebera garantias unilaterais de ajuda militar, no caso de um ataque
britânico ou francês. Era melhor ver como a guerra se resolvia, sem arriscar
qualquer ação que pudesse envolver a União Soviética num conflito de grandes
proporções.

Logo após a capitulação da Holanda e do avanço alemão sobre a Bélgica,


tornou-se evidente que a maré estava contra os Aliados. A grande e desajeitada
máquina de guerra soviética começou a se reunir, obstruindo a maior parte do
sistema de transportes do sul da Rússia. As notícias sobre esses movimentos
logo chegaram aos ouvidos dos romenos, que pediram à Alemanha para, se fosse
possível, conter seus aliados. O interesse da Alemanha no petróleo da Romênia
era considerável, e o Reich não devia estar ansioso por uma guerra nos Bálcãs,
enquanto ainda enfrentava exércitos anglo-franceses no Ocidente. Os alemães
expressaram-se com muita reserva sobre a questão de ajuda, mas em todo caso, o
Exército Vermelho não dava sinais ainda de invasão da Bessarábia. Os Aliados
não estavam derrotados, e o NKVD deve ter ouvido falar das ameaças dos
romenos de resistir à invasão. O adido militar da Romênia em Berlim informou
aos alemães, em 23 de maio, “oficialmente, que a Romênia aceitaria lutar contra
os russos; tinham homens e fortificações suficientes”33.

Fosse qual fosse a causa, as semanas se passaram sem nenhum sinal de ação por
parte da URSS. Em 17 de junho, com a capitulação de Paris, os britânicos
repelidos para o mar e a Wehrmacht na fronteira da Suíça, Molotov congratulou
os alemães por suas vitórias e os informou sobre a anexação dos países do
Báltico, que “tinha se tornado necessária, a fim de acabar com todas as intrigas
dos ingleses e franceses para semear a discórdia entre a Alemanha e a União
Soviética nos países do Báltico”. Então, no dia 22, os franceses assinaram o
armistício, em Compiègne. Os Aliados tinham sido derrotados, e no dia seguinte
Molotov anunciou ao embaixador alemão Von Schulenburg que a URSS estava
prestes a invadir a Bessarábia. Isso estava coberto pelo protocolo, mas Von
Schulenburg ficou admirado ao saber que os soviéticos queriam também a
província da Bukovina. Pediu a Molotov para esperar enquanto consultava seu
governo: a Alemanha tinha um interesse considerável na Romênia. Para
tranquilizar sua poderosa aliada, a imprensa soviética publicou uma declaração
segundo a qual “as relações de boa vizinhança, provenientes do Pacto de Não-
Agressão entre a URSS e a Alemanha, não podiam ser estremecidas por boatos
ou propaganda venenosa, porque essas relações não se baseiam em motivos de
oportunismo, e sim nos interesses fundamentais da URSS e da Alemanha”.
Molotov chamou a atenção do embaixador para essas palavras amigáveis; o
embaixador acreditava que, a julgar pelo estilo, o artigo fora escrito pelo próprio
Stalin.

Ribbentrop respondeu com toda a segurança que a Alemanha pretendia obedecer


ao pacto, e “assim, não tem nenhum interesse na questão da Bessarábia”. A
Bukovina era outro assunto, e esperavam que tudo pudesse ser resolvido sem
guerra. Molotov apressou-se em responder que as exigências soviéticas
limitavam-se apenas a uma parte da Bukovina, e sugeriu que os alemães
reforçassem o ultimato soviético com uma insinuação à Romênia de que devia
ceder. Tudo correu de acordo com os planos. No dia 27, Ribbentrop instruiu o
ministro alemão em Bucareste para que aconselhasse os romenos a aceitar a
exigência soviética. No mesmo dia, Molotov entregou seu ultimato, e os
indefesos romenos foram obrigados a se retirar, quando o Exército Vermelho
invadiu o último dos territórios oferecidos a Stalin por Hitler, no mês de agosto
34.

A Bessarábia e a Bukovina ocupadas foram imediatamente fechadas para o resto


do mundo, com o começo do sinistro processo de “sovietização”. Só em
dezembro pessoas de fora conseguiram entrar na região: uma das primeiras foi
John Russell, da embaixada britânica em Moscou. Em Czernowitz, na Bukovina,
viu cenas impressionantes em uma cidadezinha romena antes muito agradável,
que logo se transformaria “numa das sombrias comunidades da Rússia — eu
quase disse, numa das cidades da planície”.

“A. . . impressão que dá a cidade é de profunda tristeza. Isso se deve


especialmente às fileiras de janelas fechadas em todas as ruas principais; a julgar
pela Polônia e pelos países do Báltico, este é um dos acessórios inevitáveis da
ocupação soviética. O comércio é nacionalizado, o capital, confiscado, a livre
empresa, eliminada; os comerciantes particulares fecham suas lojas e as janelas;
são então instaladas as lojas do Estado — no papel; e no papel elas ficam por
alguns meses, enquanto a população faz fila na frente das poucas lojas ainda
abertas.”

Os preços haviam triplicado, quadruplicado, e continuavam a subir. Somente o


NKVD operava com eficiência aparatosa, pilhando abertamente e pondo famílias
na rua, quando gostava de uma casa. Não que não houvesse já muitas casas
vazias:

“O dr. Koppelman, um encantador advogado judeu, ex-consultor legal do nosso


consulado, disseme que não ousava começar a contar o número de amigos que
tinham desaparecido. Na Rússia, é raro ver-se uma prisão à luz do dia, sempre
eram realizadas à noite, mas em Czernowitz eu via todos os dias pequenos
grupos escoltados por guarda armada indo para a estação”35.

Muitos dos pequenos comerciantes, que o dr. Koppelman nunca mais viu, já
estavam na longínqua Sibéria. Na Kolpachev infestada de malária, “mendigos
sentavam-se na frente da policlínica. Eram bessarábios pobres. Era horrível vê-
los ali sentados, tirando os andrajos à procura de piolhos. Se um transeunte lhes
atirava um pedaço de pão, eles o disputavam ferozmente”. Pelo menos tinham
sobrevivido: na comunidade próxima de Bilin, as condições de trabalho dos
soviéticos haviam levado à morte cinquenta homens em dezesseis semanas 36.
Eram usados os métodos de praxe para recrutá-los: invasões noturnas; separação
de marido e mulher, e dos filhos; transporte em pequenos vagões de gado numa
viagem de semanas, até que os sobreviventes começassem a morrer lentamente
no cruel abraço do GULAG. Foram removidas desse modo de duzentas a
trezentas mil pessoas (de uma população de dois milhões). (A mesma proporção
de franceses faria um total de quatro milhões e meio — a população da Grande
Paris 37.)

O momento escolhido para as invasões soviéticas nos países do Báltico e na


Romênia é de grande interesse e significado. Na época e até hoje, chegou-se à
conclusão de que “Stalin não confiava nos alemães e queria concluir o trato
enquanto eles estavam ocupados e antes de mudarem de opinião” 38. Essa
interpretação não está de acordo com os fatos. Na verdade, Molotov foi, com o
chapéu na mão, fazer com que os alemães se lembrassem do acordo, e pedir
permissão para tomar a Romênia. Mas isso era apenas uma atitude de deferência
que se podia esperar do parceiro menor da aliança. Nem uma vez os alemães
discutiram as reivindicações dos soviéticos, exceto no caso da exigência
extraordinária de cessão de toda a Bukovina, quando Molotov rapidamente
entrou de novo na linha. Como declarou Ribbentrop por ocasião da anexação dos
países do Báltico: “Nossa atitude para com a União Soviética nesse caso foi
definitivamente estabelecida pelo acordo de Moscou”. Um dia depois, o
secretário de Estado Weizsäcker confirmou que, “em vista da nossa amizade
inalterada para com a União Soviética, não há motivo para nervosismo de nossa
parte, como insinuou a imprensa estrangeira abertamente”39.

Se o objetivo de Stalin fosse tirar vantagem dos problemas da Alemanha no


Ocidente, provavelmente teria agido em meados de maio, quando a Wehrmacht
estava muito ocupada na Bélgica. Ele era capaz de calcular exatamente o
momento oportuno: as invasões do Báltico e da Bessarábia ocorreram nas vinte e
quatro horas seguintes à entrega dos ultimatos. Porém, Stalin esperou
pacientemente a queda da França, antes de atacar o Báltico, e só depois do
armistício ocupou-se da Romênia. Foi a vitória da Alemanha, e não suas lutas,
que determinou a segurança dos movimentos de Stalin. Como Molotov
confessou em 30 de junho ao seu fantoche, o ministro do Exterior da Lituânia:
“Seria imperdoável se a União Soviética não tivesse aproveitado uma
oportunidade que talvez nunca mais se repetisse” 40. O cálculo de Stalin foi
perfeito; com sua aliada ocupando a capital da França, ele podia engolir os
países do Báltico mais vulneráveis, e com a derrota da França podia se dar ao
luxo de ignorar a garantia franco-inglesa à Romênia.
Os próprios soviéticos não esconderam o fato de que o que temiam era uma
vitória aliada, e que consideravam os franceses e ingleses como inimigos. Se
houve um país em que os soviéticos tiveram justa causa para antecipar as
maquinações dos nazistas, foi na Romênia: o Reich estava prestes a formar um
protetorado alemão. Contudo, em dezembro de 1940, um visitante viu o NKVD
e o Partido, na ocupada Bukovina, numa campanha acalorada contra as
imaginárias conspirações da inteligência britânica41. Esse ponto de vista
continuou até as vésperas da invasão da Rússia pela Alemanha. Em junho de
1941, o jornal letão, Karogs, publicou uma história de arrepiar os cabelos sobre
conspiração anglo-francesa, na época da anexação, e perguntava triunfante:
“Acham que a poderosa União Soviética vai assistir calmamente ao namoro dos
nossos capitalistas letões com outros semelhantes além de nossas fronteiras, do
outro lado do mar Báltico?” Referia-se aos imperialistas do Ocidente42, com as
cento e quarenta e oito divisões alemãs de prontidão na sua fronteira.

Até a queda da França, Stalin viveu com medo da vitória aliada, que poria em
perigo suas recentes aquisições. Depois de junho de 1940 o perigo parecia ter
passado, e Stalin respirou outra vez. Como notou enfaticamente ao embaixador
britânico, que ousara fazer uma advertência: “Não via o perigo da hegemonia de
qualquer país da Europa, e muito menos o perigo de que a Europa fosse
conquistada pela Alemanha. Stalin observava a política da Alemanha, e conhecia
muito bem muitos estadistas alemães importantes. Não tinha percebido neles
nenhum desejo de conquistar os países da Europa. Stalin não era de opinião que
o sucesso militar alemão pudesse ameaçar a União Soviética nem suas relações
de amizade. Essas relações não eram baseadas em circunstâncias, mas nos
interesses nacionais básicos dos dois países” 43.

XII. Preparando-se para a ação

Winston Churchill, certa vez, descreveu os métodos da política soviética com


grande precisão: “Eles experimentam todas as portas da casa, entram em todos
os cômodos que não estão trancados, e, quando encontraram uma porta fechada à
chave, se não conseguem arrombar, recuam e nos convidam para jantar naquela
noite”. Essa analogia aplica-se especialmente aos anos de 1940 e 1941. Uma
advertência de Hitler não podia ser ignorada, mas tudo devia ser tentado pelo
menos uma vez.

A derrota da Grã-Bretanha e da França repercutiu não apenas na Europa, mas em


todos os territórios que suas conexões imperiais alcançavam. A leste e a oeste da
União Soviética, pairava a sombra da força formidável do Japão e da Alemanha,
mas ao sul havia possibilidades extremamente atraentes para os líderes
soviéticos. No Irã, o interesse dos britânicos nos campos petrolíferos,
representados pela Companhia Petrolífera Anglo-Iraniana, fazia com que a
Inglaterra procurasse defender a integridade territorial do Irã. Mas agora a
Alemanha encurralara os britânicos em sua própria ilha, e Stalin podia pensar em
reviver certos objetivos soviéticos a longo prazo. Um extenso relatório do
ministro alemão em Teerã, em 19 de maio de 1940, constitui uma leitura
interessante, depois de passados quarenta anos. Erwin Ettel faz notar que o
governo soviético parecia estar deliberadamente procurando criar hostilidades
entre os dois países, decerto antevendo pretextos para a intervenção, se houvesse
a oportunidade. Chamando a atenção para a inacessibilidade do mar aberto para
a Rússia, Ettel resume a ambição dos soviéticos em poucas palavras: “É um
antigo desejo russo ter acesso às águas quentes. . . Se consultarmos o mapa,
veremos que o caminho mais curto entre a União Soviética e as águas quentes
seria através do Irã”. O ministro diz estar convencido de que,

“sem dúvida, a política externa da Alemanha considera seriamente esse desejo


de expansão dos soviéticos na direção do golfo Pérsico. . . O xá e os membros do
seu governo certamente estão a par do perigo que a União Soviética representa
para o Irã. . . Se o Irã vier a fazer parte da União Soviética, esta terá lugar
predominante na esfera do petróleo, pode-se dizer mesmo uma posição de
monopólio. O quadro não será muito diferente se a Rússia forçar o Irã a
concordar com a instalação de bases militares soviéticas no golfo Pérsico: o Irã
se transformará em Estado dependente da URSS. . . Não se pode ignorar a
compreensível aspiração da União Soviética nesse sentido”2.

No momento, tudo o que a URSS podia fazer era lançar olhares cobiçosos para o
Irã. Stalin observou o mapa e seus olhos fixaram-se outra vez na pequena
Finlândia. Essa, pelo menos, ele tinha permissão dos alemães para anexar.
Irritava-o pensar que havia apenas dois meses ele desistira da conquista,
concedendo a paz à Finlândia em termos bastante moderados — e tudo por medo
dos franceses e dos ingleses! Onde estavam eles agora? Não seria possível outra
tentativa? Desde o fim de maio, os ataques dos jornais soviéticos e outras formas
de pressão tinham aumentado contra os finlandeses. Em setembro, Stalin
começou a ficar preocupado com as notícias sobre movimentos de tropas alemãs
na Finlândia, mas foi informado de que se tratava apenas de transporte de tropas
e armamentos para o norte da Noruega. Ainda assim, era evidente que os
alemães estavam agora mais interessados na integridade da Finlândia do que na
ocasião do pacto, e, com um grande efetivo do exército alemão em Kirkenes, o
melhor era andar com cautela. Os alemães estavam também considerando as
ameaças dos soviéticos de absorver a concessão de níquel de Petsamo 3. Stalin
não fez nenhum movimento. A Finlândia podia esperar. Esse caminho não
levava a nenhum lugar, e de qualquer modo estava bloqueado a qualquer
interferência externa, pela ocupação alemã na Noruega.

Não, o melhor lugar para conspiração e expansão parecia estar nos Bálcãs. Ali,
Stalin podia contar com as armas gêmeas do comunismo e da simpatia pan-
eslava para preparar o terreno. Os alemães haviam recusado sua pretensão a toda
a Bukovina, mas toda a região estava evidentemente em alteração. Além disso,
os ingleses começavam também a meter o nariz naquelas áreas, portanto ela era
zona livre para quem quer que chegasse. Havia uma atmosfera nova e ebuliente
no Kremlin.

Os inimigos de Stalin na Europa estavam sob controle, e seus agentes podiam


atacar, muito além dos mares, os que se opunham ao seu regime. Em 24 de maio
de 1940, os assassinos do NKVD invadiram o refúgio de Trotsky no México, e
crivaram de balas o quarto do ex-comissário da Guerra. Trotsky escapou, mas os
caçadores preparavam-se para matar, e, em 20 de agosto, Ramón Mercader
perfurou o crânio do exilado com um furador de gelo. Stalin e Trotsky
compartilhavam da ilusão de que o último tinha grande popularidade entre os
elementos dissidentes na URSS, e o ditador deve ter mais uma vez pensado que
1940 era o seu ano de sorte.

Tudo ia às mil maravilhas, e a tentação de pescar em águas balcânicas crescia.


Além disso, Stalin sentia-se mais seguro em relação às suas negociações com
Hitler. Afinal, a União Soviética era também agora uma grande potência, não
era? Segundo os termos do pacto, uma faixa obscura do território da Lituânia
seria cedida à Alemanha. Stalin não se conformava com a idéia de se desfazer da
área, e pediu ao Führer “para considerar a possibilidade, dadas as relações
extremamente amistosas entre a Alemanha e a União Soviética, de deixar essa
faixa de terra permanentemente com a Lituânia”. Os alemães, um tanto
chocados, concordaram, em troca de uma compensação financeira4. Em seguida,
Molotov alegou que a Alemanha havia violado uma cláusula do pacto por não
ter consultado sua aliada sobre o prêmio de Viena, o que tivera como resultado a
concessão das novas fronteiras da Romênia para a Alemanha e a Itália.
Ribbentrop explicou diplomaticamente que a garantia dirigia-se principalmente
contra a Bulgária e a Hungria, mas Molotov não pôde deixar de notar que tinham
fechado as portas às ambições da URSS sobre toda a Bukovina. Seu protesto,
porém, foi rejeitado bruscamente. Essa discussão demorada traía uma certa
irritação dos dois lados 5.

Havia outras causas de perturbação. Tropas alemãs, em número sempre


crescente, estavam entrando na Romênia (para “fins de treinamento”, alegavam
os alemães). Alemanha, Itália e Japão assinaram o Pacto dos Três Poderes, não
diretamente contra a União Soviética, mas deixando-a de fora. Tropas alemãs
moviam-se no interior da Finlândia; na verdade, estavam a caminho da Noruega,
mas a Finlândia era, definitivamente, a mais desejável possessão soviética.
Finalmente, os soviéticos tinham revidado à redução dos suprimentos
econômicos por parte da Alemanha, cortando drasticamente seu fornecimento de
matéria-prima. Este era um fator a ser considerado seriamente, sem dúvida. A
economia de guerra da Alemanha tinha uma dívida enorme de petróleo e cereais,
enviados pelos soviéticos. Como disse um funcionário graduado do Ministério
do Exterior alemão, a União Soviética recebeu da Alemanha o equivalente a
cento e cinquenta milhões de Reichsmarks. Em troca, havia fornecido
exatamente o dobro desse valor em matérias-primas. Além disso, “a única
conexão econômica [da Alemanha] com o Irã, Afeganistão, Manchúria, Japão, e
mais além, com a América do Sul, é através da Rússia. . .” Stalin começava a
sentir-se um tanto descontente com a aliada na qual tinha depositado tanta
confiança! 6

Grande parte desse desentendimento teria sido evitado se a Alemanha tivesse


agido com mais tato e cautela. Entretanto, essas não eram as qualidades
preponderantes de Hitler, e ele encontrara cada vez mais justificativas para
ignorar a sensibilidade dos soviéticos. Pois foi exatamente nessa época que
começou a pensar seriamente na possibilidade de declarar guerra à União
Soviética. A Grã-Bretanha havia recusado sua oferta de paz em 19 de julho, e as
perspectivas da travessia do canal da Mancha não eram muito animadoras. A
guerra contra a Rússia parecia uma alternativa interessante. A expansão na
Ucrânia sempre fora o fundamento dos seus planos para o povo alemão. Além
disso, se a Grã-Bretanha não pudesse ser dominada imediatamente, podia isolá-
la, destruindo sua única aliada provável no continente. Hitler estava frustrado e
inquieto; ali estava ele, com um exército capaz de qualquer coisa, e o tempo
estava passando. Se esperasse muito, a iniciativa também passaria ao largo. Os
indícios de truculência e independência soviéticas irritavam o Führer, e davam-
lhe uma justificativa para considerar um ataque no leste como ação preventiva 7.

Ribbentrop, cuja vaidade o levou a sustentar seu “feito brilhante” em Moscou no


mês de agosto anterior, preocupava-se com esses sinais evidentes de
descontentamento dos soviéticos. Não via razão para que tudo não fosse
acertado. A Alemanha não tinha intenção de interferir na Finlândia, e a garantia
da Romênia não violava os termos do pacto de Moscou. Em 13 de outubro, ele
escreveu uma longa carta a “Herr Stalin”. Recapitulando com genuíno
entusiasmo a cooperação íntima que unira os dois “regimes autoritários”, o
ministro do Exterior alemão acentuava as consideráveis vantagens que ela dera
aos dois partidos. A Inglaterra havia repetidamente tentado levar a guerra a toda
a Europa, e fora detida, todas as vezes, pela força das armas alemãs. Na
Escandinávia, a Alemanha evitara a extensão da área de combate a uma região
muito perigosa para a União Soviética, e com a apreensão dos arquivos do
estado-maior francês em Paris, haviam tomado conhecimento da extensão dos
planos anglo-franceses para a destruição dos centros petrolíferos do Cáucaso.
Passa então a explicar, com argumentos bastante plausíveis, os movimentos da
Alemanha na Finlândia e na Romênia, e o Pacto dos Três Poderes, afirmando
que não era contra a União Soviética. Ribbentrop sugere que a União Soviética,
a Itália, o Japão e a Alemanha deviam “adotar uma política de longo alcance e
dirigir o futuro desenvolvimento dos seus povos para os canais apropriados,
delimitando seus interesses numa escala mundial”. Para discutir o assunto,
convidou Molotov a visitar Berlim.

Stalin respondeu, concordando cordialmente, que “um incremento das relações


amistosas entre os dois países é perfeitamente possível, baseado numa
delimitação a longo prazo de interesses mútuos”, e consentiu na visita de
Molotov. Em 12 de novembro de 1940, o comissário do Exterior chegou a
Berlim, de trem. Era sua primeira visita ao exterior e, a despeito da sua devoção
canina a Stalin, o líder estava desconfiado. Uma equipe de guarda-costas do
NKVD (“tipos perfeitos de gângsteres para um filme”, observou um alto
funcionário alemão) o acompanhou, chefiada por Dekanozov, o Gauleiter da
Lituânia, e Merkulov, o assistente de Béria. Os alemães abstiveram-se de tocar a
Internacional na estação, e o cortejo seguiu pelas ruas da cidade, repletas de
espectadores curiosos, mas em silêncio. Entretanto, por mais que Ribbentrop
apreciasse os “homens de feições duras” do Kremlin, os berlinenses sentiam que
havia algo de errado na aliança dos dois países totalitários.

A primeira reunião realizou-se naquela mesma manhã. Ribbentrop recapitulou


detalhes da força alemã e da fraqueza dos Aliados. (A Inglaterra, explicou o ex-
vendedor de champanha, “era governada por um diletante político e militar
chamado Churchill, que em toda a sua carreira tinha falhado nos momentos
decisivos e que falharia outra vez”.) Os Estados Unidos, não importavam seus
planos, não conseguiriam intervir, e a queda da Grã-Bretanha era iminente.
Restava portanto delinear as futuras áreas de expansão dos países do Pacto dos
Três Poderes (Alemanha, Itália e Japão) e da União Soviética. Deixando os
Estados Unidos de lado, não poderiam as quatro potências se expandir para o
sul, pelas vastas regiões da África e da Ásia, concordando com as esferas de
influência de cada uma e evitando assim o conflito de interesses? Pouco mais de
um ano antes, a URSS e a Alemanha haviam concordado em dividir a Europa
oriental; agora, iam dividir o mundo.

Molotov concordou com a idéia de um mundo totalitário, mas demonstrou


suspeita e hesitação a respeito de certos detalhes que iriam frustrar e intrigar os
próximos aliados da URSS: a Grã-Bretanha e os Estados Unidos. Onde
precisamente ficaria a esfera de influência da URSS? Qual era exatamente o
objetivo do Pacto Tríplice? As conversações recomeçaram depois do café da
manhã, com a presença do próprio Führer. Depois de uma avaliação inicial,
quando ele e Molotov concordaram amigavelmente em que “os dois grandes
povos da Europa deviam chegar a um acordo vantajoso”, Hitler declarou que o
império russo (das russische Reich) poderia se desenvolver perfeitamente de
acordo com os interesses alemães. Molotov concordou, mas quis saber mais uma
vez sobre as atividades dos alemães na Finlândia. Além disso, os russos
interessavam-se pelos Bálcãs, uma região cujo futuro não estava ainda
esclarecido. Concordaram plenamente com a destruição da Grã-Bretanha e a
expulsão dos Estados Unidos da Europa e da Ásia. Mas a natureza do Pacto
Quádruplo precisava ser examinada em detalhe. Quando Hitler enfatizou a
extensão da cooperação alemã, Molotov resmungou alguma coisa sobre os
interesses da Alemanha na Finlândia e na Romênia.

Hitler começava a se irritar. Enquanto ele falava sem parar em tom de oratória
sobre “esferas de interesses” indefinidas, Molotov voltava insistentemente à
questão da Finlândia e da Romênia. Essas demonstrações obstinadas deixavam
entrever o desejo dos soviéticos de acertar contas com a Finlândia, e a
determinação dos alemães de não ver tropas do Exército Vermelho em Petsamo.
As relações ficaram mais formais quando Molotov demonstrou um interesse
obstinado na Bulgária, a tradicional aliada da Rússia no sul, e continuou
expressando a preocupação da Rússia soviética com a Turquia, a Grécia, a
Hungria, a Iugoslávia, a Romênia e com o mar Báltico, até o estreito entre a
Noruega e a Dinamarca; essas regiões “não podiam ser imateriais para ela, em
nenhuma circunstância”. Quando Molotov voltou a Moscou, deixou em Berlim
uma atmosfera de indignação e suspeita. Em 26 de novembro, isso foi
confirmado quando ele recebeu o embaixador Von Schulenburg. Enquanto o cão
de guarda Dekanozov, do NKVD, verificava cada palavra, o comissário do
Exterior confirmou que a União Soviética estava preparada para entrar para o
Pacto Tripartite desde que recebesse garantias específicas a respeito dos direitos
da URSS sobre as regiões mais distantes, como a ilha Sacalina, a Finlândia e a
Bulgária. O Ministério do Exterior alemão não respondeu a essas exigências
ousadas, e minutas do novo pacto proposto cobriram-se de poeira no cofre de
Schulenburg, na embaixada 8.

Hitler retirou-se para Berghof, furioso com essa revelação da cobiça e da


agressão soviética. As exigências de Stalin confirmavam tudo de que tinha
suspeitado. Os soviéticos eram aliados que não mereciam confiança e que
aproveitariam a primeira oportunidade para tirar vantagem de um revés na
marcha da Alemanha sobre a Europa. Era exatamente o que ele sempre soubera e
o que tinha previsto; esqueceu convenientemente o fato de que as conquistas e as
ambições dos soviéticos na Europa eram devidas muito mais a ele próprio do
que a Stalin. Não convidado e sem ajuda, o Exército Vermelho não teria ousado
atacar a Estônia, muito menos a Polônia. Foi nesse momento que o Führer
resolveu destruir a União Soviética, antes que ela se tornasse uma ameaça
incontrolável aos planos alemães. Em 18 de dezembro, ele divulgou o famoso
Weisung Nr. 21: Fall Barbarossa. A União Soviética devia ser obliterada como
agente militar efetivo, no continente, pelo poderoso ataque das forças armadas
alemãs. Os preparativos deviam estar completos em 15 de maio de 1941, e a
concentração de forças seria efetuada oito semanas antes do ataque. A vitória
parecia certa; como acentuou Himmler em um despacho para funcionários do
Partido, “a Rússia é praticamente inofensiva do ponto de vista militar. Seu corpo
de oficiais é tão deficiente que nem pode ser comparado com o nosso; seu
exército é mal equipado e mal treinado. Não podem, de modo algum, representar
perigo para nós”9.

Ignorando completamente a terrível força que estava prestes a se lançar contra


ela, a União Soviética continuou, durante o inverno de 1940-41, com sua política
externa de expansão, especialmente nos Bálcãs. Quando as tropas britânicas
desembarcaram na Grécia, para auxiliar a repelir a invasão italiana de 28 de
outubro, a Wehrmacht iniciou preparativos em massa para o contragolpe. Havia
uma grande concentração de tropas na Romênia, e foram tomadas providências
para o trânsito pela Bulgária. Tudo isso fornecia um pretexto para explicar o
interesse crucial da Alemanha em toda a região dos Bálcãs, e naqueles países em
particular. Dekanov, que era agora embaixador em Berlim, protestou, dizendo
que seu governo “considerava a concentração de tropas estrangeiras no território
búlgaro uma violação da segurança dos seus interesses”. Essa opinião foi
sumariamente rejeitada pelo Ministério do Exterior alemão, e a embaixada da
Alemanha em Moscou, no dia 22 de fevereiro de 1941, recebeu ordens para
divulgar a ameaçadora informação de que a Alemanha possuía agora seiscentos
e oitenta mil homens extremamente bem equipados na Romênia, o que “era mais
do que suficiente para enfrentar qualquer eventualidade nos Bálcãs, de qualquer
quadrante”.

Essa e outras advertências dos alemães não fizeram com que os soviéticos
desistissem de seus direitos sobre os Bálcãs, especialmente sobre a Bulgária. Em
25 de março, o ministro do Exterior soviético declarou que a Turquia podia
contar com a neutralidade soviética se fosse atacada — sendo o agressor
provável, naturalmente, a Alemanha. Finalmente, na noite de 26-27 de março,
um golpe interno na Iugoslávia derrubou a regência, que estava pronta para
colaborar com os alemães. O novo governo preparava-se para resistir às
exigências da Alemanha e via a URSS como aliada. Os soviéticos avançaram
então ousadamente e, pouco depois da meia-noite, na madrugada de 6 de abril,
foi assinado um tratado iugoslavo-soviético, com uma entusiasta cobertura da
imprensa soviética. Embora o tratado não obrigasse a URSS, de modo nenhum, à
intervenção militar, o acordo era claro e objetivava o encorajamento da
resistência iugoslava.

A resposta de Hitler foi mais rápida do que nunca: cinco horas depois da
assinatura do tratado iugoslavo-soviético, trinta e três divisões alemãs
atravessaram a fronteira da Iugoslávia, enquanto os Stukas cobriam os céus da
indefesa Bulgária. Um prelúdio profético de uma operação muito mais vasta foi
a destruição quase total da força aérea iugoslava no solo. Enquanto forças
húngaras e italianas atacavam no norte, oeste e sul, as tropas alemãs, com base
na Áustria, Romênia e Bulgária penetravam profundamente no país. A
Iugoslávia foi despedaçada com esses golpes tremendos; em uma semana,
Belgrado capitulou, e oito dias depois da invasão o governo real pediu paz.

O ataque fora desfechado caracteristicamente num domingo. Molotov só voltou


a Moscou naquela tarde, tendo sido informado por Von Schulenburg. O
comissário do Exterior considerou o ato dos alemães “extremamente
deplorável”, mas não mencionou o pacto iugoslavo-soviético, esquecido com a
mesma rapidez com que foi concebido. Stalin enganara a si mesmo. Suas ações
subsequentes traem o arrependimento amargo pela política precipitada que havia
adotado, e a ansiedade desesperada de restaurar a aliança nazi-soviética nos
moldes anteriores. Quanto à invasão da Iugoslávia pelos alemães, foi relegada
para a última página do Pravda.

A política aparentemente decidida de Stalin não foi motivada por um acesso de


resolução, nem por uma sensação de maior força. Simplesmente, estava
continuando sua política de pescar em águas turvas, e foi apanhado
completamente de surpresa pela intensidade do ressentimento alemão — para
não falar dessa nova prova do vigor feroz das armas alemãs. Durante quase um
ano, a Alemanha tinha observado escrupulosamente o pacto de não-agressão.
Tinha demonstrado boa vontade para o pedido da União Soviética de conservar a
faixa de território lituano que devia ser cedido à Alemanha. Pela primeira vez, a
cautela característica de Stalin o abandonava. Hitler o havia tratado como igual,
e ele começava a se sentir como se isso fosse verdade. Muitos dos seus inimigos,
internos e externos, não tinham se manifestado nesse ano extraordinário. Com a
passagem do tempo, ele quase esqueceu que a divisão do trabalho não tinha sido
de modo algum equitativo. Os alemães tinham derrotado os exércitos da Polônia,
Dinamarca, Noruega, Holanda, Bélgica, França e Grã-Bretanha. A não ser pela
inglória campanha da Finlândia, os exércitos soviéticos tinham nas mãos apenas
o sangue de milhares de civis poloneses, bálticos e bessarábios, e de prisioneiros
de guerra.

A ousadia pode ser um impulso embriagador. Até um ano antes, Stalin


dificilmente pensaria em interferir diretamente nos assuntos da Bulgária ou da
Iugoslávia. É verdade que suas várias exigências haviam sido rejeitadas pelos
alemães. Mas suas respostas tinham sido delicadas, e não fazia mal algum tentar.
Quando Molotov visitou Berlim, foi sarcástico e agressivo nas suas exigências.
Apesar disso, o temível Führer (Molotov ficara apenas um pouco apreensivo,
depois desse primeiro encontro10) fora delicadamente moderado nas suas
respostas. Molotov nem desconfiava da fúria e do desprezo que ferviam sob a
superfície, e sentiu-se muito seguro. Sua confiança crescia a cada minuto, e
voltando para Moscou inventou sua famosa réponse d’escalier para Ribbentrop:
“Se os britânicos perderam a guerra, por que estamos neste abrigo antiaéreo e
quem está despejando essas bombas?” 11 A franqueza soviética aparentemente
não despertara nenhum ressentimento, e Ribbentrop especialmente era todo
mesuras, uma atitude antes reservada apenas para os compradores de champanha
do seu patrão 12.

A tática soviética (empregada quase universalmente) de exigir o dobro do que


desejavam e contentar-se com a metade pela primeira vez não surtira efeito.
Hitler não tinha a mínima intenção de conceder coisa alguma a um aliado que ele
considerava muitos graus abaixo de Mussolini, e ficara irritado com o que
considerava o início de uma ameaça soviética. Na verdade, não havia ameaça
alguma, apenas uma esperança patética de lançar uns contra os outros e recolher
alguma coisa na confusão. As teorias raciais de Stalin o levavam a acreditar que
os sérvios ofereceriam uma resistência mais consistente do que a dos franceses
13, e que os exércitos de Hitler iam se exaurir num conflito prolongado nos
Bálcãs, um fato do qual os ingleses, sem dúvida, tirariam vantagem. Não é
verdade que Stalin esperasse desse modo retardar ou inutilizar a iminente
invasão da Rússia pelos alemães, pois nessa época não tinha nem idéia de que
isso estava para acontecer.

Nenhum prognóstico de Stalin tinha se realizado. Não só o exército iugoslavo


estava completamente derrotado, trezentos e quarenta mil prisioneiros para cento
e cinquenta e um alemães mortos, como a Wehrmacht havia invadido a Grécia
simultaneamente. No fim de abril, os bravos gregos capitularam, enquanto seus
aliados britânicos retiraram todos os homens que puderam, recuando para Creta.
Não havia mais nenhuma confusão nos Bálcãs de que Stalin pudesse tirar
proveito; do Peloponeso ao cabo Norte, a Alemanha dominava a Europa
triunfalmente.

O ditador soviético começou a reparar suas pontes com rapidez pouco digna. Em
13 de abril, a URSS assinou um tratado de neutralidade com o Japão, garantindo
assim seu flanco oriental. Cenas estanhas tiveram lugar quando Stalin e Molotov
foram se despedir do ministro do Exterior do Japão. Revelam claramente a
extensão do temor de Stalin e do seu respeito pelas duas potências militares que
ladeavam seu país, a leste e a oeste. A cena na estação de Moscou foi descrita
num artigo não publicado de Jack Scott, repórter do News Chronicle, de
Londres:

“A saída de Moscou do ministro japonês Matsuoka foi um dos espetáculos mais


assombrosos que vi em quase dez anos na Rússia. . . Às 3:50, quando o trem
devia ter partido, os carros começaram a chegar. Primeiro o conde Von der
Schulenburg, embaixador alemão, depois o embaixador italiano Rosso, em
seguida numerosos japoneses com malas e valises. O número de policiais à
paisana na plataforma multiplicou-se, havia quase cinquenta diplomatas e outro
tanto de detetives à paisana. Matsuoka chegou às 5:55 e caminhou pela
plataforma, ladeado por seu embaixador e seu ministro. Apertaram as mãos de
Schulenburg e de Rosso com ar meio atordoado. . . eu estava ficando gelado. . .
portanto, resolvi ir embora. . . e comecei a andar pela plataforma. Dei uns cinco
passos e quase me choquei com alguém. Era Stalin, com seu sobretudo militar,
botas de couro e polainas e o gorro marrom com aba. Molotov estava a dois
passos dele . . . Os japoneses pareceram acordar subitamente quando Stalin e
Molotov apareceram. Rodearam o líder soviético e começaram a sacudir a
cabeça, batendo nas costas dos russos com as mãos abertas e falando em várias
línguas com vozes estranhas. Então compreendemos por que os japoneses
pareciam atordoados. Estavam todos definitivamente embriagados, como alguns
russos. Assim, quando os diplomatas estrangeiros e nós, os repórteres, os
rodeamos, esticando nossos pescoços, Molotov e Stalin começaram a abraçar os
japoneses, dando pancadinhas nos ombros deles e trocando palavras de amizade
íntima. Como poucos japoneses sabiam falar russo e poucos russos sabiam falar
japonês, a expressão mais comum era ‘ah. . . ah’. Stalin aproximou-se do idoso e
pequenino embaixador-geral japonês, deu uma pancada violenta no ombro dele,
com um largo sorriso e com um ‘ah. . . ah’, e o general, que tinha uma calva
cheia de sardas, e não media mais de um metro e vinte e cinco de altura,
cambaleou, dando três ou quatro passos para trás, o que fez Matsuoka rir
alegremente.

Eu estava espremido entre uma meia dúzia de altos militares alemães, enfeitados
como árvores de Natal, tentando ver o que estava acontecendo. Os guardas
pessoais de Stalin, à paisana, pareciam muito preocupados porque não
conseguiam manter os olhos no ‘vojd’ de pescoço taurino e cabelos grisalhos da
Rússia. O adido militar japonês dirigiu-se resolutamente para o elegante e formal
Barkov, chefe do protocolo, e começou a dar-lhe tapinhas nas costas.

Nesse momento, Stalin deixou o grupo de japoneses e caminhou na minha


direção. Stalin é um homem pequeno, de cerca de um metro e sessenta de altura,
e tem um andar muito parecido com o de um urso. Balança os braços compridos,
e o braço direito move-se junto com a perna direita, ao invés do contrário, como
a maioria das pessoas. O ditador de sessenta e um anos aproximou-se do coronel
Krebs, assistente do adido militar alemão, que estava bem na minha frente, bateu
com a mão no peito dele e fitou-o interrogativamente por alguns segundos.
‘Alemão?’, perguntou, não reconhecendo o uniforme. O alemão de um metro e
oitenta ficou em posição de sentido e gaguejou uma afirmativa embaraçada em
péssimo russo. ‘Ah, ah’, disse Stalin, batendo nas costas do militar e apertando
sua mão. ‘Budiem s vami druziami’ (‘Seremos seus amigos’). O coronel não
respondeu, e Stalin riu, e durante uns doze segundos continuou a dar
pancadinhas nas costas e a apertar a mão do alemão.

Esse incidente me impressionou tremendamente. Ele fez uma declaração de


amizade a um soldado alemão que não conhecia, com sincera convicção. Ele
queria muito ser amigo da Alemanha... Estou convencido de que Stalin
realmente deseja boas relações pacíficas com os alemães. Se houver hostilidades
entre Alemanha e Rússia, tenho certeza de que os alemães vão disparar o
primeiro tiro. A multidão encheu a plataforma. Todos esticavam os pescoços,
tentando compreender o que Stalin dizia. Molotov trocava um ‘ah, ah’ com
Tatekawa. Stalin apertou a mão de Matsuoka pela terceira vez, e depois o
abraçou. ‘Nós vamos organizar a Europa e a Ásia’, disse ele com voz um tanto
embargada, em seu russo imperfeito, ‘Nós vamos organizar até as Américas’,
acrescentou, e deu uma risada abafada, compartilhada por Matsuoka.

Então, Stalin e Matsuoka entraram no carro especial que levaria os japoneses


através da Transiberiana. Não entrei no carro, mas um dos meus companheiros
japoneses que conseguiu entrar contou-me que Stalin disse para Matsuoka:
‘Você é asiático e eu também. Lá fora, do outro lado das janelas’, disse ele
sacudindo a mão na direção da plataforma, onde os diplomatas continuavam de
pé, perguntando uns aos outros o que tinham conseguido ouvir, ‘estão todos
aqueles europeus’. Outra vez a risada ruidosa dos dois soviéticos.

Finalmente, quando Stalin e Molotov já estavam há mais de vinte minutos na


plataforma, o trem apitou e começou a andar, com uma hora e vinte e cinco
minutos de atraso. Stalin caminhou pela plataforma, entrou no imenso Packard
blindado, com vidros de sete centímetros e meio de espessura, à prova de balas,
e partiu com seu esquadrão de guardas.
Fomos para o departamento de imprensa e passamos o resto da noite tentando
fazer a história passar pela censura. Não conseguimos. Stalin e Molotov tinham
ido à estação e a atmosfera fora muito amistosa; foi tudo o que pudemos dizer”
14.

Outros presentes testemunharam mais demonstrações de amizade. Stalin jurou


para Matsuoka que era um leal defensor das potências do Eixo e um inimigo da
Inglaterra e dos Estados Unidos. Então, para o caso de suas palavras não serem
levadas aos ouvidos certos, na primeira oportunidade ele abraçou o surpreso
aristocrata Von Schulenburg; “Devemos continuar amigos, e você agora deve
fazer tudo para isso!”, pediu l5.

Dois dias depois, o comissário dos Negócios Estrangeiros subitamente informou


à embaixada alemã que uma disputa antiga sobre a fronteira alemã-soviética na
Lituânia seria resolvida exatamente de acordo com o desejo da Alemanha 16. A
Finlândia tinha sido recentemente o principal pomo de discórdia entre os
governos nazista e soviético. Agora, Stalin apressava-se a recompor as boas
relações com os finlandeses, resolvendo a questão da fronteira e a da concessão
de níquel de Petsamo, pondo fim à propaganda hostil e enviando uma grande
remessa de trigo, até aquele momento retida.

Em todos os aspectos das suas relações com a Alemanha, Stalin fez questão de
demonstrar que a aparente intransigência de Molotov e sua cobiça, no inverno
anterior, tinham sido apenas um ridículo mal-entendido. Em 6 de maio, Stalin
tornou-se presidente do Conselho dos Comissários do Povo, isto é, primeiro-
ministro. Embora tivesse sido ditador por mais de duas décadas, até então se
contentara com um papel nominalmente subordinado. Como notou Von
Schulenburg, essa nomeação tinha como objetivo indicar que a atitude de
negociante intransigente de Molotov seria substituída por outra, muito mais
conciliadora, em relação à Alemanha. Na parada do l.° de Maio, Stalin tinha
tomado a iniciativa fora do comum de ficar ao lado de Dekanozov, embaixador
em Berlim. Em 18 de abril, fora ratificado um novo acordo comercial, e o fluxo
de matérias-primas para a Alemanha continuava como nos primeiros dias das
boas relações. O dr. Schnurre, em Wilhelmstrasse, notou com satisfação:

“Tenho a impressão de que podemos fazer exigências econômicas a Moscou que


ultrapassem inclusive as cláusulas do tratado de 10 de janeiro de 1941,
exigências destinadas a garantir o suprimento de matéria-prima e alimentos à
Alemanha, além do combinado. As quantidades de matéria-prima constantes do
acordo têm sido observadas rigorosamente pelos russos, a despeito do grande
fardo que representa para eles, especialmente no que diz respeito aos cereais, o
que é um desempenho notável, visto que a quantidade total a ser entregue
segundo o acordo de 10 de abril deste ano. . . é de mais de três milhões de
toneladas até l.° de agosto de 1942”.

Finalmente, Stalin tomou providências para demonstrar abertamente seu


desprezo e inimizade pelos britânicos e seus aliados. O governo soviético
mantinha relações diplomáticas com Vichy, desde a queda da França. Agora, em
6 de maio, o reconhecimento foi revogado em Moscou junto às legações do
governo exilado na Bélgica, Noruega e Iugoslávia. Algumas semanas antes, o
pró-nazista Rachid Ali havia tentado um golpe antibritânico no Iraque, e em 12
de maio o governo soviético iniciou relações diplomáticas com aquele regime de
pouca duração. O embaixador britânico, Sir Stafford Cripps (antes um admirador
incondicional da União Soviética, agora completamente desiludido), foi
praticamente ignorado pelo Ministério do Exterior soviético (Narkomindel) e
passou a viver isolado dentro do complexo de sua embaixada17. Quando, em 11
de junho, Cripps foi chamado a Londres, uma declaração autorizada na imprensa
soviética denunciou a provocação britânica e exaltou a inquebrantável união da
Alemanha com a URSS: “...segundo informação à disposição da URSS, a
Alemanha está cumprindo as disposições do pacto soviético-alemão de não-
agressão com tanta lealdade quanto a União Soviética; portanto, na opinião dos
círculos soviéticos, os boatos sobre a intenção da Alemanha de denunciar o
pacto e atacar a URSS não têm qualquer fundamento...” 18

Molotov entregou respeitosamente uma cópia desse misto de renovada confiança


e ilusão a Von Schulenburg, em 14 de junho. Nessa data, Stalin tinha sido
assediado por relatórios e informações, vindos de todos os lados, advertindo-o
do perigo iminente. Em março de 1940, agindo de acordo com informação
secreta recebida da embaixada em Berlim, o secretário de Estado dos Estados
Unidos, Cordell Hull, informou o embaixador soviético sobre os planos da
invasão alemã. O embaixador Oumanski ficou muito pálido e prometeu informar
seu governo 19. Em abril, Churchill advertiu a Stalin que relatórios do serviço
secreto britânico confirmavam os preparativos militares ameaçadores da
Alemanha20.

A GRU soviética, o NKVD e fontes diplomáticas enviaram informação


detalhada e abundante nas semanas que precederam a Operação Barba-Roxa. Em
15 de abril, um avião de reconhecimento alemão fez uma aterrissagem forçada
perto de Rovno. A bordo, foi encontrada uma câmara com o filme exposto 21.
No dia 6 de maio, o adido militar soviético em Berlim informou que o ataque
seria desfechado no dia 14 (a “Diretriz” de Hitler de 18 de dezembro previa o dia
15 para iniciar o ataque), e seu representante adiou a estimativa para 15 de junho
22. Entre abril e junho, o famoso espião Richard Sorge enviou uma série de
advertências do Japão, com informação detalhada conseguida na embaixada
alemã em Tóquio23. O adido militar soviético em Vichy enviou uma série de
relatórios semelhantes durante meses24. No dia 11 de junho, Stalin foi
informado de que a embaixada alemã em Moscou recebera ordens de se preparar
para ser fechada 25. O serviço secreto militar das unidades estacionadas nas
áreas da fronteira informou o crescente acesso de forças militares do outro lado e
a intensificação do reconhecimento aéreo alemão 26.

O próprio embaixador Von Schulenburg, que se opunha decididamente à guerra


contra a Rússia, procurou Dekanozov (que estava em Moscou), e em uma longa
conversa tentou desesperadamente convencê-lo a que aconselhasse seus
superiores a começar as negociações com Hitler. Ele fez tudo o que podia,
exceto revelar os planos de invasão, mas Dekanozov obstinadamente se recusou
a atendê-lo 27. Finalmente, no último dia antes do ataque, guardas da fronteira,
do NKVD, interceptaram vários infiltradores pesadamente armados, que haviam
cruzado a fronteira para destruir pontes e outras vias de comunicação28. O
marechal F. I. Golikov, chefe da inteligência militar desde julho de 1940,
confirmou que fora recebida uma quantidade enorme de informação sobre os
preparativos dos alemães: o bastante para que fosse tirada a conclusão correta
29. Stalin possuía informação mais do que suficiente para uma avaliação exata
da situação, mas recusou-se a tomar qualquer providência a respeito 30.

Por algum motivo, Stalin conseguira se convencer de que as relações com a


Alemanha continuariam na mesma base de camaradagem. Isso, porém, não
significa que ignorasse a atmosfera de crise que pairava sobre a Europa oriental.
O que ele queria era segurança. Hitler tinha conseguido isso no mundo exterior,
mas, e quanto aos povos soviéticos? Era precisamente em períodos de tensão
internacional como aquele que se deviam esperar rachaduras na estrutura da
sociedade soviética.

As regiões mais perigosas eram as áreas fronteiriças recém-anexadas. Nos países


do Báltico e na Polônia, devia haver ainda muita gente preparada para conspirar
com os países vizinhos a fim de restaurar sua independência. E isso era apenas o
começo do perigo. Em 1917, um número enorme de líderes bolchevistas,
inclusive Stalin, tinha vindo das “minorias nacionais”, onde o sentimento
nacionalista, combinado com o ressentimento social, formava uma mistura
explosiva.

Desde o momento em que Hitler dera de presente a Stalin os países do Báltico,


agentes do NKVD tinham começado a trabalhar nessa área, elaborando longas
listas de suspeitos. Eram povos cujas origens sociais ou filiação religiosa e
política os transformava em perigos em potencial. Não se tratava de restringir o
expurgo àqueles que se opunham ao poderio soviético. As ordens eram bem
definidas; as pessoas apareciam nas listas, que cresciam rapidamente
“independentemente de dados concretos sobre suas atividades antissoviéticas”.
Em agosto de 1940, os três países tinham sido completamente absorvidos pela
União Soviética, e os preparativos estavam sendo feitos a todo o vapor. Em
novembro, o NKVD fez uma lista, classificando as pessoas que “deviam ser
registradas para detenção ou deportação para a Rússia, mais tarde”. Havia vinte e
nove categorias nessa lista.

As categorias socialmente perigosas incluíam membros de qualquer partido não-


soviético, desde trotskistas e anarquistas até socialdemocratas e liberais.
Membros atuantes das organizações judaicas, como a Bund, sionistas, etc., eram
especialmente suspeitos, bem como os maçons, “místicos” e qualquer pessoa que
tivesse ocupado qualquer tipo de cargo importante no governo ou na
administração pública, desde policiais até guardas de prisões. Quem escapava
dessa rede devia provar que nunca tomara parte em uma greve desde a invasão
soviética, não era de origem aristocrática, não era membro do serviço
diplomático, não representava firma estrangeira, não fora funcionário da Cruz
Vermelha, não era parente de alguém que tivesse fugido do país, parente de
alguém que tivesse sido condenado pelas autoridades soviéticas sob qualquer
outro pretexto, ou parente de alguém que tivesse tomado parte na propaganda
antissoviética.

Durante seis meses, o NKVD trabalhou sob grande pressão para elaborar suas
listas, e em 31 de maio o comissário do povo Merkulov ordenou que “pessoas
com tendências antissoviéticas, empenhadas em atividades de agitação
contrarrevolucionária, devem ser preparadas para deportação para as remotas
regiões da URSS”. No dia 4 de junho, Serov, assistente de Merkulov, baixou
instruções detalhadas quanto ao método das operações. Foram explicitadas
medidas severas para evitar desordens quando os prisioneiros fossem conduzidos
aos pontos de embarque. Especial atenção devia ser dada às instruções sobre
separação de marido e mulher, que nunca mais deveriam se ver.

“ ... é essencial que a separação de remoção, tanto dos membros da família do


deportado, quanto do seu chefe, seja efetuada simultaneamente, sem informá-los
da separação que os espera . . . Entretanto, o transporte de toda a família até a
estação deve ser feito no mesmo veículo e somente no ponto de partida o chefe
da família deve ser colocado em vagão separado, especialmente preparado para
esse fim. Durante a reunião de toda a família na casa do deportado, o chefe da
família deve ser avisado de que os objetos pessoais de uso masculino devem ser
colocados em uma mala separada, uma vez que a inspeção sanitária dos homens
será feita separadamente da das mulheres e das crianças.”

Em meados de junho, enquanto a Wehrmacht tomava as posições finais de


ataque na fronteira, o NKVD iniciou a operação. Seguiu o cruel padrão das
miríades de operações semelhantes anteriores e posteriores, e não precisa ser
descrita em detalhe. Nas primeiras horas da manhã, centenas de caminhões
pararam na frente das casas marcadas. Famílias com os rostos pálidos saíam com
a bagagem que conseguiam apanhar, e eram transportadas rapidamente para a
estação mais próxima. Um motorista de caminhão mais tarde descreveu uma
dessas viagens.

“Uma família foi apanhada em sua casa em Kadriorg: o marido, a mulher


grávida e o filho de um ano. A mulher e a criança foram colocadas ao meu lado
na frente do caminhão, e me mandaram dirigir lentamente. A mulher chorou o
tempo todo e estava quase desmaiando de cansaço. No porto, ela pediu para ver
o marido, pois queria entregar a criança a ele, mas não permitiram.”

Maridos, mulheres e geralmente crianças eram separados e colocados em


transportes para gado, de cinquenta a sessenta em cada um, sem espaço para se
sentar, nem para se agachar, sem alimento, água ou instalações sanitárias, para
viagens de semanas. Muitos morriam de sede sob o tremendo calor de junho.
Crianças nasciam e não duravam mais de horas naquele calor e na fedentina do
vagão balouçante. Seus corpos pequeninos acompanhavam as mães até que a
carga de vivos e mortos chegasse ao seu destino, na Sibéria. Como relatou uma
testemunha ocular:

"Quando chegamos, foi fincado um poste no chão e nos disseram: ‘Agora,


podem viver aqui’. Em primeiro lugar, tínhamos de fazer escavações para nós
mesmos, mas o solo estava gelado e o trabalho era extremamente árduo. Os
guardas tinham uma barraca de lona coberta com musgo e neve. Construímos
uma casa para os guardas, um escritório, uma cozinha e um banheiro.
Dormíamos na lama das nossas escavações. De manhã, acordávamos pregados
ao solo gelado. Homens morriam como moscas, mas novos prisioneiros os
substituíam”.

Pelo menos, era-lhes poupado o espetáculo do sofrimento de suas mulheres e


filhos, que naturalmente sucumbiam muito mais depressa. O índice de
mortalidade geral foi calculado em vinte e cinco a trinta por cento, e o NKVD
tinha de compensar essas perdas com novas entregas.

Não eram só as vítimas que suportavam um sofrimento indescritível, mas todos


os que eram deixados para trás. Uma mulher estoniana contou como “andou pela
rua no dia seguinte e viu, por toda parte, pessoas com lágrimas escorrendo pelo
rosto. Pais, mães, filhos, filhas, amigos, conhecidos — todos lamentavam a
perda de alguém”. O terror noturno estava apenas começando. Quem podia saber
se estava a salvo e sua família também? Ao mesmo tempo em que o terror
atacava os países bálticos, uma operação maciça semelhante era realizada na
Polônia ocupada pelos soviéticos — a quarta, desde a invasão em setembro de
1939. Ali também, nenhuma família foi poupada. Mais milhares de pessoas
desaparecidas para sempre. Grande parte desses sequestrados era de “crianças de
campos de férias e de orfanatos” 31.

Uma porção enorme da população da Europa, desde o golfe da Finlândia até os


Cárpatos, fora devastada por essa destruição feita pelo homem. Era pior do que a
devastação causada pela peste da Idade Média, tão bem descrita por Boccaccio,
no começo do Decamerao, ou com o resultado de uma grande guerra. A Letônia
perdeu 14 693 cidadãos: 8 436 homens e 6 257 mulheres. Desses, não menos de
3 065 eram crianças, a metade com menos de seis anos. Mas a idade significava
menos do que nada aos olhos dos governantes da Rússia soviética. Era o mesmo
regime que havia realizado o “Expurgo das Crianças” em 1935, que, no mesmo
ano, impôs, publicamente, a pena de morte a crianças com mais de doze anos 32,
e que era capaz de impor alegremente uma sentença de três anos a um pequeno
menino de escola — sem julgamento; ele foi sumariamente e sem explicações
levado para a prisão, as lágrimas escorrendo-lhe pelo rosto e a mala com os
livros ainda nas costas 33.

Na Lituânia, 34 260 pessoas tiveram a mesma sorte, na Estônia, 12 000, e um


número desconhecido de poloneses. Aqueles que tinham desaparecido sem
deixar vestígio estavam nas garras do GULAG, de onde poucos voltaram com
vida. Os que ficaram em casa não estavam de modo nenhum certos de uma
existência em segurança. Eles também estavam nas mãos do NKVD. Quando foi
aberta a prisão de Riga, depois da invasão alemã, os letões descobriram, entre o
equipamento cotidiano do Estado soviético, “instrumentos para quebrar ossos
das canelas e dos braços, para amassar testículos, para furar as solas dos pés e
para arrancar unhas e pele das mãos, para amassar o principal ligamento do nariz
até a vítima sangrar profusamente, aparelhos elétricos, etc.” Os corpos
encontrados pareciam pedaços de carne na vitrina de um açougue. O que os
prisioneiros tinham sofrido era algo indescritível, mesmo para os sobreviventes.
Como contou um polonês numa prisão do NKVD, “os gritos que ouvíamos nem
sempre pareciam humanos. Certa vez, quando um homem estava sendo
torturado, ele gritou, não como um homem, mas como um porco sendo abatido”
34.

Durante toda uma semana, o sistema de transporte soviético da fronteira oriental


para o interior ficou atravancado com comboios de marcha lenta, que
transportavam escravos para o leste, passando por Leningrado, Minsk, Moscou,
Kiev 35. Era a semana de 14 a 22 de junho de 1941, e essas eram as prioridades
soviéticas. Do outro lado da fronteira, mais de três milhões de homens de
uniforme de campo cinzentos, apoiados por 3 350 tanques, 7 184 peças de
artilharia, 600 000 caminhões e 2 000 aviões de combate, faziam os últimos
preparativos enquanto esperavam a palavra de código “Dortmund” — o sinal
para a invasão da Rússia36. Às três e meia na manhã de domingo, 22, o céu a
oeste iluminou-se com o clarão dos canhões alemães. Meia hora depois, o
embaixador alemão deu a notícia a Molotov no Kremlin. “Certamente, não
merecíamos isso!”, exclamou o apavorado comissário do Exterior 37.

XIII. O fim da amizade


Durante semanas, antes do ataque de Hitler à Rússia, ao nascer do dia de 22 de
junho de 1941, preparativos colossais estavam sendo feitos para a maior
operação isolada da história da guerra. Durante seis meses, milhares de trens
chegavam às áreas de concentração na Polônia, leste da Prússia e na Romênia.
Em meados de junho, um número enorme de infantaria, tanques, artilharia,
veículos de transporte, cavalos e munição, foram levados à distância de um tiro
da fronteira. Antes que a luz pálida surgisse no céu no dia 22, cerca de 3,2
milhões de homens estavam reunidos, cada movimento do ataque iminente
planejado com precisão, até a última bala. Todas as precauções haviam sido
tomadas para garantir que o serviço secreto do Exército Vermelho fosse mantido
na ignorância desses preparativos, pois o principal fator de sucesso da Operação
Barba-Roxa estava no elemento de completa surpresa. Era de vital importância
provocar o máximo de confusão e de pânico entre as morosas massas do
Exército Vermelho, e desbaratar unidades avançadas da força aérea vermelha,
antes que seus aviões de combate levantassem voo. Só assim os exércitos
vermelhos poderiam ser feitos em pedaços e destroçados sob a investida rápida
dos blindados. Se o Exército Vermelho fosse apenas rechaçado, logo as
distâncias, o clima e o potencial humano da Rússia começariam a retardar o
avanço alemão, até detê-lo completamente. A operação teve um sucesso além
das expectativas.

A despeito das advertências dos comunicados secretos em todos os níveis, que


haviam chegado em grande número nas últimas semanas, a maioria das unidades
soviéticas estava completamente despreparada para o golpe tremendo que caiu
sobre elas.

Tinham recebido ordens estritas para não atirar em aviões alemães (um oficial
que desobedeceu quase foi fuzilado), não escavar trincheiras e desativar minas,
no dia 21 de junho, e os aviões soviéticos estavam agrupados a céu aberto nos
aeródromos, um alvo esplêndido para a Luftwaffe. Oficiais de diversas patentes,
arriscando as próprias vidas, haviam dado ordens para se prevenirem contra um
ataque de surpresa, mas, de modo geral, a atmosfera pode ser resumida na ordem
de Timotchenko e de Jukov, dada três horas antes do ataque: “A missão das
nossas forças: não dar motivo a nenhuma ação provocadora de nenhuma espécie
que possa ter como resultado grandes complicações”.

Quando o ataque foi desencadeado, a confusão foi infinitamente maior. O


flamejante farol Upper Inkerman guiava os bombardeiros alemães e lançadores
de minas, da escuridão diretamente para Sebastopol, onde os navios da esquadra
do mar Negro estavam ancorados. Em uma ponte de importância vital sobre o
Bug, as tropas alemãs convidaram os guardas de fronteira do NKVD para
“discutir assuntos importantes”, e os liquidaram com rajadas de metralhadora,
quando começaram a se aproximar. A ponte não-minada caiu imediatamente nas
mãos dos alemães, e caminhões, tanques e canhões começaram a travessia na
direção do 4.° Exército Vermelho adormecido. Na fortaleza-chave de Brest-
Litovsk, havia regimentos de atiradores sem rifles e artilharia sem munição.
Uma devastadora barragem alemã começou a abrir caminho entre as defesas
despreparadas, produzindo grande número de baixas e caos. (Da última vez que
Brest estivera sob fogo, as tropas soviéticas e nazistas lutavam lado a lado.)
Quanto à força aérea vermelha, ao meio-dia daquele domingo tinha perdido mil
e duzentos aparelhos, grande parte no solo. A maior porcentagem de baixas
nesse dia talvez tenha sido dos guardas de fronteira do NKVD, que acharam a
infantaria alemã muito mais difícil de ser detida do que os refugiados judeus
desarmados que tinham dizimado com metralhadoras no ano anterior 1.

A falta de preparo militar dos soviéticos nesse ataque é muito conhecida e não
precisa ser descrita. A possibilidade de um ataque súbito e sem declaração de
guerra era ponto pacífico, quanto mais não fosse pelas circunstâncias da invasão
nazista na Polônia e o ataque soviético à Finlândia. Depois do desastre finlandês,
tinham sido realizados muitos aperfeiçoamentos: centenas de oficiais voltaram à
ativa, deixando a guarda dos campos e das prisões onde definhavam desde 1937
e 1938; o equipamento e o treinamento foram revisados e melhorados; e medidas
disciplinares foram acrescentadas para reforçar a autoridade dos oficiais. Mas,
como sugere o professor Erickson, “na verdade, tinha havido muitos debates mas
poucas decisões, e mesmo estas eram questionáveis” 2. As fraquezas
continuaram muito mais acentuadas do que as melhorias. As imensas aquisições
territoriais, possibilitadas pelo acordo com Hitler, constituíam um risco militar,
ao contrário do que Stalin e grande parte da historiografia soviética declararam
mais tarde. Politicamente, o pacto tinha dado à Alemanha dois aliados, a
Finlândia e a Romênia, e havia removido as “armadilhas” representadas pelos
exércitos da Polônia e dos países bálticos. Além disso, a mudança das fronteiras
para centenas de quilômetros a oeste levou a uma situação na qual as defesas dos
antigos limites foram desmanteladas, antes que as novas linhas estivessem
adequadamente equipadas. Os soviéticos tiveram muito tempo para construir
novas linhas de defesa, mas a indecisão de Stalin, aliada à relutância dos oficiais
em assumir responsabilidades dentro da burocracia socialista, mais o desperdício
da mal dirigida exploração do trabalho escravo em serviços de construção, tudo
isso se combinou para deixar as defesas num estado de grotesca desordem. Em
todos os outros setores (armamentos, comunicações, localização das indústrias
estratégicas e armazéns de material, disciplina militar e treinamento), a União
Soviética era ridiculamente inferior à Alemanha, apesar de sua imensa
superioridade em potencial humano e recursos. Como lamentou Khrushchev, “o
próprio czar, quando fez a guerra contra a Alemanha em 1914, tinha maior
suprimento de rifles do que tínhamos no dia em que Hitler invadiu a Rússia” 3.

Resumindo, a União Soviética estava completamente despreparada para se


defender de um ataque de grandes proporções. Mas o mais espantoso foi a
completa surpresa com que Stalin recebeu a invasão, e sua recusa em adotar a
mínima medida de precaução. No dia 18 de junho, o general japonês Yamashita
viajou de trem de Berlim a Moscou. Olhando impassível pela janela do trem
moroso, Yamashita notou no campo e nas cidades alemãs a atividade constante
das unidades da Wehrmacht, movimentando-se na direção da fronteira. Mas,
depois de Brest-Litovsk, não viu nenhum preparativo militar em território
soviético. Os campos dormiam vazios sob o sol de verão, enquanto prosseguia a
Operação Barba-Roxa 4. Então, quatro dias depois, quando os mesmos campos
estavam sombreados pela passagem de milhares de bombardeiros da Luftwaffe
voando para o leste, na direção de Riga, Minsk, Kiev e Vinitsa, a impotência do
malicioso mas aleijado gigante tornou-se aparente. Tinham sido autorizadas
algumas precauções discretas: aviões de reconhecimento da Luftwaffe que
violassem o espaço aéreo soviético podiam ser intimados a aterrissar; foram
ordenadas medidas de blackout (nunca executadas); e, três horas antes do ataque,
uma ordem colocou as tropas dos distritos militares do oeste de prontidão. Nada
disso deu muito tempo às unidades para se prepararem, especialmente as que
receberam a ordem somente depois do ataque. Na verdade, não havia um plano
de batalha; somente Stalin podia dar instruções quando chegasse a hora. As
coisas não pareciam boas, especialmente quando manobras recentes e jogos de
guerra do Exército Vermelho tinham invariavelmente terminado com a vitória
dos alemães!

Dos postos de comando sitiados, dos centros telefônicos de campanha e dos


aeródromos destruídos pelas bombas, chegavam mensagens incessantes a
Moscou. “Estamos sob fogo cerrado. O que devemos fazer?” E a resposta:
“Você não deve estar se sentindo muito bem. Por que sua mensagem não foi
enviada em código?” O comandante da esquadra do mar Negro, almirante
Oktiabrisk foi informado, em resposta ao seu apelo urgente para instruções de
que Sebastopol não estava sendo atacada. Mas ele não se convenceu: as bombas
explodiam, fazendo estremecer as janelas do seu quartel-general enquanto
enviava a mensagem. Ao futuro general Malinovski foi dito, quando perguntou
se podia responder ao fogo se o inimigo atacasse: “Não se deixe levar pela
provocação e não abra fogo!”

A causa dessa surpresa com algo que era do conhecimento de todos jamais será
conhecida. Não há dúvida de que Stalin foi apanhado com a guarda abaixada e
entrou em pânico. Mas por que, quando o mundo todo e muitos dos seus
militares sustinham o fôlego à espera desse ataque, Stalin era o único
aparentemente descrente das advertências? O que estivera ele fazendo durante os
dias de silêncio que se seguiram ao começo da agonia da Rússia? O ditador
soviético, afinal de contas, era o mais desconfiado e cauteloso déspota da
história. Não confiava na família, nos amigos ou nos companheiros de governo,
e sua idéia de enfrentar uma ameaça resumia-se em liquidá-la antes mesmo que
houvesse qualquer forma de hostilidade em potencial. Por que não reagiu à mais
perigosa, e de muitos modos a mais óbvia ameaça de toda a sua carreira?

Coube a Molotov noticiar os fatos espantosos no dia 22 de junho, e só em 4 de


julho Stalin lançou pelo rádio o apelo ao povo soviético, com voz monótona e
inexpressiva. O que estivera fazendo nesse intervalo é ainda um mistério.
Segundo Khrushchev, ele ficou petrificado de pânico e, tendo dito que “tudo o
que Lenin havia criado estava perdido para sempre”, esperou, prostrado pelo
medo, que os membros do Politburo exigissem que desse ordens para organizar a
resistência. Nesse momento, ele estava “paralisado de medo de Hitler, como um
coelho na frente de uma jiboia”7. Desde essa época foram publicadas várias
memórias de oficiais soviéticos de alta patente, indicando que Stalin não estava
completamente afastado da direção da guerra, e que tomou parte em algumas
discussões. É difícil avaliar um testemunho necessariamente prejudicado por
implicações políticas posteriores. Como escreveu recentemente Roy Medvedev:
“Entretanto, a maioria desse tipo de testemunho era na verdade parte da
campanha de reabilitação da memória de Stalin, na segunda metade da década de
60” 8.

Aparentemente, a resposta é que ele estava em Moscou na época e que deve ter
tomado parte nas discussões, nem que fosse somente pelo terror que sentia de
ficar sozinho. Mas estava quase atordoado de terror naqueles dias, e durante
muito tempo depois. Em agosto, exclamou freneticamente para sua cunhada: “As
coisas vão muito, muito mal! Trate de deixar o país! Ninguém pode permanecer
em Moscou”. Mais tarde, a pobre mulher foi condenada a dez anos de prisão por
ter testemunhado esse espetáculo patético 9. Segundo um oficial graduado do
NKVD, O tirano apavorado fechou-se com a múmia do seu predecessor no
mausoléu da Praça Vermelha; talvez estivesse perguntando ao grande homem
como preservar “tudo o que Lenin havia criado” 10. Lá fora, na praça protegida
por barricadas, aviões esperavam ao lado da catedral, para o caso de uma partida
apressada 11.

Os exércitos lutaram por algum tempo, foram desmantelados e capitularam sem


nenhuma orientação da autoridade central. Entre 24 de junho e 2 de julho, Stalin
não assinou nenhum documento 12. Khrushchev sugeriu que ele não queria se
responsabilizar pelos desastres na frente de batalha, mas é pouco provável que
essa fosse sua principal preocupação naqueles dias. Stalin estava tomado por um
terror cego, maior que o que o levou a ordenar o massacre dos oficiais poloneses
em Katin. Como naquela ocasião, ele temia que toda a estrutura da “herança de
Lenin” estivesse se desmoronando. Em 1946, tranquilo depois da vitória,
escreveu:

“Como todos sabem, a imprensa estrangeira tem publicado muitas vezes que o
sistema soviético é ‘uma experiência arriscada’, condenada ao fracasso; que o
sistema soviético é um ‘castelo de cartas’, sem raízes na realidade e ligado ao
povo somente por meio da Tcheka; que bastará um empurrão de fora para que
‘esse castelo de cartas’ se faça em pedaços” 13.

O professor Ulam diz que Stalin “estava revivendo seus próprios temores e
humilhações do primeiro ano da guerra”, quando na verdade acreditava que o
governo soviético era perigosamente frágil 14.

Esse temor justificado explica grande parte das reações de Stalin à invasão. Ele
tinha um medo terrível do invasor, mas temia acima de tudo o próprio povo
russo. O país parecia estar se desintegrando, exatamente como acontecia nos
seus pesadelos. Mas um aspecto permanece misterioso. Stalin acreditara que o
pacto com a Alemanha era o melhor e mais proveitoso caminho para seu país, e,
desse ponto de vista, essa decisão talvez fosse acertada. Sua atitude humilhante
em relação ao nazismo, especialmente depois de abril de 1941, baseava-se no
reconhecimento realista da própria fraqueza. A debilidade militar soviética e a
falta de preparo real para a guerra refletiam a precariedade e o atraso do regime
15. Dados esses fatores, era inevitável que a Wehrmacht, soberbamente
conduzida, equipada e treinada, levasse o exército soviético de roldão. Isso
explica o pânico de Stalin nos primeiros dias da invasão, mas não responde a
duas outras questões. Por que Stalin se recusou a acreditar no número crescente
de advertências de que Hitler estava preparando o ataque, e por que se recusou a
dar ordens definitivas aos seus homens para revidar o ataque? Como afirma
Robert Conquest: “É uma das coisas mais estranhas de toda a sua carreira. O
homem que nunca dera a menor importância a compromissos verbais ou escritos
parece ter realmente pensado, ou esperado, que Hitler não fosse capaz de atacar
a Rússia” 16. Hitler tinha atacado a Boêmia, a Polônia, a Holanda, a Bélgica, a
Iugoslávia e a Grécia; tudo isso sem declaração de guerra e usando uma força
devastadora, desde o primeiro momento. Mesmo que Stalin considerasse um
ataque muito improvável, nas circunstâncias normais devia naturalmente tê-lo
considerado possível.

Foi sugerido, para explicar a indecisão de Stalin na noite de 21-22 de junho de


1941, que ele havia atrelado a Rússia ao vagão nazista com tanta firmeza que
não lhe sobrava espaço para manobra, e temia que qualquer tipo de mobilização
incomum ou qualquer atividade militar pudesse provocar a guerra que tanto o
apavorava. Sem dúvida, há muita verdade nisso, mas não o suficiente para uma
explicação. É difícil compreender como Stalin poderia ter pensado, em qualquer
circunstância, que, se tomasse precauções elementares (como dispersar e
camuflar unidades da força aérea), poderia provocar uma guerra; nem se explica
por que, nas primeiras horas da invasão, insistiu em que não respondessem ao
fogo do invasor. Ele próprio mandou que “não se deixassem levar por
provocações de qualquer espécie para evitar maiores complicações”; às três e
meia da manhã do dia 22, quando começaram a chegar notícias do ataque, ele
deu ordens para que as unidades se defendessem, mas sem avançar para o outro
lado da fronteira. Só às vinte e uma horas e quinze minutos compreendeu afinal
a realidade e ordenou um contra-ataque geral17.

As palavras de Stalin dão uma idéia da sua concepção da crise. Evidentemente,


ele acreditava que um elemento dissidente no alto comando alemão estava
tentando provocar a guerra, contrariando a política do governo de Hitler. Se a
resposta soviética fosse discreta, os alemães poderiam identificar esses
“dissidentes”. Apesar de todo o seu realismo, Stalin via o mundo exterior em
grande parte através dos óculos marxistas, que podiam provocar esse tipo de
imagem distorcida. Mas isso ainda não basta como explicação. Hitler, a despeito
das semelhanças entre as ideologias rivais, era um anticomunista fanático, e já
tinha dado várias provas de sua crueldade e falta de escrúpulos. Como foi
possível a Stalin, o mais desconfiado dos homens, abandonar as mais
elementares precauções e convencer-se de que a guerra com a Alemanha era
impossível?
Provavelmente, jamais saberemos a resposta, mas somos tentados a fazer
conjeturas. Não acho provável que Stalin tenha apenas escolhido uma projeção
hipotética das relações soviético-alemãs, abandonando então qualquer precaução
ou alternativa. As instruções de Stalin implicam o conhecimento de informação
negada aos seus generais, que confirmava sua interpretação. Nesse caso, deve ter
havido uma prova cabal que tenha suplantado a importância de todos os
relatórios que recebeu sobre os preparativos para Barba-Roxa. A reação de Stalin
ao ataque confirma essa suposição. Ele agiu, não como quem recebe a notícia de
uma contingência há muito temida como possível, mas com assombro completo
e incredulidade. Aparentemente, a comparação das informações, por algum
tempo, teve prioridade sobre o fato da própria invasão. Que prova seria essa?
Teria Stalin sido vítima de uma ousada operação nazista de desinformação? Uma
única pessoa poderia deter a invasão alemã, se fosse iniciativa de oficiais
antibolchevistas não-autorizados pelo governo, e essa pessoa era o próprio
Hitler. Roy Medvedev sugere que Stalin jamais confiou em Hitler, e estava
“fazendo um jogo perigoso, complexo e, em sua própria opinião, muito astuto
com a Alemanha.. .”18 Isso me parece absurdo. Um mês depois da invasão, o
próprio Stalin confessou amargamente a Harry Hopkins que “ele tinha confiado
naquele homem” 19, e num discurso em 6 de novembro de 1941 deixou entender
que apenas o ataque havia convertido a URSS de amiga em inimiga20.

Aparentemente, Stalin tinha garantia do próprio Hitler de que ele jamais faria
guerra à União Soviética, apesar das insinuações sobre uma possível conspiração
dos generais para provocar um conflito, contra a vontade do Führer. Mesmo
nesse caso, ele tinha motivos para acreditar na boa fé de Hitler. Muito antes, em
1935, Hitler deixara entrever que a Alemanha e a União Soviética só poderiam
ser amigas se a última abandonasse sua política de subversão internacional e se
tornasse uma ditadura militar respeitável, sem ameaçar a estabilidade dos seus
vizinhos21. Os expurgos ferozes dos anos seguintes pareciam provar que isso ia
acontecer, e o afastamento dos judeus proeminentes, em abril de 1941, além da
demonstração de liderança titular e real do governo, em maio, provavelmente
tinham por objetivo enviar a Hitler uma mensagem de que Stalin era o
verdadeiro dono de sua casa.

Muito antes disso, Hitler havia dado provas convincentes de sua real
preocupação pela segurança de Stalin. O marechal Tukhachevsky, comissário
assistente da Defesa, havia muito vinha despertando sentimento de medo e de
ódio em Stalin. Ele era tudo o que Stalin detestava: de origem nobre, era bonito e
muito forte e possuía um extraordinário talento militar22. Quando foi indicado
pela primeira vez para o comando, em 1925, Stalin expressou sua preocupação
de que ali devia haver material para um Bonaparte em potencial23. Porém, só
doze anos mais tarde Stalin viu-se na situação de dar o golpe, e em 1937
Tukhachevsky foi acusado de conspirar com os nazistas para derrubar o governo,
e foi executado. Embora não tenha havido julgamento público (possivelmente
porque Tukhachevsky era forte demais para “confessar”), Stalin possuía um
notável dossiê que documentava as negociações do marechal com os
representantes nazistas.

Essa documentação foi conseguida por Reinhard Heydrich, o sinistro chefe de


serviço de segurança alemão, o Sicherheitsdienst (SD). Ele foi procurado por um
exilado russo, o general Skobline, que afirmou possuir provas documentadas da
conspiração para derrubar Stalin. Heydrich ficou encantado com a informação,
que lhe permitia atacar o alto comando alemão, que, segundo ele, estava
obstruindo a nazificação das forças armadas. Heydrich passou o dossiê para
Hitler, acrescentando provas falsas que incriminavam mais ainda os generais
alemães. Hitler imediatamente percebeu que tinha o destino de Stalin nas mãos.
Devia permitir que a conspiração continuasse ou não? Resolveu que uma Rússia
dominada por Stalin era mais conveniente para a Alemanha nazista do que uma
ditadura militar poderosa. Temendo que seus generais avisassem Tukhachevsky,
Hitler ordenou que não fossem informados sobre o assunto. Heydrich
astuciosamente fez com que os documentos chegassem às mãos de Stalin em
meados de maio, por intermédio do presidente Benes, da Checoslováquia. No
mês seguinte, Tukhachevsky foi morto, e Stalin realizou o famoso expurgo da
maior parte dos seus oficiais 24. Nesse ínterim, Heydrich tomou medidas para a
remoção do general Von Blomberg, ministro da Guerra, e do general Von
Fritsch, comandante-em-chefe da Wehrmacht. Poucos meses depois, ambos
foram obrigados a dar baixa25.

Não se tem certeza se Tukhachevsky estava ou não planejando o golpe, ou se o


plano nasceu na imaginação do NKVD ou do SD, ambos com razões diferentes
para tanto. O que importa é que Hitler e Stalin acreditaram, e ficaram certos de
terem escapado de uma conspiração muito séria dos altos comandos das duas
nações, que visava a derrubar os dois líderes políticos. Mais uma vez, a Gestapo
e o NKVD trabalharam juntos. Não havia nada de surpreendente na idéia de
ligações conspiratórias entre os generais soviéticos e nazistas, pois em 1933
tinham cooperado intimamente no treinamento secreto e na produção de
armamentos. Um relatório alemão aponta o fato de que Tukhachevsky havia
demonstrado admiração pelo exército alemão como o primeiro a combater o
judaísmo mundial, e que a Wehrmacht por sua vez simpatizava extremamente
com seu plano de substituir o governo de Stalin por uma ditadura militar.

Se, em 1941, Hitler havia avisado Stalin de que elementos conspiradores do alto
comando alemão estavam planejando uma ação provocadora na fronteira, é
evidente que até o desconfiado Stalin tivesse fortes razões para acreditar na boa
fé do seu amigo ditador. Ele não o havia livrado de uma ameaça idêntica quatro
anos antes? Afinal, Hitler era um realista e devia perceber que Stalin, que
demitira Litvinov e outros judeus dos seus cargos no governo e cumprira o pacto
lealmente, enfrentando a oposição interna, era realmente digno de ser protegido.
Os generais alemães haviam objetado contra a política de paz de Ribbentrop
(pelo menos era o que Stalin acreditava) 27, mas Hitler estava tão decidido
quanto ele a manter a aliança “cimentada com sangue”. De modo geral, Stalin
tinha muitas razões para acreditar nas palavras tranquilizadoras do seu amigo 28.

A advertência de Hitler de que Tukhachevsky estava “conspirando” deveria


coincidir com a notícia de que elementos rebeldes do Exército Vermelho
estariam conspirando com seus equivalentes alemães. Na verdade, esse parecia
ser o caso, pelo menos na imaginação agitada de Stalin, pois nos dias que
precederam a invasão e que a ela se seguiram ordenou a prisão e execução de
altas patentes do Exército Vermelho e da força aérea soviética.

A hipótese (e não é mais do que isso) de que Hitler teria dado garantias pessoais
para acalmar as suspeitas de Stalin, quando Barba-Roxa foi iniciada, poderia
esclarecer muitos pontos que do contrário permaneceriam obscuros. Explicaria a
crença insistente de Stalin de que o ataque era mera provocação militar, que não
devia ser revidada. Explicaria os ferozes expurgos militares dentro do Exército
Vermelho e o fato de o NKVD manter sob estrita vigilância e suspeita os
movimentos do Exército Vermelho perto das fronteiras 29. O Ministério do
Exterior da Alemanha foi bombardeado por telegramas frenéticos de Stalin,
desesperado para saber o que estava errado30. Além disso, a única resposta
positiva de Stalin às insistentes advertências, às vésperas da invasão, foi ordenar
que as defesas antiaéreas de Moscou ficassem de prontidão31. Sem dúvida,
acreditava que o perigo real ameaçava o Kremlin, e não as fronteiras. Acima de
tudo, a hipótese de que o próprio Hitler teria confiado a Stalin a história da
“provocação” iminente explica por que Stalin continuou confiante, mesmo
depois que os alemães abriram fogo. Ele tinha toda a razão para isso!

Hitler poderia ter passado a informação para Stalin através de vários canais. A
incriminação de Tukhachevsky fora entregue sob o maior sigilo por um oficial
graduado do NKVD, enviado a Berlim por Iejov, o qual negociou diretamente
com Heydrich no quartel-general do SD 32. Os contatos entre os dois serviços de
segurança intensificaram-se depois da assinatura do pacto. Um representante da
Gestapo ia regularmente a Lvov, em 1940, para consultar o comissário do povo,
Ivan Serov, sobre a repatriação dos poloneses. Na primavera do mesmo ano,
como conta Khrushchev, “lembro-me de que Stalin certa vez me disse que Hitler
tinha pedido um favor usando canais secretos”33.

Pode-se questionar o motivo pelo qual — se Stalin estava realmente enganado


sobre o assunto — não foi feito nenhum registro posterior desse intercâmbio
entre os dois ditadores. Mas não temos razão para supor que muitas pessoas
estivessem envolvidas. Qualquer oficial subordinado da Gestapo que caísse nas
mão dos soviéticos, em 1945, era liquidado sumariamente pelo NKVD. O
próprio Heydrich foi assassinado em 1942, e Stalin e Hitler tinham motivos
muito fortes para não revelar o que tinha acontecido. Provavelmente, Stalin não
queria que o mundo soubesse que fora enganado tão facilmente, nem que Hitler
o influenciara profundamente. Este, por sua vez, afirmou que o ataque à Rússia
ocorrera em resposta a uma ameaça militar soviética, e não podia deixar que
fosse publicada uma história que desmentisse essa afirmação 34.

De modo geral, Stalin considerava-se um sócio secundário de Hitler e estava


preparado para acreditar em tudo o que o Führer lhe dissesse35. Talvez nunca se
venha a saber se Hitler pessoalmente tomou parte no logro sobre a invasão, mas
é uma possibilidade mais aceitável do que outras explicações sobre a ilusão de
Stalin.

Uma coisa parece certa. Pelo menos no princípio, Stalin estava convencido de
que tinha muito mais a temer dos russos do que dos alemães. Com Hitler, ele
poderia chegar a um acordo pacífico; mas se o povo russo aproveitasse a
oportunidade para se erguer da posição de joelhos em que estava, não seria
preciso muita imaginação para adivinhar quais seriam as consequências para ele.
Se os alemães fossem sensatos, essa seria a primeira arma que usariam ao
penetrar mais profundamente no território russo. Para muitos estrangeiros, o país
parecia monolítico, uma nação inviolável, exceto no caso pouco provável de
conquista estrangeira. Para os que estavam do lado de dentro, o quadro era bem
menos tranquilizador.

O país inteiro estava naturalmente saturado de terminologia marxista e


instituições leninistas, de modo que ninguém, em nenhum momento, podia se
esquecer de que vivia no primeiro país socialista do mundo. Depois do fim do
compromisso de Lenin com a NEP, o governo soviético tornou-se tão opressivo
que perdeu toda a sua atração, a não ser para aqueles que conseguiam cada vez
mais vantagens pessoais com o sistema. Em 1941, a nação tinha sofrido
atribulações causadas pelos homens, sem precedentes na história, e não é
possível supor que o regime tivesse o apoio popular.

Ao mesmo tempo, não podemos avaliar precisamente o que a população sentia.


Há sempre um resíduo de aceitação do status quo, por mais abominável que seja,
e um povo acovardado passara a viver estranhamente com a mentira difundida
por toda a Rússia. O aparelho do Estado parecia tão onipotente que tornava inútil
qualquer oposição, e a destruição contínua de milhões de pessoas, ao lado da
repressão selvagem dos que restavam, parecia um desastre natural, uma praga,
um terremoto, ou um inverno extraordinariamente atroz. Era perda de tempo
passar a vida toda lamentando a ordem natural das coisas, e era melhor agradecer
o fato de a vida ser pelo menos tolerável. A geração que foi submetida a essa
experiência ainda vive, mas os sobreviventes não estão dispostos a recordar o
que sentiam pelo sistema quando não havia nenhum meio seguro de criticar, nem
mesmo em pensamento. Hoje, na União Soviética, os mais velhos preferem
esquecer os tempos de provação, e a geração jovem sabe muito menos sobre as
condições no seu país nas décadas de 30 e de 40 do que os estudiosos do
Ocidente.

