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JOAO MELLAO NETO

3 ESTÓRIAS
PARA
1 HISTÓRIA
C A R LO S C A S T E L LO B R A N C O (Prefácio)
O D O N PEREIRA (Entrevistas)
OÀO MELLÃO
NETO

JÂMS©
QUADROS
3 ESTÓRIAS
PARA
1 HISTÓRIA
C AR LO S C A S T E L LO B R A N C O (Prefácio)
ODON PEREIRA (Entrevistas)
Copyright
João Mellão Neto, 1982

Revisão:
Radoico Nogueira Guimarães
Arte Final:
Tony Fernandes
Composição:
Linojato
Assessoria Intelectual e Bibliográfica:
Emílio Carlos Macedo e Prof. Geraldo Pascon

1982
Todos os direitos reservados por
Editora Renovação Ltda.
01014 —Rua Boa Vista, 254
179 andar — 17.701 —São Paulo
Impresso no Brasil
Printed in Brazil

L
ÍNDICE

Prólogo: % TRÊS ESTÓ R IA S PA R A U M A Ú N IC A H IS T Ó R IA


O D em ente — O A tor — O Herói 1

C a p ítu lo 1: 1953
S. Paulo dos Palácios — S, Paulo das Palhoças —
Casa Grande e Senzala — O Cenário Político —
O Forasteiro — Jornais — A Falência das Pala­
vras (entrevista Com Odon Pereira) 21

C a p ítu lo 2: 1954
Um Ano Decisivo — Jornal — O Encontro Com a
Realidade — Vargas, O Ocaso um Sol Envelhecido
— Jornais — Quadros, A Aurora de uma Nova
Estrela — Jornais — M ístico ou M istificador? 53

C a p ítu lo 3: 1955
Nuvens Negras no Horizonte — Jornais — A Dura
Convivência D em ocrática 93

C a p ítu lo 4: 1958
O Mundo se Transform a — Um a Vassoura V arren­
do S. Paulo — Jornal — a M udança no Papel do
Estado 115

C a p ítu lo 5: 1959
> O Lançam ento da Candidatura Jânio — Jornais —
Política é Profissão? 131

C a p ítu lo 6: 1960
O Início da Cam panha — Jornal — O Equívoco
das Esquerdas — Jornal — A Revolução Pelo Voto
— Jornal 145
C a p ítu lo 7: 1961
Jânio Assum e o Comando — Jornal — Balanço
dos Prim eiros 5 M eses — O Saneam ento da
M oeda — A M oralização A d m inistrativa — A Po­
lítica Externa — O Com bate ao Contrabando —
Nova M oda no Planalto — A Revolução de Jânio
Quadros

Capítulo B: ^ A Q UED A DE U M ÍCAR O POLÍTICO


Fecham -se as Portas — Cronologia de uma Re­
núncia: O Agosto Final de Quadros

Epílogo-. DE Q U E M FO I A C U LPA?
PREFÁCIO

JÂNIO REAVALIADO

C a rlo s C a s te llo Branco

Um jovem empresário e jornalista de São Paulo, João Mellão


Neto, vinculado pela família às classes dirigentes do Estado, diante
das versões contraditórias sobre a personalidade e os objetivos do
ex-Presidente Jânio Quadros, decidiu-se a fazer uma pesquisa por
conta própria. Durante um ano leu jornais, livros e documentos
sobre a trajetória política do personagem.

Inicialmente identificou três versões sobre Jânio Quadros. A


primeira diz que o ex-Presidente não possuia as mínimas condições
psíquicas e emocionais para exercer o cargo. A segunda, que Jânio
seria um farsante frio e calculista ligado ao grande capital e cuja
meta era instaurar uma ditadura que favorecesse os interesses desse
capital. A terceira, que se trataria de um predestinado, que ousou
desafiar o poder econômico e foi vencido por ele.

A pesquisa é minuciosa e para transmitir seus resultados, indu­


zindo o leitor a raciocinar na base dos dados que expõe, Mellão
Neto simula edições de jornais dos diversos períodos que assinalam
a carreira do seu personagem. Ele traça um panorama amplo que
inclui não só o fato político como o fato social, o fato esportivo, o
divertimento de fundo artístico, tudo quanto possa dar uma idéia
de cada segmento do período janista. O método é curioso, mas não
tenho certeza de que facilite a exposição e induza a uma melhor co­
municação do conteúdo do problema. A esse método expositivo, o
autor adicionou uma entrevista, em várias seções, do jornalista Odon
Pereira, contemporâneo dos acontecimentos e observador das rea­
lidades políticas do país.

Todo o período janista é estudado, sua eleição para prefeito, para


governador, para presidente e sua operação nos diversos postos pe­
los quais passou, acumulando-se dados objetivos e críticas de proce­
dência diversa. A conclusão ressalta do contexto dos documentos e
das análises. Jânio sozinho não salvaria o Brasil mas também não
faria a sua desgraça. O que se passou com ele foi que soube perce­
ber a nova realidade da cidade de São Paulo, que extravasara o triân­
gulo que tradicionalmente a continha formado pelos rios Tietê, Pi­
nheiros e Tamanduatei, no qual uma sociedade de relativo equilíbrio
se desenvolvia com sentimentos eufóricos de estabilidade e confiança
no progresso.

Sendo um migrante integrou-se na São Paulo que havia extra­


polado seus limites urbanos e foi o intérprete da grande massa des-
valida que mudara as dimensões da cidade. No governo municipal,
pôs ordem na administração e procurou atender às necessidades da
população marginal ou marginalizada. Como governador, colheu os
frutos do seu êxito eleitoral e melhorou a eficiência da adminis­
tração, realizando um programa independentemente de interesses
políticos e partidários. Na presidência da República, quando deu iní­
cio ao programa de reformas lisamente anunciadas, perdeu o apoio
da direita que o via não como um reformista sincero mas como um
demagogo que lhe abriría o caminho do poder, e não conquistou o
apoio da esquerda, que jamais confiara nele, como ficou demons­
trado na campanha presidencial na qual, contrariando sua vocação,
por erro de ótica, os partidos populares votaram num general de di­
reita contra um político que se propunha a realizar reformas de base.

“Não foi essa ou aquela corrente de pensamento", diz Mellão


Neto, “mas toda a classe política que em 1961 deixou cair ci más­
cara. À menor oportunidade de mudanças reais na sociedade, es­
queceu-se de suas diferenças e cerro i fileiras contra aquele que per­
sonificava essa ameaça". O PTB queria manter o controle da má­
quina sindical, que Jânio pretendeu liberar da tutela do Ministério
do Trabalho. A UDN quis usá-lo como instrumento para conquista
do poder sem crer nas suas promessas. O apoio era insincero.
Eis aí a conclusão a que, pondo-se à margem dos julgamentos
convencionais ou tradicionais, um jovem brasileiro propõe para ava­
liação do papel de Jânio Quadros na vida brasileira. Esse depoimen­
to e essa avaliação são extremamente importantes como indício de
um repúdio a preconceitos arraigados e difundidos sistematicamente.
Sobretudo porque isso ocorre no momento em que o ex-Presidente
volta à cena política como postulante ao governo de São Paulo. “0
Brasil”, diz o autor com. certo ceticismo, “continua o mesmo, com
os mendigos nas portas das igrejas, os quadros de Portinari pendu­
rados nas paredes, as ideologias empolgando os salões e os políticos
execrando Jânio Quadros”. Reações como essa podem explicar a
tendência assinalada em pesquisas de opinião pública de se inclina­
rem tantos jovens a dar uma nova oportunidade ao presidente que
renunciou em 1961. Esse é pelo menos um sintoma, a que direita e
esquerda devem estar atentas no seu pouco objetivo empenho de do­
mínio sem premissas prévia e sinceramente definidas.

Vale a pena ler essa pesquisa e essa avaliação de um jovem pau­


lista de menos de trinta anos sobre a personalidade mais discutida
da vida brasileira contemporânea.

C. C. B.
PRÓLOGO:

TRÊS ESTÓRIAS PARA UMA ÚNICA HISTÓRIA


— 1 —

Não tenho história, nem raízes, sequer tenho laços com o pas­
sado. Com menos de trinta anos minha biografia é a mesma de mi­
lhões de jovens brasileiros, concebidos e criados na proveta do Mi­
lagre. Ac forjarem-nos para o futuro, esconderam-nos o passado.
Na lógica da potência emergente, o Brasil começaria conosco.

Não fomos educados, mas programados. Ensinaram-nos o


como sem mostrar-nos o porquê. Nunca nos coube questionar os
objetivos; tão-somente nos prepararmos para eles.

Hoje, frutos dessa escola insana, onde a tecnologia substituiu a


sabedoria, a parte prevaleceu sobre o todo e o bom senso não cons­
tou do currículo, somos nós que sofremos as conseqüências. Cá
estamos, formados, educados, especialistas do nada para um todo que
não houve.

O dia da glória não amanheceu nem para nós nem para a Pá­
tria. Era um futuro místico; pois conseqüência de um milagre, um
amanhã pentecostal, pois jamais aconteceria.

Perplexos, atônitos, só agora despertamos do sonho. De convic­


tos navegantes, nos restou a condição de náufragos. Nossa nau des­
garrou-se da História e vaga sem rumo pela década de oitenta. Triste
destino o nosso: temos remos, mas não temos bússola, não sabemos
para onde ir, pois ignoramos de onde viemos. Nossos pais, nossos

— 3 —
tutores, sonharam com um desenvolvimento sem sacrifício; pagamos
com um sacrifício sem desenvolvimento. Preferindo o conforto à
liberdade, acabaram por privar-nos de ambos.

O que hoje transparece nos olhos dos jovens é o desejo de vas­


culhar o passado, conhecer as raízes, desvendar esse País tão dife­
rente do demonstrado nas aulas de Moral e Cívica. E essa busca não
é fácil.

Qual é a verdadeira história do Brasil? A des bancos escolares,


recheada de heróis equestres, datas cabalísticas e cenários de Pedro
Américo? Ou uma outra mais intelectualizada, onde todos os fatos
se encadeiam como uma trama de Agatha Christie?

Uma fala em grandes homens, como se a vontade de um único


indivíduo pudesse mudar todo o, enredo de um povo. A outra fala
em poderosas forças, econômicas, sociais, que condicionam a histó­
ria, transcendem os homens e os relegam à condição de meros figu­
rantes de fundo de palco.

Entre uma e outra, nos quedamos nós, impotentes, sem encon­


trar em nenhuma exemplos práticos que possam orientar sobre o
futuro. Se não nascemos super-heróis nem influenciamos as super-
forças, que papel nos resta senão o de simples espectadores?

— II —

Sobre o passado recente muito pouco sabemos. A cortina de


fumaça sobre os fatos de nessa História torna-se mais e mais espessa
à medida em que os interesses que neles se confrontaram ainda es­
tão vivos e atuantes. O termômetro da poluição intelectual dá sinal
de alerta quando entra em pauta a questão da participação popular
na política brasileira, acentua-se na discussão sobre o populismo,
atinge o insuportável no estudo do fenômeno Jânio Quadros.

O que representou Jânio na história política e social do Brasil?


Por que existiu, como chegou à Presidência, por que a deixou? São
perguntas que jamais foram respondidas. Ou melhor, jamais foram

4 —
respondidas com sinceridade. A historiografia brasileira, tão farta
em estudos e monografias sobre os mais insignificantes fatos acon­
tecidos nas mais distantes regiões, durante as mais remotas eras, sur­
preendentemente cala-se sobre esse assunto. Não o discute, coloca
uma pedra sobre ele. Os poucos livros e estudos de referência não
permitem a nenhum estudioso adquirir uma visão clara ou mesmo
satisfatória sobre o fenômeno.

Qualquer pesquisador que, como eu, queira averiguar as causas


reais da renúncia do presidente Quadros, encontrará um emaranhado
de opiniões e versões, praticamente intransponível. Se for insistente
e dotado de razoável espírito analítico, ao tentar desfazer esse nó
encontrará nada menos do que três fios. Resultado frustrante: no
mesmo Brasil, no exato dia 25 de agosto de 1961, três diferentes
presidentes renunciaram a três distintas presidências, motivados por
três diversas razões.

Os três jornais mostrados a seguir foram compostos a partir de


dados, frases, pensamentos, opiniões e versões publicados nos jor­
nais da época e nos livros disponíveis. Através deles o leitor tomará
conhecimento das três correntes de opinião existentes a respeito de
Jânio Quadros.

— 5 —
Prólogo

Primeira Versão:

O DEM ENTE

Esta é a versão mais popularizada, a que se difundiu entre e


através dos antigos aliados partidários e parcela dos eleitores que
votaram em Jânio Quadros para a. Presidência em 3 de outubro de
1960. Segundo ela, o homem eleito presidente não possuía as mí­
nimas condições psíquicas e emocionais para exercer tal cargo. Ins­
tável por natureza e convicção, totalmente despreparado para assu­
mir tão importante posto, assim que deu por si, sabendo-se sem
fôlego nem competência para *
gerir a Nação, tratou de renunciar,
deixando-a atônita, mergulhar no caos. Traduzindo essa versão para
a linguagem jornalística, no dia 26 de agosto de 1961, leriamos o
seguinte jornal.

— 7
O IMPARCIAL
S .P a u lo , 26 de A gosto de 1961 ** Um jo r n a l v e rd a d e iro a se rv iç o d a In d ep en d ên cia

JÂNIO RENUNCIOU!
O INSTÁVEL MAGO DA VASSOURA JOGA
FORA 6 MILHÕES DE VOTOS

Brasília — Jânio Qua­ Goulart se encontra em


dros, em carta enviada missão de boa vontade
ao Congresso Nacional na República Popular
na tarde de ontem, re­ da China e já foi noti­
nunciou ao mandato de ficado a respeito. Até
presidente da República, sua volta o cargo será
o qual deveria exercer exercido interinamente
até 1965. pelo presidente da Câ­
mara.
A renúncia foi pron­
tamente aceita pelos par­ Ainda na tarde de
lamentares que, a seguir, ontem o presidente re-
POLÍTICA EXTERNA: POLÍTICA INTERNA: nunciante deixou a Ca­
IRRESPONSABILIDADE INDECISÃO deram posse a Ranieri pital da República di­
A política externa de Jâ­ A política interna do Sr. Mazzilli, presidente da rigindo-se para São Pau­
nio nada mais era do que Jânio Quadros não pode ser Câmara dos Deputados lo, onde se encontrava
uma extensão de sua irres­ analisada porque simples­ e sucessor constitucional até o fechamento desta
ponsabilidade pessoal. Aven­
turou-se numa perigosa ali­
mente não existiu. Com ex­ do vice-presidente da edição, alojado na Base
ceção da política deflacioná- República. O Sr. João Aérea de Cumbica.
ança com os países do bloco
comunista, colocando em ris­ ria, não se conhece nenhuma
co toda a segurança conti­
nental. O que pretendia nin­
medida de alcance do Sr.
i
Quadros em relação aos pro­
f Jânio e o Congresso:
guém sabe. Na verdade, co­ blemas nacionais. Prova de im aturidade
mo bem disse Carlos La­ Desde o dia de sua posse A medida em que o presi­
cerda: “ era uma política Na verdade Jânio pouco o presidente Quadros já dei­ dente percebia a resistência
afro-asiática. Isso, num país conhecia o Brasil e seus pro­ xava evidente a sua imaturi­ do Parlamento, tornava-se
como o Brasil, cujo eixo dade política e a sua incapa­ mais colérico. Não estava
blemas. Ao ver-se alçado à
é eminentemente ocidental e cidade de governar num regi­ realmente apto a exercer o
cujos recursos teriam que vir Presidência, passou a encará- cargo de que fora investido.
me democrático. Hostilizan­
do ocidente. Não temos o -la como se fosse um brin­ do os parlamentares, tentan­ Em meados de agosto o
que vender para a Ásia nem quedo em suas mãos. Nos do atemorizá-los através de governador da Guanabara,
para a África, nem o que sete meses que governou, na­ ridículos inquéritos adminis­ Carlos Lacerda, denunciou
comprar, nem muito menos da fez a não ser emitir ridí­ trativos, Jânio demonstrava pela televisão uma tentativa
capitais a importar” . a sua instabilidade emocional de golpe que o presidente es­
culos bilhetinhos, cujas víti­
Aproximando-se da União e o seu total desconhecimen­ taria tentando executar para
Soviética, Jânio afastava o mas eram invariavelmente to sobre a mecânica institu­ o qual o convidara o minis­
Brasil de seu aliado natural, seus auxiliares. Proibiu a cional. A sua ignorância tro da Justiça, Pedroso Hor­
os Estados Unidos, o que a briga de galos, o uso de quanto aos reais problemas ta. Mais do que de imediato
médio prazo poderia tornar- “lança-perfume” , regulamen­ brasileiros o levou a enviar parlamentares se reuniram
se bastante inconveniente ao Congresso uma série de para avaliar a gravidade da
para o nosso desenvolvimen­ tou o comprimento dos maiôs
propostas demagógicas, im­ situação. Não foi necessário
to econômico. das misses na televisão e praticáveis e de um irrespon­ aprofundar-se no assunto.
O tratamento acintoso que transformou o Brasil numa sável tom esquerdizante. Es­ Alegando estar sendo acuado
dedicava aos emissários ame­ nação pouco séria. sas propostas só não foram por forças ocultas o presi­
ricanos, o restabelecimento efetivadas devido à sensata dente no dia seguinte deixa­
de relações com os países so­ Mesmo a sua política de obstrução dos parlamentares, va o poder. Jânio Quadros
cialistas, a condecoração de combate à inflação ele come­ os quais, percebendo a irra­ fora vencido por si próprio,
Guevara, tudo isso contri­ cionalidade do presidente fi­ pela sua paranóia, pela sua
buía para levar o Brasil para çava a afrouxar, realizando zeram do Congresso um ba­ leviandade, pela sua evidente
uma posição bem distante de emissões contra a vontade do luarte na defesa dos interes­ incapacidade para exercer o
seus reais interesses. seu ministro da Fazenda. ses nacionais. cargo presidencial.
Cbitoriaí
OS LOUCOS SOMOS NÓS
Jânio renunciou. E toda a Na­ um maluquinho da silva. Da Sil­ brilho que não faltaram coadju­
ção quedou-se pasmada. Jânio va Quadros. vantes para incorporar-se à trupe.
desertou, como um general covar­ Se houvessem-no deixado em No princípio eram apenas alguns
de, abandonou suas tropas no paz, hoje, quem sabe, estaria ino­ apóstolos. Logo surgiram alguns
meio da batalha e tratou de sal­ fensivamente pregando sua cruza­ Lázaros, Marias Madalenas e até
var a própria pele. E todos seus da messiânica em algum hospício. mesmo Judas arrependidos. Em
soldados ficaram irritados. Mas não. Os oportunistas da po­ pouco tempo, surgiram os centu-
lítica viram nele uma boa máqui­ riões e a grande multidão. Quan­
Tudo isso não passa de hipo­ do demos pela coisa, estávamos
crisia coletiva. A responsabilida­ na de fazer votos. Puseram-no nos
palanques, permitiram-lhe arengar todos, milhões de brasileiros, gal­
de não é de Jânio, um demente gando o Calvário, seguindo ao
que desde o começo da vida pú­ às massas. E o Messias antes cir­ Mestre redentor.
blica não demonstrou um mínimo cunscrito à Vila Maria passou a
de condições para exercer qual­ crescer dentro de sua demência. Mas Jesus da Silva Quadros
quer cargo de responsabilidade. Ia salvar o bairro, passou a que­ não chegou a ser crucificado. No
Na verdade a sua renúncia não foi rer salvar o Brasil. O resultado seu talvez único momento de luci­
um gesto tresloucado. Ao deser­ estamos assistindo agora. dez percebeu o que ocorria, lar­
tar ele agiu de forma coerente A culpa obviamente não é de­ gou a cruz no chão e tratou de
com a sua biografia. Incoerentes le. Se assim pensássemos estaría­ dar no pé, deixando-nos todos
fomos nós ao entregarmos o co­ mos indo de encontro ao Código pasmados, atônitos, dentro das
mando da Nação a tal perso­ Penal, que considera inimputáveis fantasias que nos propusemos a
nagem. vestir.
criminalmente os deficientes men­
Desde os tempos em que, da tais. Os culpados, se é que quere­ Jânio na verdade não era lou­
tribuna da Assembléia Legislativa, mos sinceramente encontrá-los, es­ co, era um excelente psiquiatra de
tão aí pelas ruas. São os políticos seis milhões de loucos.
cuspia discursos raivosos em meio mercenários que quiseram tomar
a pedaços de mortadela, ele já um atalho para o poder. São os Ao homem que ora embarca
demonstrava sua vocação para a auxiliares de Jânio, que deveríam para a Europa, quem sabe à pro­
insanidade. Seus cabelos sujos, ter-nos alertado para sua insani­ cura de um hospício à altura de
verdadeiro mar Cáspio, seu surra­ dade. São enfim os seis milhões suas alucinações, enviamos a nos­
de eleitores que nele votaram. sa mensagem de pronto restabe­
do terno azul, seus delírios orató­ lecimento. Ele não precisa descul-
rios nos quais se comparava a O Brasil está expiando suas par-se junto aos seus seis milhões
Lincoln, seus olhos fora de órbita, próprias culpas. Todos nós acre­ de eleitores. Nós é que devemos
seus gestos histéricos: tudo nele ditamos em Jânio. Ele represen­ pedir desculpas por havermos vo­
enfim demonstrava tratar-se de tou o papel de Cristo com tanto tado nele.

“Jânio, no governo, foi a UDN de rer. Aí senti uma coisa curiosa nele:
f AS OPINIÕES porre.” um homem medroso: Carlos, cuidado.
A nossa vida é preciosa! Eu devia estar
SOBRE JÂNIO (Afonso Arinos) a uns noventa quilômetros por hora, e
ele já estava tremendo. Então achei es­
“O Sr. Jânio Quadros é um msano
tranho um homem que parecia desafiar
mental. Então, ao primeiro obstáculo, o mundo ser extremamente medroso.”
à primeira dificuldade, o presidente elei­
to por seis milhões de esperanças, súbi­ (Carlos Lacerda, “Depoimento” )
to, sem o menor espírito de luta, entra
na sala, escreve a renúncia e sai cho­ “Encontrava dificuldades em tomar
rando?” decisões básicas, tomando-se propenso
(David Nasser, “ O Cruzeiro” )
a se fechar em grandes períodos de de­
pressão, quando fazia uso de uma quan­
“Quando fomos para o Porto, fui tidade generosa de álcool.”
dirigindo o automóvel e comecei a cor­ ________ (Skidmore, “Politics in Brazil” ) v
Segunda Versão:

O ATOR

A primeira estória apresentada parece' bastante convincente,


apóia-se em fatos inquestionáveis e seria definitiva se não houvesse
uma outra, que se baseia nos mesmos fatos para chegar a conclusões
bem diversas.

A segunda estória tem trânsito mais fácil entre os antigos adver­


sários de Jânio e encontra grande respaldo nos setores intelectuais
universitários. Segunde essa versão Jânio Quadros não teria nada
de louco. Seria um farsante fric e calculista, ligado ao grande ca­
pital e cuja meta era instaurar uma ditadura que favorecesse os in­
teresses desse último. No dia 26 de agosto de 1961 essa versão se­
ria apresentada da seguinte maneira:
3 ^ertrabe
S. P au lo , 26 de Agosto de 1961 * Um jo r n a l in depen den te a se rv iç o d a Im p a rc ia lid a d e

JÂNIO QUADROS RENUNCIOU!