Contudo, com todas essas limitações, o bom senso indica que poucos poderiam
desejar a volta desse sistema, se seu poder fosse temporariamente afastado ou
dissolvido; e que, caso houvesse uma oportunidade, em qualquer época, de
libertar-se de instintos profundamente arraigados de medo e de passividade, a
maioria dos cidadãos da URSS receberia de braços abertos a queda dos seus
feitores de escravos e dos seus torturadores. A prova concreta desse fato nos é
dada pela nova autoconfiança adquirida pelos prisioneiros do Exército Vermelho
capturados pelos finlandeses em 1940, e pela reação de milhões de prisioneiros
de guerra capturados pelos alemães. A não ser para a execução das obrigações
cotidianas, não há dúvida de que paira sobre o povo russo uma sombria e
desesperada apatia. Para muitos, é sinal de uma falha no caráter nacional dos
russos. Talvez devessem perguntar a si mesmos por quanto tempo os
americanos, ingleses, franceses ou alemães suportariam a aparelhagem de
opressão descrita em capítulo anterior.
As ilusões sobre o altruísmo do socialismo soviético que podiam existir entre o
povo em geral não eram compartilhadas pelos seus governantes. Em 15 de
dezembro de 1941, Vichinski teve uma conversa franca com o embaixador
polonês. Embalado por copiosos copos de vodca, ele observou jovialmente:

“Vocês riem. Isso foi uma grande inspiração para mim. Eu adoro alegria e riso”.

O polonês ficou surpreso: ‘Mas certamente os russos riem e se divertem


também!’

‘Está enganado, embaixador. Não conhece os russos.’

Vichinski corou fortemente; inclinou-se para mim e disse, em voz tensa: ‘Eu lhe
garanto que o russo é um povo triste; lerdo, preguiçoso, sujo, sem iniciativa,
hostil a qualquer tipo de progresso cultural’.

‘Mas está exagerando, comissário’, interrompi, suspeitando que ele estava


tentando fazer que eu cometesse uma indiscrição.

‘De modo nenhum! Nada se consegue desse povo pelos métodos comuns. Só
poderá ser erguido a um nível mais alto por um governo igual ao de Stalin. Só
pela força e pela coerção! Por isso sou um partidário tão ardoroso de Stalin e
defensor do seu sistema’ ”36.

A franqueza de Vichinski pode ser atribuída tanto à situação política quanto à


bebida. Enquanto ele conversava com o embaixador Kot, a Wehrmacht havia
capturado três mil e oitocentos prisioneiros: um número maior do que todo o
exército alemão de invasão. Mal equipados, com orientação deficiente, privados
de ordens superiores coerentes, os russos tinham sido cercados e não tiveram
outra alternativa senão capitular.

Porém, muitos deles ficaram satisfeitos com a captura. Nada sabiam sobre o
nazismo, a não ser o que a propaganda oficial lhes dizia. Durante seis anos, a
Alemanha tinha sido quase tão atacada quanto o imperialismo britânico ou o
capitalismo americano. Então, quase dois anos antes, os alemães tinham-se
transformado em aliados respeitados, que lutavam contra as plutocracias
britânica e francesa. Agora, quando o governo soviético se vangloriava, dizendo
que as relações nunca tinham sido tão perfeitas entre os dois países, tropas
alemãs subitamente apareciam, declarando sua intenção de liberar o país do
bolchevismo.
Enquanto as colunas de soldados russos maltrapilhos afastavam-se do campo de
batalha pelas estradas empoeiradas e amarelas da Bielo-Rússia, os aviões da
Luftwaffe, que passavam acima de suas cabeças, despejavam milhares de
folhetos sobre aquela multidão atônita. Depois de mais de vinte anos de domínio
soviético, milhares de russos viam impresso e abertamente exposto tudo aquilo
que todos sabiam, mas que ninguém ousava dizer. Os folhetos de propaganda
alemães expunham o caso com veemência:

“STALIN, O IMPOSTOR DESAVERGONHADO!

Quanto alarde foi feito na época sobre a chamada Constituição de Stalin! E na


verdade, o que foi realizado? Todas as garantias constitucionais ficaram no
papel. Tentem falar na União Soviética sobre 'liberdade de expressão’ (Artigo
125), arrisquem-se a tirar vantagem da ‘liberdade de consciência’ (Artigo 124)
— e o NKVD rapidamente lhes demonstrará o que significa a ‘inviolabilidade do
indivíduo’ (Artigo 127). Todas as outras promessas de Stalin provaram não
passar de logros! Aos camponeses foi prometida a terra que eles cultivavam, mas
foram escravizados nas fazendas coletivas. Para os trabalhadores, ao invés de
liberdade de trabalho e elevação do padrão de vida, preparavam a escravidão
stakhanovita... ”

“STALIN, O LAMENTÁVEL COVARDE!

Por que Stalin se esconde entre as paredes do Kremlin, atrás das costas largas de
sua guarda pessoal? Tem pavor dos próprios companheiros, sedentos por vingar
seus amigos e camaradas massacrados. Tem medo da ira do povo, à espera da
hora de prestação de contas...”

“STALIN, O GENERAL FRACASSADO!

Considerando ser o momento propício, no auge do conflito entre Alemanha e


Inglaterra, Stalin começou a concentrar suas forças na fronteira alemã.
Entretanto, o plano diabólico foi percebido a tempo pela Alemanha, que estava
preparada para se defender da facada nas costas. Stalin jactou-se dizendo que
‘destruiria o inimigo no seu próprio território’. Mas as coisas foram diferentes!
As forças alemãs, convencidas da justiça de suas ações, derrotaram o Exército
Vermelho, tomando uma região soviética depois da outra. Todos os países do
Báltico, a Bielo-Rússia, a cidade de Smolensk e grande parte da Ucrânia, até
Nikolaiev e Krivoi Rog, foram tomados pelas forças alemãs. Leningrado,
Moscou e Kiev virão a seguir.

QUALQUER RESISTÊNCIA SERÁ INÚTIL!”37

Exceto pela alegação de que Stalin estava se preparando para a agressão contra a
Alemanha, todas as acusações desses folhetos são verdadeiras. Como a arma
mais importante do arsenal soviético de opressão — a escravidão — foi omitida,
pode-se mesmo dizer que eles pecaram por excesso de brandura. Nunca, na
história da guerra, um governo deu ao invasor tanto motivo para acusação
fundamentada. Não é de admirar que milhares de soldados russos, cercados nas
florestas da Bielo-Rússia ou caminhando penosamente para o leste, tenham se
aproveitado do passe anexo aos folhetos, que os incitava a se entregarem sob
promessa de bom tratamento. Sem dúvida, muitos os chamarão de traidores, mas
homens como Kuzma Belogrudov, porta-bandeira do 436.° regimento de rifles,
deve ter achado essa pregação de alta moral no mínimo adequada à situação.
Com cinquenta anos, passara doze num campo do GULAG, onde todos os seus
dentes haviam sido quebrados e duas costelas partidas. Perdeu dois filhos e dois
irmãos, mortos nos porões do NKVD. Em Moguilev, em 19 de setembro de
1941, acompanhou o resto do seu regimento na marcha para se juntar aos
alemães. Precisamente o que ele estava traindo seria difícil dizer38.

Os soldados russos que se entregavam eram geralmente recebidos por oficiais


alemães compreensivos, quase sempre tendo o russo como língua nativa,
originários dos países do Báltico. Desconhecendo ou recusando-se a encarar as
realidades da política nazista, eles encorajavam os prisioneiros a acreditar que a
vitória alemã teria como resultado uma Rússia livre e nacional. O destino
pavoroso dos prisioneiros russos nos campos alemães não era conhecido ainda,
como tampouco o plano de Hitler para a destruição da Rússia e do povo russo
em escala comparável à de Stalin 39.

Os russos que, ignorando a natureza do nacional-socialismo, viam na Alemanha


uma aliada, talvez hajam reivindicado coerência negada a alguns dos seus
críticos. Em 1919, Winston Churchill declarou francamente:

“De todas as tiranias da história, a tirania bolchevista é a pior, a mais


destruidora, a mais degradante. . . Está aberto à Alemanha o caminho da
redenção. Combatendo o bolchevismo, tornando-se o baluarte contra ele, a
Alemanha pode dar o primeiro passo para se unir ao mundo civilizado”40.

Que o nacional-socialismo fosse irmão de sangue do bolchevismo não era um


fato ainda conhecido dos russos. Estava iminente um terrível despertar.

XIV. A guerra em duas frentes

Depois de onze dias de silêncio, Stalin apareceu e reuniu toda a coragem para se
dirigir ao povo soviético. Falara no rádio apenas uma vez, antes 1, e os ouvintes
ficaram surpresos ao ouvir o áspero sotaque georgiano, do qual ele jamais
conseguiu se livrar. Falava com voz monótona, cansada, pontuada por pausas
bruscas e pelo tinir de copo, acompanhado do ruído de deglutição, cada vez que
acalmava os nervos com um gole de água. O feioso e assustado ditador não
falava bem. Seu discurso tinha a forma patética, quase rastejante, de um pedido
de socorro, com grandes doses de chavões pessoais e soviéticos, listas de cidades
e povos e ameaças impotentes contra os “fascistas alemães”.

“Camaradas! Cidadãos! Irmãos e irmãs! Guerreiros do nosso exército e de nossa


esquadra! Estou me dirigindo a vocês, meus amigos!”, começou ele, com uma
camaradagem sem precedentes. Grande parte do discurso procurava explicar o
pacto nazi-soviético e preconizar a derrota dos alemães. Mas as ameaças mais
significativas eram naturalmente dirigidas contra seus concidadãos. No mesmo
tom arrastado, com uma ameaça velada, advertia que “nas nossas fileiras não
deve haver queixosos nem covardes, criadores de pânico ou desertores; nosso
povo não deve conhecer o medo na batalha e deve generosamente se unir a nós
na luta patriótica pela libertação dos escravizadores nazistas”. Continuou
acentuando a necessidade de reforçar a retaguarda do Exército Vermelho,
enfatizando que “devemos organizar uma luta sem tréguas contra todos os
desorganizadores da retaguarda, os desertores, os criadores de pânico, os
espalhadores de boatos; liquidar todos os espiões, dissidentes, paraquedistas
inimigos e dar ajuda em tudo isso aos nossos batalhões destruidores”. Esta
última referência, embora oblíqua, era dirigida ao trabalho do NKVD, cujas
atividades examinaremos mais adiante. “Devemos levar imediatamente ao
tribunal militar todos aqueles cujo pânico e covardia prejudiquem o trabalho de
defesa, não importa quem sejam.”2

O tom trêmulo desse discurso, cheio de autopiedade, covardia e ódio impotente,


provocou repugnância e irrisão entre os ouvintes. Para milhões, era uma
mensagem não-intencional de esperança. Nos primitivos alto-falantes das
fábricas e nos campos de trabalho forçado, soou a ameaçadora mensagem. Um
internado de Vorkuta recorda-se:

“Ficamos em silêncio, os olhos no chão, mas eu sabia que cada prisioneiro fora
subitamente atingido por um raio de esperança, com aquela atônita cegueira de
escravos para quem qualquer mão que abra as portas da prisão é a mão da
própria providência”.

“Eles estão vindo!”, murmurava uma miríade de vozes, abrindo os braços


desesperados para a ajuda, fosse de quem fosse 3.

Durante aqueles primeiros dias da agonia da Rússia, seu líder tinha se isolado do
mundo. Apavorado com a possibilidade de que a rede do NKVD, que mantinha a
nação unida, pudesse se partir sob o peso da invasão, ele era ainda incapaz de
pensar em uma ação alternativa para reforçar a estrutura dessa organização.
“Batam, batam e tornem a bater”, era tudo o que ele sabia da arte de governar.
Passivamente, quase temeroso, observava Béria aplicar a torquês 4. Um
recrutamento em massa para aumentar o exército enorme do NKVD teve início
em todo o país 5. Moscou foi colocada diretamente sob o controle do general
Silinov, do NKVD, “e cada distrito, urbano e rural, tinha uma sede do NKVD,
embora a ordem pública pudesse ser mantida perfeitamente pelas unidades da
milícia”6. A embaixada dos Estados Unidos notou a atividade excepcional da
polícia política, interrogando e detendo cidadãos durante os primeiros dias da
invasão, e funcionários do Partido receberam armas para se defenderem do povo
7.

O Exército Vermelho foi o principal objeto de suspeita. Em 1927, em uma


reunião do Comitê Central, Stalin havia proposto a expulsão de Trotsky do
Partido. O tribuno levantou-se desafiadoramente, exclamando para a facção de
Stalin:

“Vocês são um grupo de burocratas implacáveis! Se algum dia o destino do


soviete estiver na balança, se houver guerra, serão completamente incapazes de
defender o país e conseguir a vitória. Então, quando o inimigo estiver a cem
quilômetros de Moscou, faremos o que Clemenceau fez no seu tempo:
derrubaremos este governo inútil; mas com uma diferença: Clemenceau
contentava-se com o poder, ao passo que nós fuzilaremos este bando de
burocratas desprezíveis que traíram a revolução. Sim, nós faremos isso!”8

Certamente, Stalin não se esqueceu dessa ameaça. O próprio Trotsky, a quem ele
temia mais do que a Hitler9, fora liquidado um ano antes; mas, à medida que os
alemães se aproximavam de Moscou, sua preocupação crescia. (Aqui, podemos
pelo menos dizer a favor de Stalin que a União Soviética provavelmente estaria
muito pior sob o governo de Trotsky, o qual, em 1934, defendia ainda a primazia
da cavalaria na guerra moderna: “É preciso um cavalo para cada três
soldados”.10)

O expurgo militar de 1937 revelou a extensão da desconfiança de Stalin e do


medo que tinha do próprio exército, e em junho de 1938 foi confirmado que esse
temor talvez fosse justificado. Nesse mês, o general Liuchkov, chefe do NKVO
nas províncias do extremo oriente da Rússia, passou para os japoneses. Levou
com ele informação valiosa sobre a disposição do Exército Vermelho em toda a
União Soviética. Mais do que isso, ele afirmava que existia uma conspiração
extensa entre os oficiais do Exército Vermelho para derrubar Stalin. Detalhes das
revelações feitas por Liuchkov foram transmitidos a Moscou pelo famoso espião
Richard Sorge. O Centro de Moscou demonstrou grande interesse e pediu a
Sorge que obtivesse maiores detalhes 11. (Talvez seja significativo notar que
detalhes das revelações de Liuchkov desapareceram dos arquivos do Ministério
do Exterior 12.)

Enquanto os alemães faziam o Exército Vermelho recuar até as portas de


Moscou e Leningrado, Stalin começou um expurgo e execuções por atacado
entre os oficiais até a patente de general. Era o único incentivo que conhecia
quando se tratava de fracasso; mas outro motivo muito forte deve ter-se
originado do medo da conspiração que Trotsky havia preconizado, que o pavor o
fazia ver claramente. Do contrário, por que teria dado ordens para a execução
dos que estavam ainda nos campos do NKVD e nas prisões? 13
Medidas mais efetivas e realistas para manter os soldados sob firme controle
consistiram na reintrodução dos comissários políticos. Como observou o
professor Ulam, o destino variado desse grupo de funcionários é um barômetro
exato dos períodos alternados de medo e de confiança de Stalin. O cargo fora
criado por Trotsky durante a guerra civil e tinha por objetivo verificar a lealdade
dos antigos oficiais do exército imperial recrutados para dirigir o Exército
Vermelho; esses comissários atuavam como espiões, verificando continuamente
a lealdade de todas as patentes, e tinham autoridade superior à dos oficiais de
carreira 14. O cargo foi abolido depois da guerra civil, por não ser mais
necessário, mas foi reintroduzido na época do expurgo do exército, em 1937 15.
O curso desastroso da guerra com a Finlândia fez que fosse abolido novamente,
em 1940; mas com a recorrência frenética do medo e das suspeitas de Stalin no
ano seguinte, os comissários voltaram em 16 de julho de 1941 16.

Os comissários tinham como chefe um subordinado de Béria, homem


extremamente repulsivo, L. Z. Mekhlis, cujos espiões se infiltravam em todas as
dependências dos quartéis e acampamentos. Os mais bravos e devotados oficiais
não escapavam à sua constante vigilância, insultos e interrogatórios. Quando o
general Gorbatov voltou ferido da frente de batalha, em julho de 1941,
inadvertidamente infringiu a etiqueta do NKVD, não se apresentando
imediatamente a Mekhlis. “Evidentemente, ele não tinha aprendido o bastante
em Kolyma”, murmurou, mal-humorado, o comissário para um colega — uma
referência à recente libertação de Gorbatov do famoso complexo de trabalho
escravo nas minas de ouro 17. Embora tivesse havido exceções, que se
comportaram galantemente e auxiliaram lealmente os seus colegas de luta, a
maioria deles era detestada e desprezada por seus modos arrogantes e suposta
covardia 18. O ressentimento não se limitava a observações pessoais: os
soldados frequentemente matavam seus cães de guarda políticos e desertavam,
passando para o inimigo 19.

A despeito dessas medidas, a convicção obsessiva de Stalin de que os homens do


Exército Vermelho de qualquer patente não deixariam passar a oportunidade de
se juntar ao inimigo, levou-o a outras precauções. Os guardas do NKVD nas
fronteiras tinham como dever principal isolar a União Soviética do resto do
mundo. Por esse motivo, não mantinham contato direto com as unidades
militares avançadas, e as informações vitais sobre incursões inimigas geralmente
chegavam a essas últimas, via Moscou 20. Com a continuação da guerra, a
supervisão normal do NKVD começou a parecer inadequada para Stalin, e um
ano depois foi criada uma importante subdivisão: a Principal Administração da
Contraespionagem, mais conhecida pela sigla ameaçadora criada pelo próprio
Stalin: Smerch (das palavras “smert chpionam”, “morte aos espiões”). “Mas”,
explicou um ex-oficial do NKVD, “sua tarefa principal não era a captura e
punição dos espiões estrangeiros; era a detecção do menor sinal de
descontentamento, ou de oposição entre os soldados soviéticos, marinheiros e
pilotos.” E um ex-oficial da Smerch diz mais:

“O trabalho deles era evitar, ou em último caso cortar pela raiz, qualquer
elemento do exército hostil ao poder soviético. Vigiavam tudo e todos, desde os
comandantes e marechais da frente de batalha ao mais humilde soldado no
comboio de transporte. Controlavam também todos os organismos políticos das
forças armadas. Ninguém estava acima de suspeita. Uma rede permanente de
informantes foi recrutada secretamente e mantida em funcionamento em todo o
exército”.

Um batalhão vigiava na retaguarda de toda a linha de frente, com suas próprias


armas, prisões e executores. Uma de suas tarefas mais comuns era fornecer
“destacamentos de bloqueio” — unidades que tinham por objetivo conduzir os
prisioneiros nos campos minados, ou vesti-los de branco para atrair o fogo
inimigo, e fuzilar soldados em retirada21.

Em setembro de 1941, foi baixada a Ordem Militar Secreta (a primeira de


muitas) ordenando aos soldados para se matarem mas não se entregarem. Todos
os que se entregassem voluntariamente seriam punidos se recapturados;
enquanto estivessem nas mãos dos inimigos, suas famílias sofreriam as
consequências. Como observou um médico militar, que foi feito prisioneiro, era
uma ordem fácil de dar, difícil de cumprir. E quem se beneficiaria com esses
suicídios? 22 Muitos pensaram que o propósito dessa ordem absurda e selvagem
fosse incitar os russos a lutar até a morte. Este, porém, era apenas o motivo
secundário. Quando não há possibilidade de escapar, um prisioneiro de guerra é
sem dúvida mais inconveniente para o inimigo do que o corpo de um suicida. O
objetivo principal era evitar que os russos se passassem para o inimigo, uma vez
que supunham que qualquer pessoa que escapasse ao poder soviético
necessariamente iria trabalhar contra ele. Pela mesma razão, a URSS recusara
acatar, em 1929, a Convenção de Genebra sobre Prisioneiros de Guerra, e
negava aos prisioneiros qualquer conforto enviado dos seus países ou por
intermédio da Cruz Vermelha Internacional. A crueldade nazista para com os
prisioneiros russos provocou milhões de mortes — um resultado muito
conveniente para o governo soviético, que já tinha feito a sua parte para essa
solução21. Em 6 de novembro de 1941, Stalin anunciou que a União Soviética
tinha um total de “350 000 mortos, 378 000 desaparecidos, e 1 020 000 feridos.
Nesse mesmo período, o inimigo perdeu entre mortos, feridos e prisioneiros,
mais de 4 500 000 homens” (o grifo é meu)24. É interessante notar que os
alemães eram prisioneiros, ao passo que os russos apenas desapareciam.

Stalin passou a ridicularizar a idéia dos alemães de que “o estado precário do


sistema soviético e da retaguarda soviética” levaria a revoltas nacionalistas e dos
camponeses, facilitando o avanço da Wehrmacht até os Urais, e afirmou que os
povos da Rússia formavam “um único campo indivisível”25. Mas ele estava
longe de se sentir confiante como dizia. Nas semanas de tensão que precederam
seu discurso, seu “tenente Poskrebichev passou horas ao telefone, tentando obter
informações de todos os membros do Comitê Central do Partido e de todos os
secretários do Partido quanto à atitude do povo e procurando certificar-se de que
as massas eram leais a Stalin”26.

Era evidente que a lealdade era um fator extremamente questionável. Três dias
depois do começo da guerra, observadores em Moscou notaram que não havia na
capital nada que indicasse o entusiasmo de um povo que enfrentava a maior
guerra da sua história. Não havia demonstrações patrióticas, organizadas ou
espontâneas — apenas notícias falsas sobre elas, na imprensa27. À medida que
os alemães se aproximavam, o pânico começou a tomar conta da cidade.
Milhares de funcionários do governo e do Partido fugiram para leste ou
enviaram suas famílias com caminhões e carros repletos dos seus tesouros
domésticos, acumulados durante vinte anos de governo do proletariado (os
camponeses famintos assaltaram muitos desses comboios fora da cidade). O
NKVD entrou em pânico, sem vontade nenhuma de renovar seus contatos com
os irmãos da Gestapo. Arquivos foram queimados na Lubianka, e durante três
dias memoráveis (16-18 de outubro) Moscou ficou praticamente despoliciada.
Lojas, armazéns, as residências dos ricos, até a embaixada britânica abandonada,
foram arrombados e saqueados. Multidões assustadas enchiam as ruas e
instalavam-se na estação. Nos restaurantes de luxo, funcionários que não
conseguiram fugir afogavam seu medo em vodca, na companhia de prostitutas
que sem dúvida esperavam novos fregueses. A rede de açougues Mikoian foi
saqueada até a última salsicha, e uma multidão pálida e faminta atacou a fábrica
de doces Maiakovski. O aparato marxista desapareceu num segundo, como se
nunca tivesse existido. Cartões de identidade do Partido eram queimados
discretamente, e os slogans, raspados das paredes. Então, em 18 de outubro, a
posição militar se estabilizou, e o NKVD reapareceu na cidade. Obedecendo a
um decreto especial baixado por Stalin, milhares de pessoas foram fuziladas
sumariamente, e as normas leninistas, restauradas. Por um breve momento,
Stalin e seus auxiliares tiveram a visão do que aconteceria se fosse desmantelado
o aparelho do NKVD. Como muitos comentaram na época, quinhentos
paraquedistas alemães poderiam ter tomado a cidade28.

Em todos os lados, o Partido e a polícia pareciam momentaneamente isolados. A


reação do povo mostrava-se hostil ao regime, e o descontentamento manifestava-
se, tanto em observações cínicas sobre o Líder, quanto em orações públicas pela
vitória dos alemães. A opinião no campo era especialmente violenta, e os
camponeses criticavam acerbamente os poloneses libertados dos campos do
GULAG, por desejarem recomeçar a luta contra a Alemanha. Um observador
oficial polonês, que viajou extensamente pela Rússia na época, ficou
impressionado com o modo com que

“a mais baixa camada da população russa. .. estava toda tomada pelo espírito da
revolta e pelo ódio ao regime, e a guerra era totalmente impopular. Isso se
notava em toda parte nos primeiros meses, quando, devido ao caos provocado
pela ofensiva alemã, soltaram-se um pouco as garras de ferro do NKVD” 29.

A esse ódio geral pelo regime marxista juntava-se um sentimento nacionalista


intenso entre vários povos minoritários, que identificavam a selvageria marxista
com o governo da Rússia. Nos países do Báltico e na Ucrânia, centenas de
milhares de pessoas reuniram-se para receber os alemães, e voluntários das
várias legiões e milícias foram recrutados pela Wehrmacht e pelas SS30. Até
mesmo os distantes cazaques, quirguizes e turcomanos rezavam pela chegada
dos alemães libertadores, e os poloneses, nos campos de prisioneiros,
preparavam-se para se unir à oposição nacionalista local e, lutando, chegar à
Pérsia31.

Tudo isso era exatamente o que Stalin tinha esperado durante anos. Foram
instalados tribunais militares especiais pelo NKVD em todas as cidades e vilas
ainda sob controle soviético, e milhares de pessoas suspeitas de deslealdade
foram fuziladas ou transportadas para os campos. A simples menção do pacto
Molotov-Ribbentrop, ou mesmo do nome do desastrado marechal Vorochilov,
podia significar uma sentença de dez anos. A opressão cresceu para manter a
disciplina das massas. Um grande número de pessoas não incluídas ainda no
esforço de guerra cavavam trincheiras inúteis e realizavam outras tarefas
“defensivas”32.
No Volga, havia uma colônia de alemães, cujos antepassados tinham se instalado
no local no tempo de Catarina, a Grande. Era um foco óbvio de medo naquela
atmosfera de pânico, e foi baixada uma ordem para que fossem banidos para a
Sibéria. Alegaram que “dezenas de milhares de diversionistas e espiões, entre
eles, planejavam um levante a favor dos alemães. Era uma estranha alegação,
pois 99,7 por cento deles haviam votado nos candidatos do Partido na última
eleição; portanto, o NKVD criara um pretexto grosseiro para a própria
satisfação. Um avião de treinamento sem identificação visível sobrevoou a
capital da República Alemã do Volga, Engelsstadt. Disseram depois que
transportava o primeiro grupo de agentes alemães. Havia mais de quatrocentos
mil alemães na colônia e foram transportados para campos de concentração no
Cazaquistão e outras regiões desoladas. O mesmo número de descendentes de
alemães de outras partes da Rússia tiveram o mesmo destino. O tratamento que
receberam na viagem e nos campos foi selvagem; em um dos campos, dois ou
três homens eram retirados dos alojamentos, quase todas as noites, e fuzilados.
Isso durante um ano e meio. Em 1943, grande parte dos sobreviventes foi
enviada para a frente de batalha, para os batalhões de trabalho forçado, e depois
disso, para os campos de trabalho escravo em Vorkuta ou Karaganda — as
mulheres, como sempre, separadas dos maridos33.

Naqueles primeiros meses, antes que o ataque alemão fosse detido às portas de
Moscou, o regime policial açoitou todos os setores da população atônita. Em
nenhum lugar o castigo foi tão pesado quanto nos campos onde ocultavam a
população escrava, e era evidente que ela era o principal foco do terror de Stalin.
Um funcionário, então em Moscou trabalhando para o governo, escreveu mais
tarde: “Talvez, nos seus pesadelos, eles vissem vinte milhões de escravos
derrubando os muros das prisões e as cercas de arame farpado, numa corrida de
ódio e de vingança, como uma enchente de destruição. . . ” 34

A maior parte dos campos estava instalada em áreas distantes não só dos
alemães, como também de qualquer comunidade humana. Mas um grande
número de trabalhadores escravos trabalhava nas defesas da fronteira, bem como
em outros projetos na Ucrânia, Bielo-Rússia e nos países do Báltico. O NKVD
expediu ordens para a administração do GULAG no sentido de que todos os
campos ameaçados pelo avanço alemão fossem evacuados para leste. Se fosse
impossível, todos os internados deviam ser mortos 35. O ataque alemão fora tão
rápido e inesperado que a evacuação se tornou impossível em muitos casos. Um
oficial alemão encontrou uma coluna maltrapilha de cinco ou seis mil escravos
na estrada que ligava Minsk a Smolensk. Tinham estado trabalhando no
aeródromo de Minsk quando os alemães chegaram para libertá-los 36.

Tiveram mais sorte do que a grande maioria. Nas prisões e nos campos de toda a
Rússia ocidental, os homens nervosos do NKVD começaram a executar as
instruções de Béria antes de fugir do inexorável avanço do exército alemão.
Milhares de prisioneiros políticos da esquerda foram fuzilados, para que não
liderassem as massas revoltadas (a ameaça de Trotsky não fora esquecida). Em
Minsk, Smolensk, Kharkov, Dniepropetrovsk e Zaporojie, foram massacrados
praticamente todos os internados. Na República de Kabardino-Balkar, centenas
de escravos que trabalhavam em um kombinat de molibdénio foram
metralhados, por ordem do comissário local, “até o último homem e a última
mulher” 37. Na Ucrânia, um trem estava levando um grupo de mais ou menos
quinhentos escravos para o leste. Subitamente, os guardas do NKVD ouviram o
som da artilharia, vindo da outra extremidade da linha férrea. Suspeitando que
estivessem encurralados, fizeram parar o trem, cercaram-no e mandaram que
“todos saíssem”. Um sobrevivente conta o ocorrido:

“Nossa porta foi aberta e recebemos a mesma ordem. Os prisioneiros começaram


a descer para a linha do trem. Subitamente, a um sinal dos guardas, abriram fogo
com metralhadoras e submetralhadoras instaladas nas plataformas dos carros. Os
prisioneiros começaram a correr. Alguns caíam cobertos de sangue. Outros
tentavam se esconder sob as rodas; outros ainda voltaram aos vagões. O tiroteio
continuou. Quando os gritos lá fora cessaram, os guardas chegaram às portas dos
vagões e começaram a atirar para dentro. Os carros ficaram perfurados por
centenas de balas. Alguns simplesmente atiravam granadas para dentro dos
vagões”.

Finalmente, os guardas partiram, acreditando ter cumprido suas ordens. Na


verdade, catorze homens feridos sobreviveram entre as pilhas de mortos 38.

Quando não havia perigo imediato de serem interceptados pelos alemães, os


grupos de escravos geralmente eram transportados a pé em longas colunas. Um
jovem tenente polonês descreveu a terrível jornada, na qual, durante semanas,
dois mil prisioneiros foram conduzidos para leste na direção das estepes, por
cães selvagens (humanos e caninos) do 27.° Regimento de Transporte, de
Artemovsk, na Ucrânia. Um oficial de alta patente do NKVD deixou claro que a
tarefa seria realizada satisfatoriamente se cinco por cento dos cativos
sobrevivessem à viagem. A estimativa foi quase exata: depois de algumas
semanas, apenas quinhentos e cinquenta homens dos dois mil estavam ainda
vivos. Foram então amontoados por algum tempo em dois barracões, num dos
quais o índice de mortalidade era de dez a quinze diariamente. Metade da coluna
foi colocada em um grande abrigo para animais, ao ar livre, nas terras inóspitas
entre o Don e o Volga; durante cinco dias e cinco noites, dormiram ao relento
com uma temperatura de vinte graus abaixo de zero, sem nenhuma espécie de
alimento. No fim dessa jornada pelo Vale das Sombras da Morte, o tenente
Solczinski foi chamado de “papai” por uma mulher russa. Ele perguntou que
idade ela pensava que tinha. “Cinquenta”, respondeu a mulher. Antes da viagem
ele era um jovem de trinta e um anos39.

Em muitos casos, como em Kharkov, Uman, Rovno e Tallin, os prisioneiros


foram massacrados apressadamente antes que o NKVD fugisse para um clima
mais ameno e seguro (os terríveis alemães estavam cada vez mais perto). Em
Tartu, cento e vinte e nove prisioneiros foram fuzilados, e os corpos, atirados em
um poço. Em Kharkov, o serviço foi simplificado atirando-se granadas nas celas
repletas de prisioneiros. Em 28 de junho, os soldados alemães encontraram em
Dubno os corpos mutilados de quinhentos homens, mulheres e crianças 40. Em
26 de junho, em Praveniskiai, perto de Kaunas, na Lituânia, os guardas levaram
cem prisioneiros para o meio do campo e os mataram com rajadas de
metralhadora. Em Tchervene, na Rutênia Branca, milhares e milhares de
poloneses, rutênios, ucranianos, russos e lituanos foram liquidados do mesmo
modo.

Ocasionalmente, o NKVD tinha tempo para fazer uma parada em sua fuga e
conduzir suas tarefas com mais vagar e maior perfeição. Na cidade lituana de
Telsiai, setenta e três prisioneiros foram levados para uma floresta em Rainiai.
Foram amarrados às árvores, e os guardas experimentaram vários métodos
soviéticos de prolongar-lhes o sofrimento. Alguns tiveram os olhos arrancados
lentamente. Outros foram escalpelados e seus cérebros, espremidos para fora do
crânio. Homens tiveram a língua cortada, as pernas e lados do corpo cortados
lentamente, ou baionetas enfiadas pela boca, garganta abaixo. Na maioria dos
casos, os corpos estavam tão cobertos de ferimentos que era impossível
determinar a causa precisa ou o momento exato da morte41.

O massacre talvez mais monstruoso — pelo menos, o mais famoso — foi o da


cidade de Lvov, na Ucrânia. Alguns milhares de prisioneiros de várias
nacionalidades ocupavam as três prisões principais. Quando chegaram as
notícias da invasão, grande número deles foi evacuado para o leste em vagões de
gado selados. Ao mesmo tempo, as autoridades perceberam que os alemães
poderiam chegar a qualquer momento, e mandaram que fosse executada a ordem
de Béria. Quando os alemães entraram em Lvov, em 29 de junho, depararam
com um espetáculo pavoroso. Toda a cidade estava impregnada de cheiro de
carne putrefata, e os parentes dos presos, que estavam ainda dentro das celas,
rodeavam as prisões, angustiados. No dia seguinte, um grupo de polícia de
campo alemã começou uma investigação. O que encontraram foi descrito em um
relatório redigido uma semana depois:

“Logo ao entrar nos porões encontramos uma camada composta de uma massa
viscosa, dentro da qual os corpos tinham sido congelados. Na primeira prisão, os
cadáveres estavam em pilhas de quatro ou cinco, no chão do porão. Algumas das
portas tinham sido emparedadas pelos russos. Um grande número de corpos deve
ter sido enterrado desse modo, antes do começo da guerra, pois a putrefação —
como já foi dito — estava muito adiantada. O número de pessoas mortas na
cidade de Lvov pode ser estimado em três mil e quinhentas.

Na segunda prisão... a impressão no primeiro dia em que entramos na cidade foi


a seguinte: das alas de serviço da prisão, situadas no térreo, dando para um pátio
circundado por uma cerca de madeira, um corpo após outro foi levado para o
pátio. Nesse caso não havia dúvida de que as vítimas tinham sido assassinadas
poucos dias antes de termos capturado Lvov. Os porões em questão tinham o
teto manchado de sangue, e numa sala que aparentemente era usada para
interrogatório, o chão estava recoberto com uma camada de sangue coagulado de
vinte centímetros de espessura. Os carrascos bolchevistas literalmente tinham
nadado em sangue”.

Embora a maioria dos prisioneiros tivesse sido massacrada às pressas (o


comissário do NKVD fugiu com tanta rapidez que se esqueceu de levar a
mulher), outros tinham sofrido atrozmente e por muito tempo antes de lhes
tirarem a vida. Os órgãos sexuais dos homens e os seios das mulheres tinham
sido cortados. Olhos tinham sido arrancados, os corpos, espancados ou
amassados, uma massa irreconhecível de ossos e carne, e os que podiam ainda
ser identificados como seres humanos tinham no rosto expressões de agonia
indescritível. Uma senhora polonesa, que visitou a prisão em 30 de junho,

“viu uma mesa com muitos corpos massacrados. Os corpos davam a impressão
de terem sido espancados até se transformarem em uma massa informe. Um
cadáver estava sentado numa cadeira com um pedaço de baioneta russa saindo
da boca, que devia ter sido enfiada pela sua garganta com grande força. Mãos e
braços pendiam nas posições mais estranhas, como se tivessem sido quebrados
muitas vezes... Vi o corpo de uma menina, de aproximadamente oito anos,
pendurado no fio da lâmpada do teto. O corpo estava nu, e a criança tinha sido
enforcada com uma toalha. Tudo era tão terrível que quase desmaiei. Tiveram de
me levar para casa. Até hoje não consigo me livrar da impressão terrível daquele
espetáculo”.

Outra mulher viu cenas mais horríveis:

“Entre outros corpos, vi o de uma mulher com um seio cortado e o outro


profundamente lacerado. O abdome de outra mulher fora aberto, ela estava
grávida. Na abertura aparecia a cabeça de uma criança. Todos os dentes de um
homem tinham sido partidos. Uma menina estava com a parte superior do corpo
vestida e da cintura para baixo despida e completamente coberta de sangue,
especialmente perto de suas partes íntimas, de modo que não havia dúvida de
que fora vítima de um crime sexual”.

Corpos empilhavam-se nas celas. Nas outras dependências tinham sido


queimados com gasolina. Uma das prisões tinha sido incendiada para destruir os
possíveis sobreviventes entre as “montanhas de corpos de homens e mulheres”.

Uma amostra notável da engenhosidade bolchevista só foi descoberta mais tarde.


Na procura das vítimas, antes de amontoá-las nas celas, o NKVD tinha
ostensivamente usado inúmeros judeus locais como informantes e guias. Isso
provocou uma feroz explosão de antissemitismo entre os elementos da multidão
que mais tarde rodeava as prisões, entre a qual muitos tinham perdido parentes
naquele matadouro soviético. Mas, na verdade, os informantes judeus tinham
sido também mortos pelo NKVD, depois do trabalho terminado, junto com
muitos sionistas que já estavam em suas mãos 42. Como observou um habitante
de Lvov, “os soviéticos fizeram questão de lançar uma nacionalidade contra a
outra... ”43

Esses detalhes revoltantes não são descritos aqui por sensacionalismo, embora os
leitores devam concordar que devemos alguma coisa àquelas pobres vítimas,
pelo menos a compreensão do quanto sofreram. Acima de tudo, para entender a
guerra no leste é preciso levar em conta que as forças soviéticas estavam lutando
em duas frentes. Enquanto o Exército Vermelho, extremamente mal equipado e
mal dirigido, lutava contra o invasor alemão, uma sangrenta guerra civil travava-
se entre o NKVD e a população desarmada, na retaguarda imediata da frente de
batalha. E, das duas guerras, a que era feita contra a população escravizada sem
dúvida tinha prioridade aos olhos de Stalin. Os homens do NKVD e da Smerch,
de qualquer patente, recebiam um soldo vinte e cinco vezes maior do que o dos
soldados, uma ração alimentar incomensuravelmente superior, uniformes e
equipamento, e eram recrutados entre os homens mais dignos de confiança dos
conscritos do Exército Vermelho44. No capítulo IV, estimamos que antes da
guerra o NKVD tinha cerca de meio milhão de homens, guardando as fronteiras
e os campos do GULAG, trabalhando nas prisões e no serviço de comunicações,
e assim por diante. Depois do começo da guerra, esse número aumentou. Um
prisioneiro do norte achou “incrível a chegada a Iercevo de novos contingentes
de jovens e saudáveis soldados do NKVD para reforçar as guarnições dos
campos nas praias do mar Branco ... ” Isso quinze dias depois da Operação
Barba-Roxa, quando o Exército Vermelho cambaleava na retirada, numa
confusão sangrenta. O prisioneiro calculou que, como havia então dois guardas
para cada vinte prisioneiros, devia haver um milhão deles em todos os campos
do GULAG. Por mais extraordinária que possa parecer essa estimativa, não deve
estar muito longe da verdade. Não só deve ser levado em conta o aumento no
número de guardas, mas também o fato de que os prisioneiros políticos não mais
mereciam confiança para continuar ocupando postos de responsabilidade,
embora ínfimos, nos campos. Entre eles estavam alemães do Volga e alemães
soviéticos, alguns poloneses e condenados políticos em geral. Foram transferidos
para os grupos de trabalho externo e substituídos por oficiais “livres”, que não
estavam aptos para outra função de guerra. Além disso, a jornada de trabalho do
GULAG passou de onze para doze horas, o que naturalmente sobrecarregou o
trabalho dos guardas, exigindo um aumento no seu número 45.

As autoridades do GULAG não estavam preocupadas apenas com os campos


situados na trilha do avanço alemão. Na remota Kolyma, no outro lado do
mundo, um prisioneiro, que ouvia as palavras lamentosas de Molotov no rádio,
em 22 de junho, voltou-se e viu que estavam colocando uma metralhadora em
uma das torres do perímetro do campo46. Ao longe, na escuridão do norte, além
da interminável tundra e nas bordas do Ártico gelado, estavam os campos de
trabalho forçado de Vorkuta. Enquanto a aurora boreal espalhava sua cintilação
fantasmagórica sobre um mundo escuro e silencioso, milhares de escravos
trabalhavam nas minas subterrâneas de carvão. Não era um lugar que pudesse ter
prioridade na lista dos objetivos imediatos dos alemães; contudo, acharam que
devia ser dado um exemplo. Cem prisioneiros foram escolhidos aparentemente
ao acaso, marcharam para a tundra e foram abatidos com rajadas de
metralhadoras. Milhares de outros morreram do mesmo modo em todos os
campos 47. Todas essas “atividades preventivas” inevitavelmente exigiam
grande número de guardas extras, além da substituição dos escravos dizimados.

Ali estava, portanto, um milhão de homens bem armados e treinados fazendo a


guerra secreta de Stalin contra o povo russo, que, de outro modo, seria lançado
no desesperado conflito contra os alemães. É preciso não esquecer que
exatamente nessa ocasião Stalin apelava desesperadamente para que os
britânicos fossem em seu auxílio, a fim de estabilizar a frente de batalha. Em 3
de setembro, apelou para Churchill angustiadamente, pedindo à Grã-Bretanha a
abertura de uma segunda frente na Europa ocupada no mês seguinte. Dez dias
depois, estava mais desesperado ainda, pedindo que fossem enviadas vinte e
cinco ou trinta divisões inglesas para lutar na linha de frente russa,
desembarcando em Arkhanguelsk ou atravessando o Cáucaso, vindos da Pérsia.
Durante todo o resto do ano, ele continuou insistindo nessa improvável
expedição 48. O fato de Stalin não ter ousado formar divisões com a enorme
potencial humano de guardas bem-treinados mantidos pelo NKVD faz supor que
ele considerasse a tarefa deles muito mais importante do que apoiar a frente de
batalha que estava se desintegrando 49.

É preciso lembrar também que essa guerra em duas frentes estava


inseparavelmente entrelaçada. A estratégia dupla frequentemente provocava um
conflito de interesses, que quase sempre era resolvido a favor da campanha
contra o “inimigo” interno. Enquanto o 4° Exército soviético lutava com imensa
desvantagem para salvar Lvov, o NKVD da cidade trabalhou durante uma
semana inteira com metralhadoras, granadas e explosivos de alta potência, no
esforço frenético para liquidar milhares de prisioneiros ucranianos. Outros
milhares estavam sendo transportados para leste, sob guarda pesadamente
armada, e todas as forças do NKVD foram evacuadas com sucesso depois de
completar a carnificina. O 4.° Exército teve menos sorte; repetidamente cercado,
apenas uns poucos conseguiram escapar 50.

Nos primeiros dias da invasão, o coronel-general Kuznetsov e seus homens


ofereceram uma resistência inesperada e feroz contra a entrada do Grupo Norte
do exército alemão na Lituânia. Gigantescos tanques soviéticos KV-1 e KV-2
pegaram os alemães de surpresa. Numa “fantástica troca de tiros”, os projéteis
antitanques alemães simplesmente ricocheteavam naqueles monstros blindados.
Mas quando a batalha chegou ao auge com feroz intensidade, os tanques de Von
Manstein conseguiram passar e dirigiram-se a toda a pressa para as pontes do
Dvina. As forças soviéticas iam cedendo terreno, em desordem cada vez maior, e
em 25 de junho já não operavam como um todo coeso. A experiência alemã, o
treinamento e suas táticas tinham produzido o costumeiro resultado, mas os
fatores mais importantes do desastre foram o desmantelamento total das
comunicações, no lado dos soviéticos, e o esgotamento de combustível e
munição depois de dois dias de luta51. Porém, no momento exato dessa luta de
vida e morte, o NKVD tinha à sua disposição as principais linhas férreas que
ligavam os países do Báltico com o interior. O expurgo em massa, que tinha
começado na noite de 13-14 de junho, continuou como se não houvesse
nenhuma invasão, e vagões lotados de habitantes do Báltico sequestrados
ocupavam quase a totalidade do escasso sistema ferroviário, quando as tropas de
Kuznetsov precisavam desesperadamente de cada projétil e de cada galão de
petróleo que pudessem conseguir. Documentos que descrevem com detalhes
esses carregamentos de homens caíram mais tarde nas mãos dos alemães. Na
Letônia, o quadro era o seguinte: em 22 de junho, dia da invasão, as bombas
alemãs choveram sobre os aeródromos militares de Riga até Kronstadt, e o
Grupo de Tanques 3 penetrou no Niemen, enquanto o general Kuznetsov
aguardava desesperadamente a resposta de Moscou. Nesse dia, seis trens
carregados de prisioneiros letões, guardados por homens do 155.° Batalhão
Especial do NKVD, saíam lentamente do ramal da estação de Skirotava, com
destino ao leste, através de campos e florestas. Na antiga fronteira soviética, a
diferença de bitola provocou o atraso de um dia, enquanto os prisioneiros eram
transferidos para um trem soviético. Dois dias depois, quando o 8.° Exército
soviético entrou em grande desordem na capital da Letônia, Riga, pelo menos
mais seis trens carregados de prisioneiros partiam de Riga para Skirotava. No dia
27, com a Luftwaffe controlando os céus e o ruído dos canhões soando
claramente em Riga, outros trens-prisões saíram para Pskov 52.

Basta estender esse quadro do Báltico ao mar Negro, e teremos a idéia do


número de homens, trens e caminhões envolvidos nessas tarefas sangrentas e
não-militares, o desperdício incrível de potencial humano e material e o uso
indevido das comunicações. No conto de Soljenitsin “Um incidente na estação
de Kretchetova”, o tenente Zotov, segundo em comando em um entroncamento
ferroviário, logo atrás da linha de frente, assiste à passagem contínua para o leste
de trens carregados de “retournés — homens que haviam sido cercados tinham
se rendido aos alemães e, depois de recapturados pelas forças soviéticas, foram
mandados para os campos de detenção”. A carga típica era um trem com trinta
vagões repletos desses prisioneiros, guardados pelos “bonés azuis”, os homens
do NKVD.
Não seria exagero sugerir que a “guerra interna” do NKVD, nas primeiras
semanas da invasão, provocou um número de baixas entre o povo russo
comparável ao que foi sofrido pelo Exército Vermelho nesse mesmo tempo. E,
naturalmente, o exército alemão não capturou um décimo do número de
prisioneiros feitos pelo NKVD. OS massacres em massa eram resultado de uma
política central cuidadosamente estudada. Béria era o instigador imediato, mas
dificilmente teria agido sem a permissão de Stalin. Além disso, é significativo
notar que decisões importantes e complexas estavam sendo tomadas em relação
a esse problema, num momento em que Stalin não conseguia nem mesmo pensar
nas ordens que daria às suas tropas regulares em guerra.

Os massacres em Lvov e em outros lugares não foram reações improvisadas ao


ataque alemão, mas resultado de uma política soviética posta em prática desde
longa data. Em 1929, dois mil prisioneiros políticos (a maioria poloneses) foram
fuzilados nas ilhas Sotovetskie, no mar Branco, devido ao boato de que um
navio britânico estava a caminho da Rússia para libertá-los53. Aparentemente
isso confirma a suposição de que os massacres dos poloneses em Katin e em
outros lugares teriam sido provocados pelo temor da iminência da guerra, em
1940.

Os russos são frequentemente criticados pelos estrangeiros por sua suposta


docilidade em face à opressão, e quem já teve oportunidade de estudar a
literatura sobre o trabalho escravo soviético achará incrível que uma revolta em
massa dos escravos desarmados, famintos e debilitados pudesse ser considerada
viável, ou até mesmo uma ameaça à “herança de Lenin”. Porém, a despeito das
dificuldades e desvantagens óbvias, a ameaça implícita na existência de vinte
milhões de acerbos inimigos do poder soviético não deve ser descartada. Apesar
dos enormes recursos do Estado soviético, cuja raison d’être era, em grande
parte, a supressão contínua da população de escravos e proscritos, a revolta era
endêmica nos campos do GULAG. Em 1938, no campo Kamorov, os
prisioneiros recusaram-se a trabalhar enquanto a comida deteriorada não fosse
substituída por outra, e o motim foi dominado por pelotões de fuzilamento54.
Uma revolta dos letões em Kotlas, em 1941, embora dominada com facilidade e
com muito derramamento de sangue, provavelmente perturbou Stalin, por suas
implicações 55. Como observou um funcionário político do NKVD em Kolyma,
nessa época, “a contrarrevolução não está adormecida no campo” 56. Em 1942,
houve uma revolta muito mais séria em Ust-Usa, no complexo de Petchora. Os
prisioneiros vestiram os uniformes tirados dos homens do NKVD que haviam
trancado no banheiro, tomaram suas armas e começaram a incitar todo o campo
à revolta. Todos os rebeldes foram mortos, mas somente depois de luta
prolongada, na qual foram usados até aviões de combate 57.

Jamais houve a mínima esperança de uma revolta geral semelhante à da Roma


antiga. Os campos ficavam isolados nas regiões mais remotas; por exemplo, a
única via de acesso a Kolyma era por mar. Além disso, os prisioneiros estavam
tão debilitados fisicamente que não tinham forças para nenhuma atividade
contínua. Havia uma única esperança de libertação: o auxílio do exterior. Como
explicou um engenheiro de Iertsevo, “a guerra na Rússia é o único meio de
derrubar o sistema. . . O governo e o Partido não podem ser derrubados sem a
ajuda do exterior”.

Os prisioneiros de Vologda, em 1942, exprimem-se com maior clareza: “Quando


chegarão os alemães?”, perguntavam constantemente. A notícia da invasão
alemã provocara um frisson de esperança nos campos 58. Alguns anos depois,
essa esperança tornou a surgir; dessa vez, era a espera do exército de libertação
anglo-americano 59. No Ocidente, muitos são os que consideram essa eterna
inquietação dos trabalhadores e dos escravos russos inconveniente e
desagradável. Esses homens (e mulheres, e crianças) estavam agindo contra seu
governo, ergo, eram traidores, e podiam ser legitimamente espancados com
coronhas de rifles e cabos de picaretas até perderem os sentidos, sendo depois
devolvidos ao NKVD e eliminados. Um prisioneiro político em Vorkuta tem
outra opinião:

“Penso com horror e vergonha numa Europa dividida em duas partes pela linha
do Bug; de um lado, milhões de escravos soviéticos, rezando pela libertação, à
espera dos exércitos de Hitler; de outro, milhões de vítimas dos campos de
concentração alemães, à espera do Exército Vermelho como sua última
esperança” 60.

Fugitivos do GULAG, que vivem há muitos anos no Ocidente, afirmam que, na


primeira oportunidade, milhões de escravos russos se ergueriam para ajudar o
invasor estrangeiro61. Parece estranho o fato de os alemães não terem tentado
nada nesse sentido. Foi elaborado um plano para lançar paraquedistas,
“batalhões de russos especialmente treinados, comandados por alemães das SS
do Báltico, em vários campos de trabalho forçado nas regiões mais isoladas da
Rússia. Dominariam os guardas, e os prisioneiros, em alguns campos mais de
vinte mil, seriam libertados e conduzidos para áreas determinadas”. Chegaram a
fazer contato com o campo, mas o plano teve de ser abandonado em virtude de
uma alegação da Luftwaffe de que não tinha recursos suficientes 62. Os
escravos, mesmo armados, não poderiam prestar ajuda militar eficaz. Mas eram
homens desesperados, milhões deles, e poderiam ter provocado o caos e a
devastação, que compensaria a falta de valor militar. Grande parte da economia
russa que depende do trabalho escravo teria sido seriamente prejudicada63.
Acima de tudo, um levante desse tipo teria apavorado Stalin e seus sequazes
mais do que qualquer outra coisa. Convém notar que Hitler também usou
milhões de escravos russos, e tinha tanto medo de uma rebelião que, em 1942,
foram elaborados planos de emergência para conter essa ameaça (Operação
Walküre) 64. Contudo, os Aliados estranhamente não fizeram nenhuma tentativa
no sentido de conseguir a ajuda dos prisioneiros, nem dos milhões de homens
dos campos de concentração e extermínio dos nazistas 65.

A libertação dos escravos do GULAG não convinha a Hitler. Afinal, seu


objetivo era escravizar os russos, no que obteve sucesso absoluto, embora não do
modo que pretendia. Stalin acreditara que valia a pena ajudar o triunfo nazista,
pois seria um fator de aceleração na queda dos regimes parlamentares
capitalistas do Ocidente. A longo termo, talvez estivesse certo, embora à custa
dos russos e de outros povos dominados pelos soviéticos. Essa contingência não
o preocupava.

XV. Vitória de Pirro

No outono de 1941 Stalin e seus companheiros temiam que a Rússia soviética


tivesse a consistência de um castelo de cartas, sustentada apenas pelos laços do
NKVD, e que bastaria um empurrão qualquer para que desmoronasse, como a
Rússia imperial de 1917. Apelos da propaganda e diretrizes militares
incentivando os russos a levar a guerra ao território inimigo não eram simples
bazófias de ignorantes da situação, mas o pavor tremendo de que a população
estivesse apenas esperando a oportunidade para dar a mão ao inimigo 1. Na
verdade, houve revoltas em grande escala. Quarenta e oito horas depois da
invasão, nacionalistas ucranianos revoltaram-se, armados. Lituanos e tchecos
nem sequer esperaram pela chegada dos alemães para se revoltarem 2. Um
tremor percorreu o país e seu líder3. Se fosse possível colocar um manto sobre
alguns dos acontecimentos posteriores a outubro de 1941, sem dúvida somente
um historiador muito ousado poderia prognosticar, baseado apenas na realidade
política da Rússia, na época, a verdadeira ressurreição do governo soviético e a
sua vitória final. Observadores políticos e militares estrangeiros mostravam-se
pessimistas em suas avaliações, dando apenas algumas semanas para que a
resistência russa se transformasse em derrota total ou em um tratado de paz
humilhante, do “tipo do de Vichy” 4. Mesmo aqueles que, como o ex-
embaixador dos Estados Unidos em Moscou, Joseph E. Davies, acreditavam que
o exército russo “assombraria e surpreenderia o mundo”, provavelmente o
faziam mais por lealdade ideológica do que pela apreciação realista dos fatos —
e em alguns casos, por temer o que os alemães talvez descobrissem nos arquivos
do NKVD.

Qual o segredo da retomada da resistência russa e de sua completa recuperação?


Essa pergunta só pode ser respondida pelo historiador citando-se numerosos
fatores convergentes, e evitando-se o ponto de vista de que essa recuperação
teria sido inevitável ou um resultado das circunstâncias prevalecentes em junho
de 1941. Uma série de pesquisas de opinião, do tipo Gallup, na Rússia, teria
resultado pouco precisa; na ausência de qualquer coisa que se aproxime
remotamente dessa medida, temos de nos valer das tendências psicológicas,
militares e políticas que talvez possam lançar alguma luz sobre os fatos, por mais
precária que seja.

Em primeiro lugar, naturalmente, devemos considerar os inevitáveis


instrumentos bolchevistas de coerção. Stalin temia que os grilhões do NKVD se
afrouxassem, mas nem por isso deixou de continuar a apertar as tenazes ao
máximo. O controle exercido pelo NKVD e pela Smerch sobre as forças
armadas ia desde o uso generalizado de batalhões penais6 até a disposição de
batalhões do NKVD na linha de frente e a continuação dos expurgos nas fileiras
do exército7. A população civil “livre” e escrava era também sujeita à repressão
e ao policiamento crescentes 8. Soldados e civis que caíam nas mãos do inimigo
eram considerados traidores reais ou em potencial, e, na Crimeia e no Cáucaso,
nações inteiras, acusadas de simpatizarem com os alemães, foram dizimadas ou
deportadas 9.
Mas o chicote e a clava não eram suficientes para derrotar os nazistas. Isso os
russos tinham aprendido, de forma elementar e tardia, na guerra contra a
Finlândia, quando os antigos métodos mal conseguiram uma vitória duvidosa
sobre o pequeno adversário. Vichinski admitiu para o embaixador polonês que a
doutrina marxista não passava de disfarce para legitimar a máquina do
despotismo. Os primeiros apelos de Stalin ao povo soviético, durante a guerra,
revelam claramente que ele também reconhecia a disparidade entre a propaganda
e a realidade. No seu famoso discurso no rádio, em 3 de julho, dirigiu-se aos
ouvintes com um calor sem precedentes chamando-os de “irmãos e irmãs. . .
meus amigos!” A não ser por uma breve referência ao grande Lenin,
praticamente não fez nenhuma alusão ao dogma marxista ou à prática socialista.
Preferiu incitar seus concidadãos a se erguerem e “defenderem sua liberdade, sua
honra, seu país”. Nenhuma referência às vitórias do invencível Exército
Vermelho na Finlândia e na Polônia. Lembrou aos russos o fato de que seus
antepassados, que serviam nos exércitos dos czares, haviam triunfado sobre
Napoleão e o kaiser Guilherme. Falou muito em liberdade, independência,
liberdades democráticas, e lembrou que os povos corajosos da Europa eram seus
aliados. Winston Churchill, o homem que fizera todo o possível para destruir a
ninhada bolchevista no berço, recebeu de Stalin elogios maiores do que os
conferidos a Lenin.

Em 6 de novembro, enquanto esperava nervosamente o som dos bombardeiros


da Luftwaffe, o Pai dos Povos fez seu discurso comemorativo do vigésimo
quarto aniversário da revolução. Com evidente alívio, fez notar que a União
Soviética não tinha desmoronado sob os golpes do martelo alemão e que o povo
estava opondo uma frente sólida ao inimigo. Em meio a repetidas fanfarronadas,
afirmando que o exército alemão estava praticamente vencido, surgiam as
insinuações plangentes de que a segunda frente na Europa ocidental poderia
ainda salvar a situação. Com algum embaraço (lembrando-se da recente amizade
“cimentada com sangue”), queixou-se de que o nacional-socialismo nada tinha
de socialista. Não, na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos é que estavam as
“liberdades democráticas elementares, com seus sindicatos de trabalhadores,
partidos trabalhistas e Parlamentos” (o que teriam pensado Lenin e Trotsky
dessa confissão?). Seguiu-se então uma daquelas listas exortativas que, para
Stalin, passavam por lampejos de eloquência. Evocou os espíritos das grandes
figuras revolucionárias do passado russo, bem como os de Púchkin e
Tchaikóvski, de Glinka (compositor de Uma vida para o czar), do conde Liev
Tolstoy, e dos generais Luvorov e Kutuzov, que haviam conduzido os exércitos
do czar à vitória. “Viva a indestrutível amizade entre os povos da União
Soviética!”, terminou o tirano apavorado. No dia seguinte, na Praça Vermelha,
Stalin dirigiu-se em termos similares às cerradas fileiras de homens do NKVD
que guardavam a multidão ausente. Mais uma vez, falou brevemente sobre a
tradição revolucionária, concentrando-se na piedosa esperança de que o povo
russo pudesse se inspirar nas “imagens viris dos nossos grandes antepassados —
Aleksandr Niévski, Dmitri Donskoi, Kuzma Minin, Dmitri Pojarski, Aleksandr
Suvorov e Mikhail Kutuzov”; um grupo notável, sem dúvida, com três grãos-
duques e três príncipes! 10

Essa exaltação do passado, da Rússia imperial e dos benefícios legais e políticos


das instituições parlamentares do Ocidente sobressaltou os ouvintes de Stalin e
os milhões que leram os textos dos discursos no Pravda. O choque da derrota
militar levaria o governo a adotar uma política de reforma verdadeira? Já
acontecera antes na história russa, depois dos reveses da Crimeia e da guerra
contra o Japão. Roy Medvedev, cita, sem dar o nome, “uma pessoa bem-
informada que trabalhava no apparat do Partido nessa época”, segundo a qual
Stalin compôs o texto do discurso no apartamento de uma velha bolchevista,
Elena Stasova. A mulher, uma doutrinadora marxista, ficou horrorizada com as
alusões czaristas e com o tom geral não-marxista do discurso. Mas Stalin
mostrou-se obstinado, dizendo: “Jamais levaremos o povo à luta só com o
marxismo-leninismo”.

O realismo cínico sempre foi um traço marcante do caráter de Stalin. De modo


geral, vivia num mundo de ilusão, mas quando se tratava de uma emergência,
sabia distinguir os sonhos da realidade. Foram essas qualidades inatas de astúcia
e pragmatismo que atraíram Lenin e que permitiram que Stalin superasse em
astúcia o pouco prático Trotsky. Como seu servo Vichinski, sabia perfeitamente
que a cantilena do marxismo era uma capa eficaz para disfarçar a ditadura dos
tempos modernos e, se fosse necessário usar por algum tempo outra capa, para
conservar a “herança de Lenin”, nenhum governante russo hesitaria. Desde
1934, nota-se a tentativa de jogar a cartada do patriotismo 11. Agora chegara o
momento de persuadir os russos de que estavam lutando, não pela “herança de
Lenin”, da qual tinham recebido uma parte tão pequena, mas pela antiga e
histórica Rússia — até mesmo, se preferissem, pela Santa Rússia. Naquele
setembro angustiado de 1941, quando a Wehrmacht parecia levar tudo de roldão
à sua frente, Stalin confessou a Averell Harriman (embaixador dos Estados
Unidos em Moscou) que não tinha ilusões; o povo russo lutava, como sempre,
“por sua terra natal, não por nós”, isto é, o Partido Comunista.
Em quase todos os aspectos da vida soviética, as glórias históricas da Rússia
imperial e ortodoxa substituíram o socialismo internacional como o símbolo pelo
qual os russos deviam lutar e dar a vida. Retratos de Suvorov e de Kutuzov,
feitos especialmente na ocasião, substituíram os de Marx e Engels nas paredes
do escritório de Stalin 14. O alto comando do Exército Vermelho voltou a ser
chamado de Stavka, como no tempo do czar Nicolau II15. E houve outras voltas
ao passado: a restauração das academias militares (nos moldes das academias do
passado pré-revolucionário), dos regimentos de guardas e até as dragonas, que
tinham sido a marca por excelência do arrogante guarda branco, apareceram
novamente. As ordens de Lenin e a bandeira vermelha foram substituídas pelas
do (príncipe) Suvorov, (príncipe) Kutuzov e (grão-duque) Aleksandr Niévski16.
Podemos ter uma idéia da extensão das mudanças na reação dos russos
capturados pelos alemães em 1941 e 1942, antes da reintrodução das dragonas e
de outros símbolos arcaicos. Liberados pelos britânicos, ao verem os oficiais
russos responsáveis por sua repatriação gloriosamente uniformizados, pensaram
que se tratava de antigos oficiais czaristas que os conduziriam mais uma vez à
luta contra o inimigo vermelho 17.

A literatura soviética, a pintura, o teatro e o cinema exaltavam vários


governantes russos do passado, como Aleksandr Niévski e Pedro, o Grande. Foi
notável a apoteose feita por Eisenstein sobre Ivan, o Terrível, cujo caráter e
conduta muito se assemelhavam às do Líder 18. Naturalmente, essa reviravolta
na propaganda foi uma reação ao sentimento popular, e muitos dos sintomas de
patriotismo revivido nasceram espontaneamente entre o povo. Os soldados
cantavam músicas que não eram ouvidas desde 1917: Borodino, de Sermontov, e
a excitante Soldatuckki bravi rebiatuchki, acompanhados pelo eco das fileiras
em marcha 19.

Porém, foi na área religiosa que a Rússia sofreu a maior reviravolta. O


metropolita Serguei exortou todos os crentes a lutarem pela Santa Rússia. O
NKVD sabia que os instintos religiosos, profundamente enraizados no povo
russo, haviam sobrevivido às perseguições contra a Igreja, instigadas por Lenin e
levadas por Stalin a um clímax feroz. Agora, as igrejas se reabriam
gradualmente, os serviços religiosos eram realizados publicamente, os
seminários voltavam a funcionar e os jornais antirreligiosos eram fechados, sob a
alegação de que precisavam fazer “economia de papel”. Em setembro de 1943,
Stalin recebeu no Kremlin o metropolita Serguei e outros dignitários da Igreja, e,
alguns dias depois, Serguei foi sagrado patriarca de Moscou na catedral 20. Não
é preciso dizer que todo o processo não passava de uma farsa e confirmava o
fato de que a liderança do Partido há muito abandonara a fé na ideologia
marxista21. Enquanto uns poucos dignitários da Igreja eram libertados dos
campos de trabalho, no extremo norte milhares e milhares de outros crentes
morriam pela fé em Cristo ou em Maomé22.

O tambor do patriotismo que o Partido fazia vibrar apelava aos instintos mais
nacionalistas, mais profundos do povo, e provocou uma reação que surpreendeu
o próprio Stalin. Em dezembro de 1941, a frente de batalha estabilizou-se, e os
alemães foram detidos depois de sangrentas batalhas. O embaixador polonês,
que havia notado antes a apatia generalizada e a simpatia pelos alemães em todo
o país, observava agora “um crescente sentimento de força”. Os soldados russos
orgulhavam-se da sua resistência, e os feridos, nos hospitais de campanha,
pediam para voltar à linha de frente o mais breve possível (entre as centenas de
milhares de seus compatriotas espalhados por toda a Rússia, o dr. Kot estava na
posição mais privilegiada para avaliar a opinião russa)23. Durante a guerra
contra a Finlândia, havia se evidenciado um ressurgimento do espírito patriótico
e do orgulho marcial, e, agora que as capitais históricas da Rússia estavam
ameaçadas pelo inimigo, o velho espírito da luta reanimava-se novamente.
Então, quando o Exército Vermelho começou a obter seus próprios triunfos e
gloriosas honras de batalha, os homens sentiram o entusiasmo da vitória
próxima, a realização de um objetivo comum bravamente conquistado. Todas as
sórdidas frustrações, a miséria e a crueldade dos últimos vinte e cinco anos
pareciam se dissolver perante um único propósito: expulsar o inimigo arrogante
do solo russo que suas legiões haviam profanado. Repetia-se uma longa e
gloriosa história, os cavaleiros teutônicos, os tártaros, os poloneses, os suecos e
os franceses, todos haviam sonhado em hastear suas bandeiras no Kremlin e
todos tinham sido expulsos para o outro lado das fronteiras.

A própria vida militar criava um sentimento emancipado de liberdade e de


realização que contrastava com a insegurança, o medo e a falta de objetivo dos
últimos anos. Os soldados, a despeito das dificuldades, estavam, de modo geral,
mais bem-alimentados e vestidos do que os operários do tempo de paz. O
NKVD, a Smerch e os politruks do Partido exerciam controle absoluto sobre as
forças armadas, mas o prestígio da bravura em combate, a promoção, as
condecorações e a camaradagem entre os homens que compartilhavam do
mesmo perigo, tudo isso provocava um entusiasmo que lhes permitia erguer suas
aspirações muito acima das sombrias lembranças da outra Rússia. Acima de
tudo, o homem podia, pela primeira vez em vinte e cinco anos, desfrutar do
orgulho e do respeito próprio por suas realizações. A recompensa e o
reconhecimento, pela primeira vez, se baseavam no mérito real, e era impossível
não compartilhar do sentimento irracional, mas quase universal, de que um
mundo melhor surgiria no fim dessa luta sobre-humana. Como explicou um
jovem engenheiro a um intrigado prisioneiro alemão:

“Quando falo no nosso ideal, naturalmente não me refiro às tolices dos membros
do nosso Partido. Estou falando daquilo pelo que lutamos no nosso avanço do
Volga ao Elba. Ou pensa que derramamos nosso sangue e passamos fome para
defender as fazendas coletivas, Stalin, a Tcheka e os donos do Partido?
Naturalmente que não. Lutamos pela Rússia e pela perspectiva de uma nova
vida. Precisa compreender uma coisa: sobre as ruínas do velho mundo — e nada
sobrou, a não ser ruínas, mesmo onde a velha fachada ainda está de pé —, um
novo mundo começa a se erguer por toda parte e com ele um novo homem”.

Pobre desse novo homem — essas bravas palavras foram ditas num campo de
trabalho forçado, dez anos depois do fim da guerra24.

Esse ressurgimento do patriotismo foi uma reação ao perigo que ameaçava a


Rússia. Depois das primeiras esperanças de que os alemães iriam salvar a Rússia
do seu pesadelo de duas décadas e meia, veio a terrível desilusão. Apesar das
fortes pressões internas, na Wehrmacht e em toda parte, Hitler pretendia reduzir
a Rússia a uma população de escravos, dominada pelos alemães. Os exilados
russos, entre eles o grão-duque Vladimir, foram proibidos de publicar
propaganda de apelo ao povo russo; as aspirações nacionalistas nos países do
Báltico e na Ucrânia foram reprimidas com firmeza, e aos prisioneiros de guerra
russos foi aplicada uma política de brutalidade sistemática que conduzia ao
extermínio25. Em 22 de agosto de 1941, foram expedidas ordens para a
preservação das fazendas coletivas a fim de garantir a colheita 26. Quanto à mais
cruel das instituições, o GULAG, atraiu a atenção de Himmler como um
conveniente repositório para seus escravos27.

No discurso de 6 de novembro de 1941, Stalin descreveu textualmente a política


nazista de desumanidade deliberada, e logo depois, os mais céticos descrentes da
propaganda soviética ficaram a par dos atos de barbarismo praticados pelos
nazistas, atos de uma vilania sem igual, que não se comparavam nem mesmo aos
horrores perpetrados pelo NKVD. A selvageria alemã não teve a vantagem do
sigilo e da pseudolegalidade da brutalidade doméstica russa, e o ressentimento
cresceu proporcionalmente. Grande parte, sem dúvida, originou-se em um agudo
senso de traição. Uma onda de alívio atingiu grande parte do país à idéia da
libertação vinda da única fonte possível, uma invasão estrangeira. Agora, os
invasores estavam massacrando judeus, sequestrando ucranianos para trabalhar
nos campos escravos e nas fábricas da Alemanha e matando cruelmente milhares
de russos nos campos de prisioneiros de guerra. Talvez a Mãe Rússia pudesse
lhes dar uma boa lição, afinal de contas!

De modo geral, como compreenderam muitos alemães, a brutalidade nazista era


uma dádiva dos céus para Stalin e para o país do NKVD. Em maio de 1942,
russos antissoviéticos que trabalhavam com os alemães queixaram-se
amargamente de que os nazistas travavam uma batalha sem esperanças contra a
alardeada restauração das igrejas e outras aparentes reformas nacionalistas
realizadas por Stalin. Se os russos tivessem de escolher entre duas tiranias, iam
preferir a variedade já conhecida 29.

O uso da violência e da crueldade como instrumento de coerção era muito bem


compreendido por Stalin, e ele reconhecia francamente a mudança que havia
provocado na atitude popular para com a guerra. Em l.° de maio de 1942,
admitia:

“Houve uma mudança nas fileiras do Exército Vermelho. A complacência e a


frivolidade em relação ao inimigo, evidentes entre os homens nos primeiros
meses da guerra patriótica, desapareceram. As atrocidades, a pilhagem e a
violência perpetradas pelos invasores alemães fascistas contra a população
pacífica e os prisioneiros de guerra soviéticos curaram os soldados dessas
doenças. Nossos homens ficaram mais decididos e implacáveis. Aprenderam a
odiar realmente os invasores alemães fascistas. Compreendem que é impossível
derrotar o inimigo sem aprender a odiá-lo com todas as fibras da sua alma” 30.

Assim, ele os incitava a exterminar todos os alemães que estavam ainda em solo
russo — um tema adotado pelos propagandistas soviéticos em geral31.

Há indicações de que as crueldades nazistas não estavam sendo apenas


exploradas por Stalin, mas que na realidade eram provocadas por ele, como parte
da política soviética de evitar a confraternização dos alemães com o povo russo.
Supõe-se que o assunto tenha sido discutido no Kremlin, em 1940, e foi
acentuada a importância crucial de incentivar a desumanidade nazista para evitar
que os russos se passassem para o inimigo 32. Parece provável que tenham
executado um plano de provocação dessas atrocidades, em escala suficiente para
evitar a tão temida defecção de grande parte do povo para os alemães.
Em 14 de junho de 1941, no diário de guerra do l.° Grupo Blindado alemão, foi
anotado que “a guerra dos russos será desumana. Devemos esperar o uso de gás
e de bactérias” 33. Desde os primeiros dias da invasão, essa desumanidade
tornou-se evidente. Entre as pilhas de mortos massacrados em Lvov, no dia 30
de junho, foram encontrados corpos de pilotos da Luftwaffe uniformizados 34.
Naturalmente, é impossível distinguir entre causa e efeito quando se analisam as
crueldades da guerra na campanha do Oriente. Os alemães seguiam um
programa predeterminado de selvageria sem precedentes 35, enquanto o Exército
Vermelho, por seu lado, jamais se destacou por atitudes cavalheirescas na
guerra. As provas dos massacres efetuados pelo NKVD em Lvov, Vinnitsa,
Katin e outros lugares, confirmaram a opinião dos alemães de que a Rússia
bolchevista era um país irremediavelmente selvagem e atrasado.

Entretanto, é possível destacar um aspecto dessa guerra mais cruel do que


qualquer outro. Stalin esforçou-se ao máximo para provocar a crueldade dos
nazistas, e, mais tarde, o extermínio dos prisioneiros de guerra russos. Ele
recusou terminantemente permissão para que fosse aplicada a eles a Convenção
de Genebra, ignorou as tentativas da Cruz Vermelha para intervir em favor dos
russos e até declinou a oferta da Grã-Bretanha de enviar agasalhos. Stalin estava
perfeitamente a par da mortalidade espantosa resultante dessa política, e referia-
se a ela constantemente nos seus discursos, para provar a crueldade nazista.
Portanto, é evidente que a morte de mais de três milhões de russos aprisionados
pelos alemães foi resultado de um plano deliberado dos soviéticos, com o
objetivo de provocar o extermínio de homens automaticamente considerados
como traidores em potencial, provocando, ao mesmo tempo, a ira do povo contra
os criminosos 36.

Não há dúvida de que a resistência russa à invasão alemã solidificou-se no fim


de 1941, transformando-se em forte determinação patriótica de obter a vitória.
Vários fatores convergentes determinaram essa revolução na opinião pública, a
qual, nas primeiras semanas da invasão, se contentara em aceitar passivamente a
derrubada do poder soviético 37. As habilidosas medidas de propaganda
utilizadas por Stalin despertaram os sentimentos patrióticos há muito
adormecidos, acendendo a ira contra as atrocidades alemãs e estimulando o
amor-próprio dos militares, primeiro com o sucesso da resistência, e depois com
as vitórias contínuas. Além disso, houve o benefício físico e moral da ajuda dos
ingleses e americanos, lembrando constantemente que a Rússia não era mais um
país proscrito, mas uma das Nações Unidas dedicada à derrubada do fascismo e
ao triunfo dos princípios de liberdade contidos na Carta do Atlântico38. A
despeito da série de tremendos erros estratégicos 39, Stalin percebeu afinal a
vantagem de rejeitar a doutrina de Timotchenko de ataques em massa40, e
providenciou a promoção de alguns generais que eram na verdade muito
eficientes41. Embora oficiais muito bons continuassem a definhar nos campos
escravos, outros foram libertados e voltaram à ativa.

Dada a estabilização da frente de batalha e a crueldade do inimigo, não é de


admirar que muitos soldados, não importa quais fossem seus sentimentos antes
da guerra, se dedicassem completamente à tarefa de derrotar o invasor. Afinal,
oferecia-se um curso de ação honroso, que exigia todas as energias físicas e
mentais como nunca antes, e que parecia, se tivessem sucesso, prometer coisas
melhores. Nada havia de político nessa atitude, e seria um engano considerá-la
um apoio mais extenso ao regime. A segurança de um exército depende da
hierarquia ascendente das lealdades, e nenhum soldado pode lutar eficazmente se
não aceitar a legitimidade daquilo que defende. A luta heroica do Exército
Vermelho e do povo russo na Segunda Guerra Mundial é frequentemente
interpretada como prova da força e até mesmo da virtude do governo soviético.
A idéia é absurda. O esforço de guerra russo não foi nem mais nem menos
admirável do que o dos alemães em 1944-45. Esses dois povos lutaram com
incrível bravura e tenacidade, especialmente porque não tinham escolha.
Aceitaram suas perniciosas autoridades governamentais e seus sistemas políticos
porque aquela não era a ocasião nem a oportunidade para sequer pensar em agir
de outro modo. Seus pensamentos estavam totalmente ocupados com a tarefa
que tinham nas mãos43. Finalmente, convém notar que milhares de soldados
russos, que serviam no exército alemão, lutaram tão bravamente contra Stalin
como seus ex-camaradas do Exército Vermelho lutaram por ele. Como disse um
oficial do Exército Vermelho:

“Perseguia-me a idéia dos gladiadores. Foram necessários muitos anos para que
se cristalizasse em minha mente, e ainda agora acho difícil exprimi-la com
palavras. É mais ou menos isto: todos nós, homens e mulheres soviéticos,
éramos dominados, não pela noção do dever, não por nossa vontade ou desejo,
mas por uma inexorável compulsão. Assim como a compulsão externa e não o
amor pela arena colocava o gladiador romano na luta desigual, uma compulsão
férrea decidia a sorte de um homem no campo de concentração — o destino de
um brilhante general soviético —, e com a mesma desumanidade. Cada um de
nós fazia algo que não podia deixar de fazer. Uma força invisível determinou
que fôssemos os gladiadores do século XX, e nos tornamos gladiadores” 44.
Aleksandr Gorbatov é o melhor exemplo do general soviético, pois serviu com
distinção durante toda a guerra. Conhecia a pior parte do sistema, pois fora
prisioneiro em Kolyma, ficou horrorizado e atônito com os expurgos, mas
aceitou a autoridade e a legitimidade da liderança do Partido45. Porém, havia
servido com igual bravura e obediência total no exército de Nicolau II46, e sem
dúvida teria cumprido seu dever sob qualquer governo que tivesse autoridade na
Rússia. O juramento e a cadeia de comando constituem a política de um soldado,
até que o próprio sistema desmorone. Só então, todos esses inúmeros elos se
dissolvem e o homem pode ver o sistema como realmente é.

Em janeiro de 1942, um repórter de um jornal francês teve permissão para visitar


a frente ocidental de Moscou. Em Volokalamsk, conheceu o comandante do 20°
Exército, que liderava a ponta-de-lança do maciço contra-ataque de Zukhov
contra o 9.° e o 3.° exércitos de blindados dos alemães 47. O general tinha
apenas quarenta anos, era alto, forte, ativo e estava vestido com simplicidade.
Mostrou ao visitante pilhas de troféus tomados aos alemães, e explicou a tática
usada para fazer o inimigo recuar vinte e nove quilômetros. Falando com grande
segurança profissional, afirmou que o moral e a força dos alemães estavam
enfraquecidos e que a Wehrmacht “é agora um animal ferido — mas muito forte
ainda”. Acentuou vigorosamente a necessidade da abertura de uma segunda
frente para aliviar a pressão sobre o Exército Vermelho, mas confiava
tranquilamente no sucesso. Citou várias vezes o nome de Stalin, como se o
homem do Kremlin fosse seu comandante-em-chefe, seu superior direto, e
concluiu resmungando: “Precisamos aniquilar o inimigo. . . Todos, todos devem
combater os fascistas. . . Meu sangue pertence à minha Mãe Pátria”. O repórter
partiu sentindo que “ali estava um homem que fazia a guerra com algo mais do
que determinação, algo mais do que coragem: ele fazia a guerra com paixão” 48.

Contudo, quem pode adivinhar os pensamentos secretos de um homem? Seis


meses depois, o general Andrei Vlassov caiu prisioneiro dos alemães, quando
suas forças foram cercadas, devido a um erro de Stalin na tática ofensiva. Poucas
semanas depois de sua captura, ele estava percorrendo os campos de prisioneiros
na Alemanha, incitando os russos a se unirem à cruzada antibolchevista e a
lutarem contra o grande mal do stalinismo. Como duvidar que, se não fosse sua
captura, Vlassov teria continuado a servir no Exército Vermelho com a mesma
devoção do general Gorbatov? Assim também, quantos Gorbatovs teriam se
voltado contra Stalin se lhes fosse oferecida uma escolha real?

Em 1945, a confusão da guerra talvez tenha momentaneamente conduzido os


ressentimentos para os profundos recessos da consciência dos homens, mas
Stalin não ia se arriscar. Sem dúvida, a vitória ia provocar uma perigosa euforia.
E nesse momento os russos esperariam a recompensa por todo aquele sacrifício.
Os anos de guerra reforçaram tanto a confiança quanto os temores de Stalin. Por
um lado, houvera a vitória totalmente inesperada sobre os alemães e a
transformação da URSS, de um país oriental atrasado, cujos exércitos mal
tinham conseguido enfrentar os finlandeses, em uma das duas potências militares
que dominavam o mundo. Por outro lado, havia a crescente autoconfiança do
Homem Soviético (especialmente o Homem do Exército Vermelho), que sem
dúvida estava infectado pelo contato com a prosperidade e as idéias liberais do
Ocidente, na sua convivência com os povos da Europa ocidental e os Aliados.
Todas as promessas e concessões feitas apressadamente nos mais sombrios dias
de perigo deviam ser agora retiradas com cuidado. Os piores temores de Stalin
haviam se confirmado quando mais de um milhão de russos se ofereceram para
ajudar os alemães, e milhares de soldados e guerrilheiros nacionalistas
antissoviéticos, nos países do Báltico, na Bielo-Rússia, na Ucrânia, na Crimeia e
no Cáucaso, empunharam armas contra o Estado soviético. Durante anos, depois
da guerra, os ucranianos de Bandera e os guerrilheiros do Báltico lutaram na
floresta — forças que Stalin acreditava ter eliminado para sempre. As ordens
recebidas pelos soldados do Exército Vermelho ao reentrarem na Ucrânia
oriental, em janeiro de 1944, eram ordens para a entrada num país estrangeiro
hostil. Ninguém podia sair sozinho do acampamento, nem viajar desarmado;
armas, acampamentos e unidades deviam ser guardados cuidadosamente; “é
estritamente proibido aceitar bebida alcoólica da população civil”, e todos os
novos recrutas deviam ser examinados para evitar que o onipresente OUN
(Movimento Nacionalista Ucraniano) se infiltrasse nas fileiras50.

Talvez o maior temor fosse de que os exércitos soviéticos, milhões de homens


que tinham avançado nas asas da glória até o coração da velha Europa, ficassem
desagradavelmente infectados. Durante as duas décadas e meia de governo, os
líderes soviéticos demonstraram constantemente um grande temor do efeito que
o “estrangeiro” podia ter sobre seus súditos que, apesar da lavagem cerebral,
eram ainda sensíveis a certas influências. As fronteiras foram minadas e aradas
para revelar pegadas, e guardadas por batalhões da cavalaria e infantaria do
NKVD, enquanto punições de incrível ferocidade — que culminaram com a lei
de 1934, que impunha terríveis represálias contra os parentes dos fugitivos —
ameaçavam os poucos cidadãos que tinham coragem suficiente para tentar a
fuga. Durante a guerra, era considerado crime de morte entrar em contato com
representantes diplomáticos ou militares aliados, cuja presença no país Stalin era
obrigado a admitir, embora o fizesse com grandes restrições. As embaixadas e
missões militares eram tratadas como lazaretos medievais, dos quais poucos
ousavam se aproximar.

Mas agora, com a invasão da Polônia, dos Bálcãs e da Alemanha, milhões de


cidadãos soviéticos estavam visitando o temido "estrangeiro”. Pela primeira vez,
podiam comparar as condições no seu país com as dos povos que viviam nas
terras capitalistas ou semifeudais do Ocidente. A economia certamente
perturbaria aqueles que não conseguiam compreender as explicações engenhosas
do politruks sobre as discrepâncias. O método escolhido por Stalin para resolver
esse problema foi simples e direto. O Exército Vermelho, que jamais tivera fama
de cavalheirismo no Velho Mundo, foi encorajado a se comportar, nos territórios
ocupados, de modo bárbaro, primeiro, destruindo ou pilhando tanto quanto
possível as provas terríveis dos confortos capitalistas, e segundo, criando um
abismo intransponível entre os conquistadores e suas vítimas.

Não faziam distinção entre os países “liberados”, que haviam lutado pelos
Aliados ou pelo Eixo. Na Polônia, conta um ex-oficial do NKVD, “ser polonês
era praticamente motivo suficiente para ser suspeito”. Na prisão de Lvov,
cenário do terrível massacre de junho de 1941, voltaram as câmaras de tortura.
Milhares foram conduzidos para a Sibéria, trilhando o caminho sombrio e
coberto de cadáveres 51. Em 1942, um oficial do NKVD disse a um general
polonês: "Vamos precisar de vinte anos para apagar a impressão da sua
passagem pelo nosso país”52. Com a entrada das tropas soviéticas na Polônia, o
problema tornou-se cem vezes maior, e a solução exigiu medidas drásticas. Os
países bálticos, novamente ocupados, sofreram seu terceiro grande expurgo em
cinco anos. Estima-se que mais de meio milhão de habitantes tenha sido
removido, de uma população já desfalcada, no ano da vitória. Sempre
acompanhados por cenas de crueldade gratuita e repugnante53.