AO FALHAR A TENTATIVA DO GOLPE, O PRESIDENTE DEIXA O PODER

Brasília — Jânio Quadros, contra em missão de boa


em carta enviada ao Con­ vontade na República Popu­
gresso Nacional na tarde de lar da China e já foi notifi­
ontem, renunciou ao manda­ cado a respeito. Até sua vol­
to de presidente da Repúbli­ ta o cargo será exercido in­
ca, o qual deveria exercer até terinamente pelo presidente
1965. da Câmara.

A renúncia foi prontamen­ Ainda na tarde de ontem


te aceita pelos parlamentares o presidente renunciante dei­
que, a seguir, deram posse xou a Capital da República
a Ranieri Mazzilli, presiden­ dirigindo-se para São Pau­
te da Câmara dos Deputados lo, onde se encontrava até
e sucessor constitucional do o fechamento desta edição
vice-presidente da República. alojado na Base Aérea de
O Sr. João Goulart se en­ Cumbica.

POLÍTICA EXTERNA POLÍTICA INTERNA


OPORTUNISTA ENTREGUISTA
JÂNIO PLANEJAVA O
A política externa de Qua­ Desde que assumiu a Pre­
sidência, todos os atos de FECHAMENTO DO CONGRESSO
dros na verdade era um ar­
diloso estratagema para ilu­ Quadros foram cuidadosa­ Desde o dia de sua posse, tanto era imprescindível fe­
dir as esquerdas e através mente estudados com o sen­ Quadros pusera em ação o char o Congresso.
delas conseguir o apoio do tido de amparar os grupos ardiloso plano em que pre­ A Câmara dos Deputados
proletariado. Ao mesmo tem­ econômicos que o manti­ tendia desmoralizar as insti­ passou a ser vítima de per­
po que fazia a política do nham no poder. tuições democráticas e assim manente processo de desmo­
capital estrangeiro, ao qual justificar perante a opinião ralização. Para tanto o pre­
estava vinculado, ele aneste­ Na administração empe­ pública o seu golpe de Esta­
nhou-se desde os primeiros sidente utilizou-se de um en­
siava os nacionalistas atra­ do. Chegou a declarar a um genhoso plano:
vés de lances diplomáticos dias em adaptar o aparelho emissário americano que,
administrativo' e burocrático Primeiro enviou ao Con­
de aproximação com o bloco apesar de não possuir maio­
às necessidades de domínio gresso uma série de projetos
socialista, numa pseudc pos­ ria no Congresso, “estava
da burguesia. Para tanto im­ de reformas sociais, projetos
tura de independência. satisfeito” , visto que a sua
pôs o terror nas repartições, esses que, sabia, de difícil
Essa política, aliás, pren­ obtenção seria muito dispen­ senão impossível aprovação.
instituiu o sistema de dela­ diosa. Essa afirmação deixa­
dia-se a interesses da bur­ Após isso tratou de jogar a
ção, desmoralizando o fun­ va clara a sua intenção de
guesia nacional, a qual ne­ opinião pública contra o Po­
cionalismo público. governar sem o mesmo.
cessitava de novos mercados der Legislativo,, declarando
para seus produtos primários Na área econômica, para Ao agir dessa forma, Jâ­ em reunião ministerial do
(café e cacau). Dessa forma atender aos interesses do ca­ nio representava as aspira­ dia 6 de julho suã intenção
o estabelecimento de rela­ pital financeiro e da indús­ ções do grande capital e dos de promover a responsabili­
ções com os países socialis­ tria de São Paulo, baixou setores da burguesia nacional dade do Congresso, caso es­
tas e com a África, nada ti­ uma série de resoluções, sob aliados a ele. Estes, embora se não aprovasse as suas re­
nha de independente, repre­ as bênçãos do FMI, visando tivessem já em mãos o domí­ formas de base. .O que não
sentando apenas os interes­ com isso a conter a espiral nio da economia nacional, contava era que esse saberia
ses dos grupos dominantes inflacionária que corroía as ainda não haviam obtido o resistir às suas investidas.
Oportunismo e Mistifica­ bases dos lucros, e, sob o poder político, o pleno do­ Quando apresentou sua re­
ção: essas duas palavras re­ pretexto Se sanear a moeda, mínio do Estado. Jânio se­ núncia, para surpresa sua,,
sumem a política exterior do fixar os salários em níveis ria seu instrumento para a ela foi imediatamente apro­
governo que termina. baixos. obtenção desse poder. Para vada.
(Ebitorial
CAI A MÁS
No “ 18 Brumário” , Marx afirmava sentido de destruir as instituições nacio­ lart como seu vice, justamente porque
que a história sempre se repete, mas uma nais, desmoralizar as forças políticas, sabia que os militares jamais o deixa­
vez como tragédia e outra vez como co­ econômicas e sociais do País, para depois riam assumir a Presidência. Nas véspe­
média ou farsa. instaurar a sua ditadura. ras do golpe, enviou-o à China, justa­
A renúncia de Jânio não foi mais mente para que, não podendo assumir
. . PARA CORROER AS BASES. . imediatamente, houvesse tempo para
do que a tentativa de reviver os estrata­
gemas de Vargas: uma combinação do criar-se um impasse. Não deixou inclu­
Com o intuito de anular a classe po­ sive de escolher uma data propícia: 25
golpe fascistóide de 1937 com o suicí­ lítica, montou um dispositivo no qual
dio de 1954. de agosto, um dia após o aniversário
visava a retirar as bases dos deputados e da morte de Getúlio, que traumatizara
Só que Jânio não se tornou ditador senadores. Para tanto realizava encon­ a Nação.
como o Getúlio dos anos trinta, nem tros diretos com os governadores, insta­
deu cabo da vida, como o Vargas dos lando governos itinerantes nos Estados, Durante os sete meses em que go­
instituiu subchefias dos gabinetes civis vernou, enviou ao Congresso inúmeros
anos cinqiienta. Ao invés disso foi-se
nos Estados, criou o Serviço de Assis­ projetos de lei, os quais sabia de ante­
embora, desmoralizado, cabisbaixo, en­
vergonhado do golpe de Estado que ten­ tência aos Municípios. A intenção de mão que não seriam aprovados. Nem
tou montar. todas essas medidas era clara: ao per­ ele queria que fossem. Ao enviar proje­
mitir que vereadores e prefeitos tives­ tos de reformas sociais ao Congresso, a
sem acesso direto ao governo federal, não-aprovação desses deixaria a insti­
FERRAMENTA DA BUR G U ESIA . ..
ele minava as bases dos parlamentares tuição desmoralizada.
Jânio estava longe de ser o louco e com isso tirava-lhes a força.
com que queria se caracterizar. Na ver­ O GOLPE FALHA
dade Jânio era um mistificador frio e . . . E D ESM O R ALIZA R OS POLÍTICOS
calculista. Um homem em que o menor Dia 25 de agosto, Jânio pôs em exe­
gesto era estudado com o intuito de Sua conduta revelava o seu espírito cução o seu plano. Infelizmente para ele
provocar as reações que desejava. Jânio de pequeno-burguês e de lumpen políti­ não deu certo. Esperava que o povo se
era uma ferramenta do grande capital. co. Premeditado e inescrupuloso ele levantasse para apoiá-lo e esse não o
Papel este que desde o princípio se dis­ pretendia cumprir um papel bonapartis- fez. Já não acreditava mais nas pro­
pôs avidamente a cumprir. Falava a lin­ ta no Brasil, governando acima das ins­ messas mentirosas de Quadros. Assim
guagem da esquerda, executava a políti­ tituições e das forças sociais. não lhe restou outro caminho, senão re­
ca da direita. Arengava aos pobres, fa­ tirar-se de cena.
vorecia aos ricos. Seu sonho: Instaurar Pretendia dar um golpe de Estado
no Brasil uma República onde todo o e para tanto preparou-se com grande Jânio que tanto admirava Lincoln
aparato estatal funcionasse de acordo antecedência. Contava com o apoio da esquecera-se de uma de suas mais famo­
com cs interesses do grande capital in­ grande burguesia e de numerosos seto­ sas frases: “ Pode-se enganar todos por
ternacional. res do capitalismo internacional. algum tempo; pode-se enganar alguns
todo o tempo; mas não se pode enga­
Desde o momento que assumiu a A idéia do golpe era antiga. Jânio nar a todos todo o tempo.” O povo
Presidência, todos os seus atos foram no ajudou veiadamente a eleger Jango Gou­ percebeu o embuste e deu-lhe o basta. . .

AS OPINIOES
SOBRE JÂNIO
“Jânio Quadros é o mais hábil polí­ “ O que acredito é que, elegendo-se “Vários observadores acreditavam
tico brasileiro desde Getúlio. As suas presidente ( . . . ) Jânio não titubeará em
dissolver o Congresso Nacional, pois já que a política externa de Quadros po­
reações epidérmicas nada representam.
revelou com sobras a sua vocação para
Não passam de erisipela de falso nacio­ caudilho.” dia ser um elaborado disfarce a fim de
nalismo. Todos os seus atos, mesmo os
(Gabriel Quadros, pai de Jânio) desviar a atenção do País do impopular
que ferem a lógica* e*a razão na aparên­
cia, são meditados.” “É o maior ator nacional.” programa de estabilização econômica.”
(David Nasser, em “O Cruzeiro” ) (Francisco Prestes Maia) ( Skidmore, “Politics in Brazil” )
Terceira Versão:

O HERÓI

A terceira estória é defendida entre os aliados de Jânio que com


ele permaneceram depois da renúncia e é corrente entre uma ponde­
rável parcela dos seus eleitores remanescentes.

Segundo essa versão, Jânio seria um predestinado, um homem


que ousou desafiar o poder econômico e foi vencido por ele. Seus
defensores alegam que nunca houve outro presidente na história do
Brasil que tivesse surgido de origem tão humilde como Jânio. Por
ter surgido do povo, Jânio só teria compromissos com este. Ao agir
de acordo com tal compromisso teria contrariado os interesses dos
grupos econômicos e políticos que acabaram por acuá-lo e derrubá-
lo. Esses mesmos grupos de interesses conspiraram para sua queda
e uniram-se posteriormente para colocar uma pedra sobre a sua his­
tória. Algo semelhante ao que fora feito aos documentos e à casa
onde morava Tiradentes, por ocasião de sua morte. Na forma jor­
nalística tal estória seria a seguinte:
O INDEPENDENTE
S .P a u lo , 26 de Agosto de 1961 * * Ura jo r n a l im p a rc ia l a se rv iç o d a V erdade

O PRESIDENTE RENUNCIOU!
ENTRE A HONRA E O PODER, JÂNIO PREFERIU A PRIMEIRA
Brasília — Jânio Quadros, contra em missão de boa
em carta enviada ao Con­ vontade na República Popu­
gresso Nacional na tarde de lar da China e já foi notifi­
ontem, renunciou ao manda­ cado a respeito. Até sua vol­
to de presidente da Repúbli­ ta o cargo será exercido in­
ca, o qual deveria exercer até terinamente pelo presidente
1965. da Câmara.
A renúncia foi prontamen­ Ainda na tarde de ontem
te aceita pelos parlamenta­ o presidente renunciante dei­
res que, a seguir, deram posse xou a Capital da República
a Ranieri Mazzilli, presiden­ dirigindo-se para São Pau­
te da Câmara dos Deputados lo, onde se encontrava até
e sucessor constitucional do o fechamento desta edição
vice-presidente da República. alojado na Base Aérea de
O Sr. João Goulart se en­ Cumbica.
POLÍTICA EXTERNA POLÍTICA INTERNA
INDEPENDENTE ARROJADA
A política social do pre­
Jânio e os Políticos
De há muito vinha se Desde o dia de sua-posse trolava o presidente, estando
configurando no mundo um sidente Quadros foi a mais parecia evidente que o rela­ esse relativamente disposto a
bloco de nações não alinha­ ousada já tentada por um cionamento do presidente controlar o capital estrangei­
das automaticamente com os governante brasileiro. Jânio com o Congresso não seria ro e executar uma política
enviou ao Congresso um dos melhores. Jânio havia externa independente dos
EUA e a URSS. Era o Egito,
Projeto de Reforma Agrária sido eleito por 5 milhões e EUA.
de Nasser, a Iugoslávia, de de grande relevo, uma lei an- seiscentos mil votos através
Tito^e vários outros. O pre­ timonopólios, uma lei de re­ de uma plataforma de am­ No início do mês de agos­
sidente Quadros criou uma messas de lucros para o Ex­ plas reformas políticas e so­ to o presidente tinha contra
política exterior que voltou a terior, nomeara comissões de ciais. O Congresso Nacional, si a quase totalidade do
dar respeito e honorabilida- estudo para reforma dos Có­ por outro lado, era composto Congresso Nacional. Seus
de ao Brasil no estrangeiro. digos Civil e Penal; consti­ de políticos oriundos da elei­ projetos estavam todos enca­
tuiu comissões para reestru­ lhados nas Comissões, numa
ção de 1958, frutos de uma
turação do sistema bancário tentativa dos parlamentares
Encetou e intensificou o conjuntura política já ultra­
e financeiro, para uma maior de fazer Jânio negociar,
relacionamento do Brasil passada. A veemência com
progressividade na taxação abrandar suas reformas. Co­
I com os países da área socia­ que Jânio pretendia executar
do imposto de renda, para mo o presidente não se dis­
lista, estabeleceu laços estrei- as reformas que prometera
modificação em todo o siste­ punha a tanto, no dia 25 de
j tos com as nações irmãs da ma tributário e fiscal. Além rapidamente o colocou em
agosto o Congresso se cons­
j África, colocou o Brasil no disso iniciou um severo pro­ choque com os interesses re­
tituiu em Comissão Perma­
eixo do terceiro mundo. A grama de saneamento da presentados pelos congressis­
nente de Inquérito numa vil
j política exterior levada nesse moeda extinguindo as múlti­ tas. O primeiro Partido a ter
tentativa de dobrá-lo.
plano, logicamente seria in- plas taxas de câmbio, cortan­ seus interesses contrariados
! compreendida por muitos. do subsídios, contendo as foi o PTB, com a instaura­ O presidente, ao tomar
Diversos emissários america- emissões. Reprimiu, como ja­ ção de Comissões de Inqué­ ciência do que se passava,
I nos aqui vieram para demo- mais se tentara antes, o con­ rito na máquina da Previ­ percebeu estar em situação
| ver o presidente de suas trabando. Instaurou comis­ dência Social, sob o domínio muito semelhante à de Getú-
intenções chegando alguns sões de inquérito em toda a do Partido. A seguir foi o lio em 1954. Por não pre­
administração pública para PSD, composto basicamente tender renunciar aos seus
[ inclusive a vincular a ajuda
apuração de descalabros ad­
: econômica a uma mudança de fazendeiros e latifundiá­ projetos, não cogitando suici­
ministrativos e corrupção, em
de rumos. Pela primeira vez especial na área da Previdên­ rios, com o envio ao Con­ dar-se e muito menos ser de­
I o Brasil adota uma postura cia Social. Estava realizando gresso do Projeto de Refor­ posto, ele preferiu deixar o
I independente no cenário in­ a revolução pelo voto quan­ ma Agrária. A UDN, que o poder por conta própria. Re­
ternacional. O que trará do foi vencido pela união dos apoiara na eleição, também nunciou ao poder para não
bons frutos com o tempo. interesses contrariados. logo percebeu que não con­ renunciar à honra.
Cíiitorial
O Crepúsculo
Passada a ameaça, subjugado o líder sufocava a sociedade, ao tentar, enfim, safiando os privilegiados, um dia che­
político, seus inimigos agora se compra- cumprir aquilo que prometera nas elei­ gou à Presidência da República. E lá
zem em cuspir sobre sua sepultura. Não ções e que as direitas acreditavam ser chegando tentou mudar o curso impla­
o julgam, injuriam-no. A medir seus mera demagogia, ele ganhou o ódio dos cável da História. Achava-se a pessoa
atos, preferem caluniá-lo. corruptos, a ira dos privilegiados e o indicada. Por não ser capitalista, o di­
rancor dos políticos tradicionais. nheiro não o fascinava? por não ser po­
Afinal seus inimigos não poderão
jamais perdoá-lo. Jânio cometeu muitas Por outro lado, ao tentar reformas lítico, não transigia com os políticos.
heresias, foi pretensioso, ousou compa- sociais, ao procurar proporcionar ao País Queria demonstrar que Deus era de fa­
tilhar do Olimpo sem ter nascido um to brasileiro. Mas que nem por isso
uma revolução social adequada às suas
Deus. características ele usurpou as bandeiras precisava ter nascido na avenida Paulis­
dos revolucionários profissionais. Des­ ta, ou ter laços com ela. Contrariou as
Do que o acusam afinal? De querer elites dominantes e pagou caro por isso.
tornar-se um ditador? Pois não foi ele mantelou o comunismo da forma mais
o único presidente do Brasil em cuja eficiente: ao invés de usar a repressão
Jânio não caiu, sequer foi derrubado.
carreira não se registrou uma única má­ demonstrou sua obsolescência. E não
Jânio é a prova maior de que, para um
podería jamais ser perdoado por isso.
cula antidemocrática? O homem que homem, a honra pode estar acima das
governara democrática mas firmemente Alguns o acusam de louco. Talvez honrarias, de que as luzes da fé podem
seu Estado, numa época em que o res­ o seja. Só um louco ousaria, como ele brilhar mais do que as luzes do poder.
to do Brasil se valia de medidas espe­ o fez, desafiar as elites dominantes. Ele Esse mesmo poder, pelo qual tantos lu­
ciais; o governador que se recusara a não podia ter aparecido em São Paulo e tam, tantos se matam, e que ele deixou
lançar mão da censura como meio de apareceu. Não podia ser o governador quando sentiu não mais poder coadu­
coerção, punição ou repressão, esse Jâ­ paulista em pleno domínio de sua no­ ná-lo ccm sua dignidade.
nio guindado ao poder pelo voto não breza medíocre. Foi governador. O ho­
podería de uma hora para a outra tor­ mem Jânio foi uma incrível ironia do Vai Jânio, vai embora para seu exí­
nar-se um ditador. Qual a vantagem de destino. Como se Deus quisesse mos­ lio voluntário. Sua obra não será es­
trocar um mandato limpo e claro de trar à, nobreza comercial e agrária de quecida. Se você, como Getúlio, não
uma eleição insofismável pela chibata São Paulo que a inteligência não se faz pôde completá-la, tenha certeza de que
de uma tirania perigosa e fugaz? apenas sobre lençóis de linho. Muitas a semente que plantou frutificara.
vezes nasce sobre o chão vermelho de
Os inimigos de Jânio na verdade não Apesar das críticas, das calúnias e
Mato Grosso.
têm um único argumento sólido pára das injúrias que farão contra você, saiba
condená-lo. Ao contrário do que alguns Pois esse Jânio que veio na segunda que a História lhe fará justiça. Em suas
afirmaram, os atos presidenciais contra­ classe da Noroeste, que comeu de pen­ páginas está registrado que um dia, neste
riaram interesses, desgostaram grupos são, que tomou pinga nos botequins, o País, um presidente oriundo do povo,
econômicos, desiludiram partidários po­ modesto advogado, o professor secun­ compromissado com ele, tentou reformar
líticos. Aqueles que o acusam de ser­ dário, não apenas conseguiu quebrar um a nossa sociedade. Se não o conseguiu
vir interesses que apontem uma só por­ princípio estabelecido como o fez de foi porque não era a hora. E talvez
taria sua que se constituísse medida de maneira arrogante, ostensiva, desprezan­ nem fosse o homem adequado.
exceção, de privilégio ou de favoritismo. do aqueles que queriam ser seus tutores
por todo o resto da carreira. Você, Jânio, foi o boi jogado às pi­
Na verdade, ao tentar acabar com a ranhas, para que a boiada pudesse atra­
corrupção que corroía o País, ao tentar Esse mesmo homem, sempre nave­ vessar o rio, ilesa. Um dia, no futuro,
destruir a estrutura de privilégios que gando contra a correnteza, sempre de­ esse povo lhe fará justiça. . .

AS OPINIÕES S
“Jânio se elege com seus defeitos e rices governamentais, um país assim não viera, o sistema de forças políticas que
governa com suas qualidades.” podia aceitar, sem reação, sem incômo­ o amparassem nessa direção.
do e sem dor, essa passagem violenta Faltou-lhe, porque não quis trair a
(Milton Campos) para a moralidade no trato do dinheiro própria imagem, a vontade de querer
público, do direito de cada um e nos continuar a ser presidente, ao preço da
“É dos políticos brasileiros que co­ deveres de todos.”
nhecí o que tinha maior acuidade no co­ acomodação.”
nhecimento das pessoas. Que extraor­ (David Nasser, em “ O Cruzeiro” ) (Afonso Arinos, “Hist. do Povo Bras.” )
dinário poder de conhecer os homens
que tem.” “A renúncia foi expressão de uma “ Quadros, o ‘outsider’ político, havia
coerência de tipo heróico. Jânio acre­ despertado tanta incerteza e temor entre
(Carlos Lacerda, “Depoimento” ) ditou que os destinos nacionais, em um os políticos profissionais de todos os
dado momento, dependiam de sua co­ partidos, que eles se sentiram aliviados
“Um país que já se insensibilizara
ragem de sacrificar sua carreira pessoal. ao vê-lo entregar o poder.”
com o peculato, que ria das roubalhei­
ras oficiais, que achava graça nas viga- Faltou-lhe, porque disso não pro­ ( Skidmore, “Politics in Brazil” )
— III —

Afinal quem foi esse sr. Jânio Quadros cuja personalidade per­
mite tão diversas interpretações?

Um místico, louco e fanático?

Um farsante, hipócrita e teatral?

Um herói, obstinado e audacioso?

Qualquer pesquisador desapaixonado não arriscaria endossar ne­


nhuma dessas estórias como verdadeiras, já que foram escritas mais
com o sentimento do que com a visão fria dos fatos.

Sobre o fenômeno Jânio a única certeza é a de que ninguém a


possui. Três versões que se dizem verdadeiras não podem sê-lo si­
multaneamente já que se excluem entre si. O autor não se arriscaria
a apresentar uma definitiva, mesmo porque todas as outras também
se crêem definitivas. Ao arvorar-se a única, a presente seria apenas
mais uma.

O que se percebe é que todo esse debate além de supérfluo é


artificial, na medida em que serve de camuflagem a uma polêmica
muito mais importante e apaixonada: a da idoneidade do povo
para exercer o direito do voto.

Afinal o povo sabe ou não votar?

Vota com o sentimento ou com a razão?

— 19 —
Deixa-se ou não enganar por falsos líderes?

As três versões sobre o janismo apresentadas mais acima não


divergem totalmente entre si. Elas possuem um ponto em comum,
uma preocupante coerência a ligá-las, razão talvez da sua coexis­
tência pacífica.

Se quase 6 milhões de eleitores votaram em Jânio para presi­


dente em 1960, através do voto livre, universal e secreto:

Quer tenham feito como uma horda alucinada.


(primera versão)

Quer como um rebanho de cordeiros crédulos e ingênuos,


(segunda versão)

Quer como uma massa irredenta e desesperada,


(terceira versão)

Nas três hipóteses nega-se ao povo a capacidade de escolher


seus governantes com sensatez, raciocínio e independência.

Pois, um povo sensato não se alucina; homens racionais não se


deixam enganar; cidadãos independentes não alienam seu futuro a
heróis providenciais.