Durante o ano de 1944, os exércitos soviéticos avançaram além dos territórios


concedidos por Hitler em 1939, no sudeste e no centro da Europa. Em 23 de
agosto, a Romênia capitulou depois do coup d’état pró-aliado liderado pelo
jovem rei Miguel. Apesar de o exército romeno estar lutando pelos Aliados, seu
país foi tratado como terra conquistada. Cerca de trezentos e vinte mil soldados
romenos foram feitos prisioneiros (cerca de cento e trinta mil capturados, depois
da cessação das hostilidades). Isso fora os cem mil que tinham sido recrutados
no exército húngaro. Desse total de quatrocentos e vinte mil, menos da metade
(cento e noventa mil) voltou para casa. Em fevereiro de 1945, as autoridades
soviéticas admitiram que cinquenta mil haviam morrido por causas
desconhecidas. Os restantes cento e oitenta mil haviam sido tragados pelo
faminto GULAG. A eles se juntaram um quarto de milhão de civis, aprisionados
por motivos raciais (por exemplo, origem alemã) ou por “falibilidade política”.
Poucos devem ter sobrevivido, em vista do fato de que em um único campo mais
de cinquenta por cento dos prisioneiros morreram no primeiro ano. Os romenos
que ficaram em seu país nem sempre tiveram melhor sorte. Cerca de cem mil
foram mantidos em prisões ou campos. Fora das prisões, a população “livre” foi
submetida a tantas privações que foram frequentes os casos de canibalismo no
país devastado54.

Chegou então a vez da Hungria. Cerca de seiscentas mil pessoas foram


sequestradas pelo NKVD e desapareceram no leste. Entre elas estavam muitos
prisioneiros “liberados” de Auschwitz, Buchenwald e Ravensbrück, e quase toda
a população húngara da Rutênia, cuja província devia ser anexada, em nome e de
fato, às outras Repúblicas livres da URSS 55 As atividades do NKVD foram
conduzidas com a mesma severidade na Checoslováquia, embora em menor
escala. Passaram-se três anos antes que o país fosse completamente
bolchevizado e desaparecesse nas trevas 56.

Todo esse catálogo de violação, pilhagem, assassinato e escravidão naturalmente


deve ser atribuído em grande parte ao barbarismo do Exército Vermelho, que
adquiria a maior parte dos seus suprimentos diários “às custas do inimigo ou das
populações locais. . . Estávamos assistindo à volta dos métodos administrativos
de Atila e de Genghis Khan”, como observou uma testemunha ocular
simpatizante57. Mas na Iugoslávia ficou claro que a alta política também tinha
um papel importante nesses métodos. Os soviéticos ocuparam somente o canto
nordeste do país, e de qualquer modo queriam provocar boa impressão no único
país da Europa que provavelmente estava disposto a cair nos seus braços. Ainda
assim, foram registrados mil duzentos e quatro casos de pilhagem com assalto, e
cento e vinte e um casos de estupro — cento e onze dos quais envolvendo um
assassinato, combinação aparentemente muito do agrado do Homem
Soviético58. Quando um líder guerrilheiro iugoslavo, aproveitando uma
oportunidade, queixou-se a Stalin, o Líder jovial explicou que o Exército
Vermelho, no qual havia um grande número de criminosos, tinha merecido esses
prazeres. Contou então com orgulho um incidente no qual dera proteção a um
major que violentara uma mulher e assassinara um companheiro oficial que o
censurara por isso 59.
Foi no avanço final sobre a Alemanha que Stalin mostrou seu jogo abertamente.
O ódio pela Alemanha e por tudo o que fosse alemão era compreensível, depois
de tudo o que a Rússia tinha sofrido, mesmo que o barbarismo dos dois lados
tivesse sido igual. Para Ilia Ehrenburg, o Streicher soviético, o ódio racial
tornou-se uma mania obsessiva e feroz. No seu livro muito vendido, Voiná
(Guerra), publicado em 1943, suas palavras são um brado sádico e frenético de
regozijo:

Não falaremos mais. Não nos excitaremos. Nós mataremos. Se ainda não matou
pelo menos um alemão por dia, perdeu seu dia. . . Se matar um alemão, mate
outro — nada há mais engraçado para nós do que uma pilha de cadáveres de
alemães. Não conte os dias, não conte as verstas. Conte apenas o número de
alemães que você matou. . . Não erre. Não se deixe enganar. Mate”.

Essa passagem e muitas outras iguais foram impressas em folhetos que serviam
de guia às tropas soviéticas que entraram na Prússia Oriental. O que se seguiu foi
a realização das mais escabrosas fantasias de Ehrenburg. Rara foi a mulher
prussiana, desde avós até crianças de quatro anos, que não foi violentada a leste
do Elba. Um oficial russo conheceu uma moça que fora violentada pelo menos
por duzentos e cinquenta homens, numa semana. O ato sexual normal talvez
satisfizesse a alguns dos conquistadores, mas geralmente precisavam de mais do
que isso para refinar o prazer. Depois, alguns deles feriam a mulher no seio ou
no abdome com uma adaga sem corte, feita de plástico, ou introduziam um
telefone ou uma garrafa quebrada na sua vagina. As crianças eram os alvos
preferidos para exercício de tiro (“deixe que matem os Fritz na excitação do
momento, até se cansarem da brincadeira”). Era sempre divertido violentar,
abusar e mutilar crianças dos dois sexos na frente dos pais ... eles podiam ser
eliminados mais tarde; afinal, já não tinham razão para viver. Não era nem
mesmo preciso verificar se eram alemães; tudo era feito “na excitação do
momento”. Uma moça russa, sequestrada pelos nazistas, passava de bicicleta por
uma rua. Era extremamente atraente, atraente demais para passar despercebida...
“Ei, sua cadela!”, gritou um homem do Exército Vermelho, empunhando a
metralhadora e atirando nas costas da moça. Ela levou uma hora para morrer,
dizendo: “Por quê?”

Em Nemmersdorf, na Prússia Oriental, uma das primeiras cidadezinhas alemãs


capturadas, o Exército Vermelho encenou o seu Katin. Quarenta e oito horas
mais tarde, a Wehrmacht recapturou Nemmersdorf, e descobriu o que os
libertadores do leste traziam com eles. Testemunhas oculares nos dão uma idéia
do que aconteceu, embora seja difícil imaginar. Os camponeses tinham sido
pregados com pregos às portas dos celeiros, torturados ou fuzilados. Cinquenta
prisioneiros de guerra franceses foram massacrados imediatamente. Um médico
militar ... viu o lugar onde uma longa coluna de refugiados tinha sido amassada
pelos tanques russos; não só os carros e os animais, mas também um grande
número de civis, a maioria mulheres e crianças, tinham sido completamente
esmagados pelos tanques. . . Uma velha estava sentada na beira da calçada,
morta com uma bala na nuca. Logo adiante estava o corpo de uma criança de
poucos meses, morta por um tiro à queima-roupa na testa. . . Vários homens,
sem outras marcas de ferimentos mortais, tinham sido assassinados com golpes
de coronhas ou cabos de enxadas; seus rostos estavam completamente
esfacelados. Um homem estava pregado à porta do celeiro”.

Quase nenhum habitante, homem, mulher ou criança, sobrevivera à presença dos


soviéticos 60. Centenas de milhares de pessoas indefesas foram mortas, outro
tanto deportado para campos de trabalho escravo61, e milhões foram afastados
para sempre de seus lares.

Alguns oficiais e soldados do Exército Vermelho ficaram chocados e


envergonhados com essa prova inegável da natureza bestial dos seus
companheiros. Afinal, quando o exército da Rússia imperial derrotou o leste da
Prússia em 1914, houve dois casos de estupro registrados e alguns danos a
árvores frutíferas62. Mas os protestos de nada adiantavam. Um oficial que
tentou evitar crimes individuais foi acusado de humanismo burguês e expulso do
Partido63. Era evidente que a destruição da vida humana na Alemanha ocupada
era um assunto de alta política. Quando Stalin recebeu relatórios sobre a
devastação provocada pelos canhões dos tanques soviéticos entre os civis
refugiados, homens, mulheres e crianças, disse, bem-humorado: “Nós
censuramos demais os novos soldados; deixem que tomem alguma iniciativa!”64
Finalmente, o marechal Koniev deu ordens para que fosse restaurada a ordem,
mas só depois que o trabalho grosso estava quase terminado e quando a
indisciplina começava a pôr em perigo a eficiência militar.

Os objetivos dessa selvageria autorizada eram muitos. Era necessário acovardar


as populações conquistadas até a submissão total. Milhões de pessoas foram
assassinadas, aprisionadas ou levadas para o GULAG. A Europa oriental foi
pilhada, e sua civilização voltou a milhares de anos atrás65. Esta foi a era
prevista por um proeminente teórico militar soviético, a era em que a Rússia
soviética “lançaria sobre os opressores uma massa tão compacta como o mundo
vira apenas na época das grandes invasões, como no tempo de Atila e Alarico,
quando as legiões romanas foram destroçadas por milhões de ‘bárbaros’ ”66.
Talvez o Exército Vermelho precisasse desse exercício de assassinar e violentar
como válvula de escape para seu sacrifício sem precedentes na conquista da
vitória.

O mais importante era a necessidade de unir o exército à liderança política com


elos de crime e de culpa — uma consideração que também se aplica ao aumento
do barbarismo do Reich de Hitler, quando estava perto do fim 67. A conquista de
1945 conduziu para o interior do poder soviético, pela primeira vez, nações
como a Polônia, a Hungria e a Alemanha oriental. Eram nações que possuíam
espírito marcial e orgulho nacional célebres na história. Stalin confessou certa
vez que tinha grande respeito pelas “nações que tinham sido dirigidas no passado
por poderosos aristocratas, como a Hungria e a Polônia”. Acreditava que isso
fazia delas “nações fortes”, com vigor racial68. Quanto aos alemães, seu respeito
chegava a ser quase veneração pela sua unidade indomável, força e coragem. Em
retrospecto, parece extraordinário o temor de Stalin de que a Alemanha
conquistada se erguesse novamente, dadas as técnicas modernas de manter as
populações sob controle. Mas o ressurgimento da Alemanha, depois de 1918,
estava no pensamento de muitos em 1945, por mais diferentes que fossem as
circunstâncias. A sugestão feita por Stalin a Roosevelt depois da guerra, de que
cinquenta mil oficiais e técnicos alemães fossem fuzilados, revela seu modo de
pensar, assim como o massacre dos oficiais poloneses em 1940. Acima de tudo,
Stalin era essencialmente um tirano inseguro, como revela a necessidade que
tinha de que os resultados das eleições fossem 99,98 por cento a seu favor e de
que estivesse sempre cercado por uma adulação universal, por mais ridículo que
possa parecer. Possivelmente, isso era resultado de um sentimento de
inferioridade pessoal, confirmado pelo espantoso colapso do império do czar da
noite para o dia.

Stalin sempre tremia ao imaginar a possibilidade de revoluções nas cidades69.


Os acontecimentos de 1944-45 em nada contribuíram para diminuir esse temor.
O exército nacionalista do país havia se revoltado em Varsóvia, e lutou durante
dois meses contra as melhores unidades que a Wehrmacht e as SS puderam
lançar contra ele. Uma indicação sinistra de perigo adicional era a presença nos
céus de Varsóvia de bombardeiros americanos, que lançavam armamentos para
os poloneses, apesar da desaprovação dos soviéticos 70. Um mês depois do
colapso da resistência polonesa em Varsóvia, Stalin ordenou que seus exércitos
tomassem Budapeste “literalmente em uma questão de dias”, baseado em
informações do serviço secreto de que o exército húngaro estava totalmente
desmoralizado. Em 29 de outubro de 1944 foi desfechado o ataque, mas os
defensores húngaros e alemães lutaram com inesperada tenacidade, e a cidade
conteve as linhas soviéticas até 13 de fevereiro de 1945 71. Praga caiu nas mãos
dos soviéticos sem luta, mas em circunstâncias potencialmente mais alarmantes
do que as de Varsóvia e de Budapeste. Os historiógrafos soviéticos afirmam que
a capital tcheca foi liberada em 9 de maio de 1945, por unidades do l.° Exército
da Frente Ucraniana 72. Na verdade, a cidade foi salva da devastação nas mãos
dos alemães pela intervenção de milhares de soldados russos do "Exército de
Liberação” antissoviético do general Vlassov. Os tanques do general Patton
também avançaram até as vizinhanças da cidade, combinação que sem dúvida
tinha um significado sinistro para a mente desconfiada de Stalin 73.

É característico da perspectiva geral de Stalin o fato de as conquistas europeias


terem criado tantos temores novos quanto os que ela acalmou. A segurança
interna continuou a ser sua maior prioridade, e o NKVD tinha agora duas novas
nações, belicosas e hostis, para controlar. Grande parte do Exército Vermelho
estava posicionado fora das fronteiras da União Soviética, exposto, portanto, a
influências estrangeiras subversivas, pela primeira vez na história dos soviéticos.
Agora um rio de sangue separava os conquistadores dos povos conquistados.
Especialmente na Alemanha, havia motivos para temer um ressurgimento do
espírito nacional. Como admitiu o próprio Stalin: “Podemos esperar que a
Alemanha comece outra guerra dentro de vinte e cinco anos”. Naturalmente,
seriam usados todos os meios costumeiros para converter os alemães ao
comunismo, mas “comunismo para o alemão é o mesmo que uma sela nas costas
de uma vaca” 74. Portanto, os comunistas alemães eram tratados com desprezo
mal disfarçado pelos seus senhores, apesar de sua excessiva subserviência 7S. O
controle do NKVD e da Smerch sobre o Exército Vermelho, nos territórios
ocupados, era total, mas ainda assim eram necessárias precauções
extraordinárias para evitar qualquer confraternização com a população local76.

A principal razão para a solidariedade russa no tempo de guerra era o sentimento


generalizado, não confirmado para os russos, de que algo melhor resultaria de
todo aquele sofrimento. Porém, por um trágico paradoxo, foi precisamente essa
reação emocional que contribuiu para que nenhuma melhoria fosse efetuada. Era
clara a indicação da existência de um espírito perigoso de euforia pós-guerra que
pairava no ar, combinado com esperanças de que a vida se tornasse mais fácil na
URSS e que o país abandonasse a atitude de permanente antagonismo para com
o resto do mundo. Em 14 de outubro de 1944, Winston Churchill assistiu a um
espetáculo no Teatro Bolshoi, e no fim recebeu uma ovação da assistência, de
pé, que durou quinze minutos 77. Mais amedrontadores foram os fatos ocorridos
em Moscou, quando a capital celebrava a vitória na Europa. Em 9 de maio de
1945, cenas extraordinárias tiveram lugar, sem precedentes desde a revolução.
Milhares e milhares de moscovitas, reunidos na praça da embaixada dos Estados
Unidos, começaram a aplaudir todo e qualquer sinal de vida americano. Gritos
entusiasmados saudavam a bandeira americana, e todo americano que a multidão
conseguia alcançar era levantado do chão e passado alegremente sobre as
cabeças do povo. O dia estava frio, mas durante mais de doze horas, noite
adentro, milhares de moscovitas continuaram sua alegre vigília do lado de fora
da embaixada. Logo se tornaram evidentes os sinais de embaraço oficial. A
polícia tentou dispersar a multidão, e uma banda foi para a praça para rivalizar
com a embaixada na atenção do povo. Mas todos os esforços foram vãos, e a
multidão não se dispersou enquanto seu entusiasmo não foi esgotado
temporariamente. Cenas semelhantes ocorreram durante a visita de Eisenhower
em agosto. A imprensa soviética anunciara a visita muito discretamente, porém
ele foi aplaudido e acompanhado por toda parte pela admiração dos russos 78.

Tudo isso foi um contraste marcante com a parada da vitória de Stalin, em junho.
Nunca, nem mesmo em Moscou, haviam sido tomadas tantas e tão elaboradas
precauções contra qualquer imprevisto. A cidade estava repleta de patrulhas do
NKVD.

“Para chegar ao centro de Moscou, tinha-se de passar por várias zonas com
cordões de isolamento. A primeira estava a cargo dos soldados das Tropas
Internas do NKVD, a seguinte, dos oficiais da Tcheka. Quanto mais perto se
chegava do Kremlin e do Mausoléu de Lenin, mais alta era a patente dos oficiais
que controlavam o cordão. Na frente da tribuna dos convidados, os oficiais da
Administração Operacional Principal do NKGB perfilavam-se, ombro a ombro,
numa fileira ininterrupta. Uma segunda linha de oficiais da mesma
administração, nenhum com patente abaixo de major, estendia-se por todo o
comprimento da fachada do mausoléu. Atrás e aos lados do mausoléu,
montavam guarda oficiais do Grupo Especial Operacional, que formava a guarda
pessoal de Stalin.”

Os tchekistas em trajes civis misturavam-se em grande número aos dignitários e


aliados visitantes, nas tribunas 79. Uma brisa fresca tinha momentaneamente
amenizado a atmosfera abafada, e Stalin não estava disposto a correr riscos.
Como observou um oficial do Exército Vermelho na manhã de 9 de maio:
“O que esperávamos? O passado não voltaria e os mortos não iam viver
novamente. Talvez estivéssemos satisfeitos por voltarmos à existência pacífica
dos anos anteriores à guerra, mas julgo tal coisa improvável. Nossa imensa
alegria originava-se no fato de que estávamos na fronteira, uma fronteira que
marcava o fim do mais tenebroso período de nossas vidas, e o começo de um
novo período, ainda desconhecido. E cada um de nós esperava que esse novo
período cumprisse a promessa do arco-íris depois da tempestade, que fosse
brilhante, ensolarado, feliz. Se nos tivessem perguntado o que realmente
esperávamos, a maioria teria resumido nosso sentimento comum da seguinte
forma: ‘Ao diabo com tudo o que existia antes da guerra!’ E cada um de nós
sabia exatamente o que tinha existido antes da guerra” 80.

Ninguém estava mais consciente dessa disposição do que Stalin, e ele sentia um
frio no coração 81. A aliança com os anglo-americanos havia disseminado a
infecção tão temida no coração dos seus domínios. Foram tomadas novas e
violentas medidas de precaução para inclinar a Rússia para a segura atmosfera da
década de 30. O NKVD lançou uma campanha de preparação do povo para a
guerra iminente contra os britânicos e americanos (“A verdadeira guerra, para
destruir o mundo capitalista, estava apenas começando”82). Medidas mais
severas e mais diretas advertiam os cidadãos soviéticos, em todas as camadas da
população, sobre quem era o senhor da URSS. Um golpe militar, seguindo o
precedente bonapartista, parecia a contingência mais provável, e foram tomadas
medidas para desacreditar o marechal Jukov83. No quartel-general da Smerch
em Baden-bei-Wien, foi iniciada uma colossal operação de seleção para
descobrir soldados e oficiais com conexões de classe “pouco dignas de
confiança”, enquanto, a nível mais alto, a comissão da Smerch em Moscou
decidia a sorte dos generais e marechais. Milhares de soldados de todas as
patentes foram desmobilizados e, enquanto alguns voltaram para casa, outros
foram enviados para a Ásia central, para os campos de trabalho forçado 84.
Expurgos semelhantes varreram todos os níveis da vida soviética. Qualquer
pessoa que, de um modo ou de outro, tivesse estado fora das fronteiras da União
Soviética, ou que tivesse estado em contato com estrangeiros ou com costumes
estrangeiros, era considerada suspeita. Milhões de ex-prisioneiros de guerra e
trabalhadores escravos que trabalharam na Alemanha foram consignados para
uma vida muito mais cruel nos campos da Sibéria, enquanto dentro do próprio
GULAG novas medidas de precaução foram postas em prática para acovardar os
escravos 85.

Tudo isso indica a extensão do medo de Stalin de que idéias estranhas de


liberdade pessoal e política pudessem ser levadas da Europa para a Rússia pelos
soldados, prisioneiros, escravos e refugiados. Situação semelhante existira
depois das Guerras Napoleônicas, quando os oficiais russos levaram para a
Rússia idéias embriagadoras da Revolução Francesa e do Zeitgeist napoleônico.
Essa infecção culminou dez anos depois, na tentativa decembrista de derrubar a
autocracia e estabelecer uma Constituição parlamentar. As democracias, por sua
própria natureza, representavam uma ameaça mortal à ordem soviética86. Não
tinha nenhuma significação o modo pelo qual Stalin tratava os negócios de
Estado com o impressionável Churchill e o crédulo Roosevelt. Sob seus sistemas
anárquicos, políticos reacionários e jornais podiam dirigir a mais insidiosa
campanha contra a URSS. Exilados poloneses e até russos podiam iniciar uma
propaganda antissoviética. Acima de tudo, havia a afluência do capitalismo,
aparente no relógio de pulso e na câmara fotográfica do mais humilde soldado
raso. Stalin tinha tanto medo dos efeitos da propaganda estrangeira que ordenara
o confisco de todos os aparelhos de rádio particulares da União Soviética no dia
em que a guerra começou 87. Agora, milhões de russos tinham visto a riqueza e
a vida fácil da Europa. Como disse Churchill com muita perspicácia: “Eles
temem mais a nossa amizade do que a nossa hostilidade”.

Esse terror (não era menos do que isso) da natureza “infecciosa” das liberdades
europeias e americanas foi, sem dúvida, o motivo central das mudanças na
política de Stalin de 1939 a 1941. Até agosto de 1939, a URSS era uma nação
frágil e intensamente vulnerável, isolada do resto do mundo, e que vivia apenas
por uma espécie de malabarismo, jogando as potências da Entente contra a
Alemanha nazista e vice-versa. Mas Stalin precisava de segurança, e depois de
1934 ele compreendeu que ela só lhe poderia ser dada pela Alemanha. O pacto
nazi-soviético protegeu Stalin contra o ataque militar dos franceses e dos
ingleses, e, o que era mais importante, preservou a quarentena ideológica da
Rússia soviética. Já em julho de 1933, Goebbels deixara entrever o que devia ser
esperado, quando ordenou que a imprensa alemã deixasse de publicar
temporariamente ataques à União Soviética 88. Essa ordem foi obedecida na
Alemanha e, depois do pacto, toda a propaganda antissoviética foi proibida
definitivamente, tanto na Alemanha quanto na Polônia ocupada89. Além disso,
embora o nacional-socialismo devesse muito ao marxismo e se parecesse com
ele em diversos aspectos, as duas ideologias diferiam em um ponto. O nacional-
socialismo, com a ênfase na superioridade racial dos alemães, não podia ter
atração para os povos a quem suas doutrinas condenavam à perpétua
inferioridade. Muito mais do que o fascismo, o nacional-socialismo não era um
produto de exportação, e naturalmente Hitler demonstrava não ter intenção de
exportá-lo 90. O próprio Stalin, nos seus momentos de maior franqueza, era
capaz de compreender o contraste entre a liberdade da Europa ocidental e da
América e a opressão nazista91.

A cordial cooperação concedida à Alemanha por ocasião do pacto era algo sem
precedentes, e contrastava acentuadamente com a atitude adotada para com os
seus próximos aliados, a Grã-Bretanha e os Estados Unidos. Mesmo nos
momentos de maior desespero durante a guerra, a União Soviética temia admitir
no país mais do que um pequeno número de ingleses e americanos, por mais
vital que sua presença fosse para o esforço de guerra. Os que foram admitidos
eram continuamente sujeitos a importunações, restrições, chantagem e insultos.
Como consta do relatório do Ministério do Exterior, em fevereiro de 1945: “A
atitude dos russos para com a nossa missão [militar] em Moscou tem sido
deliberadamente não-cooperativa, e tanto antes quanto depois do Dia D não
fizeram nenhuma tentativa para trabalhar numa base de reciprocidade”92. A
mesma atitude era aplicada a qualquer área em que era natural esperar
cooperação. Nada podia ser mais contrastante com a política que havia permitido
aos alemães a abertura de consulados e até uma base natural em solo soviético.

Stalin jamais se sentiu à vontade com a aliança anglo-americana, como


demonstram suas sondagens junto a Hitler para um tratado de paz, durante a
guerra. Com os primeiros e terríveis reveses de 1941-42, talvez em desespero ele
tenha pensado em salvar alguma coisa da carnificina, com um tratado de paz
semelhante ao de Vichy, como o que havia apoiado em Brest-Litovsk, em 1918.
Depois de Stalingrado, quando o poderio alemão tinha sido detido, mas
continuava formidável, um acordo entre os dois gigantes totalitários parecia
atraente. E as tentativas posteriores de levar os alemães a aceitar certos termos,
em 1944, provavelmente se deveram ao temor de compartilhar uma fronteira
com os anglo-americanos 93. As tentativas foram inúteis, em parte porque Hitler
continuou rejeitando-as, e em parte, como afirma o serviço secreto aliado,
porque não existia nenhuma base para um tratado de paz que não deixasse a
URSS aberta a outro ataque alemão94. Stalin tinha de continuar lutando,
quisesse ou não.

Com a derrota da Alemanha, Stalin não tinha escolha senão viver em um mundo
onde a União Soviética ficaria ombro a ombro com as democracias vitoriosas.
Os anglo-americanos, cheios de esperança de uma cooperação internacional em
prol da paz, haviam, com a melhor das intenções, enredado os soviéticos numa
teia de realizações destinadas a aproximar indissoluvelmente as grandes
potências: as Nações Unidas, a Comissão Consultora da Europa, a Comissão de
Controle da Alemanha, e assim por diante. Ao mesmo tempo, as exuberantes
democracias exaltavam em altos brados todos os direitos políticos e legais que
Lenin havia varrido da Rússia em 1917, chegando a institucionalizá-los na Carta
do Atlântico, nas Quatro Liberdades e na Declaração dos Direitos do Homem.
Superficialmente, o contraste entre o “mundo livre” e a potência totalitária era
muito mais pronunciado do que antes da guerra. Nessa época, o quadro era
muito mais confuso, com duas ou três formas de totalitarismo rivais competindo
e discutindo, a par de uma série de países autoritários de tendências arcaicas.

Isso sem dúvida responde à pergunta principal: por que, se Stalin podia desfrutar
de uma aliança amigável e aparentemente estável com Hitler, não podia fazer o
mesmo com os ingleses e americanos? A resposta aparentemente é que ele não
podia manter esse relacionamento. O único meio de preservar a “herança de
Lenin” era apertar as tenazes naquilo que ele possuía e repelir influências
externas perigosas, criando uma atmosfera de hostilidade e suspeita. A guerra
fria foi motivada em parte por conflitos de interesses, mas o fato muito mais
importante foi simplesmente que os soviéticos precisavam de uma guerra fria.

Maksim Litvinov, o ultrapassado comissário do Exterior de antes da guerra, foi


contrário a essa política de provocação contínua e de tensão. Na conferência de
Dumbarton Oaks, em 1944, ele propôs em vão uma aliança realista das grandes
potências para preservar a paz mundial, evitando diplomaticamente discussões
litigiosas sobre os assuntos internos das potências95. Em 21 de novembro de
1945, ele se encontrou por acaso com Averell Harriman num teatro em Moscou.
Expressou sua opinião pessimista sobre a situação, e Harriman (como declarou
em relatório enviado no dia seguinte ao Departamento de Estado)

“.. .sugeriu que o tempo esfriaria os sentimentos exaltados. [Litvinov] respondeu


que, enquanto isso, outros problemas estavam surgindo. Eu, mais uma vez,
sugeri que, se chegássemos a um acordo sobre o Japão, a atmosfera ficaria
menos pesada. Ele respondeu que nos defrontaríamos com outros problemas.
Perguntei o que podíamos fazer a respeito. Ele respondeu: ‘Nada’ ... Então eu
disse: ‘Está extremamente pessimista’, ao que ele respondeu: ‘Francamente, aqui
entre nós, sim, estou’ ”96.

Litvinov opunha-se com tanto ardor ao que considerava uma política mal
orientada e perigosa, que mais uma vez falou francamente com um jornalista
americano completamente atônito. Ele acreditava que as boas relações talvez
tivessem sido possíveis em certa ocasião, mas naquele momento a hostilidade
entre as duas ideologias era muito grande. O repórter, Richard C. Hottelet, fez
então a pergunta crucial: a política soviética seria amenizada se o Ocidente
resolvesse ceder às exigências da Rússia? Litvinov disse “que isso levaria a outra
série de exigências, depois de algum tempo”97.

A política defendida por Litvinov aproximava-se das políticas antiquadas das


grandes potências. A União Soviética devia conservar o que havia ganho,
esforçando-se ao mesmo tempo para manter as boas relações do tempo de guerra
com os Aliados 98. Stalin rejeitou essa opinião de modo característico, tomando
providências — mais tarde canceladas sem que se soubesse o motivo — para
que Litvinov fosse assassinado99. A amizade com as democracias era um jogo
muito perigoso. Uma vez abertas as janelas da estufa, por quanto tempo a frágil
planta do marxismo conseguiria sobreviver 100?

XVI. Atitudes do Ocidente

No Ocidente democrático, durante os anos de guerra, milhões de pessoas


elevaram a Rússia de Stalin ao nível de modelo a ser admirado e imitado. Desde
o momento em que a invasão alemã levou a União Soviética a lutar ao lado dos
Aliados, uma emoção extraordinária, semirreligiosa, apossou-se de todas as
classes sociais. Era em sua maior parte desprovida de espírito crítico e até
irracional, e muitas vezes levou a imprensa, o rádio e o cinema a representarem a
sociedade soviética como realmente superior à das democracias 1. Em 1942,
Harold Nicolson observou “como é triste ver que o povo da Grã-Bretanha ignora
completamente a verdadeira Rússia, e imagina que se trata de uma Utopia dos
trabalhadores”. Quem se atreve a fazer a menor crítica. . . é considerado como
“inimigo dos soviéticos”2. Essa era a atmosfera na Grã-Bretanha, e aquilo que
George Orwell classificaria de “mitos russos” reinava quase incondicionalmente.
As mesmas ilusões estavam disseminadas nos Estados Unidos. Um funcionário
soviético, recém-chegado da Rússia, espantou-se ao ser informado em toda parte
sobre a quase-perfeição da sociedade na qual vivia. Esforços discretos para
esclarecer seus anfitriões foram inúteis. “O menor esforço para arranhar um
pouco que fosse o ouropel, para expor a esqualidez e a fealdade moral que estava
sobre ele, foi ressentida por muitos americanos como se suas mais profundas
convicções religiosas estivessem em jogo.” Ele sentiu que essa atitude se
originava em “uma notável indiferença pela tragédia do povo russo. Em grande
parte, baseava-se na ignorância, o que era desculpável, mas também em grande
parte tinha como origem a indiferença, o que era simplesmente insultante”3.

Naturalmente, o motivo dessa opinião quase unânime, compartilhada pelos tipos


mais diversos de indivíduos, era o intenso sentimento de alívio, primeiro quando
a ameaça nazista foi desviada para o leste, e, depois, quando se tornou claro que
a Rússia estava suportando o impacto da luta e fazendo o possível para derrotar
Hitler. Porém, esses sentimentos de gratidão e admiração estavam ridiculamente
mal colocados. A União Soviética não entrara voluntariamente na guerra e, se
não fosse pelo ataque traiçoeiro de Hitler, provavelmente teria continuado como
sua leal aliada. Dentro e fora da União Soviética, os comunistas de todo o mundo
tinham trabalhado arduamente para auxiliar o esforço de guerra dos nazistas, e
haviam desempenhado um papel importante na queda da França. Contudo, na
Grã-Bretanha e na América, as pessoas batiam no peito cheias de vergonha por
não serem capazes de abrir a segunda frente que a URSS se negara a abrir em
1939 e 1940. Esqueciam também que foram a brutalidade e a agressão soviética
que transformaram a Finlândia e a Romênia, de simpatizantes dos britânicos, em
aliadas da Alemanha.

Os erros políticos e estratégicos de Stalin foram responsáveis por grande parte


do sofrimento da Rússia, e todo esse sofrimento redundou em crédito para ele. É
preciso não esquecer também que a credulidade soviética prolongou o conflito,
custando a todas as nações beligerantes milhões de vidas. Na URSS, os alemães
encontraram (e imitaram) as provas de um barbarismo pavoroso, mesmo
comparado aos padrões nazistas. Em Lvov, Katin, Vinnitsa 4 e em toda parte
descobriram os túmulos das vítimas do bolchevismo executadas em massa. Essa
evidência de como os soviéticos tratavam o próprio povo, aliada ao tratamento
severo dado aos prisioneiros de guerra, foi a causa principal da determinação
obstinada dos alemães de lutarem até o fim, muito depois de estar mais do que
claro que sua causa estava perdida. Os esforços dos Aliados para convencer os
alemães capturados a apelarem aos seus compatriotas no sentido de uma
capitulação eram recebidos com a explicação incontestável de que “a maioria
dos alemães prefere morrer lutando do que encarar ... uma perspectiva” de ser
mandada para a Sibéria, para morrer aos poucos5. E os relatórios da inteligência
militar descreviam a luta desesperada de unidades alemãs e italianas “por causa
de um pavor geral do ‘bolchevismo’ ” 6. É impossível exagerar esse temor. Um
exemplo é o bastante. Num grupo de soldados alemães da frente russa, em
licença numa cidadezinha francesa, havia “um soldado muito jovem, com
cabelos completamente brancos e uma expressão de sofrimento extremo”. Um
francês, o sr. Charles Sellier, conversou com ele e ficou sabendo “que ele tinha
visto onze companheiros colocados sob uma serra circular. Devia ser o décimo
segundo, mas um bombardeio dispersou as tropas soviéticas, permitindo sua
fuga e a volta à sua unidade”.

Provavelmente, o exemplo mais extraordinário do “mito russo” vive até hoje


quase intacto, mesmo entre alguns historiadores respeitáveis. É a idéia de que
muito se deve ao regime soviético, porque os russos perderam cerca de vinte
milhões de vidas na guerra. Esse número impressionante provocou desde então
sentimentos de culpa nos líderes aliados e no público, e são usados ainda pelos
soviéticos como crédito quando tentam obter concessões do Ocidente 7. A
origem do número específico geralmente citado parece obscura. Em 1947,
escritores pró-soviéticos do Ocidente aceitavam um total de sete milhões de
soviéticos mortos8. Em 1945, Mikoian vangloriava-se dizendo que a vitória fora
conseguida com “um mínimo de baixas”. Mais tarde, quando foi possível obter
números mais exatos — ou quando compreenderam que a vantagem estava em
mais e não menos sangue —, M. Suslov afirmou (em 1965) que vinte milhões
haviam perecido9. Porém, mesmo esse número parece ser uma estimativa muito
baixa. Uma análise cuidadosa do primeiro censo feito depois da guerra, em
1959, revelou que cerca de vinte e cinco milhões a mais de pessoas morreram
durante os anos de guerra do que normalmente se podia esperar. Além disso, o
índice de natalidade projetado apresentava um déficit de vinte milhões, o que
podia ser atribuído a um declínio do tempo de guerra e ao crescimento da
mortalidade infantil10. De modo geral, um total espantoso de não menos de
trinta milhões de russos morreram nos anos de guerra, se aceitarmos a suposição
modesta de que tenha havido pelo menos um quarto dos nascimentos esperados.

Esse total pode ser comparado com o número de mortos devido às mais variadas
causas, como resultado da Primeira Guerra Mundial. Essa guerra teve quase a
mesma duração e envolveu aproximadamente o mesmo número de soldados
russos. O índice total de mortalidade foi de 1 660 000 11. Como explicar essa
espantosa diferença? O poder de fogo era muito maior na Segunda Guerra, mas,
a despeito disso, as perdas em vários locais tenderam a ser consideravelmente
menores do que no conflito anterior, no qual as lutas eram travadas quase corpo
a corpo. O império britânico, por exemplo, perdeu quase um milhão de homens
na Primeira Guerra, e menos de um quarto desse número na Segunda. A melhor
comparação é sem dúvida a Wehrmacht, que travou as mesmas batalhas, no
mesmo período de tempo e com um número quase igual de homens. Em 30 de
novembro de 1944, o exército alemão na Rússia tinha perdido 1 419 000
homens, e 907 000 estavam desaparecidos. É provável que cerca de dois milhões
e meio de alemães tenham sido mortos na frente oriental12.

O número preciso de soldados russos mortos na frente de batalha não é


conhecido. As autoridades soviéticas pouco se preocupavam com a sortes dos
soldados como indivíduos, e aparentemente não há registro das perdas sofridas.
Durante a guerra, Stalin citou estatísticas obviamente falsas para minimizar o
número de baixas soviéticas, e mais tarde só foi possível fazer conjeturas com
base em informações fidedignas. Um demógrafo soviético estimou em cerca de
7,5 milhões o número de soldados mortos nas batalhas, ou em decorrência de
ferimento de guerra, o que é talvez o número mais próximo da verdade que
podemos conseguir 13. Isso nos deixa um saldo inexplicável de 22,5 milhões de
civis mortos, mas é conveniente examinar as baixas militares em separado.

Como explicar o fato de terem morrido três soldados russos para cada soldado
alemão? Em primeiro lugar, havia os prisioneiros de guerra. Dos 5,5 milhões de
russos capturados pelos alemães em 1945, mais de 3 milhões tinham sido
assassinados ou haviam morrido devido a maus-tratos e inanição 14. Embora a
culpa maior deva recair nos açougueiros nazistas, grande parte dela cabe ao
regime soviético que colaborou nesse crime. Recusando-se a aceitar as
condições da Convenção de Genebra sobre Prisioneiros de Guerra ou não
permitindo a intervenção da Cruz Vermelha, o governo soviético (como seus
membros sabiam perfeitamente) sentenciou seus cidadãos à morte 15. O
tratamento desumano dispensado pelos alemães aos prisioneiros russos não foi
provocado pela selvageria soviética, pois seguia uma política previamente
determinada 16. Contudo, se a Rússia soviética tivesse aceito as determinações
da lei internacional sobre o assunto, pode-se com toda a justiça perguntar se
Hitler teria continuado com sua política de extermínio dos prisioneiros russos.
Ele não precisava se preocupar com procedimentos legais, muito menos com
considerações humanitárias. Mas, se as autoridades soviéticas tivessem tratado
os prisioneiros alemães de modo mais civilizado, a pressão para que a Alemanha
fizesse o mesmo teria provocado (como sugere a evidência) um efeito
considerável, talvez até mesmo irresistível.

Se os 3 milhões de russos que morreram no cativeiro forem deduzidos do total


estimado de 7,5 milhões de militares mortos, a URSS ainda perde dois soldados
para cada alemão morto. Isso só pode ser atribuído aos bárbaros métodos de
guerra do Exército Vermelho, segundo os quais as vidas pouco valiam na
sucessão das ofensivas mal orientadas pelo alto comando de Stalin em 1941-42.
Essas táticas incluíam o uso de batalhões penais. Como quase tudo no Estado
soviético, esse era um conceito criado por Lenin. Em 20 de outubro de 1919, ele
ordenou que 10 000 “burgueses” de Petrogrado fossem despachados para a
frente de batalha (com metralhadoras apontadas para suas costas, algumas
centenas deles foram mortos) e lançados contra as linhas dos brancos 17.

O NKVD recolheu uma multidão de “inimigos do povo” de suas prisões e


campos e mandou-os, sem treinamento prévio e frequentemente desarmados,
para a linha de frente. Ali, com os soldados do NKVD armados de metralhadoras
atrás deles, em segurança, foram lançados em ondas humanas contra as posições
defensivas dos alemães. Em certos casos, não usavam uniformes camuflados,
para atrair o fogo inimigo. Sua tarefa mais útil era a limpeza dos campos
minados: conduzidos em filas enormes, caminhavam lentamente, avançando até
explodirem a última mina. O chefe da missão militar soviética na Grã-Bretanha,
general Ratov, declinou uma oferta de detectores de minas britânicos, explicando
gentilmente que “na União Soviética usamos gente” 18. Num ataque típico a
uma posição alemã, um batalhão penal perdeu 500 dos seus 1 500 homens.
Tinham um rifle para três homens; os bem armados homens do NKVD, atrás
deles, limitavam-se a matar todos os feridos russos. É impossível saber quantos
“soldados” morreram desse modo, mas devem ter sido centenas de milhares. Um
dos aspectos mais desagradáveis era a frequente inclusão de mulheres nas
unidades punitivas 19.

Além das perdas provocadas por este ou aquele modo de luta, consideradas sem
importância desde que o objetivo fosse alcançado, havia outras causas menos
comuns de mortes. Svetlana Stalin conta como Béria “efetuou a abominável
liquidação de unidades militares inteiras, às vezes compostas de grande número
de homens, durante o rápido avanço alemão na Ucrânia e na Bielo-Rússia,
unidades que haviam ficado isoladas de suas linhas e que mais tarde,
enfrentando tremendos riscos, tinham conseguido voltar”20.

Esse tipo de ação, que frequentemente tinha como resultado pequenas batalhas
entre o NKVD e o exército regular, continuou até o fim da guerra 21.

Assim, a desproporção na escala das baixas militares soviéticas pode ser


explicada, mas o que dizer das perdas civis, num total de 22,5 milhões de vidas?
Grande número foi resultado direto ou indireto da ação dos alemães.
Possivelmente 250 000 civis foram mortos nas operações contra guerrilheiros
soviéticos, e cerca de 750 000 judeus russos foram massacrados em Babi Yar e
em outros lugares. Um milhão de pessoas deve ter morrido na Ucrânia em 1941-
42, quando os alemães deixaram de alimentar a população urbana. Outro milhão
de civis deve ter morrido durante o cerco de Leningrado e de outras cidades.
Finalmente, mais de 500 000 russos morreram trabalhando como escravos no
Reich22. Assim, cerca de 4 milhões de mortes de civis podem ser atribuídas aos
alemães. Outro fator mortal pode ter sido a política de “terra calcinada” praticada
pelos dois lados, quando faziam uma retirada.

Por mais generosamente que sejam interpretados esses números, sobram ainda
cerca de 10 a 15 milhões de cadáveres russos para serem explicados. Qualquer
cálculo que se aproxime pelo menos remotamente de um número exato é
impossível, mas, em termos gerais, podemos explicar esse fantástico índice de
mortalidade.

Em primeiro lugar, as perdas sofridas durante as invasões da Polônia e da


Finlândia, em 1939-40. A primeira campanha teve poucas baixas 23, mas na
Finlândia foi enorme o número de mortos. Khrushchev acreditava que 1 milhão
de pessoas morreram nessa guerra, embora o número exato deva ser um quarto
desse cálculo.

Em segundo lugar, a política soviética de efetuar a evacuação de grandes setores


da população suspeita de simpatizar com os invasores teve como resultado a
disseminação de epidemias por todo o país 24.

Terceiro, o NKVD realizou expurgos generalizados na retaguarda durante toda a


guerra, especialmente nos territórios reocupados, e suas vítimas são calculadas
em milhares e milhares, ou provavelmente milhões. Isso culminou com uma
guerra contra os nacionalistas ucranianos e outros que se opunham ao regime25.
Cerca de 1,6 milhão de pessoas das repúblicas tártaras da Crimeia e do Cáucaso
e alemães do Volga foram deportados. Talvez 1 milhão de alemães de outras
partes da União Soviética tenham tido a mesma sorte, bem como número igual
de ucranianos26. Finlandeses da Carélia soviética já haviam sido deportados em
massa, em 1939.

Em quarto lugar está a mortalidade sem precedentes nos imensos campos do


GULAG. O índice normal de mortalidade, sempre muito alto, cresceu
enormemente com as dificuldades provocadas pelo aumento do número de
prisioneiros e outras formas de agravamento das condições, devido à guerra27.
A isso devemos acrescentar os que foram exterminados nos massacres das
prisões, como em Lvov, quando eram evacuados para o leste fugindo do avanço
alemão, e nos próprios campos2S. Um ex-prisioneiro, que com alguns
companheiros tentou fazer uma estimativa, concluiu que 7 milhões de
prisioneiros do GULAG foram assassinados no primeiro ano da guerra29. Não é
possível verificar esses números, mas nada na história do GULAG sugere que
possam ser exagerados. Em quinto lugar está a categoria de russos que, como
prisioneiros de guerra, escravos deportados ou refugiados, caíram nas mãos dos
alemães e foram mais tarde repatriados. Um total de mais ou menos 5,5 milhões
foi devolvido, do qual 2 272 000 pelos ingleses e americanos30. Milhares deles
foram massacrados logo de chegada, enquanto uma espantosa maioria
desapareceu e morreu nos campos de trabalho forçado 31.

Toda essa mortalidade explica facilmente a falta de estatísticas sobre as perdas


russas. Entretanto, de qualquer modo que seja feita a avaliação das proporções, é
óbvio que as baixas diretamente atribuídas aos alemães representam apenas um
terço, no máximo a metade das perdas totais de potencial humano soviético de
1939 a 1945, mesmo descontando a pesada responsabilidade que paira sobre o
governo soviético por seus erros políticos e militares de 1941-42, e o destino dos
prisioneiros de guerra na Alemanha. A maior parte dos russos mortos nessa
época foi vitimada durante a invasão da Finlândia e na guerra do NKVD contra a
população civil e militar da URSS.

Foi esse governo e o sistema político que ele aplicava que despertou a
entusiástica lealdade de tantos no Ocidente. Embora grande parte do que
acontecia na Rússia não fosse conhecido no exterior, quem quisesse poderia
conseguir informação suficiente. A verdade podia ser encontrada em inúmeros
livros e artigos escritos por fugitivos da URSS, nos relatos de milhares de
cidadãos soviéticos (depois de 1941), poloneses no Ocidente, visitantes
ocidentais, como Malcolm Muggeridge, Eugene Lyons e Andrew Smith, e até
em fontes publicadas pelos soviéticos. O que era claramente óbvio para Arthur
Koestler e George Orwell, provavelmente era também para Louis Aragon, J. D.
Bernal ou Lilian Hellman32. Como foi possível a milhares de pessoas
inteligentes enganar ou encorajar milhões de outras com menores dotes
intelectuais, levando-as a uma admiração cega pelo assassinato em massa, a
tortura e a escravidão?

Na época, o apoio à União Soviética geralmente tomava a forma de adulação


neo-religiosa, na qual a verdade e o comunismo de Stalin eram uma e a mesma
coisa, e toda crítica hostil, simples heresia. A evidência crescente que revelava o
comunismo como ele era na realidade devia ser exorcizada como um desafio
inescrupuloso à fé, e seus oponentes eram censurados com sarcasmo pesado e
frenético que devia muito, pelo menos em aparência, ao inimitável estilo
polêmico de Stalin. Numa perspectiva atual, os apologistas da geração de
marxistas e os simpatizantes afirmam que sua fé era a reação inevitável a uma
era de fascismo triunfante, defrontado no Ocidente por políticos falidos que só
procuravam apaziguar ou trair. Somente a União Soviética e o movimento
comunista internacional permaneceram firmes contra a maré crescente de reação.
Nessas circunstâncias, era compreensível que as fidelidades se polarizassem e
que a crítica ao Partido fosse equivalente ao derrotismo perante o inimigo.

Naturalmente, o absurdo desse argumento é óbvio. Para cada homem que se


tornou comunista a fim de combater o fascismo, outro se tornou fascista para
combater o comunismo. Como o comunismo representava a principal ameaça
totalitária, esse argumento desculpa muito mais o fascismo e o nazismo do que o
comunismo. Recentemente, um eminente cientista, o professor Eric Burhop,
defendendo a tendência esquerdista dos intelectuais, escreveu:

“A Grande Depressão dos anos 30 solapou profundamente a estrutura social. Um


extenso desemprego, a subnutrição, o racionamento, a declaração obrigatória de
pobreza dos desempregados, as marchas da fome — essas eram as realidades da
época. Evidentemente, o mercado capitalista convencional tinha fracassado, e
não é de admirar que os mais brilhantes espíritos das nossas universidades
estivessem à procura de sistemas alternativos. . . ” 33

Traduzindo-se essa interpretação para um contexto alemão contemporâneo, o


argumento se transforma numa justificativa da atração do nacional-socialismo. O
que atraía eram as políticas totalitárias, e a etiqueta dependia das circunstâncias
locais 34.

Os motivos que levavam as pessoas, especialmente os jovens e os intelectuais, a


procurar soluções totalitárias eram vários. Bertrand Russell certa vez perguntou
a John Strachey por que ele havia adotado os pontos de vista da esquerda: “Você
odiava seu pai, sua infância ou sua escola pública?” Strachey respondeu
tranquilamente: “Um pouco de cada um” 35. A conversa foi descontraída, mas
continha o germe da realidade. A queda de antigas autoridades religiosas,
políticas, morais e sociais deixou milhões de pessoas com a sensação terrível de
abandono em um mundo hostil. A sabedoria tradicional tinha sido
inevitavelmente substituída por idéias de anarquia, e a classe recém-formada de
intelectuais procurava o poder nesse vácuo espiritual. O marxismo soviético
parecia legitimar os desejos dos intelectuais por uma sociedade dirigida por eles,
em virtude dos seus conhecimentos superiores 36.

Isso pode explicar a atração do ideal autoritário, mas não o apelo concomitante à
crueldade e à violência que fez de Stalin a estrela-guia de grande parte do
movimento de esquerda. Pois a crueldade era sem dúvida a mais assustadora
característica comum da esquerda radical dos anos 30 e 40. É verdade que um
comunista pelo menos abandonou sua crença quando leu o livro do professor
Vladimir Tchernavin, Eu falo pelos silenciosos (1935), memórias da vida nas
prisões da GPU e nos campos do GULAG. “Envolvia-me”, lembrava-se ele,
mais tarde, “um silêncio isolador” — o silêncio de morte daqueles por quem
Tchernavin falava — “e naquele silêncio ouvi seus gritos. . . Não sabia o que
tinha acontecido comigo. Eu negava a própria existência da alma. Mas eu disse:
‘Isso é o mal, o mal absoluto. E desse mal eu sou uma parte’ ”37.

Mas essa reação, compartilhada por Orwell, Koestler e alguns outros, era rara.
Poucos marxistas do Ocidente e seus simpatizantes passaram noites em claro por
causa das revelações de Tchernavin e outros. Quando muito, sua crença ficou
mais forte com essa prova da determinação bolchevista de continuar a lutar a
qualquer custo. Eles visitavam Moscou, ostentando sua riqueza perante a Rússia
faminta. Eugene Lyons encontrou Jane em Moscou,

“. . .uma liberal de Nova York, magra, tensa, que estremecia visivelmente ao ver
um novo homem. No bolchevismo ela encontrou não apenas um emprego, mas
também a fuga às restrições impostas por um marido pouco satisfatório e pela
supervisão da família de classe média. Sentada na cama desfeita do quarto de
hotel, ela falava durante horas sobre a libertação da mulher sob a bandeira
vermelha. ‘A morte por inanição, o extermínio da intelligentsia’, dizia ela, ‘ora,
vale a pena, garanto, porque a Rússia liquidou os fantasmas do sexo. Igualdade
entre homens e mulheres, um único padrão de vida. . . Vale a pena!’ ”
Todo tipo de desajustamentos pessoais e sociais levaram a geração perturbada a
projetar suas neuroses numa utopia proletária perfeita 3S. Os cataclismos da
Grande Guerra e da Revolução Russa, o afrouxamento dos tradicionais laços
sociais e familiares39, e o assalto às crenças instintivas mais prezadas pelo
homem, motivado pelas teorias de Darwin, Marx, Freud e Frazer — tudo isso
teve um efeito profundo na geração que sobreviveu à Grande Guerra. Num
mundo onde todos os pontos de referência tradicionais desapareciam, o povo
sofria a sensação de abandono e privação. Era inevitável que muitos,
especialmente os jovens e os que pertenciam à classe média, fossem levados por
essa alienação a caminhos de sadismo mal disfarçado. Michael Grant notou a
similaridade da situação no Império Romano. Enquanto as antigas cidades-
estados desmoronavam e eram absorvidas, “a solidão indefesa do indivíduo,
resultante dessa situação, provocava um ‘colapso da coragem’ generalizado. No
vasto mundo romano, esses sintomas se acentuaram, tornando-se permanentes e
onipresentes. Milhões de pessoas sentiam-se descolocadas, sem apoio,
esquecidas, perdidas — e acima de tudo, entediadas. O mergulho na religião foi
uma reação compensadora. Mas a outra foi a imersão no sadismo sanguinário”.

Daí surgiram os horrores dos combates de gladiadores e outros espetáculos


selvagens 40.

Essa combinação de entusiasmo religioso “em massa” com a extrema crueldade


foi característica do meado do século XX. O sadismo nasce de sentimentos de
fraqueza e desajustamento que precisam ser compensados por meio da
humilhação e sofrimento infligidos a outros. A tradição cristã desacreditou
completamente a crueldade per se, mas a atitude do tipo “sou mais puro do que
você”, quando baseada em um único ponto de vista exclusivo, pode representar
uma forma disfarçada do desejo de degradar o próximo41. Como observou Jung,
“o ódio encontrou motivos respeitáveis, e emergiu do estado de idiossincrasia
secreta e pessoal. E durante todo o tempo, o público extremamente respeitável
não tinha a menor idéia de que estava assim vivendo na vizinhança imediata do
mal” n.

A aparente docilidade do povo russo à opressão servia apenas para reforçar o


ódio e o desprezo dos admiradores ocidentais de Stalin. “Não é possível evitar a
conclusão de que, entre os seres humanos, a demonstração de fraqueza por parte
do derrotado aumenta o ódio dos dominadores. Talvez nossa característica mais
desagradável como espécie seja nossa tendência a atormentar os indefesos”,
observou Anthony Storr43.
Jean-Paul Sartre acreditava que, “para conservar viva a esperança, a despeito de
todos os erros, horrores e crimes, é preciso reconhecer a óbvia superioridade do
campo socialista” [isto é, soviético]. Deixando de lado a infeliz frase final, essa
declaração implica apenas que é melhor para milhões de russos sofrer “horrores
e crimes” do que para ele, Sartre, e seus amigos abandonarem suas ilusões. Esse
tipo de opinião expressa no Ocidente chegava ocasionalmente aos ouvidos dos
intelectuais russos, que eram obrigados a manter em segredo o seu desprezo 45.
Paradoxalmente, era apenas no mundo esquecido do GULAG que os russos
podiam falar com relativa liberdade e notar com sarcástica satisfação as
“contorções morais” dos intelectuais do Ocidente 46.

Em 1945, a União Soviética havia conquistado grande parte da opinião pública


ocidental. Os intelectuais da esquerda, apanhados no torvelinho das suas
contradições secretas, viam na Rússia de Stalin a sociedade ideal dirigida por
“meritocratas” como eles próprios47. Entre as massas, milhões acreditavam que
a Rússia havia humilhado os aristocratas de monóculo e os generais, expulsando
os patrões de fraque e exaltando os trabalhadores em um Herrenvolk proletário.
Engoliam satisfeitos a propaganda pró-soviética de lorde Beaverbrook e de
Claud Cockburn, e eram completamente indiferentes à realidade russa 48. A
esses simpatizantes naturais, a guerra havia acrescentado a grande massa da
opinião pública, a qual, com muita emoção e pouca lógica, acreditava que o
Exército Vermelho havia derramado o sangue pelos anglo-americanos para
manter a democracia 49.

Além disso, havia na Europa a impressão generalizada de que as instituições e


classes não sobreviveriam à guerra, e que, para o melhor ou para o pior, a União
Soviética representava a onda do futuro. Esse sentimento estendia-se a muitos
dos que estavam fortemente ligados à velha ordem. Winston Churchill, quando
lhe ofereceram o uso do Castelo Walmer, em 1941, disse que duvidava “muito. .
. que alguém pudesse morar em casas desse tipo depois da guerra”50. Oliver
Harvey anotou em seu diário, em 1943, que “sob o estímulo da Rússia e de uma
forte tendência esquerdista na Inglaterra, a Europa está se movendo para a
esquerda. Os ‘confortáveis’ regimes capitalistas de antes da guerra têm seus dias
contados. Se não se tornarem comunistas, ao menos devem ser Beveridge” 51.
Em face do que para muitos era uma realidade inexorável, alguns esperavam
poder manter suas posições na maré enchente do socialismo. Harold Nicolson
tinha a vaga esperança de que, embora Chatsworth e outros grandes palácios da
aristocracia tivessem de ser sacrificados, o seu, mais modesto, Sissinghurst, seria
preservado. Ele se congratulava dizendo que, em qualquer caso, não fazia “a
menor objeção ao comunismo russo” 52.

Esses temores generalizados levaram a uma situação anômala, na qual os líderes


do Partido Trabalhista, como Attlee, Bevin e Greenwood, permaneceram hostis
ao comunismo e suspeitosos da Rússia soviética53, enquanto proeminentes
conservadores faziam esforços pouco convincentes para se garantir no futuro.
Lorde Beaverbrook protegia políticos da esquerda como Bevan e Michael Foot,
e protegendo abertamente a ajuda irrestrita à Rússia em 1941-42 esperava
conseguir a liderança da esquerda54. Talvez o exemplo supremo desse modo de
pensar fosse o secretário do Exterior da Grã-Bretanha, Anthony Eden. “Ele odeia
os velhos tories e teria preferido pertencer ao Partido Trabalhista se ele
continuasse no poder”, escreveu seu secretário particular em 1941. Um homem
essencialmente vaidoso, superficial e sem senso de humor, Eden acreditava que
sua força estava “entre o povo”, referia-se a si mesmo como “o Eden Vermelho”,
e ficou extremamente lisonjeado quando soube, em 1943, que, numa reunião
secreta, os líderes dos sindicatos o haviam indicado para sucessor de
Churchill55. Como Beaverbrook, acreditava que o apoio incondicional à União
Soviética lhe daria o apoio de que necessitava56. Sempre admirou e apreciou
Stalin, e por muito tempo teve ilusões sobre sua benevolência e moderação.
Considerando Churchill “perigosamente anti-russo” 57, defendia uma política
que, com raros lapsos e dúvidas, consistia em uma aquiescência generosa aos
objetivos de Stalin, em assuntos que iam, em importância, desde as exigências
do líder soviético sobre os territórios concedidos a ele por Hitler até a recusa ao
pedido de facilidades hospitalares para marinheiros britânicos em Arkhanguelsk.
Em abril de 1943, o chefe do Departamento do Norte do Ministério do Exterior
definiu a política adotada em relação à Rússia como dirigida “pelo tipo de
princípio empírico segundo o qual nós. . . nunca dizemos nada desagradável para
os russos se for possível, por mais que sejamos contrários ao que eles fazem. .. ”
58 Nem a traição soviética em Varsóvia abalou a crença de Eden, e em 20 de
dezembro de 1944, ele disse a um amigo que “gostava realmente de Stalin”, um
homem que “jamais havia faltado com a palavra dada”59. Ainda em dezembro
de 1946, Eden explicou a um ministro do Exterior, agora cético, “que houve
certos desentendimentos no Politburo e devemos nos esforçar por chegar a um
acordo com Stalin, o único que tem idéias moderadas” 60.

Sob essa liderança, foi formulada a política britânica em relação à União


Soviética, possibilitando a Stalin receber ajuda vital da Inglaterra na sua
campanha do pós-guerra para fortalecer o poder totalitário sobre o povo russo.
Antes de Eden ser secretário do Exterior, em dezembro de 1940, o Departamento
do Norte do Ministério do Exterior (que se encarrega, ínter alia, dos assuntos
ligados à União Soviética) tinha homens como Fitzroy Maclean, que estava
perfeitamente a par das realidades soviéticas. Mas, com a continuação da guerra
e a promoção ou deslocamento dos funcionários, um novo tipo de jovens tomou
seus lugares. Educados em Oxford e Cambridge nos anos turbulentos da
ascensão de Hitler, da invasão da Abissínia pelos italianos e da Guerra Civil
Espanhola, não eram imunes às fortes correntes de opinião da esquerda que
corriam pelas universidades. Para eles, a Rússia soviética não era a tirania
decrépita analisada por seus predecessores, Oliphant, Vereker ou Maclean, mas a
esperança cintilante da geração futura e o primeiro baluarte contra o nazismo.
Não procuravam disfarçar suas opiniões, o que perturbava a velha guarda do
Partido Conservador e teve como resultado acusações de que Eden “promovia
apenas esquerdistas no Ministério do Exterior”61. Eles criticavam os poloneses
62 e estavam convencidos da boa vontade soviética.

Geoffrey Wilson, por exemplo, era um advogado de trinta anos que fora
presidente do clube trabalhista da Universidade de Oxford, em 1930, e que veio
a ser secretário particular de Sir Stafford Cripps, acompanhando-o a Moscou,
quando foi nomeado embaixador na Rússia, em 1940. (O NKVD naturalmente
estava ansioso por penetrar nessa missão, e tentou inutilmente infiltrar Guy
Burgess como funcionário subalterno.63) Depois da partida de Cripps em 1942,
Wilson continuou na embaixada, como primeiro-secretário. Com permissão
especial de Molotov, ele percorreu grande extensão dos Urais e outras regiões64.
Embora a maioria das pessoas que viajavam pela Rússia naquela época ficassem
extremamente deprimidas pela evidência inconfundível de sofrimento e opressão
jamais vistos, além da prática do trabalho escravo65, a fé de Geoffrey Wilson na
integridade soviética permaneceu inabalada. De volta a Londres, em 1943-44,
escreveu uma carta urgente ao embaixador britânico em Moscou, procurando um
pretexto para voltar à Rússia. “Quero passar algum tempo em Moscou
novamente”, escreveu ele. “Minha fé se enfraquece aqui e se revitaliza em
Moscou e em meus passeios pela Rússia.” 66

Com a proximidade do outono de 1944, Stalin intensificou os preparativos para


o dia em que a URSS e os anglo-americanos se encontrariam no coração da
Europa. No topo da sua lista de prioridades, sem dúvida devia estar a
necessidade da reimposição do controle do Partido sobre o povo soviético e as
terras vizinhas da Recompensa Molotov-Ribbentrop, que estavam a ponto de
serem recuperadas. Em termos práticos, isso significava o bloqueio da tentativa
exterior de interferir na supressão do exército nacional polonês, e a cooperação
aliada na recuperação de milhões de russos que tinham sido absorvidos pela
Europa central e ocidental. Se ficassem fora do controle do NKVD, poderiam vir
a ser um foco em potencial de oposição russa ao regime. O conceito de governos
no exílio chefiando movimentos internos de resistência fora uma das principais
inovações da guerra e, com a preocupação obsessiva de Stalin com a segurança,
a idéia assombrava sua imaginação apavorada.

Geoffrey Wilson parece ter percebido isso com excepcional clareza, e esforçou-
se por influenciar a política do seu país para satisfazer os dois principais
objetivos de Stalin. Foi francamente a favor do abandono do rei Pedro da
Iugoslávia pela Grã-Bretanha e do governo polonês no exílio, em Londres. No
primeiro dia do ano de 1944, os soviéticos tinham organizado um “governo”
comunista fantoche em solo polonês, e Wilson insistiu no reconhecimento desse
grupo pela Grã-Bretanha e no abandono de “povos que eles [os soviéticos]
consideram fascistas”. Nem o massacre de Katin, nem a intenção declarada dos
soviéticos de recobrar o território cedido por Hitler tinham desiludido Wilson.

Em abril de 1944, Wilson fez circular dentro do Ministério do Exterior um


importante documento, que afirmava, em essência, que as intenções soviéticas
na Europa oriental e em outras áreas eram honrosas e razoáveis, e que o governo
britânico devia pôr de lado as suspeitas que ainda pudesse ter sobre os motivos
de Stalin 67. Desprezando a idéia de que o ditador podia voltar à política
expansionista e de opressão68, insistiu na censura à imprensa que fizesse a
menor crítica à vida soviética, depois de um encontro com um agente do NKVD,
Konstantin Zintchenko, adido da embaixada soviética 69. Acima de tudo,
desejava ansiosamente que a Grã-Bretanha deixasse de apoiar o governo polonês
no exílio e chegasse a um acordo com o comitê fantoche de Stalin em Lublin 70.
Seu maior medo era que Churchill obstruísse as relações amistosas com o
governo soviético. “A situação russa está bastante complexa no momento”,
escreveu ele em agosto de 1943. “B—B— [Churchill] é o verdadeiro obstáculo. .
. agora que ele vê próximo o fim da guerra, minha impressão é de que não se
importa a mínima com os russos.” Wilson lamentou-se ao excêntrico
embaixador britânico em Moscou, Sir Archibald Clark Kerr: “É uma pena que
Stalin e Mol[otov] não tenham frequentado Eton & Harrow. O que podemos
fazer a respeito?” 71 Wilson referia-se evidentemente às escolas particulares
frequentadas por Eden e Churchill, mas é pouco provável que Sir Archibald
tenha gostado das implicações dessa tímida insinuação. Embora ele também não
tivesse frequentado uma escola particular, estava inclinado a considerar esses
assuntos de haut en bas. A classe sem dúvida representava um fator importante
no pensamento de Wilson. Em outra ocasião, ele rejeitou a sugestão do general
Anders, polonês, de que um Exército Vermelho vitorioso poderia representar
uma ameaça à civilização europeia, dizendo que uma pessoa da sua classe
(superior) não poderia pensar de outro modo.

Outro problema importante para Stalin, e pelo qual Geoffrey Wilson se


interessou, foi o da missão militar britânica em Moscou. O Ministério do
Exterior aconselhava seus sucessivos chefes a aceitarem sem protesto qualquer
restrição que as autoridades soviéticas lhes impusessem. Nem o general Mattel,
nem seu sucessor, o general brocas Burrows, eram homens para suportar esse
tratamento indefinidamente 72. Ambos estavam ansiosos, por óbvias razões
profissionais, por visitar a linha de frente. Esse desejo era constantemente
negado por motivos que, para os generais, pareciam mero obscurantismo, mas
que eram muito importantes para Stalin. Muita coisa estava acontecendo atrás
das linhas de frente do Exército Vermelho, cuja observação por um curioso
inglês seria pouco saudável. Indisciplina generalizada e organização deficiente
das áreas da retaguarda e dos sistemas de fornecimento poderiam revelar ao
Ocidente um quadro pouco inspirador do invencível Exército Vermelho, o que
seria prejudicial aos objetivos de Stalin para o pós-guerra. Mais vital ainda era a
necessidade de evitar que as potências do Ocidente descobrissem o que o NKVD
estava fazendo, agora que o Exército Vermelho começava a conquistar território
polonês. No verão de 1944, uma importante ofensiva soviética levou os russos
ao leste da Polônia, e imediatamente foram dadas ordens para que fossem
liquidadas as unidades do exército nacional polonês: uma operação que mais
uma vez via o NKVD colaborando ocasionalmente com seus antigos
companheiros da Gestapo73. A libertação antecipada dos prisioneiros de guerra
britânicos e americanos seria mais um pretexto para a presença de oficiais
britânicos da missão militar na Polônia destruída, e Stalin resolveu que estava na
hora de se livrar do obstinado general Burrows.

A princípio, a tarefa não parecia fácil. Enquanto o predecessor de Burrows,


Martel, era (às vezes com ótimos resultados) franco e agressivo, Brocas Burrows
procurava não ofender as suscetibilidades dos soviéticos. Falando russo
fluentemente, ele rejeitou a política de Martel de “represálias públicas”; e o
próprio Christopher Warner, da seção russa do Ministério do Exterior, admitia
“que o general Burrows ... desempenha seu difícil trabalho muito sensatamente,
tem sido paciente e mantém uma visão equilibrada”74. O que poderia ser feito
para se livrar dele? Ele conseguira afinal permissão para uma breve visita à
frente de batalha no começo de julho de 1944, e em setembro o Exército
Vermelho estava às portas de Varsóvia. O dilema de Stalin estava no fato de que
procurava sempre alguma prova, por mais tênue e falsa que fosse, quando
arquitetava um plano. Além disso, era necessário anular as objeções dos ingleses
ao retorno de Burrows a Londres. O NKVD foi posto em ação e logo conseguiu
material incriminador. Em 24 de setembro, Stalin informou ao embaixador Clark
Kerr que o general Burrows havia chamado os oficiais do Exército Vermelho de
“selvagens”, o que ofendera extremamente o marechal Vassilievski e outros
comandantes. Relatando essa conversa a Eden, Kerr declarou que a acusação era
“desconcertante”, pois na verdade Vassilievski estava nos melhores termos com
Burrows, e evidentemente não fora informado da acusação feita em seu nome.
Contudo, Stalin parecia convencido da verdade da alegação, e o Ministério da
Guerra relutantemente viu-se obrigado a afastar Burrows do posto 75. Burrows
também não conseguiu compreender o que havia motivado a acusação, e Clark
Kerr recebeu a confirmação das acusações feitas por Stalin de uma fonte
inesperada.

Geoffrey Wilson via com atitude crítica a missão militar em Moscou. Havia
objetado contra a franqueza de Martel, e mais ou menos nessa época insistiu
numa investigação sobre um oficial, em Murmansk, que tinha visto muita coisa
sobre o tratamento dispensado pelos soviéticos aos prisioneiros de guerra russos
que haviam sido repatriados 76. Em 3 de outubro, ele escreveu para Kerr, de
Londres: “Preciso avisá-lo de uma coisa. Aquele negócio de selvagens, etc., de
que Burrows foi acusado — há mais nisso tudo do que parece. . . Eu lhe direi
mais sobre o assunto quando nos encontrarmos pessoalmente” 77. Na verdade, o
que tinha acontecido foi que o NKVD colocara microfones no escritório do
general Burrows e ouvira críticas privadas, não destinadas aos ouvidos
soviéticos. Assim, evidentemente, “havia muito mais do que parecia” na queixa
de Stalin, mas as autoridades britânicas não descobriram que a escuta continuara
até o verão seguinte 78. Wilson estava em contato com homens que sabiam o
que estava acontecendo, pois conhecia Zintchenko e outros funcionários da
embaixada soviética e dava-se também com o coronel Ivan Tchitchaev, chefe da
missão do NKVD em Londres 79. Porém, dificilmente teriam revelado a ele o
segredo da escuta colocada no escritório de Burrows, pois, nesses caso, Wilson
teria informado a missão militar em Moscou.

Finalmente, Wilson começou a temer que seus “pontos de vista peculiares”


pudessem lhe trazer dificuldades, mesmo entre seus superiores pouco
perspicazes 80, e que talvez tivesse de sair do Ministério do Exterior para aceitar
“uma oferta tentadora de fora que não posso ignorar indefinidamente”81. Seus
temores eram infundados, e ele foi enviado como assistente nas negociações da
Conferência de Yalta em fevereiro de 1945, na qual foi decidida, inter alia, a
sorte da Polônia e dos prisioneiros de guerra russos.

Parece ter sido o primeiro funcionário britânico a sugerir (em 28 de abril de


1944) que os russos libertados no Ocidente fossem repatriados à força. Depois
dos desembarques na Normandia em junho, milhares desses russos foram
levados para a Grã-Bretanha e internados em campos. Quando souberam que
seriam obrigados a voltar para a URSS, alguns cometeram suicídio. Geoffrey
Wilson apressou-se em procurar o Departamento de Imprensa, a fim de impedir
que o fato fosse publicado (o que conseguiu). Como explicou mais tarde, era de
importância vital “evitar o risco de um sério escândalo público”. Quando a Cruz
Vermelha Internacional procurou investigar se os russos estavam sendo tratados
de acordo com n Convenção de Genebra sobre Prisioneiros de Guerra, Wilson
declarou que todos os prisioneiros haviam sido obrigados a usar uniformes
alemães, e portanto não se incluíam na categoria de prisioneiros de guerra82.

Nem as descrições pavorosas arquivadas pelo Ministério do Exterior sobre as


atrocidades cometidas com os prisioneiros repatriados, nem a extinção da
independência e da liberdade nos países da Europa oriental, pelos soviéticos,
desiludiram Wilson de suas "opiniões peculiares”. Em setembro de 1946,
quando a Polônia, os países bálticos, a Romênia, a Bulgária, a Hungria, a Áustria
oriental e a Alemanha foram drasticamente expurgadas e pilhadas, Wilson,
falando numa reunião da Sociedade Fabiana, disse que em quase todos esses
países tinha havido uma revolução social. “Parece-me que, como socialistas,
nada mais temos a fazer senão nos rejubilar-mos pelo fato de essas revoluções
terem sido dominadas” 83. Wilson havia se afastado do seu posto temporário no
Ministério do Exterior, e logo depois colaborou na minuta da Lei Internacional
dos Direitos Humanos84.

Essas opiniões otimistas eram compartilhadas por um amigo do Ministério do


Exterior que estivera com Wilson na embaixada em Moscou, e desempenhara
um papel muito mais importante na entrega secreta dos prisioneiros de guerra
russos ao NKVD. NO fim de junho de 1945, Thomas Brimelow, outro socialista,
declarou estar confiante em que as conquistas soviéticas garantiriam uma
distribuição mais equilibrada da propriedade85. Só em 1946, com Ernest Bevin
firme em seu posto de secretário do Exterior, e com um novo chefe no
Departamento do Norte (Robin Hankey), o Ministério do Exterior começou a
adotar uma atitude mais realista em relação à Rússia soviética.
Essa selva de ilusões e enganos era da maior importância para Stalin, para
consolidar seu império, agora mais extenso. Porém, enquanto apreciava a
assistência tão generosamente dada, não tinha intenção de observar os
preparativos da refeição sem tomar parte ativa nos mesmos.

XVII. Objetivos comuns e decisões desonestas


"Antônio: Estes então devem morrer; seus nomes estão marcados.

Otávio: Teu irmão também deve morrer; consentes, Lépido?

Lépido: Sim, eu consinto.”

Júlio César, IV, 1, 1-3

A repatriação forçada dos cidadãos soviéticos foi sem dúvida o exemplo mais
notável da política de apaziguamento do Ocidente, em 1945. Mas uma operação
destaca-se das outras, e seus detalhes permaneceram em segredo até agora.
Ainda hoje não é possível contar a história toda, embora muitos homens que
vivem ainda possam revelar a verdade, se se dispuserem a falar. Porém, provas
recém-descobertas nos permitem delinear os fatos.

Em 17 de janeiro, uma breve nota do Pravda anunciava o julgamento e execução


de seis homens, todos condenados por comandarem destacamentos da Guarda
Branca que cooperaram com os alemães contra a União Soviética, durante a
grande guerra da Mãe Pátria. A relação era a seguinte: Ataman (líder cossaco),
P. N. Krasnov, o general-de-divisão A. G. Chkuro, o general-de-brigada e
príncipe Sultan-Ghirei, o general-de-brigada S. N. Krasnov, o general-de-brigada
T. I. Domanov (todos descritos como comandantes do Exército Branco) e um
general alemão, Helmuth von Pannwitz. Para os russos, a lista de nomes não
precisava de comentários. Relacionava seis dos mais perigosos e inveterados
oponentes do poder soviético, cujas atividades cobriam os trinta anos de
existência do regime bolchevista. Com a ajuda de armamento estrangeiro, esses
homens, em ocasiões sucessivas, estiveram muito perto de derrubar a ditadura
russa.

Piotr Nikolaievitch Krasnov comandara as tropas que em setembro de 1917


marcharam sobre Petrogrado, numa tentativa malograda de impedir o golpe
bolchevista iminente. Um ano depois, ele comandou seus cossacos do Don
contra Tsaritsin (mais tarde Stalingrado), cujos defensores do Exército Vermelho
eram comandados pelo próprio Stalin. Krasnov retirou-se para o exílio, onde
escreveu romances polêmicos e artigos violentamente hostis à União Soviética.
Na Segunda Guerra Mundial, ele trabalhou com as unidades militares
antissoviéticas formadas pelos alemães. Nessa época, ele era uma figura de proa
da resistência, e quando morreu, em 1947, tinha quase oitenta anos.

O segundo em fama era Andrei Chkuro, outro veterano líder cossaco. Como um
ousado líder de guerrilha na Primeira Grande Guerra, conduziu seus cossacos
Kuban nos ataques devastadores ao Exército Vermelho no sul da Rússia, durante
a Guerra Civil. Os “lobos” de Chkuro, como eram conhecidos, tinham fama de
praticar pilhagem e atos de banditismo de grande ousadia, e o próprio Chkuro
passou seus anos de exílio em farras com companheiros russos-brancos e
realizando incríveis proezas hípicas num circo ambulante. Quando os alemães
reorganizaram as unidades dos cossacos, em 1943, o veterano Chkuro era muito
requisitado, sempre que a vodca e as canções cossacas fluíam ao redor das
fogueiras de acampamento.

O príncipe Ghirei, outro veterano da Guerra Civil, juntara-se também aos


voluntários caucasianos, ao lado dos alemães. Os outros eram Semion Krasnov,
filho do velho Ataman, e Timofei Domanov, major do Exército Vermelho
capturado e designado pelos alemães para o comando de uma comunidade de
cossacos fugitivos chamada Kazatchi Stan. O general Von Pannwitz era o único
entre eles que não era russo. Eminente oficial alemão da cavalaria, fora
designado para o comando do 15.° Corpo de Cavalaria Cossaco, que lutou contra
os guerrilheiros de Tito na Iugoslávia.

Não havia nenhuma explicação de como os líderes brancos agora mortos haviam
caído nas mãos dos soviéticos, a não ser que tinham sido “presos”. A Grande
enciclopédia soviética mais tarde informava que Piotr Krasnov tinha sido
capturado pelas forças soviéticas em 1943. Não era verdade, pois os seis homens
tinham sido entregues pelas autoridades militares britânicas na Áustria, às quais
os generais e seus companheiros tinham se rendido em 1945. Desde a publicação
de Vítimas de Yalta, em 1978, o público está a par da história da repatriação
pelas forças aliadas, no fim da Segunda Guerra, e pode-se perfeitamente supor
que os seis generais foram entregues aos soviéticos segundo o agora conhecido
acordo assinado em 11 de fevereiro de 1945, em Yalta.

Na verdade, não foi isso o que aconteceu. O Acordo de Yalta, tanto na sua
redação quanto na interpretação, trata exclusivamente da repatriação de cidadãos
soviéticos, isto é, pessoas que, no começo da guerra ou durante a mesma, eram
cidadãos soviéticos. Essa distinção foi considerada muito importante, desde o
começo, pois as autoridades soviéticas exigiam a repatriação de milhares de
cidadãos dos países do Báltico, poloneses e romenos, cujos territórios lhes
tinham sido concedidos por Hitler em 1939. A Grã-Bretanha e os Estados
Unidos não estavam preparados para reconhecer essas conquistas, e recusaram-
se a entregar cidadãos das regiões ocupadas que não desejassem voltar. Outra
categoria era representada pelos milhões de russos-brancos que haviam
emigrado durante a revolução, e que tinham agora outra cidadania ou eram
classificados como sem cidadania. Eles também nunca tinham vivido na URSS e
não podiam ser considerados cidadãos soviéticos.

Dos seis generais assassinados no pátio da prisão de Lefortovo, em 1947, apenas


um, Domanov, estava sujeito a voltar, segundo o Acordo de Yalta. Dos outros,
quatro eram russos-brancos e o quinto, alemão. Até hoje, o Ministério do
Exterior insiste em dizer que esses homens não podiam ter sido entregues com
seu conhecimento, e professa ignorância quanto aos detalhes dessa tragédia. Em
todos os casos de repatriação, os russos que caíram nas mãos dos britânicos
foram cuidadosamente selecionados para garantir que somente cidadãos
soviéticos fossem obrigados à repatriação. Se houve ocasionalmente erros
trágicos, foram devidos às confusas circunstâncias da época. Entretanto, minha
pesquisa indica que a devolução de Krasnov e seus companheiros não foi um
erro, mas um plano cuidadosamente organizado.

Depois da capitulação alemã, em 9 de maio de 1945, a Áustria ocupada pelos


ingleses era administrada por cinco corpos do 8.° Exército, comandados pelo
general-de-divisão Charles Keightley. Este estabeleceu seu quartel-general em
Klagenfurt e começou a restaurar a ordem entre as caóticas ruínas da guerra. Um
dos problemas mais urgentes era estabelecer um modus vivendi com as
autoridades soviéticas vizinhas, e, a 12 de maio, Keightley foi a Wolfsberg,
dentro da zona britânica, para se encontrar com a delegação do marechal
Tolbukhin. Durante o encontro, um oficial soviético presente levantou a questão
que estava preocupando muito seu governo. Sabiam que cerca de quarenta ou
cinquenta cossacos que lutavam ao lado do inimigo haviam se rendido aos
ingleses, na Áustria, nos últimos dias.

Não existem registros dessa conversa nos arquivos importantes da Grã-Bretanha,


embora a reunião tenha sido gravada em filme que está hoje no Museu Imperial
de Guerra. Entretanto, é possível reconstruir alguns detalhes, consultando a
autobiografia do então chefe da Delegação do Alto Comando do Exército
Vermelho, general Semion Chtemenko. No segundo volume de suas memórias,
que conta a derrota final da Alemanha, ele descreve a captura dos líderes
cossacos. Depois de um histórico sobre as atividades dos generais Piotr Krasnov,
Andrei Chkuro e Sultan-Ghirei, e o relato de sua rendição aos ingleses, na
Áustria, aparece a seguinte passagem, bastante significativa:

“O governo soviético fez então um protesto enérgico junto aos nossos aliados
sobre Krasnov, Chkuro, Sultan-Ghirei e outros criminosos de guerra. Os ingleses
procuraram ganhar tempo; porém, uma vez que nenhum dos velhos generais da
Guarda Branca nem seus homens valiam muita coisa, colocaram-nos em
caminhões e os entregaram às autoridades soviéticas”1.

Chtemenko estava em ótima posição para conhecer os fatos, portanto suas


palavras são significativas 2. “O governo soviético apresentou então um
enérgico protesto junto aos nossos aliados sobre Krasnov ... Os ingleses
procuraram ganhar tempo...” Isso só pode significar que os britânicos recusaram-
se, a princípio, a atender o pedido. Só depois de alguma consideração
concordaram. Logo veremos que a versão de Chtemenko origina-se de
documentos britânicos aos quais ele não podia ter acesso. Mas por que Keightley
recusou o pedido em Wolfsberg, a 12 de maio, como insinua o relato de
Chtemenko? Afinal a política coerente dos ingleses, desde o mês de setembro,
havia providenciado o retorno de todos os cidadãos soviéticos capturados para a
União Soviética. Em outubro, o quartel-general das forças aliadas fora
informado pelo Ministério do Exterior de que cidadãos soviéticos capturados ou
libertados na Itália deviam ser repatriados, independentemente de suas
vontades3. Depois disso, foram embarcados para campos no Egito e
transportados para a União Soviética pela rota do Oriente Médio. Em 22 de
março de 1945, mil seiscentos e cinquenta e sete homens da 162.a Divisão de
Turcomanos, uma unidade aguerrida da Wehrmacht formada por soviéticos da
Ásia central capturados, foram enviados, por mar, de Taranto para Odessa.

Se os turcomanos podiam ser mandados para casa de acordo com os


regulamentos do Ministério do Exterior, por que Keightley não considerou os
cossacos sujeitos às mesmas regras? Nas três semanas em que sua sorte estava
sendo decidida, milhares de outros cidadãos soviéticos — prisioneiros de guerra
libertados, pessoal capturado que trabalhava para os alemães, refugiados —
continuaram a ser entregues aos soviéticos. Não tinham escolha, a força era
frequentemente aplicada e nenhuma outra autoridade além da política britânica
já existente nos últimos sete meses era necessária para que fossem obedecidas as
ordens dos comandantes aliados4.

O motivo parece simples. As unidades cossacas capturadas na Áustria incluíam


uma grande proporção do que o diário de guerra do 5.° Corpo da 36.a Brigada de
Infantaria chamava de “czaristas exilados”, isto é, russos que haviam emigrado
na época da revolução. Em nenhuma circunstância, a política britânica existente
sobre repatriação forçada poderia ser aplicada a eles.

A recusa inicial de Keightley em entregar os três generais russos-brancos sugere


que ele já tinha conhecimento do significado de não terem cidadania soviética.
Se não conhecia, ao voltar a Klagenfurt com certeza teria pedido um relatório
completo a fim de considerar devidamente a exigência soviética. O brigadeiro C.
E. Tryon-Wilson, que na época servia no grupo de Keightley, recorda-se
claramente da lista de nomes fornecida pelos soviéticos e do embaraço
provocado pelo fato de que nenhum dos três se enquadrava na disposição do
Acordo de Yalta. Pois, se Keightley já não conhecia a identidade dos russos
relacionados, o pedido de Tolbukhin o obrigaria a investigar imediatamente.
Nenhuma dificuldade nisso. Krasnov e seus companheiros estavam detidos na
36.a Brigada de Infantaria, comandada pelo brigadeiro Geoffrey Musson, no
vale do Drau, perto de Lienz e de Oberdrauburg. Sua capitulação tinha sido
negociada em 7 de maio, quando uma delegação de cossacos atravessou as
montanhas para encontrar-se com Musson e seu comandante-de-divisão, o
general-de-brigada Robert Arbuthnott. Os representantes dos cossacos eram o
general Vassiliev, antigo oficial da guarda imperial do czar, Nikolai Krasnov,
neto do general Piotr, e Olga Rotova, uma cidadã iugoslava que falava inglês,
que havia trabalhado na Standard Oil Company. Nenhum deles era cidadão
soviético, e os dois generais britânicos foram informados detalhadamente de
suas origens e posições. No dia seguinte, Musson foi de automóvel até o quartel-
general dos cossacos, onde conheceu o próprio general Krasnov e negociou a
capitulação dos caucasianos com o príncipe Ghirei. Logo depois, em 10 de maio,
o general Chkuro caiu nas mãos dos ingleses, que ficaram intrigados ao notar
que ele “havia lutado sob as ordens de Denikine”, o comandante dos exércitos
brancos antibolchevistas, em 1918.

Assim, quando o general Keightley verificou os nomes da lista de Tolbukhin,


descobriu que os prisioneiros comandantes cossaco e caucasiano, com grande
número de seguidores, eram (como registra o diário de guerra da 36.a Brigada de
Infantaria) “pessoas deslocadas, de nacionalidade não soviética”. Em 6 de maio,
o quartel-general das forças aliadas em Caserta (AFHQ) { AFHQ: Anglo-French
Highquarters, Quartel-General Anglo-Francês} enviara ao QG do 8.° Exército
uma definição exata do que significava um cidadão soviético 5. Os generais
cossacos estavam claramente excluídos dessa categoria.

Havia outro problema. Na ocasião da capitulação dos cossacos as forças de


Keightley, o velho general Krasnov havia enviado uma carta ao marechal-de-
campo Alexander, o qual, como supremo comandante dos Aliados no
Mediterrâneo (SACMED), tinha a responsabilidade última por tudo o que
acontecia na Itália e na Áustria ocupadas pelos Aliados. No seu apelo, Krasnov
chamava a “atenção para a posição especial do exército cossaco, lembrava como
haviam lutado juntos contra os comunistas na Guerra Civil russa, e pedia que as
tropas britânicas sob seu comando protegessem a terra dos cossacos contra os
soviéticos e transmitissem ao seu governo o pedido de asilo para todos, como
refugiados sem pátria”6.

Essa carta foi enviada à 36.a Brigada de Infantaria pelo quartel-general do


batalhão local, e daí, via 78.a Divisão de Infantaria, ao QG do 5.° Corpo. Sua
passagem e recebimento foram lembrados pelo brigadeiro Tryon-Wilson e pelo
general Sir Geoffrey Musson. Cartas escritas posteriormente pelo general
cossaco jamais chegaram ao destino, e parece certo que esse e outro apelo feitos
a Alexander no fim do mês foram interceptados en route. Não é difícil perceber
por quê.

Como insinuava a carta de Krasnov, havia uma boa razão para que o marechal-
de-campo simpatizasse com a situação dos cossacos. Não se tratava apenas de
uma atitude cavalheiresca, mas também de antiga associação à causa deles.
Quando era um jovem major dos Guardas Irlandeses, fora designado, em 1919,
para o comando das forças organizadas pelos recém-formados países bálticos
para resistir à invasão bolchevista. O general russo-branco Iudenitch lhe conferiu
uma condecoração, que ele continuava a usar orgulhosamente. Os cossacos
representavam as últimas unidades de combate daqueles exércitos brancos de
cuja causa Alexander havia compartilhado. Poderia parecer inconcebível que
Alexander concordasse com a exigência soviética, dada a associação sentimental
íntima e o fato de que, como um velho exilado, Krasnov e os dois outros
cossacos que constavam das listas dos soviéticos não estavam de modo algum
sujeitos aos regulamentos de repatriação. O que poderia Keightley fazer? Estava
muito inclinado a aceder à exigência soviética. Mas não tinha autoridade para
isso, e ir além dos seus poderes representava uma decisão política.

Para resolver problemas desse tipo, o governo britânico havia nomeado um


ministro residente no AFHQ, em 1942, cuja tarefa consistia em proporcionar
uma presença política no QG. O ministro era Harold Macmillan, que trabalhava
em cooperação íntima com o marechal-de-campo Alexander, em Caserta, e
mantinha contato regular com o primeiro-ministro (Winston Churchill) e com o
secretário do Exterior (Anthony Eden). Se Keightley tinha motivos para não
pedir instruções a Alexander, Macmillan era a pessoa a ser consultada.

Em 13 de maio, no dia seguinte ao recebimento, por Keightley, da exigência


soviética, Macmillan viajou para seu QG em Klagenfurt. Os dois homens
conversaram sobre a situação criada para as forças britânicas na Áustria. Foi
discutido o problema dos cossacos, e Keightley explicou que eles representavam
um fardo para o sistema de fornecimento aliado, já tão sobrecarregado, e podiam
vir a ser motivo de discórdia entre os ingleses e as autoridades soviéticas. A
solução óbvia seria entregá-los às forças de Tolbukhin, mas surgira um sério
obstáculo.

Além disso, não temos informação direta sobre o que transpirou no encontro, e
os esforços para elucidar o assunto têm sido inúteis. Infelizmente o general
Keightley faleceu um pouco antes que eu pudesse entrar em contato com ele.
Escrevi três vezes para o sr. Macmillan, em 1974, 1975 e 1981, a primeira vez
com perguntas de ordem geral e depois com questões mais específicas. Ele
declarou firmemente que não podia me ajudar.

Felizmente, entretanto, é possível reconstruir um quadro quase completo, com


base em evidência oral. Em primeiro lugar, é importante notar que ninguém
estava mais a par da política britânica do que Harold Macmillan. Logo depois de
assinar o Acordo de Yalta, ele recebeu um longo telegrama do Ministério do
Exterior, determinando a política a ser adotada na área administrada pelo AFHQ.
Foi informado de que

“a linha que adotamos e que deve ser seguida é de que todos os que são cidadãos
soviéticos segundo as leis britânicas devem ser repatriados, e todos os que não
são cidadãos soviéticos segundo a lei britânica não devem (repito: não devem)
ser enviados de volta à União Soviética, a não ser que desejem voltar”7.

A despeito de estar a par da política do governo britânico, é difícil não concluir


que foi Macmillan quem persuadiu ou encorajou Keightley a entregar os homens
relacionados por Tolbukhin. A recusa inicial de Keightley indica que ele tinha
conhecimento do fato de não ter poder suficiente para consentir, e que ia
procurar autoridade mais alta. Essa autoridade só podia ser o ministro residente.
Os subordinados de Keightley em várias ocasiões foram informados de que o
que aconteceu a seguir foi baseado numa “decisão política”.

Em suas memórias, repetindo trechos de um diário escrito na época, Macmillan


escreve:

“Entre os alemães que se entregaram, havia cerca de quarenta mil cossacos e


russos-brancos, com as mulheres e os filhos. Naturalmente, foram reclamados
pelo comandante russo, e não tivemos alternativa senão entregá-los. Na verdade,
não teríamos meios de negociar com eles, se tivéssemos recusado. Mas foi um
enorme desgosto para mim verificar que não havia outro caminho a seguir”.

Talvez involuntariamente, deixou claro que sabia da presença dos exilados


brancos entre os cossacos de origem soviética; além disso, como implica sua
última sentença, sabia que todos os cossacos faziam forte objeção à volta à
Rússia. A referência à reclamação do comandante russo mostra também que ele
estava a par do pedido de Tolbukhin, que especificava a entrega de Krasnov,
Chkuro e Ghirei.

A única alternativa para a participação de Macmillan seria o fato de Keightley,


por motivos ignorados e com grande risco pessoal, ter resolvido enganar
Alexander e realizar a operação por iniciativa própria. Isso não só é improvável
per se, como levanta a questão de que, se fosse esse o caso, por que ele não
acedeu ao pedido de Tolbukhin logo que o recebeu?

Antes de descrever os notáveis subterfúgios que se seguiram, é preciso notar que


a decisão política que enviou Krasnov e seus companheiros para a morte não foi
uma decisão isolada. Além dos dois grandes grupos de cossacos, o que era
comandado por Krasnov e o ex-major do Exército Vermelho, Domanov, em
Lienz, e os cossacos comandados por Von Pannwitz (cerca de cinquenta mil
pessoas ao todo) mais para o leste, havia dois outros grandes grupos de “russos”
detidos no 5.° Corpo. Em Klein St. Veit, havia quatro mil e quinhentos homens
do Schützkorps, uma unidade em grande parte composta de russos-brancos
residentes na Iugoslávia. Comandados pelo coronel Rogojin, haviam recuado
ante o avanço de Tito e entregaram-se aos ingleses. E nas proximidades de
Spittal, perto de Lienz, estava a divisão SS de nacionalistas ucranianos,
conhecida como Galícia. Seus dez mil homens tinham lutado contra o Exército
Vermelho, e havia entre eles, segundo os ingleses, um grande número de
cidadãos soviéticos.

Essas duas unidades foram poupadas, não sendo entregues aos soviéticos.
Infelizmente, todos os documentos relativos a essa importante decisão
desapareceram do arquivo; portanto, só podemos adivinhar a razão. Um certo
coronel Walton Ling, da Cruz Vermelha, que havia servido no Exército Branco
no sul da Rússia, defendeu a causa do Schützkorps com grande entusiasmo junto
ao QG do 5.° Corpo. É muito provável que tenha previsto a criação de uma
situação embaraçosa se os homens de Rogojin fossem ameaçados com a
repatriação. Do mesmo modo, os ucranianos incluíam muitos cidadãos poloneses
que estavam em contato com o general Anders e o 2.° Corpo Polonês na Itália —
amigos embaraçosamente vociferantes.

Fosse qual fosse a razão, foi tomada uma decisão definitiva de não repatriar o
Schützkorps e nem a Divisão Galícia. Foi uma importante decisão política. É
difícil acreditar que Tolbukhin não tenha reclamado pelo menos a entrega dos
ucranianos; o próprio Stalin fez isso em Potsdam, dois meses mais tarde. Parece
inconcebível que o general Keightley tivesse, por iniciativa própria, tomado uma
decisão política de tão grande alcance como essa. Exatamente para resolver esse
tipo de contingência é que Macmillan fora enviado para o AFHQ.

Uma coisa é certa: nas vinte e quatro horas que sucederam a visita de Macmillan
a Klagenfurt, o general Keightley tomou a espantosa decisão de eliminar a carta
de Krasnov e ocultar de seus superiores o fato de que os soviéticos haviam
exigido a entrega dos três generais russos-brancos. Pois, no dia seguinte, 14 de
maio, enviou este telegrama ao marechal-de-campo Alexander:

“Por conselho Macmillan sugeri hoje ao general soviético Tolbukhin que


cossacos devem ser entregues aos SOVIÉTICOS imediatamente. Expliquei não
tinha poder para fazer isso sem sua autoridade mas ficaria satisfeito saber
opinião de Tolbukhin e se coincidisse com as minhas pediria sua permissão
imediatamente. Não vejo motivo para manter este grande número de soviéticos
que são sem dúvida fonte de disputa entre soviéticos e britânicos”.

O telegrama de Keightley oculta deliberadamente o fato de que um pedido já


fora feito pelos soviéticos, e que os nomes importantes relacionados nele eram
os de homens que não eram cidadãos soviéticos. Os fatos que se seguiram em
rápida sucessão provam que essa omissão não foi “um esquecimento”.

A resposta de Alexander (devemos presumir que tenha havido uma resposta) não
está nos arquivos. Portanto, só podemos imaginar seu conteúdo: possivelmente a
reiteração do regulamento tão conhecido, segundo o qual os cidadãos soviéticos
deviam ser devolvidos sumariamente às próprias autoridades. O que não podia
constar dela era qualquer autoridade específica para entregar os cossacos. Pois,
em 17 de maio, Alexander enviou um pedido de instrução pessoal ao Alto
Comando Combinado em Washington.

“Para nos ajudar a diminuir a congestão no sul da Áustria, pedimos com


urgência instruções sobre a disposição final. . . de aproximadamente cinquenta
mil cossacos, incluindo onze mil mulheres, crianças e velhos. Fizeram parte das
forças armadas alemãs e lutaram contra os Aliados. . . devolvê-los aos seus
países de origem imediatamente pode ser fatal para suas vidas. Peço decisão o
mais breve possível quanto à disposição final.”

A decisão tomada em Klagenfurt de ocultar a presença de russos-brancos entre


os cossacos não foi evidentemente uma precaução inútil. Embora tivesse
motivos para acreditar que somente cidadãos soviéticos estavam envolvidos, o
nobre marechal-de-campo expressou a maior aversão à idéia de enviá-los a tão
bárbaro destino.

E, a despeito de suas instruções para devolver todos os cidadãos soviéticos, ele


estava tentando ganhar tempo com seu apelo ao Alto Comando Combinado. Ao
mesmo tempo, ele sugeriu a Eisenhower a remoção dos cossacos para a
Alemanha, uma vez que as forças do AFHQ da Áustria enfrentavam a
possibilidade de um conflito com os comunistas iugoslavos. Esse telegrama por
sua vez chamou a atenção de Winston Churchill, que, como secretário de Estado
para a guerra, em 1919, havia se comprometido profundamente com a
intervenção britânica a favor da causa dos russos-brancos na Guerra Civil russa,
e cujas simpatias eram idênticas às de Alexander. “Como chegaram a essa
situação?”, perguntou ele, pedindo outro relatório; “Lutaram contra nós?”9

Churchill só recebeu o relatório em 5 de junho, e só no dia 20 o Alto Comando


Combinado (respondendo a Alexander) aprovou a entrega dos cossacos que
fossem cidadãos soviéticos. Entretanto, a grande maioria dos cossacos já havia
sido entregue aos soviéticos de 20 de maio a 2 de junho, em condições de grande
violência. Por volta de 28 de maio, o coronel Phillimore, do Ministério da
Guerra, em Londres, soube que os cossacos estavam sendo “trocados, segundo o
Acordo de Yalta, pelo 5.° Corpo”, e recomendou que essa ação fosse aprovada.
Mais ou menos ao mesmo tempo, funcionários do Ministério do Exterior
concordaram que todos os cossacos “que são cidadãos soviéticos” fossem
entregues aos soviéticos, em uma comunicação dirigida a todo o gabinete.

Como veremos mais adiante, a decisão de repatriar os cossacos na Áustria, à


força, se necessário, fora tomada no QG do 5.° Corpo do Exército, no máximo
até 20 de maio. As deliberações superiores foram antecipadas pela própria
ocorrência. Como aconteceu? A explicação parece ser que Churchill, por algum
motivo, não esperou a resposta ao seu inquérito de 20 de maio, e deu instruções
a Alexander para efetuar a extradição.

Em 26 de maio, Geoffrey McDermott, do Ministério do Exterior, escreveu ao


coronel C. R. Price, secretário assistente militar do gabinete de Guerra,
confirmando que “os cossacos estão enquadrados no Acordo de Yalta... portanto,
consideramos essencial que todos os que tenham cidadania soviética sejam
entregues às autoridades soviéticas de acordo com nossa política geral”. Como
essa recomendação foi posterior às providências já em efeito para a repatriação,
na Áustria, é evidente que não pode ter sido o que deu a Keightley autoridade
para agir. Mas de que adiantava uma determinação posterior ao fato? Isso
provavelmente é explicado pelo próprio McDermott:

“Na melhor das hipóteses, Alexander recebeu ordens, talvez de viva voz, de
alguém muito importante, como Winston, para tomar as necessárias providências
para a repatriação. . . e quando chegasse o momento, efetuá-la. Então, o gabinete
consciencioso pediu alguma coisa por escrito ao Ministério do Exterior. . . Uma
carta de um oficial subalterno, como eu, seria suficiente para seus arquivos”.

Isso nos dá a peça que faltava no quebra-cabeça. Em 25 de maio, o 5.° Corpo do


Exército finalmente recebeu uma diretriz para o repatriamento de todos os
cidadãos soviéticos na Áustria. Até 22 de maio, o AFHQ continuava a proibir o
uso da força na devolução dos cidadãos soviéticos; portanto, é provável que,
entre 22 e 25 de maio, Churchill tenha enviado instruções a Alexander para
entregar os cossacos. Assim também, é certo que o primeiro-ministro tinha em
mente apenas cidadãos soviéticos, uma vez que era o que especificava a nota do
Ministério do Exterior e a ordem do AFHQ.

O que teria levado Churchill a agir desse modo, antes de receber a resposta ao
seu inquérito e antes de Alexander receber ordens do alto comando, não
sabemos. É possível que tenha recebido um relatório de Harold Macmillan em
pessoa, enfatizando a urgência da operação. Macmillan foi à Inglaterra para
conferenciar com o primeiro-ministro em 19 de maio. No dia seguinte, Churchill
enviou o inquérito sobre os cossacos. Com o homem mais bem-informado sobre
o assunto ao seu lado, é improvável que não o tenha discutido com o ministro
residente. Assim também, não é provável que Macmillan tenha deixado passar a
oportunidade de repetir ao primeiro-ministro a opinião que transmitira a
Keightley uma semana antes: que os cossacos deviam ser devolvidos. Nesse
caso, ele por certo não mencionou o fato de que havia entre eles exilados russos-
brancos. Os nomes de Krasnov e Chkuro sem dúvida teriam despertado
lembranças agradáveis. Pois foi Churchill quem, como secretário de Estado,
advogara ardentemente, em 1918-19, o apoio aos seus exércitos brancos na
guerra contra os bolchevistas.

Em 22 de maio, Macmillan voltou ao AFHQ em Caserta, e no dia seguinte


iniciaram-se as negociações, em Wolfsberg, para a devolução dos cossacos. Em
vista da diretriz do primeiro-ministro para devolver os cossacos como cidadãos
soviéticos, sujeitos ao regulamento da Conferência de Yalta, Alexander só
precisava dar a ordem. O logro tinha passado despercebido. Mas o primeiro-
ministro e o comandante supremo dos Aliados não eram os únicos que deviam
ser ludibriados, e no fim de maio uma atmosfera de crise envolveu Keightley e
seus confidentes do QG do 5.° Corpo do Exército.

O tom e as implicações do relato do general Chtemenko, citado acima, sugerem


que os líderes exilados eram o principal objeto de interesse dos soviéticos.
Naturalmente queriam o resto dos cossacos, oficiais e soldados, mas como
subsidiários ao objetivo principal. Para seus colaboradores britânicos, era
evidente que o destino de Krasnov e dos generais seus companheiros estava de
qualquer modo indissoluvelmente ligado ao dos seus seguidores. Evidentemente,
não era possível retirá-los do campo cossaco sem tornar perigosamente claro,
antes ou depois do fato, que fora feito um acordo secreto para sua abdução.

A maior parte dos oficiais cossacos e caucasianos que estavam em Lienz e em


Oberdrauburg haviam emigrado em 1917-21, bem como uma minoria de outras
patentes e suas famílias. Não podiam ser separados dos seus camaradas
soviéticos, como exigiam as instruções do AFHQ, porque isso naturalmente
excluiria os três oficiais que os soviéticos estavam mais ansiosos por obter. Para
Keightley — e possivelmente para Macmillan —, era um sério dilema.

Estavam resolvidos, por motivos que não conhecemos, a aceder ao pedido dos
soviéticos. Mas como conseguir a autorização necessária do AFHQ para incluir
os homens mais desejados pelas autoridades soviéticas? Alexander certamente
rejeitaria qualquer sugestão de que os homens não enquadrados nas
determinações do Acordo de Yalta fossem entregues aos soviéticos. Nesse caso,
a qual autoridade Keightley poderia recorrer?

Foi elaborado um plano muito hábil para conduzir o assunto para essa e outras
armadilhas. Podia ser feita uma petição a Alexander, sem chamar atenção
inconveniente para o fato de que estavam envolvidos russos-brancos.
Naturalmente, ele seria obrigado a responder, embora relutantemente, que as
determinações do Acordo de Yalta deviam ser aplicadas. Os cidadãos soviéticos
deviam ser entregues às autoridades soviéticas. Nesse meio tempo, bastava
proceder a uma operação secreta e rápida, na qual todos os cossacos,
independentemente de cidadania, fossem devolvidos aos soviéticos. Uma vez
nas mãos dos seus inimigos, não precisavam temer que algum russo-branco
voltasse para contar a história.

Essa parte do plano parecia garantida, o único impedimento ao seu sucesso era a
possibilidade de que o marechal-de-campo viesse a saber da presença dos seus
ex-camaradas russos-brancos na área controlada pelo 5.° Corpo. Foi um risco
rapidamente evitado. Já foi mencionado que Krasnov escrevera a Alexander na
primeira quinzena de maio, mas não tivera resposta. No fim do mês, pouco antes
da entrega dos homens, Krasnov escreveu novamente para Alexander, para o rei
Jorge VI, para o rei Pedro da Iugoslávia (vários cossacos eram seus súditos) e
para o papa. Nenhuma dessas petições chegou ao destino.

Chkuro escreveu também explicando aos ingleses a situação dos cossacos. Mais
ou menos em 23-24 de maio, fez uma completa exposição de seu “papel na
organização, em particular”. Seu caso era especialmente embaraçoso, pois o rei
Jorge V lhe havia conferido a Ordem do Banho, em 1919, por atos de coragem
ao lado das tropas britânicas, no sul da Rússia. A existência dessas cartas é
comprovada por uma referência no diário de guerra da 36.a Brigada, segundo a
qual elas foram enviadas ao quartel-general da divisão. Mas as cartas
desapareceram dos arquivos, e não há dúvida de que não passaram além do QG
do 5.° Corpo. Três dias depois de enviar sua segunda carta, Chkuro foi
removido, de madrugada, para uma prisão isolada, até ser entregue aos
soviéticos em 29 de maio.

Muito se tem conjeturado sobre a redação das ordens. Infelizmente, nada está
registrado das discussões sobre o assunto no QG do 5.° Corpo. Lorde Aldington,
que, como Toby Low, era então brigadeiro-general em Klagenfurt, informou-me
de que não se recorda de nada a respeito. É decepcionante, uma vez que ocupava
um posto central de planejamento.

O perigo tornava-se mais acentuado. Em 20 de maio, os comandantes do campo


souberam que devoluções em grande escala estavam sendo planejadas, e
chegavam questionários sobre o enquadramento dos russos. No dia 21, um
documento curioso, intitulado “Definição de NACIONAIS RUSSOS”, foi
enviado pelo brigadeiro Musson do 5.° Corpo para o QG da 36.a Brigada de
Infantaria. Explicava que

“1. Foram referidos a este QG vários casos de dúvida sobre se certas fmns
(formações) e grupos devem ser considerados como NACIONAIS
SOVIÉTICOS no que se refere à sua devolução à União Soviética pelo 5.°
Corpo. As regras para esses casos são dadas abaixo. SCHÜTZKORPS RUSSOS
. .. NÃO serão tratados como NACIONAIS SOVIÉTICOS, até ordens em
contrário.

Serão tratados como NACIONAIS SOVIÉTICOS:

Grupo ATAMAN

15.° CORPO CAV. COSSACOS. . .

Unidades de reserva do general-de-divisão CHKURO CAUCASIANOS. . .


2. Casos individuais NÃO serão considerados, a não ser quando especialmente
pressionados. Nesses casos e no caso de apelos de outras unidades ou fmns,
aplica-se a seguinte diretriz:

a) Qualquer indivíduo agora em nossas mãos que, na ocasião de se unir às forças


alemãs..., estivesse vivendo dentro dos limites da URSS em 1938, será tratado
como NACIONAL SOVIÉTICO para efeito de transferência.

b) Qualquer indivíduo, embora de sangue russo, que, antes de se unir às forças


alemãs, não estivesse na Rússia desde 1930, NÃO será, até ordens em contrário,
tratado como NACIONAL SOVIÉTICO.

c) Em caso de dúvida, o indivíduo será tratado como NACIONAL


SOVIÉTICO.”

O “Grupo Ataman” era, como me informou o general Musson em 1974, um


nome indicativo do general Krasnov e seu grupo de generais superiores, em
Lienz. Apenas um deles (Domanov) era cidadão soviético, como Musson e seu
superior, Arbuthnott, sabiam muito bem. O 15.° Corpo de Cavalaria Cossaco
tinha grande número de oficiais alemães e russos-brancos — não cidadãos
soviéticos. “Unidades de reserva do general-de-divisão CHKURO” é uma frase
ambígua que podia ser interpretada como incluindo Chkuro ou não. Os
caucasianos, como as outras unidades, eram, em sua maioria, comandados por
antigos exilados.

Assim, a lista de unidades que deviam ser repatriadas na seção 1 incluía uma
grande proporção de casos que a seção 2 declarava não sujeitos a repatriação. E
onde estava o corpo principal dos vinte e dois mil cossacos em Lienz?
Inexplicavelmente, não foram mencionados! Podemos imaginar Musson e todos
os que receberam esta mélange de contradições, coçando a cabeça e telefonando
para o brigadeiro Toby Low, em Klagenfurt.

Na verdade, a “Definição” de 21 de maio era produto de curiosa elaboração, e


tinha sido planejada com muita habilidade. Se alguém, no QG do exército ou no
AFHQ, ouvisse falar do assunto, a “Definição” era prova de que estavam sendo
feitos todos os esforços para identificar e não devolver cidadãos não-soviéticos.

A prova de que a “Definição” de 21 de maio não passava de cortina de fumaça


para ocultar o fato de que Krasnov, Chkuro e os exilados russos-brancos deviam
ser incluídos na devolução iminente, está no que vamos relatar a seguir. Se o
general Arbuthnott ou o brigadeiro Musson chegaram a ter a intenção de
questionar o documento contraditório, devem tê-la abandonado imediatamente.
Como revelou o general Musson recentemente, “. . .o general Arbuthnott e o
general Keightley, bem como seu oficial superior [Toby Low], deixaram bem
claro que todos os oficiais [cossacos] deviam ser devolvidos e que as ordens
eram do QG do marechal-de-campo Alexander”.

O general Arbuthnott, como lembra o brigadeiro Tryon-Wilson (oficial do QG


do 5.° Corpo), na verdade fez objeções, mas recebeu também uma ordem
sumária para obedecer. Keightley lhe disse que fora tomada uma decisão
política, que não tinham escolha senão aceitar. No dia seguinte à publicação da
“Definição” de 21 de maio, o AFHQ baixou a seguinte ordem:

“1. Todos que são cidadãos SOVIÉTICOS e que podem ser entregues aos
RUSSOS sem uso da força devem [ser] devolvidos pelo 8.° EXÉRCITO.

2. Todos os outros devem ser evacuados para o 12.° GRUPO DO EXÉRCITO.

3. Definição do cidadão soviético é dada na carta do AFHQ. . . de 6 de maio


endereçada a... 8.° EXÉRCITO. Ref. seu A4073 de 21 de maio pedindo
informações sobre o curso de ação em relação aos cossacos” 10.

Essas instruções deixam bem claro, pelo menos no que se refere ao AFHQ, que
nessa época nem pensavam no uso da força, muito menos na devolução de
russos-brancos contra a sua vontade. Só em 25 de maio chegou a ordem na qual
se baseou a operação de repatriação:

“Decisão recebida agora 15.° Gp. Exército, todos os CIDADÃOS


SOVIÉTICOS, inclusive categorias sujeitas a prisão, serão tratados como
soldados que se renderam e serão portanto entregues aos russos. Quanto ao 5.°
Corpo, favor agir do mesmo modo” u.

Os russos-brancos estão ainda implicitamente excluídos da devolução por essa


ordem, mas a instrução de que “todos os cidadãos soviéticos... serão. . .
entregues aos russos” pode ser interpretada como uma implicação de que pode
ser usada força em caso de recalcitrantes. “Categorias sujeitas a prisão”
provavelmente refere-se a pessoas acusadas de crimes de guerra.

Entretanto, seria errado supor que essa ordem de 25 de maio tivesse representado
uma alteração consciente de atitude por parte do AFHQ. Era o resultado de
negociações feitas com os soviéticos, em Wolfsberg, em 23 e 24 de maio,
quando foram resolvidos problemas de logística, entre eles o modo, o local e a
data em que os cossacos deviam ser entregues ao Exército Vermelho.
Aparentemente, o AFHQ esperava que a grande maioria dos refugiados
soviéticos detidos na Áustria pudesse ser devolvida com um mínimo de
perturbação. Na Alemanha, cerca de vinte mil cidadãos soviéticos já tinham sido
enviados para a zona soviética.

Como o AFHQ podia ter sido informado pelo SHAEF, essas operações foram
realizadas sem incidentes, embora seja lícito pensar que, entre os que foram
devolvidos, muitos com certeza preferiam não ter voltado. Não há dúvida de que
esperavam que a operação na Áustria fosse realizada com a mesma facilidade.

A espantosa discrepância entre a operação prevista pelo AFHQ e os planos


efetuados pelo 5.° Corpo é evidente. Antes do dia 15 de maio, o general Horatius
Murray, da 6.a Divisão Blindada, foi informado, durante suas visitas ao QG de
Keightley, de que estavam sendo feitos planos para entregar todos os cossacos,
independentemente de suas vontades ou cidadanias. Contrariando as disposições
da Convenção de Genebra, estariam incluídos oficiais alemães dos Corpos de
Cossacos, aos quais o general Murray fez uma advertência muito clara. Então,
em 20 de maio ou um pouco antes, o brigadeiro Musson, da 36.a Brigada de
Infantaria, foi informado de que devia preparar a entrega de todos os cossacos e
caucasianos sob custódia de suas tropas no vale do Drau.

Essas medidas para garantir a entrega de Krasnov, Chkuro e Ghirei foram


tomadas antes de o 5.° Corpo receber a resposta à pergunta sobre qual era a
determinação do AFHQ sobre o “curso de ação referente aos cossacos”. Quando
chegou a ordem do 15.° Grupo do Exército para entregar todos os cidadãos
soviéticos, o 5.° Corpo já havia baixado instruções detalhadas para a operação.
Os fatos são inegáveis, e parece haver uma única explicação possível. O general
Keightley deve ter recebido instruções prévias, através de canais secretos,
independentes do AFHQ.
Em 24 de maio (o dia anterior à chegada das instruções do 15.° Grupo do
Exército, autorizando a entrega dos cidadãos soviéticos!), o 5.° Corpo baixou
ordens explícitas, providenciando a transferência dos cossacos para os
soviéticos. Como todas as ordens documentadas ligadas à operação, continha um
preâmbulo restringindo a entrega dos cidadãos soviéticos. Entretanto, isso se
destinava apenas a fins enganosos, pois um parágrafo relatava o seguinte:

“É da maior importância que todos os oficiais e especialmente os comandantes


superiores sejam reunidos, e que nenhum escape. As forças soviéticas
consideram isso da maior importância, e provavelmente verão na entrega segura
dos oficiais um teste da boa fé dos ingleses”.

Está implícito que eram especialmente Krasnov e seus companheiros que deviam
ser reunidos. Na área da 6.a Divisão de Blindados, o general Murray permitiu
deliberadamente que dezenas de oficiais alemães e cossacos não fossem
devolvidos, sem nenhuma repercussão no QG do Corpo.

O fato de essa flagrante violação da lei internacional ter sido ocultada em todas
as ordens, relatórios e diários de guerra, antes e depois do fato, indica que as
autoridades nos altos postos da cadeia de comando ignoravam o plano. O
marechal-de-campo Alexander representava aparentemente um perigo em
potencial, e não devia saber o que seus subordinados estavam fazendo.

O que mais temiam era que alguns dos oficiais graduados e outras pessoas
envolvidas em complementar a operação, percebendo o que se passava, fizessem
perguntas embaraçosas ou mesmo criassem um problema difícil de controlar.
Isso era pouco provável, uma vez que a maior parte dos homens só seria
informada da operação no último momento possível. E mesmo então, a rapidez e
eficiência, a barreira da língua e a ignorância dos cossacos dos termos do acordo
de Yalta, tudo isso contribuía para tornar quase impossível qualquer protesto
válido.

Contudo, podia acontecer, e era preciso tomar precauções efetivas. Se um oficial


britânico protestasse contra a legalidade ou moralidade de entregar russos-
brancos aos soviéticos, poderiam explicar rapidamente que tinha havido um erro
administrativo. Como todas as ordens escritas estipulavam que somente cidadãos
soviéticos deviam ser devolvidos, a explicação pareceria bastante provável. Na
verdade, houve um incidente desse tipo entre os oficiais da 5.a Divisão de
Blindados. Um oficial cossaco, vindo de Paris e que falava francês, perguntou ao
major Henry Howard como os britânicos podiam pensar em entregar um ex-
oficial do czar. Howard percebeu a anomalia e protestou junto ao brigadeiro
Usher. Um telefonema para Klagenfurt teve como resultado o envio de
intérpretes e material documentário para seleção dos homens a serem repatriados
12. Um pequeno grupo de exilados não foi entregue: um preço muito baixo para
evitar o escândalo de entregar as centenas de outros.

Tendo Chkuro sido removido sob guarda para longe do campo dos cossacos,
Krasnov e os outros precisavam ser vigiados, e foi esse obstáculo que criou a
“tática de fraude” que provocou tanta indignação naquela época e provoca até
hoje. Em 27 de maio, os cossacos que estavam em Lienz e os caucasianos que
estavam em Oberdrauburg foram convidados para uma conferência com o
marechal-de-campo Alexander em um local a leste de Oberdrauburg. Os
cossacos caíram na armadilha, entraram nos caminhões... e foram levados
imediatamente para uma gaiola de arame em Spittal. No dia seguinte, estavam
nas mãos dos soviéticos em Judenburg. Muitos foram mortos no local e o resto
enviado para a morte lenta nos campos do GULAG. Apenas Krasnov, Chkuro,
Ghirei e uns poucos líderes foram preservados para um destino especial.

As mentiras e artimanhas usadas para atrair homens a uma morte terrível têm
sido consideradas atitudes contrárias à honra militar britânica. Essa opinião
parece ser correta. Embora o decepcionante plano tenha sido transmitido pelo 5.°
Corpo ao brigadeiro Musson em Oberdrauburg, originou-se aparentemente entre
as autoridades britânicas, mas foi-lhe sugerido por seus colegas soviéticos.

Quando o oficial do general Keightley negociou a entrega dos cossacos em


Wolfsberg, nos dias 23 e 24 de maio, estava oficialmente tratando com o estado-
maior do 57.° Exército soviético. Entretanto, o Exército Vermelho não tinha
autoridade para interferir na operação de repatriação de cidadãos soviéticos. Era
atribuição da Smerch. Com o colapso alemão, em 1945, a Smerch foi incumbida
de uma nova tarefa. Como explicou um ex-oficial da organização:

“A Smerch recebeu instruções de Stalin. Devíamos levar de volta o maior


número possível de cidadãos soviéticos, se possível todos, independentemente
de suas vontades. Não era uma boa idéia ter tantos cidadãos fora das fronteiras
da União Soviética. Incluindo mulheres e crianças, eram cerca de cinco ou seis
milhões. Em primeiro lugar, eram testemunhas indesejáveis contra o comunismo
e o sistema soviético. Segundo, a União Soviética sofrera enorme perda humana
na guerra e estava com falta de potencial humano” 13.
A sede da Smerch na Áustria foi estabelecida na agradável estação de águas de
Baden-bei-Wien. Foram ocupadas muitas casas em um bairro afastado, e os
porões, transformados em câmaras de interrogatório e tortura 14. As negociações
com o 5.° Corpo sobre a entrega dos cossacos foram dirigidas desse centro.

É evidente que havia uma cooperação muito estreita entre a Smerch e o comando
britânico. Guardas armados da Smerch foram admitidos na área da 78.a Divisão
de Infantaria para impedir a fuga dos cossacos e uniram-se às tropas britânicas
na perseguição armada aos fugitivos que procuravam refúgio nas montanhas. O
grupo principal dos cossacos em Lienz foi informado sobre a repatriação
iminente por um oficial do QG da Divisão. A ordem começava da seguinte
forma:

“Cossacos! Seus oficiais os traíram e os conduziram ao caminho errado. Eles


foram aprisionados e não vão voltar. Agora, sem temer sua influência ou
pressão, podem discutir suas mentiras e falar sobre seus desejos e crenças” l5.

É uma fraseologia tipicamente marxista e completamente contrária ao


procedimento militar dos ingleses. Tudo indica sua origem na Smerch como
parte de sua colaboração no assunto. Não é de admirar que a ordem não tenha
sido arquivada nos diários de guerra das divisões.

O ardil que enganou os oficiais cossacos, fazendo que fossem pacificamente para
a morte, aparentemente foi também adotado pelo QG do 5.° Corpo por sugestão
da Smerch. Fazia parte dos métodos soviéticos a precaução de separar grupos
destinados à destruição por meio de falsos convites desse tipo. Algumas semanas
antes, o NKVD havia convidado dezesseis dos mais ativos líderes poloneses da
resistência para uma reunião com o marechal Jukov, e foram imediatamente
colocados em um avião que os levou para Moscou e para a Lubianka 16. Os
próprios detalhes da operação eram idênticos. Nos dois casos, foram usados
nomes de um respeitável comandante-em-chefe aliado. O NKVD insistira na
presença do general polonês Okulicki, comandante do exército da resistência.
Assim também, os ingleses tomaram precauções específicas para garantir a
entrega do general Krasnov. Em 28 de maio, um oficial do QG da Divisão foi ao
alojamento dos cossacos em Lienz para pedir a presença dos oficiais à
“conferência”, acrescentando: “Por favor, não se esqueçam de transmitir meu
convite ao velho Krasnov. Eu peço como um favor especial” 17.

A cooperação estreita entre a Smerch e o pessoal do 5.° Corpo permitiu que a


operação corresse tranquilamente. Krasnov, Chkuro, Ghirei e os outros oficiais
cossacos e caucasianos foram entregues à Smerch em Judenburg. Muito mais
tarde, quando o fato embaraçoso da traição feita aos russos não enquadrados nas
determinações do Acordo de Yalta tornou-se público, apologistas dos britânicos
alegaram que tinha havido um trágico mal-entendido. Na Câmara dos Lordes foi
anunciado que houvera “alguns enganos. . . no calor e na confusão do verão de
1945. . . era impossível. . . separar todos os casos individuais”. Em 1975, o
general Musson, cuja 36.a Brigada de Infantaria realizara a operação, escreveu-
me dizendo que “não via nenhuma razão para que altas autoridades tivessem
providenciado para que Krasnov e Chkuro fossem devolvidos de qualquer modo.
Parece-me bastante ridículo”.

Porém, não era o que parecia em 1945. O coronel Pulford, cujos Fuzileiros
Lancashire escoltaram os cossacos en route, registrou suas impressões, depois de
receber ordens do brigadeiro Musson: “Os russos estavam muito interessados na
devolução dos oficiais, muitos deles exilados czaristas”, escreveu ele no seu
diário de guerra 18. E uma moça russa, fora de Lienz, em 26 de maio ouviu
oficiais britânicos discutindo a operação — uma conversa onde os nomes de
Krasnov e Chkuro foram pronunciados com ênfase especial 19.

Cerca de mil e seiscentos cossacos foram entregues à Smerch em Judenburg, dos


quais mais de mil eram velhos exilados com passaportes franceses, alemães,
iugoslavos ou da Liga das Nações. Na noite anterior, o general Krasnov redigira
uma terceira petição ao marechal-de-campo Alexander, protestando contra essa
violação grosseira da lei internacional. Foi assinada por todos os oficiais
cossacos e entregue ao comandante britânico local20. Mas, como as anteriores,
parece não ter chegado ao seu destino, tendo desaparecido dos arquivos
britânicos. Graças à engenhosa trama, aparentemente sugerida pela Smerch, os
oficiais cossacos foram entregues sem incidentes, a não ser uma série de
suicídios en route.

Cenas mais espantosas viriam a seguir. Devia ser evitado qualquer tipo de
seleção entre os cossacos e caucasianos do vale do Drau, pois isso alertaria os
soldados britânicos para a existência da crucial distinção entre eles. Além disso,
poria em perigo o objetivo central da operação. Os dois comandantes de
batalhões locais, o coronel Malcolm e o coronel Odling-Smee, não foram
informados pelo brigadeiro Musson de que apenas cidadãos soviéticos deviam
ser devolvidos. Não lhes foi permitido tomar conhecimento da cláusula que
acompanhava todas as ordens escritas referentes à operação, com a definição
exata do que era um cidadão soviético. Ao contrário, foi-lhes dito enfaticamente
que todos os russos, homens, mulheres e crianças do vale, deviam ser
despachados para a União Soviética. Embora reconhecendo que, “como há tantas
mulheres e crianças, é natural que se apiedem dessas pessoas”, as ordens da
brigada, em 27 de maio, acentuavam que a operação devia ser levada a efeito
eficientemente e do modo mais completo possível. Especialmente, como uma
ordem secundária, determinava que “qualquer tentativa de resistência deverá ser
resolvida com firmeza, atirando para matar”.

As mulheres e crianças na verdade representavam um sério problema. Os russos


fugitivos estavam acompanhados de suas famílias, cerca de cinco mil mulheres e
três mil crianças21. Os soldados britânicos, veteranos enrijecidos de campanhas,
do norte da África ao rio Pó, ficaram repugnados com a tarefa que lhes era
imposta. O que aconteceu é bem conhecido e não precisa ser descrito aqui. A
angústia mental do jovem major “Rusty” Davies, obrigado a mentir para enganar
os cossacos com os quais fizera amizade; as cenas terríveis na praça militar em
Peggetz, quando soldados do 8.° Exército de Argyll, chorando, interromperam
um serviço religioso assistido por milhares de cossacos, espancando os homens,
mulheres e crianças com coronhas de rifles e cabos de picaretas até perderem os
sentidos e obrigando-os a entrar em vagões de transporte de gado, destinados às
câmaras da morte do GULAG; as dezenas de suicídios, homens matando a tiros
suas mulheres e filhos para que não sofressem a violentação em massa dos
criminosos do campo de Vorkuta, ou a morte por inanição na “creche” de
Kolyma. Em meio ao pânico, crianças morriam pisoteadas, homens eram
separados para sempre de suas mulheres, e as mães dos filhos. O sangue tingiu
os padres, seus ícones e crucifixos. Os poucos que fugiram para as florestas e
montanhas foram caçados por patrulhas acompanhadas pelos executores da
Smerch e fuzilados ou arrebanhados novamente para a operação de entrega aos
soviéticos.

Essas cenas felizmente são únicas na história militar britânica, e entre o


tremendo sofrimento dos cossacos estavam a agonia e o remorso de muitos
soldados ingleses. Homens enrijecidos nas batalhas não resistiam e choravam;
muitos deles procuraram seu capelão, Kenneth Tyson, atordoados, pedindo
conselho. “Não foi para isso que lutamos nesta guerra!”, era a frase repetida.
Décadas se passaram, e Rusty Davies tem ainda pesadelos quando lhe volta à
memória o papel que desempenhou relutantemente em 1945. Com raras
exceções 22, todos os soldados envolvidos nessa operação vergonhosa ficaram
revoltados com o que foram obrigados a fazer.
Entre as centenas de russos-brancos entregues em Judenburg, trinta e um foram
libertados e voltaram para o Ocidente em 1955-56, e depois disso, outros
voltaram, mas em número insignificante e aos poucos. Seus passaportes
estrangeiros foram sua salvação: os mesmos passaportes que os britânicos
ignoraram na Áustria, em 1945.

Não há dúvida de que as cenas de traição e crueldade ocorridas no vale do Drau


foram resultado da necessidade de métodos fraudulentos para levar Krasnov,
Chkuro e Ghirei para as mãos dos soviéticos. Se não fosse isso, teria sido
possível selecionar entre os cossacos todos os velhos exilados. Não sabemos o
número exato, mas é certo que havia cerca de três mil pessoas no campo (a
maior parte das crianças era muito nova para ter nascido na União Soviética.) O
NKVD em Judenburg mostrou-se surpreso ao recebê-los, e a provação deles
(que culminou em morte para a maior parte) foi responsabilidade direta de quem
autorizou a operação.

Além disso, é evidente que a violência cometida contra os refugiados indefesos


que tinham cidadania soviética foi motivada em grande parte pela necessidade
de estender a ordem de entrega a todos os cossacos de Lienz. Uma pequena
insinuação ao coronel Malcolm de que certas categorias estavam isentas poderia
chamar a atenção perigosamente para o caso do general Krasnov e dos outros
oficiais. O que poderia ter acontecido pode ser demonstrado, comparando-se
com operações semelhantes no leste.

Um grande grupo de cossacos do 15.° Corpo de Cavalaria estava detido na 6.a


Divisão Blindada, sob o comando do general-de-brigada Horatius Murray. O
general Murray opunha-se tenazmente ao envio de homens que haviam se
rendido de boa fé para a morte certa. Ele e seus subordinados avisaram os
prisioneiros, e milhares deles conseguiram escapar dos campos que não tinham
cercas. Quando mais tarde soube que havia velhos exilados entre os prisioneiros,
tomou providências imediatas para separá-los. Nenhum executor da Smerch teve
permissão para entrar na área de sua divisão.

O QG da 5.a Divisão em Klagenfurt não fez nenhuma objeção a essas


providências, e não houve resultados adversos, seja na forma de protestos dos
soviéticos, seja por excesso de refugiados russos na zona britânica da Áustria. A
operação toda foi planejada apenas para apanhar os generais exilados, e pouco
importava se outros escapassem em outras áreas. Qualquer tentativa para obrigar
o general Murray a uma ação mais rigorosa corria o risco de provocar discussões
que chamariam a atenção para áreas proibidas. Se não fosse pelo acordo secreto
de aceder ao pedido da Smerch, Keightley teria fechado os olhos a atos de
clemência semelhantes na área da 78.a Divisão de Infantaria.

As autoridades soviéticas ficaram naturalmente encantadas com a oferenda das


vítimas, embora, como confessaram os homens da Smerch em Judenburg, fosse
muito maior do que esperavam. O acordo secreto para entregar três velhos
cavalheiros crescera, por um processo inevitável, transformando-se em morte,
tortura e privação indescritível para milhares de russos.

Naturalmente, era impossível que um crime dessa magnitude fosse perpetrado


sem que uma das partes percebesse que algo estava errado. Trinta anos mais
tarde, o brigadeiro Musson lembrava-se de que, depois de l.° de junho, “as
pessoas começaram a fazer perguntas, dizendo que os russos não deviam ter
voltado”. Uma dessas perguntas foi feita em 29 de maio, quando o QG do 8°
Exército de Argyll em Lienz notificou Musson no QG da brigada que
“GERMAGEN RODIONOV foi evacuado ontem com os oficiais cossacos. Ele
não é cidadão russo [isto é, soviético], e reside em Paris há quinze anos.
Aparentemente, é um professor. Sua família está na França, e parece que foi
colocado no campo dos cossacos por engano. Gostaríamos de saber sua opinião.
É provável que haja no momento um grande número de pessoas no campo dos
cossacos que não são de origem RUSSA [isto é, soviética]. Qual é nossa posição
em relação a essas pessoas?”

O brigadeiro Musson só respondeu depois que a maior parte dos exilados,


companheiros de Rodionov, foram entregues aos russos nos dias sangrentos de l.
° e 2 de junho. Nesse meio tempo, o major Davies, horrorizado com a injustiça
patente, começou a “selecionar” pessoalmente, numa atitude não-oficial e
contrária às ordens, inúmeros russos-brancos, homens e mulheres. Era natural
que algum oficial consciencioso começasse a somar dois mais dois, com
resultados potencialmente explosivos. O QG do 5.° Corpo percebeu o perigo,
pois mais ou menos em 3 de junho foi expedida uma “nova ordem” para a
seleção de cidadãos não-soviéticos. Uma vez que a grande maioria dos cossacos,
e especialmente os três generais “procurados”, já estavam nas mãos da Smerch,
era fácil reparar a situação e eliminar suspeitas.

Essa ordem de seleção, como tudo o mais, não se encontra nos diários de guerra.
A razão é simples. Todas as ordens referentes à entrega dos cossacos continham
uma cláusula que excluía os cidadãos não-soviéticos. A existência de uma
instrução subsequente para começar a seleção provava que as instruções
anteriores eram letra morta e baixadas apenas com um objetivo, que só podia ser
fraudulento. Um mês depois, um relatório detalhado sobre a operação, redigido
pela 36.a Brigada de Infantaria, afirmava que

“todas as medidas possíveis nas condições que prevaleciam na época foram


tomadas pela 36.a Brigada de Infantaria para evitar que cidadãos não-soviéticos
fossem incluídos entre os que foram entregues às autoridades SOVIÉTICAS”.

Essa declaração deve ter sido ridicularizada pelos oficiais do 8.° de Argyll ou do
6.° Real do Kent Ocidental, que acabavam de entregar exilados russos com
uniformes czaristas, vindos de Paris e de Belgrado, e, em alguns casos, falando
inglês fluentemente e ostentando condecorações britânicas. Não é preciso dizer
que o relatório não se destinava a eles, mas tinha o único objetivo de apresentar
um quadro falso para o caso de perguntas embaraçosas virem de cima.
Apresentaremos abaixo a prova, incompleta mas convincente, de que esses
temores não eram infundados.

O reverendo C. W. H. Story era, na época, assistente interino do capelão-geral


do 5.° Corpo. Recentemente, contou como chegou a saber do que estava
acontecendo na Áustria.

“...Certo dia, o reverendo John Vaughan, capelão da Brigada Hamshire com base
em Graz, telefonou-me para perguntar se podia ajudá-lo. Seus homens estavam a
ponto de se amotinar. Eles o tinham procurado perguntando se os capelães
podiam fazer alguma coisa. Tinham recebido ordens para obrigar prisioneiros de
guerra russos-brancos, sob ameaça de baioneta calada, a embarcar para a
Rússia... Telefonei para o assistente do capelão-geral... GHQ, CMF, Caserta. Ele
ficou muito irritado com a notícia e imediatamente telefonou para o capelão-
geral, Canon Ll. [Lloyd] Hughes, no Ministério da Guerra. Não tenho certeza do
que aconteceu depois. O capelão-geral só podia ter acesso ao primeiro-ministro
através do ajudante-geral.

Lembro-me de que no dia seguinte me disseram que as linhas telefônicas


estavam zunindo e que o próprio Churchill havia dado instruções para que
nenhum homem fosse repatriado contra sua vontade.”

O sr. Story não podia confirmar se foi realmente intervenção do primeiro-


ministro, mas sua informação deve ser correta. Em Potsdam, Churchill insistiu
com firmeza no abandono da política de repatriação compulsória. Essa
intervenção foi motivada pelo pedido dos soviéticos para que fosse entregue uma
divisão ucraniana de dez mil homens detidos na Itália. Vários oficiais das
unidades encarregadas de guardar esses homens apresentaram objeções a
qualquer repetição das cenas brutais de Lienz. Aparentemente, esse fato e sua
própria preocupação levaram Churchill a adotar essa atitude, até saber que os
ucranianos na realidade não estavam sujeitos à repatriação.

Outra confirmação da intervenção superior é fornecida pelo chefe do estado-


maior de Alexander. Em 1947, o general Sir William Morgan me informou que a
reação do marechal-de-campo à violência empregada em Lienz foi de ultraje e
de choque, e declarou que cenas como aquelas jamais ocorreriam enquanto ele
fosse comandante supremo dos Aliados — uma promessa que cumpriu. É ponto
controverso se Alexander proibiu novas cenas de violência independentemente
ou em resposta à intervenção de Churchill. Tampouco sabemos se a instrução
atrasada do 5.° Corpo para começar a seleção em 3 de junho foi resultado da
reação de Alexander ou se foi uma precaução prevendo essa reação. O que
parece certo é que o tratamento brutal dado aos prisioneiros acendeu a ira de
Churchill e de Alexander; eles continuaram a ignorar a “trama” arquitetada para
a entrega de exilados russos-brancos.

Será possível, com as provas disponíveis, estabelecer exatamente o que ocorreu


naquelas três semanas de maio de 1945? É certo que muita coisa está faltando,
provavelmente perdida para sempre. Vários documentos não constam dos
arquivos, sem dúvida retirados por quem desejava manter a história em segredo.
Incluem toda a documentação sobre a démarche soviética para conseguir a
entrega de Krasnov, Chkuro e Ghirei; a resposta de Alexander ao telegrama de
Keightley de 14 de maio; todos os documentos referentes à decisão de dar asilo
aos Schützkorps e à Divisão Ucraniana; as duas cartas de Chkuro e as petições
de Krasnov; o aviso inspirado pela Smerch, lido para os cossacos em 29 de
maio; e ordens das Divisões de 3 de junho (mais ou menos) para selecionar os
russos-brancos. Aparentemente, uma mão poderosa manuseou cuidadosamente a
volumosa documentação — uma indicação bastante interessante.

Não há dúvida de que as autoridades soviéticas solicitaram a entrega de


Krasnov, Chkuro e Ghirei, citando especificamente seus nomes, sendo que o 5.°
Corpo estava ciente de que esses homens não estavam enquadrados na definição
do Acordo de Yalta. Além disso, à prova circunstancial recapitulada no capítulo
11 do meu livro Vítimas de Yalta, acrescentamos agora o relato do general
Chtemenko e a admissão franca do brigadeiro Tryon-Wilson, que era na ocasião
brigadeiro AQ no 5.° Corpo. Há provas esmagadoras de que o general Keightley,
com ajuda e conivência dos seus subordinados, providenciou a entrega dos
russos-brancos à Smerch. A operação devia ser feita em segredo. Em primeiro
lugar, era preciso ocultar o que estava acontecendo do marechal-de-campo
Alexander, que, sem dúvida, teria evitado sua conclusão. Segundo, era essencial
enganar os oficiais da área para que um ou outro mais consciencioso não
iniciasse um clamor que poderia chegar aos ouvidos de autoridades mais altas.
Como não havia um meio seguro de separar as três vítimas escolhidas, foi
necessário incluir milhares, que, do contrário, teriam escapado da rede.

Essa parece uma reconstrução lógica dos fatos, ou pelo menos até onde nos
permitem as provas existentes:

12 de maio de 1945. O general Keightley visita uma delegação do Exército


Vermelho, em Wolfsberg. Um oficial superior da Smerch exige a entrega dos
cossacos sob a custódia dos britânicos, na Áustria, acentuando a importância da
devolução dos generais Krasnov, Chkuro e Ghirei.

Keightley explicou que não tinha autoridade para entregar russos que não fossem
cidadãos soviéticos, mas concordou em estudar o assunto. Voltou então para
Klagenfurt. Pediu aos seus comandantes de divisão uma relação dos cossacos e
outras unidades “russas” de dissidentes, em custódia, na área. Pediu
especialmente detalhes (se não os conhecia ainda) sobre os três generais cujos
nomes os russos haviam citado. A 78.a Divisão de Infantaria podia informar-lhe
que Krasnov e Ghirei estavam sob custódia da 36.a Brigada de Infantaria e que
eram exilados czaristas.

13 de maio. Harold Macmillan vai de avião de Caserta para Klagenfurt, a fim de


discutir as propostas dos soviéticos. Keightley explica o pedido que havia sido
feito e o fato de que os generais russos-brancos estavam realmente sob custódia
de suas forças. A discussão inevitavelmente deve ter abordado a embaraçosa
petição feita por Krasnov ao marechal-de-campo Alexander.

Macmillan estava ansioso para aceder ao pedido dos russos e aconselhou


Keightley a concordar. O general respondeu que nada podia fazer sem a
aprovação de Alexander, e perguntou como poderia obtê-la sem revelar que
Krasnov e seus companheiros estavam incluídos. As instruções do próprio
Macmillan o impediam de entregar cidadãos não-soviéticos, mas, apesar disso,
ficou decidido que ocultariam de Alexander o fato de que os soviéticos queriam
que lhes fossem entregues seus antigos camaradas russos-brancos. A maioria dos
cossacos provavelmente era de cidadãos soviéticos, e não seria difícil incluir os
velhos exilados no grupo, no momento da repatriação. Por outro lado,
resolveram não entregar o Schützkorps nem a Divisão Ucraniana. Resolvidos
esses e outros assuntos, Macmillan voltou para Caserta.

14 de maio. Keightley telegrafa para Alexander explicando que Macmillan


recomendara a entrega dos cossacos, devido à pressão dos soviéticos.
Acrescentando sua concordância à sugestão de Macmillan, tem o cuidado de se
referir aos cossacos como “este grande número de cidadãos soviéticos”.

Isso implica necessariamente que Keightley era um mentiroso, pois sabia muito
bem que muitos dos cossacos não eram “cidadãos soviéticos”. Essa mentira, ele
a repetiu de forma mais elaborada dois meses depois. Perturbada pelos relatórios
sobre as cenas de barbarismo ocorridas em Lienz, Lady Limerick, da Cruz
Vermelha britânica, perguntou-lhe pessoalmente o que havia acontecido. Ele
negou sumariamente que tivesse havido violência na devolução dos cossacos. O
que houve foi um protesto brando, mas seus homens foram obrigados a “atirar
apenas ‘duas vezes’, e em nenhum dos casos atingiram pessoa alguma. Eles [os
cossacos] . . . concordaram em voltar ao território soviético com suas mulheres e
filhos”. Quanto às acusações de que muitos russos-brancos tinham sido
incluídos, Keightley “[disse] que não sabia e que era impossível descobrir —
pensava que poderia haver alguns, mas a única prova que tinham era o fato de
terem lutado no exército alemão, e nenhuma que provasse que eram russos-
brancos”.

17 de maio. Alexander, embora sem saber da presença de russos-brancos, ficou


perturbado o bastante para levar o assunto aos chefes do estado-maior.

19 de maio. Macmillan foi à Inglaterra para se encontrar com Churchill.

20 de maio. Sem que Alexander soubesse, Keightley apressou os preparativos


para a devolução dos cossacos, independentemente de suas nacionalidades.

21 de maio. Keightley telegrafa ao AFHQ pedindo informação sobre o “modo de


agir com os cossacos”.

22 de maio. O AFHQ responde, acentuando que apenas cidadãos soviéticos


deviam ser devolvidos, mas nem mesmo eles deviam ser obrigados a isso.
Macmillan volta a Caserta.

23 de maio. O 5.° Corpo inicia negociações com os representantes soviéticos, em


Wolfsberg, para a entrega de todos os cossacos.

24 de maio. Essas negociações chegam a uma conclusão satisfatória. O 5.°


Corpo dá instruções para a entrega dos cossacos.

25 de maio. O 5.° Corpo recebe instruções do AFHQ para entregar todos os


“cidadãos soviéticos” que estavam na Áustria.

26 de maio. O brigadeiro Musson da 36.a Brigada de Infantaria ordena aos seus


comandantes de batalhões que têm cossacos sob sua custódia, no vale do Drau,
que devolvam todos, independentemente de cidadania.

27 de maio. O general Chkuro foi retirado de Lienz de madrugada e isolado em


Spittal.

28-29 de maio. Os oficiais cossacos são convidados para uma “reunião” com o
marechal-de-campo Alexander, e entregues à Smerch, em Judenburg.

1-2 de junho. A maior parte dos soldados rasos cossacos com suas mulheres e
filhos são embarcados em Lienz para a repatriação.

3 de junho. O 5.° Corpo determina pela primeira vez a seleção dos cidadãos não-
soviéticos.

Churchill e Alexander foram enganados a fim de consentir na entrega dos


cossacos e dos cidadãos soviéticos. O fato crucial de que muitos deles eram
russos-brancos foi-lhes ocultado cuidadosamente. O general Keightley,
naturalmente, expôs-se a um grave risco enganando desse modo o supremo
comando aliado, mas sem dúvida deixou-se convencer pelos argumentos de
Macmillan. Este, em suas memórias, alega que os motivos que o levaram a
concordar com a devolução dos “cossacos e russos-brancos” ligavam-se à
devolução de prisioneiros de guerra britânicos, liberados na zona soviética da
Áustria. É verdade que, em 3 de junho, Tolbukhin permitiu, pela primeira vez, o
uso de sua rota terrestre. Antes disso, os prisioneiros eram obrigados a viajar até
Odessa e voltar para casa por mar.

Sem dúvida, essa “concessão” foi em parte sinal de gratidão pela entrega dos
cossacos. Mas parece incrível que a abertura da fronteira nessa zona continuasse
obstruída devido à retenção de três velhos generais russos-brancos. Nenhum
tratado anglo-soviético e nenhuma lei internacional teria aprovado esse acordo.
Se o acordo era tão vergonhoso que não podia ser conhecido pelo primeiro-
ministro e pelo SACMED, nem mesmo pelos soldados obrigados a executá-lo,
que tipo de pressão poderiam os russos ter exercido, se Macmillan e Keightley
não tivessem concordado com eles? Os americanos nunca pensaram em devolver
os russos sob sua custódia, e nenhum dos seus homens liberados pelo Exército
Vermelho deixou de voltar para casa.

A volta rápida dos prisioneiros de guerra ingleses certamente devia ser uma das
considerações dos homens que planejaram a morte de Krasnov. Mas o pacto
secreto feito entre o 5.° Corpo e a Smerch em Wolfsberg reflete claramente as
bases do acordo bem maior entre Eden e Molotov, em outubro de 1944, em
Moscou, e foi portanto orientado por considerações semelhantes. Em agosto de
1944, o secretário do Exterior, Anthony Eden, apresentou os argumentos a favor
da repatriação forçada, usando toda a persuasão de que ele e seus conselheiros
eram capazes. A consideração principal era de que “a recusa ao pedido do
governo soviético para a devolução dos seus homens provocaria sérios
problemas entre as duas nações”. Aparentemente, ele se referia a discussões
pouco prováveis sobre pontos de ordem nas conferências e à troca de notas
irritadas entre os dois ministros do Exterior.

O último e menos convincente argumento de Eden foi de que qualquer tentativa


para frustrar os desejos dos soviéticos nesse assunto poderia levar a que os
prisioneiros de guerra ingleses não fossem “bem tratados e não fossem
devolvidos o mais breve possível”. Nem nessa ocasião, nem em qualquer outra,
Eden e seus companheiros expressaram o temor de que Stalin pudesse realmente
impedir a volta de ingleses dos campos alemães.

A política de Eden em relação à União Soviética baseava-se na crença de que


qualquer concessão às exigências dos soviéticos, por mais vis e cruéis que
fossem, mas contanto que não afetassem os interesses estratégicos ou políticos
dos ingleses, era necessária para a continuidade das boas relações entre as duas
potências. Isso nos faz conjeturar se Macmillan, contrariando todas as instruções
e pondo em risco sua carreira política, realmente apoiou a devolução dos
generais exilados por iniciativa própria. Macmillan teria consultado Eden? É
possível, e certamente não podemos imaginar o impaciente Eden desperdiçando
sua simpatia com velhas relíquias do Exército Vermelho derrotado.
Um dos exilados devolvidos em Judenburg pelo 5.° Corpo foi o jovem Nikolai
Krasnov, filho do general. Deixara a Rússia quando tinha quatro meses e falava
russo com sotaque. Acompanhou o avô na Lubianka. Lá, foi levado, na
companhia do seu pai, ao luxuoso escritório de Vsevolod Nikolaievitch
Merkulov, comissário do povo para a segurança do Estado e primeiro-assistente
de Béria. Merkulov estivera com Béria no Cáucaso. Galgara a escada do poder
com Béria em 1939, e agora era um dos três homens que controlavam a enorme
maquinaria de opressão dos soviéticos. Desempenhara papel importante no
massacre dos oficiais poloneses em Katin, em 1940, e foi o controlador das
selvagens deportações de civis dos países bálticos, em 1941 23. Em 1940 foi a
Berlim para supervisionar as negociações de Molotov com Ribbentrop e
Hitler24, e usou sua experiência nas negociações que seus subordinados estavam
conduzindo com Eden e Macmillan.

Na Lubianka, em 4 de junho de 1945, Merkulov teve uma longa entrevista com


Nikolai Krasnov e seu pai, antes de enviá-los para os campos do norte do
GULAG, dos quais poucos voltavam. O jovem Nikolai, surpreendentemente,
sobreviveu ao mundo selvagem de pesadelo ao norte do paralelo 70. Seu pai
morreu no campo, mas Nikolai foi anistiado em 1955 como cidadão iugoslavo
(um fato para o qual ele pessoalmente havia chamado a atenção dos generais
Arbuthnott e Musson, em 8 de maio de 1945). Nikolai foi para a Suécia, onde
escreveu um vivido relato de sofrimentos incríveis. Seu perseguidor Merkulov já
havia morrido, executado com outros companheiros de Béria, em 1954.

Em 1945, teria parecido incrível que Nikolai Krasnov repetisse algum dia as
palavras ouvidas por ele na casa dos mortos. Mas isso aconteceu, e o livro de
Nikolai Krasnov nos dá uma visão incomparável do homem que, depois de
Béria, sabia mais sobre o serviço secreto soviético do que qualquer outro homem
vivo. “Esperei vinte e cinco anos por este feliz encontro com vocês!”, disse ele
com malévola satisfação; “a vitória está conosco, com os vermelhos. Como foi
em 1920, assim é agora. ..”

Merkulov descreveu com prazer os sofrimentos que esperavam os prisioneiros


no Círculo Ártico. A morte os apanharia em pouco tempo, mas antes disso eles
poderiam trabalhar para a Mãe Pátria:

“Um tempo cortando árvores, um pouco de tempo no poço da mina com água até
a cintura. . . Suas pernas vão se transformar em macarrão — mas vão trabalhar!
A fome os obrigará!”
Merkulov deu uma gargalhada estrondosa, e passou para um novo tema:

“Mas o fato de vocês terem confiado nos ingleses — foi uma verdadeira
estupidez! Agora eles são os lojistas da história! Venderão alegremente qualquer
coisa ou qualquer pessoa, sem ao menos piscar os olhos. Sua política é a das
prostitutas. Seu Ministério do Exterior é um bordel, no qual se senta o chefe —
uma grande e diplomática ‘madame’. Eles negociam com as vidas de
estrangeiros e com a própria consciência. Quanto a nós, não confiamos neles,
coronel. Por isso tomamos as rédeas nas mãos. Eles não reconhecem que lhes
demos um xeque-mate, e agora são obrigados a dançar segundo nossa música,
como o último peão no tabuleiro”.

Merkulov não tinha limites para sua jactância. Seus mais antigos inimigos
haviam caído milagrosamente em suas mãos, e podia dar a eles uma rápida visão
do abismo que os esperava. “Sabem onde estão e com quem estão falando? Na
Lubianka! Com Merkulov! Sou o chefe aqui. Digo o que bem entendo!”25

A referência de Merkulov ao Ministério do Exterior é significativa. Na época da


entrevista, Nikolai Krasnov não tinha nenhum motivo para pensar que o
Ministério do Exterior fosse responsável por sua sorte. Fora entregue pelas
autoridades militares britânicas, na Áustria. Como muitos outros cossacos, punha
toda a culpa no infeliz major Davies. Se seus pensamentos fossem além dele, na
cadeia de comando, passariam pelo coronel Malcolm e iriam até Alexander — e
provavelmente acima deles estaria Winston Churchill 26.

Merkulov, por outro lado, sem dúvida sabia exatamente quem era o responsável
pela entrega dos velhos exilados. Sabia, na certa, que sua devolução nada tinha a
ver com o Acordo de Yalta; como o acordo secreto de Wolfsberg tinha sido
negociado por oficiais que trabalhavam para ele, devia estar a par dos menores
detalhes da transação. Ele tampouco tinha qualquer motivo para citar o
Ministério do Exterior, a não ser que a alusão fosse relevante.

Será possível ir mais adiante na interpretação das palavras de Merkulov? A


figura de retórica que usou na descrição do Ministério do Exterior pode ser
significativa. Ele conhecia, o que nós não sabemos e talvez jamais venhamos a
saber, toda a extensão da penetração soviética no Ministério do Exterior naquela
época. Era o último elo da cadeia de controle que dirigia o contato com traidores
como Burgess e Maclean, e sem dúvida com outros, sobre os quais nada
sabemos. Tudo o que permanece obscuro para nós era claro para ele. Sabia tudo
sobre as atividades homossexuais de Burgess e Maclean, sobre “a caverna do
vício” na Bentinck Street, sobre os homossexuais que ocupavam cargos mais
altos, cujas atividades Burgess descreveu por escrito detalhadamente 27.

A referência desdenhosa de Merkulov a Anthony Eden, descrevendo-o como


uma “madame” tomando conta do seu “bordel”, terá algum significado
importante? Se Merkulov considerava Eden apenas como um estadista
simplório, incapaz de ver o que se passava à sua frente, seria uma reação
incompreensível. Certamente, a mais forte implicação das palavras de Merkulov
é de que a sorte de Krasnov fora decidida pelo Ministério do Exterior, presidido
por sua “madame”.

Só podemos fazer conjeturas sobre o que teria levado Eden a tomar parte no
plano. Ele não era um homem muito humano, e talvez achasse que o sacrifício
ajudaria a amenizar a atmosfera das negociações do pós-guerra com Stalin. Se
foi esse o caso, ele se enganou.

Não podemos descartar a alternativa de que os agentes de Merkulov na


Inglaterra (na “Delegação Comercial” em Highgate, ou na missão oficial do
NKVD em Kensington) possuíssem meios próprios para exercer pressão sobre o
instável secretário do Exterior. Muita coisa não pode ser explicada.

Quando Harold Macmillan voltou à Grã-Bretanha em 26 de maio de 1945, o


problema dos cossacos exilados deve ter desaparecido imediatamente de sua
lembrança, entre os preparativos para a confusa eleição geral. Enquanto eles
desapareciam na Sibéria, ele começava a brilhante ascensão que o levou à mais
alta posição que pode ser alcançada no seu país. Contudo, por uma estranha
ironia da história, seus caminhos se cruzariam outra vez por um momento breve
e logo esquecido.

Mais ou menos doze anos depois, Khrushchev permitiu que um pequeno número
de cossacos, que tinham conseguido sobreviver aos campos do Círculo Ártico e
da Sibéria, deixassem a Rússia. Algumas dezenas, no máximo, dos milhares
entregues em 1945, ressurgiram desse modo. Todos tinham passaportes
estrangeiros e por isso lhes foi permitido deixar o país. Isso significa também
que eram todos, sem exceção, homens que não deviam ter sido entregues,
segundo os termos do Acordo de Yalta. Com a saúde permanentemente
comprometida pelos indescritíveis sofrimentos, não conseguiram trabalho no
Ocidente e foram obrigados a sobreviver com o que lhes davam pessoas
caridosas. Afinal, começaram a ter esperança de que o governo britânico os
ajudasse. Foram feitos apelos, descrevendo em detalhe sua cidadania não-
soviética, sua entrega ao NKVD em 1945 pelo exército britânico, os terríveis
sofrimentos pelos quais tinham passado em campos como Vorkuta e Potma, e
sua situação atual. Como descreveu um deles, o capitão Anatol Petrovski:

“Os longos anos de sofrimento e separação dos meus parentes, quando fui
tratado como um criminoso nas minas da Sibéria, Vorkuta e outros campos,
acabaram com minha força e minha saúde. Como resultado, não posso trabalhar
e sou obrigado a viver como uma pessoa deslocada, recebendo apenas uma ajuda
simbólica da prefeitura.

Considerando que fui entregue aos soviéticos por meio de uma ação ilegal, uma
vez que o comando militar britânico sabia que eu não era cidadão soviético. . .
[Petrovski pedia que o governo britânico] me conceda auxílio material para
compensar os anos de prisão, de 1945 a 1956, recompensando-me pela perda da
minha saúde e permitindo que viva os anos que me restam sem enfrentar
privações.”

O escritor britânico Peter Huxley-Blythe, que enviou esses apelos ao primeiro-


ministro em 4 de setembro de 1958, faz notar “que a compensação para esses
oficiais não precisa vir dos fundos públicos, mas do dinheiro confiscado no
Banco Cossaco [em Peggetz] em 26 de maio de 1945. . .” Como esse dinheiro
consistia em sua maior parte em economias dos cossacos, o confisco era
expressamente proibido pelos artigos 6 e 24 da Convenção de Genebra.

Em 17 de outubro, Huxley-Blythe recebeu a resposta à petição dos cossacos, que


havia sido enviada ao Ministério do Exterior.

“Senhor,

Fui instruído. . . com referência à sua carta de 4 de setembro ao primeiro-


ministro. . . sobre pessoas de origem russa que estão domiciliadas agora na
Alemanha e na Áustria.

O caso apresentado por esses oficiais foi cuidadosamente estudado . . . Um


exame detalhado dos fatos levou à conclusão de que nenhuma ação pode ser
posta em prática no sentido de ajudar as pessoas citadas em sua carta”28.

O primeiro-ministro a quem o apelo foi dirigido era o Mui Honorável Harold


Macmillan, ex-ministro residente junto ao AFHQ em 1945.

XVIII. Mãos através dos mares

Embora, durante a guerra, os britânicos e americanos tenham visto com bons


olhos a União Soviética, Stalin não queria perder tempo. Não confiava nos
Aliados, especialmente em Churchill, e de qualquer modo devia saber que suas
ambições para o pós-guerra provocariam o antagonismo do Ocidente, quando
fosse conhecida a extensão das mesmas. A simpatia da esquerda era muito útil.
Na verdade, de certa forma, um criptocomunista ou simpatizante podia ser mais
valioso do que um membro registrado do Partido 1. Mas a quinta-coluna
comunista do Ocidente era uma arma muito importante no arsenal de Béria, e
Stalin nunca confiou completamente nos comunistas estrangeiros que viviam
livres, fora dos seus domínios.

Em 1943, Stalin anunciou a dissolução do Komintern, a organização com base


em Moscou que atuava como uma câmara de compensação para a direção e
cooperação, dentro do movimento comunista mundial. No Ocidente, isso foi
interpretado como indicação de que a União Soviética tinha se transformado em
“uma nação nacional, dirigida dentro das linhas do comunismo, e não mais o
centro da revolução mundial”. Na Grã-Bretanha, alguns céticos acreditavam
tratar-se de um plano desonesto para que o Partido Comunista britânico pudesse
requerer sua filiação ao Partido Trabalhista, mas Stalin dificilmente teria agido
apenas com esse objetivo insignificante2. A verdade é que o Komintern não foi
abolido, exceto no nome, e ele e os partidos sob sua direção continuaram como
se nada tivesse acontecido. Era inteiramente financiado e controlado pelo
NKVD, não passava de um subsidiário daquela formidável organização —
ocupava um lugar ínfimo na estima de Stalin 3.

O próprio NKVD reteve os poderes do Komintern, e a vitória do Exército


Vermelho sobre a Alemanha aumentara sensivelmente a lealdade e o prestígio
do movimento comunista internacional que operava ainda sob seu controle. Mas
a derrubada dos fascistas de Hitler deixou para a espada da revolução um
problema mais assustador. A União Soviética precisava reunir forças agora para
a batalha final, conseguir sua bomba atômica e manter a população sob uma
disciplina férrea. Como explicou o assistente de Béria, o ministro da Segurança
do Estado Viktor Abakumov, a uma audiência de oficiais da Smerch na sede do
NKVD, perto da Viena ocupada, no verão de 1945:

“O camarada Stalin disse certa vez que, se não fizermos tudo isso rapidamente,
os ingleses e americanos nos massacrarão. Afinal, eles têm a bomba atômica e
uma enorme vantagem técnica e industrial sobre nós. São países ricos, que não
foram destruídos pela guerra. Mas reconstruiremos tudo com nosso exército e
nossa indústria, não importa a que preço. Nós, os tchekistas, não podemos nos
atemorizar com problemas e sacrifícios. Nossa sorte é que... os ingleses e
americanos, em suas atitudes a nosso respeito, ainda não ultrapassaram o estado
de namoro do pós-guerra. Eles sonham com a paz duradoura e a construção de
um mundo democrático para todos os homens. Parecem não compreender que
nós é que vamos construir o novo mundo, e o faremos sem suas receitas liberal-
democráticas. Todo o sentimentalismo deles faz o nosso jogo, e agradeceremos
por isso, no próximo mundo, com carvões em brasa. Nós os conduziremos a
impasses com que nem sonham. Nós os destruiremos e os corromperemos de
dentro para fora. Nós os embalaremos para dormir, esgotaremos sua vontade de
lutar. Todo o mundo ‘ocidental livre’ explodirá como um sapo esmagado por
nossos pés. Isso não acontecerá amanhã. Exigirá grande esforço de nossa parte,
grandes sacrifícios e renúncia total a tudo o que é trivial e pessoal. Nosso fim
justifica tudo isso. Nosso objetivo é grandioso, a destruição deste mundo velho e
desprezível” 4.

Fundos maciços foram desembolsados para alcançar esse grande objetivo. Por
todo o mundo não-comunista, e especialmente na Grã-Bretanha e Estados
Unidos, o NKVD empregou recursos quase ilimitados, humanos e financeiros.
Os comunistas estrangeiros estavam dispostos, em sua maior parte, a atuar como
agentes não-remunerados da União Soviética 5, mas de modo geral fazia parte
da política soviética convencer seus servidores a aceitar pagamentos por seu
trabalho6. Os objetivos gerais eram solapar o moral do Ocidente e a vontade de
lutar, obter informação militar e industrial e subverter pessoal que ocupava
cargos importantes no governo. No que se refere a esta última parte, o primeiro
objetivo era fazê-los passar informações secretas que interessassem aos
soviéticos. O segundo e mais importante era obrigá-los a obstruir, influenciar ou
dirigir a política dos seus países de modo a servir aos interesses da União
Soviética. Este último era o mais difícil, o mais compensador, mas, se fosse bem
sucedido, seria incalculavelmente benéfico aos objetivos soviéticos.

É importante notar o papel vital da espionagem nos planos de Stalin. Sua


juventude fora completamente baseada em conspiração, e até o fim da vida
gostara de enganar seus inimigos e rir da sua credulidade às suas costas. Béria
era seu confidente mais chegado, e o ladrão de bancos transformado em estadista
interessava-se profundamente por atividades que, em menor escala, seriam
simplesmente criminosas. O próprio Stalin às vezes ditava as mensagens que
deviam ser enviadas aos seus agentes no estrangeiro. Foi ele quem inventou a
sigla Smerch para a força de contraespionagem soviética. Acima de tudo,
encarregava-se pessoalmente das operações importantes, especialmente quando
se tratava de assassinatos em solo estrangeiro7.

A rede de espionagem soviética era capaz de extremas sutilezas, assim como de


incompetência crassa. Sua consistência baseava-se na enorme extensão de suas
atividades. Muitas pessoas surpreendem-se com a contínua exposição de
traidores que ocupavam cargos importantes durante a guerra e nos primeiros
tempos do pós-guerra, na Inglaterra e nos Estados Unidos. Porém, o que não
deve ser esquecido é que a tentação de passar para o inimigo não era apenas uma
isca boiando tentadoramente no lago, mas uma rede muito fina que dragava
continuamente de um canto ao outro. Muitos se tornaram homens de Béria por
convicção natural. Quando esta não existia, o NKVD e a GRU procuravam
pacientemente até encontrar uma fraqueza pessoal que lhes oferecesse uma
abertura. Grande parte do seu treinamento concentrava-se na exploração dessas
deficiências.

Enquanto alguns dos que colaboraram com o aparelho soviético eram, para todos
os efeitos, capazes e bem-equilibrados, a grande maioria aparentemente sofria de
vários defeitos de personalidade que os tornava potencialmente revoltados contra
as sociedades em que viviam. Hitler sabia como usar essas pessoas.
“Encontraremos esses homens, nós os encontraremos em todos os países”, disse
ele. “Não vai ser preciso suborná-los. Virão por sua própria vontade. Ambição e
ilusão, rixas partidárias e arrogância egoísta os trarão a nós. . . Confusão mental,
sentimentos contraditórios, indecisão, pânico: essas são nossas armas. . . aprendi
com os bolchevistas.” 8 Sua tática pagou dividendos, especialmente entre os
intelectuais, artistas, atores, jornalistas e outros 9. Assim, o serviço de
espionagem soviético era instruído para explorar o mais possível “a estupidez, a
cobiça, a incapacidade de perceber a situação real, sede por respeito ou pela
aparência externa do poder” 10. Alguns traidores do Ocidente tinham traços
atraentes de personalidade, e muitos outros demonstraram coragem e habilidade
a favor da causa do seu país de adoção. Alger Hiss e Bruno Pontecorvo 11, por
exemplo, conseguiram brilhante sucesso e levavam vida normal, quando não
estavam trabalhando para Béria.

Contudo, eles foram exceções. Um número muito grande demonstrou fraquezas


que em parte explicavam sua traição. Burgess. Maclean e Sorge eram alcoólatras
socialmente desajustados 12. Burgess, como Philby, parece ter sido motivado
pelo desejo de se sentir mais esperto do que os companheiros que estava
enganando, talvez como resultado pelo fracasso de uma promessa de
adolescência 13. Nisso, e em muito mais, ele se parecia com seu patrão do
Kremlin. Seus equivalentes femininos eram também geralmente mulheres
neuróticas, quase sempre infelizes, pessoas patéticas que foram privadas de
afeição na juventude 14. Muitos eram indivíduos deprimidos, que levavam vidas
enfadonhas e tinham prazer no encanto, na excitação e na sensação de
importância que a espionagem proporcionava às suas existências 15.
Praticamente, todos justificam sua conduta alegando que deviam uma lealdade
mais alta do que a lealdade do patriotismo: serviam ao proletariado
internacional, personificado pela belicosa União Soviética. Naturalmente, esse
era o argumento usado pelo NKVD para recrutar seus agentes no exterior 16.

Porém, o NKVD não se contentava com a lealdade. Como organização


altamente suspeita, que servia a um senhor morbidamente desconfiado, estava
consciente também de que as mesmas deficiências que atraíam as pessoas para o
comunismo faziam delas suspeitos em potencial. As pressões eram guardadas
como reserva ou postas em ação quando era necessário. Era considerado
especialmente importante convencer os recrutas a trabalhar por dinheiro, mesmo
quando não precisavam ou quando assumiam sinceramente motivações
idealistas. O dinheiro colocava o recruta em posição de dependência e o prendia
ao serviço. Ele podia vir a precisar do dinheiro mais do que pensava, ou tornar-
se um alvo para chantagem. Poucos resistiam às ofertas tentadoras por muito
tempo, sem dúvida justificando o processo com a alegação de que eram despesas
necessárias aos preparativos para o dia da libertação. No fichário dos
informantes do NKVD havia um subtítulo, “CONDIÇÕES FINANCEIRAS”, e
uma anotação típica dizia: “Financeiramente seguro, mas aceita dinheiro.
Ocasionalmente, é necessário para ajudar”. Como explicou um pagador do
NKVD em Nova York: “Quem paga é patrão e quem recebe dinheiro deve dar
alguma coisa em troca”. Somas enormes foram gastas desse modo, provocando
comentários sarcásticos do próprio Stalin (“Não passam de mercenários na folha
de pagamento soviética”) 17.

Com a aliança da guerra, os incentivos e recrutamento de estrangeiros


cresceram. Operações de lend-lease {Operação para cessão de material de guerra
aos aliados dos Estados Unidos, durante a Segunda Guerra Mundial. (N. do T.)}
e a cooperação militar exigiam a presença de grande número de pessoal soviético
na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos; naturalmente, entre eles estavam muitos
membros do NKVD, desde os respectivos embaixadores (Gousev e Oumanski)
até funcionários menos graduados. A fim de coordenar as atividades subversivas
anti-Eixo no continente, havia um acordo de colaboração entre o NKVD, de um
lado, e o SOE e a OSS do outro. Desembarcou em Londres uma missão oficial
do NKVD, mas o presidente Roosevelt não permitiu o mesmo em Washington,
temendo repercussões políticas 18. Porém, o proposto intercâmbio de
informações demonstrou ser um fluxo unidirecional, pois o NKVD não tinha a
mínima intenção de fornecer aos seus colegas anglo-americanos nenhum segredo
valioso. A única contribuição importante da missão do NKVD em Londres foi a
obstrução de um plano do SOE para subverter trabalhadores russos que
trabalhavam como escravos no Reich; não queriam que os ingleses interferissem
na delicada questão dos expatriados 19.

A confirmação inesperada de que o serviço secreto soviético estava espionando


tanto os ingleses quanto os alemães foi levada ao conhecimento do Ministério do
Exterior em janeiro de 1944. Um documento bastante extenso caiu nas mãos das
autoridades navais inglesas em Arkhanguelsk, uma coleção de instruções
dirigidas ao Departamento de Ligação da Esquadra Soviética do Norte. A
atribuição oficial do Departamento de Ligação era supervisionar as relações
entre as autoridades soviéticas e britânicas e outros visitantes aliados. Entretanto,
como revelavam as instruções, a principal função do departamento era espionar
os visitantes, com especificação e detalhes sobre o tipo de informações que
deviam ser obtidas e as possíveis fontes das mesmas. O Departamento de
Ligação não fazia parte do NKVD, mas tinha instruções para trabalhar em
harmonia com essa organização. Além de colher informações de natureza
técnica ou estratégica, os oficiais deviam fazer um estudo cuidadoso de todos os
visitantes, “prestando atenção especial aos oficiais, escritores, sinaleiros,
especialistas em códigos, a saber: a) autobiografia, promoção; b) estudo do
caráter, separando os lados fortes e os fracos (coragem, determinação, fraquezas,
vaidade, suscetibilidade a vantagens materiais, vinhos, mulheres, etc.)...” Um
fichário mantinha o relatório atualizado.

Para Geoffrey Wilson, do Ministério do Exterior, tudo isso “estava de acordo


com o que esperavam”, e tornava “mais necessário ainda escolher nosso pessoal
com o maior cuidado e dizer-lhes como se comportar”. Quanto ao fichário, ele
anotou na margem: “Gostaria de ver o meu dossiê!”20 Sem dúvida, ele percebeu
imediatamente a importância do fichário, pois em 1940, quando estava na
embaixada em Moscou, estivera envolvido numa operação que consistia em
arrancar um oficial britânico subalterno das garras do NKVD. Tinham pedido ao
jovem para passar informação confidencial dos arquivos da embaixada. Ele
recusou, mas foi aconselhado a “pensar cuidadosamente. Você ama sua mãe e
seu pai; não seria agradável para eles serem mandados para um campo de
trabalhos forçados” 21.

“Suscetibilidade a vantagens materiais, vinho, mulheres, etc.”, há muito tempo


era coisa considerada pelo NKVD como uma falha na armadura do inimigo.
Diplomatas em visita, pessoal militar, jornalistas e outros eram avaliados para
possível exploração. A vida dos estrangeiros em Moscou era geralmente tão
isolada e monótona que as tentações eram sempre bem-vindas. A primeira arma,
talvez a mais eficaz, eram as moças mojno, que se agrupavam ao redor de um
visitante como se estivessem atraídas por seu charme. Nem todas estavam na
folha de pagamento permanente do NKVD, mas (como explicou um ex-oficial)
eram “obtidas na milícia em um grupo de talentos acessíveis, em sua maioria
pessoas presas nas ruas por prostituição” 22. Outras, entretanto, eram moças
cujas origens sociais as comprometiam politicamente. Ocasionalmente,
apaixonavam-se por suas vítimas e tentavam fugir do país com elas. Mas
geralmente essa fraqueza as levava aos campos da morte de Kolyma 23.