O objetivo deste livro é demonstrar, através do relato minucio­


so dos fatos da História, as razões pelas quais o povo sufragou ma­
ciçamente Jânio Quadros em quase todos os pleitos que disputou em
sua vertiginosa carreira.

Não nos prendemos a juízos morais ou a análise de intenções,


pois tais enfoques nos parecem irrelevantes. Procuramos concentrar
nossa atenção nos fatos e ncs atos, estes sim elementos importantes
à História da Humanidade.

O personagem é Jânio; o cenário, a realidade brasileira durante


o breve e único interregno democrático de nossa História. Evitamos
os julgamentos. Os livros, seus autores e leitores, são todos ele­
mentos de elite e o populismo, como o próprio nome indica, é um
fenômeno popular. Não temos autoridade ou competência para jul­
gá-lo.

— 20 —
CAPÍTULO 1 1953

1/3/1953

" PELO NORDESTE Q U E SOFRE"

“Talvez parecesse apenas uma inútil reunião ao redor de


uma mesa(. . .) Eram elegantes os chapéus que emolduravam
os rostos de sorrisos bonitos. Mas, sob os chapéus, havia idéias
de solidariedade humana e fraternidade(. . .) No Nordeste
outras brasileiras embalam crianças com fome e suas lágrimas
não bastam para fecundar o solo árido. Solo mais generoso
é o coração das paulistas que essas lágrimas ajudam a fe­
cundar.

(. . .) As idéias não faltaram. Dona R. C., proprietária


de um cotonificio ofereceu 20 mil metros de tecido que serão
confeccionados por costureiras e enviados aos flagelados em
forma de vestidos e ternos. (!)

(. . .) Essa cronista sugeriu uma exposição de Artes Plás­


ticas e ficou deliberado que na ocasião haverá um novo chá.”

8/3/1953

“FESTA DE BONDADE E BELEZA”

“O trio Nagô terminou de cantar. E houve pelos salões,


evocações de personagens saídos das páginas de Graciliano
Ramos . . . Toda uma paisagem calcinada e dolorosa se esbo­
çou mercê da voz dos artistas.

(. . .) Estava-se na residência de (. . .) uma reunião al-


truística a fim de minorar o sofrimento dos nossos irmãos
nordestinos.

A noite correu sob o signo da Beleza e da Bondade. A


anfitriã, vestida de renda vermelha foi a arquiteta do formoso
bufê, onde uma abóbora de feições humanas vicejava entre
cachos de uvas e de folhagens. (. . .)”
(Crônicas sociais extraídas de um jornal paulistano)

21
I —

A um viajante que quisesse conhecer as excelências da cultura


e do modo de vida europeu, naquela época o destino menos reco-
mendável seria a própria Europa. Em ruínas após seu pesadelo fra-
tricida, esta assistia impotente ao desmoronamento de seus impérios
coloniais enquanto o eixo da civilização ocidental deslocava-se para
terras americanas.

Tampouco na América o viajante encontraria o que buscava.


Apesar de haver importado seus melhores cérebros, os americanos
do Norte, por razões de formação histórica, desprezavam o formalis­
mo e a elegância arrogante de seus antigos senhores.

Se quisesse realmente conhecer o que fora a Europa do pré-guer-


ra talvez o itinerário mais adequado ao viajante em questão seria
através das peculiares capitais americanas ao Sul do Equador. Nessas
cidades, apesar da escassez de recursos, subsistiam algumas reservas,
intactos santuários da cultura em extinção.

Um desses enclaves, flor nascida em meio ao pântano, sobrevi­


via impávido em terras brasileiras. Era a cidade de São Paulo. Não
a nascente metrópole industrial mas a elegante e recatada São Paulo
intra-rios, quisto civilizado em meio ao deserto cultural bandeirante.

Protegida dos bárbaros pelas águas dos rios Tietê, Pinheiros e


Tamanduateí, esse baluarte dos nobres valores ocidentais estendia-se

— 23
pela planície, subia a encosta do espigão e tinha seu ponto culminan­
te social e topograficamente na avenida Paulista, ao longo da qual
perfilavam-se as mansões de seus aristrocratas. Nesses casarões, des­
de os lustres, as vidraças e as telhas, até o arquiteto, o mordomo e os
hábitos, tudo, rigorosamente tudo, era importado do velho conti­
nente.

Ciosos de seu refinamento, os pais educavam os filhos dentro


do máximo rigor, para que não houvesse desvios. As governantas
de sotaque carregado ensinavam as primeiras noções que mais tarde
seriam complementadas pelos tradicionais colégios da cidade. Como
coroamento desse esforço educacional, os jovens eram enviados ao
velho mundo para o “banho de civilização”, verdadeiro batismo que
os introduzia no culto à superioridade européia. Lá permaneciam
por algum tempo e quando voltavam a família os ouvia orgulhosa
cantar em prosa e verso as maravilhas visitadas. Expedições de re­
ciclagem eram executadas de quando em quando para efeito de
crisma.

Tudo, na São Paulo intra-rios, lembrava a Europa distante. Des­


de o Parque Trianon, jardim francês erigido em momento de inspi­
rado banzo, até as elegantes casas de chá, as quais, apesar dos rigo­
res climáticos, superlotavam por volta das 17 horas para o litúrgico
ato de ingestão do líquido.

As lojas chiques anunciavam a última moda parisiense, os jor­


nais noticiavam a chegada de mais uma Companhia de Ballet, os in­
telectuais discutiam as mais recentes teses de Sartre e a cidade vivia
o seu charme de presépio. Envolvendo a todos, a onipresente garoa,
garantia da temperança do clima a da preservação do encanto. Se
esta não existisse, dos altos da avenida Paulista se vislumbraria um
panorama nada agradável.

— II —

Outra era a realidade além-rios. Nas periferias não havia pa­


lácios, mas palhoças. Não havia casas, quando muito casebres. As
favelas começavam a surgir, dramatizando ainda mais a paisagem,

— 24 —
composta de ruas sem calçamento, caminhos sem luz, de quando em
quando cortados por um rio de esgoto a céu aberto. Ali residia
aquilo que os intelectuais da cidade intra-rios classificavam como
massa.

Na sua maioria oriundos de outros Estados, os habitantes da


periferia vieram a São Paulo em busca do Eldorado, a terra dos em­
pregos e das oportunidades. A realidade raramente correspondia ao
sonho.

As fantásticas estórias de homens que chegavam a São Paulo e


enriqueciam, de tão poucas e tão repetidas, apenas confirmavam a
regra implacável: a perspectiva era de uma vida de árduo trabalho,
sem recompensa a não ser o pão nosso de cada dois ou três dias.
Como velas, os imigrantes iam se extinguindo durante os seus pou­
cos anos de vida. Eram mero combustível consumido no mercado
de trabalho. Quando finalmente sobrevinha a morte, seu legado era
um esquife precário, semelhante a uma caixa de maçãs forrada de
pano. Enterrados em cova rasa, as lápides com duas datas e um
nome eram um eloqüente resumo de sua biografias.

Famílias inteiras morando em um só cômodo, filhos amontoa­


dos sobre os pais, eles viviam na promiscuidade tão condenada pe­
las elites. Eram sujos, pois não havia como banhar-se; não escova­
vam os dentes, pois nunca viram uma escova. Feios, esqueléticos,
malvestidos, não era à toa que os cidadãos civilizados horrorizavam-
se ao vê-los. Só não ocorria a estes últimos que tal aparência não
provinha de maus hábitos e sim das precárias condições em que
viviam.

— III —

Na mesma cidade de São Paulo, próximas uma da outra, con­


viviam uma Europa e uma África. Quem imaginasse que tal con­
traste pudesse gerar atritos estaria subestimando a versatilidade, a
capacidade de racionalização da sociedade brasileira. Havia qua­
tro séculos de aprendizado, de adaptação empírica a essas contradi­

— 25 —
ções. Afinal Casa Grande e Senzala sempre coexistiram em estreito
contato e nem por isso se deram revoluções sociais.

Se no pequeno mundo da Fazenda as arestas eram habilmente


polidas, na cidade grande então as coisas eram bem mais fáceis. R a­
ramente havia contato entre as duas realidades, e quando tal ocorria
era de uma forma suavizada. Nas missas dominicais, à porta das
igrejas dos bairros civilizados, os mendigos cumpriam uma impor­
tante função social. Ao recolher as migalhas das boas famílias eles
lhes aliviavam a tensão, involuntariamente lhes vendiam indulgên­
cias. Cada cidadão, ao dar esmola, sentia-se quitado com a miséria
da sociedade; pagara seu tributo, não era mais conivente com a de­
sigualdade social.

Havia, é claro, mecanismos mais sofisticados. Numa sociedade


acostumada a importar de tudo, desde equipamentos industriais e
bens de consumo até cultura e estilo de vida, seria estranhável que
não viessem também ideologias. Assim, nos mesmos navios que trou­
xeram o capitalismo, a sociedade teve o cuidado de embarcar sua
antítese. Dividindo-se em duas correntes de opinião, ocupando-se in­
tegralmente em torneios ideológicos, os pensadores sociais puderam
atenuar um pouco as suas crises de consciência. Como os mendigos,
as ideologias também cumpriam o seu papel na acomodação social.

Os apologistas dc capitalismo recusavam-se a mudanças, os de­


fensores do igualitarismo propunham mudanças radicais. Ambos,
dessa forma, contribuíam para o Status Quo e, mais importante, des­
locavam o eixo do conflito. Ao invés da constrangedora acareação
de réu com vítima, o confronto dava-se por procuração através de
advogado e promotor. Dessa forma a miséria podia ser assimilada,
pois entrava nos salões de maneira pouco chocante, intelectualizada,
digerível.

Através desses mecanismos, não havia confronto possível. A


imprensa não divulgava fatos desagradáveis e quando isso acontecia
eram rapidamente assimilados. A seca do Nordeste era um bom
pretexte para chás beneficentes; os chocantes quadros de Portinari,
ao invés de afrontar os bem-nascidos, eram considerados excelentes
peças de decoração. Pelo lado das elites, o problema estava resol­
vido.

26
Pelo lado do povo, não havia necessidade de soluções pois tal
problema nunca existira.

— IV —

Naquela época, o mercado ideológico paulistano estava repar­


tido entre três forças:

Havia a direita liberal, constituída de partidos políticos forja­


dos na luta contra Vargas. Eram os constitucionalistas liberais, sur­
gidos em 32 e depois agrupados em torne da União Democrática
Nacional (U D N ), e os democratas ligados à Igreja Católica tradi­
cional, unidos no Partido Democrata Cristão (PDC).

Havia a esquerda ortodoxa constituída pelo Partido Comunista


Brasileiro, na clandestinidade desde 1947, cujos membros se encon­
travam registrados em diversas siglas legais; e também a esquerda
democrática agrupada em torno do Partido Socialista Brasileiro
(PSB) e o Partido Social Trabalhista (PST). Outros agrupamen­
tos de esquerda encontravam-se pulverizados nc Partido Trabalhista
Brasileiro (PTB), alguns até mesmo no PDC ou no PTN.

Entre essas duas correntes opostas esparramavam-se os polí­


ticos em geral, caracterizados pelas desagens diferenciadas com que
exerciam a combinação idealismo-oportunismo.

Apesar de contar com o desprezo das correntes ideológicas for­


mais, eram esses últimos que dominavam o eleitorado e venciam as
eleições.

A explicação desse fenômeno fugia à compreensão do pensa­


mento social acadêmico. O que não lhe ocorria era que na miséria
não havia lugar para idealismos ou subjetivismos. Os pobres, os
explorados, os desfavorecidos, eram pragmáticos por questão de
sobrevivência.

O povo não guardava ressentimentos, não odiava as elites, não


sentia mal-estar ao confrontá-las. Problemas de consciência quem
tinha eram os bem-nascidos. Os duelos ideológicos entre esquerda

27 —
e direita não o empolgava, pois não lhe diziam respeito. Pendên­
cias do tipo Liberdade Individual x Justiça Social lhe pareciam
por demais abstratas e supérfluas frente a problemas imediatos como
a canalização do esgoto, a saúde das crianças, ò transporte coletivo.

Os políticos da esquerda iam aos bairros falar em reformas so­


ciais revolucionárias, em sociedades paradisíacas, onde todos os pro­
blemas do dia-a-dia estariam resolvidos.

Os políticos da direita liberal também por lá aportavam para


falar em valores democráticos, em preservação das instituições, em
Estado de Direito.

Os primeiros prometiam soluções utópicas para problemas reais,


os últimos ofereciam soluções reais para problemas utópicos. Entre
as duas correntes a “massa” nãc escolhia nenhuma.

Após horas de discurso inflamado, socos no peito, rasgos de


eloqüência, os políticos constatavam frustrados que os únicos em­
polgados eram eles mesmos. O povo, após assistir respeitosamente
às suas elocuções, aplaudia sem entusiasmo e retirava-se indife­
rente. Tanto para a esquerda como para a direita, após presenciar
tal cena, inevitavelmente ocorria a conclusão de que o povo não es­
tava preparado para votar. . .

Outra era a realidade nos comícios populistas. Para desespero


dos políticos de “ideologia coerente”, o povo insistia em sufragar
maciçamente Getúlio Vargas, Adhemar de Barros e os candidatos
que estes apoiavam.

Ignorância? Desinformação? Nada disso.

O povo, as “massas”, ou qualquer outro nome que se lhe dê.


sempre teve consciência de que os paraísos prometidos nunca iriam
além das palavras. Felicidade futura a Igreja já lhe oferecia com
muito mais sinceridade. Nc governo seriam todos iguais. A vanta­
gem dos populistas era que esses ao menos ofertavam vantagens ime­
diatas. Seja um emprego público, um pequeno presente, ou uma
vaga na escola; era preferível a certeza da migalha do que a espe­
rança do banquete. Mesmo porque em jejum ninguém sobrevivería
até ele.

— 28 —
Era esse o cenário político de São Paulo, quando, repentina­
mente, sobe ao palco um personagem não previsto no roteiro.

— V —

Nascido em Mate Grcssc. ele viera para São Paulo como tan­
tos outros imigrantes à procura do sonhe. Entre a origem e o des­
tino, vivera em diversas cidades do Interior paulista e do Paraná
onde completou o curso secundário. Já na Capital paulista, formou-
se em Direito pelo Largo São Francisco e passou a exercer as pro­
fissões de advogado e professor.

Essa sua segunda condição, exercendo o magistério em diferen­


tes bairros, lhe gravou na consciência os dois mundos que coabi-
tavam a metrópole nascente. Durante o dia dava aulas no Dante
Alighieri, durante a noite em escolas da periferia. No primeiro, tra­
dicional educandário das elites paulistanas, conheceu o mundo prós­
pero dos bem-nascidos; nas últimas, a vida desalentada dos despo­
jados.

De forma premeditada ou espontaneamente, por idealismo ou


oportunismo, o fato é que o professor Jânio da Silva Quadros cres­
ceu na política através do confronto entre esses dois mundos.

Sua formação intelectual provinha das elites, junto às quais


estudara; seus hábitos e maneiras eram próprios das classes mais
baixas, onde nascera e fora criado.

A sua magreza esquelética, as seqüelas de uma maleita nunca


bem-curada, o olhe direito cego, os dentes amarelos, os trajes andra­
josos; tudo isso, por um lado, confrontando-se com sua voz firme,
seus argumentos demolidores, sua oratória arrebatadora, sua cultura
erudita; por outro, faziam dele uma figura difícil de nào ser notada.
Eleito vereador em 1947, sua presença na Câmara Municipal causou
sensação. Segundo um jornalista da época, “era como se um men­
digo invadisse o palácio real e afrontasse o rei de dedo em riste”.

Deixando de lado a análise das intenções — a qual foge do en­


foque desse livro, a verdade é que Jânio Quadros era o único polí­

— 29 —
tico então em condições de exercer tal papel. Combinava o racio­
cínio sofisticado da universidade com a intuição própria dos
populares; dominava as duas culturas, pois fora forjado em ambas.
Ninguém como ele conhecia os corações e as mentes das duas pon­
tas da corda social.

Sua atuação na Câmara dos Vereadores, pautada na denúncia


de descalabros administrativos e na reivindicação de obras e ser­
viços para a periferia, lhe valeram a eleição para deputado estadual
em 1950 com a maior votação do pleito.

Em 1953, apenas seis anos após iniciar-se na vida política, Jânio


Quadros já possuía cacife suficiente para uma cartada mais alta: a
disputa da Prefeitura de São Paulo.

— 30 —
EXPLICAÇÃO IMPORTANTE

O jornal “A Notícia”, publicado a seguir, é fictício, constituindo-


se num recurso literário para ambientar a época e detalhar os fatos
que nela ocorreram.

As matérias nele encontradas foram redigidas pelo autor a partir


de fatos compilados por esse nos jornais e revistas do período en­
focado.

O autor possui cópias xerografadas de todas as publicações que


serviram de fonte a esse texto.

31
A NOTÍCIA* São Paulo, 22 de fevereiro de 1953 *

S . PAU LO E L E G E R Á
O S E U P R E F E IT O
A PR O VA D A A LEI QUE RESTAURA A A U T O N O M IA

Foi aprovado na Câmara Desde então seus prefeitos


Federal projeto que restitui são escolhidos pelos governa­
a autonomia administrativa dores do Estado. pleito. Com exceção do Par­
das cidades de São Paulo e tido Comunista, proscrito, to­
Santos. Essas cidades deixa­ As eleições em ambas as dos os outros terão ampla
ram de eleger seus dirigentes cidades foram marcadas pa­ liberdade de expressão, bas­
no ano de 192S, quando na ra o dia 22 de março, tendo tando apenas que comuni­
reforma constitucional da o Tribunal Regional Eleito­ quem às autoridades as da­
época foram consideradas ral já distribuído aos parti- tas e locais dos comícios pa­
áreas de segurança nacional. dos a regulamentação do ra efeito de policiamento.

•©
Dep. J.Quadros é o Garcez Dá Sua Cartada
candidato doFDC-PSB Candidato De Coalizão
Em convenção realizada Em nota conjunta à im­ vadas pelo lançamento do
em fins do ano passado o prensa, nove partidos com deputado Quadros como can­
deputado Jânio da Silva Qua­ bases nesta Capital, coorde­ didato do Partido Democra­
dros foi indicado pelo Parti­ nados pelo governador Gar­ ta Cristão. Frente ao risco
do Democrata Cristão como cez, comunicam o lançamen­ de eleger-se um prefeito to­
seu candidato à Prefeitura de to de uma candidatura única talmente desvinculado aos
São Paulo. Essa escolha se para disputar a Prefeitura esquemas políticos existentes,
deu ainda antes da aprova­ de São Paulo. Garcez houve por bem con­
ção da lei que restitui a au­ O lançamento da candida­ vocar as lideranças dos nove
tonomia administrativa e ba­ tura Cardoso foi resultado de partidos não comprometidos
seou-se na atuação do depu­ gestões empreendidas pelo com Jânio Quadros.
tado na Assembléia Legisla­ governador no sentido de
tiva, cuja plataforma de de­ Francisco Antônio Cardo­
unir a classe política paulis­ so é o atual secretário de
núncias dos escândalos e ta em tomo de um candida­
Q uadros : son h an do a lto . descalabros administrativos to de coligação.
Saúde do governo, sendo seu
dos governos municipal e es­ nome fruto de uma seleção
tadual vem obtendo ampla As negociações tiveram entre os 20 apresentados ini­
repercussão junto ao público. início há alguns meses, moti­ cialmente. (Pág. 3)

A escolha de Quadros foi


O JORNAL também aprovada em con­
DOS venção pelo Partido Socia­
JORNAIS
PAG. 3 lista Brasileiro. Em recen­
tes declarações à imprensa
C O R IN TH IA N S paulistana o candidato Qua­
C AM PEÃO dros declarou que baseará
PAG. 4 sua campanha no binômio
“Honestidade e Trabalho” .
A SITU A Ç Ã O Fez questão de frisar também
DA a sua independência em rela­
PREFEITURA ção aos dois partidos que o
PAG. 3
apoiam.
(Pag. 3)
O Acatado Dr. Cardoso €òitorial
Conta-se que há muitos anos atrás, cias do professor Lucas, convidou-o pa­ “REUNIÃO DE FAMÍLIA"
deis universitários amigos fizeram um ra seu seu secretário de Obras. Seu de­
pacto de sangue: fosse qual fosse o des­ sempenho frente à Secretaria levou
tino, ambos não mais se separariam. Adhemar a apontá-lo como candidato ‘‘Quando concorrentes do mesmo
Sempre que um subisse na vida, tudo fa­ a governador, eleição que venceu com ramo se reúnem para conversar,
ria para puxar o outro. Terminados os facilidade apoiado que foi pela máquina quem acaba sofrendo as conse­
estudos, cada um seguiu sua carreira, do dr. Barros. Lucas Nogueira Garcez quências é sempre o consumi­
mas nunca deixando de manter uma es­ não esqueceu o pacto da juventude: lo­ dor.”
treita e solidária convivência. go que assumiu o governo do Estado,
guindou seu amigo Francisco Antônio Adam Smith
Francisco formou-se em Medicina, Cardoso para a Secretaria de Higiene e
partiu para o Exterior em estudos e tor­ Saúde. A tal prática o pai dos economistas
nou-se uma das maiores autoridades no deu o nome de cartel. Segundo ele, nes­
rame. Da Secretaria ele agora se lança num sas conversas invariavelmente se estabe­
vôo mais ambicioso: a conquista da Pre­ lece um acordo de sustentação, uma alta
Lucas, engenheiro, passou a dar au­ feitura da Capital, luta para a qual con­
las na Escola Politécnica da Universida­ artificial de preços ou um oligopólio.
ta com o apoio de nada menos do que
de de São Paulo, tornando-se um dos 9 partidos: UDN, PSD, PSP, PTB, PST, Transpondo o pensamento de Smith
mais conceituados mestres daquela es­ PTN, PRP, PR e PL. Somando a esse para o campo da política, o que, preo­
cola. apoio, o da máquna do Estado, poucos cupados, assistimos em São Paulo é a
duvidam de que alcançará seu objetivo. formação de um cartel partidário, visan­
A serte começou a sorrir-lhes em
do garantir as eleições do dia 22. Quan­
1949. O então governador Adhemar de
Barros, tendo ouvido excelentes referên­ do no mesmo saco, promiscuem gatos
de diferentes estirpes, se tal convivência
é fraterna, há de no mínimo temer-se
as conseqüências.
O que justificaria uma união fraterna
entre a virginal UDN e o corrupto PSP?
Ou a dos “trabalhistas” do PTB com os
do PTN? Ou de todos esses esforçados
trabalhadores com a arrogante aristocra­
cia rural do PSD? Pior, dos integralis­
tas do PRP com os marxistas do PST?
A explicação é simples. E muito elu-
cidadora. Acontece que o mercado ideo­
lógico de nossa cidade, do qual esses
Numa "b litz ",c o m o se c r e tá r io . senhores são concessionários exclusivos,
enccntra-se ameaçado, Existe um pos­
seiro que invade o terreno da “desigual­
O E S T R A N H O DR. QUADROS dade social” , cujos donatários são os co­
Jânio da Silva Quadros, candidato Amigos ou inimigos, todos concor­ munistas, avança no pasto da “anticor-
do PDC e apoiado pelo Partido Socia­ dam que esse homem é dotado de um rupção” , propriedade registrada em no­
lista Brasileiro, está longe de ser um fantástico senso de autopromoção. Com me da UDN, entra no território do
político convencional. Considerado um suas esquisitices, tem conseguido man­ “ apelo às massas” , pasto cercado dos
excêntrico pela classe política ele culti­ ter-se à tona no noticiário político des­ trabalhistas; e o que é pior, não dá sa­
va hábitos de difícil aceitação pelos seus de o dia em que tomou posse como ve­ tisfações a ninguém.
pares na Assembléia Legislativa. reador, apesar de contar com a oposição
de todos os jornais. Frente a essa invasão, todos os che-
Vereador desde 1947, Quadros ele­ fões da venerável família política corre­
geu-se deputado na eleição de 1950 com J . Q. e S o d r é ,líd e r d a UDN ram ao governador, o qual decide lançar
a maior votação do Estado: 17 mil votos. uma candidatura única, unindo forças
Na Assembléia tem se destacado pelas para expulsar o camelô sem alvará.
inúmeras denúncias que faz das irregula­
ridades administrativas do Município e Cabe-nos registrar um aspecto pito­
do Estado, com grande cobertura da im­ resco. Quando se procura um nome do
prensa. qual ninguém tenha nada contra, corre-
se o risco de encontrar-se um do qual
Seus admiradores o aclamam como ninguém tenha nada a favor. Assim
o “Lincoln brasileiro” devido à sua re­ ocorreu.
tórica brilhante e sua origem humilde.
Seus adversários o acusam de ser um Insípido, inodoro e incolor, o dr.
mero demagogo, que usa de qualquer ex­ Cardoso nada deve a um copo dágua em
pediente para destacar-se. termos de expressão política.

L
A TRAG ÉD IA A D M IN IST R A T IV A D E S . PAULO
Reflexo, talvez, de um quarto de sé­ dores, endividada até o pescoço, amda 80 milhões de cruzeiros. Detalhe, impor­
culo sob o comando de prefeitos nomea- se dá ao luxo de querer comprar um lu­ tante: o prédio foi oferecido anterior­
| dos, a situação da Prefeitura de São xuoso prédio na Praça da República por mente a particulares por 70 milhões. . .
Paulo é atualmente a mais crítica de to-
| da a sua história.

Falta água e luz, o abastecimento de


: alimentos está cada vez mais precário,
i Os transportes coletivos não cumprem
j metade da demanda, constituindo-se em
j verdadeira calamidade pública. Nas pe­
riferias o drama é ainda maior, já que
; não há água encanada, pavimentação é
| um sonho distante e o esgoto corre a
! luz do sol. As epidemias grassam e não
I há sequer Postos de Saúde nos bairros
i mais distantes.

O atendimento nas repartições pú-


| blicas é deficiente, já que não passam de
meros cabides de emprego. Os funcio­
nários encaram o serviço público como
mero “bico", sendo que muitos se limi­
tam a assinar o ponto e voltar para
c asa.

As reivindicações dos bairros caren­


tes só chegam ao ouvido do prefeito
quando levadas pelos deputados da si-
j tuação. Mesmo assim raramente são
atendidas pois invariavelmente alega-se
faltarem verbas.

Verbas podem faltar, mas recursos


com toda certeza existem. Só assim se
| justifica a existência de vultosos depó-
. sitos da Prefeitura em bancos particula­
res a juros abaixo dos do mercado. Por
outro lado a municipalidade para saldar
seus compromissos atrasados recorre a
empréstimos nesses mesmos bancos a ju-
! ros acima dos do mercado. Devendo
j para os empreiteiros e para os fornece­
C O R IN T H IA N S C AM PEAO
Após enfrentar uma luta duríssima essa coleção de êxitos principalmente à
com times como o São Paulo, a Portu­ fidelidade de sua torcida a qual resis­
guesa de Desportos e o Palmeiras, o Co- tiu uma década inteira sem título (1941-
rinthians finalmente conquistou o título 1951) e nunca arredou pé. Parece que,
paulista de 1952, tomando-se assim bi- desta vez, o azar acabou. . .
campeão. Ninguém acreditava em sua
vitória, visto a concorrência esse ano A equipe que levou o time a vitória
ter sido mais acirrada do que nunca. O é composta dos seguirdes craques:
“Time do Charuto” mais uma vez pro­ Gilmar, Homero e Olavo;
vou que garra e tenacidade é o que
Idário, Julião e Roberto;
não lhe faltam.
Cláudio, Luizinho, Baltazar,
O Sport Club Corinthians Paulista, Carbone e Liquinho.
apesar do nome estrangeiro, tem se fir­
mado como o mais brasileiro dos clubes Para comemorar a vitória, Alfredo
brasileiros, sempre lutando por um es­ Trindade, presidente do clube, mandou
tilo nacional de jogo. Para fazer jus à distribuir um prêmio de 1 milhão de
fama o clube evita, inclusive >a contra­ cruzeiros, 70 mil, em média, por joga­
tação de craques estrangeiros para os dor (inclusive os suplentes).
seus quadros. Essa política tem mostra­
do bons resultados, tendo o Corinthians, “ Só o Corinthians pode pagar um
desde sua fundação em 1910, conquis­ prêmio desses” , regozija-se Trindade.
tado 14 vezes o campeonato paulista, “Somos o maior clube esportivo da
4 delas, invicto. É o time que mais ve­ América do Sul em número de sócios.
zes foi campeão em São Paulo, devendo Pra mais de 50 mil.”

SÃO PAULO ASSISTIRA EMPOLGADA!


DAS PÁGINAS DA L IT E R A T U R A U N IV E R S A L

OOC coo

com:
ADHEMAR DE BARROS
ESTRELANDO: LUCAS GARCEZ
FRANCISCO CARDOSO GETÚLIO VARGAS
HUGO BORGHI
iE JÂNIO QUADROS ULYSSES GUIMARÃES
JOÃO GOULART e grandioso elenco
inco.)
NÃO PERCA! PROCURE INFORMAR-SE SOBRE O COM ÍCIO EM~§EU BAIRRO
Iniciada a campanha, tornava-se óbvia a diferença entre os dois
candidatos. Ambos a viam comc uma temporada de caça ao voto; a
diferença estava nos papéis assumidos. Enquanto Cardoso colocava-
se como um elegante caçador inglês, Jânio solidarizava-se com o
povo no napel de caça,

O primeiro fazia de seus comícios verdadeiras festas cívicas, com


bandas de música, presença de artistas e distribuição cie flâmulas e
chapéus alusivos à campanha, O segundo fazia dos seus um fenô­
meno de catarse popular Ao invés do aparato adversário, utilizava-
se de símbolos improvisados, como a vela e a vassoura, A vela
surgira durante um comício quando repentinamente acabou a luz
(o corte de luz era freqüente em 1953 devido à estiagem); a vassoura
durante uma manifestação per idéia de um popular. No primeiro
caso, ao acender a vela oferecida per um cabo eleitoral, Jânio recor­
dou a famosa frase de Confúcio: “É melhor acender uma vela do
que maldizer a escuridão” e estendeu-se numa preleção a respeito
de qual seria o verdadeiro papel de um bom governante numa ci­
dade sem recursos como São Paulo. No segundo caso, ao falar sobre
a necessidade de varrer a corrupção existente na Prefeitura, recebeu
no palanque uma vassoura ofertada por um cidadão. Gostou do
símbolo e adotou-o para a campanha.

Outro contraste importante entre os dois candidatos relaciona­


va-se com o discurso. Enquanto Cardoso falava em suas futuras

— 37
obras, no que pretendia para São Paulo, Jânio abordava o aspecto
contrário. Mostrando a realidade dos números da Prefeitura, do
empreguismo, da corrupção, nada prometia além de trabalho duro
e disposição pessoal de mudar tal quadro. Combinando tal enfoque
com o tom irônico e espirituoso com que criticava a administração
anterior, ele conseguira realizar um fenômeno raro na política bra­
sileira : conquistar a confiança popular para um projeto de governo.

Ao iniciar-se o mês de março as vassouras, como estandartes de


um exército de Spartacus, já dominavam toda a paisagem eleitoral
de São Paulo. Pelos mais longínquos bairros da periferia, a simbolo- -
gia janista alastrava-se como um rastro de pólvora. Realizava-se um
fenômeno de catarse, verdadeiro terremoto cívico o qual, apesar de
registrado pelos sismógrafos, era ostensivamente ignorado pelo mun­
do oficial.

Os jornais, as estações de rádio e TV recusavam-se a notificar


o resultado das pesquisas prévias e quando o faziam era de forma
parcial, anunciando “uma leve recuperação da campanha cardosis-
ta”, sem divulgar a brutal e irremediável diferença que separava os
dois candidatos. Na área política tentava-se desesperadamente rea­
gir à ofensiva janista. Todo o potencial de fogo das máquinas admi­
nistrativas municipal, estadual e federal estava sendo utilizado no
esforço de inverter a tendência oposicionista dos eleitores. Até mes­
mo o lançamento improvisado de dois novos candidatos para divi­
dir o janismo fora tentado.

Nc domingo, 22 de março, a situação era a seguinte:

— 38
EXPLICAÇÃO IMPORTANTE

O jornal “A Notícia”, publicado a seguir, é fictício, constituindo-


se num recurso literário para ambientar a época e detalhar os fatos
que nela ocorreram.

As matérias nele encontradas foram redigidas pelo autor a partir


de fatos compilados por esse nos jornais e revistas do período en­
focado.

O autor possui cópias xerografadas de todas as publicações que


serviram de fonte a esse texto.

— 33 —
A NOTÍCIA
__________ * São Paulo, 22 de março de 1953 * ____________

H O JE E LE IÇ Õ E S
Hoje, 22 de março, os Os candidatos foram rece­
paulistanos compareceram às bidos nas suas seções elei­
umas para a escolha do pre­ torais por verdadeiras mul­ VEREADOR
feito que governará São Pau­ tidões de correligionários. DENUNCIA
lo nos próximos quatro anos. Apesar de Cardoso contar
Por tratar-se do primeiro com o apoio da máquina ad­ CORRUPCÃO
pleito após 25 anos, o com-
parecimento às urnas supe­
ministrativa, os jornalistas a-
firmam que a manifestação
ELEITORAL!
rou todas às expectativas a- mais calorosa foi a recebida O vereador André Franco
tingindo a marca dos 70%. pelo deputado Jânio Qua­ Montoro, do Partido Demo­
dros, o qual compareceu ao crata Cristão, denunciou no
local de votação bastante plenário da Câmara Munici­
ORTIZ pálido e demonstrando can­ pal, a existência de um acor­
GARCEZ
MONTEIRO saço. Segundo seus familia­ do entre a coligação partidá­
res, o candidato estaria for­ ria que apóia o candidato
temente gripado o que o le­ Cardoso e o Partido Comu­
PAG. 2
vou a retirar-se logo 'após nista, principal articulador da
candidatura de André Nunes
colocar seu voto na uma.
Jr. Segundo o vereador
ANDRÉ Montoro, o governo facilita­
NUNES Houve uma série de inci­ ria a realização dos comícios
APOIO DAS dentes entre os cabos eleito­ do candidato comunista, evi­
ESQUERDAS rais dos candidatos e a polí­ tando reprimi-los conforme
cia, visto que os primeiros a lei. Além disso, Adhemar
com frequência avançavam a de Barros teria auxiliado a
PAG. 2
linha demarcatória das se­ CARDOSO campanha de Nunes com um
ções eleitorais para distribuir empréstimo de 5 milhões de
as cédulas de seus candida­ cruzeiros.
A CAMPANHA
tos. As apurações terão iní­ Os vereadores ligados a
MILIONÁRIA
DE CARDOSO cio amanhã, segunda-feira, Adhemar responderam que
às 8 horas. , tal acusação não tem funda­
mento e atenta contra a hon­
ra e a reputação do vereador
PAG. 2
Nunes.
Além das denúncias de
Montoro, muitas outras têm
sido publicadas ultimame-ie
A EVOLUÇÃO JÂNIO Os comícios do ceputadr
DOS Quadros são frequentemente
FATOS vítimas de atos de vioiêada.
praticados, segundo se d a .
PAG. 2 por membros da Pciíma Ma­
rítima, subordinados ao dae-
fe do comitê eleitoral de Car­
doso.
OS JORNAIS
E AS Essas denúncias foram pm-
ELEIÇÕES blicadas em primem —ã -
pelo jornal "Tolha da Ma­
PAGS. 3 e 4 ADHEMAR MONTEIRO nhã” .
CARDOSO: Cam panha M ilionária
Terno de Twid, colete, óculos de aro País chegam telegramas de apoio de pes­ mente ao seu lado. Os ônibus da CMTC
fino, cabelos grisalhos bem-comporta­ soas importantes. João Goulart, presi­ saem das garagens enganalados com pro­
dos, ele se sairía melhor como embai­ dente do PTB, mandou emissário para paganda eleitoral, aviões cruzam o céu
xador em Londres do que como candi­ auxiliar o professor. Ulisses Guimarães, com faixas suas. Além disso ganhou da
dato a cargos eletivos. O professor representando o PSD, está em São Paulo TV Tupi um programa diário das 19 às
Cardoso é um homem de fala pausada, para participar da campanha. Adhemar 20 horas para falar sobre São Paulo e
gestos medidos, aparenta sempre estar comparece religiosamente em todos os sobre si mesmo.
pouco à vontade no trato com o públi­ comícios. A máquina administrativa, fe­
co. Seus correligionários não ligam para deral, estadual e municipal está inteira- Como o povo parece teimosamente
isso. Garantem que se acabou a época ignorar os esforços de seus partidários,
dos candidatos populistas, estando d po­ essa seníana utilizou-se de um recurso
vo preparado para digerir homens de extremo. O governador Garcez impor­
pouco charme mas abundante curricu- tou arroz e feijão do sul do País e man­
lum vitae. dou vender à população a preços mó­
dicos.
Durante a campanha a rotina do co­
medido professor universitário foi abala­ Dia 20 realizou-se o último comício
da pela necessidade de arrebanhar votos. do candidato. Com a presença de polí­
Por ele preferia que os cabos eleitorais ticos de todo o País, artistas, palhaços,
cuidassem dessa tarefa sozinhos, mas fogos de artifício e até mesmo Cardoso,
esses insistem na presença do candidato foi a maior concentração eleitoral dos
em todas as concentrações populares. últimos anos. Pão e Circo é a inédita
Sem poder dizer não lá vai o dr. Cardo­ fórmula encontrada pelos organizadores
so para os clubes de bairro, para as da campanha. O povo, hoje, dará sua
agremiações esportivas, cumprir a mara­ opinião a respeito.
tona eleitoral.
Beija sem convicção algumas crian­
ças, dá um desajeitado pontapé nas bo­
las que lhe oferecem, faz algumas piele-
ções soporíferas, a bandinha ataca a
marcha “ Tá eleito o professor Cardoso” ,
ele agradece sem muita fé e parte para
o bairro seguinte.
Sua já folclórica apatia é compensa­
da pelo aparato eleitoral que se criou a
sua volta. A mobilização política lembra
uma campanha presidencial. De todo o

OS OUTROS CANDIDATOS
ORTIZ MONTEIRO ANDRÉ NUNES JUNiOR

Deputado federal, foi recentemente O candidato das esquerdas é verea­


apontado pela revista “Manchete” como dor pelo PTB, ligado ao PCB e candi­
dato à Prefeitura pelo PST. Esse seu
um dos mais abastados parlamentares ecletismo lhe permite transitar com de­
do País. Industrial no Vale do Paraíba, senvoltura por todos os matizes da es­
proprietário de milhares de alqueires que querda paulista, desde o rosa desmaiado
se estendem por São Paulo, Mato Grosso até o vermelho sangue.
e além-mar, no continente africano, ele Nunes afirma ser o único candidato
sem dúvida faz jus ao título. Para sua com carta-programa consequente para o
combate à desigualdade social, à misé­
campanha eleitoral trocou as ações que ria e à exploração capitalista. Empre­
possuía da TV Record por horários de sário de sucesso é um dos proprietários
transmissão de propaganda, aliás uma da Drogadada, uma das maiores redes
das mais intensas já vistas em solo pau­ de drogarias do País.
listano. Até aviões compõem o seu apa­ Confiante na vitória, o candidato es­
rato panfletário. Monteiro tem pautado querdista acredita que a cisão no seio
da burguesia virá fatalmente beneficiar
sua campanha no combate 'a corrupção as forças populares das quais se diz por­
a qual considera o maior mal deste País. ta-voz.
DA M ESM A FORMA QUE OS PARTIDOS, TAMBÉM A GRANDE IMPRENSA PAULISTANA APOSTA SEU CACIFE
CONTRA A CANDIDATURA QUADROS

0 ESTADO DE S. PAULO
O jornal "O Estado de S. Paulo” é 10 de março
o mais autorizado intérprete do udenis- “ ( . . . ) Votos pró Cardoso não são
mo em São Paulo. Seu diretor, Júlio mais votos pelos partidos que o apoiam.
Mesquita Filho, é um dos heróis da Re­ Votar em» Cardoso é votar pela seguran­
volução Constitucionalista de 1932 ten­ ça social, pela ordem política, pela so­
de sido exilado após a derrota das for­ brevivência do regime.”
ças paulistas. A linha do jornal tem se
pautado por um combate sem tréguas ao 12 de março
"getulismo” , ao “ adhemarismo” e,mais “Senão pela UDN, por São Paulo!”
recentemente, ao “janismo”, fenômeno (apelo do Boletim Municipal dà UDN,
nascente. Para tanto tem de amargar “ O Estado” , página 4).
uma incômoda parceria com o dr. Adhe-
mar, visto que este também apóia a can­ 18 de março
didatura Cardoso O nome do dr. Bar- “As últimas sondagens estatísticas
ros não costuma ser publicado na íntegra não deixam margem de dúvidas. A can­
pois os redatores do órgão o consideram didatura Cardoso veio ganhando terreno
indigno de freqüentar suas páginas. Ge­ graças ao melhor esclarecimento da opi­
ralmente aparece abreviado: A. de Bar- nião pública e à tomada de posição do
ros. Quanto ao deputado Quadros, nem eleitorado consciente. O povo paulista­
esse privilégio ainda adquiriu. Simples­ no reagiu magnificamente às investidas
mente não é citado, a não ser em casos do Messias ( . . . )
especiais. A seguir transcrevemos tre­ ( . . . ) O povo, mais sábio e justo
Todos os homens de boa fé sabem
chos dos artigos recentemente publica­ do que por aí se crê, -lhe diz: Não!”
como nasceu a candidatura Cardoso.
dos na seção “Notas e Informações” : Ante os riscos de um prefeito politiquei­
ro, que se apoderasse da cidade para fla­ 21 de março
Domingo, 1 de março gelá-la, o governador Garcez tomou a “Desvaneceram-se os receios dos que
iniciativa de promover uma reunião de se alarmavam ante as perspectivas elei­
" . . . Ouvimos com desprazer os todos os partidos para a apresentação torais criadas pela restauração da auto­
boatos de que, a vista do enfraqueci­ de três nomes de sua confiança (etc, nomia da capital. ( . . . )
mento da candidatura Jânio pelo apare­ etc. . .) ” Não foram os partidos, foi o povo
cimento das candidaturas Ortiz Monteiro afinal que se organizou em frente única
e André Nunes Jr., o PDC e o PSB têm 7 de março ( . . . ) São Paulo está aguerrido para a
examinado a hipótese da retirada da batalha e a vitória contra o atiíi-São
“A demagogia, antes do PSP, agora
arena ( . . . ) Oxalá isso não aconteça transferiu-se para o PDC. O seu candi­ Paulo.
(...) dato está sendo acusado de maçom, anti- Sentimos, felizmente, em todas as
O fato de estar assegurada por larga clerical e divorcista. camadas e setores a mesma determina­
margem a vitória de Cardoso pode real­ ção do povo de acudir São Paulo na
Lançou-se nos meios pró-paz sovié­ hora do perigo, com seu voto conscien­
mente diminuir o entusiasmo.e o ímpeto tica, que pretendem desarmar o ociden­
dos adversários). . .) mas, ainda assim, te, com seu voto acertado, com seu voto
te para dar a vitória a Moscou ( . . . ) justo e sábio depositado na uma com
sem fé nem esperança na vitória devem Formou ainda acordo com o Partido So­
eles sustentar a candidatura até o fim, amor à nossa terra. ( . . . ) ”
cialista, em choque com a atitude da
conformados com os resultados e com­ Igreja que não admite tal coisa. ( . . . )
preendendo que, se glorificam os vence­ 22 de março
dores, também se respeitam os vencidos Pedimos aos paulistanos esclarecidos “ SÃO PAULO VENCERÁ”
(blá, blá, blá. . . ) ” mais atenção para esses fatos ( . . . ) Ve­ “Esse povo sente que a cidade está
rifiquem que, de seu voto pode resultar em perigo diante do mistifório que acen­
3 de março a vitória das forças demagógicas, mas­ de uma vela a Deus e outra ao Diabo,
caradas de cristãs e que nos levarão, se carreando na mesma arca os princípios
"A intriga mais insistentemente tra­ não forem freadas a tempo, a não sa­
mada pelo PDC é a de que “Cardoso é cristãos e os tóxicos extremistas.
bemos que graves perigos.
candidato de Adhemar” e portanto “é Nosso apelo final aos paulistas: Vo­
adesão a Adhemar o apoio a Cardoso” Cardoso será a vitória de São Paulo tem todos, votem com acerto. Votem
(...) sobre as forças da destruição.” pensando em São Paulo.”
( . . . ) Todos reconhecem a gran­ cife alto na candidatura Cardoso: deu-
O TEMPO deza de São Paulo, a energia produtora lhe todo o espaço de sua primeira pá­
dos que aqui vivem. Não é essa a me­ gina. _______________
O Jornal “O Tempo” é ligado ao sr. trópole onde os terrenos encontram a
Hugo Borghi, líder do PTB em São Pau­ mais rápida valorização? Uma cidade de
lo. Sob assinatura de “Um Observador evolução vertiginosa onde prosperam 3
Cardosista” tem publicado em suas pá­ milhões de pessoas?
ginas artigos contra o deputado Quadros. ( . . . ) O que o sr. Jânio quer é su­
Esses artigos têm sido transcritos em bestimar a gente de nossa cidade. Pre­
jornais da grande imprensa como “Folha tende ele com isso obstar uma possível
da Manhã” e o “Estado de S. Paulo” . projeção bandeirante no cenário nacio­
A seguir publicamos alguns trechos dos nal. ( . . . ) Não é de se estranhar visto
mesmos: não ser ele um paulista e sim um mato-
“É impressionante o espírito anti- grossense. Ele é positivamente um em-
paulista do sr. Jânio Quadros ( . . . ) Diz boaba. ( . . . )
ele que São Paulo é uma cidade péssi­
ma, congestionada, que pouco conforto FOLHA DA MANHÃ
oferece aos seus habitantes. Afirma
mesmo que a cidade está em ruínas, en­ A “Folha” até o dia de ontem não ti­
tregue às baratas. ( . . . ) nha apoiado ostensivamente nenhum dos
candidatos. A única política editorial
( . . . ) Não é essa a realidade! O adotada foi a de propiciar mais espaço
sr. Jânio exagera demais, sabe-se lá com noticioso a Cardoso e evitar falar-se
que propósitos. Ele contraria a opinião muito em Jânio.
geral de que São Paulo é a cidade que Hoje pela manhã o jornal abandonou
mais cresce no mundo.” sua postura imparcial e apostou um ca-

A EVOLUÇÃO D O S FATOS Hoje, dia das eleições, o balanço de


Ao saber do resultado da Convenção dramática escassez de popularidade. Os
do PDC, a primeira atitude do governa­ eleitores, contrariando a vontade das li­ forças é o seguinte:
dor Garcez, com certeza, foi tomar um deranças políticas, teimavam em apontar
o candidato da oposição como favorito. Cardoso conta com o apoio de sete
calmante. A segunda, logo a seguir, foi
por a boca no mundo. Já refeito do sus­ partidos, mais as três máquinas adminis­
Novas reuniões foram realizadas e trativas. Além disso conta com os jor­
to inicial tratou de convocar as lideran­ chegou-se ao seguinte esquema: já que
ças de todos os partidos com represen­ nais “Estado” e “Folha” e também com
a plataforma eleitoral do messias oposi­
tação em São Paulo para uma rodada cionista baseia-se no combate à corrup­ a TV Tupi.
de negociações. ção e à desigualdade social a melhor Monteiro ataca com o PTN, sua pla­
Depois de vários dias de conversa maneira de enfrentá-lo é lançar outros taforma anticorrupção, sua imensa for­
candidatos para dividir seu filão. Sai
nos Campos Elísios, finalmente veio a tuna pessoal e o apoio da TV Record.
público a solução: para salvar a nau po­ um combatendo a corrupção e outro
lítica do naufrágio iminente, escolheu-se combatendo a desigualdade social. Com Nunes tem a seu lado toda a estru­
o nome de Francisco Antônio Cardoso, isso divide-se seus votos e ganha o pro­ tura eleitoral da esquerda, a sua plata­
médico conceituado, secretário da Saúde fessor Cardoso.
forma de luta incansável contra a desi­
do governo Garcez e homem sem peca­ O esquema infalível foi logo coloca­ gualdade e os exploradores, os cinco
dos, como candidato de coalizão. Nove do em prática. Nos fins de fevereiro o milhões de cruzeiros emprestados por
partidos o apoiavam, além da máquina eleitorado foi brindado com duas novas Adhemar e mais algum retirado do alto
administrativa municipal, estadual e até opções para a Prefeitura: o PTN des­
mesmo federal. Também a grande im­ faturamento de suas drogarias.
garrou-se da coalizão e lançou Ortiz
prensa colocou seu potencial de fogo a Monteiro, combatendo a corrupção,e o Jânio Quadros, o lobisomem do plei­
serviço do candidato. PST lançou a candidatura André Nunes to, tem o apoio do Partido Socialista
Jr., ligado ao PCB, atacando a desigual­
Infelizmente todos esses esforços mos­ Brasileiro, do Partido Democrata Cris­
dade social.
traram-se perdidos quando da realização tão, algumas centenas de cabos eleito­
da primeira pesquisa de opinião. Se sua O esquema só foi desnudado quan­ rais gratuitos, pouco dinheiro em caixa
candidatura contava por um lado com do o vereador Montoro foi à tribuna de­ e um imenso arsenal de frases de efeito.
um “ excesso de unanimidade” da classe nunciar o apoio velado de Adhemar à
política, por outro lado sofria de uma candidatura Nunes. Façam suas apostas, senhores.
As urnas foram abertas na manhã de segunda-feira e desde o
início demonstraram a esmagadora vitória do deputado democrata-
cristão. Em algumas regiões eleitorais o candidato oposicionista
obtivera a totalidade dos votos, com exceção de dois ou três, depo­
sitados pelos fiscais cardosistas da área. Até os mesários haviam
votado em Jânio.