Os jornalistas eram um alvo importante para o NKVD. Em 1942, o


correspondente do Daily Telegraph em Moscou queixou-se de que um agente do
NKVD “tinha tentado abertamente empurrar uma Jovem Beldade para mim. Ele
a levou para me conhecer, sob o pretexto de que a moça estava completando
dezesseis anos naquele dia. . . Pus a jovem para fora de modo um tanto brutal,
acusando-a de ‘desordeira’ e assustando-a, dizendo que ia denunciar suas
atividades às altas autoridades”24. Ralph Parker, do Times, infelizmente cedeu a
uma tentação semelhante e, como resultado, seu jornal, durante a guerra, atuou
como um apologista britânico dos piores excessos e mais brutais objetivos do
regime soviético 2S. As moças mojno tinham como tarefa obter segredos das
suas presas usando os habituais métodos de persuasão. Outra arma era a
chantagem. Fotografias, de alta qualidade técnica, eram tiradas secretamente de
casais em poses comprometedoras 26. Era um fato bastante conhecido no
exterior, ou pelo menos devia ser, mas alguns diplomatas da embaixada britânica
em Moscou nem sempre eram muito cuidadosos. Em agosto de 1942, o
embaixador notou que “... membros da nossa equipe, que não têm muito o que
fazer, afirmam ter estado com algumas moças muito bonitas” 27. Clark Kerr
tinha muita experiência mundana para se preocupar com essas escapadas, mas
devia haver parentes ou amigos na Inglaterra que não eram tão tolerantes com o
que as fotografias revelavam.

Certas visões desse submundo de intrigas ocasionalmente se impõem. O


brigadeiro George Hill era o representante do SOE em Moscou. Falava
fluentemente o russo e logo se envolveu profundamente com uma das moças
mojno do NKVD. Surpreendentemente, conseguiu convencer o Departamento do
Norte do Ministério do Exterior a autorizá-lo a receber o equivalente a vinte mil
libras em diamantes de Hatton Garden. Deu as pedras à moça, provavelmente
pensando que assim conseguiria informações secretas28. Porém, os papéis se
inverteram. Uma autoridade no assunto, Kim Philby, registra em relatório que
Hill era uma fonte muito bem-vinda de informações29. Mais tarde, Hill
prometeu ao coronel Ivan Tchitchaev, chefe da missão do NKVD em Londres,
que lhe daria detalhes dos “brinquedos” do SOE: instrumentos secretos e mortais
destinados a assassinato e sabotagem. Mas um oficial de ligação do SOE, major
Manderstam, conseguiu obstruir essa jogada e outra com a qual Tchitchaev
pretendia pôr as mãos em quatro russos libertados que haviam concordado em
ajudar os ingleses no recrutamento de russos ainda prisioneiros dos alemães,
para serviço de espionagem. “Duvido que o coronel Tchitchaev tenha boa
opinião sobre o major Manderstam”, comentou Geoffrey Wilson no Ministério
do Exterior 30. Ao que parece, é uma alusão ao conhecido antissemitismo do
NKVD 31, embora, apesar do seu nome, o major Manderstam não fosse judeu.

Os homossexuais eram muito mais vulneráveis nas mãos do NKVD. A sodomia


era ilegal na Grã-Bretanha, sujeita a prisão. Quem fosse condenado por esse tipo
de transgressão não podia sobreviver socialmente na Inglaterra. Ao mesmo
tempo, no Ministério do Exterior, havia uma extraordinária tolerância em relação
a esse vício entre funcionários de categoria 32. Guy Burgess possuía cartas
indiscretas e fotografias que incriminavam seus companheiros diplomatas; como
ele confessou com um largo sorriso, “algum dia podem ser muito úteis” 33.
Embora a chantagem fosse usada com efeito letal, não era a única e nem a
principal motivação de muitos homossexuais para trabalhar pela União Soviética
contra seu próprio país. Há uma notável simbiose entre o comunismo e o
homossexualismo que não pode ser explicada. A combinação ocorria com
frequência nas principais universidades britânicas, e residentes em Moscou,
antes da guerra, notaram que a cidade exercia uma estranha atração sobre os
homossexuais — especialmente ingleses. Entre eles, Guy Burgess e seu amigo
de Oxford, Derek Blaikie 34. Evidentemente, a motivação era, em parte, devida
às virtudes do marxismo, mas em parte muito maior criada pelas dificuldades em
seu próprio país. O ostracismo e a ameaça de punição em sua própria
comunidade faziam que reagissem, passando a odiar os opressivos costumes
burgueses que ainda governavam grande parte da vida dos ingleses, e
respondiam favoravelmente ao movimento que par excellence ameaçava a
destruição daquela classe autossuficiente. Além disso, a mesma consideração
fazia que levassem uma vida dupla, acostumando-os ao comportamento secreto e
conspirativo. Passar dessa situação para o serviço do Komintern significava
apenas sair da penumbra para a escuridão. Como observou recentemente John
Vassal, condenado por traição mais tarde: “Naqueles dias não compreendíamos
o mundo da espionagem. Não como hoje. Nunca era mencionado. Exatamente
como o homossexualismo. Ambos caminhavam juntos desse modo” 35.

Entretanto, essa é apenas parte da explicação. O comprometimento extremo de


muitos homossexuais com o comunismo de Stalin sugere, em muitos casos, mais
do que mera reação às circunstâncias. Um certo tipo de homossexual parece ser
atraído pelos símbolos do poder masculino, pelo domínio e sadismo. Sartre e
outros observaram que os homossexuais eram atraídos para seus conquistadores
nazistas, aparentemente levados por um desejo de se submeter à força cruel e
disciplinada36. O próprio Hitler dizia que seus discursos tinham nas multidões
um efeito de sedução e posse sexual37, e um confidente do Führer notou que
“Hitler causava forte impressão, especialmente nos que eram sugestionáveis e de
certa forma efeminados...”38 Uma grande parte do elemento ativo e militante do
Partido Nazista, especialmente as SA, consistia na prática e na ética
agressivamente homossexual39, tolerada complacentemente por Hitler. Depois
do Putsch de Röhm, ele hipocritamente adotou medidas para acabar com a
perversão sexual, mas o nazismo continuou até o fim imbuído de princípios
sadomasoquistas e homossexuais 40. Portanto, é provável que a tão apregoada
história de crueldade e de sangue do comunismo atraísse esse tipo de pervertido,
e tivesse feito que um homem como Donald Maclean fosse “louco por Stalin”41.
Chantagem, persuasão, várias formas de fraude: qualquer fraqueza era explorada
pelo NKVD para conseguir seus fins. Basicamente, os objetivos eram duplos.
Em primeiro lugar, era importante obter, em todos os níveis, o tipo de
informação exigida por qualquer serviço de espionagem que se respeita: detalhes
de movimentos de tropas, novos armamentos, decisões políticas, etc. 42 O
segundo passo não era tão simples, mas muito mais compensador do que a mera
aquisição de fatos. Consistia em ganhar controle sobre figuras proeminentes,
homens que tomavam as decisões na máquina governamental de um país
estrangeiro. Uma vez conseguido, essas pessoas geralmente eram transformadas
em um “aparelho latente”. Sua tarefa consistia em não fazer nada, às vezes
durante anos. Então, quando eram ativados, deviam realizar algum trabalho
importante, como trair um segredo vital ou, o que era mais valioso, usar seu
poder e influência na política do seu país a favor dos interesses da União
Soviética. “O objetivo principal”, confessou um ex-agente soviético, “não era
adquirir. . . informação, mas movimentar-se rapidamente dentro do círculo
governamental.” 43

De tempos em tempos, temos um vislumbre desse processo, e não há dúvida de


que muitas decisões tomadas no Ocidente, vantajosas para Stalin, foram ativadas
pelos cordões manejados pelo chefe dos fantoches georgiano. Quantas vezes ele
deve ter sorrido intimamente quando, numa conferência com estadistas anglo-
americanos, refletiu sobre a santa ignorância de Churchill e Roosevelt sobre as
coisas que ele sabia! Quando passou os olhos pelos homens da delegação
americana na Conferência de Yalta, terá ele se detido por um momento na figura
elegante de Alger Hiss? Haveria outros, cujos rostos olham ainda para nós nas
fotografias, que o ditador sabia serem “nash” — “nossos”? Hiss era um
funcionário graduado do Departamento de Estado, ligado ao secretário de
Estado, Stettinius, que desempenhou papel importante, tanto em Washington
quanto internacionalmente, como nas conferências de Dumbarton Oaks, Yalta e
San Francisco. O embaixador soviético nas Nações Unidas, Andrei Gromiko,
insistiu em que Hiss fosse o primeiro secretário-geral. Descobriu-se que estava
passando documentos secretos para os soviéticos e, em fevereiro de 1945,
trabalhou obstinadamente para obter relatórios importantes da OSS, não ligados
ao seu trabalho, mas de grande interesse para o serviço secreto soviético44. Hiss
nunca deixou de negar sua culpa, mas as provas contra ele são esmagadoras.

(Não temos espaço para recapitular toda a história, portanto fazemos referência
ao livro do professor Allen Weinstein e comentários subsequentes de Sidney
Hook e outros. A investigação meticulosa do professor Weinstein dos
documentos publicados pelo FBI e nos relatórios sobre a defesa de Hiss, que
constam dos arquivos, mostram claramente que o relato de Whittaker Chambers
sobre o movimento comunista subterrâneo, no qual Hiss trabalhava, é exato; que
Hiss mentiu a respeito de sua associação com Chambers, e sobre a localização da
máquina de escrever na qual eram copiados os documentos roubados do
Departamento de Estado; que não há provas — como afirmaram os
companheiros de Hiss — de que sua condenação fosse devida a uma conspiração
de seus superiores; e que o fato de Chambers estar de posse dos incriminadores
“documentos pumpkin” só pode ser explicado de um modo: foram passados a ele
por Hiss. Como escreve Melvin J. Lasky, “agora a culpa de Alger Hiss. . . pode
ser comprovada”45.)

O que não sabemos hoje, talvez nunca venhamos a saber, é até que ponto Hiss
podia orientar a política dos Estados Unidos em canais vantajosos para Stalin.
Na Conferência de Yalta, foi notado que ele “tinha a atenção do sr. Stettinius”, o
honesto mas inexperiente secretário de Estado 46. Mas não há nenhuma prova de
decisões orientadas em sentido subversivo47, e se isso aconteceu foi
necessariamente feito com extrema cautela e somente quando se apresentava
uma oportunidade segura. Stalin certamente estava recebendo cópias dos
telegramas secretos dos Estados Unidos, nessa época48, e pode ser que o
principal benefício que ele auferia dos seus traidores colocados em altos postos
no Ocidente fosse a imensa superioridade da sua diplomacia extremamente bem-
informada, comparada à dos americanos 49.

Outro traidor que ocupava cargo importante em Washington era Harry Dexter
White, secretário assistente do Tesouro. White estava em posição privilegiada
para influenciar as diretrizes dos Estados Unidos, e seu caráter ativo
frequentemente lhe permitia manejar decisões importantes. Várias diretrizes
defendidas por ele eram favoráveis aos interesses soviéticos, especialmente seu
apoio ao famigerado Plano Morgenthau, que teria reduzido a Alemanha do pós-
guerra a uma economia pastoral de fome, pronta para a anexação soviética50.
Como Hiss, White usou sua influência para colocar outros simpatizantes dos
soviéticos em postos-chave51, e fornecia informação a Béria.

Homens como Alger Hiss e Harry Dexter White estavam em situação de ajudar
os esforços determinados de Stalin para suplantar os aliados ocidentais no
confronto que teve como resultado a queda da Alemanha. Mas as diretrizes
governamentais raramente são ditadas pela influência ou decisão de um único
homem, e o papel desses homens era o de reforçar tendências já existentes na
opinião oficial, para favorecer as exigências soviéticas, mais do que tomar
decisões-chave a favor dos soviéticos. Mas sua influência era considerável, e
tudo parece indicar que tinham outros colaboradores em cargos importantes,
cujas identidades continuam desconhecidas até hoje. Sob a liderança do
presidente Roosevelt, a política americana em relação à União Soviética foi
inevitavelmente mal conduzida em muitos setores, tornando-se presa fácil de
influências perniciosas.

Além dos “grandes peixes” como Hiss e White, que negaram sua culpa
insistentemente mas sem conseguir convencer52, havia uma multidão de agentes
de menor importância e traidores, muitos dos quais foram condenados por seus
crimes 53. Os que prestaram maior serviço ao inimigo foram talvez os que
entregaram os segredos da bomba atômica a Béria, adiantando em muitos anos a
posse dessa arma mortal pelos soviéticos 54. Sua história é muito bem
documentada e não precisa ser repetida. É mais interessante considerar a conduta
dos grandes homens, cujas ações não chegaram a ser traição, mas que
forneceram os motivos básicos para que fossem convencidos a usar seus poderes
a favor da política opressora e expansionista de Stalin.

A União Soviética, desde o berço, dedicou todos os recursos daquele vasto país à
promoção de um único objetivo: a preservação do poder e dos privilégios dos
bolchevistas. Embora a economia soviética tenha permanecido, em toda a sua
história, em péssimas condições, os recursos do Estado para qualquer objetivo
imediato e específico sempre foram quase ilimitados. O suborno e a corrupção
são armas de penetração e esmorecimento dos Estados capitalistas, e milionários
sucumbiram à tentação com a mesma facilidade (ou talvez mais facilmente) de
um empregado indigente do Almirantado.

Durante a revolução, houve uma desapropriação em massa dos bens da família


imperial, da aristocracia e de outras pessoas ricas. Vários tesouros artísticos
foram adquiridos pelos novos senhores bolchevistas, mas a maioria foi
conservada coletivamente, como propriedade do “Estado”. Imediatamente, um
grande número de empresários estrangeiros ricos e inescrupulosos apareceu em
Petrogrado e em Moscou como abutres sobre a carcaça putrefata 55.
Conseguiram acordos proveitosos com o governo soviético, e passaram a
exportar tesouros de arte a preços irrisórios para o Ocidente, mas que para a
Rússia soviética representavam moeda estrangeira, numa época em que a
economia passava pelas piores dificuldades. A competição por essas lucrativas
concessões foi muito grande, e a OGPU (mais tarde, NKVD) não demorou em
auferir uma parte secundária do tributo. Andrew Mellon, secretário do Tesouro,
obstruiu ou conseguiu desviar os embargos antidumping dos Estados Unidos
contra a URSS, depois de ter negociado uma compra pessoal de muitos milhões
de dólares com as autoridades soviéticas, em 1930 56. Os Hammers envolveram-
se muito mais profundamente no comércio de arte soviético. De origem russa,
descobriram muito cedo a combinação proveitosa de “socialismo” e transações
secretas de objetos de arte com os soviéticos. Um clã extremamente
desagradável. O pai, Julius, cumprira pena em Sing Sing por um crime sórdido, e
o filho, Armand, tinha tido ligações com contrabandistas de bebidas; ambos
eram suspeitos de serem agentes do NKVD 57. Em 1932, contribuíram com
dinheiro e apoio de todo tipo para a candidatura presidencial de Franklin
Roosevelt, tendo como objetivo o reconhecimento do governo da Rússia
soviética. Os Estados Unidos reconheceram o governo da Rússia em 17 de
novembro de 1933. Logo depois, Julius Hammer, em sociedade com um ex-
sentenciado, perdoado por Roosevelt de uma condenação de homicídio, deu de
presente a F. D. R. uma pequena lembrança para comemorar a ocasião. Tratava-
se de um dos bens mais requintados do czar: “Um modelo Fabergé, de 1913, de
um barco a vapor do rio Volga, feito em ouro, prata e platina, com uma caixa de
música que tocava Deus salve o czar” 58. O reconhecimento da União Soviética
foi resultado de vários fatores convergentes 59, e seria ridículo supor que tenha
sido conseguido por suborno, direto ou indireto. Mas a escolha do momento, as
condições e outras circunstâncias secundárias certamente foram totalmente
influenciadas pelo ouro de Hammer.

Outro exemplo desse tipo de intercâmbio, bem mais duvidoso, nos é dado por
Joseph E. Davies, um rico advogado de Washington nomeado por Roosevelt
embaixador em Moscou, de 1937 a 1938. Uma doação de quinze mil e
quinhentos dólares para o fundo da campanha de Roosevelt, em 1936, em nada
contribuiu para diminuir suas chances, embora suas qualificações gerais para o
posto incluíssem uma ignorância praticamente completa sobre a história russa,
sua política e sua língua. O que o interessava realmente eram os objetos antigos
da Rússia e seus tesouros de arte. Sua mulher, Marjorie Merriweather Post, era
herdeira da fortuna feita com Grape Nuts, Post Toasties, Jell-0 e assim por
diante, e considerava que os tesouros históricos russos podiam dar um polimento
ao dinheiro dos Grape Nuts. O tempo que passaram na embaixada em Moscou
foi uma longa excursão de compras, e os caixotes de antiguidades russas
atravessavam o oceano todos os meses para a elegante mansão da sra. Davies,
em Rock Creek Park.
Os Davies gastaram muito dinheiro na União Soviética, na época em que os
fracassos do Plano Quinquenal haviam deixado o país extremamente necessitado
de dólares. Mas não foram apenas dólares o que Stalin comprou com o enorme
acervo da herança da Rússia. O embaixador Davies recebeu tratamento especial:
os preços eram frequentemente muito baixos, muita coisa lhe foi dada de
presente, e galerias famosas, como a Tretiakov, foram privadas de tesouros sem
preço, em seu benefício. Nas lojas intermediárias (onde as famílias arruinadas
vendiam seus bens para sobreviver), Davies observava com prazer enquanto seus
guias do NKVD compravam um quadro de cinco mil por oitocentos rublos.
Naturalmente, Stalin esperava, e com certeza conseguiu, algum serviço em troca.
Era o período crítico dos expurgos, quando Stalin sentia que seu regime estava
suspenso por um fio de cabelo, quando somente rios de sangue podiam preservar
sua ditadura. Davies lançou-se com energia numa campanha voluntária para
justificar as mais incríveis distorções da verdade e as mais sanguinárias
sentenças. Seu famoso livro, Missão em Moscou, é uma apologia de todos os
excessos de Stalin. Toda crítica contrária foi eliminada, a tal ponto que certas
censuras brandas que anotara em seu diário não foram publicadas.

Joe Davies continuou a ser um amigo incondicional da União Soviética no


tempo do pacto nazi-soviético, e recebeu o que lhe era devido por ocasião da
invasão alemã. Sua afirmação de que os expurgos haviam eliminado uma quinta-
coluna em potencial foi aceita por muitos, embora não se adapte hoje ao fato
histórico de milhões de russos terem combatido no exército alemão. Missão em
Moscou foi filmado pela Warner Brothers, um filme mais bizarro do que o livro.
Davies foi enviado por Roosevelt em várias missões a Moscou e continuou a
exaltar as diretrizes soviéticas do tempo de paz e durante a guerra fria. Em 1946,
defendeu os motivos dos que haviam sido apanhados entregando os segredos
atômicos para Béria60. Para Stalin, a operação de propaganda de um só homem
feita por Davies deve ter valido o dinheiro gasto. Ao mesmo tempo, o
intercâmbio não prova por si mesmo que Davies estivesse conscientemente
servindo aos interesses de Stalin, em detrimento do seu país. Era um homem
ignorante, vaidoso e arrogante, perfeitamente capaz de explicar racionalmente
seus interesses como idênticos aos de seu país. Não era necessária nenhuma
fórmula para cimentar o contrato tácito.

Porém, não é tão fácil explicar um serviço especial prestado logo depois da
nomeação de Davies para a embaixada. Cedendo a pressões não identificadas, da
Casa Branca, a divisão russa do Departamento de Estado foi abolida, e sua
coleção excepcional de material sobre a União Soviética foi interrompida ou
destruída. Não foi apresentada nenhuma razão para esse ato aparentemente
contrário às circunstâncias, quando os Estados Unidos e a URSS pareciam cada
vez mais envolvidos mutuamente nos seus assuntos de Estado. Parece que a
divisão russa, dirigida por seu diretor estudioso, Robert F. Kelly, sabia mais do
que devia saber, e geralmente recomendava atitudes mais firmes em relação à
truculência russa do que convinha a certas pessoas. Como escreveu George F.
Kennan:

“Mais tarde, fiquei surpreso ao verificar que os partidários de McCarthy e outros


direitistas do começo dos anos 50 nunca fizeram uso do incidente, pois era sem
dúvida um fato que cheirava claramente a influência soviética ou a uma forte
influência pró-soviética nos altos escalões do governo”61.

Nunca será demais enfatizar o fato de que as influências de comunistas ou


criptocomunistas na administração britânica e americana, durante a guerra,
foram apenas um dos fatores no processo de tomada de decisões. O mais bem
colocado traidor raramente poderia desviar ou inverter a política do seu país. Na
verdade, quando a Rússia soviética tornou-se uma aliada, depois de junho de
1941, raros eram os casos de conflitos de interesse. Um líder irresponsável e
obstinado como Roosevelt podia pôr em prática diretrizes e defender
sinceramente pontos de vista, que, se fossem influenciados por subordinados,
poderiam parecer, em retrospecto, sinistros e não apenas mal orientados. Como
escreve Gibbon sobre a fraca resposta do imperador Honório à ameaça dos
godos:

“A incapacidade de um governo fraco e sem coragem pode muitas vezes assumir


a aparência, e produzir os efeitos, de uma correspondência de traição com o
inimigo. Se o próprio Alarico tivesse sido introduzido no Conselho de Ravena,
provavelmente teria aconselhado as mesmas medidas que estavam sendo postas
em prática pelos ministros de Honório”.

A respeito disso tudo, o historiador mais cauteloso é obrigado a reconhecer que


houve traições das quais ele nem sequer tem idéia. Nos Estados Unidos, as
carreiras subversivas de Alger Hiss e Harry Dexter White foram descobertas
somente devido às revelações feitas por seus ex-companheiros de conspiração,
Whittaker Chambers e Elisabeth Bentley. Na Grã-Bretanha, não houve
defecções similares do Partido, e permanece a dúvida se Béria não teria também
homens nos altos círculos governamentais britânicos, classificados nos arquivos
da Lubianka como “nash”. As revelações contínuas sobre Burgess, Maclean e
Philby indicam que qualquer comportamento impróprio ou suspeito podia ser
ignorado ou tolerado, na atmosfera indisciplinada da época.

Recentemente, o sr. David Martin, num importante estudo do movimento


Tchetnik do general Mikhailovitch, na Iugoslávia, revelou provas importantes de
que o auxílio britânico foi desviado desse general para os guerrilheiros
comunistas de Tito, em grande parte devido à atuação de simpatizantes
soviéticos, que ocupavam postos-chave. Relatórios do SOE a respeito das
sucessivas vitórias de Mikhailovitch sobre os alemães aparentemente foram
ocultos das autoridades britânicas, ao passo que as atividades de Tito eram
exaltadas e exageradas. Da mesma forma as transmissões da BBC sobre o
assunto inclinavam-se misteriosamente a favor de Tito. No SOE, no Cairo, o
major James Klugman não perdia oportunidade para injuriar a causa de
Mikhailovitch e enaltecer a de Tito62. Klugman era um comunista fanático, e
desempenhou papel importante nos anos 30 no recrutamento de estudantes de
Cambridge, e outras universidades, para a causa soviética. Stalinista rígido,
talvez tenha se arrependido de sua ajuda a Tito quando este rompeu com
Moscou, em 1948 63. No fim da guerra, as atitudes dos britânicos haviam se
tornado tão rígidas que o conselheiro legal do Ministério do Exterior, Patrick
Dean, concordou com a entrega de Mikhailovitch a Tito como criminoso de
guerra, se ele caísse nas mãos dos seus aliados britânicos 64.

Um íntimo colaborador de Klugman foi Douglas Springhall, que também


trabalhava para o NKVD junto às universidades, na década de 30, tendo
recrutado Kim Philby, entre outros. Em 1934, Springhall foi apanhado quando
roubava material do Ministério da Aviação e condenado a sete anos de prisão.
Mais ou menos na mesma época, o capitão Uren, companheiro de Springhall,
recebeu sentença idêntica pelo mesmo tipo de atividade. As autoridades
soviéticas revidaram, retirando a permissão de entrada na Rússia do veterano
correspondente soviético do Daily Telegraph, Alfred Cholerton. Logo depois,
Cholerton soube que seu secretário em Moscou fora preso. Em vista do
extraordinário conhecimento que Cholerton tinha da União Soviética, é
interessante notar que ele estava convencido de que a represália fora instigada
pelos “rapazes do NKVD que dirigem a verificação do pessoal da intel[igência]
[no QG da BBC] em Bush House”65.

A história da repatriação forçada de cidadãos soviéticos e outros, no fim da


guerra, é hoje bastante conhecida. Cerca de seis milhões de prisioneiros de
guerra russos, trabalhadores escravos e refugiados, foram reunidos na Europa
ocupada pela Alemanha. No fim da guerra, cerca de metade foi posta sob
custódia dos britânicos e americanos. O acordo assinado pelos dois governos, em
Yalta, determinava o regresso de todos os cidadãos soviéticos à URSS. O acordo
ignorava o problema dos que não desejavam voltar, mas os ingleses já tinham
resolvido que todos deviam ser obrigados a voltar, quisessem ou não. Sob
pressão dos ingleses, e com fortes reservas, os Estados Unidos concordaram, por
algum tempo, em fazer uso da força, no caso de expatriados que não quisessem
voltar à URSS.

Logo que os primeiros grupos de russos chegaram à União Soviética, o


Ministério do Exterior começou a receber relatórios impressionantes sobre
massacres arbitrários, detenção e tratamento selvagem dos prisioneiros.
Revelações subsequentes confirmaram esse quadro sombrio, e dos dois milhões
e um quarto de prisioneiros devolvidos, a maior parte morreu em condições
terríveis: massacrados na chegada, ou por morte lenta nos campos de trabalho.

O curso de ação baseava-se numa decisão do gabinete, influenciada pelo apoio


do secretário do Exterior, Anthony Eden. Porém, foram os funcionários do
Departamento do Norte do Ministério do Exterior que se esforçaram para seguir
as diretrizes com o máximo rigor, muito tempo depois de Eden ter deixado o
cargo. Geoffrey Wilson e Patrick Dean haviam defendido a repatriação forçada,
muito antes de Eden ser secretário, e eles e seus companheiros fizeram o
possível para resistir às pressões dos militares, e de outros, para amenizar ou
terminar essa prática desumana. As leis britânicas foram violadas, a Cruz
Vermelha Internacional foi enganada, ao secretário do Exterior Bevin foram
contadas mentiras, e o público britânico foi deliberadamente mantido na
ignorância do que estava sendo feito em seu nome. O motivo para toda essa
diligência permanece um mistério. Em 1948, Patrick Dean insistia ainda na
restauração dessa diretriz 66, mas nem ele nem seus companheiros estão
dispostos, hoje, a explicar seus motivos67.

O tratamento dispensado a esses russos, que por um tempo escaparam ao


controle de Stalin, ilustra eficazmente o quanto os simpatizantes do Ocidente
estavam dispostos, quando se chegou a um ponto crítico, a preservar o domínio
do NKVD sobre aquele povo infeliz. Na verdade, foram aliados da guerra
secreta de Stalin. John Strachey era um ex-comunista conhecido, e morava perto
de um campo de prisioneiros russos no sul da Inglaterra. Ele “foi implacável.
Disse que eram traidores porque tinham sido encontrados com uniformes
alemães, e que mereciam tudo o que os esperava” 68.
A recaptura dos russos fugitivos era da maior importância para Stalin. A
relutância deles em voltar era prova da natureza desumana do regime soviético.
Porém, o pior era a possibilidade de virem a formar um grupo poderoso
antissoviético, fora do alcance do NKVD 69. Os alemães haviam formado um
“Exército Russo de Libertação” com oitocentos mil homens, e suspeitava-se que
os anglo-americanos pretendessem fazer o mesmo70. Outras razões para o
intenso interesse dos soviéticos nos cidadãos fugitivos são dadas pelo ex-oficial
da Smerch: “Em primeiro lugar, eram testemunhas indesejáveis contra o
comunismo e o sistema soviético. Segundo, a União Soviética tinha sofrido
enorme perda de homens na guerra e estava com falta de potencial humano” 71.

Como ficou sabendo um oficial cossaco, depois de ter sido entregue para o
NKVD na Áustria, aquele curso de ação representava “um esforço para assustar
todos aqueles que ainda levavam no coração a esperança de uma libertação — os
reacionários da União Soviética e do exterior. Era prova também de que a União
Soviética podia dragar seus inimigos do fundo do mar e puni-los com a morte, e
que o mundo livre, como Pôncio Pilatos, lavaria as mãos”. E um ex-oficial do
exército de Vlassov confessou sombriamente que a traição dos Aliados evitaria
novas deserções 72. Um oficial da Smerch, que tomou parte na operação,
acentua o valor da propaganda interna para Stalin: “Naturalmente, para os
soldados soviéticos e a população, o NKGB e a máquina de propaganda
soviética exploraram ao máximo essas extradições”. Ex-soldados russos
devolvidos pelos ingleses e americanos foram “espancados até se transformarem
em uma massa informe” e expostos às unidades do Exército Vermelho como
uma advertência. A impressão era de que o poder soviético fosse irresistível, e o
Ocidente, abjetamente fraco73.

Por um momento breve mas sangrento, a guerra secreta de Stalin contra o povo
russo recebeu ajuda direta de simpatizantes que ocupavam altos cargos no
governo do Ocidente. Se seus motivos permanecem em segredo, suas ações são
bem evidentes. O povo russo foi conduzido de volta às trevas, a doninha
ajudando o lobo. Como observou Bertram Wolfe, tal é

“...a essência do totalitarismo: sua guerra dupla — uma guerra infindável contra
o próprio povo para refazê-lo à imagem dos seus planos para o espírito do
homem; e guerra contra o resto do mundo para conquistá-lo para o infalível e
inevitável sistema comunista. Na verdade, as duas guerras estão
inseparavelmente unidas: um regime que não dá ao próprio povo a paz não dará
a paz ao mundo” 74.
A política soviética tem alternado uma extrema cautela — até mesmo covardia
— com planos de agressão de longo alcance. Mas enquanto essa política for
conduzida com malevolência e falta de escrúpulo, o mundo civilizado não tem
outra alternativa senão reconhecer isso e estar vigilante para enfrentar o pior.
Epílogo

A avaliação dos historiadores sobre as intenções soviéticas, no período do pós-


guerra, tem sido prejudicada pela escassez de material documental disponível e,
inevitavelmente, pelas atitudes políticas contemporâneas em relação a um
conflito que ainda continua. As esperanças de que a União Soviética pudesse
cooperar na reconstrução de uma ordem mundial estável morreram em 1946-47,
e as atitudes se polarizaram com a instalação da guerra fria. Para a maioria dos
publicistas e historiadores do Ocidente, na época, a URSS tornara-se — talvez
sempre tivesse sido — “uma provocadora mundial”, com planos de longo
alcance para sua expansão, talvez extensivos à conquista do mundo. Ou os
soviéticos estavam agindo de acordo com um plano prévio de domínio do mundo
(coerentemente defendido sob a forma de “revolução mundial”, por todos os
teóricos soviéticos, desde o tempo de Lenin); ou eram aventureiros
inescrupulosos, procurando estender seu domínio sempre que tinham
oportunidade.

Porém, quando a expansão soviética foi restrita a limites severos pelo sistema de
alianças, da OTAN à SEATO, e quando estas, por sua vez, foram seguidas pelos
drásticos reveses americanos no Vietnã, surgiu uma nova escola de historiadores
“revisionistas”. Os revisionistas tendem a defender o ponto de vista de que
foram as diretrizes superopressoras dos Estados Unidos que provocaram as
atitudes hostis e obstrucionistas da União Soviética. Especialmente a absorção
de países antes independentes na Europa oriental foi vista como uma reação
defensiva natural, com o objetivo de formar um baluarte para bloquear a rota de
invasão dos inimigos da Rússia.
A opinião dos revisionistas foi em parte uma reação saudável contra as
explicações simplistas do período anterior de tensão. O poder militar e
econômico soviético sem dúvida fora exagerado, e a força preponderante da
América, subestimada. Além disso, era pouco provável que o “mundo livre”
fosse motivado unicamente por esperanças altruísticas de benefícios
democráticos para todos os povos.

Entretanto, a fase revisionista da historiografia parece ter tido menor aceitação


do que a versão ingênua de “cruzada” da própria guerra fria. Suas limitações
sofreram o ataque cerrado de estudiosos qualificados para julgar o assunto. Tem
sido acentuado, por exemplo, o fato de que os “revisionistas”, são, quase todos,
americanos que se baseiam especialmente em fontes americanas. Sugerem que
sua linha de pesquisa nos diz mais sobre as atitudes americanas durante a Guerra
do Vietnã, e os pecados do presidente Nixon, do que sobre os acontecimentos da
década de 50. Além disso, tendem a ignorar o lado dos soviéticos na luta,
discutindo as reações ocidentais como se existissem numa espécie de limbo. Em
terceiro lugar, supõe-se frequentemente que o comportamento soviético consistia
de um modo geral na “política das grandes potências”, semelhante ao
comportamento da Rússia imperial e herdado dela 1.

Este último ponto de vista é falho devido a um mal-entendido básico do papel


desempenhado pela ideologia. Como diz sucintamente Arthur Schlesinger:

“. . . a grande omissão dos revisionistas — e também a explicação fundamental


da rapidez com que a guerra fria efetuou sua escalada — está precisamente no
fato de a União Soviética não ser uma nação tradicional. É exatamente aí que a
‘imagem refletida’, citada por muitos psicólogos, se desmorona. Pois a União
Soviética era um fenômeno muito diferente da América ou da Grã-Bretanha: era
um país totalitário, com uma ideologia que tudo explicava e tudo abrangia,
confiada à infalibilidade do governo e do Partido, ainda de um modo um tanto
messiânico, equacionando dissensão com traição, e dirigida por um ditador que,
apesar de todas as suas habilidades extraordinárias, tinha seus momentos de
paranoia.

O marxismo-leninismo deu aos líderes russos uma visão do mundo segundo a


qual todas as sociedades estavam inexoravelmente destinadas a seguir caminhos
determinados, em estágios específicos, até alcançarem o nirvana do mundo sem
classes. Além disso, dada a resistência dos capitalistas a esse desenvolvimento, a
existência de qualquer país não-comunista era por definição uma ameaça à
União Soviética. ‘Enquanto existirem o capitalismo e o socialismo’, escreveu
Lenin, ‘não podemos viver em paz; no fim, um ou outro triunfará — um canto
fúnebre para a República Soviética ou para o capitalismo mundial’ ”2.

Um erro semelhante, não limitado aos “revisionistas”, é um simples caso de uso


inadequado da fraseologia. Os historiadores escrevem sobre a “Rússia ...
revivendo nossa própria idéia inicial de um ‘cordon sanitaire’, com um círculo
de vizinhos ‘amistosos’ na sua fronteira ocidental”3, e o próprio George Kennan
sugeriu que “atrás da obstinada expansão russa esconde-se apenas a sensação
antiga de insegurança de um povo sedentário, criado numa planície exposta à
vizinhança feroz de povos nômades’ , etc.4

Porém, com a ausência total de qualquer coisa que pelo menos se pareça com a
opinião pública, na Rússia, os conceitos de “Rússia” e de “russos” têm pouco
significado nesse contexto. Era o próprio Stalin que tomava todas as decisões.
Não se preocupava com ambições nacionais tradicionais, mas apenas com a
preservação da sua autoridade e da sua pessoa. Um artifício que usava com
muita frequência era o de se fazer passar por moderado, resistindo à linha dura
dos elementos do Politburo ou outros5. Na verdade, seus companheiros de
governo e seus subordinados não tinham poderes independentes de decisão, além
daquilo que, esperavam temerosamente, pudesse antecipar as diretrizes do chefe.

“Não confio em ninguém”, resmungava ele amargamente, em voz alta, em 1951,


“nem em mim mesmo.” No que se referia a negócios exteriores, não se dava ao
trabalho de consultar os que o rodeavam. “O resto de nós, na liderança”, conta
Khrushchev, “tínhamos o cuidado de não metermos o nariz na Europa oriental, a
não ser que o próprio Stalin nos empurrasse para aquela direção. Ele guardava
ciumentamente a política externa, em geral, e nossa política em relação a outros
países socialistas [isto é, ocupados] era como se fosse sua província particular.
Stalin nunca se esforçou para considerar as opiniões dos outros, especialmente
depois da guerra.”6 Quase todos os observadores estrangeiros estavam a par
desse estado de coisas havia muito tempo, e compreendiam que homens como
Molotov e Litvinov “não tinham diretrizes próprias, mas eram apenas porta-
vozes do sr. Stalin”7. O comissário do Exterior raramente podia entrevistar um
embaixador visitante sem que Stalin ficasse na sala ao lado escutando a conversa
8.

Dentro das limitações naturais que restringem até o mais absoluto ditador, a
política soviética refletia as esperanças e os temores pessoais do próprio Stalin.
Naturalmente, ele também conhecia as considerações históricas e era
influenciado por elas, mas qualquer tendência a escrever em termos impessoais
sobre a “Rússia” e os “russos”, procurando este ou aquele objetivo, é ilusória.

Num certo nível, a política de Stalin era extremamente primitiva, simplista — e


prática. Ele via o poder em termos muito materiais: “Sabe quanto pesa o nosso
país, com todas as fábricas, máquinas, o exército, com todos os armamentos, e a
marinha?”, perguntou ele certa vez. “Muito bem, e pode um só homem suportar
a pressão desse peso astronômico?” 9 No que refere à questão das fronteiras da
União Soviética no pós-guerra, Stalin não acreditava que fosse realmente seu o
que não estivesse sob seu domínio direto. “Esta guerra não é igual à do passado”,
disse ele a Djilas, em abril de 1945; “quem ocupa um território também impõe
sobre ele seu sistema social. Todos impõem seus sistemas desde que seu exército
tenha poder para isso. Não pode ser de outro modo.” 10

O objetivo de Stalin continuava o mesmo de 1940: dominar a maior extensão de


território possível na Europa oriental como uma planície defensiva contra o
mundo exterior. Essa defesa era o cinturão de territórios dados por Hitler, mas
que tiveram de ser reconquistados à força. Os esforços envidados para fazer que
os ingleses e americanos reconhecessem as dádivas de Hitler foram em vão 11, e
a única esperança era procurar chegar primeiro.

O Drang nach Westen de Stalin foi uma mistura curiosa de ousadia e cautela. A
corrida para garantir Budapeste e Berlim custou enormes perdas. A guerra foi
prolongada por mais um dia para que os tanques soviéticos entrassem a tempo
em Praga; e uma corrida frenética para tomar a Dinamarca (e o controle do
Báltico) foi interrompida pela chegada das forças de Montgomery em Lübeck,
apenas algumas horas antes 12.

Em setembro de 1944, Stalin havia concedido um armistício em termos


favoráveis à Finlândia. Essa clemência incomum deveu-se ao desejo de não
antagonizar logo de saída os anglo-americanos, que haviam demonstrado tanta
simpatia pelos finlandeses em 1940, e para fazer que os outros aliados da
Alemanha (Hungria, Romênia, Bulgária) olhassem para o leste e não para oeste,
para os termos de paz 13. Quando a corrida estava próxima do seu vitorioso
clímax, as ações de Stalin continuaram a trair o medo e respeito pela força
enorme dos aliados ocidentais. Aconselhou os guerrilheiros de Tito, em 1944, a
não proclamar abertamente suas convicções comunistas, para não “assustar” os
ingleses; abandonou a idéia de anexar a Grécia, quando percebeu que os ingleses
iam chegar primeiro a esse país; e pôs de lado também quaisquer idéias que
ainda tivesse de absorver a Dinamarca, depois dos últimos dias da guerra 14.

A doutrina marxista-leninista e sua natureza desconfiada combinaram para


solidificar a opinião de Stalin de que os capitalistas do Ocidente, a par de suas
intenções hostis, deviam estar à espera da oportunidade para uma guerra geral
contra a União Soviética, com ou sem a ajuda da Alemanha. “Eles jamais
aceitarão a idéia de que um espaço tão vasto continue a ser vermelho, nunca!”,
exclamou ele 15. Logo depois disso, soube que a América tinha a bomba
atômica, se é que seus agentes não o haviam informado antes.

No Ocidente, o heroísmo russo e a propaganda do tempo de guerra haviam se


combinado para exagerar a força formidável do Exército Vermelho. Alguns o
viam no futuro como uma poderosa ameaça à Europa ocidental. Para Stalin, as
coisas apareciam sob uma luz bem diferente. Na verdade, seus exércitos, com
valentia sem precedentes e sacrifícios incríveis, haviam perseguido a “besta
nazista até sua caverna”. Mas ele sabia também, melhor do que ninguém,
quantas vezes tinha estado muito próximo da derrota, e quanto suas conquistas
deviam aos suprimentos do lend-lease e aos bombardeios estratégicos dos
ingleses e americanos. Agora, porém, os Estados Unidos, com uma capacidade
industrial e recursos militares que faziam desaparecer os da Alemanha no auge
do seu poder, estavam à sua frente, no coração da Europa.

Convém lembrarmos aqui que Stalin estava consciente de perigos que os


historiadores mal conhecem ainda. Para dar um exemplo, até aqui ignorado, é
necessário voltarmos aos dias da invasão alemã. Um filme soviético de antes da
guerra, que mostrava a derrota esmagadora de uma invasão alemã, enfatizava o
uso generalizado de gás venenoso na guerra seguinte. Naturalmente, o uso dessa
arma terrível era previsto com apreensão considerável, tanto na Rússia, quanto
na França e na Inglaterra, nessa época. Porém, ao contrário da Inglaterra e da
França, o governo soviético só estava aparelhado para fornecer limitadas
precauções contra essa tipo de ataque. Quando começou a guerra, o
Departamento de Engenharia de Guerra tinha um suprimento de máscaras contra
gases totalmente inadequado. Pior ainda, sessenta e cinco por cento das que
foram produzidas durante a guerra eram de materiais substitutivos,
completamente inúteis para a proteção.

Não é pois de admirar que, em 8 de agosto de 1941, a União Soviética tenha se


apressado em oferecer-se para respeitar a Convenção de Genebra de 1925, sobre
guerra com gás venenoso! Os alemães realmente possuíam grandes suprimentos
de vários tipos de gases tóxicos. Dada sua superioridade aérea na frente
ocidental, pode-se imaginar qual teria sido o efeito no resultado da guerra se
fossem bombardeadas com gás as populações de Moscou, Leningrado e
Stalingrado, em 1942. O que sem dúvida salvou a Rússia desse tremendo golpe
foi a promessa decisiva feita por Churchill (em resposta ao apelo agitado de
Stalin) de que a RAF responderia com um ataque maciço do mesmo tipo sobre
as cidades alemãs 16. Era uma ameaça que devia impressionar Hitler
pessoalmente, uma vez que ele sofrera terrivelmente durante um ataque com gás
de mostarda, na frente ocidental, em 1918 17.

Em 1945, a Rússia não tinha ainda uma força aérea estratégica, e sem dúvida
Stalin via com apreensão a impressionante força sob o comando de Eisenhower.
Em abril de 1944, ele havia advertido seu estado-maior de que a derrota da
Alemanha não significava o fim dos seus problemas. Havia outros perigos de
mesma magnitude; especialmente a exposição do Exército Vermelho às
populações hostis ao comunismo e a solidificação das relações com os aliados
ocidentais18. Nesse meio tempo, na Ucrânia, Bielo-Rússia e nos países bálticos,
guerrilheiros nacionalistas estavam lutando contra o Exército Vermelho e as
unidades do NKVD, numa escala que fazia lembrar os dias mais amargos da
guerra civil. Stalin temia que os aliados ocidentais tivessem a astúcia de usar o
trunfo que os alemães obtusos não tinham percebido: a oposição do povo russo
ao regime. A extensão desse temor pode ser medida por sua recusa absoluta em
consentir que os ingleses fornecessem armas às sentinelas russas nos campos de
prisioneiros de guerra, ou mesmo em recrutá-los em uma “unidade armada
aliada” puramente nominal. Tinha medo de que isso servisse de pretexto para a
formação de um novo “exército de Vlassov” 19.

O medo do confronto com os anglo-americanos, da revolta dentro da União


Soviética, da contaminação do Exército Vermelho na Europa ocupada foi na
verdade o que impediu Stalin de se lançar a aventuras mais ousadas em 1945.
Havia certos pontos nos quais ele não cedia, mas eram assuntos sobre os quais os
anglo-americanos não podiam exercer pressão. A nova fronteira soviético-
polonesa, a anexação dos países bálticos, a recusa em complementar o acordo
das “porcentagens” ilusórias de Churchill, tudo isso foi feito com segurança,
atrás das linhas do Exército Vermelho, e o máximo que as democracias podiam
fazer era não reconhecer sua legitimidade.

Cautela era tudo. Ainda não conseguia acreditar que o Ocidente aceitasse
sinceramente a possibilidade de uma cooperação genuína, depois da guerra, entre
os dois sistemas irreconciliáveis. O resultado da Conferência de Teerã parecia
bom demais para ser verdade (Stalin voltou ao Kremlin “muito bem disposto”) e,
depois de Potsdam, um funcionário notou que “os diplomatas soviéticos
conseguiram concessões dos aliados ocidentais que os próprios diplomatas não
esperavam”. Depois da derrota da Alemanha, Stalin temera que os americanos
não respeitassem a linha de demarcação, e estava convencido de que
Eisenhower, se quisesse, podia ter tomado Berlim. Porém, os Aliados estavam
cooperando, não importava a razão, e como Roosevelt havia declarado com
muita irresponsabilidade em Yalta que as forças dos Estados Unidos se
retirariam da Europa dois anos depois da vitória, havia um incentivo para a
política do “devagar se vai ao longe”20.

A despeito da poderosa presença militar soviética na Europa oriental, durante


algum tempo Stalin teve o cuidado de manter uma fachada, até mesmo tolerando
instituições e partidos não-comunistas. Na Romênia, declarou que não tinha a
intenção de alterar as fronteiras nem os sistemas sociais do país21. Só depois de
mais de dois anos, o rei Miguel foi obrigado a deixar seu país. Também na
Polônia, Bulgária e Hungria, foram permitidas as sombras das instituições
independentes, até que os resultados das eleições tivessem provado que os
maiores esforços para intimidar o povo e a propaganda não conseguiam
convencer as populações desses países a aceitar voluntariamente o domínio
comunista. A “independência” da Checoslováquia durou um pouco mais, devido
à confiança de Stalin na flexibilidade do dr. Benes e dos seus colegas 22.

O retardamento da instalação da “Nova Ordem” soviética na Europa oriental


evidentemente deveu-se a vários fatores. Se os novos regimes conseguissem o
poder com meios legais e constitucionais, seria facilitado o trabalho dos partidos
comunistas na Europa ocidental, e era importante não destruir as possibilidades
de um acordo, na Alemanha, favorável à expansão soviética.

De qualquer modo, Stalin não estava tão confiante como essa visão retrospectiva
pode fazer crer. Na Polônia, o sequestro e julgamento cuidadosamente planejado
de dezesseis líderes do Exército Nacional do movimento da resistência, em
março de 1945, sugere que, em sua opinião, a resistência polonesa à imposição
do domínio soviético representava um perigo que justificava o risco do
inevitável protesto do Ocidente.

Por toda a Europa oriental e na União Soviética, o NKVD e a Smerch


estenderam seus recursos para cauterizar a resistência. A propaganda soviética,
por razões ideológicas, exagerou o papel dos guerrilheiros e dos exércitos
“populares” na derrota dos nazistas, e naturalmente não estava disposta agora a
se arriscar. Elementos suspeitos dos países ocupados foram despachados, num
comboio interminável de vagões, para os campos do GULAG, que continuaram
a sustentar a produção econômica soviética, mesmo depois da morte de Stalin
23.

Cerca de cinco milhões e um quarto de cidadãos soviéticos foram retirados da


Europa central e ocidental. Todos foram cuidadosamente investigados, e depois
a maioria foi enviada para os campos de trabalho forçado do GULAG e outras
prisões24. Ao mesmo tempo, as deportações do Cáucaso, Crimeia, Ucrânia,
países bálticos e outras regiões da URSS continuaram em grande escala 25.
Como se não fosse suficiente, o aparato do NKVD, trabalhando sob grande
pressão, tinha de absorver milhões de alemães, japoneses, romenos e húngaros,
todos prisioneiros de guerra.

A guerra civil manteve-se latente, com lampejos mais acentuados aqui e ali,
durante anos, nas regiões evacuadas pelos alemães. Um historiador soviético
estimou o número de soldados soviéticos mortos pelos guerrilheiros lituanos, nos
anos de 1944-48, em cerca de vinte mil, e o próprio Khrushchev admitiu que,
“depois da guerra, perdemos milhares de homens numa luta feroz entre
ucranianos nacionalistas e as forças do governo soviético” 26.

Nos oito anos decorridos entre o Dia da Vitória e a morte de Stalin, o ditador
demonstrou uma crescente inveja, espírito de vingança e despeito. O medo dos
soviéticos e dos povos dominados pelos soviéticos, a desconfiança no poder dos
Estados Unidos, a apreensão pela chegada da velhice com todas as suas
perigosas fragilidades e os acessos repetidos de suspeita paranoica concorreram
para fazer que dobrasse e redobrasse as precauções necessárias para sua
sobrevivência e a do regime.

O perigo pairava por toda parte. A URSS estava isolada numa quarentena mais
hermética do que antes da guerra. Os tentáculos do NKVD estendiam-se para
massacrar dissidentes em potencial antes mesmo que estivessem conscientes das
próprias intenções. Judeus, biólogos heréticos, compositores burgueses, críticos
das teorias genéticas excêntricas de Lisenko, defensores das especulações
filológicas, mais estranhas ainda, de Marr . . . todos, todos estavam envolvidos
em conspirações tão tenebrosas que somente o Líder podia penetrar esse arcano.
Como o abade cisterciense do século XIII, Eichalm, ele via influências nocivas
espreitando atrás de qualquer motivo de inquietação.

“Se ele se sentia entediado, tinha certeza de que era obra de agentes demoníacos.
Se aparecia uma ruga no seu nariz, se seu lábio inferior ficava pendente, os
demônios eram responsáveis; uma tosse, um resfriado comum, um pigarro, um
escarro, só podiam ter origem sobrenatural e demoníaca” 27.

Mas Stalin não estava louco, nem mesmo no fim, quando a morte interrompeu a
realização da famigerada “conspiração dos médicos”. Como diz Adam Ulam, “a
loucura estava no sistema que concedia poder absoluto a um homem e permitia
que acalmasse qualquer suspeita ou satisfizesse qualquer capricho com sangue”
28. Sua juventude fora toda envolta em uma atmosfera de conspiração. Roman
Malinovski, um dos mais capazes companheiros de Lenin, era comprovadamente
um espião czarista. E agora os arquivos do NKVD tinham os nomes de inúmeros
homens e mulheres que ocupavam altos cargos nos países capitalistas, que
tinham conseguido enganar os formidáveis serviços secretos ingleses e
americanos para trair sua classe e seu país. Enquanto Stalin sorria divertido com
a cegueira dos seus inimigos, o desagradável corolário devia lhe ocorrer com
frequência: quantos dos seus cidadãos estariam secretamente trabalhando para
“os cavalheiros do Tâmisa”? E se um dos seus amigos mais íntimos — Molotov,
Mikoian ou Vorochilov, por exemplo — fosse espião inglês... ou assassino29?

É evidente que a “União Soviética, por motivos internos, procurou colocar-se a


certa distância do Ocidente” 30. A política absurda e cruel que consistia em
impedir que as noivas de guerra soviéticas dos soldados ingleses e americanos
deixassem o país revela a extensão dos temores do ditador. A guerra distendera
os recursos da polícia do Estado até os últimos limites — limites que estavam
sendo agora testados pela tarefa hercúlea de recompor o controle totalitário
dentro da URSS, e estendê-los aos territórios ocupados. O poderio militar dos
aliados ocidentais era assustador, mas o perigo para o moral soviético parecia
maior ainda.

A hostilidade em relação ao Ocidente era um requisito da sobrevivência. As


ilusões criadas pela “abolição” do Komintern começaram a se desfazer antes
mesmo do fim da guerra. Em novembro de 1944, o líder comunista francês
Jacques Duelos recebeu a incumbência de escrever um artigo, publicado em abril
do ano seguinte, reafirmando o dever dos comunistas, em todo o mundo, de
trabalhar para que o Partido tomasse o poder31.
O artigo de Duelos foi o primeiro apelo para a criação de uma atmosfera belicosa
na União Soviética contra os aliados ocidentais. No Exército Vermelho era
tolerada ou encorajada a suposição de que a derrota da Alemanha anunciava um
novo conflito com os baluartes que ainda restavam do capitalismo no
Ocidente32; e em 9 de fevereiro de 1946 o próprio Stalin, numa transmissão pelo
rádio, advertiu que a guerra contra as potências capitalistas, segundo a dialética
marxista-leninista, era uma possibilidade quase certa. Particularmente, porém,
ele demonstrara cautela quanto à ocasião. “Nós nos recobraremos em quinze ou
vinte anos, e então sairemos para outra.” Seus companheiros não duvidavam de
que o acerto de contas seria feito, embora apenas o Grande Estrategista pudesse
decidir a hora certa 33.

Qual era a realidade desses planos? Tudo sobre a carreira de Stalin sugere
cautela e até covardia como fatores predominantes de sua personalidade. Apenas
uma vez, sob sua liderança, a União Soviética arriscou-se a começar uma guerra
sem provocação (se excluirmos a marcha, sem resistência, através do leste da
Polônia em 1939), e a guerra contra a Finlândia não foi um precedente muito
propício. Naturalmente, o Exército Vermelho de 1945 não pode ser comparado
ao seu débil predecessor de 1940, mas o poderio militar dos Estados Unidos
tampouco podia ser comparado ao dos finlandeses. O Exército Vermelho era o
mais poderoso instrumento de guerra no continente europeu, mas os Estados
Unidos tinham imensa superioridade no ar e no mar. Acima de tudo, tinham a
bomba atômica 34.

O governo e a opinião pública dos Estados Unidos demoraram para reagir à nova
ameaça, mas o discurso de Churchill sobre a “cortina de ferro” de Fulton, em
março de 1946, anunciavam uma nova era de vigília. Aparentemente, recebeu a
aprovação tácita do presidente Truman, e em poucas semanas, a União Soviética
inesperadamente sucumbiu à pressão e retirou suas tropas do norte da Pérsia.
Qualquer tentativa no sentido de forçar a Grécia para a órbita soviética foi
também abandonada, por temor de provocar um conflito com o Ocidente. Em
setembro de 1946 foi feita uma advertência decisiva quando o secretário de
Estado Byrnes, falando em Stuttgart, prometeu que as “forças americanas de
segurança provavelmente teriam de permanecer na Alemanha por um longo
tempo. Não quero que haja interpretações errôneas. Não negligenciaremos nosso
dever. Não estamos em retirada”35.

A criação de uma psicologia de guerra, por Stalin, tinha como principal objetivo
facilitar o isolamento da URSS do mundo exterior, embora visasse também à
preparação do povo para a guerra, se fosse o caso.

Pois Stalin encontrava-se em uma encruzilhada. A guerra significava um risco


tremendo; as tensões impostas poderiam provocar perigosas dissensões dentro
do regime, e, numa guerra, o inimigo inteligente poderia explorar o
descontentamento interno. Cerca de meio milhão de cidadãos soviéticos haviam
escapado à repatriação forçada em 1945, e as democracias podiam usá-los de
modo mais eficaz do que os alemães tinham feito.

Um departamento especial do sistema de segurança do Estado (Spetsburo)


operava contra os exilados numa escala que traía a apreensão de Stalin36.
Quanto ao interior da União Soviética, havia sérios indícios da extensão em que
a revolta fervia sob o silêncio sombrio do povo russo.

Nos campos de trabalho forçado havia sinais crescentes de um novo espírito. A


administração do GULAG tinha de controlar uma população escrava que
recentemente aumentara em muitos milhões. Entre eles estavam dezenas de
milhares de ex-soldados do “exército Vlassov”, criado pelos alemães. Esses,
“naturalmente, viam-se como uma elite entre os prisioneiros políticos”.
Orgulhavam-se do manifesto de Praga, de 1944, sobre os direitos democráticos e
se uniam contra os elementos criminosos do campo 37. Por intermédio deles e de
outros prisioneiros que haviam respirado o ar do Ocidente capitalista, um novo
espírito de desafio tomava conta dos campos.

Esse sentimento se expressava de vários modos. Em 1946, os nacionalistas


bálticos conseguiram explodir o navio-transporte de escravos, Dalstrói, em
Bukhta Nakhodka, o porto de desembarque para Kolyma. A explosão devastou
uma grande parte do cais. Mais ou menos nessa época, ex-soldados de Vlassov
em Kolyma revoltaram-se e a rebelião foi dominada com considerável número
de baixas dos dois lados. O aspecto mais assustador dessas revoltas era sua
conexão com ameaças externas à União Soviética. Em 1948, quando Stalin
estava pondo à prova a resolução do Ocidente, com o bloqueio de Berlim, houve
sérias desordens nas minas de carvão dos campos de Vorkuta. Liderados por
oficiais de Vlassov e unidades de Krasnov, milhares de prisioneiros se
revoltaram, retiraram as armas dos guardas e marcharam na direção dos Urais.
Pretendiam iniciar uma luta de guerrilha nas florestas, mas foram apanhados
pelos aviões da força aérea vermelha na tundra desprotegida e feitos em pedaços.
A maioria dos rebeldes foi executada, enquanto milhares de prisioneiros em toda
a União Soviética foram levados para campos especiais de isolamento, onde
podiam ser liquidados, se a crise internacional se agravasse.

No ano seguinte, na divisão Nijni Aturiakh, de Berlag, houve outra revolta


violenta, também dominada com o uso de forças militares em grande escala.
Então, em 1950, ocorreram as primeiras derrotas dos exércitos comunistas na
Coréia. Precauções preliminares muito elaboradas foram postas em prática em
todo o complexo do extremo oriente de Kolyma para liquidar tantos prisioneiros
quantos fosse possível (havia cerca de um milhão), se as forças das Nações
Unidas tentassem libertá-los. Ao mesmo tempo houve uma revolta em Vorkuta,
liderada pelo coronel Antonov. Como a população escrava compreendia cerca de
um décimo da população total, a ameaça de revolta, se coincidisse com uma
invasão, devia parecer realmente crítica. Até o fim do seu reinado, Stalin foi
atormentado por relatórios de crescente inquietação nos campos, e
imediatamente depois de sua morte a mais séria de todas as revoltas irrompeu
em Vorkuta 38.

A crescente insegurança contribuiu para fazer que Stalin imaginasse cursos de


ação mais perigosos. À medida que sua mente se obscurecia cada vez mais com
suspeitas e temores paranoicos, a perspectiva de lançar-se contra um inimigo
externo (sem cuja ajuda e encorajamento o inimigo interno teria de abandonar
toda esperança) começou a lhe parecer um meio de resolver o impasse. Durante
a guerra haviam surgido esperanças de uma Europa dominada pelos soviéticos,
esperanças que desapareceram depois do sucesso dos Aliados com os
desembarques na Normandia39. Agora, foi retirada a poeira dos planos, e estes
foram atualizados.

As indicações eram favoráveis, a despeito da fraqueza da URSS. Em junho de


1950, com a permissão de Stalin, tropas norte-coreanas invadiram a Coréia do
Sul. As esperanças iniciais de uma rápida Blitzkrieg foram eliminadas pela
intervenção dos Estados Unidos e das forças aliadas. As forças de MacArthur
destruíram grande parte do exército norte-coreano e avançaram com espantosa
rapidez para o interior do território norte-coreano. Em outubro, forças das
Nações Unidas estavam se aproximando de Chongjin. Estavam a menos de cento
e doze quilômetros da fronteira soviética, a duzentos e quarenta e um
quilômetros de Vladivostok. Além de outras considerações estratégicas
importantes, a tomada ou o bloqueio de Vladivostok teria interrompido e
controlado a única via para Magadan e para as minas de ouro de Kolyma, com
sua população escrava de um milhão. Provavelmente, foi nesse momento que os
planos do NKVD para um massacre dos escravos foram concebidos.
Hesitante, e temeroso das consequências, Stalin consentiu que os chineses
interferissem na guerra. Em novembro de 1950, um número enorme de soldados
chineses comunistas atravessou a fronteira, e a maré mudou novamente. Lutando
em cada centímetro de solo, as tropas das Nações Unidas foram rechaçadas para
o paralelo 38 e além, e, em 4 de janeiro de 1951, Seul, a capital sul-coreana, caiu
uma vez mais nas mãos dos comunistas. Só em 24 de janeiro os contra-ataques
das forças das Nações Unidas conseguiram estabilizar a frente de batalha.

Foi sob essa atmosfera tensa que, segundo dizem, houve uma reunião
extraordinária no Kremlin. Em 1976, um funcionário tcheco, Karel Kaplan,
passou para o Ocidente, levando com ele um dossiê espantoso. Em 1968, durante
a “Primavera de Praga”, Kaplan fora encarregado pelo primeiro-ministro Dubcek
de examinar os arquivos do Partido para uma investigação dos “julgamentos de
traidores”, instituídos pelo governo comunista depois do golpe de 1948. Kaplan
trabalhou durante quatro meses nos arquivos, tomando notas extensas. Houve
então a invasão soviética, e a maior parte de suas notas foi confiscada. Mas ele
tomara providências para esconder outras, e de algum modo conseguiu
contrabandear seis mil páginas para o Ocidente. Muitas revelações fascinantes
originaram-se dessa única fonte, sendo a mais extraordinária o relato do encontro
realizado no Kremlin em janeiro de 1951.

Segundo as notas de Kaplan, Stalin chamou ao Kremlin cinquenta generais do


exército, o ministro da Defesa e o secretário do Partido de cada um dos seis
países satélites. O tema principal da reunião foi a possibilidade de iniciar a
invasão da Europa ocidental, até as praias do Atlântico. Recostado numa
poltrona, Stalin dominava a reunião como um ilkhan mongólico medieval. No
segundo dia, ele explicou aos seus sátrapas por que achava que chegara o
momento do ataque final. Ao contrário das esperanças previamente alimentadas,
a Europa ocidental sobrevivera à crise econômica do pós-guerra, e, graças
especialmente ao Plano Marshall e ao pacto da OTAN em abril de 1949, estava
crescendo em estabilidade e força. Os Estados Unidos tinham iniciado um
custoso plano de defesa, e a União Soviética precisava agir rapidamente, antes
que os americanos instalassem bases aéreas militares capazes de lançar um
ataque nuclear contra Moscou.

Todos os presentes concordaram com a análise de Stalin, e ficou combinado que


o ataque devia se efetuar dentro de três ou, no máximo, quatro anos. Tinham
muitos motivos para se sentirem otimistas. As massas se ergueriam para ajudar
os libertadores do Exército Vermelho. Privados dos mercados da Europa
ocidental, os Estados Unidos ficariam isolados, impotentes e empobrecidos, nos
confins do Atlântico. Talvez jamais se venha a saber o quanto o mundo esteve
perto da guerra naquela época. O sr. Kaplan acredita que a situação econômica
precária da União Soviética e a morte de Stalin, dois anos depois, contribuíram
para que a decisão fosse arquivada 40.

O relato do sr. Kaplan é digno de confiança. A filha de Stalin, Svetlana, conta


que seu pai estava nessa época “amargurado com o mundo todo”, e que uma
intensa atmosfera de guerra pairava sobre os círculos militares. Um importante
cientista da aeronáutica soviética conta que Stalin, três anos antes, começou a se
preparar para a guerra em 1951, instruindo seus cientistas para que trabalhassem
nos desenhos de foguetes de longo alcance. Outras provas dessa intenção de
Stalin já haviam feito que o observador Boris Nikolaievski definisse o ano de
1951 como o ano em que Stalin passou dos preparativos gerais para uma pressa
frenética. O marechal Koniev seria o comandante das forças de invasão dos
soviéticos 41.

Parece certo que a terceira guerra mundial nunca esteve tão próxima quanto em
1951, e que a sobrevivência da civilização estava dependendo do capricho de um
homem morbidamente desconfiado e amargo, cuja carreira testemunhava a
pouca importância que tinha para ele a morte de milhões, se estivessem no
caminho da implantação do seu nirvana marxista. Felizmente, sua cautela
habitual predominou, embora depois de muita indecisão e perturbação mental.

Pode parecer estranho que o líder que havia descartado relutantemente a idéia de
usar o poderio militar contra a Iugoslávia, em 1948 42, três anos mais tarde
tivesse pensado em atacar a recém-formada aliança da OTAN. Mas é a exceção
que prova a regra. A Iugoslávia estava pobre e isolada, mas sua luta durante a
guerra provara que possuía capacidade marcial e vantagens geográficas
comparáveis às dos obstinados finlandeses de 1940. Seria a guerra de todo um
povo contra o agressor externo, e quem poderia dizer quais as complicações
internacionais que adviriam se o Exército Vermelho ficasse atolado nas
montanhas da Bósnia?

Por outro lado, Stalin acreditava que a Europa ocidental estava minada por
conflitos internos. Os enormes partidos comunistas da França e da Itália
representavam um verdadeiro cavalo de Tróia dentro da cidadela. Suas
vociferantes exigências, ao lado das dos simpatizantes e dos pacifistas no mundo
todo, sugeriam ao Vojd que as massas preferiam o domínio soviético ao dos
Estados Unidos. Em 7 de agosto de 1946, uma delegação do Partido Trabalhista
britânico, contrária ao que classificava de política antissoviética do secretário do
Exterior, Bevin, tivera uma audiência com Stalin, no Kremlin. Enquanto os
excitados delegados assistiam a um filme sobre sua vida numa fazenda coletiva,
Stalin saiu da sala escura com o famoso ideólogo socialista Harold Laski.
Seguiu-se uma conversa conspiratória, Stalin explicando que um continente
dominado pelos soviéticos poderia permitir que a Grã-Bretanha continuasse
(com limitações) com seu tipo de socialismo. Antes disso, Laski expressara sua
convicção de que, no caso de desentendimentos entre a URSS e os Estados
Unidos, a Grã-Bretanha apoiaria a Rússia43.

O fato de a guerra ter sido afinal evitada não desculpa a conduta de Laski e de
outros simpatizantes na Europa ocidental e na América. Tem havido muita
condenação complacente dos motivos dos “homens culpados de Munique”. Mas
Chamberlain e seus companheiros, por mais ingênuas que fossem suas
expectativas e por mais errada que tenha sido sua política, repeliam sinceramente
o totalitarismo nazista e queriam desesperadamente conter sua expansão. Laski e
a maioria dos simpatizantes e comunistas, por outro lado, não só apoiaram
ardentemente os piores excessos de Stalin44, como também agiram
calculadamente para levar o mundo às portas da guerra. Se Stalin se afastou
dessa porta, não foi graças a eles. E o que essa guerra nos traria foi resumido em
uma conversa entre dois generais do exército:

“ ‘Naturalmente, não estamos muito interessados na Europa ocidental’,


respondeu o general depois de pensar um momento. ‘Provavelmente, seria muito
mais difícil implantar o comunismo entre os europeus do que entre outro povo
qualquer. São muito mal acostumados econômica e culturalmente.’ ‘Aí está!
Você admite que é muito difícil fazer a Europa comunista’, disse Klikov,
pensando alto. ‘Se quiséssemos construir o comunismo seriamente na Europa,
teríamos de mandar metade da população para a Sibéria e alimentar a outra
metade à nossa custa’ ” 45.

A Europa foi assim poupada por mais algum tempo das experiência sofridas
pelos russos por mais de trinta anos. Stalin morreu em 5 de março de 1953, com
seu projeto não realizado. Sua morte abriu por um momento aos seus sucessores
a terrível visão da realidade. Uma notícia sobre o acontecimento, no Pravda, dois
dias depois, insistia, em tons que lembravam o apelo do próprio Stalin ao povo
russo em 3 de julho de 1941, “na inadmissibilidade de qualquer desordem ou
pânico”. Entretanto, as precauções tomadas pelo NKVD deram resultado, e as
“desordens” foram. . . adiadas46.

Notas

Abreviações

AIR Ministério do Ar

CAB Ministérios

FO Ministério do Exterior

NA Arquivos Nacionais — Washington

OSS Organização de Serviços Estratégicos

WO Ministério da Guerra

Introdução
1. Stanislaw Mikolajczyk, The pattern of Soviet domination, Londres, 1948, p.
144.

2. Heinz Höhne, The order of the death’s head: The story of Hitler’s SS,
Londres, 1969, p. 297. Em 27 de setembro de 1939, Heydrich podia informar
que “dos poloneses das classes superiores apenas um máximo de três por cento
está ainda presente” (p. 299).
3. Aleksandr I. Soljenitsin, The mortal danger: How misconceptions about
Rússia imperil the West, Londres, 1980, pp. 70-1.

I. A nova sociedade
1. Cf. Leszek Kolakowski, Main currents of marxism: Its rise, growth and
dissolution, Oxford, 1978, I, p. 363.

2. Citado por A. Walicki, The controversy over capitalism: Studies in the social
philosophy of the Russian populists, Oxford, 1969, p. 51. Sobre a fantástica
visão de Trotsky do tipo de arte universal, que o comunismo deveria implantar:
Jean van Heijenoort, With Trotsky in exile, Harvard, 1979, p. 128; Kolakowski,
op cit., III, pp. 51-2.

3. Rodney Barfield, “Lenin's utopianism: State and Revolution”, Slavia Review,


Urbana, 1971, pp. 45-56.

4. Kolakowski, op. cit., II, pp. 499-502; III, pp. 160-4.

5. Ibid., II pp. 489-90, 498; III, pp. 50-1, 54-6. A rejeição de Trotsky às
restrições legais era mais violenta e extremada (ibid., II, pp. 509-12).

6. Leonard Schapiro e Peter Reddaway (eds.), Lenin: The man, the theorist, the
leader; a reappraisal, N. York, 1967, p. 137; Van Heijenoort, op. cit., p. 84. Cf.
Bertram D. Wolf, Khrushchev and Stalin’s ghost, N. York, 1957, pp. 288-94.

7. Kolakowski, op cit., III, pp. 84-7. Aristóteles descreveu o sistema soviético


nos seus mínimos detalhes, mais de mil anos antes que ele nascesse, acentuando
a necessidade de repressão contínua dos inimigos em potencial para a
preservação da tirania. Ver Benjamin Jowett (tr.), Aristotle’s politics, Oxford,
1905, pp. 225-31.

8. George Urban, “A conversation with Milovan Djilas”, Encounter, dezembro


de 1979, LIII, p. 30.

9. Merle Fainsod, How Rússia is ruled, Harvard, 1953, pp. 294-8, 309-11, 313-
22.
10. Kolakowski, op. cit., II, p. 506.

11. Fainsod, op. cit., p. 311.

12. Merle Fainsod, Smolensk under Soviet rule, Londres, 1958, pp. 93-6; e da
mesma autora, How Rússia is ruled, pp. 325-6; Peter Deriabin e Frank Gibney,
The secret world, Londres, 1969, p. 116.

13. Fainsod, How Rússia is ruled, pp. 292, 314, 323-4; David Caute, The fellow-
travellers: A PostScript to the enlightenment, p. 83-5.

14. Kolakowski, op. cit., III, pp. 87-8, 95-7; cf. Adam B. Ulam, Stalin: The man
and his era, Londres, 1974, p. 387.

15. Boris Bajanov, Bajanov révèle Staline: Souvenirs d’un ancien secrétaire de
Staline, Paris, 1979, p. 107; Werner Maser, Hitler, Londres, 1973, pp. 260-1;
Hermann Rauschning, Hitler speaks: A series of political conversations with
Adolf Hitler on his real aims, Londres, 1939, p. 236. Para exemplos da realidade
constitucional soviética, comparar Vladimir Petrov, My retreat from Rússia,
Yale, 1950, pp. 62-3; e do mesmo autor, Escape from the future: The incredible
adventures of a young Russian, Indiana, 1973, pp. 168-9.

16. Uma questão muito enfatizada por Soljenitsin. Em 1934, os trabalhadores de


uma fábrica de Leningrado queixavam-se de que só tinham perdido com a
revolução (Petrov, Escape from the future, p. 73); comparar também a opinião
de um camponês pobre em uma vila perto de Kama: Viktor Kravtchenko, I chose
freedom, Londres, 1947, pp. 382-5. Para a população carcerária, já inflacionada,
o contraste parecia maior ainda. Ver Vladimir Brunovski, The methods of the
OGPU, Londres, 1931, pp. 138-9; Petrov, Escape from the future, pp. 49, 220;
Robert Conquest, The great terror: Stalin’s purge of the thirties, Londres, 1968,
pp. 292, 348; Antoni Ekart, Vanished without trace: The story of the seven years
in Soviet Rússia, Londres, 1954, pp. 85-6. Na prisão de Almatha, uma cela que
abrigava vinte e quatro pessoas no tempo de Nicolau II continha cento e trinta e
seis prisioneiros no tempo de Stalin (Le procès Kravtchenko contre "Les lettres
françaises”, Paris, 1949, p. 207; e o general Gorbatov encontrou-se entre setenta
prisioneiros numa cela de Butirki designada para vinte e cinco no tempo do czar.

17. Fainsod, Smolensk under Soviet rule, p. 60. A casa onde Stalin passou sua
infância, em Gori, o lar de um pobre sapateiro no tempo da Rússia imperial,
despertava a inveja dos visitantes soviéticos depois que foi transformada em
museu. Ver Edward E. Smith, The young Stalin: The early years of an elusive
revolutionary, Londres, 1967, p. 18; Eugene Lyons, Assignment in Utopia,
Londres, 1937, pp. 87-9. Chostakóvitch notou que um apartamento “podia
abrigar dez ou quinze famílias” (S. Volkov, ed., Testimony: The Memoirs of
Dimitri Shostakovich, Londres, 1979, p. 68. Para uma avaliação feita durante a
guerra da situação habitacional de Moscou, ver CAB 66/54, 128.

18. Kravtchenko, op. cit., pp. 324-5. Ver também o testemunho do professor
Lagovski do Instituto Kharkov, em Le procès Kravtchenko, op. cit., p. 383; e o
relato em Ekart, op. cit., p. 64.

19. Lyons, op. cit., pp. 361, 413-14; NA 861.00/11855, RG 165, box 3438.
Comparar a miserável condição dos operários das fábricas vista por um polonês
em uma cidade da Ásia central, em 1942: Czapski, The inhuman land, Londres,
1951, p. 228.

20. Fainsod, How Rússia is ruled, pp. 82-90, 513-14; Kolakowski, op. cit., III, p,
21. Bukharin também acreditava na mobilização do trabalho (ibid., p. 29).

21. Fainsod, op. cit., p. 107. Os operários de uma usina elétrica em Moscou,
quando chegavam com mais de vinte minutos de atraso, tinham um desconto de
vinte e cinco por cento sobre seus salários durante os seis meses seguintes. Se
repetissem a falta uma semana depois, eram enviados para o campo de trabalho
forçado em Rebisk por seis meses (Le procès Kravtchenko, op. cit., pp. 199,
235-6). Sobre o irrisório poder aquisitivo do salário de um trabalhador na URSS,
ver ibid., pp. 213-14. Cf. Unto Parvilahti, Beria’s gardens: Ten years’ captivity
in Rússia and Sibéria, Londres, 1959, p. 172.

22. Andrew Smith, I was a Soviet worker, Londres, 1937. Para outro relato
franco de um viajante inglês, ver FO 371/29498. Compare-se o relato do
correspondente em Moscou do Daily Herald in CAB 6, 127-8; as impressões do
general Jacob (Arthur Bryant, The turn of the tide 1939-1943, Londres, 1957,
pp. 468-9) e Ismay (The memoirs of the general the Lord Ismay, Londres, 1960,
p. 231); Lyons, op. cit., p. 413; e as memórias de Leonid Pliuchtch: History's
carnival, Londres 1979, pp. 3, 9.

23. Lyons, op. cit., p. 580. Comparar a opinião do vice-presidente Wallace


(Caute, op. cit., p. 270) e a do professor progressista britânico A. S. Neill (ibid.,
p. 4). Para Walter Duranty, a verdade era um conceito meramente relativo; ver o
divertido relato de uma testemunha ocular sobre seu método de falsificar as
notícias, em John Murray, A spy called Swallow, Londres, 1978, p. 22; e, para
atitudes comparáveis, Caute, op. cit., pp. 24, 73-4, 113, 125, 203-9; Lyons, op.
cit., pp. 326-7, 428-31.

24. Um membro socialista do Parlamento britânico, A. W. Haycock, rejeitou


todas as declarações dos fugitivos, classificando-as de “declarações
necessariamente tendenciosas” (Forced labour in Rússia?, [Londres, 1931, pp.
42-3]), argumento desde então usado por aqueles que estavam ansiosos para
explicar os campos de exterminação nazistas. Para exemplos da literatura
acessível a leitores ocidentais, comparar a bibliografia fornecida por David J.
Dallin e Boris. I. Nicolaevsky em Forced labour in Soviet Rússia, Londres,
1948, pp. 309-19. O estabelecimento original do que mais tarde seria o GULAG
é documentado por Leonard D. Gerson, The secret police in Lenin's Rússia,
Filadélfia, 1976, pp. 147-9, 256-7.

25. Soljenitsin, op. cit., I, pp. 39-40.

26. Roy A. Medvedev, Let history judge: The origins and consequences of
stalinism, Londres, 1971, p. 394. Soljenitsin sugere que o uso econômico da
escravidão foi sugerido a Stalin, em 1929, por Naftali Frenkel, um funcionário
sádico do GULAG (Soljenitsin, op. cit., II, pp. 75-77). O criador não-
identificado de Medvedev pode ser o mesmo homem.

27. Conquest, op cit., pp. 356-9; Dallin e Nicolaevsky, op. cit., pp. 88-92, 105-7;
Kravtchenko, op. cit., pp. 198-9, 279, 284-5, 295-7, 315-24, 328, 336-41, 404-8,
414-16; Parvilahti, op. cit., pp. 111-12; Josef Scholmer, Vorkuta, Londres, 1954,
p. 212; Le procès Kravtchenko, op. cit., p. 408; Nikolai Krasnov, The hidden
Rússia, N. York, 1960, p. 70. O NKVD foi informado, do número de escravos de
que o governo precisava, e então sequestrou as cotas requisitadas entre a
população “livre”; cf. Le procès Kravtchenko, pp. 527-30.

28. Fainsod, op. cit., pp. 385-7; Comitê da União do Trabalho Livre, Federação
Americana do Trabalho, Slave labor in the Soviet world, N. York, 1951, pp. 5,
18-19. Esses números foram confirmados por um ex-funcionário do gosplan que
testemunhou perante uma comissão de inquérito das Nações Unidas sobre
trabalho forçado, em 1950 (Albert Konrad Herling, The Soviet slave empire, N.
York, 1951, pp. 13-18); S. Swianiewicz, Forced labour and economic
development, Oxford, 1965, pp. 23, 42-4; Elma Dangerfield, Beyond the Urais,
Londres, 1946, pp. 52-3, 72.

29. Stanislaw Kot, Conversations with the Kremlin and dispatches from Rússia,
Londres, 1963, p. 86.

30. Alex Weissberg, Conspiracy of silence, Londres, 1952, pp. 314-15, 319-20.
Esses números concordam de certa forma com a observação feita por Ivanov-
Razumnik de que a população da prisão Butirki em Moscou decuplicou de 1933"
a 1939 (The memoirs of Ivanov-Razumnik, Londres, 1965, p. 224; cf. ibid., pp.
70-2). Robert Conquest calcula o total em cerca de oito milhões (The great
terror, pp. 335, 529-33). Outra fonte estatística acessível aos prisioneiros vinha
dos funcionários que entregavam suas rações de pão (Hans Becker, Devil on my
shoulder, Londres, 1955, p. 176). Baseado em informantes soviéticos, Eugene
Lyons calculou um total de cinco a dez milhões (Stalin: Czar of all the Russias,
Londres, 1940, pp. 166-70; cf. Fainsod, op. cit., pp. 386-6).

31. Ivan Solonevitch, Rússia in chains: A record of unspeakable suffering,


Londres, 1938, p. 21.

32. Zoltan Toh, Prisoner of the Soviet Union, Londres, 1978, pp. 34, 58; Gustav
Herling, A world apart, Londres, 1951, p. 9. Um ex-prisioneiro, que esteve nos
campos e nas prisões em toda a Rússia de 1923 a 1946, declarou que a opinião
pública calculava a população dos campos em dez a doze por cento do total, isto
é, de dezenove a vinte e três milhões de almas. “Em sua opinião, há mais
prisioneiros do que isso” (NA Decimal Files, 861.00/10-246). O cálculo
fornecido por Joseph Czapski varia entre dezesseis e trinta e cinco milhões (The
inhuman land, p. 53). Cf. Krasnov, op. cit., pp. 107, 131, 202, 220. Viktor
Kravtchenko acreditava que devia haver entre quinze e vinte milhões (I chose
freedom, p. 302); um ex-prisioneiro, Joseph Scholmer, calcula em quinze
milhões (Vorkuta, p. 191), bem como Soljenitsin (ApxuneA'az TyAaz, II, p.
201).

33. Elinor Lipper, Eleven years in Soviet prison camps, Londres, 1951, p. 280;
Vladimir e Evdokia Petrov, Empire of fear, Londres, 1956, pp. 100-1. O dr.
Julius calcula em “dez a quinze milhões de pessoas” (Dallin e Nicolaevsky, op.
cit., p. 31).

34. Cf. Mikhail Rozanov, 3aeoeeameMi õeAbix nnmen (Limburg, 1951), p. 234;
Bernhard Roeder, Katorga: An aspect of modern slavery, Londres, 1958, p. 197;
Parvilahti, op. cit., p. 62; Robert Conquest, Kolyma: The Arctic death camps.
Londres 1978, p. 83. Roy Medvedev faz uma advertência sobre a aceitação
superentusiasta de estatísticas exageradas em geral: On Stalin and stalinism,
Oxford, 1979, pp. 140-1.

35. Conquest, op. cit., pp. 214-17; Lipper, op. cit., p. 158. Dallin e Nicolaevsky
acentuam os vários fatores que influenciam as estimativas (Forced labor in
Soviet Rússia, pp. 84-7) e estima cautelosamente que dezesseis por cento da
população de adultos era de escravos (ibid., p. 87). As fontes soviéticas
aceitaram uma estimativa de dezoito milhões, mas não concordaram com vinte
milhões: Arthur Koestler, The yogi and the commissar and other essays,
Londres, 1945, pp. 181-2,185-6. Dmitri Panin relaciona algumas das fontes de
estimativa acessíveis aos prisioneiros e conclui que em 1939-41 havia quarenta
milhões de escravos, reduzidos, em 1943, a catorze milhões (The notebooks of
Sologdin, Londres, 1976, pp. 90-3).

36. Ekart, op. cit., p. 44; Czapski, op. cit., pp. 34, 35. Cf. Petrov, Escape from
the future, pp. 97-117; Toth, op. cit., pp. 28-9; Margarete Buber, Under two
dictators, Londres, 1949, pp. 58-66; Conquest, op. cit., pp. 19-35; Nikolai
Tolstoy, Victims of Yalta, Londres, 1978, pp. 406-8; Lipper, op. cit., pp. 76-85,
291-3. Em 1933, um navio com trezentos escravos para Kolyma naufragou. Os
guardas metralharam os possíveis fugitivos em massa (Le procès Kravtchenko,
op. cit. p. 566).

37. Ibid., pp. 92-5; Dallin e Nicolaevsky, op. cit., pp. 127-9, 136-7. Perdas
semelhantes ocorreram na viagem para os campos de Petchora do norte
(Rozanov, op. cit., p. 247).

38. Lipper, op. cit., pp. 40, 88-9.

39. Herling, op. cit., pp. 41, 150. Outro prisioneiro polonês estimou que “durante
o primeiro ano cerca de um terço dos prisioneiros morrem” (Ekart, op. cit., p.
11). Nos campos do sul, o clima tropical era responsável anualmente por
cinquenta por cento de mortes (ibid., p. 85).

40. Petrov, op. cit., pp. 188-9, 191. Elinor Lipper estima o índice de mortalidade
em Kolyma, antes de 1941, em trinta por cento (Eleven years in Soviet prison
camps, p. 108), mas observa que era de cinquenta por cento no campo chamado
muito apropriadamente de Maksim Górki em 1945 (ibid.., pp. 169-70). Ver ibid,
pp. 231-2; The dark side of moon, Londres, 1946, p. 121; Czapski, op. cit., pp.
42-3. O dr. Toth declara que oitenta e cinco a noventa e cinco por cento dos
estrangeiros do GULAG morreram entre 1945 e 1955 (Prisoner of the Soviet
Union, p. 34). Em 1928, em uma das ilhas Solovetskie, apenas dois mil e
quinhentos dos catorze mil prisioneiros sobreviveram ao inverno (NA Decimal
Files, 861.00/10-246). Em outra, cinquenta mil foram reduzidos a dez mil em
período igual (ibid.).

41. Aino Kuusinen, Before and after Stalin: A personal account of Soviet Rússia
from the 1920s to the 1960s, Londres, 1974, p. 141.

42. Roeder, op. cit., pp. 100-1; Lipper, op. cit., pp. 188-9; Ekart, op. cit., pp.
207-8.

43. Conquest, op. cit., pp. 217-31; conferir seu livro The great terror, pp. 533-5.
Um funcionário categorizado do GULAG afirmou que trinta milhões de pessoas
teriam sido internadas e massacradas em 1936 (Toth, op. cit., p. 142). Nos dois
anos seguintes, um funcionário do NKVD declarou que houve dois milhões de
execuções (Vladimir e Evdokia Petrov, Empire of fear, p. 72).

44. Roeder, op. cit., pp. 15-16; Raphael Rupert, A hidden world, Londres, 1963,
p. 86; Rozanov, op. cit., p. 273.

45. Citado em Dallin e Nicolaevsky, op. cit., pp. 32-5; ver Ekart, op. cit., p. 61.

46. Buber, op. cit. p. 298.

47. Czapski, op. cit., p. 53; KoAbiMCKue PaccKa3bi-, Londres, 1978, pp., 876-
9; M. Selechko, “Vinnytsia — The Katyn of Ukraine (A report by an
eyewitness)”, The Journal of Historical Review, Torrance, Ca. 1980, I, p. 344.