A surpresa foi geral. Ninguém esperava uma vitória de tal vulto,


ainda mais quando conquistada por um candidato sem recursos, sem
vinculações, sem o menor controle por parte das elites políticas e
econômicas de então. Temia-se uma revolução popular, um levante
das massas, tudo era possível, segundo os políticos, num quadro co­
mo aquele.

O povo havia simplesmente ignorado os conselhos da imprensa,


as suas previsões apocalípticas, os seus apelos à “sensatez e ao pa­
triotismo des paulistanos”. Votara maciçamente no “ Messias”, no
candidato do “ anti-S.Paulo”, no “emboaba”, no “procurador do
demônio” que “mascarado de cristão” mas “contaminado pelos tó­
xicos extremistas” pretendia entregar São Paulo “ às forças da des­
truição”.

Tão ostensiva desobediência do eleitorado aos partidos, aos lí­


deres sindicais, aos políticos dos bairros, a toda a estrutura eleitoral
existente, não podería deixar de causar mal-estar.

— 43 —
EXPLICAÇÃO IMPORTANTE

O jornal “A Notícia”, publicado a seguir, é fictício, constituindo-


se num recurso literário para ambientar a época e detalhar os fatos
que nela ocorreram.

As matérias nele encontradas foram redigidas pelo autor a partir


de fatos compilados por esse nos jornais e revistas do período en­
focado:-

O autor possui cópias xerografadas de todas as publicações que


serviram de fonte a esse texto.

—- 44 —
A NOTÍCIA * São Paulo, 25 de março de 1953 *

NOVO PREFEITO:
JÂNIO QUADROS
SURPRESA EM SÃO PAULO
COM RESULTADO DAS
ELEIÇÕES

Com 284 mil votos, con­ de obteve a totalidade dos


tra pouco mais de 100 mil do votos. Na média desses lo­
segundo colocado, Jânio da cais a votação de Jânio equi­
Silva Quadros elegeu-se pre­ valeu ao quíntuplo dos votos
feito de São Paulo. O resul­ de seu concorrente mais pró­
tado das urnas surpreendeu ximo, Cardoso.
os mais otimistas partidários
do candidato vencedor que Na quarta-feira, o Tribu­
nal Regional Eleitoral anun­
não esperavam uma vitória
ciou os resultados finais e
de tal vulto, obtendo mais do
que o dobro da soma dos vo­ oficiais. Jânio ficara em pri­
tos dos seus três concorren­ meiro lugar, seguido de longe
por Cardoso. Nunes ficou
tes.
em terceiro, com menos de
10 mil votos; e Monteiro em
As apurações tiveram ini­
sexto: perdera para os votos
cio na manhã de segunda-fei­ em branco e para os votos
ra e desde o início ficou evi­ nulos.
denciada a larga vantagem
do deputado Quadros. Nos Quadros venceu em todos
bairros operários e nas vilas os bairros da Capital, com
da periferia houve umas on­ exceção do Jardim América.

RESULTADO DO PLEITO REPERCUTE EM TODO PAÍS LEIA:


A impressionante vitória nos próximos pleitos de go­ Garcez que ameaçou renun­
de Jânio Quadros contra to­ vernador em 1954 e presi­ ciar ao seu mandato por-en­ A ASCENSÃO
da a máquina administrativa, dente da República em 1955. tender a eleição de Jânio co­ DE UM CORPO
os partidos e a imprensa de O êxito de um candidato to­ mo um repúdio do povo à ESTRANHO
São Paulo, repercutiu em to­ talmente desvinculado dos sua pessoa.
das as esferas políticas nacio­ partidos, do poder econômico
nais. As cúpulas partidárias e da grande imprensa, obvia­ A grande imprensa ainda PAG. 2

reuniram-se no Distrito Fe­ mente intranqüiliza a classe não absorveu o impacto des­
deral para analisar a nova si­ política quanto ao futuro sa eleição. A “Folha da Ma­
tuação, visto que o resultado próximo. nhã” afirma que os cabos e-
do pleito modifica totalmente O presidente Vargas en­ leitorais de Jânio foram o O JORNAL
as perspectivas políticas. Co­ viou emissários ao novo pre­ preço do arroz e do feijão e DOS JORNAIS:
mo se sabe a eleição paulis­ feito no sentido de progra­ o “O Estado de S. Paulo” AS MANCHETES E
tana era acompanhada com mar um encontro de ambos prefere atribuir a derrota de OPINIÕES DA
vivo interesse pela Nação por em futuro próximo. Com Cardoso ao apoio de Adhe- GRANDE IMPRENSA
significar uma prévia do isso demonstra mais jogo de mar que teria sido uma faca
PAGS. 3 e 4
comportamento dos eleitores cintura do que o governador de dois gumes.
Còitorial
A A SC E N SÃ O D E U M C O RPO E S T R A N H O
Desde que o deputado Quadros lan­ Mistificador? Mesmo entre seus adver­ viu uma carreira política avassaladora,
çou-se candidato a prefeito não se fala sários ainda não se chegou a uma con­ encerrada bruscamente na Presidência
sobre outro assunto em São Paulo. O clusão sobre sua personalidade. ccm seu assassinato. Isso veio a refor­
seu potencial de polarização foi tamanho Há aqueles que o definem como um çar ainda mais o seu senso de predesti­
que toda a campanha passou a girar em líder messiânico. Um fanático à seme­ nação. Um louco perigoso, em resumo.
torno de sua candidatura. Jânio ou se lhança de Antônio Conselheiro, que se A outra corrente de opinião afirma
ama ou se odeia; sua figura é por de­ acredita imbuído de uma missão divi­ tratar-se de um genial oportunista, um
mais controvertida para que se adote na: varrer a corrupção da face do pla­ mistificador que descobriu o segredo de
uma postura indiferente. neta. Segundo essa corrente de opinião, agitar as massas, as quais usa com gran­
Afinal quem é esse homem que con­ além de sua loucura inata, ainda lhe sur­ de habilidade para atingir seus objetivos.
segue convulsionar todo o tabuleiro po­ giu um dia, uma cartomante que lhe pre­
Seja qual for a versão verdadeira,
lítico de uma metrópole como São Pau­ o fato é que o sr. Jânio não necessita da
lo? O que representa para que possa classe política para eleger-se. Ignorando
jogar a um plano secundário todas as ostensivameníe os políticos ele não ne­
outras contradições da política paulista? gocia, não transige e tudo leva a crer
Agora que está eleito, qual será seu pa­ que, ao assumir a Prefeitura, os expul­
pel ao comando da Capital? sará do poder com a mesma obstinação
Sua presença nos palanques teve a com que Cristo expulsou os vendilhões
força de uma bomba atômica. Talvez do templo.
não haja existido outro personagem na Quer com o sentido de moralizar a
história da cidade com tamanho poder Nação, quer pretendendo locupletar-se
de agitação das massas. Predestinado?
sozinho, ninguém tem dúvidas de que le­
vará a sério a sua cruzada anticorrup-
ção, antifavoritismo, antipolítica, en­
fim, isso em parte, explica o terror com
que certos homens públicos assistem a
ascensão desse corpo estranho.
O RESULTADO DAS ELEIÇÕES EM SÃO PAULO REPERCUTE EM TODO O PAIS

3 ESTADO DES.PAULO disciplinado dos partidos, ainda bem.


Seria esse o procedimento normal e sa­
dio de funcionamento do regime demo­
24 de março crático ( . . . ) Mas como está aconte­
" ( . . . ) Infelizmente o povo não cendo, por ação das massas, que sabem
crcioreendeu a significação mais profun- contra o que votar mas não sabem a fa­
n das eleições do dia 22. Por muitas vor do que hão de votar, acumulam-se
-xzões preferiu enfraquecer-se a si mes- perigos que só os surdos intencionais e
a c . debilitando assim São Paulo. os cegos voluntários ignorarão.

O regime democrático sofreu um co- ( . . . ) O povo formulou a advertên­


cia. Quem tiver ouvidos, ouça. Quem
3 a o em São Paulo. Eclipsaram-se os
rarbdos para que em seu lugar agissem tiver olhos, veja.”
k massas. Evaporou-se assim a essên-
3 » mesma da democracia que se expri­ / ----------------------------- \
me pelos partidos com os seus progra- MANCHETE
i » e seus órgãos de pensamento e
£C20. C RÔ NICA de Henrique Pongetti
* * *
O mérito não foi do sr. Jânio que “Os políticos ainda não se refizeram
ã o tem credenciais que assim o reco­ do susto. Uns estão mantendo o coração
mendem, mas da situação que vivemos, com Coramina, outros freiam os nervos
ae desgovernos alheios ao povo e aos com Belergal. Todos, porém, acordam
zu s sofrimentos. de madrugada gritando “Lá vem o Jâ ­
nio!” e não dormem mais com medo de
Nossa linha foi a de procurar for­ sonhar novamente com o tarado de São
rar uma evolução ao invés de arriscar Paulo.
Bioções violentas e subversivas. O povo, O CRUZEIRO
rcrém, não pensou assim. Sem analisar Jânio é o tarado de São Paulo. Rou­ A REVOLUÇÃO BRANCA, de Neiva
srulmente as coisas, viu-as elementar- bou o eleitorado de 7 partidos e deixou Moreira
m^nte, em bloco ,e adotou métodos di- seus respectivos chefes nus, num capin-
rerentes, métodos esses, oxalá não se zal deserto. O povo não pode ver hoje “ ( . . . ) Os adversários políticos do
irrependa mais tarde, sem remédio.” aquelas fotografias clássicas dos chefões sr. Jânio Quadros consideram-no um de­
porejando importância nas sedes do magogo, sem idéias próprias e sem con­
25 de março PTB, do PSD ou da UDN sem ter um dições pessoais. Mas um homem justo
frouxo de riso. Pastores sem rebanho, e sereno como o governador Garcez tem
“É preciso registrar com júbilo mais condutores de almas de outro mundo, pontos de vista contrários: é um polí­
uma significação do pleito de 22 de mar­ malucos com mania de grandeza ( . . . ) tico inteligente, arguto, com agudo sen­
ço: a reação moral, que se exprimiu na so de oportunidade. Em toda ,a sua
condenação à corrupção que campeava Mais cômica que a descoberta dos campanha usou recursos pessoais sur­
em nossa terra. Quem derrotou Cardo­ chefões nus no capinzal deserto foi a preendentes e, sobretudo, deu ênfase à
so foi o dr. A. de Barros, quando gritou dramaticidade com que reapareceram,
sua condição de homem pobre e humil­
em cartazes que “ Adhemar elegerá Car­ vestidos, nas sedes de seus ex-feudos de. Numa cidade onde é maior a den­
doso” . monogramados. Pareciam convocar o sidade proletária e existe uma inquieta
povo de São Paulo para obrigá-lo a dar e insatisfeita classe média, essa campa­
Quando o povo, julgando as coisas satisfações.
em bloco, maciçamente acreditou que nha expandiu-se com força incontrolá-
seu voto seria dado, não ao candidato Disse-me um repórter dos mais lúci­ vel (. . .)
da aliança partidária, mas ao ademaris- dos: conversei com quase todos e fiquei ( . . . ) No Senado e na Câmara um
mo, por isso irrompeu em massa para de coração apertado. Os homens riam pânico evidente alastra-se pelo oficialis-
o campo adversário. amarelo, como reis depostos sem derra­ mo dos Estados, onde o fenômeno pau­
mamento de sangue — com um simples lista pode provocar resultados eleitorais
( . . . ) Insistimos em reafirmar as pontapé na parte mais familiar ao trono.
nossas graves apreensões ante os resul­ muito desfavoráveis. Não é para menos,
Sobretudo um me comoveu. O incon­ quando se verifica que um homem sim­
tados do pleito municipal. Manifesta­ formado passeava de um lado para o
mos, todavia, o nosso contentamento ples, de gravata desalinhada, cabelos re­
outro da sala, cheia de fotografias de voltos, roupa azul quase como um uni­
ante um aspecto que é o juízo do povo. antigos e gloriosos comícios, gemendo forme, olhos em planos diferentes e
Graças a Deus, comprovou-se mais como um marido abandonado: ‘como é bolsos vazios enfrenta o governo e meia
uma vez que o crime não compensa.” que foram me fazer isso? Ó meu Deus dúzia de partidos, quase toda a impren­
como foi?.. . ’ E de vez em quando en- sa, televisão, rádio, recursos financeiros
26 de março treabria a janela com cautela e espiava, enormes e toda a máquina partidária na­
amedrontado o povo na praça, como se cional, e vence.
“O povo preferiu a solução traumá­ esperasse receber um tiro, um tomate
tica ( . . . ) Se fosse sob o comando ou uma cusparada.” (Continua na página seguinte)

----- -------------------------------- /
JORNAL DOS JORNAIS (Cont.)

REVOLUÇÃO B RAN CA paciente. Isso é grave, grave porque re­ Macedo Soares, jornalista:
presenta que o povo não tem guias.”
E não é só isso. Rasgou o cartaz “A primeira lição dessa tremendi
do partido comunista, que acreditava ter Pedro Dantas, jornalista: derrota paulista é que as massas eleito­
em São Paulo a sua maior cidadela, o “ O povo foi à forra. Votou contra, rais querem ser tratadas com lealdade
baluarte vermelho de maior força no He­ mais do que a favor. Jânio ou qualquer dizendo-lhes a verdade, e, acima de to­
misfério Ocidental. outro que se opusesse ao que está, ao do, respeitando-lhes os melindres e sen­
que se faz, ao que existe.” timentos de honradez e decência. Sãc
( . . . ) A ação e os poderes públicos Paulo não fez mais do que vingar :
têm, nesse pleito, a sua advertência. O Brasil.”
Pedro Gomes, jornalista de Man­
povo está aprendendo a votar e se asse­
chete:
gurando de que o voto vale. O poder Adhemar de Barros:
público precisa estar à altura dessa “Eu esperei conhecer um Jânio Qua­
revolução democrática. E os partidos dros de camisa suja, barba grande, bi­ “Foi um protesto coletivo do pov:
também.’ gode caído, despenteado, com jeito de contra a carestia da vida e contra todas
quem não usa sabonete porque só acre­ as dificuldades que o oprimem, proteste
dita na higiene do espírito. Mas o ca­ que compreendo e aceito. Apenas dev:
marada que vi no dia da eleição não era dizer que o governo do Estado não :
C O R R EIO DA M ANHÃ nada disso. Bem trajado, limpo, bem responsável pela situação.”
composto, discreto, mais parecia um
Editorial paulista elegante do Jardim América Lucas Garcez, governador de Sã:
( . . . ) Quer dizer: um Jânio certamente Paulo:
A vitória do sr. Jânio significa o original, encomendado para o dia da
esboroamento dos mitos Getúlio e Adhe­ eleição. Se é este que vai governar São “ O povo manifestou clara repulsa ac
mar. É a confirmação de que os pres­ Paulo, então está bem. Mesmo porque, governo, inclusive à minha pessoa. E
tígios demagogo-populistas valem apenas como dizem os slogans: “São Paulo é assim agiu em razão de várias causas: t
como protesto contra uma ordem de uma cidade limpa.” inflação, a carestia, o alto custo dos gê­
coisas minada em seus próprios alicer­ neros alimentícios e outras.”
ces. Nessas últimas eleições não houve
vitoriosos, apenas a derrota de velhos Auro Moura Andrade, deputado dc
^demagogos. PSD:

Senador Assis Ghateaubriand, pro­ “É, sem dúvida, a falência dos par­
prietário dos Diários e Emissoras A s ­ tidos.”
sociados:
Ulisses Guimarães, deputado dc
“O povo paulista acaba de cortar PSD:
as pernas e os braços do regime. Per­
nas e braços que são os seus partidos “Os partidos saíram de suas camufla­
políticos — sem o consentimento do gens para agir publicamente.”
A FALÊNCIA DAS PALAVRAS

(Entrevista com Odon Pereira * — l.a parte)

Para você que viveu nessa época e militava na política, o que


representou o fenômeno Jânio Quadros?

ODON — Jânio é, rigcrosamente, uma trombada das nossas eli­


tes com a chamada participação popular. E quando falo em elites
não estou citando apenas a elite dominante na área econômica, não
apenas a elite política, mas também a elite intelectual, a elite dos
jornais, a elite da pesquisa, da universidade. Essas nossas elites in­
sistiam (e ainda insistem) no sonho brasileiro de que somos um po­
vo branco, civilizado, bem-educado, saudável, que bebe com mode­
ração, lê regularmente os jornais e vive ccmc classe média pelo me­
nos. Essa é a imagem de nossos jornais, de nossos livros, dos nossos
professores, de nossa universidade, É a imagem que nos vendem a
todo momento. Isso, é claro, era muito mais grave em 1953.

O que Jânio nos mestra naquele ano é que não somos um país
de abundância, somos um país miserável, não somos um povo bem-
alimentado, somos um povo faminto. Sendo assim não é à toa que
as elites pensantes da época não o suportavam. Jânio rompera uma
convenção da política, muito comum nos países subdesenvolvidos,
de nunca se falar a verdade. Pode-se divergir, permite-se a alguns
irem para a esquerda, outros para a direita, mas por acordo tácito
é vedado desnudar-se a realidade do País.

* Odon Pereira é jornalista da “Folha de S. Paulo” .


E de que forma a entrada de Jânio no cenário político desnu­
dou essa realidade?

ODON — Nem tanto pelas suas palavras — veremos logo mais


que as palavras na interpretação do povo não têm grande importân­
cia. Mas pela sua própria imagem. Jânio era a figura de uma pes­
soa esquálida, cansada, doente, explorada. Ele era brasileiro. Exa­
tamente o que a maioria dos brasileiros era, e é, com exceção dos
donos de partido, dos jornalistas, dos professores universitários.

Por que, a seu ver, as palavras não são importantes?

ODON — Elas nunca foram importantes. Os intelectuais, os


jornalistas, cs políticos, as elites em geral, vivem das palavras, é na­
tural que se sintam obrigadas a exaltá-las, dar-lhes um valor que es­
tão longe de possuir, valorizar enfim sua função. A maior prova de
sua desimportância é a tiragem de nossos órgãos de imprensa.

O pcvo sabe que não pode acreditar nas palavras. Sempre que
que alguém dc povo questiona um político, ou qualquer membro
das elites, no confronto das palavras acaba perdendo. Perde por que
não sabe falar tão bem, não tem a desenvoltura verbal do seu con-
tendor. Depois as palavras sãc muito complicadas, geralmente são
usadas para esconder e não para esclarecer os fatos', A experiência
do povo com cs políticos é de que eles nunca negam ter dito; ne­
gam ter falado desta ou daquela maneira. As palavras são ambíguas
e se prestam às mais diversas manipulações. O povo, para se de­
fender delas, acaba por desenvolver outras formas de aferir os po­
líticos.

O que se percebe tanto hoje em dia, como naquela época, é


que todos os políticos, invariavelmente, dizem as mesmas coisas.

ODON — Exato. Eu estou persuadido que em política existem


certos valores que não se expressam por palavras. Jânio é um exem­
plo elcqüente disso pois se fossemos julgá-lc pelas palavras o seu
sucesso seria incompreensível. Ele não usa o Português mais popular,
a linguagem mais acessível à população.

A minha persuasão é de que, da forma como é usada pelos po­


líticos, a palavra do mundo formal em que nos movemos não só

50 —
não é compreendida pelo eleitor comum como também provoca
nele uma profunda desconfiança.

Há uma outra linguagem por trás das palavras e é nessa que o


povo se baseia para aferir os políticos. Se formos comparar os discur­
sos de Jânio e os de Adhemar, seu maior rival na época, em termos
de retórica pura, não identificaremos grandes diferenças. Mas se aten­
tarmos para o fato de que Jânio, por trás das palavras formais, está
o tempo todo propondo um deslocamento da função do Estado, di­
zendo que este não pode continuar a ser propriedade de um pequeno
grupo de pessoas, mas deve se voltar para a multidão que trabalha,
aí então identificamos a diferença fundamental. As pessoas per­
ceberam essa diferença pelos duros ataques à corrupção feitos por
Jânio. Era através destes que ele indicava que o povo devia retomar
o Estado em suas mãos, tirá-lo daqueles que se comportavam como
seus proprietários.