48. Edward Buca, Vorkuta, Londres, 1976, pp. 142-4.

49. Ibid., pp. 124-7; Toth, op. cit., pp. 48, 144; Lipper, op. cit., pp. 241-3;
Petrov, Escape from the future, p. 194; Chalamov, op. cit., pp. 495-6.

50. Anita Priess, Verbannung nach Sibirien, Manitoba, 1972, pp. 50, 55; Lipper,
op. cit., pp. 120-2; The dark side of the Moon, op. cit., pp. 99, 107, 114. A cena
comovente da separação brutal das crianças das mães é descrita por uma
testemunha ocular em Le procès Kravtchenko, p. 208; Parvilahti, op. cit., p. 57;
Kuusinen, op. cit., p. 135.

51. Assim diz um cínico provérbio russo (Petrov, op. cit., p. 159; Lipper, op. cit.,
p. 162). Uma moça polonesa em uma vila siberiana, em 1940, ficou sabendo que
“quase todas as casas da vila tinham, ou tinham tido, um membro da família na
prisão ou no campo de trabalho” (Maria Hadow, Paying guest in Sibéria,
Londres, 1978, p. 70).

52. Vladimir e Evdokia Petrov, Empire of fear, p. 73. Nesse contexto, é


supérfluo notar que, de acordo com o Relatório da Anistia Internacional, “jamais
houve um acusado político na Rússia que tivesse sido absolvido” (Prisoners of
conscience of the USSR: Their treatment and conditions, Londres, 1975, p. 32).
Está muito perto da verdade (três poloneses foram absolvidos em 1945 devido ao
excepcional interesse britânico e americano: Z. Stipulkowski, Invitation to
Moscow, Londres, 1951, p. 333). Mas um testemunho mais eficaz sobre a
eficiência da justiça soviética foi a afirmação do promotor público Rudenko de
que nenhum acusado antes de 1945 havia se declarado “inocente” (ibid., p. 306).

II. Stalin, o líder


1. Viktor Kravtchenko, I chose freedom, Londres, 1947, p. 430.

2. S. Volkov (ed.), Testimony: The memoirs of Dimitri Shostakovich, Londres,


1979, p. 108.

3. Edward Ellis Smith, The young Stalin: The early years of an elusive
revolutionary, Londres, 1967, p. 102; Robert C. Tucker, Stalin as revolutionary,
Londres, 1974, pp. 70-1.

4. Eugene Lyons, Assignment in Utopia, Londres, 1937, pp. 385-6.

5. Citado por Otto Preston Chaney, Jr, Zhukov, Newton Abott, 1972, p. 156;
Kravtchenko, op. cit., p. 430; George F. Kennan, Memoirs 1925-1950, Boston,
1967, pp. 279; Charles E. Bohlen, Witness to history 1929-1969, Londres, 1973,
p. 131; Milovan Djilas, Wartime, N. York, 1977, p. 386; FO 800/300, 22; Clark
Kerr, 21 de outubro de 1943 (FO 800/301, 151); ver David Dilks (ed.), The
diaries of Sir Alexander Cadogan, Londres, 1971, pp. 422, 580; John R. Deane,
The strange alliance: The story of American efforts at wartime cooperation with
Rússia, Londres, 1947, p. 24; Stanislaw Kot, Conversations with the Kremlin
and dispatches from Rússia, Londres, 1963, p. 116. Adam Ulam faz o contraste
muito apropriado entre o modo de agir de Stalin e o de Lenin a esse respeito
(Stalin: The man and his era, Londres, 1974, p. 358); Bohlen, op. cit., p. 263;
Ronald Hingley, Joseph Stalin: Man and legend, Londres, 1974, p. 420;
Alexander Orlov, The secret history of Stalin’s crimes, Londres, 1954, p. 288.

6. Strobe Talbott (ed.), Khrushchev remembers, Boston, 1970, p. 289. Sobre a


autêntica origem dessas “memórias”, ver o comentário de Zeev Ben-Shlomo,
“The Khrushchev apocrypha”, Soviet Jewish Affairs, Londres, 1971, 1, pp. 52-
75.

7. Svetlana Alliluieva, Only one year, Londres, 1969, pp. 361-2; Roy A.
Medvedev, On Stalin and stalinism, Oxford, 1979, pp. 156-7.

8. Boris Bajanov, Bajanov révèle Staline: Souvenirs d’un ancien secrétaire de


Staline, Paris, 1979, pp. 76-7.

9. Edward Ellis Smith, op. cit., pp. 43, 47, 344-9; Ulam, op. cit., pp. 26-7;
Volkov (ed.), op. cit., pp. 143-7.

10. Roy Medvedev, Let history judge: The origins and consequences of
stalinism, p. 331; Milovan Djilas, Conversations with Stalin, Londres, 1962, p.
97. Compare-se as piadas maldosas de Stalin sobre Tito (ibid., pp. 103-4) e o
desprezo com que trata Molotov em Teerã (Bohlen, op. cit., p. 340); Arthur
Bryant (ed.), Triumph in the West 1943-1946, Londres, 1959, p. 305.

11. Talbott (ed.) op. cit., p. 264; Arthur Bryant (ed.), The turn of the tide 1939-
1943, Londres, 1957, pp. 465-6 (Vorochilov era alvo favorito e bastante
receptivo: ver Witness to history, p. 47, onde Bohlen se refere a ele como
“obviamente um bajulador”); general S. M. Chtemenko, The last six months,
Londres, 1978, p. 77; Aino Kuusinen, Before and after Stalin, Londres, 1974, p.
30. Aleksandr Orlov ouviu falar dessas cenas (The secret history of Stalin’s
crimes, p. 322): confirmação interessante da exatidão dessa fonte muitas vezes
subestimada. Consulte-se também Medvedev, op. cit., p. 329.

12. Kuusinen, op. cit., pp. 91-3. Há provas mais convincentes de que o irmão de
Nadejda, Pável, foi assassinado por instigação de Stalin (Medvedev, On Stalin
and stalinism, pp. 85-6). As autoridades que deram em vários graus o veredicto
de suicídio sobre a morte da mulher de Stalin são: Bajanov, op. cit., 264;
Svetlana Alliluieva, Twenty letters to a friend, N. York, 1967, pp. 108-15, 168-9,
e seu livro Only one year, pp. 343-4;- Aleksandr Barmine, One who survived:
The life story of a Russian under the Soviets, N. York, 1945, p. 264; Ulam, op.
cit., pp. 354; Hingley, op. cit., pp. 226-8. Aleksandr Orlov afirma que Iákov foi
seguido por tchekistas; confirmação complementar sobre a exatidão dessa fonte
(The secret history of Stalin’s crimes, p. 342).

13. Alliluieva, Twenty letters to a friend, pp. 100-1; Barmine, op. cit., p. 262. A
confirmação de Svetlana sobre o relato de Barmine nos dá uma prova
interessante da credibilidade geral das memórias de Barmine. Ver Nikolai
Tolstoy, Victims of Yalta, Londres, 1978, pp. 397-8. Os alemães valorizaram
muito seu famoso prisioneiro na propaganda dirigida ao Exército Vermelho,
chegando mesmo a reproduzir a patética carta de 19 de julho de 1941 que Iákov
enviou ao seu pai (Ortwin Buchbender, Das tönende Erz, Stuttgart, 1978, pp. 68-
70). A carta, naturalmente, não foi respondida. Os americanos, em 1945,
apreenderam documentos com relato detalhado sobre a morte de Iákov, mas não
a levaram ao conhecimento de Stalin por ser “um incidente com histórico
desagradável” (NA, RG 84, box 7, 72). Foi publicado um breve relato por
Mikhail I. Semiriaga, CoeemcKue ntodu e eeponeücKOM conpomueneHuu,
Moscou, 1970. A história completa foi publicada no Sunday Times de 24 de
fevereiro de 1980, com descrição detalhada do fim trágico e sórdido de Iákov.

14. Para a carreira pouco edificante de Vassili Stalin, ver Barmine, op. cit., pp.
262-3; Talbott (ed.), op. cit., pp. 252, 290-1; Alliluieva, op. cit., p. 107; Ulam,
op. cit., pp. 676-7; G. A. Tokaev, Comrade X, Londres, 196, pp. 332-3 (sobre
Tokaev, ver fo 181/1046).

15. Talbott (ed.) op. cit., p. 290; Alliluieva, op. cit., pp. 179-81. Kapler foi
encontrado em Vorkuta por um prisioneiro polonês, Antoni Ekart (Vanished
without trace: The story of seven years in Soviet Rússia, Londres, 1954, pp. 214-
15) — valiosa confirmação da exatidão dessa interessante fonte.

16. Talbott (ed.), op. cit., pp. 133, 167, 170, 303, 307, 481; Chtemenko, op. cit.,
p. 77; W. G. Krivitski, I was Stalin’s agent, Londres, 1939, pp. 94-5; Orlov, op.
cit., p. 271; Preston Chaney, op. cit., p. 220.

17. Consulte-se, entretanto, Let history judge, pp. 305-6, onde Medvedev conclui
que Stalin, independentemente do seu estado psíquico, teve, na maior parte de
sua vida, uma atuação responsável e estava consciente das implicações de suas
ações.

18. Robert C. Tucker, Stalin as revolutionary, Londres, 1974, pp. 70-81.

19. Ibid., pp. 127-31, 424-61.

20. Ellis Smith, op. cit., pp. 193-211, 250-1, 344-6; Ronald Grigor Suny, “A
journeyman for the Revolution: The labour movement in Baku, June 1907-May
1908”, Soviet Studies, 1971-72, XXIII, pp. 373-94; Hingley, op. cit., pp. 47-8,
50, 62-4, 109, 144-5; Ulam, op. cit., pp. 16-17, 71; Bertram D. Wolfe,
Khrushchev and Stalin’s ghost, N. York, 1957, pp. 94-100; Volkov (ed.), op. cit.,
p. 16. Djilas acentua o mesmo ponto (George Urban, “A conversation with
Milovan Djilas”, Encounter, dezembro de 1979, p. 12).

21. Consultem-se as palavras de Khrushchev em Wolfe, op. cit., p. 176; Ulam,


op. cit., pp. 261-2.

22. Medvedev, op. cit., p. 457.

23. Orlov. op. cit., pp. 129, 137-8; Talbott (ed.), op. cit., p. 170; Wolfe, op. cit.,
p. 204.

24. FO 800/301, 26. Ver sua presença oculta nos julgamentos de traição (Fitzroy
Maclean, Eastern approaches, Londres, 1949, pp. 119-20) e a cena abjeta do seu
triunfo sobre o falecido Zinoviev (Orlov, op. cit., p. 350); Talbott (ed.), op. cit.,
pp. 99-100, 257-8; Medvedev, op. cit., p. 333; Wolfe, op. cit., pp. 158, 240;
Bajanov, op. cit., p. 99. Compare-se o ódio semelhante de Hitler por quase todo
o mundo (David L. Schoenbaum, Hitler’s social revolution: class and status in
nazi Germany, 1933-1939, Londres, 1967, pp. 20-1). A frase mais famosa, no
que se refere à vingança atribuída a Stalin, é de fonte incerta: “Escolher a vítima,
preparar os planos minuciosamente, saciar uma vingança implacável, e depois ir
para a cama — não há nada mais doce no mundo” (Eugene Lyons, Stalin: Czar
of all the Russias, Londres, 1940, pp. 33, 157). Bukharin parece fazer alusão a
isso na sua famosa conversa com Kamenev em 1928 (ibid., p. 158). A extrema
desconfiança de todos os que o rodeavam deve ter sido exacerbada pela
descoberta de que muitos informantes da polícia haviam passado despercebidos
nas fileiras dos bolchevistas (ibid., pp. 78-9).

25. Alliluieva, op. cit., pp. 196-7; Talbott (ed.), op. cit., pp. 248-9, 260, 281.
26. Vladimir Petrov, My retreat from Rússia, Yale, 1950, pp. 42-3; Unto
Parvilahti, Beria’s gardens: Ten years captivity in Rússia and Sibéria, Londres,
1959, pp. 85-6; Lev Kopelev, No jail for thought, Londres, 1979, pp. 233-5, 237,
240. Um observador britânico notou o crescimento do anti-semitismo na
primavera de 1944 (FO 371/43406). Ver Menahem Beguin, White nights: The
story of a prisoner in Rússia, Londres, 1978, p. 233.

27. Joseph Czapski, The inhuman land, Londres, 1951, pp. 182-3; Gregory
Klimov, The terror machine: The inside story of the Soviet administration in
Germany, Londres, 1953, pp. 40-1; Variam Chalamov, KoJibiMCKue
PaccKd3bi-, Londres, 1978, pp. 103-4; Nadejda Mandelstam,
BocnoMUHaHUH, N. York, 1970, p. 333; Medvedev, On Stalin and stalinism,
pp. 147-8; David J. Dallin e Boris I. Nicolaevsky, Forced labour in Soviet
Rússia, Londres, 1948, pp. 5, 32, 33-4; Parvilahti, op. cit., p. 237. A perseguição
aos sionistas começou no governo de Lenin em 1918 (Lennard D. Gerson, The
secret police in Lenin's Rússia, Filadélfia,- 1976, p. 167); o anti-semitismo de
Stalin é muito conhecido para exigir maior documentação. Podemos citar o
seguinte: Ellis Smith, op. cit., pp. 135-6, 188-9; Orlov, op. cit., pp. 114, 341,
350; Kot, op. cit., pp. 153-154; Alliluieva, op. cit., pp. 181, 186, 196 e Only one
year, pp. 148-50, 162, 383; Talbott (ed.), op. cit., pp. 258-69, 292-3; Medvedev,
Let history judge, pp. 493-9; Djilas, op. cit., pp. 139-40; Hingley, op. cit., p. 49;
Robert Conquest, The great terror: Stalin’s purge of the thirties, Londres, 1968,
pp. 76-7.

28. Ver Sir James Frazer, The scapegoat, Londres, 1913, pp. 72-223, e, do
mesmo autor, A supplement to The golden bough, Londres, 1936, pp. 425-32.
Adam Ulam estabeleceu uma analogia semelhante (op. cit., pp. 301-3).

29. Sobre as manias de grandeza intelectual de Stalin, ver Wolfe, op. cit., pp.
214-26; Talbott (ed.), op. cit., pp. 269-75, 278-9; Volkov (ed.), op. cit., pp. 197-
8. Soljenitsin faz uma reconstrução brilhante do solilóquio do ditador que chega
tão perto da verdade quanto possível; ver Gary Kern, “Solzhenitsyn’s portrait of
Stalin”, Slavic Review, 1974, XXIII, pp. 1-22.

30. Ver Hermann Rauschning, Hitler speaks: A series of political conversations


with Adolf Hitler on his real aims, Londres, 1939, p. 257. Orlov, op. cit., p. 343.
Um companheiro informou Orlov de que Stalin mantinha um relacionamento
homossexual com o chefe da guarda do Kremlin (ibid., p. 250), mas não temos
meios de averiguar essa declaração. Stalin reagiu irado às insinuações de
Eisenstein sobre componentes homossexuais na natureza de Ivan, o Terrível
(Ulam, op. cit., p. 436).

31. Outras referências podem ser feitas às seguintes autoridades: Deane, op. cit.,
p. 291; Djilas, op. cit., p. 59; Barmine, op. cit., p. 257.

32. Medvedev, op. cit., pp. 326-8.

33. Ver Orlov, op. cit., p. 341; A. H. Birse, Memoirs of an interpreter, Londres,
1967, p. 160.

34. Teoricamente, o poder de Hitler era quase absoluto, e não é necessário


enfatizar o modo terrível com que esse poder era usado. Mas, de modo geral,
certas esferas da vida pública e privada alemã permaneceram, em vários graus,
livres da influência do regime nazista. Ver Edward N. Peterson, The limits of
Hitler’s power, Princeton, 1969.

35. Bernhard Roeder, Katorga: An aspect of modem slavery, Londres, 1958, p.


402. Comparem-se as dignas reuniões do Comitê Central descritas por Krivitski
(op. cit., pp. 226-9).

36. Bajanov, op. cit., p. 74. Para exemplos da atitude desdenhosa de Stalin e
Khrushchev para com os direitos das maiorias, ver Ulam, op. cit, p. 88.

37. Alex Weissberg, Conspiracy of silence, Londres, 1952, pp. 402-5.

38. Hingley, op. cit., p. 234; A. Avtorkhanov, 3azaÒKa CMepmu CmaAuna-,


Frankfurt, 1976, pp. 26-8, 35-7.

39. Ver Bajanov, op. cit., pp. 78-9; Bohlen, op. cit., p. 131; Avtorkhanov, op.
cit., pp. 24-6.

40. Winston Churchill, que talvez tenha obtido a informação do próprio Stalin,
explicou a vida noturna do ditador como “uma relíquia dos dias em que era mais
seguro para ele não aparecer durante o dia” (lorde Moran, Winston Churchill:
The struggle for survival 1940-1965, Londres, 1966, p. 204). Ver Wolfe, op. cit.,
pp. 228-32; Talbott (ed.), op. cit., pp. 133, 167, 299, 303; Kravtchenko, op. cit.,
pp. 398-400. Não era concedida nenhuma promoção no país sem que o candidato
fosse aprovado pelo 7.° Departamento do NKVD (ibid., p. 391), e todos os
cofres do país (exceto o de Stalin) tinham uma chave extra que ficava nas mãos
dessa mesma organização de vigilância (ibid., p. 395). O poder de Stalin era total
(Wolfe, op. cit., pp. 126-8; ver ibid., p. 200).

41. Kot, op. cit., p. XXIII; The memoirs of general the Lord Ismay, Londres,
960, pp. 233-4.

42. Talbott (ed.), op. cit., pp. 246, 286-7, 296-315; Wolfe, op. cit., p. 158;
Alliluieva, Only one year, p. 362; Volkov (ed.), op. cit., pp. 194-5.

43. George F. Kennan, Rússia and the West under Lenin and Stalin, Boston,
1961, pp. 252-6.

44. Conquest, op. cit., p. 508.

45. Ellis Smith, op. cit., p. 221.

46. Talbott (ed.), op. cit., p. 301. É curioso notar que Alger Hiss, durante o
tempo em que esteve na prisão, fez amizade com mafiosos e outros criminosos
(Allen Weinstein, Perjury: The Hiss-Chambers case, Londres, 1978, p. 526).

47. Ver Parvilahti, op. cit., p. 87; Conquest, op. cit., pp. 337-9; e do mesmo
autor, Kolyma: The Artic death camps, Londres, 1978, pp. 30, 79-87; Elinor
Lipper, Eleven years in Soviet prison camps, Londres, 1951, pp. 147-8;
Medvedev, op. cit., pp. 278, 280-1.

48. Barmine, op. cit., p. 304; Volkov (ed.), op. cit., pp. 64-6. (Por causa de suas
perigosas implicações, peças teatrais como Hamlet e Macbeth foram proibidas:
ibid.) Talbott (ed.), op. cit., p. 303; o embaixador britânico surpreendeu-se ao
receber uma metralhadora como presente de despedida (FO 800/301, 68);
Winston S. Churchill, The hinge of fate, Londres, 1951, p. 447.

49. Krivitski, op. cit., pp. 128-32; Gordon Brook-Shepherd, The storm petrels:
The first Soviet defensors, 1928-1938, Londres, 1977, pp. 196-202.

50. Ver Vladimir Petrov, Escape from future, Indiana, 1973, pp. 163-4.

51. Lyons, op. cit., pp. 447-64.

52. Para as aventuras de Stalin no negócio de falsificações, ver Krivitski, op. cit.,
pp. 135-58; Elisabeth K. Poretski, Our own people: A memoir of "Ignace Reiss”
and his friends, Oxford, 1969, pp. 123-4; A. Krammer, “Russian counterfeit
dollars: A case of early Soviet espionage”, Slavic Review, 1971, XXX, pp. 762-
3; Brook-Shepherd, op. cit., pp. 230-2.

53. Gerson, op. cit., pp. 134, 208-9, 247-8, 271-2.

54. Especialmente o funcionamento do trabalho escravo e sistemas de prisões e


do kolkhoz. Ver Parvilahti, op. cit., pp. 122-4; Albert Konrad Herling, The
Soviet slave empire, N. York, 1951, pp. 22-3; Dallin e Nicolaevsky, op. cit., pp.
224-8, 278-9; Lipper, op. cit., pp. 154, 288; Lyons, op. cit., pp. 424-5, 429;
Andrew Smith, 1 ivas a Soviet worker, Londres, 1937, pp. 70-4, 131-84.

55. Ver Arthur Koestler, The yogi and the commissar, Londres, 1945, pp. 19-20,
78-9, 80-2, 127-8; Mandelstam, op. cit., p. 273; Whittaker Chambers, Witness,
Londres, 1953, pp. 9-12; Melvin J. Lasky, Utopia and revolution, Londres, 1976,
pp. 151-5. “Há uma faceta na natureza dos intelectuais que consiste no fascínio
pelo poder e até mesmo pela crueldade. O nazismo atraiu homens desse tipo,
mas o stalinismo superou-o porque podia se valer dos benefícios da fraseologia
socialista” (George Urban, “A conversation with Leszek Kolakowski; The devil
in history”, Encounter, janeiro de 1981, LVI, p. 25).

56. Boris Nicolaevsky, Power and the Soviet elite, N. York, 1965, p. 64; Volkov
(ed.), op. cit., p. 111; Krivitski, op. cit., p. 209; Bohlen, op. cit., p. 147; Barmine,
op. cit., p. 251.

III. A vida no auge do poder


1. Eugene Lyons, Assignment in Utopia, Londres, 1937, pp. 383-5; ver Winston
S. Churchill, The hinge of fate, Londres, 1951, p. 446.

2. Robert C. Tucker, Stalin as revolutionary, Londres, 1974, p. 223. Seria


mesquinho negar aos novos líderes qualquer prerrogativa do poder; o notável é a
rapidez e a abrangência com que foram absorvidos. Já em 1922, os líderes
soviéticos começaram a dar seus nomes às cidades: a Rússia estava se
transformando em seu feudo pessoal (ver Adam Ulam, Stalin: The man and his
era, Londres, 1974, pp. 211-12).
3. Em 1939, Stalin demonstrou grande interesse pelos planos arquitetônicos de
Speer para o novo Reich (Albert Speer, Inside the Third Reich, Londres, 1970, p.
168).

4. Svetlana Alliluieva, Twenty letters to a friend, N. York, 1967, pp. 15, 18-22,
24-5, 127-8, 190, 200; Aleksandr Orlov, The secret history of Stalin’s crimes,
Londres, 1954, p. 347; Aleksandr Barmine, One who survived: The life story of
a Russian under the Soviets, N. York, 1945, p. 268.

5. Ibid., pp. 268-9.

6. Svetlana Alliluieva, Only one year, Londres, 1969, p. 350, e, da mesma


autora, Twenty letters to a friend, p. 216; Strobe Talbott (ed.), Khrushchev
remembers, Boston, 1970, p. 253.

7. Barmine, op. cit., pp. 214-15, 268, 301-4; ver Roy A. Medvedev, Let history
judge: The origins and consequences of stalinism, Londres, 1972, p. 291.

8. Alliluieva, Twenty letters to a friend, pp. 209-10, e, da mesma autora, Only


one year, pp. 365-6.

9. Roy A. Medvedev, On Stalin and stalinism, Oxford, 1979, p. 86.

10. Medvedev, Let history judge, pp. 540-1.

11. Orlov, op. cit., pp. 347-9.

12. Bertram D. Wolfe, Khrushchev and Stalin’s ghost, N. York, 1957, p. 176.

13. Elliot R. Goodman, The Soviet design for a world State, N. York, 1960, pp.
457-8.

14. Aino Kuusinen, Before and after Stalin: A personal account of Soviet Rússia
from the 1920s to the 1960s, Londres, 1974, pp. 23-4; Talbott (ed.), op. cit., p.
304; Alliluieva, Only one year, pp. 378-80, 385-6. Segundo os padrões
soviéticos, o marechal Budienni, companheiro de Vorochilov, “vivia com muita
simplicidade” (ibid., p. 378), mas ao menos uma testemunha ocular descreve
acomodações extremamente suntuosas. Ver Mikhail Soloviev, My nine lives in
the Red Army, N. York, 1955, p. 75; Orlov, op. cit., pp. 272-334.
15. Boris Bajanov, Bajanov révèle Staline: Souvenirs d’un ancien secrétaire de
Staline, Paris, 1979, p. 137; Gustav Hilger e Alfred G. Meyer, The incompatible
allies: A memoir-history of German-Soviet relations 1918-1941, N. York, 1953,
pp. 73, 117-18.

16. Orlov, op. cit., p. 304.

17. Alliluieva, Twenty letters to a friend, p. 27, e, da mesma autora, Only one
year, p. 381. A regulamentação habilidosa da riqueza, feita por Mikoian, faz
lembrar uma piada dos nazistas, a respeito de um “reacionário” que ocupava um
posto lucrativo ambicionado por um nazista (Richard Grunberger, A social
history of the Third Reich, Londres, 1971, p. 336).

18. Margarete Buber, Under two dictators, Londres, 1949, p. 42; Alliluieva,
Only one year, pp. 388-9, e, da mesma autora, Twenty letters to a friend, p. 203.
A magnífica mansão de Iagoda em Moscou ficava na Rua Spiridonovka, onde,
segundo informavam aos círculos governamentais, ele fazia orgias, que duravam
vários dias, em volta da piscina (Anatoli Granovski, All pity choked: The
memoirs of a Soviet secret agent, Londres, 1955, p. 32).

19. Ver Leonid Pliuchtch, History’s carnival: A dissident autobiography,


Londres, 1979, p. 149.

20. John R. Deane, The strange alliance: The story of American efforts at
wartime cooperation with Rússia, Londres, 1947, pp. 14-15.

21. Arthur Bryant, The turn of the tide 1939-1943, Londres, 1957, p. 462. “Com
exceção da elite burocrática, todo o país passava por vários graus de fome”
(Pliuchtch, op. cit., p. 149).

22. Para as festas de Stalin, ver Talbott (ed.), op. cit., pp. 300-1, 304-5; Milovan
Djilas, Conversations with Stalin, Londres, 1962, pp. 73-4, 94-106, 136. “O
peixe servido em sua mesa era fornecido por viveiros especiais; havia vinhos
georgianos de safra especial e frutas frescas transportadas do sul, por avião. Ele
não sabia quantos transportes pagos pelo governo eram necessários para suprir
sua mesa, nem de onde vinha a comida” (Alliluieva, Only one year, p. 364).

23. Ver Djilas, op. cit., pp. 50-1, 86; Bryant, op. cit., pp. 464, e, do mesmo autor,
Triumph in the West 1943-1946, Londres 1959, pp. 301, 311; David Dilks (ed.),
The diaries of Sir Alexander Cadogan, Londres, 1971, p. 423; Charles E.
Bohlen, Witness to history 1929-1969, Londres, 1973, p. 147; Robert E.
Sherwood, Roosevelt and Hopkins, N. York, 1948, pp. 323-6; Robert Huhn
Jones, The roads to Rússia: United States lend-lease to the Soviet Union,
Oklahoma, 1969, pp. 48, 62-3; conde de Avon, The Eden memoirs: The
reckoning, Londres, 1965, p. 302; James F. Byrnes, Speaking frankly, N. York,
1947, p. 44; Joseph Czapski, The inhuman land, Londres, 1951, p. 46.

24. Elinor Lipper, Eleven years in Soviet prison camps, Londres, 1951, pp. 136-
7.

25. Deane, op. cit., p. 58; Z. Stipulkowski, Invitation to Moscow, , Londres,


1951, pp. 344-5.

26. Lyons, op. cit., pp. 85, 451-3; Fitzroy Maclean, Eastern approaches, Londres,
1949, pp. 80-1; Barmine, op. cit., pp. 273-4. Dois infelizes negros —
provavelmente da orquestra de jazz do Hotel Metrópole — acabaram no campo
de trabalho forçado do Ártico em Vorkuta (Mikhail Rozanov, 3aeoeeameAu
õenbix nnmeH-, Limburg 1951, p. 242).

27. Para essa expressão, ver Unto Parvilahti, Beria’s gardens: Ten years captivity
in Rússia and Sibéria, Londres, 1959, p. 89, e para a prática, Bernhard Roeder,
Katorga: An aspect of modem slavery, Londres, 1958, p. 58.

28. Anatoli Granovski, op. cit., pp. 26-7, 30-1; Hilger e Meyer, op. cit., p. 58;
Ulam op. cit., p. 449; Nadejda Mandelstam, BocnOMUHüHUH-, N. York, 1970,
p. 110; Gregory Klimov, The terror machine: The inside story of the Soviet
administration in Germany, Londres, 1953, p. 36.

29. Orlov, op. cit., pp. 146-8.

30. David Caute, The fellow-travellers: A postscript to the enlightenment,


Londres, 1973, p. 78.

31. Orlov, op. cit., pp. 245-57; Talbott (ed.), op. cit., p. 338; Granovski, op. cit.,
p. 32; Medvedev, On Stalin and stalinism, p. 83; Soloviev, op. cit., p. 79;
Barmine, op. cit., p. 264; Lyons, op. cit., pp. 193-4; Merle Fainsod, Smolensk
under Soviet rule, Londres, 1958, pp. 206-7; Vladimir e Evdokia Petrov, Empire
of fear, Londres, 1956, p. 130; Tadeusz Wittlin, Commissar: The life and death
of Lavrenty Pavlovich Beria, Londres, 1973, pp. 87-8, 178, 246, 250-3, 408;
Medvedev, Let history judge, p. 368; Oleg Penkovskiy, The Penkovskiy papers,
N. York 1965, p. 321; Peter Deriabin e Frank Gibney, The secret world,
Londres, 1960, pp. 230-9.

32. Leszek Kolakowski, Main currents of marxism: Its rise, growth, and
dissolution, Oxford, 1978, II, pp. 458-86, 500; Ernst Fischer (ed.), Lenin in his
own words, Londres, 1972, p. 74.

33. Edward Ellis Smith, The young Stalin: The early years of an elusive
revolutionary, Londres, 1967, p. 358.

34. Mandelstam, op. cit., pp. 117, 249; Medvedev, Let history judge, pp. 414-15,
538-43; Alex Weissberg, Conspiracy of silence, Londres, 1952, pp. 279-80, 388-
9, 475-8. O professor Kolakowski conclui que “a classe exploradora soviética é
uma nova formação social que, em certos aspectos, se parece com a burocracia
dos despotismos orientais e, em outros, com os capitalistas colonizadores dos
países subdesenvolvidos. Sua posição é determinada pela concentração absoluta
do poder político, econômico e militar, em uma extensão jamais vista na Europa,
e pela necessidade de uma ideologia para legitimar o poder. Os privilégios
desfrutados por seus membros na área do consumo são consequência natural do
seu papel na sociedade. O marxismo é a aura carismática com a qual se envolve
para justificar sua predominância” (Kolakowski, op. cit., III, pp. 165-6).

35. Viktor Kravtchenko, I chose freedom, Londres, 1947, p. 71.

36. Bajanov, op. cit., pp. 219-20.

37. Medvedev, op. cit., p. 415.

38. Hermann Rauschning, Hitler speaks: A series of political conversations with


Adolf Hitler on his real aims, Londres, 1939, pp. 96-104; H. Powys Greenwood,
The German revolution, Londres, 1934, pp. 153-4; Hermann Rauschning,
Germany’s revolution of destruction, Londres, 1939, p. 177; W. S. Allen, The
nazi seizure of power: The experience of a single German town 1930-1935,
Londres, 1966, p. 168; Louis P. Lochner (ed.), The Goebbels diaries 1942-1943,
N. York, 1948, pp. 97, 101-2.

39. Rauschning, Germany’s revolution of destruction, pp. 97-9; Greenwood, op.


cit., p. 151. A pilhagem da “Noite do Cristal” foi resultado de motivos
altruísticos semelhantes (Grunberger, op. cit., p. 459).
40. Ver Kravtchenko, op. cit., pp. 285, 323, 345, 393-7, 412-13; Barmine, op.
cit., p. 317; Elisabeth K. Poretski, Our own people: A memoir of “Ignace Reiss”
and his friends, Oxford, 1969, p. 163. A mesma corrida para bens materiais e
privilégios ocorreu quando o Partido Comunista tomou a Iugoslávia (Milovan
Djilas, Wartime, N. York, 1977, pp. 423, 430-1).

41. Fainsod, op. cit., pp. 402, 404; Parvilahti, op. cit., pp. 199-200.

42. Kravtchenko, op. cit., p. 391.

43. Compare-se a avaliação reveladora de Arthur Koestler, obtida quase toda de


fontes soviéticas: The yogi and the commissar, Londres, 1945, pp. 153-66.

44. Alliluieva, Twenty letters to a friend, pp. 133-4; ver também Granovski, op.
cit., pp. 31-4. Para uma memória especialmente repelente e presunçosa, ver “A.
I. Romanov”, Nights are longest there: Smerch from the inside, Londres 1972,
pp. 12-26. Ver Vladimir Petrov, Escape from future: The incredible adventures
of a young Russian, Bloomington, Indiana, 1973, p. 187.

45. Ver Andrew Smith, I was a Soviet worker, Londres, 1937, pp. 43-7, 125,
169, 170-2; Alliluieva, op. cit., pp. 165-7; Tadeusz Wittlin, A reluctant traveller
in Rússia, Londres, 1962, p. 179. Ver Joseph Czapski, The inhuman land,
Londres, 1951, p. 134; Fainsod, op. cit., p. 60; Kravtchenko, op. cit., pp. 450-1.

46. The memoirs of the general Lord Ismay, Londres, 1960, p. 377.

47. Incidente que me foi relatado pelo falecido brigadeiro R. C. Firebrace. O


almirante Kharlanov era o chefe da missão militar soviética na Grã-Bretanha.

48. Kuusinen, op. cit., pp. 26-7; cf. Le procès Kravtchenko contre “Les Lettres
Françaises”, Paris, 1949, pp. 170-1; Menahem Beguin, White nights: The story
of a prisoner in Rússia, Londres, 1978, pp. 221-4.

49. Hilger e Meyer, op. cit., p. 151. Lenin se recusou astutamente a ser
examinado por um médico soviético, “pois quem já ouviu dizer que um bom
comunista pode ser um bom médico?” (Kuusinen, op. cit., p. 31). Tchitcherin e a
mulher de Bela Kuhn também se trataram com médicos alemães (Herbert von
Dirksen, Moskau Tokio London: Erinnerungen und Betrachtungen zu 20 Jahren
deutscher Aussenpolitik 1919-1939, Stuttgart, 1949, pp. 93-4, 140), bem como o
comissário das Finanças, Krestinski (Daily Telegraph, 12/07/1921).
50. The memoirs of Ivanov-Razumnik, Londres, 1965, p. 343.

51. Lyons, op. cit., pp. 436-40; cf. CAB 66/54, 128.

52. Kolakowski, op. cit., III, p. 43.

IV. A salvaguarda da nova sociedade


1. Eugene Lyons, Stalin: Czar of all the Russias, Londres, 1940, p. 64.

2. Edward Ellis Smith, The young Stalin: The early years of an elusive
revolutionary, Londres, 1968, p. 321.

3. Ronald Hingley, Joseph Stalin: Man and legend, Londres, 1974, p. 345. Um
relato divertido de uma testemunha ocular da visita de Stalin a um posto de
comando fictício — bem atrás da linha de frente — é o livro do general N. N.
Voronov, Ha cnyoKÕe ooenHOÜ-, Moscou, 1963, pp. 384-5.

4. FO 800/300, 22. Ver Svetlana Alliluieva, Twenty letters to a friend, N. York,


1967, p. 166.

5. Aino Kuusinen, Before and after Stalin: A personal account of Soviet Rússia
from the 1920s to the 1960s, Londres, 1974, p. 30; Aleksandr Orlov, The secret
history of Stalin’s crimes, Londres, 1954, p. 341.

6. Ibid., p. 342; Kuusinen, op. cit., p. 143; Svetlana Alliluieva, Only one year,
Londres, 1969, p. 365; Strobe Talbott (ed.), Khrushchev remembers, Boston,
1970, pp. 299-300; W. G. Krivitski, I was Stalin’s agent, Londres, 1939, p. 177;
Charles E. Bohlen, Witness to history 1929-1969, Londres, 1973, pp. 147-8.

7. Krivitski, op. cit., p. 177; Alliluieva, Only one year, p. 365. Orlov, op. cit., pp.
20-1; Viktor Kravtchenko,! chose freedom, Londres, 1947, pp. 394-5; Solomon
Volkov (ed.), Testimony: The memoirs of Dmitri Shostakovich, Londres, 1979,
p. 195; John R. Deane, The strange alliance: The story of American efforts at
wartime cooperation with Rússia, Londres, 1947, pp. 7-8; Peter Deriabin e Frank
Gibney, The secret world, Londres, 1959, pp. 111-34 (Deriabin serviu como
oficial da Guarda do Kremlin desde 1947); Alliluieva, Twenty letters to a friend,
p. 144; Väinö Tanner, The winter war: Finland against Rússia 1939-1940,
Stanford, 1950, pp. 38-9; Vladimir e Evdokia Petrov, Empire of fear, Londres,
1956, p. 90; G. A. Tokaev, Comrade X, Londres, 1956, pp. 311-12; Talbott (ed.),
op. cit., p. 336, Walter Bedell Smith, Moscow mission 1946-1949, Londres,
1950, p. 37. O pavor que Stalin sentia de ser assassinado é comprovado por sua
filha (Alliluieva, op. cit., p. 134).

9. Ibid., p. 36. Orlov, op. cit., pp. 20, 339-40; Kravtchenko, op. cit., p. 399;
Deriabin e Gibney, op cit., p. 119; Talbott, op. cit., pp. 298-9. Detalhes sobre os
automóveis de Stalin e Molotov são mencionados em Milovan Djilas,
Conversations with Stalin, Londres, 1962, p. 65; FO 371/29480, 28. O metrô e
os túneis são descritos por Roy A. Medvedev, On Stalin and stalinism, Oxford,
1979, p. 151.

10. Talbott (ed.), op. cit., p. 299. Para a defesa externa da datcha, ver lorde
Moran, Winston Churchill: The struggle for survival 1940-1965, Londres, 1966,
p. 57: “Evidentemente, estão preparados para enfrentar a revolta do próprio
povo”.

11. Volkov (ed.), op. cit., p. 148.

12. Orlov, op. cit., p. 21; ver Kuusinen, op. cit., pp. 30-1; Alliluieva, op. cit., p.
195.

13. Ibid., pp. 195, 201; Orlov, op. cit., p. 21. Cf. Deane, op. cit., p. 290.

14. Winston S. Churchill, Closing the ring, Londres, 1952, p. 339; David Dilks
(ed.), The diaries of Sir Alexander Cadogan, Londres, 1971, p. 769. Uma divisão
inteira do MVD da Ásia central protegeu Stalin contra o Exército Vermelho em
Potsdam.

15. FO 371/23685, 184; Fitzroy Maclean, Eastern approaches, Londres, 1949,


pp. 28-9; Deriabin e Gibney, op. cit., pp. 116-17; Vladimir e Evdokia Petrov, op.
cit., pp. 132-3; Krivitski, op. cit., pp. 249-50; Vladimir Petrov, Escape from the
future: The incredible adventure of a young Russian, Bloomington, Indiana,
1973, p. 43. Sempre evidenciando os temores secretos de Stalin, acusações falsas
nos julgamentos dos expurgos de 1936 incluíam uma suposta tentativa contra
sua vida em l.° de maio, durante a parada (Orlov, op. cit., pp. 20, 76-7, 98).

16. Andrew Smith, I was a Soviet worker, Londres, 1937, pp. 257-8 (Funerais de
Kirov); NA Decimal Files, 861.001 /6-1646 (relatório da embaixada dos Estados
Unidos sobre os funerais de Kalínin).

17. Tanner, op. cit., p. 69; Alliluieva, op. cit., p. 144; Aleksandr Barmine, One
toho survived: The life story of a Russian under the Soviets, N. York, 1945, p.
301. Para a cena do Bolshoi, comparar The memoirs of general the Lord Ismay,
Londres, 1960, p. 377; Deane, op. cit., p. 155; lorde Moran, op. cit., p. 201. O
bem-informado Barmine sabia de uma única vez em que Stalin apareceu nas ruas
de Moscou — um verdadeiro milagre (op. cit., p. 258).

18. Medvedev, op. cit., p. 150. O testemunho de Svetlana (Twenty letters to a


friend, p. 33) aparentemente contradiz a afirmação de Barmine de que Stalin
“costumava tomar banho no mar Negro depois de mandar esvaziar a praia por
mais de um quilômetro” (op. cit., p. 269). Mas o ditador frequentemente tomava
banhos quentes perto de Sotchi, por volta de 1930, para curar seu reumatismo
(Alliluieva, op. cit., p. 33), e além disso é possível tomar banho sem nadar.
Durante certo tempo, ele teve uma pequena lancha (Kuusinen, op. cit., p. 30). O
espaço não permite uma análise detalhada das memórias de Barmine, mas, de
modo geral, sua credibilidade é patente. Um pequeno exemplo: ele diz que Stalin
gostava de jogar boliche (gorodki) (op. cit., p. 269); isso foi confirmado pelo fiel
general Chtemenko (S. M. Chtemenko, The last six months: Russia's final battles
with Hitler’s armies in World War II, Londres, 1978, pp. 37-8) e por Svetlana
(op. cit., p. 33). Ver também Adam B. Ulam, Stalin: The man and his era,
Londres, 1974, p. 587.

19. Alfred Seidl (ed.), Die Beziehungen zwischen Deutschland und der
Sowjetunion 1939-1941, Tübingen, 1949, p. 171; Ulam, op. cit., p. 570.

20. Medvedev, op. cit., p. 151. O famoso desentendimento de Stalin com Dmitri
Schmidt, em 1927, sugere também covardia física (Barmine, op. cit., p. 90).

21. Medvedev, Let history judge: The origins and consequences of stalinism,
Londres, 1971, p. 306.

22. Leszek Kolakowski, Main currents of marxism: Its origin, growth and
dissolution, Oxford, 1978, III, pp. 95-7; Ulam, op. cit., p. 387.

23. Hingley, op. cit., pp. 201, 280; cf. Ulam, op. cit., pp. 105, 186, 385-6.

24. Hingley, op. cit., pp. 286-8.


25. George Urban, “A conversation with Milovan Djilas”, Encounter, Londres,
1979, LIII (n. 6), p. 30; consulte-se sobre as precauções de Molotov em
Chequers em 1942: Winston S. Churchill, The hinge of fate, Londres, 1951, p.
301.

26. Boris Bajanov, Bajanov révèle Staline: Souvenirs d’un ancien secrétaire de
Staline, Paris, 1979, pp. 89-90. Em 1922, acreditava-se que o ouro roubado das
igrejas na gubernia de Smolensk pelos bolchevistas destinava-se às despesas de
uma fuga para o estrangeiro (Merle Fainsod, Smolensk under Soviet rule,
Londres, 1958, p. 157).

27. Gregory Klimov, The terror machine: The inside story of the Soviet
administration in Germany, Londres, 1953, p. 266. O NKVD estava
extremamente ansioso para prender pessoas que podiam se revoltar (Vladimir e
Evdokia Petrov, op. cit., pp. 140-1). Em 1935, conta Krivitski, o “mundo
ocidental não podia imaginar como era frágil naquela época o poder de Stalin e o
quanto era essencial para sua sobrevivência como ditador ser defendido no
julgamento de seus atos sanguinários por comunistas estrangeiros e idealistas
internacionais famosos” (Krivitski, op. cit., p. 99).

28. Dilks (ed.), op. cit., p. 474; I. V. Stalin, CoHUHemiH (Stanford, 1967), III
(XV), pp. 203-4; Wilfried Strik-Strikfeldt, Against Stalin and Hitler: Memoir of
the Russian Liberation Movement 1941-5, Londres, 1970, pp. 32-3.

29. NA 861.00/1-1546.

30. Lennard D. Gerson, The secret police in Lenin's Rússia, Filadélfia, 1976, pp.
19-25, 145, 151-4.

31. Gerson, op. cit., pp. 247-8, 271-2, 279-80.

32. Kolakowski, op. cit., II, p. 489.

33. Alex Weissberg, Conspiracy of silence, Londres, 1952, pp. 402-5. O Arquivo
Smolensk evidencia que o Oblast NKVD Ocidental passou para o controle direto
de Stalin (Fainsod, Smolensk under Soviet rule, Londres, 1958, pp. 84, 172).

34. Alliluieva, op. cit., pp. 126-7; Deriabin e Gibney, op. cit., pp. 120, 126, 232;
Tadeusz Wittlin, Commissar: The life and death of Lavrenty Pavlovich Teria,
Londres, 1973, p. 358; Avtorkhanov, 3azaÕKa CMepmu CmcuiuHa, 3azooop
Eepun, Frankfurt, 1976, pp. 37-8.

35. Ulam, op cit., p. 487; Krivitski, op. cit., pp. 38-9; Elisabeth K. Poretski, Our
own people: A memoir of "Ignace Reiss” and his friends, Oxford, 1969, p. 219.
Devido ao mistério que cercava o fim de Iejov (Robert Conquest, The great
terror: Stalin's purge of the thirties, Londres, 1968, p. 464), convém notar o
testemunho de um polonês que estava com ele na prisão de Moscou de 1940 a
1041 (NA 861.131/33).

36. Foi assim que um funcionário do secretariado do Politburo descreveu a cena


(Bernhard Roeder, Katorga: An aspect of modem slavery, Londres, 1958, pp.
205-6).

37. Alliluieva, Only one year, pp. 387-90; Talbott (ed.), op. cit., p. 300; Djilas,
op. cit., pp. 100, 143, 144; Margarete Buber, Under two dictators, Londres,
1949, pp. 97-8.

38. Alliluieva, Twenty letters to a friend, pp. 35-6, 55-60; The memoirs of
Ivanov-Razumnik, Londres, 1965, pp. 266-8.

39. Smith, op. cit., p. 89; Petrov, Escape from the future, p. 18.

40. Gerson, op. cit., pp. 59-62, 128.

41. “A. I. Romanov”, Nights are longest there, Londres, 1972, pp. 13-27; Anatoli
Granovski, All pity choked: The memoirs of a Soviet secret agent, Londres,
1955, pp. 85-7; Vladimir e Evdokia Petrov, Empire of fear, pp. 54-6, 122-7;
Deriabin e Gibney, op. cit., pp. 55-7, 61-3.

42. Weissberg, op. cit., p. 456; Fainsod, op. cit., pp. 160-2; Bertram D. Wolfe,
Khrushchev and Stalin’s ghost, N. York, 1957, p. 162; Deriabin e Gibney, p.
126; Medvedev, op. cit., pp. 285-6, 303-4; Dmitri Panin, The notebooks of
Sologdin, Londres, 1956, p. 230; Nikolai Tolstoy, Victims of Yalta, Londres,
1977, p. 140; Gerson, op. cit., p. 195; S. A. Malsagoff, An island hell: A Soviet
prison in the far north, Londres, 1926, p. 20. A opinião decidida de Vlassik
encontrava eco nos guardas do GULAG: “essa intelligentsia. . . é uma chatice”
(Variam Chalamov, KoAbiMCKue PaccKü3bi-, Londres, 1978, p. 30).

43. Cf. Whittaker Chambers, Witness, Londres, 1953, p. 310; Unto Parvilahti,
Beria’s gardens: Ten years captivity in Rússia and Sibéria, Londres, 1959, p. 43.
44. Ibid., p. 114; Kuusinen, op. cit., pp. 195-6; The memoirs of Ivanov-
Razumnik, p. 260; Ruta U., Bear God, I wanted to live, N. York, 1978, p. 96.

45. Orlov, op. cit., pp. 90-2, 97-8; Klimov, op. cit., pp. 229-9.

46. Deriabin e Gibney, op. cit., pp. 184-25, 187; Vladimir e Evdokia Petrov, op.
cit., pp. 80-2, 257, 263; Barmine, op. cit., pp. 16, 18; David Irving, Hitler’s war,
Londres, 1977, pp. 209-10, 842.

47. Joseph Czapski, The inhuman land, Londres, 1951, pp. 81-5, 87-9. Czapski o
chama de “Nasiedkine”, nome de um interrogador do NKVD (Aleksandr
Soljenitsin, ApxuneAaz Tynaz 1918-1956: Onbim Xydo.vcecmeenHOZo
HccAedoeanuH, Paris, 1973-5, I, p. 405; Medvedev, op. cit., pp. 128-9). Ver
também Kravtchenko, op. cit., p. 405; “A. I. Romanov”, op. cit., p. 138.

48. Vladimir e Evdokia Petrov, op. cit., pp. 100-1.

49. Cf. David J. Dallin e Boris I. Nicolaevsky, Forced labor in Soviet Rússia,
Londres, 1948, p. 87.

50. Slave labor in the Soviet world, publicação do Comitê do Sindicato Livre da
Federação Americana do Trabalho, N. York, 1951, p. 4.

51. Dallin e Nicolaevsky, op. cit., p. 72.

52. Gustav Herling, A world apart, Londres, 1951, p. 176; cf. Moscow Mission
1946-1949, p. 115; Le procès Kravtchenko contre “Les Lettres Françaises”,
Paris, 1949, p. 557. Em 1943-4, a Gestapo registrou cerca de quarenta mil
homens — uma comparação interessante (Hans Rothfeld, The German
opposition to Hitler: An assessment, Londres, 1970, p. 15).

53. General V. G. Naumenko, BenuKoe IIpedameAbcmeo: Bbidana Ka3aKoe a


Jluenue u JJpyzux Mecmax 1945-1947, N. York, 1962-70, II, pp. 291-2.

54. Czapski, op. cit., pp. 219-21; The memoirs of lvanov-Razumnik, pp. 238-9;
Le procès Kravtchenko, p. 205.

55. The dark side of the Moon, Londres, 1946, pp. 87, 89-90. A tortura de
mulheres e crianças era comum nas prisões soviéticas (Le procès Kravtchenko,
p. 208).
56. Granovski, op. cit., pp. 59, 62-3, 69. Ver Krivitski, op. cit., p. 198-201; sobre
o “expurgo de crianças” de 1938, ver Orlov, op. cit., pp. 53-4, 88.

57. Petrov, op. cit., p. 73; Krivitski, op. cit., pp. 217-19; Klimov, op. cit., p. 265;
Buber, op. cit., p. 61; Czapski, op. cit., pp. 255-6; Kravtchenko, op. cit., pp. 447-
8; The memoirs of Ivanov-Razumnik, p. 250; Parvilahti, op. cit., pp. 160, 237;
Tadeusz Wittlin, A reluctant traveller in Rússia, Londres, 1952, p. 121.

58. Petrov, Escape from the future, pp. 186-7.

59. Deriabin e Gibney, op. cit., pp. 137-9.

60. Vladimir Bukovski, To build a castle: My life as a dissenter, Londres, 1978,


pp. 155-76, 209-10, 281-4, 285-90, 301-3; Leonid Pliuchtch, History’s carnival,
Londres, 1979, pp. 305-6, 309, 339, 345, 347, 355, 358.

61. Os ratos eram um instrumento favorito e não de todo inadequado. Frank


Gibney (ed.), The Penkovskiy papers, N. York, 1965, p. 280.

62. Ver Medvedev, Let history judge, pp. 264-72; Conquest, op. cit., pp. 136-8.
Uma descrição pavorosa de uma testemunha ocular sobre a câmara de tortura do
NKVD consta de Zoltan Toth, Prisoner of the Soviet Union, Londres, 1978, pp.
20-1.

63. Kolakowski, op. cit., II, p. 516.

64. Gerson, op. cit., pp. 143-4.

65. Medvedev, op. cit., pp. 296, 348; Deriabin e Gibney, op. cit., pp. 171-2.

66. Advogados britânicos como D. N. Pritt e Dudley Collar não podiam ter
acreditado, como afirmaram, nos julgamentos dos expurgos de 1936: ver Henry
Pelling, The British Communist Party: A historical profile, Londres, 1958, p.
102.

67. Eugene Loys, Assignment in Utopia, Londres, 1937, pp. 93-5, 268. John
Strachey, em seu panfleto de 1930, What we saw in Rússia, deixa
deliberadamente de mencionar o fato de ter “visto o mais estrito racionamento de
comida nas cidades russas” (Hugh Thomas, John Strachey, Londres, 1973, p.
86).
68. Poretski, op. cit., p. 164; Vladimir e Evdokia Petrov, op. cit., p. 54. Da
mesma forma, cuidaram para que os prisioneiros não aparecessem nas ruas
muito malvestidos (A. V. Gorbatov, “ rodbi uBoÜHbi ”, Hoebiü Mup, abril de
1964, XL, pp. 136-7.

69. Compare-se a descrição da competição em 4 de novembro de 1949 em


Moscou (NA 861.00/11-949).

V. Manobras de Munique
1. Reimpresso por Sir John Wheeler-Bennett em seu Munich: Prologue to
tragedy, Londres, 1948, p. 366; cf. pp. 278-9.

2. Os textos são impressos em ibid., pp. 441-8.

3. Winston S. Churchill, The gathering storm, Londres, 1948, p. 239.

4. Norman Rose, Vansittart: Study of a diplomat, Londres, 1978, p. 229. Sobre


os defensores franceses desse ponto de vista, ver Wheeler-Bennett, op. cit., p.
102.

5. Cf. Telford Taylor, Munich: The price of peace, Londres 1979, pp. 176-82.

6. Ibid., p. 621.

7. Wheeler-Bennett, op. cit., pp. 57, 86, 150, 273-8.

8. Taylor, op. cit., pp. 101-2; ver as observações que Chamberlain fez a Masaryk
(Wheeler-Bennett, op. cit., p. 171).

9. Taylor, op. cit., p. 961.

10. O serviço secreto acreditava que o objetivo dos soviéticos fosse provocar a
guerra entre a Grã-Bretanha e a Alemanha (David Dilks, ed., The diaries of Sir
Alexander Cadogan, Londres, 1971, p. 65). Um temor paralelo (talvez
justificável, uma vez que os estadistas não podiam ter a visão dos historiadores)
era de que uma intervenção da Entente na Alemanha “não fizesse Stresemann
levantar-se do túmulo, nem outro qualquer remotamente parecido com ele. . . A
Alemanha estaria lutando então pela própria vida com a poderosa arma do
bolchevismo” (H. Powys Greenwood, The German revolution, Londres, 1934, p.
271). O raciocínio válido que levou os franceses e ingleses a duvidar do valor da
“cartada soviética” é exposto em Simon Newman, March 1939: The British
guarantee to Poland, Oxford, 1976, pp. 120, 138-43; Gerhard L. Weinberg, The
foreign police of Hitler's Germany: Starting World War II 1937-1939, Chicago,
1980, pp. 86-9.

11. Wheeler-Bennett, op. cit., p. 301. Georges Bonnet, ministro do Exterior


francês, duvidava da capacidade do Exército Vermelho para a guerra (ibid., pp.
99-100).

12. Ibid., pp. 81-2, 89, 127-8, 175.

13. Cf. Mein Kampf, Londres, sem data, pp. 557, 562.

14. Cf. Wheeler-Bennett, op. cit., pp. 106, 273-81; Golo Mann, “Rapallo: The
vanishing dream”, Survey, Londres, 1962, XLIV-V, pp. 78-81.

15. Taylor, op. cit., p. 441.

16. Wheeler-Bennett, op. cit., p. 57.

17. Decimal Files, NA, 861.001/2-1849. Não temos muitos motivos para duvidar
da autenticidade desse relato; Litvinov iria cometer várias indiscrições desse tipo
no futuro. (Ver Vojtetch Mastny, “The Cassandra in the Foreign Commissariat”,
Foreign Affair, 1976, LIV, pp. 366-76.)

18. John Harvey (ed.), The diplomatic diaries of Oliver Harvey 1937-1940, N.
York, 1970, p. 158. Na realidade, “os anos de 1936-38 devem ser considerados
como um período de novo isolamento dos soviéticos” (Max Beloff, The foreign
police of Soviet Rússia 1929-1941, Oxford, 1949, II, p. 26). Compare-se a hábil
condição implícita no importante artigo do Pravda de 17 de setembro (ibid., pp.
148-50). A reação significativamente discreta dos soviéticos a Munique é notada
também por Eugene Lyons: Stalin: Czar of all the Russias, Londres, 1940, p.
237.

19. “Interview with an ex-insider, IV: Moscow-Berlin 1933”, Survey, XLIV-V,


pp. 160-1.
20. Tenente-general Sir Giffard Martel, The Russian outlook, Londres, 1947, pp.
13-26; Weinberg, op. cit., p. 549.

21. Taylor, op. cit., p. 453.

22. Robert Conquest, The great terror: Stalin’s purge of the thirties, Londres,
1968, pp. 201-35, 459-63.

23. John Lukacs, The last European war: September 1939/December 1941,
Londres, 1976, p. 16; cf. Adam B. Ulam, Stalin: The man and his era, Londres,
1974, pp. 495-6. O Exército Vermelho não foi nem parcialmente mobilizado
durante a crise (Weinberg, op. cit., pp. 417-18).

24. Texto em Documents concerning German-Polish relations and the outbreak


of hostilities between Great Britain and Germany on September 3, 1939,
Londres, 1939, pp. 1-2.

25. Cf. Beloff, op. cit., II, pp. 146-7; Wheeler-Bennett, op. cit., pp. 57, 100, 106;
Taylor, op. cit., pp. 449-52, 526; Weinberg, op. cit., pp. 352-4, 414-17. O adido
militar dos Estados Unidos, francamente pró-soviético, estimou o total de
contribuição militar soviética possível em dois esquadrões de bombardeiros!
(Charles E. Bohlen, Witness to history, Londres, 1973, p. 59.)

26. Taylor, op. cit., pp. 428, 452-6, 843.

27. Robert C. Tucker, “The emergence of Stalin’s foreign policy”, Slavic


Review, Illinois, 1977, XXXVI, p. 575. Em 1920, Lenin defendia uma política
semelhante (Leszek Kolakowski, Main currents of marxism: Its rise, growth, and
dissolution, Oxford, 1978, II, p. 497).

28. Ver os insultos de Maiski (Wheeler-Bennett, op. cit., p. 393). Wheeler-


Bennett estava inclinado a aceitar as declarações dos soviéticos pelo seu valor
extrínseco (cf. ibid., pp. 278-81); Taylor, op. cit., p. 621.

29. Slavic Review, XXXVI, pp. 566-8, Gabriel Gorodetski, The precarious
truce: Anglo-Soviet relations 1924-27, Cambridge, 1977, pp. 231-40.

30. Slavic Review, XXXVI, pp. 576, 580; F. L. Carsten, “The Reichswehr and
the Red Army, 1920-1933”, Survey, Londres, 1962, XLIV-V, p. 130. Em 1938,
o comissário assistente dos Negócios Estrangeiros, Potiômkin, disse ao
embaixador francês que planejavam uma divisão da Polônia (Ulam, op. cit., p.
499).

31. Slavic Review, XXXVI, pp. 575-80; em 1938, uma fonte-soviética


autorizada declarou que “os países ‘democráticos’ são naturalmente mais fortes
do que os países fascistas” (Beloff, op. cit., II, p. 164).

32. “. . . Pode-se dizer que uma hostilidade acentuada e comum ao novo Estado
polonês era um dos mais fortes elos entre Berlim e Moscou, e outra divisão da
Polônia, o objetivo silencioso e máximo dos dois governos no período entre as
duas guerras” (Gustav Hilger e Alfred G. Meyer, The incompatible allies: A
memoir-history of German-Soviet relations 1918-1941, N. York, 1953, p. 154).

33. Relatos detalhados sobre a cooperação militar alemã-soviética nos anos entre
as guerras constam de ibid., 'pp. 187-208, 227-42, 250-1; Survey, XLIV-V, pp.
76, 114-32; Louis Hagen (ed.), The Schellenberg memoirs, Londres, 1956, pp.
40-5; E. M. Robertson, Hitler’s pre-war policy and military plans 1933-1939,
Londres, 1963, pp. 12-13; W. G. Krivitski, I was Stalin’s agent, Londres, 1939,
pp. 20-2; “Geoffrey Bailey”, The conspirators, Londres, 1961, pp. 193-7; Lionel
Kochan, Rússia and the Weimar Republic, Londres, 1954, pp. 60-4.

34. Mein Kampf, p. 388.

35. Documents concerning German-Polish relations, pp. 1-5.

VI. O pacto de sangue


1. Nikolai Tolstoy, Night of the long knives, N. York, 1972, pp. 123-45; Robert
Conquest, The great terror: Stalin’s purge of the thirties, Londres, 1939, pp. 17-
18, 29, 204-5, 249; Aleksandr Barmine, One who survived: The life story of a
Ryssian under the Soviets, N. York, 1945, p. 251.

2. F. A. Voigt, Unto Caesar, Londres, 1939, pp. 107-8. Em 1918, Lenin fez mais
vaticínios do que o profeta Merlim. Leszek Kolakowski, Main currents of
marxism: Its rise, growth, and dissolution, Oxford, 1978, II, pp. 476-7.

3. Viktor Kravtchenko, I chose freedom, Londres, 1947, p. 109; Kurt G. W.


Lüdecke, I knew Hitler: The story of a nazi who escaped the blood purge,
Londres, 1938, p. 357. Ver Golo Mann, “Rapallo: The vanishing dream”,
Survey, Londres, 1962, XLIV-V, p. 77; Teddy J. Ulricks, “Stalin and nazi
Germany”, Slavic Review, 1977, XXXVI, pp. 600-1. Provas de que o ataque do
KPD contra os social-democratas foi ordenado pelo Komintern de Moscou
constam de Arthur Spencer, “National-Bolshevism”, ibid., pp. 148-9. Como um
corolário mais prático a essa opinião, Stalin esperava também que a política
implacável de Hitler anti-Versalhes o colocasse em situação difícil com a França
e a Grã-Bretanha, dando à Rússia mais espaço para respirar (Margarete Buber,
Under two dictators, Londres, 1949, p. XI; Robert C. Tucker, “The emergence of
Stalin’s foreign policy”, Slavic Review, 1977, XXVI, pp. 582-4). Essa
convincente fórmula dialética foi usada pelos fanáticos do Partido até nos
confins de Kolyma. A. V. Gorbatov. “Todòi u Boühu”, Hoebiü M«/j(abril de
1964), XI, p. 126: “HeM xyace, TeM Jiynuie — CKopee Bce
pa3T>HCHHTCH” — “quanto pior, melhor: mais cedo tudo será esclarecido”.

4. Harold J. Gordon, Jr., Hitler and the beer hall putsch, Princeton, 1972, pp. 5-6.
Sobre o nazismo enquanto movimento que não era exclusivo de nenhuma classe
social, ver ibid., p. 7.

5. Jeremy Noakes, The Nazi Party in lower Saxony 1921-1933, Oxford, 1971,
pp. 249-50; cf. David. L. Schõnbaum, Hitler’s revolution: Class and status in
nazi Germany 1933-1939, Londres, 1967, pp. XXI-III; Richard Grunberger, A
social history of the Third Reich, Londres, 1971, pp. 49-53.

6. Cf. J. L. Talmon, The origins of totalitarian democracy, Londres, 1955, pp.


263-5.

7. Robert G. L. Waite, Vanguard of nazism: The Free Corps Movement in


postwar Germany 1918-1923, Cambridge, Mass., 1952, pp. 272-6; Brigitte
Granzow, A mirror of nazism: British opinion and the emergence of Hitler,
Londres, 1964, pp. 196-7; Gordon, op. cit., pp. 19-20. Ver o programa
anticapitalista do Niedersächsischer Beobachter nazista em 1927 (Noakes, op.
cit., p. 103); o conteúdo nacionalista do nazismo nasceu das dificuldades
específicas da Alemanha depois da guerra (Gordon, op. cit., pp. 11-13).

8. Noakes, op. cit., pp. 73-84; Herman Lebovics, Social conservatism and the
middle classes in Germany, 1914-1933, Princeton, 1969, pp. 145-7; Arthur
Spencer, “National-Bolshevism”, Survey, 1962, XLIV-V, pp. 133-52. Compare-
se a opinião de Kurt Lüdecke, op. cit., p. 420.

9. Godfrey Scheele, The Weimar Republic: Overture to the Third Reich,


Londres, 1946, p. 152; Max H. Kele, Nazis and workers: National socialist
appeals to German labor, 1919-1933, Carolina do Norte, 1972, pp. 47-8, 143,
187.

10. Konrad Heiden, Hitler: A biography, Londres, 1936, p. 264; Lüdecke, op.
cit., p. 597; Jean François, L'affaire Röhm-Hitler, Paris, 1939, p. 30. Um amigo
de Röhm, Hermann Esser, passara de nazista a fanático social-democrata
(Richard Hanser, Prelude to terror: The rise of Hitler 1919-1923, Londres, 1971,
pp. 290-1); o chefe da rádio nazista fora um marinheiro revolucionário em 1918
(Grunberger, op. cit., p. 409).

11. Alastair Hamilton, The appeal of fascism, Londres, 1971, p. 139;


Schönbaum, op. cit., p. 19.

12. Hamilton, op. cit., p. 89.

13. William L. Shirer, Berlin diary: The journal of a foreign correspondent 1934-
41, Londres, 1941, pp. 411-12.

14. Hans Rogger e Eugen Weber, The European right: A historical profile,
Califórnia, 1965, p. 340; Kale, op. cit., p. 47; Hanser, op. cit., p. 279; Roger
Manvell e Heinrich Fraenkel, Doctor Goebbels: His life and death, Londres,
1960, p. 88.

15. Eliot B. Wheaton, Prelude to calamity: The nazi revolution 1933-35,


Londres, 1969, p. 313; Gustav Hilger e Alfred G. Meyer, The incompatible
allies: A memoir-history of German-Soviet relations 1918-1941, N. York, 1973,
p. 42; Brockhaus Enzyklopädie, Wiesbaden, 1968, VI, p. 177 (citação
gentilmente cedida pelo dr. Alfred de Zayas).

16. Helmut Heiber (ed.), The early Goebbels diaries: The journal of Joseph
Goebbels from 1925-1926, Londres, 1962, pp. 24, 34, 43, 44, 51, 62; Dietrich
Orlow, The history of the Nazli Party, Newton Abott, 1971-3, I, pp. 87-9; Kele,
op. cit., pp. 92-3, III, 131-2; Schõnbaum, op. cit., p. 24; Noakes, op. cit., p. 72;
Manvell e Fraenkel, op. cit., p. 126; Louis P. Lochner (ed.), The Goebbels
diaries 1942-1943, N. York, 1948, pp. 10-11.
17. Wheaton, op. cit., p. 436.

18. Waite, op. cit., pp. 272-6; E. M. Robertson, Hitler’s pre-war policy and
military plans 1933-1939, Londres, 1963, pp. 86-7; Noakes, op. cit., pp. 25-6;
Lochner (ed.), op. cit., pp. 355-9; Percy Ernst Schramm, Hitler: The man and the
military leader, Londres, 1972, pp. 53, 162; Paul Schmidt, Hitler’s interpreter,
Londres, 1951, p. 134; Hitler’s table talk 1941-1944, Londres, 1953, pp. 587,
624; Hermann Rauschning, Hitler speaks: A series of political conversations
with Adolf Hitler on his real aims, Londres, 1939, pp. 19, 134. No começo de
sua carreira política, Hitler não era de modo algum contrário ao bolchevismo,
como se acredita comumente (Walter Laqueur, “Hitler and Rússia 1919-1923”,
Survey, 1962, LIV-V, pp. 93-5). Pense-se em sua cautelosa aceitação do
bolchevismo como movimento político adequado para a Rússia em 1938 (Max
Beloff, The foreign policy of Soviet Rússia 1920-41, Oxford, 1949, II, 145). Nos
próprios campos do GULAG, nazistas alemães e russos soviéticos uniam-se por
elos de ideologia semelhante (Raphael Rupert, A hidden world, Londres, 1963,
p. 89).

19. Scheele, op. cit., pp. 153-4; Eugene Lyons, Stalin: Czar of all the Russias,
Londres, 1940, p. 225.

20. Lionel Kochan, Rússia and the Weimar Republic, Londres, 1954, pp. 174-7;
Wheaton, op. cit., pp. 132, 156-8; Roy A. Medvedev, Let history judge: The
origins and consequences of stalinism, Londres, 1972, pp. 438-40. Trotsky
condenava a política de concentrada hostilidade contra os social-democratas
(Jean Heijenoort, With Trotsky in exile, Harvard, 1978, p. 2), mas compartilhava
a ilusão de Stalin de que “o fascismo. . . é uma navalha nas mãos do inimigo da
classe” (citado por M. R. Werner, ed., Stalin’s Kampf, Londres, 1940, p. 292).

21. Jdanov definia a Finlândia como “um desses pequenos países” em seu
discurso de 29 de novembro de 1936 (Max Jakobson, The diplomacy of the
winter war, Cambridge, Mass., 1961, p. 18).

22. Foi o que Radek contou ao escritor inglês Frederick Voigt em 1932 (Voigt,
op. cit., pp. 277-8); em agosto de 1934, ele estava mais confiante do que nunca
no valor dos camisas-pardas (Hilger e Meyer, op. cit., pp. 267-8).

23. Krivitski, op. cit., pp. 38-9.

24. Svetlana Alliluieva, Twenty letters to a friend, N. York, 1967, p. 53; cf.
Krivitski, op. cit., p. 22.

25. Hilger e Meyer, op. cit., pp. 255-6.

26. Ibid., pp. 269-70; Krivitski, op. cit., pp. 37-8, 248-9; Barmine, op. cit., p. 25.
Uma nota obscura no dossiê do agente da GPU “Ignace Reiss”, assassinado,
registra o fato de que “as conversações continuam com Adolf, por Kandil”
(Victor Serge, A. Rosmer, Maurice Wullens, L’assassinat d'Ignace Reiss, Paris,
1938, p. 22). Isso pode ser a confirmação do que diz Krivitski, segundo o qual
Kandelaki teria sido recebido pelo próprio Hitler (Krivitski, op. cit., p. 248). As
advertências do marechal Tukhachevsky sobre as internações da Alemanha e as
deficiências da defesa militar soviética talvez tenham apressado a missão
Kandelaki (cf. John Erickson, The road to Stalingrad: Stalin’s war with
Germany, Londres, 1975, pp. 1-3).

27. Barmine, op. cit., pp. 24, 25-7, 29-31; Hilger e Meyer, op. cit., pp. 267-71,
278-9; Beloff, op. cit., II, p. 67. Foram feitas insinuações muito claras sobre a
conveniência de uma reaproximação soviético-alemã, em Berlim, por um
diplomata soviético, Ievguêni Gnedin, em 11 de dezembro de 1935, e novamente
em 12 de outubro de 1936 (“Moscow and the nazis”, Survey, 1963, XLIX, pp.
129-32). Cf. Slavonic and East European Review, XL, pp. 518-20.

28. Adam B. Ulam, Stalin: The man and his era, Londres, 1974, pp. 364, 399-
407, 466-9.

29. Uma prova cabal de que Molotov havia começado a negociar com a
Alemanha nazista, sem o conhecimento de Litvinov, em 1933, consta de Robert
C. Tucker, “On matters evidential: A reply”, Slavic Review, XXXVI, p. 606. Em
janeiro de 1937, a URSS abandonou um acordo comercial muito favorável com
a Grécia, temendo que este desagradasse a Hitler (Barmine, op. cit., pp. 306-9), e
em 1938 a embaixada dos Estados Unidos em Moscou foi informada de que
provavelmente estava sendo preparado um pacto nazi-soviético (Charles E.
Bohlen, Witness to history, Londres, 1973, p. 58). Dizem que Andrei Jdanov
acreditava firmemente num acordo com Hitler (G. A. Tokaev, Contrade X,
Londres, 1956, p. 158).

30. Winston Churchill, The gathering storm, Londres, 1948, pp. 284-286-7;
conde de Avon, The Eden memoirs: The reckoning, Londres, 1965, pp. 54-5;
John Harvey (ed.), The diplomatic diaries of Oliver Harvey 1937-1940, N. York,
1970, p. 290; Harold Macmillan, Winds of change 1914-1939, Londres, 1966,
pp. 595-6.

31. Cf. David Dilks (ed.), The diaries of Sir Alexander Cadogan, Londres, 1971,
pp. 175, 180-2, 189-90, 191. Lascelles, do Departamento do Norte do Ministério
do Exterior, avaliando a fraqueza dos soviéticos comparados aos alemães,
estimou que a URSS “agirá empiricamente e visando apenas a seus próprios
interesses” (5 de janeiro de 1939): FO 371/23677, 251-2. F. A. Gwatkin
observou profeticamente, no dia 14, que “a Rússia não é nossa amiga, embora
em certos círculos possa ser uma aliada” (ibid., 254). Sobre a Finlândia, ver Max
Jakobson, The diplomacy of the finnish war, Cambridge, Mass., 1961, pp. 47-8.

32. Churchill, op. cit., p. 284. Cf. Telford Taylor, Munich: The price of peace,
Londres, 1979, pp. 979-6.

33. John W. Wheeler-Bennett, Munich: Prologue to tragedy, Londres, 1948, p.


394.

34. FO 371/24850, 125. Uma confirmação do caso do Ministério do Exterior é


exposta na carta do professor W. N. Medlicott para o Times, em 17 de março de
1964, e opiniões contemporâneas constam de Simon Newman, March 1939: The
British guarantee to Poland, Oxford, 1976, pp. 153-4, 215-6, 220. “Pelo valor
que pudesse ter, a opinião pública sempre favorecia a Rússia” (F. R. Gannon,
The British press and Germany 1936-1939, Oxford, 1971, pp. 27-8, 209, 250-1,
255, 257, 258).

35. Krivitski, op. cit., pp. 19-20. Hitler sabia que Stalin não estava sinceramente
interessado em uma aliança com a Inglaterra (F. H. Hinsley, Hitler's strategy,
Cambridge, 1951, p. 15).

36. I. V. Stalin, Cohuhchuh-, Stanford, 1967, XIV, pp. 327-45. Para indicações
anteriores da política soviética durante o inverno de 1938-39, ver Beloff, op. cit.,
II, pp. 211, 227. Isaac Deutscher dá uma explicação provável para essa
abordagem evasiva (Stalin: A political biography, Oxford, 1949, p. 428), e
também para o fato de a aliança com a Alemanha parecer preferível a uma
aliança com a Entente (ibid., pp. 434-5).

37. Cf. John Lukacs, The last European war: September 1939/ December 1941,
Londres, 1976, p. 41. O embaixador britânico em Moscou (Seeds) interpretou
corretamente as alusões de Stalin às fábulas de Esopo (Newman, op. cit., p. 130).
38. Wheeler-Bennett, op. cit., pp. 376-7. Por mais quixotesco que tenha sido esse
gesto, ele por si só invalida a constante afirmação soviética de que as
diplomacias francesa e britânica pretendiam dirigir a agressão de Hitler para o
Oriente (por exemplo, A. A. Gromiko et al., eds., Hcmopun JJunAOMamun,
(Moscou, 1965), III, p. 751). Uma garantia para a Polônia era na verdade uma
garantia para a URSS, sem envolver nenhuma obrigação, e foi assim que os
acontecimentos transpiraram. Ver as tolices absurdas mencionadas em ibid., p.
769. Os fatos são descritos detalhadamente em Newman, op. cit., pp. 6-7, 64, 78-
9, 130. Como observa o professor Ulam, os soviéticos estavam “terrivelmente
ansiosos” para que os britânicos se declarassem a favor da Polônia, conscientes
da vantagem que isso representaria para eles (op. cit., p. 507).

39. Alfred Seidl (ed.), Die Beziehungen zwischen Deutschland und der
Sowjetunion 1939-1941, Tübingen, 1949, pp. 1-2. A União Soviética foi o único
país fora do Eixo a garantir de jure o reconhecimento do Estado da Eslováquia
criado pelos nazistas (Gerhard L. Weinberg, The foreign policy of Hitler’s
Germany: Starting World War II 1937-1939, Chicago, 1980, p. 552).

40. Cf. Slavic Review, XXXVI, p. 606. Em fevereiro, Litvinov estava


claramente tentando provocar a guerra no Ocidente (Dilks, ed., op. cit., p. 152).

41. Ver o inteligente sumário do professor Vojtetch Mastny: Russia’s road to the
cold war: Diplomacy, warfare, and the politics of communism, 1941-1945, N.
York, 1979, pp. 24-8. Naturalmente, o quadro não era todo em branco e preto. A
principal preocupação de Stalin era evitar a guerra, e para isso era preciso
procurar garantias com a Entente ou qualquer um que oferecesse um mínimo de
segurança. A viagem do comissário assistente Potiômkin pelas capitais
ocidentais, logo depois, provavelmente tinha a mesma intenção. Ver Gerhard L.
Weinberg, Germany and the Soviet Union 1939-1941, Leiden, 1954, pp. 6-20.
Mas as repetidas afirmações de Potiômkin de que a URSS, em nenhuma
circunstância, “faria um acordo com a Alemanha”, sugere uma forte dose de
duplicidade da parte de Stalin, se não da parte de Potiômkin (cf. Beloff, op. cit.,
II, pp. 241-2).

42. Ibid., pp. 20-46; Seidl (ed.), op. cit., pp. 2-3, 5-6, 17, 39, 51, 56-83. Em 14 de
junho, um surpreendente vazamento de informação levou aos alemães as
esperanças e os temores de Stalin {ibid., pp. 23-4). Sobre o significado da
substituição de Litvinov por Molotov, ver Weinberg, The foreign policy of
Hitler’s Germany, pp. 570-2.
43. Schmidt, op. cit., pp. 135, 137, 164; Bohlen, op. cit., p. 82; Albert Speer,
Inside the Third Reich, Londres, 1970, p. 168.

44. Seidl (ed.), op. cit., pp. 84-8; Bohlen, op. cit., p. 83; Schmidt, op. cit., pp.
137-8; Hilger e Meyer, op. cit., pp. 304-5. “A rapidez com que chegaram ao
acordo me impressiona, porque passei quinze meses tentando fazer que os
soviéticos concordassem com cinco tratados de menor importância” (James F.
Byrnes, Speaking frankly, N. York, 1947, p. 286). A intenção de Stalin no seu
convite “piada” a Hitler para invadir a Boêmia também é confirmada no
BoAbuian CoeemcKaH 3HU,uKAoneouR , 1940, vol. 46 (Beloff, op. cit., II, p.
285).

45. Ibid., p. 300; Schmidt, op. cit., p. 134. No dia seguinte, 24 de agosto,
perguntaram a Eden sobre as implicações do pacto. “Tive de dizer que
significava guerra”, foi a resposta agressiva (conde de Avon, The Eden memoirs:
The reckoning, Londres, 1965, p. 275).

46. Hermann Rauschning, Germany’s revolution of destruction, Londres, 1939,


p. 275.

47. Seidl (ed.), op. cit., pp. 89-91, 97-9.

48. Os alemães acreditavam erroneamente que “a Grã-Bretanha seria obrigada a


declarar guerra à Rússia também” (David Irving, Hitler’s war, Londres, 1977, p.
9).

49. Esse boato foi criado pelos próprios alemães (Nicholas Bethell, The war
Hitler won, Londres, 1972, p. 9).

50. Ibid., pp. 101-13; Weinberg, Germany and the Soviet Union, pp. 52-4;
Lukacs, op. cit., pp. 56-7.

51. Cf. Hilger e Meyer, op. cit., p. 312; Liam, op. cit., pp. 514-15. A justificativa
de Molotov para a invasão soviética foi impressa por Tane Degras (ed.), Soviet
documents on foreign policy, Oxford, 1953, III, pp. 374-6.

52. Bethell, op. cit., pp. 379-81.

53. Ibid., p. 303.


54. Ibid., pp. 320, 326-7. O avanço soviético foi caracterizado por erros
espantosos, apesar da ausência de uma séria oposição (Erickson, op. cit., p. 44).

55. Hinsley, op. cit., pp. 16-20.

56. Weinberg, op. cit., pp. 54-6.

57. Seidl (ed.), op. cit., p. 107; Bethell, op. cit., p. 168. No fim de agosto,
Vorochilov insistia com os poloneses em fazer um pedido de suprimentos
militares à URSS (T. Jankowski e E. Weese, eds., Documents on Polish-Soviet
relations 1939-1945, Londres, 1961, I, pp. 40-1). A oferta foi renovada em 2 de
setembro (ibid., p. 42), mas bruscamente retirada no dia 8 (ibid., p. 43).

58. Weinberg, op. cit., pp. 58-60; Seidl (ed.), op. cit., pp. 120-7; Hilger e Meyer,
op. cit., pp. 313-14; Malcolm Muggeridge (ed.), Ciano’s diary 1939-1943,
Londres, 1947, p. 162.

59. Carta de 23 de maio de 1851, citada por Sir Lewis Namier, 1848: The
revolution of the intellectuals, Londres, 1946, pp. 52-3.

60. Bethell, op. cit., pp. 62, 124-7, 130-1.

61. Irving, op. cit., pp. 12-13; Heinz Höhne, The order of the death’s head,
Londres, 1969, pp. 296-307.

62. Muggeridge (ed.), op. cit., p. 160.

63. Relato da sra. Lucy Roberts, testemunha ocular, em folhas datilografadas que
me foram gentilmente cedidas; The dark side of the moon, Londres, 1946, pp.
50-73; Albert Konrad Herling, The Soviet slave empire, N. York, 1951, pp. 43-
51; Unto Parvilahti, Beria’s gardens: Ten years captivity in Rússia and Sibéria,
Londres, 1959, p. 81; Tadeusz Wittlin, Commissar: The life and death of
Lavrenty Pavlovich Beria, Londres, 1973, pp. 265-7. Antes da invasão, Béria
dera ordens às unidades do NKVD em Minsk e outras cidades da fronteira para
que se preparassem para acompanhar o Exército Vermelho até a Polônia
(Vladimir e Evdokia Petrov, Empire of fear, Londres, 1956, p. 94). Em 30 de
setembro, o NKVD sequestrou um diplomata polonês em Kiev e levou-o para
local desconhecido (Documents on Polish-Soviet relations 1939-1945, I, pp. 89-
90).
64. Cf. C. A. Smith (ed.), Escape from paradise, Londres, 1954, p. 78.

65. Zoltan Toth, Prisoner of the Soviet Union, Woking, 1978, pp. 93-4; Robert
Conquest, Kolyma: The Arctic death camps, Londres, 1978, p. 110 (cf. ibid., p.
96).

66. David J. Dallin e Boris I. Nicolaevsky, Forced labor in Soviet Rússia,


Londres, 1948, pp. 263-4 (ver ibid., pp. 27-9, 34-9); George F. Kennan,
Memoirs 1925-1950, Boston, 1967, p. 200; Bethell, op. cit., p. 346; Harold
Nicolson, Diaries and letters 1939-1945, Londres, 1967, p. 434. Um exame
posterior mais detalhado revelou que “o número total de pessoas deslocadas
devia oscilar entre um milhão quatrocentos e quarenta e dois mil e um milhão
seiscentos e sessenta mil” (Documents on Polish-Soviet relations, I, pp. 573-4;
cf. ibid., pp. 167-8).

67. Conquest, op. cit., pp. 218-9.

68. Panfleto Europa Livre, The Soviet occupation of Poland, Londres, 1940, pp.
11-12. O Whitaker’s Almanac de 1946 calcula treze milhões (p. 947).

69. Strobe Talbott (ed.), Khrushchev remembers, Boston, 1970, p. 141.

70. Z. Stipulkowski, Invitation to Moscow, Londres, 1951, p. 26.

71. Conquest, op. cit., pp. 95-6, e sua obra The great terror, pp. 118, 430-1;
Dallin e Nicolaevsky, op. cit., p. 25; Alex Weissberg, Conspiracy of silence,
Londres, 1952, pp. 493-7; Margarete Buber, Under two dictators, Londres, 1949,
p. 167; Le procès Kravtchenko contre "Les Lettres Françaises”, Paris, 1949, p.
557.

72. Buber, op. cit., p. 298. Pense-se também na moça alemã comunista
encontrada por Elinor Lipper em Kolyma, cujo irmão tinha morrido em um
campo nazista semelhante (Eleven years in Soviet prison camps, Londres, 1951,
p. 185). Um judeu polonês no GULAG, em 1941: “Às vezes penso que, se
tivesse de escolher entre Pechorlag e o campo de concentração de Dachau,
escolheria Dachau” (Menahem Beguin, White nights: The story of a prisoner in
Rússia, Londres, 1978, p. 204).

73. Höhne, op. cit., p. 307.


74. Bethell, op. cit., pp. 145-7.

75. Stanislaw Kot, Conversations with the Kremlin and dispatches from Rússia,
Londres, 1963, p. 185; cf. Talbott (ed.), op. cit., pp. 144-5; Documents on
Polish-Soviet relations, I, p. 607. Cerca de quatrocentos mil judeus escaparam da
Polônia ocupada pelos soviéticos, e dentre eles pouco mais de quinze mil
tiveram permissão para deixar a União Soviética. (Malcolm J. Proudfoot,
European refugees: 1939-52, Londres, 1959, p. 59). Outra fonte estima o total
em seiscentos mil, dos quais quatrocentos e cinquenta mil “desapareceram” na
URSS (Documents on Polish-Soviet relations, I, pp. 607-8).

76. Dallin e Nicolaevsky, op. cit., pp. 30-4. Sobre o destino dos judeus na
Europa ocupada pelos soviéticos, consulte-se Lipper, op. cit., pp. 12 e segs.

77. Talbott (ed.), op cit., p. 141. A sra. Roberts os viu em 1939 voltando para
Przemysl através do San (relato de TS).

78. Gustav Herling, A world apart, Londres, 1951, pp. 166-8. Ver a denúncia do
general Keitel de 5 de dezembro de 1939 (R. J. Sontag e J. Beddie, eds., Nazi-
Soviet relations (Washington, 1948, p. 128). O simpatizante americano
Rockwell Kent aprovou a invasão da Polônia pelos soviéticos, dizendo que pelo
menos "aqueles judeus. . . estariam a salvo”! (David Caute, The fellow-
travellers: A postscript to the enlightenment, Londres, 1973, p. 186).

79. Ronald Hingley, Joseph Stalin: Man and legend, Londres, 1974, p. 297. Uma
versão soviética autorizada dos acontecimentos que levaram à conquista da
Polônia consegue evitar a discussão sobre as intrigas nazi-soviéticas usando o
método engenhoso de descrever as negociações anglo-francesas, antes da guerra,
com detalhes só em parte verdadeiros, e omitindo praticamente o papel da União
Soviética (Gromiko et al., eds., op. cit., III, pp. 759-814). A explicação soviética
para esse repugnante período de sua diplomacia é de que a URSS estava
perfeitamente a par das intenções agressivas da Alemanha em relação a ela, mas
não tinha outra alternativa senão assinar o pacto de não-agressão (o Protocolo
Secreto omitido, como de hábito). Os Homens Maus de Munique viram assim
frustrados seus objetivos de incitar a Alemanha e o Japão a atacar a União
Soviética amante da paz. Não é preciso dizer que foi anexada muita
documentação para provar essas afirmações (Gromiko et al., eds., CCCPe Eopèe
3a Mup HaKüHyne emopoü Mupoeoü eoÜHM, Moscou, 1971, pp. 15-15). Pelo
menos uma fonte soviética afirma que o pacto Molotov-Ribbentrop foi assinado
depois da invasão da Polônia pelos alemães! (A. S. Iakovlev, IJeAb )Ku3HU ,
Moscou, 1966, pp. 207-9). Na verdade, ficou estabelecido “que não há provas
das ... supostas tentativas dos britânicos para dirigir a expansão alemã para o
leste”. Os ingleses rejeitaram o Pacto Anti-Komintern e “deploraram a evidência
do atrito russo-alemão”. Seja como for, os russos estavam recebendo
informações do seu agente Richard Sorge, no Japão, segundo as quais os
preparativos de agressão de Hitler visavam o Ocidente e não a União Soviética
(Weinberg, The foreign policy of Hitler’s Germany, pp. 75-6, 104, 551-2).

VII. Desfrutando a pilhagem


1. Arthur Bryant, The turn of the tide 1939-1943, Londres, 1957, p. 472. No seu
programa de rádio de 3 de julho de 1941, Stalin afirmara que o pacto havia dado
à Rússia um tempo valioso (I. V. Stalin, CoHUHenuR-, Stanford, 1967, II [XV],
p. 4). Mas, por outro lado, sua memória o enganou: em 1939, havia definido o
exército francês como “digno de consideração” (Vojtetch Mastny, Russia’s road
to the cold war: Diplomacy, warfare, and the politics of communism, 1941-1943,
N. York, 1979, p. 26). É irônico o fato de que o plano mais realista do estado-
maior do Exército Vermelho de resistência ao ataque alemão em 1941 exigisse o
abandono de todos os territórios adquiridos por meio do pacto (Marechal S. S.
BiriuzovJCozda zpeMemi nyuiKbi, Moscou, 1961, pp. 11-12).

2. Roy Medvedev aceita a versão de Stalin dos fatos (Let history judge: The
origins and consequences of stalinism, N. York, 1971, pp. 440-2), assim como
Sir John Wheeler-Bennett (Munich: Prologue to tragedy, Londres, 1948, pp.
407-13).

3. Strobe Talbott (ed.), Khrushchev remembers, Boston, 1970, p. 129.

4. Barry A. Leach, German strategy against Rússia 1939-1941, Oxford, 1973,


pp. 1-20. Sobre as primeiras intenções de Hitler em sua política com a Rússia,
ver Kurt C. W. Lüdecke, I knew Hitler, Londres, 1938, pp. 422-3.

5. Gerhard L. Weinberg, Germany and the Soviet Union 1939-1941, Leiden,


1954, p. 93.

6. Gustav Hilger e Alfred G. Meyer, The incompatible allies: A memoir-history


of German-Soviet relations 1918-1941, N. York, 1953, pp. 286-7; A.
Avtorkhanov, “ 3aKyjiHCHaH HCTopHH naKTa ‘ PHÕ6eHTpon-MojioTOB ”,
KoHmuHeHm, 1975, IV, pp. 303-4.

7. Alfred Seidl (ed.), Die Beziehungen zwischen Deutschland und der


Sowjetunion 1939-1941, Tübingen, 1949, pp. 156-9; Hilger e Meyer, op. cit., pp.
316-7. O acordo foi renovado um ano depois (Weinberg, op. cit., p. 147).

8. Ibid., pp. 76-8; Seidl (ed.), op. cit., p. 390; FO 197/24853. A principal
contribuição soviética foi uma tentativa malograda para chantagear o almirante
Teige, encarregado da construção (Talbott [ed.], op. cit., p. 131; ver almirante N.
G. Kuznetsov, “ Flepefl boííhoh ”, OKmnõpb , 1965, n.° 11, pp. 143-4).

9. Seidl (ed.), op. cit., pp. 390-2; Raymond J. Sontag e James S. Beddie (eds.),
Nazi-Soviet relations 1939-1941, Washington, 1948, pp. 200, .332.

10. Weinberg, op. cit., pp. 150-1, 161, 170; Sontag e Beddie (eds.), op. cit., pp.
201, 236; Seidl (ed.), op. cit., p. 391; W. N. Medlicott, The economic blockade,
Londres, 1952, I, pp. 633-59. Em julho de 1941, os soviéticos forneceram aos
ingleses um completo resumo estatístico das importações feitas pela Alemanha
de matéria-prima russa durante o período do pacto. (ibid., pp. 667-71).

11. Gerhard Ritter, The sword and the sceptre: The problem of militarism in
Germany, Londres, 1973, IV, pp. 113, 119, 229.

12. Francis L. Loewenheim, Harold D. Langley e Manfred Thomas, Roosevelt


and Churchill: Their wartime correspondence, Londres, 1975, p. 91.

13. Allan Bullock, Hitler: A study in tyranny, Londres, 1952, p. 483.

14. Weinberg, op. cit., p. 75; cf. Max Beloff, The foreign policy of Soviet Rússia
1929-1941, Oxford, 1949, II, pp. 293-5.

15. Cf. Izvestia, 11 de janeiro de 1941, citado em Foreign relations of the United
States, Washington, 1941, I, pp. 123-4. Os soviéticos fizeram objeções enérgicas
ao bloqueio da Alemanha pelos ingleses em 25 de outubro e 11 de dezembro de
1939 (Jane Degras, ed., Soviet documents on foreign policy, Oxford, 1953, III,
pp. 386-8, 411-12).

16. Seidl (ed.), op. cit., p. 151. Consulte-se o artigo de Stalin no Pravda de 30 de
novembro de 1939 (Stalin, op. cit., I [XIV], p. 404).

17. William L. Shirer, Berlin diary, 1941, p. 208.

18. FO 371/24850, 45.

19. Hilger e Meyer, op. cit., p. 315.

20. Charles E. Bohlen, Witness to history 1929-1969, Londres, 1973, p. 96; ver
FO 371/23701, 252-99, 23702, 1-164, 305-7.

21. Weinberg, op. cit., pp. 75-85. No inverno de 1939-40, um navio quebra-gelo
soviético abriu o porto gelado de Lulea, no Báltico, para os alemães (Winston
Churchill, The gathering storm, Londres, 1948, p. 430). A “Basis Nord” foi
construída pelo trabalho escravo russo, homens emprestados aos nazistas pelo
GULAG (ver John Murray, A spy called Swallow, Londres, 1978, p. 139).

22. O Museu Anti-Komintern de Berlim foi fechado, e um filme sobre a Guerra


Civil Espanhola, que poderia ser ofensivo, foi retirado de circulação (Shirer, op.
cit., pp. 193-4, 228).

23. Em 1933, o comissário do Exterior, Litvinov, garantiu ao Ministério do


Exterior da Alemanha que a URSS “considera perfeitamente natural o fato de a
Alemanha tratar os comunistas em seu país exatamente como os inimigos do
Estado são tratados na Rússia” (John L. Heinemen, Hitler’s first foreign
minister: Constantin Freiherr von Neurath, diplomat and statesman, Los
Angeles, 1979, p. 99). Hilger e Meyer, op. cit., p. 311; Sontag e Beddie (eds.),
op. cit., pp. 88, 175, 177; Talbott (ed.), op. cit., p. 129; Robert Conquest, The
great tenor: Stalin’s purge of the thirties, Londres, 1968, p. 488; Medvedev, op.
cit., p. 443; Stanislaw Kot, Conversations with the Kremlin and dispatches from
Rússia, Londres, 1963, p. 160; Viktor Kravtchenko, I chose freedom, Londres,
1947, pp. 332-5; Z. Stipulkowski, Invitation to Moscow, Londres, 1951, p. 15;
Solomon Volkov (ed.), Testimony: The memoirs of Dmitri Shostakovich,
Londres, 1979, pp. 96-102. Stalin e Molotov denunciaram publicamente a causa
aliada e fizeram uma defesa razoável das ações de Hitler (Degras, ed., III, pp.
389, 406, 436-9). O epíteto pejorativo de “fascista” simplesmente desapareceu
da vida pública soviética (M. I. Gallai, “IlepBbiHÕOH Mbi BbiHrpajiH”,
Hoebiü Mup , 1966, n.° 9, pp. 24-5). É também interessante notar que o “passo
de ganso” prussiano, ainda usado pelas elites do Exército Vermelho, é uma
herança da aliança com a Alemanha nazista (ibid.). A Itália fascista já o havia
adotado em 1937 (Gerhard L. Weinberg, The foreign policy of Hitler’s
Germany: Starting World War II 1937-1939, Chicago, 1980, pp. 281-2).

24. W. G. Krivitski, I was Stalin’s agent, Londres, 1939, pp. 68-9; Aino
Kuusinen, Before and after Stalin, Londres, 1974, pp. 45-6.

25. Hugh Thomas, John Strachey, Londres, 1973, pp. 184-5. Consulte-se o
“argumento” de Archibald Robertson no Daily Worker (Bill Jones, The Rússia
complex: The British Labour Party and the Soviet Union, Manchester, 1977, p.
39; Henry Pelling, The British Communist Party: A historical profile, Londres,
1958, pp. 109-19), e os tortuosos malabarismos mentais dos professores Hyman
Levy e J. B. S. Haldane (Gary Werskey, The visible College: The collective
biography of British scientific socialists of the 1930s, N. York, 1978, pp. 264-5).

26. Pelling, op. cit., p. 40.

27. Weinberg, Germany and the Soviet Union, pp. 62-5. Alguns dias depois do
apelo de Hitler pela paz, o embaixador soviético Miski fez sondagens a respeito
junto ao governo inglês através de Eden (conde de Avon, The Eden memoirs:
The reckoning, Londres, 1965, p. 76). Em 6 de novembro, o Pravda denunciou a
continuação da guerra pelos franceses e ingleses como uma conspiração de
banqueiros e reacionários (A. Kazantsev, TpembH Ciuia: ucmopua. oõhoü
nonbimKu - Frankfurt, 1974, p. 68).

28. David Caute, The fellow-travellers: A PostScript to the enlightenment,


Londres, 1973, pp. 186-7, 189.

29. Robert E. Sherwood, Roosevelt and Hopkins: An intimate history, N. York,


1948, pp. 282, 303; Robert Huhn Jones, The roads to Rússia: United States lend-
lease to the Soviet Union, Oklahoma, 1969, p. 22. A tentativa do Komintern para
estrangular as linhas de suprimento do comércio britânico, induzindo os
marinheiros a desertarem dos navios, etc., foram em grande parte frustradas
pelos vigilantes líderes anticomunistas do sindicato dos trabalhadores americano
(Joseph E. Pérsico, Piercing the Reich, N. York, 1979, p. 102). Ver Stanislaw
Mikolajczyk, The pattern of Soviet domination, Londres, 1949, p. 10.

30. Jean van Heijenoort, With Trotsky in exile, Harvard, 1978, p. 117.

31. A. Rossi, Les communistes français pendant la drôle de guerre, Paris, 1951,
pp. 81-97. Os nazistas deram passagem a Thorez (ver Mikhail Koriakov, Vil
never go back, Boston, 1948, p. 150).

32. Rossi, op. cit., p. 103.

33. Ibid., p. 348.

34. Ibid., prancha IV.

35. Ibid., pp. 74-5.

36. Ibid., pp. 123-4.

37. Ibid., pp. 165-6, 190, 238-52, 334-6, 348-9.

38. Ibid., p. 380.

39. Ibid., pp. 228-33.

40. Talbott (ed.), op. cit., p. 134.

41. Cf. Shirer, op. cit., pp. 131, 342, 343, 365; Arthur Bryant, • The turn of the
tide 1939-1943, Londres, 1957, pp. 51-2; Robert Murphy, Diplomai among
warriors, Londres, 1964, pp. 53-4; Churchill, op. cit., pp. 436, 511-512.

42. Ver David J. Dallin, Soviet espionage, Yale, 1955, pp. 25-70. Em 1935, a
Federação Comunista dos Professores Franceses defendeu vigorosamente a nova
lei soviética que estendia a pena de morte a crianças de doze anos (Aleksandr
Orlov, The secret history of Stalin’s crimes, Londres, 1954, p. 53).

43. Ver Milovan Djilas, Wartime, N. York, 1977, pp. 4-5; Hugh Seton-Watson,
The pattern of communist revolution, Londres, 1953, pp. 201-4. O Partido
Comunista Dinamarquês também adiou a resistência aos alemães até depois da
invasão da Rússia por Hitler ((Beloff, op. cit., II, p. 325).

44. FO 800/276. Os órgãos de propaganda de Trotsky também eram contra o


apoio ao esforço de guerra dos franceses e ingleses (Leszek Kolakowski, Main
currents of marxism: Its origin, growth, and dissolution, Oxford, 1978, III, pp.
208-10).

45. Consultem-se as opiniões de G. Vereker (FO 371/23766, 80-3) e Fitzroy


Maclean (FO 371/24850, 388; FO 371/24855, 54). © próprio simpatizante
Kingsley Martin acabou aceitando essa opinião em abril de 1941 (FO 800/279).

46. Consulte-se também Medvedev, op. cit., pp. 442-4; Mastny, op. cit., pp. 25-
8; FO 371/66465. Sobre as violentas transmissões radiofônicas soviéticas
antibritânicas, ver FO 371/23678, 167-8, 184, 197, 222, 252-68, 304, etc.;
consulte-se também a opinião realista de Sir Lancelot Oliphant (ibid., 77).

47. John Edickson, “The Red Army before June 1941”, Soviet Affairs, Londres,
1962, III, pp. 105-9.

48. George F. Kennan, Memoirs 1925-1950, Boston, 1967, p. 520. Em 1937, o


ministro do Exterior britânico declarou que “a Polônia ia preferir lutar a permitir
que tropas alemãs passassem por seu território” para atacar os soviéticos
(Weinberg, The foreign policy of Hitler’s Germany, p. 208).

49. Malcolm Muggeridge (ed.), Ciano's diary 1939-1945, Londres, 1947, p. 170.

50. Seidl (ed.), op. cit., pp. 91, 120-1, 132, 133-42, 145; Sontag e Beddie (eds.),
op. cit., p. 107; Weinberg, Germany and the Soviet Union, pp. 48, 59-60.

51. Churchill, op. cit., pp. 345, 465. A versão soviética sobre a fuga de Orzel é
dada em Degras (ed.), op. cit., III, pp. 376-7.

52. “Estônia 1940-41”, The nineteenth century and after, Londres, 1946, p. 40;
ver Maria Hadow, Paying guest in Sibéria, Londres, 1978, p. 15. O estado
lamentável do Exército Vermelho na Polônia foi descrito a Hitler, com
consequências desagradáveis, dois anos depois (Albert Speer, Inside the Third
Reich, Londres, 1970, p. 169).

53. Seidl (ed.), op. cit., pp. 121, 122-3; Evald Uustalu, The history of the
Estonian people, Londres, 1952, pp. 238-40; The Baltic States 1940-1972,
Estocolmo, 1972, pp. 8-10; Communist takeover and occupation of Estônia:
Special report n.° 3 of the Select Committee on Communist Aggression,
Washington, 1955, pp. 6-8. O texto do tratado é dado em Nazi-Soviet conspiracy
and the Baltic States, Londres, 1958, pp. 39-41. Sobre as versões soviéticas dos
fatos (que não citam a existência do pacto nazi-soviético), consultem-se W. P. e
Zelda Coates, Rússia, Finland and the Baltic, Londres, 1940, pp. 48-63; Estônia
between the two world wars, Tallin, 1973, pp. 180-4. A versão soviética semi-
oficial é um sumário tendencioso do pacto, mas não menciona o protocolo
secreto. Tudo é justificado pela necessidade que a União Soviética tinha de
ganhar tempo e “cumprir seu dever para com o proletariado internacional, para
proteger a segurança do país do socialismo (A. A. Gromiko et al., eds.,
Mcmopun JJunnoMamusi-, Moscou, 1965, III, p. 798). A acreditar nesse ponto
de vista, parece que tudo o que a União Soviética fez foi, ipso facto, correto.
Uma doutrina muito conveniente.

54. Sobre o texto do tratado lituano e um comentário stalinista, ver W. P. e Z.


Coates, op. cit., pp. 63-73. Consulte-se também Seidl (ed.), op. cit., p. 123;
Alfreds Berzinsh, I saw Vishinsky Bolshvize Latvia, Washington, 1948, pp. 11-
14; Arveds Schwabe, The story of Latvia: A historical survey, Estocolmo, 1950,
pp. 49-50; The Baltic States 1940-1972, p. 19. O pretexto para a ausência de
bens de consumo na URSS ocupava um lugar considerável no repertório
soviético (ver Thomas, op. cit., p. 86).

55. Texto em W. P. e Z. Coates, op. cit., pp. 73-7. Ver V. Stanley Vardys,
Lithuania under the Soviets, N. York, 1965, p. 48; The Baltic States 1940-1972,
pp. 29-31.

56. Consultem-se a fotocópia e comentário em Agnis Balodis, Sovjets och


Natzitysklands uppgòrelse om de baltiska staterna, Estocolmo, 1978, pp. 36-7.

57. Inúmeros relatos sobre as condições na Lubianka foram preservados por


prisioneiros e guardas; ver Margarete Buber, Under two dictators, Londres,
1949, pp. 10,26-31; Anatoli Granovski, Ali pity choked: The memoirs of a
Soviet secret agent, Londres, 1955, pp. 76-9; Aino Kuusinen, Before and af.tr
Stalin, Londres, 1974; Unto Parvilahti, Beria’s gardens: Ten years captivity in
Rússia and Sibéria, Londres, 1959, pp. 24-8, 37-48; Peter Deriabin e Frank
Gibney, The secret world, Londres, 1960, pp. 135-42; Joseph Czapski, The
inhuman land, Londres, 1951, pp. 110-13, 118-23, 206-11; The memoirs of
Ivanov-Razumnik, Oxford, 1965, pp. 255 e segs., 292-302; Zoltan Toth, Prisoner
of the Soviet Union, Londres, 1978, pp. 87-91.

58. Ver Krivitski, op. cit., pp. 163-6; “A. I. Romanov”, Nights are longest there,
Londres, 1972, pp. 183-5.

59. Sobre Serov, consulte-se Talbott (ed.), op. cit., p. 115; G. A. Tokaev,
Comrade X, Londres, 1956, p. 324.

60. These names accuse: Nominal list of Latvians deported to Soviet Rússia in
1940-41, Estocolmo, 1951, pp. 15-16, 24, 41-8; K. Pelékis, Genocide:
Lithuania’s threefold tragedy, Alemanha, 1949, pp. 30, 273-8.

61. Adam B. Ulam, Stalin: The man and his era, Londres, 1974, p. 535; Svetlana
Alliluieva, Only one year, Londres, 1969, p. 369.

62. Churchill, op. cit., pp. 363-5, 434-5, 458, 550-2; Bryant, op. cit., p. 74. A
Estônia de antes da guerra estava sob influência britânica (Beloff, op. cit., II, p.
79).

63. Andrew Boyle, The climate of treason, Londres, 1979, p. 177; E. H.


Cookridge, The third man, Londres, 1969, pp. 19, 69-70; Observer, 2 de
dezembro de 1979; Gordon Brook-Shepherd, The storm petrels: The first Soviet
defensors, 1928-1938, Londres, 1977, pp. 172-80; David Dilks (ed.), The diaries
of Sir Alexander Cadogan, Londres, 1971, pp. 207-8. Outra fonte poderia ter
sido o “membro do Conselho Imperial da Defesa” de Krivitski (não
identificado): ver Richard Deacon, The British connection, Londres, 1979, p.
143.

64. Ver Herbert A. Grant Wilton, The Latvian Republic: The struggle for
freedom, Londres, 1965, pp. 58, 60-3, 69.

65. O relato mais completo da migração é feito pelo dr. Erhard Kroeger, Der
Auszug aus der alten Heimat, Tübingen, 1967; consulte-se também Seidl (ed.),
op. cit., p. 126; Heinz Höhne, The order of the death’s head, Londres, 1969, pp.
309-10; Nicholas Bethell, The war Hitler ivon, N. York, 1972, pp. 150-1;
Schwabe, op. cit., pp. 48-9. Os escritores stalinistas W. P. e Z. Coates afirmaram
desavergonhadamente que a questão estava “completamente fora de qualquer
acordo soviético-alemão”! (Rússia, Finland and the Baltic, pp. 88-9). W. P.
Coates foi o “incansável” secretário dos “Amigos da União Soviética” (Bill
Jones, The Rússia complex: The British Labour Party and the Soviet Union,
Manchester, 1977, p. 15).

66. Alliluieva, op. cit., p. 369.

VIII. Davi e Golias


1. Compare-se a afirmação de Stalin em 1935 (Roy A. Medvedev, On Stalin and
stalinism, Oxford, 1979, p. 76).

2. Max Jakobson, The diplomacy of the winter war, Cambridge, Mass., 1961, pp.
55-6, 99-100.

3. Elliot R. Goodman, The Soviet design for a world State, N. York, 1960, p.
337.

4. Jakobson, op. cit., pp. 19-93; Väinö Tanner, The winter war, Stanford, 1950,
pp. 3-21; Gerd R. Überschär, Hitler und Finland 1930-1941: Die Deutsch-
Finnischen Beziehungen während des Hitler-Stalin-Paktes, Wiesbaden, 1978,
pp. 42-60.

5. Gerhard L. Weinberg, Germany and the Soviet Union 1939-1941, Leiden,


1954, p. 87.

6. Strobe Talbott (ed.), Khrushchev remembers, Boston, 1970, p. 139.

7. Alfred Seidl (ed.) Die Beziehungen zwischen Deutschland und der


Sowjetunion, Tübingen, 1949, pp. 122, 121, 146-9, 153-4, 155, 264-5, 271;
Uberschär, op. cit., pp. 108-22.

8. Milovan Djilas, Conversations with Stalin, Londres, 1962, p. 140.

9. FO 371/236678, 88.

10. Conde de Avon, The Eden memoirs: The reckoning, Londres, 1965, p. 76.

11. Jakobson, op. cit., pp. 117-18, 141; Tanner, op. cit., pp. 27, 44.

12. “Molotov’s broadcast to the Soviet people”, The U.S.S.R. and Tinland, N.
York, 1939, p. 55.

13. Aino Kuusinen, Before and after Stalin, Londres, 1974, pp. 225-32; Roy A.
Medvedev, Let history judge: The origins and consequences of stalinism,
Londres, 1971, p. 309.

14. Louis Hagen (ed.), The Schellenberg memoirs, Londres, 1956, pp. 69-70;
Heinz Höhne, The order of the death’s head, Londres, 1969, pp. 260-5; Alfred
M. de Zayas, Die Wehrmacht-Untersuchungsstelle: Deutsche Ermittlungen üher
alliierte Völkerrechtsverletzungen im Zweiten Weltkrieg, Munique, 1980, pp.
34-6.

15. Eloise Engle e Lauri Paananen, The winter war, Londres, 1973, pp. 13-14;
Tanner, op. cit., pp. 85-7; Jakobson, op. cit., pp. 148-50; Überschär, op. cit., pp.
92-6. O professor Lukacs observa que Stalin tirou uma página do livro de Hitler
(The last European war: September 1939/ December 1941, Londres 1976, p. 65).
Sobre a versão soviética desse incidente, ver Jane Degras (ed.), Soviet
documents on foreign policy, Oxford, 1954, III, p. 401.

16. FO 371/24791, 29; William L. Shirer, Berlin diary, Londres, 1941, p. 209.
Muitos observadores estrangeiros compartilhavam essa opinião: consulte-se
Harold Nicholson, Diaries and letters 1939-1945, Londres, 1967, p. 47.

17. John Erickson, The road to Stalingrad, Londres, 1975, pp. 17-18.

18. N. N. Voronov, Ha CAyoKÕe eoenuou-, Moscou, 1963, pp. 136-7.

19. Talbott (ed.), op. cit., pp. 150-2.

20. Tanner, op. cit., pp. 89-91; Michael Parrish, “Command and leadership in the
Soviet Air Force during the Great Patriot War”, Aerospace Historian, 1979,
XXVI, p. 194.

21. David J. Dallin e Boris I. Nicolaevsky, Forced labor in Soviet Rússia,


Londres, 1948, p. 259.

22. Talbott (ed.), op. cit., p. 153.

23. Ibid., pp. 153-4. Em outra ocasião, um submarino soviético acidentalmente


afundou um cargueiro alemão (Gustav Hilger e Alfred G. Meyer, The
incompatible allies: A memoir-history of German-Soviet relations 1918-1941, p.
315.

24. Tadeusz Wittlin, Comissar. The life and death of Lavrenty Pavlovich Beria,
Londres, 1973, pp. 272-4; compare-se com o relato de uma testemunha ocular,
Mikhail Soloviev, My nine lives in the Red Army, N. York, 1955, pp. 174-5,
181; FO 371/24791, 7.
25. Engle e Paananen, op. cit., pp. 27, 47, 48; FO 371/24792, 152; FO
371/24795, 174.

26. Viktor Kravtchenko, I chose freedom, Londres, 1947, p. 344.

27. Robert Conquest, The great terror: Stalin’s purge of the thirties, Londres,
1968, pp. 484-92.

28. Erickson, op. cit., p. 14.

IX. A guerra não declarada


1. Finland: The criminal conspiracy of Stalin and Hitler, Londres, 1940, p. 26.

2. R. A. C. Parker, “Britain, France and Scandinavia”, History, 1976, LXI, pp.


269-79; Sir Llewellyn Woodward, British foreign policy in the Second World
War, Londres, 1962, pp. 16-26. Os alemães estavam, é claro, perfeitamente a par
desses planos aliados (Documents on German foreign policy 1918-1945,
Londres, 1956, series, D, IX, pp. 89-90).

3. Adam B. Ulam, Stalin: The man and his era, Londres, 1974, p. 521; Viktor
Kalnich, “ Ü3 McTOpHH CoBeTCKOH ArpeccHBHOH üojihthkh ”, <PaKmbi
u Mmcau , N. York, novembro de 1979, XV, p. 7; Strobe Talbott (ed.),
Khrushchev remembers, Boston, 1970, p. 155.

4. Roy A. Medvedev, Let history judge: The origins and consequences of


stalinism, Londres, 1971, pp. 445-6; Elliot R. Goodman, The Soviet design for a
world State, N. York, 1960, p. 389. O texto do tratado soviético-finlandês está
em Jean Degras (ed.), Soviet documents on foreign policy, Oxford, 1953, III, pp.
421-3, bem como o da objeção dos soviéticos em 20 de março à proposta aliança
defensiva escandinava (ibid., p. 424).

5. Max Jakobson, The diplomacy of the winter war, Cambridge, Mass., 1961, p.
254. Consulte-se a comparação feita por Eloise Engle e Lauri Paananen, The
winter war, Londres, 1973, p. 143.

6. Jakobson, op. cit., p. 254. Cerca de quatrocentos e quinze mil finlandeses


tiveram de abandonar seus lares (Malcolm Proudfoot, European refugees 1939-
52, Londres, 1957, p. 41).

7. Aleksandr Soljenitsin, Apxunenaz ryAaz 1918-1956: Otibim


XydoMcecmeenHOZo HccÂedoeanuA-, Paris, 1973-5, I, p. 88; Robert
Conquest, Kolyma: The Arctic death camps, Londres, 1978, p. 97.

8. Charles E. Bohlen, Witness to history, Londres, 1973, pp. 93-5; Jakobson, op.
cit., pp. 165-70. Um jurista soviético explicou mais tarde a legitimidade dessas
aventuras: “A URSS tem o direito de se defender alterando as fronteiras do país
que constitui uma ameaça para ela. A fim de garantir as fronteiras da URSS, o
problema territorial pode ser resolvido por meio de uma guerra justa, que é a
autodefesa do Estado socialista” (Goodman, op. cit., p. 308).

9. Jakobson, op. cit., pp. 210-15.

10. Väinö Tanner, The winter war, Stanford, 1957, p. 196; Bohlen, op. cit., p. 95.
Esta era a opinião do embaixador alemão em Moscou (Documents on German
foreign policy 1918-1945, series D, IX, p. 53) e do embaixador polonês em
Londres (Documents on Polish-Soviet relations 1939-1945, Londres, 1961, I, p.
339).

11. S. Talbott (ed.), op. cit., p. 155; BeAUKan omeHecmeeHHüH eoüna


CoeemcKOZO cotom 1941-1945, Moscou, 1967, pp. 46-7.

12. Tanner, op. cit., p. 259; FO 371/24794, 30.

13. Nikolai Tolstoy, Victims of Yalta, Londres, 1977, p. 396. Os prisioneiros


russos que caíram nas mãos dos alemães depois de 1941 podiam deduzir disso
tudo o que seria seu destino se voltassem para a URSS
(“N.N.N.”,Ha(f)poHmeiç4izodau e nneHy, eocnoMutuiHun epana-, Buenos
Aires, 1974, p. 75). Um folheto muito eficaz de propaganda finlandesa está no
FO 371/2491, 177. Uma testemunha ocular viu feridos da frente de batalha
isolados sob guarda nos hospitais de Sverdlovsk (FO 371/24850, 207); ver “A. I.
Romanov”, Nights are longest there: Smerch from the inside, Londres, 1972, pp.
27-8; Menahem Beguin, White nights: The story of a prisoner in Rússia,
Londres, 1978, p. 186. Seu destino era, em geral, os campos de trabalho de
Petchora (Mikhail Rozanov, 3aeoeeameAU õeAbix tiHmeu, Limburg, 1951, p.
246).
14. Um prisioneiro de Arkhanguelsk conta como foi assaltado na rua por um
comissário (Engle e Paananen, op. cit., p. 98).

16. FO 371/24850, 185-208. O capitão Tamplin conhecia bem a Rússia, pois


tinha vivido e trabalhado lá antes da Revolução (informação que me foi
fornecida pelo coronel Tamplin, em 1937). Charles Bohlen, na embaixada dos
Estados Unidos em Moscou, notou também o desânimo, a impotência e o
descontentamento dos russos nessa época (Bohlen, op. cit., p. 94). Compare-se
também o sombrio depoimento de um coronel do Exército Vermelho preso pelos
finlandeses (Engle e Paananen, op. cit., pp. 102-4). O relatório de Tamplin e
Gatehouse confirma as estimativas do Ministério do Exterior feitas no ano
anterior (FO 371/23684, 257-83; FO 371/23687, 258-85).

17. Mikhail Soloviev, My nine lives in the Red Army, N. York, pp. 192-9.

18. Boris Bajanov, Bajanov révèle Staline, Paris, 1979, pp. 263-8; Gordon
Brook-Shepherd, The storm petrels: The first Soviet defectors, 1928-1938,
Londres, 1977, p. 246.

19. Documents on German foreign policy 1918-1945, series D, IX, p. 400. Em 8


de março, o governo baixou um decreto ordenando que todos os que possuíssem
ferro velho deviam entregá-lo ao Estado (William L. Shirer, Berlin diary,
Londres, 1941, p. 233).

20. FO 371/24846, 100-7; ver FO 371/23678, 285-7.

21. Woodward, op. cit., pp. 28-32; History, LXVI, pp. 380-2.

22. FO 371/24850, 5-10.

23. FO 371/24846, 143, 145-6.

24. Constance Babington Smith, Evidence in camera: The story of photographic


intelligence in World War II, Londres, 1958, pp. 129-31; AIR 24/819; AIR
34/717; FO 371/24847, 86-142; CAB 100/3; ver FO 371/66481. Cópias do
relatório de reconhecimento foram enviadas ao estado-maior francês e caíram
nas mãos dos alemães quando entraram em Paris, em junho de 1940 (FO
371/24850, 25-36). Eles, por sua vez, passaram-nas para Moscou. Em agosto,
Molotov afirmou que, “no fim de março, dois aviões estrangeiros vindos do Irã
haviam sobrevoado Baku”. Isso foi negado de maneira pouco convincente pelo
Irã, cujo espaço aéreo fora violado (ibid., 46-7).

25. FO 371/24852, 41-7.

26. David Irving, Hitler’s war, Londres, 1977, p. 835.

27. René Girault, “Les relations franco-soviétiques après septembre 1939”,


Cahiers du Monde Russe et Soviétique, Paris, 1976, XVII, p. 37. Parece não
haver muita base na afirmação de David Irving de que “a Turquia concordara
com a saída de aviões franceses da Síria para bombardear os campos petrolíferos
russos no Cáucaso” (Irving, op. cit., p. 141); ver Max Beloff, The foreign policy
of Soviet Rússia 1929-1941, Oxford, 1949, II, pp. 301-2.

28. John Lukacs, The last European war: September 1939/December 1941,
Londres, 1976, p. 71. Lukacs critica injustamente o relatório do estado-maior,
que é claramente cético.

29. Comparem-se as observações de Robert Boothby e de um erudito francês em


meados de março: Nigel Nicolson (ed.), Harold Nicolson: Diaries and letters
1939-1945, Londres, 1967, pp. 62, 63.

X. Murmúrios na floresta
1. Sir Llewellyn Woodward, British foreign policy in the Second World War,
Londres, 1962, pp. 29-31.

2. GO 371/24850, 71.

3. Sou grato ao professor Theodor Oberländer e ao dr. Ehrenfried Schütte por me


oferecerem detalhes de seu trabalho na unidade alemã de Bergmann no Cáucaso,
em 1942, e depois na Crimeia, em 1943. As populações nativas dessas duas
regiões eram ferozmente anti-soviéticas, receberam com alegria as forças de
ocupação e auxiliaram ativamente a combater as tentativas de infiltração do
Exército Vermelho. Não há razão para supor que os exércitos britânicos ou
franceses houvessem recebido uma recepção mais hostil.

4. FO 371/24850, 3-4, 332-63; FO 371/23678, 186-8. Diziam que os


nacionalistas da Geórgia estavam prontos a receber muito bem uma invasão
aliada (FO 371/24855, 125-49). É interessante notar que o Ministério do
Exterior, mais tarde, considerou a possibilidade de sabotar os poços de petróleo,
no momento em que se temia o colapso soviético, imediatamente após a invasão
de junho de 1941. Fitzroy Maclean foi mais uma vez considerado como
candidato possível, e houve muita discussão sobre a conveniência de ser aceita a
cooperação soviética (FO 371/29594, 18-21, 27, 78; FO 371/29590, 3-4). Max
Beloff, The foreign policy of Soviet Rússia 1929-1941, Oxford, 1949, II, p. 48.
Em 29 de março, Molotov publicamente expressou sua apreensão pela “extensa
e suspeita atividade... na criação de exércitos anglo-franceses, principalmente
coloniais, comandados pelo general Weygand” (Jane Degras, ed., Soviet
documents on foreign policy, Oxford, 1953, III, p. 447).

5. FO 371/24850, 23.

6. Recalled to service: The memoirs of general Maxime Weygand, Londres,


1952, p. 40. O jovem e enérgico general Massier deveria comandar a expedição
(ibid., pp. 15-17).

7. FO 371/24846, 143. Em 13 de abril, Molotov disse a Von Schulenburg que a


URSS esperava um ataque da marinha inglesa no mar Negro, e pediu uma
remessa de minas magnéticas alemãs (Documents on German foreign policy
1918-1945, Londres, 1956, series D, IX, pp. 151-2).

8. Bill Jones, The Rússia complex: The British Labor Parly and the Soviet
Union, Manchester, 1911, pp. 45, 108, 166; David Caute, The fellow-travellers:
A PostScript to the enlightenment, Londres, 1973, pp. 93, 183, 274, 282.
Zilliacus era também suspeito de estar envolvido com a Alemanha Oriental
(Richard Deacon, The British connection, Londres, 1979, p. 235).

9. NA, RG 84, box 42. Em 1937, Zilliacus estava em contato com o agente
Rado, do NKVD (Sandor Rado, Codename Dora, Londres, 1977, p. 12).

10. Le procès Kravtchenko contre "Les Lettres Françaises”, Paris, 1949, p. 291.

11. O general-de-divisão Sir Guy Salisbury, então oficial britânico de ligação no


QG de Weygand, confirmou essa informação.

12. A. Rossi, Les communistes français pendant la drôle de guerre, Paris, 1951,
pp. 192-5. Simpatizantes britânicos, como os Webb, Bernard Shaw e Sybil
Thorndike, foram atraídos para a campanha (Caute, op. cit., p. 192).

13. A respeito dos temores dos soviéticos sobre esse assunto, consulte-se G. A.
Tokaev, Comrade X, Londres, 1956, p. 150.

14. Cf. Milovan Djilas, Wartime, N. York, 1977, p. 69; Adam B. Ulam, Stalin:
The man and his era, Londres, 1974, p. 280.

15. Ibid., p. 479.

16. Cf. Aleksandr Nekritch, HaKü3ahHbie Hapodbi-, N. York, 1978, pp. 96-
108.

17. FO 371/24846, 272-4.

18. Alfred Seidl (ed.), Die Beziehungen zwischen Deutschland und der
Sowjetunion 1939-1941, Tübingen, 1949, pp. 158, 170-1, 174-6; Gustav Hilger e
Alfred G. Meyer, The incompatible allies: A memoir-history of German-Soviet
relations 1918-1941, N. York, 1953, pp. 315-16; Gerhard L. Weinberg, Germany
and the Soviet Union 1939-1941, Leiden, 1954, pp. 90-1.

19. Ibid., p. 97.

20. Donald Macintyre, The naval war against Hitler, Londres, 1971, pp. 26-34;
T. K. Derry, The campaign in Norway, Londres, 1952, pp. 36-52.

21. Ibid., pp. 78, 144. “Assim, a situação um mês depois da invasão da Noruega
pelos alemães. .. podia ser definida como um desapontamento” (ibid., p. 170).
Depois dos primeiros desembarques britânicos em Harstad e Namsos, “a crise
militar levou Hitler à beira de um colapso nervoso” (David Irving, Hitler’s war,
Londres, 1977, p. 98).

22. Seidl (ed.), op. cit., pp. 179-80.

23. Weinberg, op. cit., pp. 81-2; Derry, op. cit., pp. 44, 45, 158-9; Documents on
German foreign policy 1918-1943, series D, IX, p. 135.

24. Hugh Thomas, John Strachey, Londres, 1973, pp. 191-2. Strachey não
concordou com a atitude favorável aos alemães do Partido.
25. Rossi, op. cit., pp. 191-2.

26. Gordon Brook-Shepherd, The storm petrels: The first Soviet defectors, 1928-
1938, Londres, 1977, pp. 179-80. Uma cooperação semelhante entre os serviços
secretos alemão e soviético existia também nos Estados Unidos (Allen
Weinstein, Perjury: The Hiss-Chambers case, Londres, 1978, p. 328). Foi o
temor dos efeitos dessa cooperação no começo da guerra, em 1939, que levou
Whittaker Chambers a informar sobre as atividades do Partido Comunista nos
Estados Unidos (Whittaker Chambers, Witness, Londres, 1953, pp. 317-8). Ele
já tomara conhecimento da profunda simpatia dos comunistas por “um grande
grupo de membros do Partido Nazista” (ibid., p. 228).

27. FO 371/24846, 243.

28. The Times, 20 de abril de 1940.

29. Derry, op. cit., p. 145.

30. Woodward, op. cit., p. 7.

31. George Urban, “A conversation with Milovan Djilas”, Encounter, dezembro


de 1979, LIII, p. 21.

32. Seidl (ed.), op. cit., p. 120.

33. Jacques Mordal, La campagne de Norvège, Paris, 1949, pp. 45-7; R. A. C.


Parker, “Britain, France and Scandinavia”, History, 1976, LXVI, p. 376.

34. Derry, op. cit., pp. 163, 193; Zygmunt Litinski, I was one of them, Londres,
1941, pp. 74-7, 84-8, 91-2; FO 371/24796, 154-64. Foi proposto também que
fossem recrutados poloneses que haviam fugido das forças de ocupação
soviéticas para os países bálticos (ibid.); em 1940, as autoridades soviéticas
levaram muitos deles para os campos do GULAG (Z. Stipulkowski, Invitation to
Moscow, Londres, 1951, p. 241). Durante a invasão em 1939, o Exército
Vermelho aparentemente recebera instruções para não permitir a fuga da Polônia
de oficiais poloneses (Nicholas Bethell, The war Hitler won, N. York, 1972, pp.
314-15).

35. FO 371/24850, 1-2, 22-4. Em 6 de fevereiro de 1940, um 'detalhado aide-


mémoire militar polonês informava aos franceses que as forças polonesas
podiam ser usadas na Finlândia e que nacionalistas exilados ucranianos e
caucasianos podiam cooperar com os poloneses em atividades militares e
políticas contra o poder soviético. "Cette question contient en germe de très
grandes possibilités politiques et militaires. La formation en Syrie d’une unité
mixte Ukrainienne et Caucasienne serait fort désirable. Cette unité aurait pour
but la lutte avec Toppresseur soviétique.” Esses projetos continuaram a ser
discutidos nos meses de março e abril. (Instituto Histórico Sikorski, A. 12, 851
b/5. Sou grato ao capitão W. Milewski pelas fotocópias desses documentos.) Ao
mesmo tempo, estavam sendo realizadas negociações entre a organização de
russos exilados do NTS, por um lado, e o general Weygand e Alexis Léger do
Ministério do Exterior, por outro, com a finalidade de conduzir operações
subversivas dentro da URSS. Conversações semelhantes tiveram lugar em
Londres entre o representante do NTS e funcionários do Ministério de Economia
de Guerra. (Informação gentilmente cedida pelo dr. V. Poremski, representante
em 1940 do NTS em Paris.)

36. FO 371/29595, 25-93. Em 24 de setembro de 1941, o general Sikorski


sugeriu que a defesa dos campos petrolíferos do Cáucaso fosse entregue aos
poloneses (FO 954/19, 386).

37. The dark side of the Moon, Londres, 1946, pp. 52-7; Herman Raschhofer,
Political assassination: The legal background of the Oberländer and Stashinsky
cases, Tübingen, 1964, p. 205; Maria Hadow, Paying guest in Sibéria, Londres,
1961, p. 16.

38. Louis FitzGibbon, Katyn: A crime without parallel, Londres, 1971, pp. 33-
51.

39. A prova de que Stalin temia a revolução infinitamente mais do que a guerra
aparece em todo esse livro. Para mais um exemplo esclarecedor, podemos nos
lembrar do sequestro do general russo-branco Miller pelo NKVD, em Paris, no
mês de setembro de 1937. O sequestro deveria provocar grande revolta na
França, especialmente em vista da reação ao sequestro do general Kutiepov em
1930 (cf. Geoffrey Bailey, The conspirators, Londres, 1961, pp. 101-2). Isso
ocorreu quando Litvinov tentava desesperadamente organizar uma política
franco-soviética de intervenção na Espanha e de resistência a Hitler! (Beloff, op.
cit., 11,88-102). Evidentemente os conspiradores russos-brancos eram mais
importantes entre as prioridades de Stalin.
40. FitzGibbon, op. cit., p. 54. O general Weygand devia parecer uma figura
muito ameaçadora para o NKVD, pois era um membro importante do Comitê
d’Honneur da organização anti-soviética Société des Amis de la Russie
Nationale.

41. Ibid., pp. 136, 137, 141.

42. Louis FitzGibbon, Unpitied and unknown, Londres, 1975, pp. 317, 319, 359,
362, 364. Seria essa sede do clube igual à do “sindicato dos trabalhadores em
Gniezdovo”, onde eram realizadas orgias do Partido no fim dos anos 30? Cf.
Merle Fainsod, Smolensk under Soviet rule, Londres, 1958, p. 60.

43. Harold Nicolson, Diaries and letters 1939-1945, Londres, 1967, p. 291.

44. FitzGibbon, Katyn: A crime without parallel, pp. 183-4.

45. FitzGibbon, Unpitied and unknown, pp. 440-1.

46. Lennard D. Gerson, The secret police in Lenin's Rússia, Filadélfia, 1976, pp.
153-4.

47. Joseph Czapski, The inhuman land, Londres, 1951, pp. 35-6. Esse relato
parece sugerir que os prisioneiros foram atrasados propositadamente en route,
parando no campo de trânsito, pois o mar Branco normalmente não fica
congelado antes de maio.

48. Roy A. Medvedev, Let history judge: The origins and consequences of
stalinism, N. York, 1971, p. 13.

48. Autobiografia datilografada gentilmente emprestada pela autora, sra. Lucy


Roberts, que foi informada sobre essa prática por um marinheiro que conheceu
quando era prisioneira em Aya-Guz.

50. “A. I. Romanov”, Nights are longest there: Smerch from the inside, Londres,
1972, pp. 136-9. Aparentemente, o comandante do NKVD em Katin era o
coronel Pogrebnoi (Anatoli Granovski, Ali pity choked: The memoirs of a Soviet
secret agent, Londres, 1955, p. 229). O professor Swianiewicz o descreve como
“alto, forte, de meia-idade, com cabelos escuros e rosto corado” (FitzGibbon,
Katyn: A crime without parallel, p. 67).
51. Stalin acreditava ser eficaz o método que consistia em restringir a liderança
das nações, pois via o povo como uma massa informe. Como se sabe, ele propôs
a Churchill e a Roosevelt, em 1943, a liquidação de cinquenta mil oficiais
alemães de alta patente para eliminar a força militar germânica. Churchill ficou
chocado, e Roosevelt divertiu-se com a proposta (Winston Churchill, Closing the
ring, Londres, 1952, p. 330).

52. Seidl (ed.), op. cit., p. 181.

53. Quando os alemães começaram a exumar os corpos da vala comum, em abril


de 1943, foi visto um avião de reconhecimento russo sobrevoando o local
(FitzGibbon, Unpitied and unknown, p. 359).

54. Ibid., pp. 18, 43, 213, 464. O professor Mastny apresenta objeções às
explicações sobre Katin: Vojtetch Mastny, Russia’s road to the cold war:
Diplomacy, warfare, and the politics of communism, 1941-1945, N. York, 1979,
p. 28.

55. FitzGibbon, op. cit., pp. 38-40, e seu livro: A crime without parallel, pp. 53-
7.

56. History, LXVI, pp. 382-3. Sobre a reserva dos britânicos em agir contra a
URSS (não revelada aos franceses), ver David Dilks (ed.), The diaries of Sir
Alexander Cadogan, Londres, 1971, p. 265.

57. E. H. Cookridge, The third man: The truth ahout “Kim” Philby, double
agent, Londres, 1968, pp. 71-3.

58. Andrew Boyle, The climate of treason: Five who spied for Rússia, Londres,
1979, pp. 145, 169, 184. Agradeço ao sr. Boyle pela informação detalhada sobre
o assunto.

XI. Amigos e vizinhos


1. FO 371/23678, 298-301. Ver Malcolm Muggeridge (ed.), Ciano's diary 1939-
1943, Londres, 1947, pp. 179, 180, 192, 197; Max Jakobson, The diplomacy of
the winter war: An account of the Russo-Finnish conflict 1939-1940, Harvard,
1961, pp. 187-9.

2. Max Beloff, The foreign policy of Soviet Rússia 1929-1941, Oxford, 1949, II,
p. 308; Jane Degras (ed.), Soviet documents on foreign policy, Oxford, 1953, III,
pp. 412-15.

3. Jakobson, op. cit., pp. 190-7; Robert Dallek, Franklin D. Roosevelt and
American foreign policy 1932-1945, N. York, 1979, pp. 208-15; Robert E.
Sherwood, Roosevelt and Hopkins: An intimate history, N. York, 1948, pp. 137-
8; é interessante ler as citações de outra parte desse discurso, que habilmente
invertem suas intenções, feitas por um moderno “historiador revisionista”: E. P.
King, The new internationalism: Allied policy and the European peace 1939-
1945, Newton Abott, 1973, pp. 25-6.

4. Alfred Seidl (ed.), Die Beziehungen zwischen Deutschland und der


Sowjetunion 1939-1941, Tübingen, 1949, pp. 146-8, 153-4; Väinö Tanner, The
winter war: Finland against Rússia 1939-40, Stanford, 1950, pp. 117-23, 144 (cf.
p. 178); Gerhard L. Weinberg, Germany and the Soviet Union 1939-41, Leiden,
1954, pp. 88-90, 97, 100, 174-5; Jakobson, op. cit., pp. 184-7.

5. R. J. Sontag e J. S. Beddie (eds.), Nazi-Soviet relations 1939-1941,


Washington, 1948, pp. 130-1.

6. William L. Shirer, Berlin diary: The journal of a foreign correspondem 1934-


1941, Londres, p. 203.

7. Documents on German foreign policy 1918-1945, Londres, 1956, series D,


IX, pp. 412-14.

8. Seidl (ed.), op. cit., pp. 178-9, 181. O antigo cáiser congratulou-se com Hitler
no mesmo dia (Documents on German foreign policy, series D, IX, p. 598).

9. A. Rossi, Les communistes français pendant la drôle de guerre, Paris, 1951, p.


348. O Partido Comunista Britânico tentou minar a resistência dos ingleses, mas
só conseguiu com isso perder milhares de membros. Obstinados adeptos da linha
do Komintern, como “Claud Cockburn” (Frank Pitcairn), defendiam,
praticamente isolados, o princípio de “não abandonar o regimento quando ele
está sob fogo” (Henry Pelling, The British Communist Party: A historical
profile, Londres, 1958, p. 114).
10. I. V. Stalin, CoHuneHua., Stanford, 1967, II (XV), pp. 14-15; ver John
Lukacs, The last European war: September 1939/ December 1941, Londres,
1976, pp. 293-4.

11. The memoirs of general the Lord Smay, Londres, 1960, p. 234; FO
371/29607, 11-12, 15-22, 27-8 (“esses soldados foram muito maltratados nas
prisões russas”: 23); FO 371/32981, 27; Tadeusz Wittlin, A reluctant traveller in
Rússia, Londres, 1952, pp. 59-61. Um inglês chamado Hamilton Gold estava na
prisão Zhoutilki no verão de 1939 (Le procès Kravtchenko contre "Les Lettres
Françaises”, Paris, 1951, p. 559).

12. V. Stanley Vardys, Lithuania under the Soviets: Portrait of a nation, 1940-
63, N. York, p. 49.

13. The Baltic States 1940-1972, Estocolmo, 1972, p. 31.

14. I. V. Stalin, op. cit., II (XV), p. 5.

15. Documents on German foreign policy, series D, pp. 474-5, 548-50, 561, 572-
3, 582-3; Vardys, op. cit., pp. 49-52; K. Belékis, Genocide: Lithuania’s threefold
tragedy, Alemanha, 1949, pp. 38-40; Agnis Balodis, Sovjets och Nazitysklands
uppgórelse om de bàltiska staterna, Estocolmo, 1978, pp. 44-6. A nota soviética
de 14 de junho está em Degras (ed.), op. cit., III, pp. 453-5.

16. Ibid., III, pp. 455-6; Documents on German foreign policy, series D, IX, pp.
574-5; Alfreds Berzinsh, I saw Vishinsky bolshevize Latvia, Washington, 1948,
pp. 15-24; Arveds Schwabe, The story of Latvia: A historical survey, Estocolmo,
1950, pp. 54-6; Balodis, op. cit., pp. 46-7. O próprio Stalin ajudou a acalmar os
temores dos lituanos antes do ataque: cf. Joseph Czapski, The inhuman land,
Londres, 1951, p. 211.

17. Documents on German foreign policy, series D, IX, pp. 581, 589;
Communists takeover and occupation of Estônia: Special report n.° 3 of the
Select Committee on Communist Aggression, Washington, 1955, pp. 8-9; Evald
Uustalu, The history of the Estonian people, Londres, 1952, pp. 240-1; Nazi-
Soviet conspiracy and the Baltic States, Londres, 1948, pp. 46-8.

18. Estônia between the two world wars, Tallin, 1973, pp. 184-5.

19. “Estônia 1940-41”, The Nineteenth Century and After, 1946, p. 40.
20. Documents on German foreign policy, series D, IX, pp. 577-80, 687-8.

21. Esses documentos estão nos arquivos do consulado geral da Estônia em


Nova York, ao qual agradeço o fornecimento de cópias fotostáticas. Sobre o
destino semelhante de um ministro lituano, ver Czapski, op. cit., pp. 207-8.

22. Roy A. Medvedev, Let history judge: The origins and consequences of
stalinism, Londres, 1972, p. 216.

23. Documents on German foreign policy, series D, IX, p. 268. Jdanov tentava
aparentemente conseguir a posição de Gauleiter no Báltico desde 1936 pelo
menos; cf. Max Beloff, The foreign policy of Soviet Rússia 1929-1941, Oxford,
1949, II, p. 78.

24. Robert Conquest, The great terror: Stalin’s purge of the thirties, Londres,
1968, p. 428.

25. Rolfs Ekmanis, Latvian literature under the Soviets 1940-1975, Belmond,
Mass., 1978, p. 51.

26. Berzinsh, op. cit., pp. 41-3.

27. Viktor Kravtchenko, I chose freedom, Londres, 1947, p. 344.

28. The Nineteenth Century and After, CXXXIX, p. 41.

29. Berzinsh, op. cit., pp. 52-3. Um historiador soviético declara que, “na
realidade, o domínio soviético foi estabelecido pacificamente, sem o
derramamento de sangue de um conflito armado” (I. A. Stheiman, TaKmuKa
KoMnapmuu. Jlameuu e coi^uatiucmuHecKoü peeontovpuu 1940 zoda, Riga,
1977, p. 44).

30. Pelékis, op. cit., pp. 42-58. Os assassinos vivem aposentados na União
Soviética. Um certo Juozas Vildziunas, do NKVD lituano, publicou
orgulhosamente suas memórias sobre as atividades em 1940: “Rudasis
lagaminas”, Svyturys, Vilnius, agosto de 1968, pp. 20-2. Consulte-se também
The dark side of the Moon, Londres, 1946, pp. 50-2.

31. Ibid., p. 52; Gustav Herling, A world apart, Londres, 1951, p. 168. A
necessidade constante de renovação da força de trabalho escravo do GULAG
(David J. Dallin e Boris I. Nicolaevsky, Forced labor in Soviet Rússia, Londres
1948, p. 104; Rozanov, 3aeoeeamenu õenbix namen-, Limburg, 1951, p. 274)
pode explicar os sequestros, mas não os assassinatos e as torturas.

32. Seidl (ed.), op. cit., p. 91.

33. Documents on German foreign policy, series D, IX, pp. 396-7, 415-16, 419,
466-70.

34. Seidl (ed.), op. cit., pp. 182-7, 189-92. Em 23 de junho, o Izvestia publicou
uma declaração oficial acentuando o fato de que “as relações de boa vizinhança.
.. entre a URSS e a Alemanha. .. não se baseiam em considerações oportunistas
de caráter transitório, mas nos interesses políticos fundamentais da URSS e da
Alemanha” (Degras, op. cit., III, p. 457).

35. FO 371/29498, 32-5.

36. Ruta U., Dear God, I wanted to live, N. York, 1978, pp. 77, 84.

37. Albert Konrad Herling, The Soviet slave empire, N. York, 1951, p. 113;
Dallin e Nicolaevsky, op. cit., p. 265; Vladimir Petrov, My retreat from Rússia,
Yale, 1950, pp. 204, 222-3; John A. Armstrong, Ukrainian nationalism, N. York,
1955, p. 72.

38. Por exemplo, Adam B. Ulam, Stalin: The man and his era, Londres, 1974,
pp. 524-5; Vardis, op. cit., pp. 48-9.

39. Sontag e Beddie (eds.), op. cit., pp. 148, 153-4.

40. Pelékis, op. cit., p. 40.

41. FO 371/29498, 34-5.

42. Ekmanis, op. cit., pp. 66-7. Muito tempo depois de a propaganda soviética
ter afirmado que a anexação fora uma medida preventiva contra a Alemanha,
Khrushchev lembrava-se da atmosfera da época. “Na opinião dele, se houvesse
uma guerra em larga escala, e se a Inglaterra, França ou Alemanha procurassem
nos invadir, tentariam usar os territórios da Lituânia, Letônia e Estônia como
base de preparativos” (Strobe Talbott (ed.), Khrushchev remembers, Boston,
1970, p. 149). A ordem é significativa.
43. A opinião de Stalin representava uma política soviética em prática havia
muito tempo. Em 1932, Radek advertira: “Se a capital da Entente, depois de
destroçar a Alemanha, estabelecer sua hegemonia sobre esse país nas costas dos
trabalhadores alemães conquistados, isso significará o maior perigo para a União
Soviética” (Lionel Kochan, Rússia and the Weimar Republic, Londres, 1954, p.
83).

XII. Preparando-se para a ação


1. James F. Byrnes, Ali in one lifetime, Londres, 1960, p. 383.

2. Documents on German policy, Londres, series D, IX, pp. 379-83.

3. Max Beloff, The foreign policy of Soviet Rússia 1929-1941, Londres, 1949,
II, pp. 330-1, 335, 341-2; Gerd R. Überschär, Hitler und Finland 1939-1941: Die
Deutsch-Finnischen Beziehungen während des Hitler-Stalin-Paktes, Wiesbaden,
1978, pp. 179-99.

4. Alfred Seidl (ed.), Die Beziehungen zwischen Deutschland und der


Sowjetunion 1939-1941, Tübingen, 1949, pp. 193-4, 198, 199, 203-4, 212.

5. Ibid., pp. 200-18.

6. Ibid., pp. 218-29.

7. F. H. Hinsley, Hitler's strategy, Cambridge, 1951, pp. 89-95, 116-19, 123-30;


David Irving, Hitler's war, Londres, 1977, pp. 133-51.

8. Seidl (ed.), op. cit., pp. 229-97; Paul Schmidt, Hitler’s interpreter, Londres,
1951, pp. 209-20; Gustav Hilger e Alfred G. Meyer, The incompatible allies: A
memoir-history of German-Soviet relations 1918-1941, N. York, pp. 321-4;
Gerhard L. Weinberg, Germany and the Soviet Union 1939-1941, Leiden, 1954,
pp. 140-4; Irving, op. cit., pp. 178-80; V. M. Berejkov, C dunnoMamuHecKoü
Muccueü e EepAUH 1940-1941, Moscou, 1966, pp. 22-48.

9. Seidl (ed.), op. cit., pp. 298-302; Irving, op. cit., pp. 181-93. No dia 12 de
dezembro de 1940, o embaixador Dekanov deu a Ribbentrop uma fotografia
autografada de Stalin (Documents on German foreign policy 1918-1945,
Londres, 1961, op. cit., p. 291).

10. Hilger e Meyer, op. cit., p. 291.

11. Stalin contou a história a Churchill em 1942 (Winston S. Churchill, Their


finest hour, Londres, 1949, p. 518). Mas compare-se o comentário irônico de
Adam B. Ulam, Stalin: The man and his era, Londres, 1974, p. 527.

12. Schmidt, op. cit., p. 210.

13. Hilger e Meyer, op. cit., p. 326.

14. FO 371/29480, 23-8.

15. Seidl (ed.), op. cit., p. 372.

16. Ibid., pp. 372-3.

17. Cripps foi um dos poucos observadores estrangeiros a perceber que Stalin, de
modo geral, temia mais a vitória da Inglaterra do que da Alemanha (Sir
Llewellyn Woodward, British foreign policy in the Second World War, Londres,
1962, pp. 144-50).

18. Seidl (ed.), op. cit., pp. 302-98; Beloff, op. cit., II, pp. 355-84.

19. A. M. Nekritch, 1941: 22 Hkjhh, Moscou, 1965, pp. 120-1.

20. Churchill, The Grand Alliance, Londres, 1950, pp. 319-23.

21. Raymond J. Sontag e James S. Beddie (eds.), Nazi-Soviet relations 1939-


1941, Washington, 1948, p. 328.

22. Bertram D. Wolfe, Khrushchev and Stalin’s ghost, N. York, 1957, pp. 164-8.

23. F. W. Deakin e G. R. Storry, The case of Richard Sorge, N. York, 1966, pp.
228-31; Nekritch, op. cit., pp. 117-19.

24. Ibid., pp. 115-16.

25. Hcmopun BenuKoü OmenecmeeHHOÜeoÜHbi CoeemcKozo Coto3a 1941-


1945, Moscou, 1965, VI, p. 135.

26. Nekritch, op. cit., pp. 126-41.

27. Hilger e Meyer, op. cit., pp. 331-2.

28. A. I. Tchugunov (ed.), TIozpaHUHHbie Boücxa e rodbi OmeHecmeeHHOÜ


Bourni 1941-1945, Moscou, 1968, pp. 53-5.

29. Nekritch, op. cit., pp. 124-5.

30. Para maiores detalhes, consulte-se Barry A. Lesch, German strategy against
Rússia 1939-1941, Oxford, 1973, p. 170; Heinz Höhne, Codeword: Direktor:
The story of the Red Orchestra, Londres, 1971, p. 237; John Erickson, “The Red
Army before June 1941”, Soviet Affairs, Londres, 1962, III, p. 116; seu “The
Soviet response to surprise attack: Three directives, 22 June 1941”, Soviet
Studies, 1971-2, XXIII, pp. 519-30; e seu The road to Stalingrad: Stalin’s war
with Germany, Londres, 1975, pp. 87-97; Roy Medvedev, Let history judge: The
origins and consequences of stalinism, Londres, 1946, pp. 52-3.

31. Sobre a operação do NKVD na Polônia, ver The dark side of the Moon,
Londres, 1946, pp. 52-3

32. Cf. W. G. Krivitski, I was Stalin’s agent, Londres, 1939, pp. 198-201. O
principal objetivo do decreto era ameaçar os acusados nos julgamentos de
expurgo com represálias sobre seus filhos, se eles não cooperassem (Aleksandr
Orlov, The secret history of Stalin’s crimes, Londres, 1954, pp. 53-4, 88).

33. Hans Becker, Devil on my shoulder, Londres, 1955, p. 156.

34. These names accuse: Nominal list of Latvians deported to Soviet Rússia in
1940-41, Estocolmo, 1951, pp. 29-30; The dark side of the Moon, p. 87.

35. Consulte-se o relatório apreendido sobre os movimentos dos lituanos em


These names accuse, pp. 52-3.

36. Erickson, The road to Stalingrad, pp. 97-8.

37. Hilger e Meyer, op. cit., p. 336. Sobre os expurgos que precederam
imediatamente a invasão, consultem-se Albert Conrad Herling, The Soviet slave
empire, N. York, 1951, pp. 51-61, 72, 79-81, 90-7, 210-7; David J. Dallin e
Boris I. Nicolaevsky, Forced labor in Soviet Rússia, Londres, 1948, pp. 265-74;
“Estônia 1940-1941”, The Nineteenth Century and After, 1946, CXXXIX, pp.
45-6; Alfreds Berzinsh, I saw Vishinsky Bolshevize Latvia, Washington, 1948,
pp. 52-3; Ants Oras, “Deportations in Estônia”, The Baltic Review, 1947, II, pp.
18-21; Human rights and genocide in the Baltic States, Estocolmo, 1950, p. 20;
Antoni Ekart, Vanished without trace: The story of seven years in Soviet Rússia,
Londres, 1954, pp. 196-7; Ruta U., Dear God, I wanted to live, N. York, 1978,
pp. 9-42; C. A. Smith (ed.), Escape from paradise, Londres, 1954, pp. 41-2;
Vladimir e Evdokia Petrov, Empire of fear, Londres, 1956, p. 119. O
melancólico volume These names accuse contém uma lista de trinta mil lituanos
deportados pelos soviéticos nessa época; ver também Janis Kronlins, 379 baiga
gada Dienas: Latviesu faunatnes un tas audzinataju liktenis Baigaja 1940. un 41.
gada, 1967, pp. 208-341. Sou extremamente grato ao sr. Arnis Keksis, que
coletou para mim uma grande quantidade de testemunhos sobre os expurgos no
Báltico, tanto orais como escritos. Apenas uma parte é citada aqui, mas é
amplamente confirmada pelo resto. Expurgos em grande escala ocorreram
também na Ucrânia nos dias que precederam a invasão alemã (Hermann
Raschhofer, Political assassination: The legal hackground of the Oberländer and
Stashinsky cases, Tübingen, 1964, pp. 35, 49).

XIII. O fim da amizade


1. Este resumo é baseado no relato completo fornecido por A. M. Nekritch
(1941: 22 Tíiohr, Moscou, 1965, pp. 154-8), e John Erickson, The road to
Stalingrad, Londres, 1975, pp. 112-25. As tropas do Exército Vermelho
confraternizavam com seus equivalentes da Wehrmacht até o último minuto
(Antoni Ekart, Vanished without trace: The story of seven years in Soviet
Rússia, Londres, 1954, p. 219).

2. Erickson, op. cit., pp. 14-24, 61, 68.

3. Strobe Talbott (ed.), Khrushchev remembers, Boston, 1970, p. 159. Apenas


após a invasão foi feito um esforço maior para deslocar as indústrias soviéticas
mais para o leste: cf. Roga-tchevskaia, Cou,uajiucmuHecKoe CopeeHoeanue e
CCCP: HcmopunecKue Onepxu 1917-1970, Moscou, 1977, pp. 177-8; Viktor
Kravtchenko, I chose freedom, Londres, 1947, pp. 364-5; A. S. Iakovlev,
LfeAb)Ku3HU, Moscou, 1966, pp. 262-3.

4. Alvin D. Coox, “Japanese foreknowledge of the Soviet-German war”, Soviet


Studies, 1971-2, XXIII, p. 568.

5. Erikson, op. cit., pp. 8-9, 50-1; Nekritch, op. cit., pp. 75-7, 83-4; John
Erickson, “1941”, Survey, 1962, XLIV-V, pp. 181-3; Kravtchenko, op. cit., pp.
368-78; Otto Preston Chaney, Jr., Zhukov, Newton Abott, 1972, pp. 75-84, 96;
Roy A. Medvedev, Let history judge: The origins and consequences of stalinism,
Londres, 1971, pp. 446-54. A opinião pouco lisonjeira do adido militar britânico
sobre as forças soviéticas está em FO 371/23678, 147-64.

6. R. Ya. Malinovski, “ JjBaímaxHJieTHe Hauana Bcjihkoh OTeHecTBeHHOÍi


BoftHbi”,BoeHHo-ucmopuHecKuü McypnaA 1961, n.° 6, p. 7; capitão N. F.
Ribalko, “B nepBbiií jjeHb BOHHbi HaHepHOM Mope”, ibid., 1963, n.° 6, pp.
63-6; almirante I.I. Azarov,OccmdeHHan Odecca, Moscou, 1962, pp. 16-17.

7. Bertram D. Wolfe (ed.), Khrushchev and Stalin’s ghost, N. York, 1957, pp.
176-8; Talbott (ed.), op. cit., pp. 166-9, 219; Avtorkhanov, 3azaÕKa CMepmu
CmaAuna,3azoeopEepun, Frankfurt, 1976, pp. 9-15.

8. Roy A. Medvedev, On Stalin and stalinism, Oxford, 1979, p. 123.

9. Svetlana Alliluieva, Only one year, Londres, 1969, p. 352.

10. Viktor Kravtchenko, op. át., p. 429.

11. Mikhail Soloviev, My nine lives in the Red Army, N. York, 1955, p. 262.

12. Medvedev, Let history judge, p. 457; Talbott (ed.), op. cit., pp. 169-70. O
embaixador Maiski em Londres não recebeu nenhuma instrução durante vários
dias (A. Avtorkhanov, “3aKyjiHCHaH hctophh naKTa‘PH66eHTponMojiotob
”, KoHmuHenm, 1975, IV, p. 315).

13. I. V. Stalin, CoHUHeHUH-, Stanford, 1967, III (XVI), p. 6.

14. Adam B. Ulam, Stalin: The man and his era, Londres, 1974, pp. 477, 630-1.

15. Cf. Amnon Sella, “Red Army doctrine and training on the eve of the Second
World War”, Soviet Studies, 1975, XXVII, pp. 245-64.
16. Robert Conquest, The great terror: Stalin’s purge of the thirties, Londres,
1968, p. 488. John Erickson também acha isso “difícil de explicar” (The road to
Stalingrad, p. 77).

17. John Erickson, “The Soviet response to surprise attack: Three directives, 22
June 1941”, Soviet Studies, 1971-2, XXIII, pp. 533-4, 537, 549-50. Cf. Wolfe,
op. cit., p. 172; Medvedev, op. cit., p. 457. O absurdo da explicação de que
qualquer tipo de precaução poderia provocar um ataque das forças alemãs era
patente para os comandantes da época; ver general N. N. Voronov, Ha
cAyxt6«.eoenH°ú-, Moscou, 1963, pp. 172-5.

18. Medvedev, On Stalin and stalinism, p. 121.

19. “My meeting with Stalin”, The American Magazine, dez. de 1941. O ultraje
sentido por Stalin pela quebra do tratado por Hitler foi acentuado com o que
parece um sentimento de traição pessoal (Robert E. Sherwood, Roosevelt and
Hopkins: An intimate history, N. York, 1948, p. 328).

20. Stalin, op. cit., II (XV), p. 27.

21. Gustav Hilger e Alfred G. Meyer, The incompatible allies: A memoir-history


of German-Soviet relations 1918-1941, N. York, 1953, p. 270.

22. Solomon Volkov (ed.), Testimony: The memoirs of Dmitri Shostakovich,


Londres, 1979, p. 72.

23. Boris Bajanov, Bajanov révèle Staline: Souvenirs d’un ancien secrétaire de
Staline, Paris, 1979, p. 27.

24. Walter Schellenberg, The Schellenberg memoirs, Londres, 1956, pp. 45-9;
“Geoffrey Bailey”, The conspirators, Londres, 1961, pp. 180-201; Medvedev,
Let history judge, pp. 300-1; Nekritch, op. cit., pp. 86-7; Conquest, op. cit., pp.
206-23. Uma vez que Tukhachevsky tinha recebido diversos avisos assustadores
antes de sua queda (ibid., pp. 171, 212), é possível que estivesse pensando num
golpe preemptivo. Com efeito, seria de admirar se não o fizesse. O professor
Ulam acha que “Stalin acreditava, pelo menos em parte, que havia uma
conspiração” (op. cit., pp. 452-3). A filha de Tukhachevsky também terminou
seus dias num campo de trabalho (ibid., p. 244).

25. Robert J. 0’Neill, The German Army and the Nazi Party, 1933-1939,
Londres, 1966, pp. 139-50.

26. F. L. Carsten, “New ‘evidence’ against Marshall Tukhachevsky”, The


Slavonic and East European Review, 1974, LII, pp. 272-3. Dois oficiais do
estado-maior de Rokossóvski estavam trabalhando para a SD alemã muito mais
tarde (Schellenberg, op. cit., p. 307).

27. Ulam, op. cit., pp. 528, 531. Essa era a opinião geral na embaixada soviética
em Berlim (Documents on German foreign policy 1918-1943, Londres, 1961,
series D, XI, p. 1036).

28. Nekritch, op. cit., p. 127; George F. Kennan, Rússia and the West under
Lenin and Stalin, Boston, 1961, pp. 334-6. Stalin deve também ter pensado no
quanto Hitler devia sua posição à ajuda e às intrigas dos comunistas (ibid., pp.
286-92).

29. Erickson, The road to Stalingrad, p. 91.

30. Ibid., p. 125.

31. General I. V. Tiulenev, LIepe3 mpu fíoÜHbi, Moscou, 1960, pp. 140-2.

32. Schellenberg, op. cit., pp. 48-9.

33. Talbott (ed.), op. cit., pp. 134, 141.

34. Em 1945, Stalin deixou transparecer certa preocupação quanto ao fato de


Hitler “não estar morto, mas. . . escondido em algum lugar” (Charles E. Bohlen,
Witness to history 1929-1969, Londres, 1973, p. 220). Martin Bormann talvez
tivesse dado mais informações sobre a cooperação nazi-soviética se tivesse
vivido. Bormann era a favor de uma aproximação com Stalin (Schellenberg, op.
cit., pp. 353, 360). Um relato sobre o suposto envolvimento de Bormann com o
NKVD pode ser lido em “Ivan Krylov”, Soviet Staff Officer, Londres, 1951, pp.
69-70. A obra ,é falsa (Thomas T. Hammond, ed., Soviet foreign relations and
world communism, Princeton, 1965, p. 1099), mas emana de uma fonte
interessante (cf. Gordon Brook-Shepherd, The storm petrels: The first Soviet
defectors, 1928-1938, Londres, 1977, p. 105), e as circunstâncias apresentadas
merecem investigação complementar. Em 1945, o NKVD tomou medidas
drásticas para destruir os arquivos alemães sobre as negociações relativas ao
pacto de 1939-41 (John Lukacs, The last European war: September
1939/December 1941, Londres, 1976, p. 530).

35. Vojtetch Mastny, Russia’s road to the cold war: Diplomacy, warfare, and the
politics of communism, 1941-1943, N. York, 1979, p. 34. O escritor soviético
Konstantin Simonov acha “incompreensível” a recusa de Stalin em aceitar a
realidade (Medvedev, op. cit., p. 453). A certeza de Hitler de que a União
Soviética jamais desfecharia uma guerra agressiva enquanto Stalin estivesse no
governo sugere que tinha motivos para confiar nele (cf. Max Beloff, The foreign
policy of Soviet Rússia 1929-1941, Oxford, 1949, II, pp. 355-6).

36. Stanislaw Kot, Conversations with the Kremlin and dispatches from Rússia,
Londres, 1963, pp. XIX-XX.

37. Ortwin Buchbender, Das tönende Erz: Deutsche Propaganda gegen die Rote
Armee im Zweiten Weltkrieg, Stuttgart, 1978, pp. 84-5; ver Kravtchenko, op.
cit., pp. 357-8. A afirmação de Hitler de que temia a agressão soviética é
inteiramente falsa (Barry A. Leach, German strategy against Rússia 1939-1941,
Oxford, 1973, pp. 69-71, 141, 174-5), embora tivesse razões estratégicas de
longo prazo para a guerra contra a Rússia (George F. Kennan, Memoirs 1923-
1930, Boston, 1967, pp. 72, 131).

38. Konstantin Tcherkassov, Tenepan Kohohob: Omeem neped Ucmopueü 3a


oòny TlonbimKy, Melbourne, 1963, I, p. 129. Sobre lista semelhante de mortes
trágicas numa família, ver Mikhail Rozanov, 3aeoeeameAu õeAbix mimen-,
Limburg, 1951, p. 284.

39. Cf. Wilfried Strik-Strikfeldt, Against Stalin and Hitler: Memoir of the
Russian Liberation Movement 1941-3, Londres, 1970, pp. 21-36; David
Littlejohn, The patriotic traitors, Londres, 1972, pp. 306-7. O efeito mortal da
propaganda soviética, ofendendo com a mesma energia todos os sistemas
políticos, exceto um, podia fazer que sequer um judeu soviético acreditasse na
propaganda antinazista (Bernhard Roeder, Katorga: An aspect of modem
slavery, Londres, 1958, p. 63). Essa ingenuidade criada pela propaganda é bem
descrita por George Fischer, Soviet opposition to Stalin, Harvard, 1952, pp. 137-
42, e Kazantsev, TpembH Cuaü: ucmopun oõhoü nonbimKU-, Frankfurt, 1974,
pp. 71-6.

40. Richard H. Ullmann, Britain and the Russian civil war, Princeton, 1968, p.
153.
XIV. A guerra em duas frentes
1. Eugene Lyons, Stalin: Czar of all the Russias, Londres, 1940, p. 250.

2. I. V. Stalin, CoHUHenun, Stanford, 1967, II (XV), pp. 1-10.

3. Gustav Herling, A world apart, Londres, 1951, p. 175; ver Aleksandr


Soljenitsin, Apxunenaz ryjiaz 1918-1956: Onbim XydoMtecmeeHHOZo
HccAedoeaum, Paris, 1973-5, III, p. 29; Viktor Kravtchenko, I chose freedom,
Londres, 1947, p. 359; Adam B. Ulam, Stalin: The man and his era, Londres,
1974, pp. 541-2. Os exilados russos ouviam com divertida ironia (Anatoli V.
Baikaloff, “The guilty man”, The Weekly Review, julho de 1941, pp. 183-4),
enquanto o Ministério do Exterior se agitava com a retransmissão feita pela
Reuter do nervoso discurso de Stalin (FO 371/29467, 12-17). Em agosto de
1939, uma intérprete da embaixada alemã em Moscou recebeu uma mensagem
de um grupo de camponeses que ela fora visitar nos arredores da cidade. “Como
é possível o seu Hitler aliar-se ao nosso Stalin?”, dizia a mensagem; “tínhamos
tanta esperança no seu Hitler, esperávamos que ele viesse nos libertar!”
(Informação gentilmente cedida pela dra. Ehrenfried Schütte; Frau Schütte era a
intérprete.)

4. Svetlana Alliluieva, Only one year, Londres, 1969, p. 354; Strobe Talbott
(ed.), Khrushchev remembers, Boston, 1970, p. 310. A organização do Partido
Comunista operava sob a tutela do NKVD (A. Avtorkhanov, “3aicyjiHCHaH
HCTopra naicra ‘PH66eHTpon-MojioTOB,”>KoHmuHewn, 1975, IV, p. 314).

5. Stanislav Kot, Conversations with the Kremlin and dispatches from Rússia,
Londres, 1963, p. 53.

6. “A. I. Romanov”, Nights are longest there: Smerch from the inside, Londres,
1972, pp. 141-2; Oleg Penkovskiy, The Penkovskiy papers, N. York, 1965, pp.
37-8; Roy A. Medvedev, On Stalin and stalinism, Oxford, 1979, p. 133.

7. NA 861.00/11897; “A. I. Romanov”, op. cit., pp. 29-30; Antoni Ekart,


Vanished without trace: The story of seven years in Soviet Rússia, Londres,
1954, p. 261; Robert Conquest, The great terror: Stalin’s purge of the thirties,
Londres, 1968, p. 491; Adam B. Ulam, Expansion and coexistence: The history
of Soviet foreign policy, 1917-1967, Londres, 1968, p. 322.

8. Boris Bajanov, Bajanov révèle Staline: Souvenirs d’un ancien secrétaire de


Staline, Paris, 1979, p. 144. Ver Ulam, Stalin: The man and his era, p. 281.

9. Cf. Ronald Hingley, Joseph Stalin: Man and legend, Londres, 1974, pp. 305-
6; Conquest, op. cit., p. 488.

10. Jean van Heijenoort, With Trotsky in exile, Harvard, 1978, p. 63. As
opiniões políticas de Trotsky na época eram mais malucas ainda, se isso é
possível (Medvedev, op. cit., pp. 135-8).

11. F. W. Deakin e G. R. Storry, The case of Richard Sorge, N. York, 1966, pp.
199-203; Aleksandr Orlov, The secret history of Stalin’s crimes, Londres, 1954,
pp. 225-6; Roy A. Medvedev, Let history judge: The origins and consequences
of stalinism, Londres, 1972, pp. 244-5. O relato mais completo é o de Alvin D.
Coox, “L’affaire Lyushkov: Anatomy of a defector”, Soviet Studies, 1967-68,
XIX, pp. 405-20.

12. FO 371/23699, I. O documento deve ter sido retirado depois de Colocado no


Escritório de Registro Público, uma vez que a sequência não explica as páginas
que faltam.

13. Medvedev, op. cit., p. 312; Alliluieva, op. cit., p. 353; Talbott (ed.), op. cit.,
p. 170; Conquest, op. cit., pp. 489-90; John Erickson, The road to Stalingrad,
Londres, 1975, pp. 159-60, 176; Michael Parrish, “Command and leadership in
the Soviet Air Force during the great patriot war”, Aerospace Historian, 1979,
XXVI, pp. 195-7.

14. Merle Fainsod, Smolensk under Soviet rule, Londres, 1958, pp. 335-42.

15. Conquest, op. cit., p. 215.

16. Ulam, op. cit., p. 457; Otto P. Chaney, Jr. Zhukov, Newton Abott, 1972, pp.
92-3. Não se conhece ainda a sucessão dos chefes comissários da força aérea
(Aerospace Historian, XXVI, pp. 194-5).

17. General A. B. Gorbatov, ‘Toflbi h BoiiHbi”, Hoebiü Mup, maio de 1964,


XL, p. 113. Para exemplos da espionagem constante e interferência pelos
comissários, ver pp. 117-8, 127-8; Mikhail Soloviev, My nine lives in the Red
Army, N. York, 1955, pp. 90-108.

18. Chaney, op. cit., pp. 242-3, 257, 322. Viktor Nekrassov conta uma anedota
sarcástica e bastante reveladora na sua vivida dramatização, B ÜKonax
CmanuHzpada, Moscou, 1955, pp. 145-8. O relato de uma testemunha ocular
sobre o assassinato revoltante e sem motivo de um civil por um politruk é
fornecido por “N. N. N.”, Ha tpponme 1941 zoda• u e nneny, eocnoMimaHüH
epana, Buenos Aires, 1974, pp. 32-4.

19. Vladimir Petrov, It happens in Rússia: Seven years forced labour in the
Siberian goldfields, Londres, 1951, pp. 297-8; Ekart, op. cit., p. 218.

20. A. M. Nekritch, 1941: 22Mk>hh, Moscou, 1965, p. 113.

21. Vladimir e Evdokia Petrov, Empire of fear, Londres, 1956, pp. 98-9; “A. I.
Romanov”, op. cit., pp. 68-74; Kravtchenko, op. cit., p. 369; Soviet military
intelligence: Two sketches, programa de pesquisa sobre a URSS, N. York, 1952,
pp. 15-24.

22. Kot, op. cit., p. 53; “N. N. N.”, op. cit., p. 38; Raphael Rupert, A hidden
world, Londres, 1963, p. 94; Soloviev, op. cit., pp. 225, 248-9, 308.

23. Nikolai Tolstoy, Victims of Yalta, Londres, 1977, pp. 33-6, 396-8.

24. Stalin, op. cit., II (XV), p. 13. As estatísticas são extremamente inexatas.

25. Ibid., pp. 15-16. Voltou ao tema dois anos mais tarde (ibid., p. 118).

26. G. A. Tokaev, Comrade X, Londres, 1956, p. 216. O próprio Stalin estava


fazendo ansiosamente as mesmas perguntas em 1942 (ibid., pp. 237-9).

27. FO 371/29499, 38; Kravtchenko, op. cit., pp. 353-4, 361-2.

28. CAB 66/54, 125, 127, 131; Vladimir Petrov, My retreat from Rússia, Yale,
1950, pp. 40-1; conde de Avon, The Eden memoirs: The reckoning, Londres,
1965, pp. 301-2; Kravtchenko, op. cit., pp. 362-3, 370, 375-7; Chaney, op. cit.,
pp. 150-2; Anatoli Granovski, Ali pity choked: The memoirs of a Soviet secret
agent, Londres, 1955, pp. 123-4; Soloviev, op. cit., pp. 243-63, 300; Ekart, op.
cit., pp. 98-9. É interessante e estranho notar que no dia seguinte ao da retomada
do controle de Moscou pelo NKVD (19 de outubro), o centro (de inteligência) de
Moscou saiu do ar por seis semanas (Alexander Foote, Hand-book for spies,
Londres, 1964, p. 98). A embaixada dos Estados Unidos descobriu mais tarde a
confirmação da destruição dos arquivos do NKVD em 1941 (Walter Bedell
Smith, Moscow mission 1946-1949, Londres, 1950, p. 177). Acerca das
circunstâncias do recrutamento do decreto do Comitê de Defesa do Estado, ver
general-de-divisão K. F. Telegin, “ MocKBa — (JjpoHTOBOH ropojj ”,
Bonpocbi ucMopuu KTJCC, 1966, n.° 9, pp. 104-7.

29. Joseph Czapski, The inhuman land, Londres, 1951, pp. 14-17, 138, 222; Kot,
op. cit., pp. 53, 62-3, 70, 71, 264. Compare-se a interessante carta de um
observador letão publicada no Times em 12 de agosto de 1980; Aleksandr
Soljenitsin, The mortal danger, how misconceptions ahout Rússia imperil the
West, Londres, 1980, pp. 39-40.

30. Os relatos dos soviéticos sobre a resistência no Báltico e na Ucrânia são


naturalmente tendenciosos, mas revelam a extensão de sua preocupação com o
problema pela sua enormidade. Ver Soviet intelligence and security Services
(1964-72): A selected bibliography of Soviet publications, with some additional
titles from other sources, Washington, 1972-75, itens 221-6, 264, 265, 505-6,
509, 522, 668, 692a, 696; II, 173, 202, 265, 453, 524, 669, 832, 908, 961, 1106,
1432, 1502, 1513.

31. Margarete Buber, Under two dictators, Londres, 1949, p. 83; Kot., op. cit., p.
164; Ekart, op. cit., p. 98.

32. Kravtchenko, op. cit., pp. 354-7, 367-8, 388; Ekart, op. cit., pp. 94-5; Petrov,
op. cit., pp. 27, 83-5.

33. Robert Conquest, The nation killers: The Soviet deportation of nationalities,
Londres, 1970, pp. 59-66, 107-9; Frank H. Epp, Mennonite exodus: The rescue
and resettlement of the Russian mennonites since the Russian revolution,
Manitoba, 1962, pp. 352-3; Bernhard Roeder, Katorga: An aspect of modem
slavery, Londres, 1958, pp. 140-4; Petrov, op. cit., p. 32.