— 51
CAPÍTULO 2 — 1954

“Frente às divergências entre as duas facções políticas, Getúlio viu-se obri­


gado a chamá-las e intermediar a questão. Recebeu uma de cada vez, ouviu-as
com atenção, deu apoio a ambas e pediu a cada uma um pouco de paciência.

Alzira, sua filha, que assistira às duas reuniões, protestou:

Mas pai, o senhor deu razão a ambos! Isso é uma incoerência!

— Você tem toda razão, minha filha. Mas tenha um pouco de paciência. . .
Apagou o charuto e foi dormir.”

(folclore político brasileiro)

— 53 —
Corria o ano de 1954.

No tabuleiro da guerra fria novos peões entravam em cena. A


revolução chinesa viera modificar radicalmente a paisagem do mun­
do, multifacetando os pontos de conflito. Aqueles que subestimaram
o novo parceiro iriam pagar bem caro por isso.

Dien Bien Phu, na Indochina era palco de fragoroso massacre de


um Golias Imperial por um David guerrilheiro. As tropas do general
Giap esmagaram o orgulhoso exército colonial francês, o qual foi
obrigado a deixar a Ásia humilhado. Per trás de Giap estava o
apoio logístico da China.

Na Coréia, quando os exércitos americanos começavam a can­


tar vitória após escorraçar as tropas vermelhas até a Manchúria, uma
poderosa contra-ofensiva quase desencadeia a terceira guerra mun­
dial. Na revanche estava o dedo da China.

No mesmo ano de 1954 realizava-se a Conferência de Bandung,


onde os povos da Ásia e da África firmavam acordo de colaboração
econômica, não-agressãc e respeito mútuo da integridade territorial
e da soberania nacional. As nações colonizadas criavam anticorpos
para proteger-se do imperialismo.

— 55 —
Enquanto isso, na América Latina, bem diferente era a realidade
e a convivência entre os povos. A Conferência dos Chanceleres das
Américas no Rio de Janeiro depositava nas mãos da OEA e sob
a guarda des Estados Unidos o destino das suas nações. O regi­
mento da OEA previa a “intervenção coletiva dos Estados Ameri­
canos em outros quando o domínio das instituições políticas destes
por parte do movimento comunista internacional pudesse pôr em ris­
co a paz da América”. Isso na prática significava o direito dos EUA
intervirem onde e quando achassem necessário para erradicar movi­
mentos de libertação nacional. A primeira vítima, já em 1954. seria
a Guatemala. Outras viríam após.

No Brasil o governo Vargas passava por maus momentos com


a crescente consolidação das opcsições. O “impeachment” do presi­
dente fora pedido no Congresso e estava em deliberação.

No mundo das amenidades, o furor do ano era a beleza da nova


miss Brasil que iria disputar o título mundial em Long Beach com
grandes chances de vitória. Menos chances teriam os brasileiros no
Sweepstake, novamente vencido por um cavalo argentino, dessa vez
“El Aragonês”, montado pelo legendário jockey Rigoni. Quem tam­
bém estava se tornando lenda era o cantor Cauby Peixoto, afetado
menestrel do gênero trágico-romântico.

Nos elegantes salões comentava-se a ascensão definitiva de Cris-


tian Dior no reino da alta costura, apesar das brasileiras particular­
mente preferirem Pierre Balmain.

Ncs bares o assunto era a triste trajetória do Brasil na Copa.


quando, após vencer o México, empatar com a Iugoslávia e perder
para a Hungria, a seleção era desclassificada nas oitavas de final.
Zezé Moreira era o exorcizado do^dia e a superioridade técnica e
organizacional dos europeus o objeto da.-veneração nacional.

Em São Paulo a cidade comemorava o seu IV Centenário já


com novo prefeito, pois Jânio Quadros se desincompatibilizara no
prazo legal para disputar o governo do Estado. As eleições de outu­
bro eram o tema predominante em todas as rodas.

— 56 —
A NOTÍCIA
_____________* São PauLo, 1 de agosto de 1954 * ______________

QUEM SUCEDERÁ GARCEZ ?


A três meses da data do
pleito (3 de outubro) São
Paulo já vive o clima eleito­
ral. As negociações entre
cs partidos se desenvolvem
em ritmo febril, estando já
definidas três candidaturas:
Adhemar de Barros, pelo
PSP, Jânio Quadros, pelo
PTN,e Prestes Maia, por uma
coligação partidária encabe­ M AIA: o favorito do rei ADHEMAR: liderando as prévias JÂNIO: lembrai-vos de 1953.
çada pelo PSD. Os três can­ com um importante trunfo:
dos concorrentes, atitude de Barros, o qual apesar de
didatos agora procuram con­ compreensível visto que os abandonado pelo atual go­ Maia tem a seu favor toda
quistar o apoio de Hugo seus auxiliares diretos se di­ vernador conta com uma a máquina administrativa do
Borghi, líder do PTB, o qual videm entre um possível can­ bem-azeitada máquina eleito­ Estado e a sua sólida repu­
oor enquanto ainda não de­ didato do PTB e o candidato ral e um prestígio inconteste tação como administrador.
finiu se sairá candidato ou do governador Garcez, re­ no interior do Estado. Pres­ Jânio por sua vez conta
apoiará algum dos já existen­ centemente conquistado para tes Maia e Jânio Quadros, com seu inegável talento
tes. O presidente Vargas, o PSD. apesar de não possuírem a oratório e o prestígio que
por enquanto, ainda não ma­ O candidato mais forte popularidade do ex-governa­ bem granjeou como prefei­
nifestou seu apoio a nenhum até o momento é Adhemar dor Barros, contam cada um to de São Paulo.
0 ESQUEMA ETELVINO MARTHA ROCHA:
Está cada vez mais forte
2 ° LUGAR EM
LONG BEACH
IVcentenário de S.P.
o esquema montado por Ge- No último dia 25 áe janei­ partida para as bandeiras
túlio Vargas no sentido de Martha Rocha, miss Bra­ ro a Capital de São Paulo que adentravam o sertão.
negociar uma candidatura sil, classificou-se em segundo comemorou o seu quarto Para o mês de agosto es­
presidencial que reflita uma lugar no Concurso de Miss
centenário de nascimento. tão previstas as festividades
conciliação entre as forças Universo, realizado em Long
Fundada pelos padres jesuí­ oficiais do quarto centenário,
políticas nacionais. Beach, EUA. com a realização de uma
As lideranças partidárias tas no ano de 1554, no pla­ exposição internacional e a
têm-se reunido com grande Numa final polêmica e
nalto de Piratininga, a vila inauguração do discutido
freqüência nos últimos tem­ controvertida, o júri desem­
servia de centro de cateque­ Parque do Ibirapuera.
pos e tudo leva a crer que, patou a favor da americana
antes do fim do ano, sairá o Miriam Stevenson, devido a se dos religiosos e ponto de (Pág. 4)
nome do ungido. suas medidas “mais de acor­
Até o momento os nomes do com o padrão internacio­
mais cotados são os do ma­ nal de beleza” . Essa decisão
rechal Mascarenhas de Mo­ provocou protestos no audi­
rais, do general Juarez Tá- tório e na própria imprensa
vora e do próprio Etelvino americana, para a qual Mar­
Lins. Nomes como o do go­ tha era a franca favorita.
vernador do Paraná, Munhoz Para evitar maiores atritos,
da Rocha, do governador de os organizadores do concur­
São Paulo, Garcez, e de ou­
so decidiram dividir parte
tros governadores, têm sido
sugeridos com certa insistên­ dos prêmios que cabiam à
cia. Tem-se como certo, por vencedora com Martha. Na
enquanto, que o escolhido imprensa brasileira, a baia­
será um político sobre o qual na está sendo considerada a
nenhum partido possa impor “vencedora moral do concur­
seu veto. Dessa forma o no­ so” , título que, embora não
me de Adhemar de Barros reconhecido oficialmente, ser­
está definitivamente afastado ve para atenuar um pouco a
porque, embora bom de ur­ decepção dos brasileiros pelo
na, conta com a oposição ra­ resultado. ^
dical dos udenistas,_________ (Pag. 4)
A A D M IN IST R A Ç Ã O D E U M P RE F EITO PO LÍTIC O
Jânio Quadros governou a cidade de acabamos por valorizar os bons e todos, A ADMINISTRAÇÃO POLÍTICA
São Paulo durante apenas 16 meses. E s­ povo e funcionários, ganharam com
se tempo apesar de exíguo lhe valeu isso.” A lição que ficou de sua gestão foi
para criar nacionalmente uma reputação de que um prefeito político, desde que
de administrador honesto, austero e so­ RECUPERAÇÃO DOS ÔNIBUS dotado de bom senso, pode ser melhor
bretudo polêmico. administrador do que um técnico. A po­
O maior problema que enfrentou du­ lítica foi realmente o ponto alto da
O seu primeiro ato, logo que tomou rante sua gestão foi o dos transportes performance do prefeito da vassoura
posse, foi colocar na porta de seu ga­ coletivos. Estudos realizados provavam Mestre na arte de tirar o máximo de di­
binete uma placa com os seguintes di- que o serviço não poderia ser melhora­ videndos políticos de cada obra que rea­
zeres: do sem o aumento das tarifas. Acontece liza, mesmo depois de eleito não deixou
“Jânio Quadros não dá, não tem e que aumentá-las seria quebrar uma pro­ um só instante de promover comícios.
não pede empregos para ninguém.” messa feita exaustivamente durante a Todas as quartas-feiras ele realizava um
campanha de que não aumentaria ne­ encontro com moradores de bairros pre­
Para desespero de amigos e inimigos, nhum imposto ou taxa. Por outro lado viamente escolhidos na Capital. Nessas
levou a sério a própria advertência. Seus não poderia deixar o serviço como es­ oportunidades prestava contas de suas
correligionários do PDC foram os pri­ tava. realizações e ouvia as reivindicações
meiros a protestar contra a medida. Afi­ locais. Com isso evitava a intermediação
Decidiu-se pelo aumento, mas o fez
nal empenharam todos os esforços pos­ de outros políticos e tomava conheci­
com bastante habilidade política, prece­
síveis para elegê-lo e só depois percebe­ mento dos reais problemas da comunida­
dendo o mesmo de uma maciça campa­
ram que a determinação valia também de, realizando as obras que achava mais
nha de esclarecimento público, prome­
para eles. convenientes.
tendo em contrapartida colocar centenas
de novos ônibus em serviço. Não foi Esse inédito estilo de govemar, mis­
U M A ESTRATÉGIA S U IC ID A . . . difícil cumprir a promessa. Com a inje­ turando habilmente política com admi­
ção dos novos recursos recuperou todos nistração, pode ter provocado o ódio dos
Sua gestão frente ao Executivo pau­ os carros que estavam nas oficinas e em políticos, mas lhe permitiu realizar uma
listano foi marcada por um incessante pouco tempo a cidade via sua frota qua­ obra de bom nível, garantindo assim sua
combate à corrrupção e ao favoritismo. se que dobrada com a entrada em servi­ condição de forte candidato ao governe
Isso lhe valeu o ódio de muitos, princi­ ço dos velhos ônibus, os quais saíam às do Estado.
palmente funcionários públicos, os quais ruas com vistosas placas de “RECUPE­
obrigou a um regime de trabalho severo. RADO” . E A POLÍTICA A D M IN IS TR A T IV A
Numa estratégia aparentemente de A população perdoou-o pelo aumen­
suicídio político ele cumpriu à risca sua Na área administrativa a sua gestão
to satisfeita que estava com a melhoria deixou como saldo a construção de cen­
meta de colocar na rua, sem piedade, dos serviços e ele pôde faturar politica­
todo e qualquer funcionário público re­ tenas de parques infantis, a colocação
mente com o fato. de telefones públicos em quase todos os
lapso, corrupto, ou apenas ineficiente.
Não perdoou sequer Ademar Ferreira bairros da cidade, uma melhoria sensí­
vel no serviço de coleta de lixo, es­
da Silva, campeão olímpico e funcioná­
rio da municipalidade. Foi severamente tendendo sua rede a bairros que nunca
criticado por tal gesto, mas manteve-se antes a tiveram.
irredutível alegando não poder abrir ne­ Os observadores concordam que a
nhum precedente sob o risco de ver sua maior obra de seu período foi a racio­
cruzada desacreditada. Se não aplicas­ nalização dos serviços públicos, como a
se com o esportista o mesmo critério melhoria no atendimento e o__fim das in­
que aplicou em outros casos, sua atua­ termináveis filas nas portas das reparti­
ção deixaria de ser imparcial. ções. Para tanto ele baixou um decreto
severo no qual proibia qualquer proces­
M A S QUE A C A B A D A N D O CERTO so de permanecer mais de 12 horas em
um departamento.
A verdade é que com a demissão em
massa de corruptos e relapsos e a reco- Quanto às finanças pôde também
locação daqueles que ocupavam cargos realizar um de seus “milagres” : deixou
desnecessários, os serviços públicos mi­ a prefeitura com um superávit de 300
lagrosamente melhoraram. E o mesmo milhões de cruzeiros, sendo que a encon­
Jânio tão criticado no princípio, após trou com um déficit de 200 milhões. O
alguns meses vinha a público para, com segredo segundo seus assessores é sim­
ar vitorioso, explicar a mágica: ples: “Dinheiro existe, o problema é que
era malversado. Eliminando-se os em­
“Ao demitir os funcionários ruins, pregos de favor, os funcionários incom­
além de economizarmos preciosos re­ petentes, os favoritismos e a corrupção,
cursos, ainda podíamos melhorar os ven­ acabam sempre sobrando recursos em
cimentos e as condições de trabalho dos abundância para se realizar um boa ad­
bons funcionários. Castigando os ruins Quadros: quebrando tabus ministração.”
-

ADHEMAR: DOUTOR
EM POPULISMO
sanimar pelas adversidades. Ao contrá­ nomear-se um interventor para o Estado
rio, procura sempre descobrir o lado lu­ e, encontrando as forças políticas locais
crativo delas. Por mais que o derrubem, irremediavelmente divididas, Getúlio
por mais que tentem destruí-lo, seus ad­ acaba por escolher seu nome. Na opi­
versários têm em mente que Adhemar nião do ditador a grande vantagem de
sempre volta. E o que é pior: mais for­ Adhemar era o fato de ser inexpressivo,
te e mais experiente. É o homem indes­ não tendo a sua nomeação, portanto,
trutível da política paulista. que enfrentar a oposição de nenhum dos
grupos em conflito.
Nasceu em 1901, em Piracicaba, fi­
lho de tradicional família paulista. Con­ O que ninguém percebeu na ocasião
cluiu o curso primário na própria fazen­ era que Adhemar estava longe de ser
da onde morava e seguiu para a Capital uma figura sem talento. Utilizando-se
do Estado, onde veio a se formar em da sua condição de interventor, em cur­
Humanidades. De São Paulo partiu para to espaço de tempo ele consolidou um
o Distrito Federal, diplomando-se em prestígio popular jamais igualado na his­
Ciências Médicas e seguindo para espe­ tória paulista. Usando no limite o po­
cializações no Exterior. Aos trinta anos tencial empreguista da máquina do Es­
de idade, médico de renome com diplo­ tado ele a utilizou também para anular
mas da Sorbonne de Paris e da Univer­ seus inimigos através da concessão de
sidade do Povo de Berlim, Adhemar vai obras e favores.
servir nas tropas paulistas na revolução Quanto ao povo, seu estilo era iné­
constitucionalista. Recebe o posto de ca­ dito; todas as noites, às 19 horas, fa­
lava aos paulistas através de uma cadeia
de rádio. Eram as famosas “Conversas
ao pé do fogo” nas quais, usando de
uma linguagem intimista e profundamen­
O corpo não é mais o mesmo. te religiosa, ele mantinha uma audiência
O ar debochado esconde uma nobre­ de dar inveja a qualquer novela da
za de quatrocentos anos. As roupas ba­ época.
ratas, uma das maiores fortunas do Bra­ Ao deixar o cargo em 1941, por ha­
sil; o vocabulário vulgar, uma cultura ver se desentendido com Vargas, Adhe­
respeitável, abrangendo quatro idiomas mar já era o mais popular líder político
e vários curses de pós-graduação no Ex­ de São Paulo.
terior.
Com a redemocratização do País, ele
Quem vê Adhemar, conversa com ele, voltou à tona ao fundar o Partido So­
dificilmente percebe que por tras de sua cial Progressista, pitoresca fusão de um
informalidade populista esconde-se um Partido Agrário com um Partido Sindi­
homem de grande inteligência e preparo. ... mas a combatividade permanece. calista. Elegeu-se governador em 1947
Ele é muito mais do que aparenta. Jus- e, quatro anos depois, fez seu sucessor
izmente por isso acumula vitórias. Apro­ pitão responsável pela região de Apare-, Garcez. Apoiou Getúlio na eleição de
veita o fato de os adversários o subesti­ cida. Derrotadas as forças paulistas o 1950 e pretende sucedê-lo em 1955.
marem para vencê-los com facilidade e dr. Adhemar é obrigado a exilar-se em Sua candidatura ao Governo do Estado
ireqüentemente sem piedade. Chamam- Buenos Aires, juntamente com os líderes visa unicamente a servir de trampolim
no de ladrão, ele não confirma nem da revolta. Da revolução fracassada o para esse salto maior.
desmente. Prefere atentar para o aspec­ único vitorioso fora ele mesmo. Sua es­
to dinâmico de suas duas gestões frente tada forçada no Exterior lhe vale para Seus adversários insistem em apon­
ao Executivo paulista. “Roubo mas fa­ o cultivo de preciosas amizades como tá-lo como corrupto. Ele defende-se ale­
ço” , responde, e, com essa sinceridade Ataliba Leonel e Sílvio de Campos, aos gando não precisar roubar por haver
chocante,desnorteia seus adversários, es­ quais chegou a prestar ajuda financeira. nascido em berço de ouro. De fato a
vazia-lhes o argumento e os coloca na sua fortuna, seja qual for a origem, é
Anistiados por Vargas eles retornam uma das maiores do País. Além da Lac-
incômoda posição de honestos incompe­ a São Paulo. A essa altura o dr. Barros
tentes. ta, indústria de chocolates, ele é possui­
já era um nome importante na política dor de 7 fazendas, 1 usina de açúcar,
Como bom lutador de judô, suas local. uma verdadeira fazenda dentro da Ca­
mãos ao mesmo tempo que se estendem Suas preciosas amizades lhe valem pital (Jardim Leonor), 3 grandes jor­
amigáveis para um cumprimento, podem uma indicação para disputar uma cadei­ nais, dezenas de pequenos no Interior,
lançqr-se violentas em um golpe demo- ra na Assembléia Legislativa para a qual vários prédios, além de meia dúzia de
hdor. Sua carreira política é condicio­ é eleito em 1938. pequenos aviões, um Rolls Royce novo
nada 30% pela sorte, 30% pelo senso e um avião DC-3 de trinta lugares para
de oportunidade e o restante pela sua Em 1938 o destino lhe dá uma gran­ seus deslocamentos políticos. Sem dúvi­
folclórica persistência. Não se deixa de­ de colher de chá. Na necessidade de da uma carreira de sucesso.
U M PARQUE DO FUTURO
O Parque Ibirapuera, majestoso con­ anos. Polêmico por natureza, o arquite­
junto arquitetônico projetado por Oscar to Niemeyer decidiu fazer no Parque
Niemeyer, é o grande presente que a ci­ uma obra revolucionária do ponto de
dade de São Paulo receberá por ocasião vista arquitetônico. Segundo declara­
de seu 400.° aniversário. Com inaugu­ ções de membros de sua equipe, as li­
ração marcada para o próximo dia 21 nhas do Parque pretendem transmitir à
de agosto, sua abertura ao público coin­ posteridade o “ grau de desenvolvimento
cidirá com o início da Exposição do IV técnico e industrial dos paulistas quando
Centenário e das festividades oficiais do da passagem de seu 400.° ano de exis­
aniversário da cidade. tência” . Os edifícios desse conjunto ar­
quitetônico inovam em suas linhas e su­
Trata-se de um conjunto de edifícios perfícies, sugerindo nos seus volumes to­
e marquises de linhas futuristas que, so­ do o complexo das atividades técnicas
mados à área verde e aos lagos que modernas. “Para obter esse resultado” ,
circundam, compõem um parque de 1 explicam os arquitetos, “imprimimos à
milhão e meio de metros quadrados, forma dos edifícios relevos de navios,
equivalente a nada menos do que 150 conchas de barragens, linhas isoladas de
quarteirões de uma cidade. A área cons­ torres de rádio” .
truída, depois de executado todo proje­ para a Exposição, serão utilizados como A principal objeção dos seus críticos
to, será de 140 mil metros quadrados, museus e salas de atividades culturais. é quanto à viabilidade de tal luxo em
distribuída em doze edifícios principais, As controvérsias em relação a esse um país pobre como o Brasil. A polê­
os quais, após servirem de alojamento parque prometem durar ainda muitos mica promete ainda ir longe.

M artha Rocha, Segundo Lugar Ambas possuem a mesma medida no


busto: 36 polegadas. A cintura de Mar-
Em Long Beach era considerada a
favorita. Se dependesse dos jornalistas tha é um pouco mais estreita, em com­
presentes ao concurso de Miss Universo pensação seus quadris são mais largos.
ela tranqüilamente teria sido a eleita en­ Miriam tem 36 polegadas e Martha 38.
tre as 33 representantes de países de to­ Ficaram com a americana. Paciência.
do o mundo-. Quanto aos brasileiros pode-se garantir
uma coisa: para o nosso gosto Martha
Logo que chegou àquela cidade do é muito melhor.
litoral da Califórnia, a nossa baianinha
conquistou a admiração dos americanos. Essa menina que se recusa a fazer
Muitos disseram que seu desmaio, sob o regime é capaz de comer 8 acarajés de
sol inclemente do verão americano, não uma só vez e não resiste a um purê de
passou de uma jogada promocional. Nós, batatas, uma lagosta, ou um camarão.
brasileiros, sabemos que não. Marti- Tímida, não tem namorados. Sua
nha não precisava disso. Quem desmaia maior amiga é a irmã, Laura, tão bonita
de propósito é vedete decadente do cine­ quanto ela. Embora nunca tenha namo­
ma americano, nunca a mulher mais bo­ rado, nem por isso deixa de despertar
nita do mundo. Promocional ou inciden- paixões. A maior parte dos homens <la
tal a verdade é que o desfalecimento da Bahia a desposaria no momento em que
nossa miss fez suspirar o coração de ela quisesse.
muito gringo. Quantos não dariam a vi­
da para poder ampará-la naquele instan­ Filha de um casal de classe média,
te. . . mora num casarão na Barra, Salvador.
O pai, Álvaro, é professor universitário
O único “porém” na beleza de Mar­ na Escola de Engenharia da Bahia. Ma­
tha, segundo os americanos, era o fato mãe Hansa é paranaense, filha de ale­
de ter os quadris um pouco largos. Hou- mães, muito bonita e proprietária de um
ve quem a aconselhasse a fazer um re­ par de olhos azuis de dar inveja em
gime, mas ela não topou. Pois foi justa­ qualquer Miss Universo.
mente por causa desses quadris que ela
acabou perdendo o título para a ameri­ Para os possíveis interessados é im­
cana Miriam Stevenson. Na última hora portante informar que dos irmãos, qua­
os extasiados membros do júri, não sa­ tro são homens e bastante ciumentos da
bendo qual das duas escolher, acabaram maninha Martha. Oportunamente publi­
por optar pela americana. caremos dados a respeito.
— II —

O ENCONTRO COM A REALIDADE

(Entrevista com Odon Pereira — 2.a parte)

A administração Quadros na Prefeitura durou apenas um ano


e meio. O bastante para que Jânio adquirisse prestígio para dispu­
tar o governo do Estado. Como isso foi possível se a municipalida­
de não possuía recursos para nada?