34. Kravtchenko, op. cit., pp. 355-6.

35. Ekart, op. cit., p. 99; Vladimir e Evdokia Petrov, Empire of fear, p. 98.

36. Wilfried Strik-Strikfeldt, Against Stalin and Hitler: Memoir of the Russian
Liberation Movement, Londres, 1970, pp. 26-7.
37. Kravtchenko, op. cit., pp. 356, 405.

38. Petrov, My retreat from Rússia, pp. 125-7.

39. Czapski, op. cit., pp. 69-80. Os poloneses precisavam ainda compreender a
extensão do universo policial soviético. Vinte graus abaixo de zero não eram
nada para os habitués do GULAG; em Kolyma, um prisioneiro nessa época
notou com sarcasmo que “a geada caiu subitamente para trinta graus abaixo de
zero — o inverno tinha terminado” (Variam Chalamov, KoAbiMCKue
PaccKa3bi, Londres, 1978, p. 33).

40. Conquest, The great terror, pp. 491-2; Medvedev, op. cit., pp. 248-9;
Soljenitsin, Apxunenaz Tynaz, I, pp. 88-9; Leonid Pliuchtch, History’s carnival:
A dissident’s autobiography, Londres, 1979, pp. 188-9; Communist takeover and
occupation of Ukraine: Special report n.° 4 of the Select Committee on
Communist Aggression, Washington, 1955, p. 28. Os alemães continuaram a
descobrir relíquias pavorosas nas celas da morte (cf. Petrov, op. cit., pp. 110-11,
112-13). Detalhes do impressionante achado de Dubno são do Kriegstagebuch
de Herr Wilhelm Heitkampf, então servindo na 6 Komp. Panzer-Nachr. Regt. I
(carta gentilmente cedida pelo dr. De Zayas).

41. K. Pelékis, Genocide: Lithuania’s threefold tragedy, Alemanha, 1949, pp.


54-8.

42. Esse relato é extraído quase todo de numerosos depoimentos e outros


documentos citados por Hermann Raschhofer, Political assassination: The legal
hackground of the Oberländer and Stashinsky cases, Tübingen, 1964, pp. 32-52,
194-7, 202, 205-6; Unto Parvilahti, Beria’s gardens: Ten years captivity in
Rússia and Sibéria, Londres, 1959, p. 25; John A. Armstrong, Ukrainian
nationalism 1939-1945, N. York, 1955, pp. 76-7; Alfred M. de Zayas Die
Wehrmacht-Untersuchungsstelle: Deutsche Ermittlungen über alliierte
Völkerrechtsverletzungen im Zweiten Weltkrieg, Munique, 1980, pp. 333-54.
Provas de numerosos massacres semelhantes, atrás da linha de fogo em retirada,
são encontradas em ibid., pp. 327-32, 348. A ordem para o massacre trazia as
iniciais de Nikita Khrushchev, então chefe do Partido na Ucrânia (Raschhofer,
op. cit., p. 49). Sou grato ao sr. Bohdan Kazanivski, sobrevivente do massacre de
Lvov, pelo relato detalhado de suas experiências na prisão de Brigidki.
43. Petrov, op. cit., p. 174.

44. Vladimir Petrov, Escape from the future: The incredible adventures of a
young Russian, Bloomington, Indiana, 1973, p. 176; “A. I. Romanov”, op. cit.,
p. 50; Raphael Rupert, A hidden world, Londres, 1963, p. 119; Soloviev, op. cit.,
p. 288. É significativo o fato de ter sido Béria o único conselheiro procurado por
Stalin durante os primeiros dias de pânico da invasão (Avtorkhanov, 3azaÕKa
CMepmu Cmcuiuna, 3azoeop Eepua, Frankfurt, 1976, p. 15).

45. Herling, op. cit., pp. 41, 174-8.

46. Petrov, My retreat from Rússia, pp. 1-3; comparem-se as precauções


tomadas em campo perto de Vladimir (Ekart, op. cit., p. 88).

47. Joseph Scholmer, Vorkuta, Londres, 1954, pp. 168-9.

48. Correspondence between the chairman of the council of ministers of the


U.S.S.R. and the presidents of the U.S.A. and the prime ministers of Great
Britain during the great patriotic war of 1941-1945, Moscou, 1957, I, pp. 21, 24.
Em 28 de setembro, Stalin pressionou Beaverbrook sobre o assunto, em Moscou
(FO 371/29470, 57, 62), e o embaixador Maiski repetiu a pressão em Londres,
em outubro (ibid., 116). Stalin aparentemente tinha ainda a mesma idéia em
meados de dezembro (FO 371/29472, 154); ver Joan Beaumont, Comrades in
arms: British aid to Rússia 1941-1945, Londres, 1980, pp. 69-70. Mesmo antes,
Stalin pedira a Hopkins “tropas americanas em qualquer parte da frente russa sob
o comando completo do exército americano” (Robert E. Sherwood, Roosevelt
and Hopkins: An intimate history, N. York, 1948, p. 343).

49. Ver Conquest, op. cit., p. 358. Naturalmente, esse enorme desperdício de
potencial humano continuou durante toda a guerra (Soljenitsin, op. cit., II, pp.
130, 370-2; III, 9-12, 236).

50. Erickson, op. cit., p. 166.

51. Ibid., pp. 142-3.

52. Janis Kronlins, 379 baiga gada Dienas: Latviesu jaunatnes un tas audzinataju
liktenis Baigaja 1949. un 41. gada, 1967, pp. 355-6.
53. NA Decimal Files, 861.00/10-246; compare-se também o pavoroso incidente
descrito por Soljenitsin, a partir de 1938 (op. cit., II, p. 545).

54. Kravtchenko, op. cit., pp. 340, 341.

55. Tadeusz Wittlin, A reluctant traveller in Rússia, Londres, 1952, p. 132.

56. Petrov, op. cit., p. 4; cf. ibid., pp. 50, 77.

57. Soljenitsin, op. cit., III, pp. 239-40; Dmitri Panin, The notebooks of
Sologdin, Londres, 1976, pp. 88-91. Porém, não estavam mortas as esperanças
de novas revoltas (ibid., pp. 103-5, 123-4, 161).

58. Peter Pirogov, Why I escaped, Londres, 1950, pp. 56, 60-3; Ekart, op. cit.,
pp. 69-70, 90-1, 98; Herling, op. cit., p. 231; Soljenitsin, op. cit., III, pp. 29-34;
Petrov, It happens in Rússia, pp. 235, 276; C. A. Smith (ed.), Escape from
paradise, Londres, 1954, pp. 45, 236-7, 249-51; Hans Becker, Devil on my
shoulder, Londres, 1955, pp. 163, 208 (compare-se a atitude dos bandidos, ibid.,
p. 187). Alguns prisioneiros em 1942 conseguiram dominar os guardas e escapar
para juntar-se aos alemães (David J. Dallin e Boris I. Nicolaevsky, Forced labor
in Soviet Rússia, Londres, 1948, p. 23; Roeder, op. cit., p. 21). Pelo menos um
desses homens caiu nas mãos dos ingleses, que em 1945 o colocaram
gentilmente à disposição de Béria (FO 371/47897, III).

59. Roeder, op. cit., pp. 21-2; Scholmer, op. cit., pp. 168-9, 191-2. Em 1940, os
prisioneiros de Vorkuta, segundo se dizia, eram simpatizantes do “inimigo” na
guerra da Finlândia (Mikhail Rozanov, 3aeoeeameAU õesimc nnmen, Limburg,
1951, p. 234).

60. Herling, op. cit., pp. 175-6.

61. Ivan Solonevitch, Rússia in chains: A record of unspeakable suffering,


Londres, 1938, pp. 23-4.

62. Walter Schellenberg, The Schellenberg memoirs, Londres, 1956, p. 314.

63. Ver Panin, op. cit., pp. 104-8.

64. Gerald Reitlinger, The house built on sand: The conflicts of German policy
in Rússia 1939-1943, Londres, 1960, pp. 283-4.
65. Cf. Scholmer, op. cit., pp. 169-71.

XV. Vitória de Pino


1. Adam B. Ulam, Stalin: The man and his era, Londres, 1974, pp. 477, 479-80,
491, 492; e Expansions and coexistence: The history of Soviet foreign policy,
1917-1967, Londres, 1968, p. 327.

2. Strobe Talbott (ed.), Khrushchev remembers, Boston, 1970, p. 141; John A.


Armstrong, Ukrainian nationalism 1939-1945, N. York, 1955, pp. 76-7, 83-4; V.
Stanley Vardys, Lithuania under the Soviets: Portrait of a nation, 1940-65, N.
York, 1965, pp. 66-8; Hugh Seton-Watson, The pattern of Communist
Revolution: A historical analysis, Londres, 1953, p. 230; Joseph Czapski, The
inhuman land, Londres, 1951, p. 151.

3. Para se ter uma idéia do derrotismo russo, ver Stanislaw Kot, Conversations
with the Kremlin and dispatches from Rússia, Londres, 1963, pp. 62-3, 70, 71;
Vladimir Petrov, My retreat from Rússia, Yale, 1950, pp. 83-5; Matthew P.
Gallagher, The Soviet history of World War II, N. York, 1963, pp. 148-51.
Budenny testemunhou que Stalin certificou-se nervosamente de que Moscou
estava livre do perigo de um bombardeio alemão antes de voltar à capital para
seu discurso na parada de 6 de novembro (Avtorkhanov, “3aKyjincHaa
HCTopua naKTa ‘PHÔõeHTpon-MojiOTOB’”, KonmuHeHM, 1975, IV, p.
315).

4. Comparecem-se as opiniões do general Sikorski e de Sir Stafford Cripps


(Documents on Polish-Soviet relations 1939-1945, Londres, 1961, I, pp. 105-6).
Harold Nicolson achava que o Exército Vermelho seria “derrubado com um
toque de dedo” e oitenta por cento do Ministério do Exterior calculava que a
Rússia resistiria no máximo por dez dias (Harold Nicolson, Diaries and letters
1939-1945, Londres, 1967, pp. 174, 175). A opinião do Ministério do Exterior
era também pessimista (FO 371/29499, 31-5). Ver Joan Beaumont, Comrades in
arms: British aid to Rússia 1941-1945, Londres, 1980, pp. 26-7. Os turcos
acharam que o Exército Vermelho, do modo como estava, não poderia ajudar
nenhum dos lados (conde de Avon, The Eden memoirs: The reckoning, Londres,
1965, p. 155).
5. Robert Dallek, Franklin D. Roosevelt and American foreign policy, 1932-
1954, N. York, 1979, p. 279.

6. Para maiores detalhes, ver idem, pp. 281-2.

7. Anatoli Ekart, Vanished without trace: The story of seven years in Soviet
Rússia, Londres, 1954, pp. 216-18; Tadeusz Wittlin, Commissar: The life and
death of Lavrenty Pavlovich Beria, Londres, 1973, pp. 290-1, 293; Viktor
Kravtchenko, I chose freedom, Londres, 1947, pp. 368-9, 377, 489-90; Le procès
Kravtchenko contre “Les Lettres Françaises”, Paris 1949, p. 169; G. Tokaev,
Comrade X, Londres, 1956, pp. 235, 237; Mikhail Soloviev, My nine lives in
Red Army, N. York, 1955, p. 181. Os mais valentes oficiais tremiam ao verem
os bonés verdes dos guardas da fronteira do NKVD (coronel I. T. Starinov,
Muny ycdym ceoezo naca, Moscou, 1964, pp. 211-12; ver coronel-general L. M.
Sandalov, TpyÒHbte pyõeoKbi, Moscou, 1965, p. 10).

8. David J. Dallin e Boris I. Nicolaevsky, Forced labor in Soviet Rússia,


Londres, 1948, pp. 274-81.

9. O tratamento dos russos recapturados ou devolvidos é relatado no meu livro


Victims of Yalta, Londres, 1977, e o dos tártaros da Crimeia e outros “povos
punidos”, nos livros de Robert Conquest (The nation killers: The Soviet
deportation of nationalities, Londres, 1970) e Aleksandr Nekritch
(HaKü3aHHbie Hapodbi, N. York, 1978). Compare-se também Tokaev, op. cit.,
pp. 256-70; Talbott (ed.), op. cit., p. 312; Ekart, op. cit., pp. 221-3; Bertram D.
Wolfe, Khrushchev and Stalin’s ghost, N. York, 1957, pp. 190, 196; Unto
Parvilahti, Beria’s gardens: Ten years captivity in Rússia and Sibéria, Londres,
1959, pp. 119-122.

10. I. V. Stalin, CoHUHenuH, Stanford, 1967, II (XV), pp. 1-35.

11. Roy A. Medvedev, On Stalin and stalinism, Oxford, 1979, p. 124. Medvedev
conta essa anedota a respeito do discurso feito por Stalin pelo rádio em 3 de
julho, mas o contexto sugere o discurso de 7 de novembro, que é uma versão
simplificada do que ele fez aos soviéticos de Moscou no dia anterior.

12. Merle Fainsod, How Rússia is ruled, Harvard, 1959, pp. 112-13. A patente
de general foi reintroduzida depois da guerra da Finlândia (Ulam, Stalin: The
man and his era, p. 523) e o posto de embaixador, em maio de 1941 (Alfred
Seidl (ed.), Die Beziehungen zwischen Deutschland und der Sowjetunion 1939-
1941, Tübingen, 1949, p. 388).

13. NA, RG 84, box 5. Harriman concluiu ironicamente que “ele jamais faria
essa declaração hoje” (27 de novembro de 1945). Sobre a substituição da
ideologia pelo patriotismo na propaganda do Partido, ver a reportagem de
Ronald Mathews do Daily Herald (CAB 66, 125).

14. Como notaram os embaixadores da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos (FO


800/301, 110; NA 861.22/98).

15. John Lukacs, The last European war: September 1939/December 1941,
Londres, 1976, p. 157.

16. Arthur Koestler, The yogi and the commissar and other essays, Londres,
1945, pp. 196-8; Kravtchenko, op. cit., pp. 420-1; Tokaev, op. cit., pp. 253-4;
Gregory Klimov, The terror machine: The inside story of the Soviet
administration in Germany, Londres, 1953, pp. 29, 80-3, 34.

17. Nikolai Tolstoy, Victims of Yalta, p. 124.

18. Koestler, op. cit., pp. 198-9. Até as ruas de Leningrado foram rebatizadas
com seus nomes pré-revolucionários (Klimov, op. cit., pp. 22-3).

19. Tokaev, op. cit., pp. 223-7.

20. Medvedev, op. cit., pp. 124-6, 132; Koestler, op. cit., pp. 195; CAB 66, 130;
FO 371/29549, 35-7, 144. Chostakóvitch acreditava que a natureza
profundamente supersticiosa de Stalin tivesse contribuído para fazer essa volta
da religião mais aceitável (Solomon Volkov, ed., Testimony: The memoirs of
Dmitri Shostakovich, Londres, 1979, pp. 144-7, 149). Roy Medvedev elogia a
habilidade de estadista de Stalin (op. cit., p. 126). Soljenitsin faz um comentário
mais acerbo ( ApxuneAaz Tynaz 1918-1956: Oribim XydootcecmeeHHOZo
HccAedoeanuA, Paris, 1973-75, III, p. 19).

21. Kravtchenko, op. cit., pp. 425-6; Tokaev, op. cit., pp. 249-52. Quando as
concessões foram retiradas em grande parte, depois da guerra, Malenkov foi o
bode expiatório do Partido, por haver supostamente dado início a elas (Boris I.
Nicolaevsky, Power and the Soviet elite, N. York, 1965, p. 259).

22. Elinor Lipper, Eleven years in Soviet camps, Londres, 1951, pp. 142-6.
23. Kot, op. cit., p. 176.

24. Bernhard Roeder, Katorga: An aspect of modem slavery, Londres, 1958, p.


258; ver CAB 66, 126; Lev Kopelev, No jail for thought, Londres, 1979, pp. 96,
121, 311; Peter Deriabin e Frank Gibney, The secret world, Londres, 1960, pp.
45, 49; Kravtchenko, op. cit., pp. 382-5; Petrov, op. cit., “Voinov”, Outlaw: The
autobiography of a Soviet waif, Londres, 1955, p. 205. “Acredite em mim”,
ameaçava um oficial de alta patente do Exército Vermelho depois de ter bebido
bastante, “deixem que acabemos com Hitler, e depois cuidaremos desses
ordinários, os demônios do NKVD” (Menahem Beguin, White nights: The story
of a prisoner in Rússia, Londres, 1978, p. 238).

25. Barry A. Leach, German strategy against Rússia 1939-1941, Oxford, 1973,
pp. 152, 155-7, 196; Documents on German foreign policy 1918-1945, Londres,
series D XIII, pp. 79, 92-3, 395, 910; Tolstoy, op. cit., pp. 35-8.

26. Documents on German foreign policy, series D, XI, pp. 370-2.

27. Hitler's table talk 1941-1944, Londres, 1953, p. 400.

28. Soloviev, op. cit., pp. 205-6, 249; Klimov, op. cit., pp. 52-60, 218; Petrov,
op. cit., pp. 87-99; Ekart, op. cit., pp. 134, 218-20;Roeder, op. cit., pp. 63-4; “A.
I. Romanov”, Nights are longest there: Smerch from the inside, Londres, 1972,
pp. 36, 89-90; Czapski, op. cit., p. 145; Kravtchenko, op. cit., pp. 365-7; Stalin,
op. cit., II (XV), pp. 22-4; notas diplomáticas de Molotov de 6 de janeiro a 27 de
abril de 1942 (Documents on Polish-Soviet relations 1939-1945, Londres, 1961,
I, pp. 259-61, 340-2).

29. FO 371/48004. Alguns líderes nazistas, por interesse pessoal, criticaram a


política de brutalidade e extermínio: ver Louis P. Lochner (ed.), The Goebbels
diaries 1942-1943, N. York, 1948, pp. 330, 347-8; Louis Hagen (ed.), The
Schellenberg memoirs, Londres, 1956, pp. 310-11.

30. Stalin, op. cit., II (XV), p. 53.

31. KoHmuHenm , IV, p. 318.

32. Tokaev, op. cit., p. 150.

33. WO 106/3268, 32. Hitler temia o uso de gases e venenos (David Irving,
Hitler’s war, Londres, 1977, p. 264).

34. Hermann Raschhofer, Political assassination: The legal background of the


Oberländer and Stashinsky cases, Tübingen, 1964, p. 34.

35. Os antecedentes do famigerado Kommissarbefehl são discutidos


detalhadamente em Helmut Krausnick, Hans Buchheim, Martin Broszat e Hans-
Adolf Jacobsen, Anatomy of the SS State, Londres, 1968, pp. 356-7, 505-35.

36. Tolstoy, op. cit., pp. 33-4, 55-6. Nesse contexto, é interessante notar o
tratamento extraordinário e brando dado ao Gauleiter Koch, o “Carniceiro da
Ucrânia” (Gerald Reitlinger, The house built on sand: The conflicts of German
policy in Rússia 1939-1945, Londres, 1960, pp. 226-7). “Apenas quatro por
cento dos ingleses e americanos capturados pelos alemães morreram antes de
serem libertados” (Walter Scott Dunn, Jr., Second front now — 1943, Alabama,
1980, p. 113).

37. Em 1944, um oficial do NKVD admitiu que a Rússia em 1941 estava em


estado de caos total, quando qualquer pessoa “podia viajar facilmente pelo país e
chegar a seu destino sem ser molestada” (David J. Dallin, Soviet espionage,
Yale, 1955, pp. 268-9).

38. Ver Le procès Kravtchenko, p. 166; Soloviev, op. cit., p. 260.

39. Roy A. Medvedev, Let history judge: The origins and consequences of
stalinism, Londres, 1972, pp. 454-65; Ronald Hingley, Joseph Stalin: Man and
legend, Londres, 1974, pp. 315-20, 322-3, 325-6, 337-9; Bertram D. Wolfe,
Khrushchev and Stalin’s ghost, N. York, 1957, pp. 176-86.

40. Soloviev, op. cit., pp. 26-9. Muitos dos generais do Exército Vermelho eram
espantosamente ignorantes (ibid., pp. 19-34), mas poucos tão completamente
quanto o marechal Golovanov, comandante da (inexistente) aviação de longo
alcance (Michael Parrish, “Command and leadership in the Soviet Air Force
during the great patriotic war”, Aerospace Historian, 1979, XXVI, p. 197).

41. Gallagher, op. cit., p. 18.

42. Medvedev, op. cit., p. 312; Ekart, op. cit., p. 91; Lipper, op. cit., pp. 239-41;
Aino Kuusinen, Before and after Stalin: A personal account of Soviet Rússia
from the 1920s to the 1960s, Londres, 1968, pp. 486,489-90; Z. Stipulkowski,
Invitation to Moscou), Londres, 1951, p. 357.

43. Comparem-se as observações esclarecedoras de Arthur Koestler em The yogi


and the commissar, pp. 137-41.

44. Soloviev, op. cit., pp. 5-6.

45. A. V. Gorbatov, ‘Toflbi h BOHHbí”, Hoebiü Mup (abril de 1964), XL, pp.
116, 118-9, 129.

46. Ibid., março de 1964, XL, pp. 148-56.

47. Ver John Erickson, The road to Stalingrad, Londres, 1975, p. 310.

48. Eve Curie, Journey among warriors, Londres, 1943, pp. 184-9.

49. Wilfried Strik-Strikfeldt, Against Stalin and Hitler: Memoir of the Russian
Liberation Movement, Londres, 1970, p. 93; A. Kazantsev, TpembH Ciuia:
ucmopun odnoü nonbimKu, Frankfurt, 1974, p. 149.

50. Parvilahti, op. cit., pp. 153-4; FO 371/47957, 121-38; Anatoli Granovski, Ali
pity choked: The memoirs of a Soviet agent, Londres, 1955, pp. 193, 194-5, 198;
Talbott (ed.), op. cit., pp. 140-1; Armstrong, op. cit., pp. 174-6; Roeder, op. cit.,
pp. 60-2; Vardis, op. cit., pp. 85-108. Em 1948-49, milhares de lituanos foram
deportados para a Sibéria em consequência da contínua resistência dos
guerrilheiros (NA 860 M. 4016/8-3149). Já em 1944, Stalin havia dito ao
primeiro-ministro polonês que ele tinha liquidado vinte mil ucranianos e
colocado outros duzentos mil suspeitos no Exército Vermelho (Stanislaw
Mikolajczyk, The pattern of Soviet domination, Londres, 1948, p. 111).

51. Ver Mikolajczyk, op. cit., pp. 117, 148; Granovski, op. cit., p. 197. O homem
designado por Stalin para a presidência da Polônia ocupada foi muito
apropriadamente um ex-interrogador do NKVD, isto é, um torturador (Aleksandr
Orlov, The secret history of Stalin’s crimes, Londres, 1954, p. 102). Sobre o
temor dos soviéticos quanto aos efeitos do “estrangeiro” sobre os homens do
Exército Vermelho, ver Walter Bedell Smith, Moscou) mission 1946-1949,
Londres, 1950, pp. 279-80.

52. Czapski, op. cit., pp. 242-3; ver Mikolajczyk, op. cit., p. 23.
53. A. Spekke, Latvia and the Baltic problem, Londres, 1952, pp. 84-5. Um
horrível exemplo do trabalho costumeiro do Exército Vermelho — matando a
baioneta esposa, mãe, criança, etc. — é descrito em Parvilahti, op. cit., pp. 255-
7.

54. Albert Konrad Herling, The Soviet slave empire, N. York, 1951, pp. 102-15;
C. A. Smith (ed.), Escape from paradise, Londres, 1954, pp. 3-23; Parvilahti, op.
cit., pp. 152-3.

55. Herling, op. cit., pp. 143-4; Zoltan Toth, Prisoner of the Soviet Union,
Londres, 1978, pp. 4-7; Granovski, op. cit., pp. 200-4; NA Decimal Files,
861.00/1-1546.

56. Smith (ed.), op. cit., pp. 127-56; Granovski, op. cit., pp. 218-32; NA Decimal
Files, 861.00/4-1648.

57. Fitzroy Maclean, Eastern approaches, Londres, 1949, pp. 505-6. O sr.
Constantine FitzGibbon me proporcionou gentilmente uma descrição semelhante
de primeira mão. Os prisioneiros alemães foram, naturalmente, massacrados em
bandos (Maclean, op. cit., pp. 507-8).

58. Milovan Djilas, Wartime, N. York, 1977, pp. 415-16, 420, e Conversations
with Stalin, Londres, 1962, pp. 81-5.

59. Djilas, Conversations with Stalin, pp. 101-2.

60. Alfred M. de Zayas, Die 'Wehrmacht-Untersuchungsstelle: Deutsche


Ermittlungen über alliierte Völkerrechtsverletzungen im Zweiten Weltkrieg,
Munique, 1980, pp. 39-40, e seu Die Anglo Amerikaner und die Vertreihung der
Deutschen, Munique, 1977, pp. 79-97; Kopelev, op. cit., pp. 63, 65, 66, 78-9, 81,
97; Mikhail Koriakov, Eli never go back, Londres, 1948, pp. 60-73; Tokaev, op.
cit., pp. 291-2; Peter Pirogov, Why I escaped, Londres, 1950, pp. 190, 194-5;
George F. Kennan, Memoirs 1925-1950, Boston, 1967, p. 265; artigo na
Daugavas Vanagu Menesrakts, 1978, VI, p. 25 (gentilmente traduzido por J.
Treijs e enviado a mim por Arnis Keksis); Ortkin Buchbender, Das tönende Erz:
Deutsche Propaganda gegen die Rote Armee im Zweiten Weltkrieg, Stuttgart,
1978, p. 305.

61. Ver Klimov, op cit., p. 223. Crimes de igual enormidade foram cometidos
durante a expulsão e perseguição dos alemães sudetos, embora os soviéticos
tivessem sido apenas em parte responsáveis por esses crimes, pois o principal
papel foi desempenhado pelo protegido de Stalin, o dr. Benes (ver Wilhelm K.
Turnewald, ed., Documents on the expulsion of the Sudeten Germans, Munique,
1953).

62. Kopelev, op. cit., pp. 67, 82, 83-4; Kennan, op. cit., p. 240; Klimov, op. cit.,
pp. 174-5.

63. Kopelev, op. cit., pp. 115-17.

64. Djilas, op. cit., p. 102. A destruição da Alemanha Oriental não foi o último
ato destruidor da URSS na Segunda Guerra Mundial. Em agosto, soldados
soviéticos sofreram grandes perdas na corrida para tirar território dos japoneses
vencidos. O comportamento do Exército Vermelho foi mais selvagem do que
nunca e quase um milhão de japoneses foram feitos escravos: Adam B. Ulam,
Expansion and coexistence: The history of Soviet foreign policy, 1917-1967,
Londres, 1968, p. 477; Arthur Bryant, Triumph in the West 1943-1946, Londres,
1959, p. 508; Dallin e Nicolaevsky, op. cit., pp. 277-8.

65. Kravtchenko, op. cit., pp. 427-8; Dallin e Nicolaevsky, op. cit., p. 137;
Lipper, op. cit., pp. 170-1, 278-9; Stipulkowski, op. cit., pp. 186-208, 357-8;
Soljenitsin, op. cit., II, pp. 535-6.

66. Elliot R. Goodman, The Soviet design for a world State, N. York, 1960, p.
293.

67. Ver as interessantes observações de Harold Nicolson (Diaries and letters


1939-1945, Londres, 1967, p. 388). Hitler estava decidido a levar com ele o
povo alemão se fosse derrotado (Walter Schellenberg, The Schellenberg
memoirs, Londres, 1956, p. 427).

68. George Urban, “A conversation with Milovan Djilas”, Encounter, dezembro


de 1979, LIII, p. 21.

69. Ulam, Stalin: The man and his era, pp. 298, 597.

70. A recusa de Stalin em ajudar os insurgentes (sobre esse assunto, ver Andrzej
Korbonski, “The Warsaw rising revisited”, Survey, verão de 1970, LXXVI, pp.
95-8) pode ter sido baseada nas memórias de Chiang Kai-chek sobre o abandono
semelhante da revolta de Xangai em 1926 (George F. Kennan, Rússia and the
West under Lenin and Stalin, Boston, 1961, p. 271). Há provas de uma
renovação na ajuda soviética aos nazistas em face da ameaça comum (ver J. K.
Zawodny, Nothing but honour: The story of the Warsaw uprising, 1944,
Londres, 1978, p. 56). Os alemães, ao contrário dos soviéticos, concederam
status de combatentes aos poloneses (ibid., p. 62). Provas recentes revelam a
extensão da cooperação do NKVD com a Gestapo durante a guerra, traindo e
combatendo o exército nacional polonês (Armija Krajova): Robert Moss,
“Moscow’s link with Gestapo”, Daily Telegraph, 25 de agosto de 1980.

71. General S. M. Chtemenko, The last six months: Russia's final battles with
Hitler’s armies in World War II, Londres, 1978, pp. 260-77; marechal R. Y.
Malinovski (ed.), Eydaneium Bena Tlpaza:HcmopuKOMeMyapHbiü mpyd,
Moscou, 1965, pp. 77-172.

72. Ibid., pp. 367-74.

73. Ewald Osers, “The liberation of Prague”, Survey, LXXVI, pp. 99-111.

74. Mikolajczyk, op. cit., p. 87.

75. Klimov, op. cit., pp. 212, 224.

76. Granovski, op. cit., pp. 209-11; Smith (ed.), op. cit., pp. 163-4. Na ilha
dinamarquesa de Bornholm, a guarnição soviética foi confinada em alojamentos
construídos nas florestas (Mary Dau, “The Soviet Union and the liberation of
Denmark”, Survey, verão de 1970, LXVI, pp. 77-8).

77. John R. Deane, The strange alliance: The story of American efforts at
wartime cooperation with Rússia, Londres, 1947, p. 155.

78. Ibid., pp. 180-1, 214-17; Kennan, op. cit., pp. 240-2; NA, RG 84, box 11
(relatório de George Kennan).

79. “A. I. Romanov”, op. cit., pp. 145-6.

80. Klimov, op. cit., pp. 65-7, 69-78, 121, 211. Essa euforia aumentava com a
aproximação da vitória (ibid,., pp. 18-19).

81. Ulam, op. cit., p. 595; A. Avtorkhanov, 3azaÕKa CMepmu CmaAuna,


3azoeop Eepun-, Frankfurt, 1976, pp. 16-17.
82. “A. I. Romanov”, op. cit., pp. 144-6, 226, 230, 238; Stipulkowski, op. cit.,
pp. 355-6; The report of the Royal Commission appointed under order in council
P. C. 411 of February 5, 1946, Ottawa, 1946, pp. 638, 639, 664-5; Koriakov, op.
cit., p. 159; Mikolajczyk, op. cit., pp. 248-9.

83. Otto Preston Chaney, Jr., Zhukov, Newton Abott, 1972, pp. 307, 348-52.

84. “A. I. Romanov”, op. cit., pp. 163-9.

85. Peter Deriabin e Frank Gibney, The secret world, Londres, 1960, pp. 63-8;
Nicolaevsky, Power and the Soviet elite, p. 239; Soljenitsin, op. cit., III, pp. 36-
9; Dallin e Nicolaevsky, op. cit., pp. 281-98.

86. Ver Ulam, op. cit., p. 618.

87. Soljenitsin, op. cit., III, pp. 26, 29; Klimov, op. cit., p. 291; Czapski, op. cit.,
p. 20; Smith (ed.), op. cit., p. 40; Ekart, op. cit., p. 135; Kravtchenko, op. cit., pp.
358, 409; Le procès Kravtchenko, p. 769; FO 371/24850, 195; FO 371/29499,
92.

88. Eliot B. Wheaton, Prelude to calamity: The nazi revolution 1933-35,


Londres, 1969, p. 332. Em outubro de 1938, após a crise de Munique, Stalin e
Hitler mais uma vez concordaram em amordaçar a crítica da imprensa sobre seus
respectivos regimes (Gerhard L. Weinberg, The foreign policy of Hitler’s
Germany: Starting World War II 1937-1939, Chicago, 1980, p. 531).

89. Seidl (ed.), op. cit., p. 126; R. J. Sontag e J. S. Beddie (eds.), Nazi-Soviet
relations 1939-1941, Washington, 1948, pp. 145, 177; Herbert von Dirksen,
Moskau Tokio London: Erinnerungen und Betrachtungen zu 20 Jahren deutscher
Aussenpolitik 1919-1939, Stuttgart, 1949, p. 126.

90. Ver Lukacs, op. cit., pp. 308-26, 345.

91. Stalin, op. cit., II (XV), pp. 21-3.

92. FO 800/415. Ver FO 800/302, 12-13, 18, 59-69, 72, 95-6; CAB 65/54, 124;
Joan Beaumont, Comrades in arms: British aid to Rússia 1941-1945, Londres,
1980, pp. 37, 42-3, 125-6, 134-5, 152, 159-65; Arthur Bryant, The turn of the
tide 1939-1943, Londres, 1957, pp. 376-7, 461-2, 463; Donald Macintyre, The
naval war against Hitler, Londres, 1971, pp. 309, 349.
93. Provas das sondagens para um tratado de paz com a Alemanha feitas por
Stalin são encontradas no seu discurso de 23 de fevereiro de 1942
(CoHUHeHUH, II (XV), pp. 43-4); para outras provas, ver Vojtetch Mastny,
Russia’s road to the cold war: Diplomacy, warfare, and the politics of
communism, 1941-1945, N. York, 1979, pp. 73-6, 77-83; Ulam, op. cit., p. 589;
Paul Schmidt, Hitler’s interpreter, Londres, 1951, pp. 269-70; Lukacs, op. cit.,
pp. 148-50.

94. Compare-se o relatório das OSS, “Rússia and the question of a separate
Russo-German peace” (14 de setembro de 1943), NA, R & A n.° 1193.

95. Ver KotufiepeHuux npedcmaeumeneü CCCP, CUIA u BeAiiKoôpumaHUu


e /JyMÕapmon-OKce: CõopnuKJJoKyMeHmoe, Moscou, 1978, pp. 102-6.

96. NA, RG 84, box 11.

97. NA Decimal Files, 861.00/6-2146.

98. Vojtetch Mastny, “The Cassandra in the Foreign Commissariat: Maxim


Litvinov and the cold war”, Foreign Affairs, 1976, LIV, p. 375.

99. Talbott (ed.), op. cit., p. 262.

100. Ver Ulam, “Communist doctrine in Soviet diplomacy”, Survey, 1970,


LXXVI, p. 4.

XVI. Atitudes do Ocidente


1. John Lukacs, The last European war: September 1939/December 1941,
Londres, 1976, pp. 411-13; Joan Beaumont, Comrades in arms: British aid to
Rússia 1941-1945, Londres, 1980, pp. 43, 147; Bill Jones, The Rússia complex:
The British Labour Party and the Soviet Union, Manchester, 1977, pp. 62-5.

2. Harold Nicolson, Diaries and letters 1939-1945, Londres, 1967, p. 250. Sobre
as desculpas dadas pela imprensa britânica para os crimes e as más intenções dos
soviéticos, ver Elisabeth Parker, Churchill and Eden at war, Londres, 1978, pp.
229-30.
3. Viktor Kravtchenko, I chose freedom, Londres, 1947, pp. 466-72.

4. Quase dez mil corpos foram descobertos em Vinnitsa em 1943 — vítimas dos
expurgos de Stalin na década de 30 (ver Amtliches Material zum Massenmord in
Winniza, Leipzig, 1943). Sou grato ao sr. W. Bolubash pela fotocópia desse
sombrio relatório, com suas terríveis fotografias. Compare-se também Alfred M.
de Zayas, Die Wehrmacht-Untersuchungsstelle: Deutsche Ermittlungen über
alliierte Völkerrechtsverletzungen im Zweiten Weltkrieg, Munique, 1980, pp.
362-5.

5. Relatório do general Andrew Thorne de 3 de abril de 1945 (PREM


3.364/17.790).

6. Comparem-se os sumários do serviço secreto da 5.a Divisão n.os 71, 509, 517
(WO 170/4240). Essa era a opinião do seu comandante, marechal-de-campo
Kesselring (ver Kesselring: A soldier’s record, N. York, 1954, p. 331). Provas
das atrocidades perpetradas pelos soviéticos contra prisioneiros de guerra
alemães nos primeiros dias da invasão foram reunidas em De Zayas, op. cit., pp.
136-7, 198-200, 273-324. Os nazistas não ficavam atrás nesse tipo de crueldade;
Hitler e Stalin tinham interesse num abismo intransponível de ódio entre seus
respectivos povos.

7. Ver Adam B. Ulam, Stalin: The man and his era, Londres, 1974, pp. 564-5;
George C. Herring, Jr, Aid to Rússia 1941-1946: Strategy, diplomacy, the
origins of the cold war, N. York, 1973, p. 301. Em 1942, Beaverbrook acreditava
que “os mortos russos” se interpunham no caminho de uma paz soviético-alemã!
(A. J. P. Taylor, Beaverbrook, Londres, 1972, p. 535).

8. Herring, op. cit., p. 297; Isaac Deutscher, Stalin: A political biography,


Oxford, 1949, p. 550. Ver a afirmação do próprio Stalin (FO 181/1012).

9. Avtorkhanov, “3aKyjiHCHaa HCTopna naKTa “Pn66eHTpon-


Mojiotob’”,KoHmuHewn-, 1975, IV, pp. 318-9.

10. Warren W. Eason, “The Soviet population today: An analysis of the first
results of the Soviet census” in Herbert Muller (ed.), Population movement in
modem European history, N. York, 1964, pp. 108-16.

11. Roy A. Medvedev, On Stalin and stalinism, Oxford, 1979, p. 130.


12. Gerald Reitlinger, The house built on sand: The conflicts of German policy
in Rússia 1939-1945, Londres, 1960, p. 449. Mais um milhão e duzentos mil
prisioneiros de guerra não voltaram para casa depois da guerra (ibid., p. 449).

13. Medvedev, op. cit., p. 140.

14. Nikolai Tolstoy, Victims of Yalta, Londres, 1977, p. 38.

15. Ibid., pp. 34-5.

16. Ver Helmut Krausnick, Hans Buchheim, Martin Broszat e Hans-Adolf


Jacobsen, Anatomy of the SS State, Londres, 1968, pp. 472-3, 523-31.

17. Leonard Schapiro e Peter Reddaway (eds.), Lenin: The man, the theorist, the
leader; A reappraisal, N. York, 1967, p. 172.

18. Informação do falecido brigadeiro R. C. Firebrace.

19. Gregory Klimov, The terror machine: The inside story of the Soviet
administration in Germany, Londres, 1953, pp. 19-20; Mikhail Soloviev, My
nine lives in the Red Artny, Londres, 1955, pp. 286-93; Walter Millis (ed.), The
Forrestal diaries, Londres, 1952, p. 260; Antoni Ekart, Vanished without trace:
The history of seven years in Soviet Rússia, Londres, 1954, p. 91; Peter Pirogov,
Why I escaped, Londres, 1950, p. 71; “A. I. Romanov”, Nights are longest there:
Smerch from the inside, Londres, 1972, pp. 72-4; C. A. Smith (ed.), Escape from
paradise, Londres, 1954, p. 129; Vladimir Petrov, My retreat from Rússia, Yale,
1950, pp. 145-6; Aleksandr Soljenitsin, Apxunenaz FyAci? 1918-1956: Oribim
XydoxcecmeeHHOZO MccAedoeanuH, I, p. 92; Peter J. Huxley-Blythe, The
East carne West, Caldwell, Ohio, 1964, pp. 180-1; ver Albert Konrad Herling,
The Soviet slave empire, N. York, 1951, pp. 61-3; Ruta U., Dear God, I wanted
to live, N. York, 1978, pp. 35-6. Às vezes, os homens dos batalhões penais
misturavam-se com as tropas regulares, mas não usavam roupas de camuflagem
para atrair o fogo do inimigo (compare-se a ilustração nas páginas 296-7 em
Alan Clark, Barbarossa, Londres, 1965). Os alemães usaram os prisioneiros
russos do mesmo modo (Reitlinger, op. cit., pp. 235, 242), prática
impudentemente condenada pelo “jurista” soviético, professor A. N. Trainin,
Hitlerite responsability under criminal law, Londres, 1945, p. 49.

20. Svetlana Alliluieva, Only one year, Londres, 1969, p. 353.


21. “A. I. Romanov”, op. cit., pp. 167-8, 209, 228.

22. Reitlinger, op. cit., pp. 283, 448-9.

25. Em 31 de outubro de 1939, Molotov declarou que dois mil quinhentos e


noventa e nove soldados tinham morrido na invasão da Polônia (Jane Degras,
ed., Soviet documents on foreign policy, Oxford, 1953, III, p. 393).

24. Medvedev, op. cit., p. 133.

25. Kravtchenko, op. cit., p. 405; “A. I. Romanov”, op. cit., pp. 116-17, 228-9;
Ronald Hingley, Joseph Stalin: Man and legend, Londres, 1974, pp. 346-8. Um
exemplo típico é o de uma vila inteira, perto de Odessa, que foi arrasada porque
não havia adotado o sistema de fazendas coletivas durante a ocupação alemã
(Smith, op. cit., p. 153).

26. Ver Robert Conquest, The nation killers: The Soviet deportation of
nationalities, Londres, 1970, pp. 64-6.

27. Medvedev, op. cit., p. 145; David J. Dallin e Boris I. Nicolaevsky, Forced
labor in Soviet Rússia, Londres, 1948, p. 262; Soljenitsin, op. cit. II, pp. 131-2,
216-17, 410, 542-3, 577.

28. Em 1942, ocorreram massacres em grande escala nos campos (Svetlana


Alliluieva, Twenty letters to a friend, N. York, 1967, P-79).

29. Dmitri Panin, The notebooks of Sologdin, Londres, 1976, p. 90. Panin estima
que outros cinco milhões morreram nos anos que se seguiram à guerra (ibid., p.
93).

30. Malcolm J. Proudfoot, European refugees: 1939-52: A study in forced


population movement, Londres, 1957, pp. 218-9.

31. Tolstoy, op. cit., pp. 408-9.

32. Para a defesa de Stalin por Lillian Hellman, ver Sidney Hook, “Lillian
Hellman’s scoundrel time”, Encounter, fevereiro de 1977, XLVIII, pp. 82-91.
Uma bibliografia recente relaciona setenta e nove livros e artigos que descrevem
as prisões e os campos soviéticos, publicados no Ocidente entre 1919 e 1945. No
ano da morte de Stalin, o número aumentara para duzentos e nove, a maioria
baseada em experiências de primeira mão (Libutche Zorin, Soviet prisons and
concentration camps: An annotated bibliography 1917-1980, Newtonville,
Mass., pp. 7-51).

33. The Times, 23 de novembro de 1979.

34. Compare-se a excelente exposição do professor Robert Sidelski, “Exploding


certain convenient myths of the 1930’s”, Encounter, junho de 1980, LIV, pp. 23-
8.

35. Hugh Thomas, John Strachey, Londres, 1973, p. 36.

36. Ver Lewis S. Feuer, “Marx and the intellectuals”, Survey, outubro de 1963,
XLIX, pp. 102-12.

37. Whittaker Chambers, Witness, Londres, 1953, pp. 66-8.

38. Eugene Lyons, Assignment in Utopia, Londres, 1937, pp. 324-32.

39. Ver Anthony Storr, Human aggression, Londres, 1968, pp. 26-7.

40. Michael Grand, Gladiators, Londres, 1967, pp. 115-16.

41. Alfred Adler: The neurotic constitution: Outlines of a comparative


individualistic psychology and psychotherapy, Londres, 1918, pp. 127-33, 140,
192, 324-5, 328.

42. C. G. Jung, Essays on contemporary events, Londres, 1947, p. 51.

43. Storr, op. cit., pp. 91-2. Hitler percebia instintivamente a tendência de um
homem para a crueldade e sabia o uso que podia fazer dela. “Por que falar tanto
sobre brutalidade e se indignar com a tortura? As massas querem isso. Precisam
de alguma coisa que as faça estremecer de horror” (Hermann Rauschning, Hitler
speaks, Londres, 1939, pp. 89-90).

44. Melvin J. Lasky, “In the margin: From Sartre to Solzhenitsyn”, Encounter,
julho de 1975, XLV, p. 94.

45. Solomon Volkov, Testimony: The memoirs of Dmitri Shostakovich,


Londres, 1979, pp. 152-5; Kravtchenko, op. cit., pp. 252-3; Klimov, op. cit., pp.
278-9; Lyons, op. cit., pp. 226-8.

46. Bernhard Roeder: Katorga: An aspect of modem slavery, Londres, 1958, pp.
247-8.

47. Henry Pelling (The British Communist Party: A historical profile, Londres,
1958, pp. 80-9) descreveu o recrutamento de jovens intelectuais pelo Partido nos
anos 30. Segundo Krivitski, o apoio deles representou uma parte crucial na ajuda
a Stalin para impor os expurgos e sobreviver-lhes a partir de 1936 (Walter
Krivitski, I was Stalin’s agent, Londres, 1939, p. 99).

48. Ver Nicolson, op. cit., p. 308; David Caute, The fellow-travellers: A
PostScript to the enlightenment, Londres, 1973, p. 158.

49. Ver Charles E. Bohlen, Witness to history, 1929-1969, Londres, 1973, pp.
125-6; George F. Kennan, Rússia and the West under Lenin and Stalin, Boston,
1961, pp. 349-50, 358-9; John Lewis Gaddis, The United States and the origins
of the cold war, 1941-1947, N. York, 1972, pp. 37-42. Uma minoria nos Estados
Unidos continuava entretanto a exprimir sua objeção às diretrizes soviéticas e à
sua ideologia (ibid, pp. 42-6, 53-6; Nicolson, op. cit., p. 295).

50. Winston S. Churchill, The Grand Alliance, Londres, 1950, p. 737. Em 1950,
o general Brooke sentiu-se aliviado porque o império tinha sido salvo, mas temia
que seus dias estivessem contados (Arthur Bryant, Triumph in the West 1943-
1946, Londres, 1959, pp. 502, 516, 517-8). Harold Nicolson via o império como
um leão comido de traças (op. cit., pp. 218-19).

51. John Harvey (ed.), The war diaries of Oliver Harvey, Londres, 1978, p. 267.
(Harvey achava que a Rússia de Stalin estava “na aurora da liberdade e do
esclarecimento”: p. 174.) Harold Macmillan tinha uma opinião pessimista nos
anos 30 (Andrew Boyle, The climate of treason: Five who spied for Rússia,
Londres, 1979, p. 18).

52. Nicolson, op. cit., pp. 170, 174.

53. Harvey (ed.), op. cit., pp. 57, 62-3, 116-17.

54. Beaumont, op. cit., pp. 74, 97-9; Taylor, op. cit., pp. 476, 492.

55. Harvey (ed.), op. cit., pp. 30, 47, 155, 293. Compare-se o sofrimento de Eden
quando descobriu que sua visita à Rússia em 1941 tinha recebido menor
publicidade do que a de Beaverbrook (ibid., pp. 80-1).

56. Ibid., p. 242. Muito infeliz durante sua visita à Casa Branca em 1943, Eden
confessou que “se sentia mais à vontade no Kremlin. Ali, pelo menos, falava-se
a sério” (p. 229).

57. Ibid., pp. 86, 288.

58. FO 800/301, 23. O Ministério do Exterior aconselhou vários chefes da


missão militar em Moscou a “ceder a eles sempre que isso fosse razoavelmente
possível” (tenente-general Sir Giffard Martell, The Russian outlook, Londres,
1947, p. 46; Bryant, op. cit., p. 149).

59. Nicolson, op. cit., pp. 404, 421. Eden, por sua vez, era admirado pelo
embaixador Maiski, em 1941, como um estadista britânico sensato (ibid.., p.
189).

60. FO 371/56887. O Ministério do Exterior “concordou em que havia


insuficiência de provas para apoiar essa teoria”. Eden havia adquirido uma
reputação nada lisonjeira como oponente ao apaziguamento de Hitler: ver David
Dilks (ed.), The diaries of Sir Alexander Cadogan, Londres, 1971, p. 415;
Telford Taylor, Munich: The price of peace, Londres, 1979, pp. 135, 137, 241,
243. Para seu apaziguamento contínuo de Stalin ver Dilks (ed.), op cit., pp. 446,
449-50; Arthur Bryant, The turn of the tide 1939-1943, Londres, 1957, p. 460; e
seu Triumph in the West, pp. 289-90; Martell, pp. 87, 108-9, 112-13, 117, 118-
21, 125-7; Stanislaw Kot, Conversations with the Kremlin and dispatches from
Rússia, Londres, 1963, p. 176; FO 800/301, 225, 229; FO 371/29471, 156-64,
173-4A; Tolstoy, op. cit., pp. 428-30.

61. Harvey (ed.), op. cit., p. 30.

62. Stanislaw Mikolajczyk, The pattern of Soviet domination, Londres, 1948, p.


89.

63. Boyle, op. cit., pp. 195-8.

64. FO 800/301, 43, 48. O embaixador notou a habilidade de Wilson para “fazer
contatos naquela época” (ibid, 23, 27).
65. Compare-se o relato do colega de Wilson, John Balfour (FO 371/37057, 9-
39); ibid., 5; Raphael Rupert, A hidden world, Londres, 1963, pp. 7-8; Fitzroy
Maclean, Eastern approaches, Londres, 1949, p. 49; Lyons, op. cit., pp. 318,
424-7; John Murray, A spy called Swallow: The true love story of Nora, the
Russian agent, Londres, 1978, pp. 115, 137, 143-4.

66. FO 800/302, 73.

67. Ibid., 53-7. Wilson havia pensado em persuadir o embaixador de Moscou,


Clark Kerr, a enviar nota em seu nome (ibid., p. 29). Ver Baker, op. cit., pp. 289-
91.

68. FO 371/43335.

69. FO 371/36923, 28-9; FO 800/301, 48. Sobre a associação de Zintchenko ao


NKVD, ver David J. Dallin, Soviet espionage, Yale, 1955, p. 478.

70. FO 800/302, 29, 30, 73. Sobre os movimentos dos soviéticos nessa época na
Polônia oriental, ver George H. Janczewski, “The origin of the Lublin
government”, The Slavonic and East European Review, 1972, I, pp. 410-33.

71. 80 800/301, 102; FO 800/302, 29-30.

72. O marechal-de-campo Brooke criticou a atitude do Ministério do Exterior


(FO 371/43288, 135).

73. Mikolajczyk, op. cit., pp. 58, 7.3; Robert Moss, “Moscow’s link with
Gestapo”, Daily Telegraph, 25 de agosto de 1980.

74. FO 371/43288, 125; FO 371/43290, 14, 140.

75. Ibid., 231-40.

76. FO 371/43288, 58, 65; FO 800/302, 74.

77. Ibid., 219; FO 800/302, 74.

78. John R. Deane, The strange alliance: The story of American efforts at
wartime cooperation with Rússia, Londres, 1947, pp. 154, 203.
79. FO 800/302, 73-4, 219; FO 371/43382, 138. Sobre Tchitchaev, ver FO
371/47709, N 1109, N 1184. Em maio de 1945, ele foi transferido para Praga
como “ministro-conselheiro” (NA 861.00/1-1546).

80. Christopher Warner, chefe do Departamento do Norte em março de 1944,


achava que “sua fé nos russos está sendo sujeita a tensões sempre novas” (FO
800/302, 220).

81. FO 800/302, 220.

82. Tolstoy, op. cit., pp. 43, 137, 148, 421. Guy Burgess estava servindo no
Departamento de Notícias do Ministério do Exterior nessa época (Boyle, op. cit.,
pp. 253, 264, 278).

83. Manchester Guardian, 16 de setembro de 1946. Sou grato ao sr. Edward


Pearce por esta referência e a seguinte.

84. Daily Herald, 17 de janeiro de 1947. A natureza evidentemente fraudulenta


da “redistribuição de terras” soviética na Polônia é descrita por Stanislaw
Mikolajczyk, líder do Partido Camponês da Polônia (op. cit., pp. 243-5).

85. FO 381/47987, 4.

XVII. Objetivos comuns e decisões desonestas


1. General S. M. Chtemenko, TeHepanbHbiü Ulmaõ e zodbi eoÜHbi, Moscou,
1937, II, pp. 449-50. Uma discussão anterior sobre o assunto deste capítulo está
no capítulo 11 do meu Victims of Yalta. Não achei necessário repetir as
referências ao material já reproduzido nesse livro.

2. Chtemenko era um general muito chegado a Stalin (Ronald Hingley, Joseph


Stalin: Man and legend, Londres, 1974, p. 421;

Oleg Penkovskiy, The Penkovskiy papers, N. York, 1965, pp. 70, 89-90).

3. NA, RG 59, 711. 62114/Ic-744. Uma instrução igualmente comprometedora


chegou em 19 de fevereiro de 1945 (WO 32/11119, 230A).
4. No dia 12 de maio de 1945, o afhq informou às autoridades soviéticas que “a
disposição dos cidadãos soviéticos continua a ser regulamentada segundo os
acordos atuais entre Estados Unidos, Grã-Bretanha e URSS” (WO 204/1596).

5. WO 170/4183, 487.

6. General V. Naumenko (ed.), BenuKoeTlpedamejibcmeo: Bbidana K03ÜKO6


e Jluem^e u dpyzux Mecmax (1945-1947), N. York, 1962-70, I, p. 140; Joseph
Mackiewicz, Kontra, Paris, 1957, pp. 144-5; Peter J. Huxley-Blythe, The East
came West, Aldwell, Idaho, 1964, p. 121.

7. WO 32/11119, 230A. Outros exemplos do envolvimento de Macmillan na


questão da cidadania soviética são mencionados em ibid., 138c, 142A; WO
32/11137, 62c, 78A, 388A; WO 32/11681; WO 204/2877.

8. Cabe aqui aludir ao fato de que trinta mil refugiados iugoslavos, entregues em
maio de 1945 pela 5.a Divisão aos guerrilheiros de Tito, foram massacrados a
sangue-frio em Bleiburg. Isso foi definido por um funcionário do Ministério do
Exterior em Belgrado como um “terrível engano”, e um memorando posterior
refere-se ao fato como “descuidado”. Só podemos pensar na série de “descuidos”
estranhos cometidos nesse tempo e nesse lugar. Ver David Floyd, “How Britain
sent 30,000 refugees to their death”, Now!, 16 de novembro de. 1979, pp. 57-8.
Em 19 de maio, o coronel Rose Price, do 3.° Batalhão de Guardas de Gales,
anotou em seu diário de guerra: “Começa a evacuação dos croatas. Ordem de
sinistra duplicidade recebida, isto é, para enviar os croatas para seus inimigos,
isto é, os de Tito, para a Iugoslávia, dando a impressão de que estariam indo para
a Itália. Os guardas de Tito estão escondidos nos trens” (WO 170/4982).

9. PREM 3. 364, 750-2.

10. WO 170/4183, 487.

11. WO 170/4183, 460.

12. Detalhes sobre intérpretes e formulários estão em Naumenko (ed.), op. cit.,
II, p. 169; A. I. Delianitch, Bojibtpcõepz -373, San Francisco, 1975, p. 105. O
incidente é relatado em detalhes no meu Victims of Yalta, Corgi Books,
Londres, 1979, pp. 299-308, 325-7.

13. “A. I. Romanov”, Nights are longest there: Smerch from the inside, Londres,
1972, pp. 169-74. Os cossacos foram recebidos em Judenburg pelos homens do
NKVD (Naumenko, ed., op. cit., II, p. 300).

14. “A. I. Romanov”, op. cit., pp. 148-9. O assassinato brutal de um oficial
cossaco que perdera uma perna, no quartel-general da Smerch, é descrito por
Naumenko (ed.), op. cit., II, p. 185.

15. Ibid., I, p. 183.

16. Ver Roy A. Medvedev, On Stalin and stalinism, Oxford, 1979, pp. 134-5;
Unto Parvilahti, Beria’s gardens: Ten years captivity in Rússia and Sibéria,
Londres, 1959, pp. 76, 128; Z. Stipulkowski, Invitation to Moscou), Londres,
1951, pp. 211-32.

17. Naumenko (ed.), op. cit., I, p. 141.

18. WO 170/5034.

19. Delianitch, op. cit., p. 59.

20. Naumenko (ed.), op. cit., II, p. 300.

21. “Cone and Collecting Pts and transit camps as at 16 May 45”, gentilmente
emprestado pelo major R. C. Taylor, na época oficial da 78.a Divisão de
Infantaria.

22. Um oficial aposentado, Shaun Stewart, declarou em 1978 que não se


arrependia de sua participação na prisão vigorosa dos cossacos e de suas
famílias. “Certamente eu não sabia e ainda não sei”, afirma ele (Victims of
Yalta, pp. 20-1).

23. Tadeusz Wittlin, Commissar: The life and death of Lavrenty Pavlovich
Beria, Londres, 1973, pp. 21-3, 38, 289; Robert Conquest, The great terror:
Stalin’s purge of the thirties, Londres, 1968, p. 465; “A. I. Romanov”, op. cit., p.
138; David J. Dallin e Boris I. Nicolaevsky, Forced labor in Soviet Rússia,
Londres, 1948, p. 269.

24. Gustav Hilger e Alfred G. Meyer, The incompatible allies: A memoir history
of German-Soviet relations, 1918-1941, N. York, 1953, p. 322; Adam B. Ulam,
Stalin: The man and his era, Londres, 1974, p. 526.
25. N. N. Krasnov, He3a6bieaeMoe-, N. York, 1957, pp. 75-81.

26. Ver Naumenko (ed.), op. cit., II, pp. 36-8.

27. Ver E. H. Cookridge, The third man: The truth about "Kim” Philby, double
agent, Londres, 1968, pp. 113-16.

28. Huxley-Blythe, op. cit., pp. 202-10.

P. S. Uma prova direta da hostilidade do marechal-de-campo Alexander à


entrega dos cossacos me foi recentemente fornecida pela sra. Louise Buchanan
que, em 1945, passou algum tempo na casa de vizinhos e amigos dos
Alexanders, na Irlanda do Norte. De licença em Hillsborough, Alexander
desabafou as muitas frustrações que o atormentavam no teatro de guerra do
Mediterrâneo. “Naturalmente”, escreve a sra. Buchanan, “foi mencionada a
entrega dos cossacos e lembro-me de ter ficado admirada ao saber que os
protestos de Alex tinham sido completamente ignorados, o que o deixara furioso
e frustrado. Como Wavell e Tedder, ele era um romântico a respeito de sua vida
militar, você sabe. E isso é difícil de explicar em 1980.”

Devo a informação e a ajuda recebidas para este capítulo ao professor John


Erickson, ao sr. Peter J. Huxley-Blythe e ao brigadeiro C. E. Tryon-Wilson.

XVIII. Mãos através dos mares


1. Henry Pelling, The British Communist Party: A historical profile, Londres,
1958, pp. 105-7; David Caute, The fellow-travellers: A PostScript to the
enlightenment, Londres, 1973, p. 10.

2. FO 371/37019, 2; FO 800/301, 29.

3. Elliot R. Goodman, The Soviet design for a world State, N. York, 1960, pp.
44-5; W. G. Krivitski, I was Stalin’s agent, Londres, 1939, pp. 43-92; Viktor
Kravtchenko, I chose freedom, Londres, 1947, p. 422; The report of the Royal
Commission... to investigate the facts relating to... the communication... of secret
and confidential Information to agents of a foreign power, Londres, 1946, p.
640; Pelling, op. cit., pp. 122-4.

4. “A. I. Romanov”, Nights are longest there: Smerch from the inside, Londres,
1972, p. 238. Ameaças idênticas foram feitas nessa época pelo colega de
Abakumov, V. N. Merkulov: ver Nicolai Tolstoy, Victims of Yalta, Londres,
1977, p. 193.

5. Ver David J. Dallin, Soviet espionage, N. York, 1955, pp. 14-21, 25-70;
Krivitski, op. cit., pp. 88, 90-1.

6. Ibid., p. 90; Whittaker Chambers, Witness, Londres, 1953, pp. 265-6.

7. Dallin, op. cit., pp. 202, 416; “A. I. Romanov”, op. cit., pp. 68-9; Gordon
Brook-Shepherd, The storm petrels: The first Soviet defectors, 1928-1938,
Londres, 1977, p. 236; Elisabeth K. Poretski, Our own people: A memoir of
"Ignace Reiss and his friends, Oxford, 1969, p. 145; Victor Serge, A. Rosmer e
Maurice Wullens, Hassassinat d'Ignace Reiss, Paris, 1938, p. 17 (referência
gentilmente cedida pelo professor Robin Kemball).

8. Hermann Rauschning, Hitler speaks: A series of political conversations with


Adolf Hitler on his real aims, Londres, 1939, pp. 17-19. A cínica bazófia de
Hitler encontra paralelo exato nas instruções para recrutamento de traidores pelo
NKVD baixadas pelo general Sudoplatov em 1946 (John Barron, KGB: The
secret work of Soviet agents, Londres, 1974, p. 309).

9. Ver Henri Noguères, Munich: Or the phoney peace, Londres, 1965, pp. 364-5;
John Lukacs, The last European war: September 1939/December 1941, Londres,
1976, pp. 213-15.

10. “A. I. Romanov”, op. cit., p. 59. Ver George F. Kennan, Rússia and the West
under Lenin and Stalin, Boston, 1961, p. 225.

11. Sobre Pontecorvo, ver Joint Committee on Atomic Energy, Soviet atomic
espionage, Washington, 1951, pp. 12, 38-9.

12. F. W. Deakin e G. R. Storry, The case of Richard Sorge, N. York, 1966, pp.
139-40, 141, 143.

13. Guy Burgess roubava cigarros dos amigos e saqueava casas destruídas por
bombardeios — crimes não cometidos para ganhar alguma coisa mas como
substitutos de auto-realização (Kim Philby, My secret war, Londres, 1968, p. 8;
Andrew Boyle, The climate of treason: Five who spied for Rússia, Londres,
1979, p. 335).

14. Ver Poretski, op. cit., pp. 22-6.

15. Soviet atomic espionage, pp. 11-12, 26.

16. Chambers, op. cit., p. 299.

17. Ibid., pp. 265-6; Krivitski, op. cit., pp. 90-2; Soviet atomic espionage, pp. 82,
101-2, 103, 106-7, 109-10, 160; The report of the Royal Commission, pp. 104,
543; Dallin, op. cit., pp. 20-4; Vladimir e Evdokia Petrov, Empire of fear,
Londres, 1956, p. 275.

18. David Dilks (ed.), The diaries of Sir Alexander Cadogan, Londres, 1971, p.
383; FO 800/301, 84-5; Dallin, op. cit., p. 427.

19. Ibid., pp. 217-18, 230-1, 270-1; John R. Deane, The strange alliance: The
story of American efforts at wartime cooperation with Rússia, Londres, 1947,
pp. 50-5; Tolstoy, op. cit., pp. 64-8; Joseph E. Pérsico, Piercing the Reich: The
penetration of nazi Germany by American secret agents during World War II, N.
York, 1979, p. 335.

20. FO 371/43361. 2-11. Mais detalhes sobre o trabalho de espionagem em


Arkhanguelsk são dados por Petrov, op. cit., p. 161; sobre o registro dos pontos
fracos dos estrangeiros, ver p. 264.

21. John Murray, A spy called Swallow: The true love story of Nora, the Russian
agent, Londres, 1978, pp. 57-68; FO 371/24856, 344-76.

22. Peter Deriabin e Frank Gibney, The secret world, Londres, 1960, pp. 91,
199; Kravtchenko, op. cit., pp. 148-66; C. A. Smith, Escape from paradise,
Londres, 1954, p. 26; Milovan Djilas, Conversations with Stalin, Londres, 1962,
pp. 93-4, e seu Wartime, N. York, 1977, pp. 429, 434; Eugene Lyons,
Assignment in Utopia, Londres, 1937, p. 239; Robert Conquest, The great terror:
Stalin’s purge of the thirties, Londres, 1968, p. 410; Gustav Hilger e Alfred G.
Meyer, The incompatible allies: A memoir-history of German-Soviet relations,
1918-1941, N. York, 1953, p. 162.
23. Robert Conquest, Kolyma The Arctic death camps, Londres, 1978, pp. 194-
5. As moças trabalhavam como prostitutas para os altos funcionários e militares
do Partido, com o coronel Serov do NKVD fazendo o papel de cafetão (Mikhail
Soloviev, My nine lives in the Red Army, N. York, 1955, p. 35).

24. FO 800/301, 62.

25. Richard Deacon, The British connection: Russia's manipulation of British


individuais and institutions, Londres, 1979, pp. 50-1; Vojtetch Mastny, Russia’s
road to the cold war: Diplomacy, warfare, and the politics of communism, 1941-
1945, N. York, 1979, p. 99; Caute, op. cit., p. 274; Sir Giffard Martell, The
Russian Outlook, Londres, 1947, pp. 138-40; Z. Stipulkowski, Invitation to
Moscow, Londres, 1951, p. 337; Arthur Koestler, The yogi and the commissar
and other essays, Londres, 1945, p. 152..

26. Gregori Klimov, The tenor machine: The inside story of the Soviet
administration in Germany, Londres, 1953, pp. 260-1; Strobe Talbott (ed.),
Khrushchev remembers, Boston, 1970, p. 131; Kravtchenko, op. cit., pp. 185-6,
317, 451.

27. FO 800/300, 154.

28. Informação fornecida por L. H. Manderstan, então oficial das soe. Talvez as
esperanças de Hill fossem baseadas em suas experiências de vinte e cinco anos
antes, quando, como agente britânico na Rússia, tinha se utilizado de uma
prostituta para seu correio secreto (Geoffrey Bailey, The conspirators, Londres,
1961, p. 33).

29. Philby, op. cit., p. 8.

30. FO 371/43382, 138-42.

31. Lyons, op. cit., p. 458. Na época de Khrushchev, os judeus já tinham sido
expurgados quase completamente do serviço secreto (Oleg Penkovskiy, The
Penkovskiy papers, N. York, 1965, p. 358).

32. Boyle, op. cit., pp. 318-19, 351. Já em 1970, o sr. Alan Walker, primeiro-
secretário da legação dos países bálticos, ouviu do seu chefe, Sir Joseph
Addison: “Lembre-se, meu caro Alan, a coisa que as velhas dos dois sexos que
estão atrás do secretário particular mais detestam é tudo o que seja franco ou
natural. Nunca, a não ser que você seja rico e possa mandá-los... adquira a
reputação de gostar de mulheres; uma coisa tão natural é anátema para eles; seja
um sodomita, um bêbado ou um vermelho e assim poderá ‘cometer um ou dois
erros’ ” (informação gentilmente fornecida pelo sr. Walker).

33. E. H. Cookridge, The third man: The truth about “Kim” Philby, double
agent, Londres, 1968, pp. 116, 125.

34. Deacon, op. cit., pp. 51-2; Lyons, op. cit., pp. 331, 511; Boyle, op. cit., pp.
51-2; Lyons, op. cit., pp. 331, 511; Boyle, op. cit., p. 115.

35. Radio Times, 12-18 de janeiro de 1980, p. 4.

36. Alastair Hamilton, The appeal of fascism: A study of intellectuals and


fascism 1919-1945, Londres, 1971, pp. 237-8; Lukacs, op. cit., pp. 388-9.

37. Richard Hanser, Prelude to terror: The rise of Hitler 1919-1923, Londres,
1971, p. 292.

38. Rauschning, op. cit., p. 23.

39. R. G. L. Waite, V anguard of nazism: The Free Cor ps Movement in Postwar


Germany 1918-1923, Cambridge, Mass., 1952, pp. 222-3; Konrad Heiden,
Hitler: A biography, Londres, 1936, pp. 216-20, 384, 400; Saul Friedländer,
Counterfeit nazi: The ambiguity of good, Londres, 1969, p. 42.

40. Richard Grunberger, A social history of the Third Reich, Londres, 1971, pp.
63, 335, 347-9, 384. Podem-se observar especialmente as implicações
homossexuais na Hitlerjungend e outras organizações semelhantes, onde os
membros eram “reunidos em nome de um ideal místico masculino, que
soprepujava todos os laços de família” (D. J. West, Homosexuality, Londres,
1960, p. 24; cf. Grunberger, op. cit., pp. 352-3, 259; David L. Schoenbaum,
Hitler’s social revolution: Class and status in nazi Germany, Londres, 1967, pp.
187-92).

41. Boyle, op. cit., p. 368.

42. Cf. The report of the Royal Commission, pp. 93, 617-18, 693-5.

43. Chambers, op. cit., p. 288; Allen Weinstein, Perjury: The Hiss-Chambers
case, Londres, 1978, p. 172.

44. Ibid., pp. 351-7, 361-3, 449.

45. A denúncia magistral do professor Weinstein contrasta com a extrema


fragilidade da defesa feita pelos partidários de Hiss. Cf. ibid., p. 585; Sidney
Hook, “The case of Alger Hiss”, Encounter, agosto de 1978, LI, pp. 48-55;
“Arguments (new & old), about the Hiss case”, ibid., março de 1979, pp. 80-90.

46. James F. Byrnes, Ali in one lifetime, Londres, 1960, p. 322.

47. Weinstein, op. cit., p. 510.

48. Djilas, op. cit., p. 77. O “amigo” anônimo que estava mantendo Stalin
informado sobre as negociações altamente secretas entre Aliados e alemães, em
março de 1945, deve ter sido um alto funcionário do Ministério do Exterior ou
do Departamento de Estado: ver Adam B. Ulam, Stalin: The man and his era,
Londres, 1974, p. 611.

49. Cf. Elisabeth Barker, Churchill and Eden at war, Londres, 1978, p. 223.

50. David Rees, Harry Dexter White: A study in paradox, Londres, 1974, pp.
116-18, 180-2, 191, 212-14, 244-76. O Plano Morgenthau foi calorosamente
defendido pelos soviéticos (ibid., pp. 298-301, 309, 476).

51. Ibid., pp. 214-20; Weinstein, op. cit., p. 455.

52. Rees, op. cit., pp. 94-7.

53. Cf. Dallin, op. cit., pp. 389-492.

54. Deriabin e Gibney, op. cit., p. 180. A pesquisa atômica soviética tinha sido
prejudicada seriamente pelos expurgos de cientistas importantes (Alex
Weissberg, Conspiracy of silence, Londres, 1952, p. 359), enquanto outros eram
obrigados a trabalhar para a administração do GULAG (Smith, op. cit., pp. 82-
3). Tanto os traidores que trabalhavam no estrangeiro quanto a pesquisa atômica
na Rússia estavam convenientemente sob a direção de Béria (“A. I. Romanov”,
op. cit., p. 178).

55. William Boyce Thompson usava a Cruz Vermelha americana para encobrir
seus negócios (Robert C. Williams, Russian art and American money, 1900-
1940, Cambridge, Mass., 1980, pp. 18-20).

56. Ibid., pp. 168-9.

57. Ibid., pp. 196, 197, 201, 209, 218-9; NA 861.00/10-246. Sobre a importância
das relações comerciais dos Hammer com a União Soviética, tão ativas hoje
quanto naquele tempo, ver o estudo de Levinson, Vodka-Cola, Londres, 1980,
pp. 7, 126, 138, 194, 195, 247. Hammer foi condenado por fazer contribuições
ilegais à campanha presidencial de Nixon e foi acusado de suborno contínuo em
escala internacional (ibid., p. 252).

58. Williams, op. cit., pp. 219-24.

59. Cf. Robert Dallek, Franklin D. Roosevelt and American foreign policy 1932-
1945, N. York, 1979, pp. 78-81.

60. Williams, op. cit., pp. 229-62; John Lewis Gaddis, The United States and the
origins of the cold war, 1941-1947, N. York, 1972, pp. 34-7, 48, 73, 143, 302.

61. George F. Kennan, Memoirs, 1925-1950, Boston, 1967, pp. 84-5; Charles E.
Bohlen, Witness to history 1929-1969, Londres, 1973, pp. 40-1; Dallek, op. cit.,
pp. 144-5. Para uma ação de aparência igualmente sinistra alguns anos mais
tarde, cf. Brook-Shepherd, op. cit., p. 168.

62. David Martin, Patriotic or traitor: The case of general Mikhailovitch,


Stanford, 1978, pp. 83-90, 99-119, etc. As fontes do MI6 parecem também ser
falsas (ibid., pp. 108-17). Confronte-se também Stanisa Vlahovic, “Audiatur et
altera pars — British wartime policy towards Yugoslavia”, South Slav Journal,
1979, II, pp. 5-8; Deacon, op. cit., pp. 162-70; a resenha de Rebecca West do
livro de Martin no South Slav Journal, II, n.° 2, pp. 18-19; ibid., 1980, III, n.° 2,
pp. 52-5.

63. Cookridge, op. cit., p. 16; Boyle, op. cit., pp. 66, 69, 72, 75, 77, 100; Pelling,
op. cit., pp. 151-2; Deacon, op. cit., pp. 77-8, 92.

64. South Slav Journal, II, p. 8 (referência a FO 371/48865, 159).

65. Cf. Cookridge, op. cit., pp. 14-15, 19, 38; Boyle, op. cit., pp. 102, 213-14;
Deacon, op. cit., pp. 96-7, 137-8; Pelling, op. cit., pp. 111, 125-6; FO 371/37007,
103-4.

66. FO 371/71661.

67. Compare-se com minha resenha, “ ‘Victims of Yalta’ — an inquiry?”,


Encounter, 1980, LIV, pp. 89-92.

68. Nicholas Bethell, The last secret: Forcible repatriation to Rússia 1944-7,
Londres, 1974, p. 53. Strachey era um amigo de Blunt, Burgess e Springhall
(Hugh Thomas, John Strachey, Londres, 1973, pp. 202, 205), e pelo menos uma
vez traiu seu país para ajudar interesses estrangeiros (ibid. p. 229).

69. Tolstoy, op. cit., pp. 104-5.

70. Petrov, op. cit., pp. 211.

71. “A. I. Romanov”, op. cit., p. 170.

72. Nikolai Krasnov, The hidden Rússia, N. York, 1960, pp. 77, 249, 325-6.

73. “A. I. Romanov”, op. cit., pp. 151, 236, 248.

74. Bertram D. Wolfe, Khrushchev and Stalin’s ghost, N. York, 1957, p. 46.

Epílogo
1. Ver Arthur M. Schlesinger, Jr., “The cold war revisited”, New York Review
of Books, outubro de 1979, XXVI, pp. 46-52.

2. Schlesinger, Jr., “Origins of the cold war”, Foreign Affairs, 1967, XLVI, pp.
46-7. Sobre a simpatia de Stalin pelo conceito de revolução comunista
internacional, ver Robert C. Tucker, “The emergence of Stalin’s foreign policy”,
Slavic Review, 1977, XXXVI, pp. 568-71; Elliot R. Goodman, The Soviet
design for a world State, N. York, 1960, pp. 36-41.

3. Bernard Pares, A history of Rússia, Londres, 1949, p. 612. Mesmo


comentadores esclarecidos como o professor Schlesinger sugerem, por
implicação, que Stalin foi motivado pela preocupação com os russos mortos na
guerra (Foreign Affairs, XLVI, pp. 29-30). Como foi demonstrado, a maioria dos
vinte milhões foram mortos por ordem de Stalin.

4. Citado em ibid., pp. 29-30.

5. Cf. Joseph Czapski, The inhuman land, Londres, 1951, p. 225; Charles E.
Bohlen, Witness to history 1929-1969, Londres, 1973, pp. 91, 197; Winston S.
Churchill, Triumph and tragedy, Londres, 1954, p. 323.

6. Strobe Talbott (ed.), Khrushchev remembers, Boston, 1970, pp. 307, 361.

7. Assim escreveu Fitzroy Maclean em 1941 (FO 371/29479, 15). Ver Robert E.
Sherwood, Roosevelt and Hopkins: An intimate history, N. York, 1948, pp. 327-
30, 343-5; John R. Deane, The strange alliance: The story of American efforts at
wartime cooperation with Rússia, Londres, 1947, pp. 20, 258, 300-1; Walter
Bedell Smith, Moscow mission 1946-1949, Londres, 1950, p. 188; David Dilks
(ed.), The diaries of Sir Alexander Cadogan, Londres, 1971, pp. 219, 656, 747;
Stanislaw Kot, Conversations with the Kremlin and dispatches from Rússia,
Londres, 1963, p. XVIII.

8. Foi assim que o embaixador turco relatou seu encontro de 2 de março de 1940
(FO 371/24843, 334).

9. Aleksandr Orlov, The secret history of Stalin's crimes, Londres, 1954, pp.
129-30.

10. Milovan Djilas, Conversations with Stalin, Londres, 1962, p. 105.

11. George Kennan, Rússia and the West under Lenin and Stalin, Boston, 1961,
p. 351; Adam B. Ulam, Stalin: The man and his era, Londres, 1974, p. 571.

12. Vojtetch Mastny, Russia’s road to the cold war: Diplomacy, warfare, and the
politics of communism, 1941-1945, N. York, 1979, pp. 273-9.

13. Talbott (ed.), op. cit., p. 156; Ulam, op. cit., pp. 522, 598. Em Teerã,
Churchill fizera várias declarações a favor da Finlândia (Winston Churchill,
Closing the ring, Londres, 1952, pp. 351-4). A preservação da independência
finlandesa permitiu que os escritores pró-soviéticos do Ocidente minimizassem
as suspeitas contra as intenções dos soviéticos na Europa (cf. Walter Duranty,
Stalin & Co.: The Politburo — the men who run Rússia, Londres, 1949, pp. 143-
4).

14. Djilas, op. cit., p. 70; Mary Dau, “The Soviet Union and the liberation of
Denmark”, Survey, verão de 1970, LXXVI, pp. 75-81. Stalin sempre teve uma
noção realista de compromisso (cf. Robert Conquest, The great terror: Stalin’s
purge of the thirties, Londres, 1968, p. 428).

15. Djilas, op. cit., p. 71. A ansiedade de Stalin quanto à possibilidade de bases
aéreas americanas nas ilhas Curilas era uma indicação dos seus temores (Ulam,
op. cit., p. 628).

16. Djilas, op. cit., p. 95; Viktor Kravtchenko, I chose freedom, Londres, 1947,
pp. 419-20; Correspondence between the chairman of the council of ministers of
the U.S.S.R. and the presidents of the U.S.A. and the prime ministers of Great
Britain during the Great Patriotic War of 1941-1945, Londres, 1958, I, pp. 41-5;
Willi A. Boelcke (ed.), The secret conferences of Dr. Goebbels October 1939-
March 1943, Londres (sem data), p. 236; David Irving, Hitler’s war, Londres,
1977, p. 211; Winston S. Churchill, The Grand Alliance, Londres, 1950, p. 736,
e seu The hinge of fate, Londres, 1951, pp. 179-80, 294-5.

17. Werner Maser, Hitler, Londres, 1973, pp. 92-3.

18. General S. M. Chtemenko, The last six months: Russia’s final battles with
Hitler’s armies in World War II, Londres, 1978, p. 41.

19. Nikolai Tolstoy, Victims of Yalta, Londres, 1977, p. 104.

20. Svetlana Alliluieva, Twenty letters to a friend, N. York, 1967, p. 134;


Gregory Klimov, The terror machine: The inside story of the Soviet
administration in Germany, Londres, 1953, p. 147; Talbott (ed.), op. cit., p. 221.

21. BneiUHRR nojiumuKa CoeemcKozo Coto3a e nepuod OmenecmeeHHOÜ


eoünbi, Moscou, 1946, II, p. 105.

22. Cf.Mastni, op. cit., pp. 133-44.

23. David J. Dallin e Boris I. Nicolaevsky, Forced labor in Soviet Rússia,


Londres, 1948, pp. 296-8; Albert Konrad Herling, The Soviet slave empire, N.
York, 1951, pp. 168-96; The dark side of the Moon, Londres. 1946, pp. 229,
296-7. O relato pessoal de um polonês enviado para Vorkuta nessa época está
em Edward Buca, Vorkuta, Londres, 1976, pp. 17-46.

24. Tolstoy, op. cit., pp. 408-9.

25. As deportações de caucasianos e tártaros da Crimeia são mencionadas em


Aleksandr Nekritch, HaKü.saHHbie Hapodbi, N. York, 1978, pp. 96-9; Robert
Conquest, The nation killers: The Soviet deportation of nationalities, Londres,
1970, pp. 64-6.

26. V. Stanley Vardys, Lithuania under the Soviets: Portrail of a nation, 1940-
65, N. York, 1965, pp. 85-108; Talbott (ed.), op. cit., pp. 140-1; Unto Parvilahti,
Beria’s gardens: Ten years captivity in Rússia and Sibéria, Londres, 1959, pp.
153-4; Communist takeover and occupation of Ukraine: Special report n.° 4 of
the Select Committee on Communist Agression, Washington, 1955, pp. 30-2.

27. J. G. Frazer, The scapegoat, Londres, 1913, p. 105.

28. Ulam, op. cit., p. 683.

29. Talbott (ed.), op. cit., pp. 280-1, 308. Quando sua filha Svetlana pediu para
que retirassem seus guarda-costas, a reação imediata de Stalin foi: “Então, vá
para o diabo. Deixe-se matar, se é isso o que quer” (Alliluieva, op. cit., p. 134).

30. Adam B. Ulam, em Slavic Review, XXXVI, p. 307; George F. Kennan,


Memoirs 1925-1950, Boston, 1967, pp. 537, 543-4.

31. Mastny, op. cit., p. 272.

32. Cf. G. A. Tokaev, Comrade X, Londres, 1965, pp. 321-2; Klimov, op. cit., p.
306.

33. John H. Backer, The decision to divide Germany: American foreign policy in
transition, Durham, NC, 1978, pp. 151-2; Djilas, op. cit., p. 106; Talbott (ed.),
op. cit., p. 233.

34. Comparem-se as avaliações realistas de Stalin sobre as forças americanas e


soviéticas (Djilas, op. cit., pp. 62, 138, 141, 164).

35. Adam B. Ulam, Expansion and coexistence: The history of Soviet foreign
policy, 1917-1967, Londres, 1968, pp. 425-8, e seu Stalin: The man and his era,
pp. 638-40; op. cit., pp. 164-5; Backer, op. cit., pp. 145, 149-55; James F.
Byrnes, Speaking frankly, N. York, 1947, pp. 188-92.

36. John Barron, KGB: The secret work of Soviet agents, Londres, 1974, pp.
309-10; Vladimir e Evdokia Petrov, Empire of fear, Londres, 1965, p. 257.

37. Nikolai Krasnov, The hidden Rússia, N. York, 1960, pp. 208-9, 223;
Bernhard Roeder, Katorga: An aspect of modem slavery, Londres, 1958, p. 156.

38. NA 800.20261/9-949; Robert Conquest, Kolyma: The Arctic death camps,


Londres, 1978, pp. 25, 64, 154-8; Elinor Lipper, Eleven years in Soviet prison
camps, Londres, 1951, pp. 290-1; Zoltan Toth, Prisoner of the Soviet Union,
Londres, 1978, pp. 92-3, 109-13, 115-19; Parvilahti, op. cit., pp. 205-7, 253-4;
Roeder, op. cit., pp. 21-7; Dmitri Panin, The notebooks of Sologdin, Londres,
1976, pp. 88-91, 103-5, 123-4, 161; Variam Chalamov, “IIociieflHHH Eoh
Maiiopa IlyraHeBa”, KoAMMCKue PaccKü3u, Londres, 1978, pp. 833-47;
Edward Buca, Vorkuta, pp. 231-74.

39. Mikhail Soloviev, My nine lives in the Red Army, N. York, 1955, pp. 106-7;
Tokaev, op. cit., pp. 245, 280-1.

40. Karel Kaplan, “Segretissimo dal East”, Panorama, 26 de março de 1980, pp.
164-89. Ver The Times, 6 de maio de 1977; Le Monde, 6 e 20 de maio de 1977.

41. Svetlana Alliluieva, Only one year, Londres, 1969, pp. 150-1; Tokaev, op.
cit., pp. 331-2; Boris I. Nicolaevsky, Power and the Soviet elite, N. York, 1965,
pp. 118, 170-1, 248-9. O historiador “dissidente” Roy Medvedev censura Stalin
por sua excessiva cautela, a qual o fez perder as oportunidades de expansão da
Rússia soviética depois da guerra (Let history judge: The origins and
consequences of stalinism, Londres, 1972, pp. 469-74).

42. Ulam, Stalin: The man and his era, p. 668.

43. Panorama, 26 de abril de 1977, pp. 174-7; cf. Bill Jones, The Rússia
complex: The British Labour Party and the Soviet Union, Manchester, 1977, pp.
127, 128, 131-2.

44. Sobre a admiração de Laski pelos julgamentos dos expurgos, ver Conquest,
The great terror, p. 506.
45. Klimov, op. cit., p. 306. Klimov, um especialista que foi consultor dos
soviéticos na Comissão de Controle Aliado em Berlim, estava presente à
conversa.

46. A. Avtorkhanov, 3azaÕKa CMepmu CmaAuna, 3azoeopEepim, Frankfurt,


1976, p. 219.
O autor e sua obra

Nikolai Tolstoy é descendente direto da família de Liev Tolstoy, o grande


romancista russo. Seu bisavô foi tesoureiro, na corte de Nicolau II. Autor dos
livros "Evil hold school", “The night of the long knives” e de vários artigos
sobre a mitologia e a história celtas, Nikolai Tolstoy estudou no Wellington
College, na Academia Militar e no Trinity College, em Dublin.

Sua obra "Victims of Yalta” foi saudada por Aleksandr Soljenitsin, grande
opositor do regime soviético e prêmio Nobel de 1970, como magnífica, gerando
polêmicas no Parlamento e sendo recomendada pelo “Sunday Times” como um
livro do qual "Liev Tolstoy se orgulharia”. Publicou ainda “The halfmad Lord:
Thomas Pitt, 2nd Baron Camelford”. “A guerra secreta de Stalin” denuncia as
manobras do serviço secreto soviético e o regime de terror instaurado por Stalin.

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