ODON — Na análise da administração de Jânio frente à Pre­


feitura há uma surpresa: ela é pobre em realizações administrativas
ou obras em geral. Mas per outro lado nunca os serviços estiveram
tão eficientes; nunca a CMTC, por exemplo, teve um desempenho
tão brilhante. O prefeito lançou a campanha “Mais Transportes,
Melhores Transportes” e colocou centenas de ônibus nas ruas. Foi
justamente esse serviço que o credenciou para disputar o governo
do Estado.

Mas por que justamente os transportes? Esse problema era tão


crucial na época?

ODON — Para se compreender esse aspecto é preciso primeiro


entender o que era a cidade de São Paulo de então. No final da
década de 40, início da década de 50, o retrato econômico e social
do País vinha mudando radicalmente. A industiialização, o êxodo
rural, tudo contribuía para modificar a paisagem e o País oficial não
percebia isso. A cidade de São Paulo era um exemplo dramático
dessa situação. Embora fosse já uma cidade predominantemente
industrial a Prefeitura continuava administrando-a como se fosse uma

61
cidade de serviços. Prestes Maia, o urbanista que a administrou du­
rante vários anos, projetou-a para ser uma cidade de serviços, orga­
nizada para viver o seu centro, mais ou menos limitado pelas águas
dos três rios: Pinheiros, Tietê e Tamanduateí. Acreditava-se que toda
a papulação moraria dentro desses limites, trabalhando em lojas,
bancos, etc. Nessa época a cidade já havia de muito transposto esses
limites. A Prefeitura administrava uma cidade de classe média quan­
do a sua população era predominantemente pobre.

N a plataforma eleitoral de Cardoso, o concorrente de Jânio na­


quele pleito, a maior promessa era a construção da Avenida Radial
Leste. Pretendia também construir Ginásios esportivos em cada bair­
ro, largas avenidas e outras obras assim . . .

ODON — A administração Quadros marcou o encontro entre


o País real e o País oficial. Ela estabeleceu um novo relacionamento
da Prefeitura com a população porque reconheceu o problema maior
desta última que era o dos transportes.

De nada adiantava oferecer aos trabalhadores bons empregos,


boas oportunidades de trabalho se não lhes desse também um efi­
ciente e barato sistema de transportes coletivos. As vantagens que
os imigrantes que aqui aportavam recebiam em termos de salários,
eles perdiam no alto custo dos transportes.
í

As elites dominantes da época não entendiam isso e não po­


diam entender, pois essa necessidade, essa carência não lhes dizia
respeito. Os donos de jornal, os pensadores da universidade, o em­
presariado, os políticos, nenhum desses elementos necessitava de ôni­
bus para se locomover. E tampouco iam à periferia perguntar ao
povo se tal problema existia.

Muito ao contrário, essas elites imaginavam que o trabalhador,


o imigrante, fosse um homem extremamente agradecido por ter sido
recebido em São Paulo e aqui arranjar um emprego. Não concebia
que este estivesse fazendo uma reivindicação absolutamente legíti­
ma. Isso escondia, na verdade, a sua consideração de que esses imi­
grantes eram cidadãos de segunda classe.

— 62 —
III

Enquanto São Paulo se movimentava para eleições de gover­


nador, no Distrito Federal formava-se uma tempestade que iria mu­
dar os rumos da história dc Brasil. Desde que voltara ao poder,
Getúlio Vargas vinha enfrentando uma acirrada oposição. Oposi­
ção essa não mais contra o seu governo, mas contra a sua própria
pessoa. Os ódios despertados pelos seus anos de governo totalitário
não poderiam mais ser apagados. Nos anos de 53 e 54 o presidente
vinha concentrando esforços no sentido de preparar sua sucessão,
pretendendo indicar um candidato que não atraísse contra si as for­
ças antigetulistas. Era o famoso esquema de conciliação nacional
presidido por Etelvino Lins. Por outro lado Getúlio se esforçava
por cortejar a classe trabalhadora, procurando reforçar seu apoio
sindical, no mesmo método usado por Peron, na Argentina. Na sua
primeira reforma ministerial, nomeara para o ministério do Traba­
lho o líder dc PTB, João Goulart, com a missão de organizar a má­
quina sindical como força de coerção política.

A gestão de Jango frente à pasta do Trabalho vinha sendo acom­


panhada com desconfiança por diversos setores das Forças Armadas.
O ministro de fato se excedia em sua determinação sindicalista. In­
centivava abertamente a realização de greves, inclusive as de traba­
lhadores em serviços públicos, e forçava aumentos bruscos dos níveis
salariais. A oposição dos militares chegou ao clímax com o envio a
Vargas de um memorial onde faziam graves advertências à política

— 63 —
do Ministério do Trabalho, principalmente no que tangia à incitação
de desordens e à proposta de aumento de 100% no salário mínimo,
previsto para maio. O manifesto, que ficou conhecido como o “me­
morial dos coronéis”, pois vinha subscrito por 80 coronéis da ativa,
foi o estopim da crise política que levou à demissão de Goulart. Ape­
sar de destituído, este continuou exercendo influência no governo,
levando inclusive Vargas a aprovar o aumento salarial de 100%.

Getúlio abandonara a sua habitual prudência e entrava no cam­


po minado das reformas sociais. A classe política agastava-se cada
vez mais com o presidente devido à exclusiva atenção que esse dis­
pensava ao trabalhismo e a Goulart, O velho caudilho, por sua vez,
no afã de cultivar sua nova base política, esquecia-se de garantir a
antiga e pagaria caro por isso.

Seus decretos de cunho nacionalista, criando a Petrobrás, a Ele-


trobrás, contrariavam poderosos interesses. Seus projetos de lei en­
viados ao Congresso regulamentando a remessa de lucros ao Exterior
e taxando os lucros extraordinários criavam sérios atritos com o em­
presariado.

Seu destino estava selado desde o início do ano. As oposições


se cristalizaram e já em junho corria no Congresso um pedido de
impedimento de seu mandato, alegando malversação de verbas e
possíveis entendimentos com Juan Peron, ditador da Argentina.
Embora o pedido fosse rejeitado estava claro que a queda do pre­
sidente estava próxima, só faltando um bom pretexto para tanto.

Em agosto finalmente surge essa oportunidade. O jornalista


Carlos Lacerda é vítima de um atentado na porta do prédio onde
morava, na R. Toneleiros, Distrito Federal. Embora tenha escapado
ileso, no atentado perdeu a vida o major Vaz, Oficial da FAB, encar­
regado de escoltá-lo.

A Aeronáutica imediatamente sai a campo para exigir a punição


des culpados. Instaura uma comissão de inquérito na Base Aérea do
Galeão. Em poucos dias chega aos culpados: o atentado havia sido
encomendado pelo guarda-costas de Vargas, o tenente Gregório For-
tunato, e nele estava envolvido inclusive o irmão do presidente, Ben­
jamim Vargas.

— 64 —
Por toda parte começam a surgir moções pedindo a renúncia de
Vargas. Movimentos de rua, manifestos de associações, moções de
repúdio, editoriais nos jornais, todo o ódio recolhido contra Vargas
subitamente aflora à superfície nas mais insuspeitas áreas.

O presidente, por seu lado, permanece irredutível. Afirma que


em hipótese alguma renunciaria ao poder que lhe fora outorgado
pelo voto popular. Concordava em punir os culpados, mas não acei­
taria a sua saída. Chegara a afirmar repetidas vezes que “só morto
deixaria o Catete”.

Na noite de 23 de agosto, o impasse chegou ao seu ponto má­


ximo. O ministro da Guerra foi ao Catete comunicar ao presidente
que o Exército não mais estava disposto a garantir-lhe a permanên­
cia. Após receber o ministro, Getúlio convoca uma reunião do Mi­
nistério para estudar a situação. Os ministros lhe sugerem uma li­
cença, um afastamento temporário da Presidência até que os ânimos
se acalmassem. Getúlio aparentemente aceita a fórmula, mas, às 8
horas da manhã do dia 24, dá cabo da própria vida com um tiro no
coração.

65
EXPLICAÇÃO IMPORTANTE

O jornal “A Notícia”, publicado a seguir, é fictício, constituindo-


se num recurso literário para ambientar a época e detalhar os fatos
que nela ocorreram.

As matérias nele encontradas foram redigidas pelo autor a partir


de fatos compilados por esse nos jornais e revistas do período en­
focado.

O autor possui cópias xerografadas de todas as publicações que


serviram de fonte a esse texto.

— 66
A NOTICIA * S ão P au lo , 25 de a g o sto de 1954 *

GETÜLIO ESTA MORTO!


Às 8 da manhã do dia 24 nha sofrendo da oposição
de agosto, após uma noite durante a crise. Seus asses­
p assada em vigília, Getúlio sores queixavam-se do fato
Vargas pôs fim à própria vi­ de Getúlio não apresentar
da com um tiro de revólver. mais a combatividade e a
habilidade que sempre mar­
O suicídio se deu em seus caram sua atuação no cená­
aposentos alguns minutos rio político nacional, permi­
após ter conversado com seu tindo que a oposição ganhas­
irmão Benjamim, um dos pi­ se terreno paulatinamente.
vôs da crise iniciada com o
atentado contra o jornalista Na noite do dia 23 de
Carlos Lacerda. agosto o ministro do Exérci­
to procurara o presidente
Segundo depoimentos dos para comunicar-lhe que já
seus auxiliares mais próxi­ não contava mais com apoio
mos, Benjamim teria de­ das Forças Armadas para sua
monstrado a Getúlio que o permanência. Esse fato le­
afastamento proposto pelo vou o presidente a convocar
seu Ministério e por ele acei­ o Ministério para uma reu­
to não teria caráter provisó­ nião extraordinária durante a
rio e sim definitivo. Essa qual ficou decidido o afas­
constatação teria levado o tamento do presidente até
presidente ao gesto derradei­ que o inquérito sobre o aten­
ro, pois não suportaria a hu­ tado contra Lacerda termi­
milhação de ser novamente nasse e os culpados fossem
enxotado do poder como punidos. O afastamento do
ocorrera em 1945. presidente estava sendo co­

Nos últimos tempos o


presidente demonstrava can­
memorado com júbilo pelas
oposições até que, às 8 ho­
ras e 15 minutos, as rádios
A CARTA E AUTENTICA
Logo após o anúncio da não haver razões para duas
saço e desânimo, evidencian­ noticiaram o inesperado des­ morte de Vargas, auxiliares cartas e também devido ao
do os duros golpes que vi­ fecho da crise. do extinto presidente encon­ fato do presidente não saber
traram em seus aposentos datilografar. A autenticida­
duas mensagens assinadas de da carta só foi provada
pelo mesmo. Uma era cur­ com a chegada ao palácio de
ta e manuscrita, a outra lon­ João Goulart, o qual pos­
ga, bem-elaborada e redigi­ suía sua duplicata, entregue
da a máquina. Logo levanta- pelo presidente durante a
ram-se dúvidas quanto à au­ madrugada anterior. A ínte­
tenticidade da segunda visto gra da carta está na página 3

Vigília no Catete MANNESMANN: A última inauguração


O TRÁGICO FIM DE UM PRESIDENTE
l ‘hora da madrugada — No interior que, durante a sua ausência, as institui­
do Palácio do Catete, totalmente cerca­ ções seriam respeitadas, assumindo o
do por tropas de polícia, tem lugar uma posto o vice-presidente Café Filho.
reunião do Ministério. O presidente concorda com a pro­
Os presentes se levantam à entrada posta. Os ministros se retiram.
do presidente que toma assento na ca­ 4:45 horas — A nota oficial do afas­
beceira da mesa. À sua volta se sentam tamento é distribuída à imprensa. As
todos os seus ministros, alguns auxilia­ rádios que, em vigília, aguardavam o de­
res e também parentes. senrolar da crise, dão a notícia no mes­
Toma a palavra o ministro da Justi­ mo instante.
ça, Tancredo Neves. Expõe a gravidade
Amanhece. Getúlio, que não prega­
da situação para os presentes que o
ra o olho um só instante, permanece sen­
ouvem em profundo silêncio. Há perigo
tado em sua cama, impassível. Às 8 e
de um golpe de Estado. O presidente
15 da manhã, Benjamin Vargas, seu ir­
não conta mais com o apoio das Forças
mão, adentra o quarto para conversar.
Armadas. Amplos setores da classe po­
Alerta o presidente de que o licencia­
lítica pedem a sua renúncia.
mento, na prática, representaria o seu
João Goulart, ex-ministro do Traba­ afastamento definitivo do poder. Uma
lho, ao qual Getúlio fora obrigado a vez fora, ele jamais voltaria ao Catete.
demitir por imposição do Exército, ar­ Este o ouve silencioso. Bejo despede-se.
gumenta a favor da resistência. O pre­
8:25 horas — O camareiro Barbosa
sidente ouve calado. Outros auxiliares fa­
abre a porta do quarto. Vinha fazer a
zem uso da palavra.
barba do presidente.
2 horas — Após ouvir o parecer de A cama de Getúlio
— O que tu queres, Barbosa?
todos Getúlio levanta-se e comunica sua
decisão: no que dele depender a Cons­ — Estou aqui para servi-lo, ex­
tituição será respeitada até as últimas celência.
conseqüências. — Não é preciso. Sai que eu quero
— Se os insubordinados quiserem dormir um pouco.
impor a violência e chegarem até o Ca­ — Como o senhor quiser. Aconse­
tete levarão apenas o meu cadáver. lho o senhor a vestir o roupão, pois está
Dito isso, dá por encerrada a reu­ fazendo frio.
nião. Os participantes levantam-se para — Isso não tem importância. . .
sair. Getúlio chama Jango ao lado e lhe O camareiro se retira. Fora do ga­
entrega uma carta: binete, encontra-se com o major Dorne-
— Aqui está um documento impor­ les e ali permanecem conversando.
tante, leia-o antes de dormir. Getúlio, já sozinho, levanta-se da ca­
Jango coloca o envelope no bolso. O ma e dirige-se ao gabinete particular,
presidente despede-se dos presentes e re­ onde, de uma gaveta, retira um revólver.
tira-se para seus aposentos. 8:43 horas — A conversa de Barbosa
Os ministros fazem menção de se re­ com Domeles é interrompida pelo es­
tirar, quando são instados por Tancredo tampido de um tiro. Olham-se atônitos,
Neves a permanecer e realizar uma nova como que imaginando o que ocorrera.
reunião, agora sem a presença de Vargas. Incontinenti abrem a porta do quarto.
3 horas — Iniciam-se novamente as São os primeiros a presenciar o derra­
conversações. O ministro da Justiça deiro e mais dramático gesto da vida de
propõe uma fórmula para contornar a Getúlio Vargas.
crise: o presidente se licenciaria até que Atraídos pelo disparo, correm ao Getúlio, com expressão calma, dá o
os ânimos acalmassem. A proposta é aposento o ministro da Fazenda, Oswal- seu último suspiro. Ironia cruel do des­
colocada em votação, ao fim da qual é do Aranha, e o general Caiado de tino, cabe a seu filho, Luthero, como
redigida a nota oficial. Castro. médico, atestar sua morte.
4 horas — É o próprio Tancredo, A cena que deparam é a mais dra­ Rápida como um raio a notícia se
acompanhado de alguns ministros, quem mática de suas vidas. Deitado na cama, espalha pelo palácio. Os funcionários
vai aos aposentos presidenciais apre­ com o pijama listrado já bastante ensan- aos gritos se abraçam uns aos outros.
sentar a Getúlio a solução encontrada. güentado, o presidente agoniza. Os repórteres de vigília, nervosamente,
Este os recebe em seu gabinete par­ Caiado, não resistindo à emoção, cai disputam os telefones disponíveis. Em
ticular. desmaiado. Aranha abraça-se desespe­ poucos segundos a tragédia toma conta
O afastamento seria por 90 dias até rado ao corpo já quase sem vida daque­ das ruas.
que as responsabilidades no atentado da le que fora seu maior amigo. Em pou­ Encerra-se de forma dramática o
Rna Toneleiros fossem apuradas. Os cos segundos o quarto é tomado por de­ mais importante capítulo da história re­
ministros militares dão a garantia de zenas de pessoas. cente do Brasil.
<Ebitortal
O M O N U M E N T O D E VARG AS
A missão dos grandes homens não se res dos campos de S. Borja serão frutos Esse que aqui vos escreve tem a sua
esgota na morte de seus corpos. Antes da decomposição de seu corpo, ninguém opinião. Acredita que o Vargas odiado
ganha novo alento. A vida que se vai poderá imaginar o quanto do Brasil se­ por alguns foi o mesmo Getúlio adora­
libera energia e revigora a obra que per­ rá efeito de sua obra. do por outros. Do choque entre os con­
manece. trários como síntese resta o homem.
Mas deixemos o amanhã de lado. Esse homem de quem todos esquece­
Como definir a missão dos grandes Hoje, o que todos nós, seus amigos e ram-se de falar.
homens? Alguns são como furacões: po­ inimigos, concordamos, é sobre o dever
derosos, avassaladores, por onde passam de perpetuar sua memória. Pois esse homem não se apresentou
destroem estruturas, reviram entranhas, como salvador, pois a Pátria não preci­
revolucionam a paisagem. Outros são co­ Os primeiros o exaltam como o pai sava de salvadores, mas se propôs a ser
mo arados: ao revolverem a terra, are- dos desprotegidos, os segundos o exe­ seu pai e de pai o povo precisava. Foi
am-na, dão-lhe melhores condições de cram como o capacho dos poderosos. como patrono desse povo irredento, pai
rrodução. Para uns é o patrono de nossa democra­ dessa massa desassistida, que ele con­
cia, para outros o ditador de nossa His­ quistou seu lugar na História. Para ele
No rastro do furacão, a destruição e tória. não reivindicamos estátuas de ouro ou
i morte; na esteira do arado, a renova­ praças majestosas. O monumento de
ção e a vida: na essência de ambos a Se aqueles advogam o erguimento de Getúlio não será na praça pois essa não
certeza de que sua missão, seu objetivo, um mausoléu para reverenciar sua me­ pertence ao povo; não será de ouro pois
não se esgota na sua passagem. mória, estes defendem a construção de não o possuímos. Mas Getúlio, esteja
uma capela onde se possa rezar pela sua onde estiver, saiba que não o esquece­
Getúlio Vargas foi sem dúvida o mais alma perdida.
ivassalador furacão de nossa história; e remos.
ambém o mais fecundo arado. Impos­ Se herói ou vilão, cabe apenas à Não terá um monumento mas mi­
sível precisar o. quanto representou para História o direito de julgar. O Bem e lhões deles. Monumentos diferentes, mo­
esta Nação, para este povo. Ao final o Mal são contrários mas não excluden- numentos verdadeiros, monumentos de
do século, da mesma forma como nin­ tes. Anjos e demônios convivem demo­ amor erigidos no coração de cada um
guém saberá precisar quantas das flo­ craticamente na alma de cada um. de seus filhos.

‘'Mais uma vez, as forças e os inte­


A CARTA to a força para a reação. Meu sacrifício
Assumi o governo dentro de uma es­
resses contra o povo, coordenaram-se piral inflacionária que destruía os valo­ vos manterá unidos e meu nome será a
aovamente e se desencadeiam contra res do trabalho. Os lucros das empre­ vossa bandeira de luta. Cada gota de
mirm Não me acusam, me insultam; não sas estrangeiras alcançavam até 500% meu sangue será uma chama mortal na
me combatem, caluniam e não me dão ao ano. Nas declarações de valores do vossa consciência e manterá a vibração
defesa. Precisam sufocar a minha voz que importávamos existiam fraudes cons­ sagrada para a resistência.
e impedir a minha ação, para que eu não tatadas de mais de 100 milhões de dóla­
continue a defender, como sempre de- res por ano. Veio a crise do café, valo- Ao ódio respondo com o perdão. E
:endi, o povo e principalmente os hu­ rizou-se nosso principal produto. Ten­ aos que pensam que me derrotaram, res­
mildes. Sigo o destino que me é impos­ tamos defender o seu preço e a respos­ pondo com a minha vitória. Era escra­
to. Depois de decênios de- domínio e ta foi a violenta pressão sobre nossa eco­ vo do povo e hoje me liberto para a vi­
espolição dos grupos financeiros e eco- nomia a ponto de sermos obrigados a da eterna. Mas esse povo do qual fui
aômicos internacionais, fiz-me chefe de ceder. escravo, jamais será escravo de ninguém.
mna revolução e venci. Iniciei o traba­ Meu sacrifício ficará para sempre em
lho de libertação e instaurei o regime de Tenho lutado mês a mês, dia a dia, sua alma e meu sangue será o preço de
rherdade social. Tive de renunciar. hora a hora, resistindo a uma pressão seu resgate.
1 Voltei ao governo nos braços do povo. constante, incessante, tudo suportando
Lutei contra a espoliação do povo.
A campanha subterrânea dos grupos in­ em silêncio, tudo esquecendo, renuncian­
Tenho lutado de peito aberto. O ódio.
ternacionais, aíiou-se à dos grupos na­ do a mim mesmo, para defender o povo
as infâmias, a calúnia, não abateram o
cionais, revoltados contra o regime de que agora se queda desamparado. Nada
meu ânimo. Eu vos dei a minha sida.
garantia do trabalho. A Lei dos Lu­ mais vos posso dar a não a ser o meu
agora vos ofereço a minha morte. Nada
cros Extraordinários foi detida no Con­ sangue. Se as aves de rapina querem
receio. Serenamente dou o primeiro pas­
gresso. Contra a justiça da revisão do o sangue de alguém, querem continuar
so no caminho da Eternidade e sare da
salário mínimo se desencadearam os sugando o povo brasileiro, eu ofereço
vida para entrar na História.”
xiios. Quis criar a liberdade nacional em holocausto a minha vida. Escolho
za potencialização de nossas riquezas esse meio para estar sempre convosco.
através da Petrobrás, mal começa essa Quando vos humilharem, sentireis a mi­
a funcionar, a onda de agitação se' avo­ nha alma sofrendo ao vosso lado. Quan­
luma. A Eletrobrás foi obstaculizada do a fome bater à vossa porta, sentireis
ué o desespero. Não querem que o tra- em vosso peito a energia para a luta
ralhador seja livre. Não querem que o por vós e vossos filhos. Quando vos- vi­
novo seja independente. lipendiarem, sentireis no meu pensamen­
< ___________________________ -
U M ARTISTA DO PO SSÍV EL
Maquiavel, o genial pensador da prá­ que se estendería até 1945, quando fi­
tica política teria em Vargas, quatro sé­ nalmente é apeado do poder pelos mi­
culos mais tarde, um dos seus mais cria­ nistros militares.
tivos discípulos. Para aqueles que abo­
minam ambos seria de bom alvitre lem­ Durante os 8 anos do Estado Novo,
brar que sem Maquiavel, Getúlio não se­ Vargas realizou as mais profundas re­
ria possível e sem Getúlio, o Brasil de formas sociais, políticas e econômicas J
hoje não seria viável. Sua habilidade po­ que a Nação já conhecera. Centralizou
lítica foi, em última análise, o fator que a administração na área federal, desmon­
permitiu que o Brasil não mergulhasse tando as fontes de poder das elites tra­
em uma guerra civil após a revolução de dicionais; criou a infra-estrutura neces­
30. Seu poder foi a soma da fraqueza sária para a industrialização do País; re­
de seus contemporâneos. Foi graças a gulamentou os conflitos entre o Capital
ele que hoje temos uma Nação unida e e o Trabalho, com a Legislação Traba­
consolidada. lhista; realizou, enfim, todas as modifica­
ções necessárias para adequar o Brasil à
realidade do século vinte.
Em 1943, pressentindo o esgotamen­
to do Estado Novo, Vargas tratou de
Sua carreira política se iniciou em
criar bases para a sua sobrevivência po­
1924, quando se elegeu deputado federal
lítica numa conjuntura democrática. A
pelo Rio Grande do Sul, seu Estado na­
partir daquele ano, passa a estruturar a
tal. Seis anos após, na mais rápida as­
máquina sindical brasileira, de forma a
censão política da história do Brasil tor­
torná-la uma importante base de poder.
nou-se presidente da República, chefian­
do uma revolução armada. Durante esse
período fora sucessivamente: líder da
bancada gaúcha na Câmara, ministro da
Fazenda, governador de seu Estado, can­
Em 1945, quando foi derrubado do
didato derrotado à Presidência e final­
poder pelos ministros militares, ele já
mente líder da revolução vitoriosa.
contava com suficiente respaldo políti­
Ao amarrar seu cavalo no obelisco do co-eleitoral para garantir sua volta, al­
Distrito Federal, ele tinha consciência de guns anos depois. Para tanto criara dois
que aquele gesto não marcava o coroa- partidos políticos: um trabalhista, estru­
mento de sua carreira, mas sim o início turado sobre a máquina sindical e pre-
dela. Chefiara uma revolução cujos par­ videnciária, visando a atrair o eleitorado^
ticipantes só estavam unidos em tomo da urbano; e outro conservador, baseado
derrubada do antigo regime. Os objeti­ no poder das elites agrárias, sob cujo
vos seguintes eram bastante distintos. controle encontrava-se o eleitorado ru­
ral. O tempo mostraria a correção de
sua estratégia. Em 1950 voltava ao po­
ARBITRO laül CAUSA PRÓPRIA
der legitimado pelo voto popular.

Entre os .evolucionários havia des­ Infelizmente sua volta democrática


de aqueles que visavam reformas radi­ não garantiu a estabilidade institucional
cais na estrutura sócio-econômica nacio­ que ele almejava. O seu esquema de sus­
nal até aqueles cujo único interesse era ção contra o espírito regionalista de São tentação era viável mas sua figura pes­
a renovação dos quadros dirigentes, Paulo, ele estendia a mão aos detentores soal tornara-se por demais polarizadora,
criando a possibilidade de suas próprias do seu poder econômico: os fazendeiros fruto de paixões e ódios já consolidados.
1 ascensões. de café e os industriais. Numa analo­
gia grosseira era como se destruísse o
A MORTE GARANTIU A OBRA
A habilidade de Vargas de 1930 a exército do inimigo e após fazê-lo re­
1937 consistiu em administrar as riva­ crutasse seus melhores soldados.
lidades decorrentes e canalizá-las a seu Acuado pelos seus inimigos, mesmo
| favor. Jogando oportunistas contra ENFIM S0 assim não se deixou derrotar. Demons­
I idealistas e incentivando o choque des­ trando pela última vez a sua habilidade
ses últimos entre si em pouco tempo Var- Em apenas 7 anos de poder, após política, seu gesto lhe permitiu virar o
1 gas era o único elemento de força na ter debelado uma revolução paulista e jogo. Se fosse deposto o getulismo se­
paisagem política nacional. Ao jogar co­ um levante comunista ele tomara-se a ria desmantelado pelas forças vitoriosas.
munistas contra integralistas e vice-versa única força palpável da política nacio­ Suicidando-se ele criou um clima emo­
j ele enfraquecia a ambos. Colocando-se nal. O golpe de 1937 foi apenas a ofi­ cional que torna seu espólio político in­
como mediador fortalecia-se a si próprio. cialização de um poder que já possuía. violável. A morte de seu corpo garantiu
Ao mesmo tempo que mobilizava a Na­ Naquele ano iniciava-se uma ditadura a sobrevivência de sua obra.
A Nação, chocada, estarrecida, entrava em colapso com a morte
do presidente Vargas. Todo o País parou para assistir aos funerais
daquele que comandara cs destinos nacionais por quase um quarto
de século. Enquanto o vice-presidente tomava posse, as agitações
tomavam conta das ruas do País. Ao afirmar que saía da vida para
entrar na História, Vargas não blefara. O seu legado, fortificado pelo
seu trágico fim, iria influenciar a política brasileira por muitos e mui­
tos anos, ainda.

— 71
EXPLICAÇÃO IMPORTANTE

O jornal “A Notícia”, publicado a seguir, é fictício, constituindo-


se num recurso literário para ambientar a época e detalhar os fatos
que nela ocorreram.

As matérias nele encontradas foram redigidas pelo autor a partir


de fatos compilados por esse nos jornais e revistas do período en­
focado.

O autor possui cópias xerografadas de todas as publicações que


serviram de fonte a esse texto.

— 72
A N O T I C I A

* São Paulo, 1 de setembro de 1954 *


NOVO PRESIDENTE ASSUME
Às 9 horas da manhã de Fazenda: Eugênio Gudin
cmtem, foi empossado na Justiça: Seabra Fagundes
Presidência da República em
caráter definitivo o vice-pre­ Trabalho: Alencastro Gui­
sidente João Café Filho. marães
Guerra: Teixeira Lott
A cerimônia foi realizada
no Congresso Nacional e Aeronáutica: Eduardo Go­
contou com a presença das mes
principais autoridades civis e Marinha: Jordão Amorim
militares da Nação.
Exterior: Raul Fernandes
Após o ato oficial o novo Casa Civil: Monteiro de
presidente proferiu um dis­ Castro
curso conclamando a Nação
a manter a calma nesses difí­ Casa Militar: Juarez Tá-
ceis momentos pelos quais vora.
está passando. Café Filho já vinha exer­
cendo a Presidência, interina­
A seguir foram empossa­ mente, desde o dia 24 de
dos em seus cargos os mem­ agosto.
bros do Ministério, cuja com­
posição reportamos a seguir: (reportagem na pág. 4)

VARGAS E AGITAÇÕES EM
SEPULTADO TODO O PAÍS
Logo após o anúncio da A polícia interveio energi­
camente em todas as Capitais
_EM SÃO BORJA
Com a presença de 40 mil O enterro de Vargas mar­
morte do presidente, multi­
dões saíram às ruas em to­ e por algumas horas se che­
gou a temer que a confusão
ca o fim de uma tragédia, na do o País. As manifestações generalizada acabasse por
pessoas o corpo de Getúlio
Vargas foi velado e enterra­ qual toda a Nação se quedou ocorreram em clima de gran­ desencadear uma guerra civil.
do na cidade de São Borja, consternada. A cobertura do de violência, com especial Apesar do abrandamento
de onde sua família é origi­ velório e do enterro de Ge­ gravidade no Rio Grande do dos ânimos, ainda hoje, 10
nária. túlio está nas páginas 2 e 3. dias após o trágico desapa­
Sul, onde populares depre­
recimento de Vargas, assis­
daram rádios, jornais e até te-se a passeatas isoladas de
mesmo o consulado dos Es­ partidários do extinto presi­
tados Unidos da América. dente.

Passeata na Rua XV de Novembro, São Paulo (pág. 4)


A NACAO CHORA
POR GETÜLIO
2.100 DESMAIOS, 2 MORTES, 1 SUICÍDIO; O VELÓRIO DE UM PRESIDENTE

Às 17 horas, o som das conversas na Às 19 horas chega de São Paulo


sala mortuária subitamente cessa com o uma notícia trágica: um cidadão de ori­
anúncio de que o corpo do presidente gem espanhola, ao tomar conhecimento Jusceiino, governador de Minas e ...
adentraria o recinto. da morte do presidente, num momento
de desespero, sacou um revólver, deu vi­
À visão de Vargas, as reações são vas a Vargas e repetiu seu gesto.
diversas, alguns gritam, outros des­
maiam, gemidos misturam-se a convul­ Dona Darci Vargas, recebe o segun­
sões de choro, cada um demonstrando do choque: do Rio Grande chega a no­
à sua maneira a emoção do momento. tícia de que sua irmã, ao saber do gesto
Não passam mais do que alguns segun­ de Getúlio,não suportou a dor e morreu
dos para que a cacofonia seja substituí­ de colapso cardíaco.
da por um canto unificador do sofrimen­
to dos presentes: Cena semelhante ocorre na câmara
mortuária onde uma senhora do povo,
Ouviram do Ipiranga. . . após beijar a tampa de vidro do esquife,
O hino que começa quase sussurrado caiu fulminada pelo mesmo mal.
vai adquirindo uma força irresistível
com a adesão de todos os presentes. Co­ Para os jornalistas presentes era di­
mo que numa cadeia alucinante de do­ fícil não comparar o cenário com o da
minós vai descendo as escadarias do Ca- morte de um santo. Populares beijavam
tete, toma conta do jardim, corre a rua o caixão e não eram poucos os que dei­ Tancredo, ministro da Justiça...
e como num rastilho de pólvora se es­ xavam a seus pés papeletas com preces,
praia por toda a praia do Flamengo, on­ mensagens e até mesmo pedidos de gra­
de uma multidão se encontra para dar ças. As flores que ladeavam o ataúde fo­
o seu adeus ao velho presidente. ram disputadas como verdadeiras relí­
quias. Cada um queria conservar consi­
. .. Ó Pátria amada, idolatrada.. . go algo que recordasse o presidente que
nunca mais veriam.
Durante aqueles instantes, dava-se
uma trégua entre os brasileiros. Embai­ Noite a dentro, a visitação prosse­
xadores, lavadeiras, políticos, militares, guiu. Em nenhum momento, nem mes­
milionários e favelados, todos irmana­ mo às altas horas da madrugada, o mo­
ram-se no canto maior. A uma só voz vimento diminuiu. Ao contrário, quan­
demonstravam sentir algo mais forte do to mais o tempo passava, mais pessoas
que qualquer antagonismo político ou so­ se aglomeravam nas cercanias do Cate-
cial. Despindo-se de seus preconceitos, te. O Brasil inteiro, acordado, velava o
naquele doloroso momento eram todos corpo de seu presidente.
apenas brasileiros, ardorosos filhos da
.. .dor e sofrimento...
mesma Pátria, desolados órfãos do mes­
mo pai.
A multidão dentro da sala abre ca­
minho para a passagem do ataúde. Dian­
te dos corpos perfilados, o cadáver do
presidente é colocado no centro do re­
cinto.
As filas começam a andar. Policiais
cuidam para que ninguém se demore
muito junto ao corpo. São centenas de
milhares de pessoas que desejam dar seu
último adeus a Getúlio. Equipes médi­
cas são colocadas de prontidão, nada
menos do que 2100 desmaios ocorrem
durante as horas em que o cadáver fica
exposto. ... na despedida de Vargas
O ADEUS A VARGAS
Às nove horas da manhã, o ataúde é
colocado numa carreta para o percurso
« é o aeroporto Santos Dumont, de onde
rartiria rumo a São Borja, seu último
destino.
Às nove horas e cinco minutos, a
-ultidão que se acotovelava às portas
do Palácio do Catete abre passagem pa­
ra o cortejo fúnebre. Getúlio cumpria
sua promessa de que só morto de lá
sairía.
Perdida em meio à multidão a carre­
ta avançou pela avenida Beira-Mar. Se­
da Cruzeiro do Sul que o acomodariam
nhoras do povo forraram de flores todo
no DC-3 da companhia. A família Var­
o percurso previsto para o cortejo. À
gas recusara veementemente os aviões
•.isão da cena fúnebre não eram poucos
os que desmaiavam ou caíam em convul­ que a FAB colocara à disposição para
o translado.
sões de choro e desespero. Gritando o
nome do presidente, agitando seus len­ Às nove horas e cinqüenta minutos,
ços, os populares manifestavam a sua reção ao esquife que os populares er­ após taxiar nà pista, o avião levanta vôo.
der. guem como um estandarte sobre suas Em poucos minutos não é mais do que
cabeças. “Era como se do caixão irra­ um ponto nos céus do Rio de Janeiro.
Às nove e meia da manhã, já nas diassem forças sobrenaturais” , comentou
proximidades do aeroporto, a multidão o repórter da revista “O Cruzeiro” . Getúlio Vargas, o gaúcho que ali
arranca o caixão da carreta e o toma chegara há vinte e quatro anos coman­
em seus ombros. Assiste-se então a uma Foi após muita relutância que deci­ dando uma revolução, deixava a Capital
cena insólita: mulheres se jogam em di­ diram entregar o ataúde aos funcionários da República pela última vez.

O ENTERRO EM SÃO BORJA


Vargas foi enterrado em São Borja, Acompanhado por 40 mil conterrâ­ Muitos amigos fizeram uso da pala­
neos ele foi conduzido à sepultura no vra à beira do túmulo, tendo sido o dis­
no cemitério local, onde sua família
dia 26 pela manhã, após ter sido velado curso de Oswaldo Aranha o que mais co­
possui um jazigo. na Prefeitura da cidade. moção causou, devido ao seu conteúdo.

AS PALAVRAS DE ARANHA

“Quero te dizer que teu povo chora Olhando para ti, estou olhando para se que se abre? Nós te continuaremos
por ti como jamais imaginei que pudes­ o Brasil. O que será de nós nesse tran­ na morte mais fiéis do que na vida. Que
se chorar. Getúlio, nós saímos daqui há Deus se apiede daqueles que traíram e
vinte e poucos anos. Íamos levados pelo cometeram a maior das afrontas. Somos
teu ideal, em favor dos humildes. Ago­ pelo amor, pela conciliação, pelo enten­
ra volto sozinho, porque tu morreste, dimento entre os humildes e os homens
para que nós., teus amigos, não morrés­ que podem assumir responsabilidades,
semos contigo, e, se ainda vivemos, é mas jamais com os traidores. Desar­
porque tu te antecipaste. Por amor a mem-se eles como desarmados estamos!
teus amigos preferiste vencer-te a ti
mesmo. Ai daqueles que procuram mudar o
curso do destino! Costuma-se dizer que,
Saímos juntos, mas não voltamos para escrever a História do Brasil ,é pre­
juntos, porque tu poupaste a minha vi­ ciso molhar a pena no sangue. No fu­
da. Juntos vivemos, juntos sonhamos. turo se dirá: quando se quiser escrever
As tuas decisões foram sempre as me­ a História do Brasil será preciso molhar
lhores. a pena no teu coração, Getúlio.”
--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- — -— .— — ----------- — ■— — —

C A F É ,O P R E SID E N T E DA M E D IA Ç Ã O
Garantir a qualquer custo as eleições refugiado em Buenos Aires continuou Como bom político, Café Filho tem
de outubro, mediar as forças políticas sua luta contra a ditadura. Em 1945 ciência de que pouco poderá realizar
em crescente radicalização, enfrentar a voltou ao Brasil elegendo-se novamente Primeiro pela exigüidade de seu manda­
crise econômica: eis algumas das gigan­ deputado constituinte. Data dessa épo­ to, segundo pela radicalização política
tescas tarefas que terá que enfrentar o ca a sua aproximação com Adhemar de resultante da crise. Suas recentes decla­
novo presidente da República. João Ca­ Barros, vindo logo depois a integrar o rações dão a entender que pretende se­
fé Filho, jornalista originário do Rio seu recém-formado partido — o PSP. guir uma linha legalista, de intransigente
Grande do Norte é o homem que no pró­ respeito às normas constitucionais. Tem
ximo ano e meio terá sobre seus ombros A sua união com o cacique paulista sido cortejado pelas forças anti-Vargas
as graves responsabilidades que o mo­ lhe seria muito útil tempos depois. Em no sentido de adiar as eleições de outu­
mento impõe. 1950, por acordo entre o PSP e Vargas, bro, na qual serão eleitos 11 governa­
foi convidado a participar da chapa elei­ dores e grande parte do Congresso Na­
Os 55 anos do atual presidente fo­ toral na condição de vice-presidente. Vi­ cional. Contrabalançando essas pressões.
ram inteiramente marcados por lutas po­ toriosa essa viu-se guindado a condição Café leva em conta as recentes manifes­
líticas. Nascido de família humilde, de sucessor constitucional de Vargas, tações populares, das quais deduz que
exerceu a profissão de jornalista em Na­ exercendo tal posto com bastante dis­ qualquer golpe contra a democracia po­
tal, seguindo posteriormente para Re­ crição. dería resultar em graves distúrbios civis.
cife e o Rio de Janeiro. Participou da
Aliança Liberal e com a ascensão dessa Nos últimos tempos estava afastado A prudência o aconselha a adotar
ao poder foi nomeado chefe de Polícia tanto de Adhemar como de Vargas. Du­ uma postura de mediação. Mesmo que
em seu Estado. Em 1933 elegeu-se de­ rante a crise chegou a propor a Getúlio não venha a adotar nenhuma medida de
putado à Assembléia Constituinte, man­ que ambos renunciassem como forma de exceção, não deixará de cortejar as for­
dato que exerceu até o golpe de Estado contornar o impasse. Esse não acatou a ças políticas contrárias ao varguismo, as
de 1937, quando se viu obrigado a pedir sua proposta o que hoje lhe vale a faixa quais, aliás, compõem a maior parte de
asilo na embaixada argentina. Mesmo presidencial. seu ministério.

AGITAÇÕES DE RUA EM SÃO PAULO


A exemplo do que ocorreu no resto “O Todo Poderoso nos manda nes­ mer a honra e os valores morais; a
do País, a cidade de São Paulo também se instante as maiores provações. Mor­ mentira, a fraude, a injúria, a covardia,
foi tomada por uma onda de agitação reu o presidente. A República está de a traição, e a desonestidade ameaçam
tão logo as estações de rádio noticia­ luto, trêmula e horrorizada à beira do destruir as instituições livres, submergir-
ram o suicídio do presidente Vargas. caos. As paixões políticas, infamantes nos na guerra civil, cassar os direitos
e assassinas, lavram infrenes, sem te­ reivindicados e conquistados, empobre­
Uma verdadeira maré humana inva­ cer-nos e desesperar-nos ainda mais.
diu as ruas manifestando sua revolta pe­
lo trágico desfecho da crise. Algumas Mantenhamo-nos, por amor ao Bra­
passeatas se formaram no Largo São sil, à sua gente e aos nossos filhos, cal­
Francisco e correram a vizinhança con­ mos e coesos.
clamando o povo nas janelas a partici­
par do movimento. As fileiras se engros­ Afastemo-nos por igual daqueles que
savam a olhos vistos e a partir de um desejam a anarquia e daqueles cujas
dado momento alguns elementos passa­ mãos aparecem indelevelmente mancha­
ram a apedrejar vitrinas, forçando a po­ das com o sangue do chefe da Nação.
lícia a intervir. Registraram-se inúme­ Cedo ou tarde chegarão os frutos de
ros choques entre manifestantes e sol­ nossa devoção e de nosso sacrifício. Se
dados da Força Pública, resultando em não os colhermos, as gerações de ama­
centenas de feridos atendidos nos hos­ nhã os colherão, e teremos vencido,
pitais da cidade. Frente a tal clima de sempre.”
caos as autoridades civis, militares e
eclesiásticas se sucederam nos microfo­
nes das rádios conclamando a popula­
ção a manter a calma.

AS PALAVRAS DO PREFEITO

A seguir publicamos trecho de pro­


nunciamento do prefeito Jânio Quadros
no dia 25 de agosto:
IV

Terminada a crise, empossado o novo presidente, as atenções


se voltavam novamente para as campanhas eleitorais nos Estados,
Estas eram de vital importância, pois estavam em jogo 13 governos
estaduais, dois terços do Senado e a totalidade da Câmara Federal.

Getúlio, após ser unanimemente pranteado por amigos e ini­


migos, tornara-se um excelente cabo eleitoral aos olhos dos candi­
datos. Em todo o País os políticos passaram a usar sua imagem com
o intuito de ganhar votos, disputando entre si o apoio póstumo do
presidente. Publicavam-se cartas nas quais Getúlio, em vida, havia
manifestado sua preferência per alguns candidatos e não faltaram
inclusive médiuns que afirmaram haver recebido mensagens de
Vargas apoiando fulano ou sicrano.

Em S. Paulo, com exceção de Quadros, que não possuía li­


gações com Getúlio, as outras três correntes se digladiavam pelo
aval além-túmulo do caudilho.

Toledo Piza, candidato do PTB ao governo estadual, alegava


ter o apoio natural do finado, por pertencer ao seu Partido.

Garcez. per seu lado, jurava de pés juntos ter ouvido em julho
da boca do então presidente seu apoio à candidatura de Maia.

E, por último Adhemar, com mais discrição do que os anterio­


res, arvorava-se getulista de primeira hora, visto tê-lo apoiado na
eleição presidencial de 1950.

No dia das eleições, 3 de outubro, as previsões sobre quem


vencería ainda eram confusas.

— 77 —
EXPLICAÇÃO IMPORTANTE

O jornal “A Notícia”, publicado a seguir, é fictício, constituindo-


se num recurso literário para ambientar a época e detalhar os fatos
que nela ocorreram.

As matérias nele encontradas foram redigidas pelo autor a partir


de fatos compilados por esse nos jornais e revistas do período en­
focado.

O autor possui cópias xerografadas de todas as publicações que


serviram de fonte a esse texto.

— 78 —
A NOTÍCIA * São Paulo, 3 de outubro de 1954 * _________

HOJE ELEIÇÕES
EM SÃO PAULO!
ADHEMAR E JÂNIO NA FRENTE

Dois milhões e setecentos Jânio Quadros, pela alian­


mil paulistas comparecerão ça PSB-PTN.
hoje às urnas para eleger en­
tre 4 candidatos o homem Wladimir Toledo Piza,
que governará o Estado no pelo PTB.
quatriênio 55-59. A campa­
nha eleitoral foi realizada em As primeiras pesquisas
ambiente de grande tensão dão como praticamente em­
devido ao trágico fim de patados Jânio Quadros, pre­
Vargas e também ao fato de feito da Capital,e Adhemar
ter havido uma grande radi­ de Barros, ex-governador de
calização das candidaturas. São Paulo, prometendo uma
disputa acirrada até o térmi­
Disputam a preferência no das apurações. Não se
dos paulistas os seguintes acredita nas possibilidades
candidatos: de Prestes Maia, o qual,
Francisco Prestes Maia, mesmo apoiado pela grande
imprensa e pela máquina es­
apoiado pelo governador
tatal, não revela nas pesqui­
Garcez e pela coligação:
sas grande densidade eleito­
UDN, PSD, PR, PST, PRT,
ral. Em pior situação encon-
PDC e uma ala do PTB. A plataforma de Jânio ba­ um programa- ambicioso, a-
tra-se o candidato do PTB,
(Ver matéria na página 2.) seia-se em apenas dois pon­ brangendo inúmeras obras,
Toledo Piza, sem a preferên­
Adhemar de Barros, pelo cia de nenhuma faixa do tos: Honestidade, e Traba­ com especial atenção para o
Partido Social Progressista. eleitorado. lho. Já Adhemar apresenta setor de educação e saúde.

Processo TOLEDO PIZA DEIXARAM

contra E O QUARTO
MARTHA A PÉ

A dhem ar CANDIDATO O Dodge conversível, re­


cebido por Martha Rocha
Foi apresentado ao secre­ Com a retirada da candi­ por ocasião do concurso de
tário de Justiça, Edgar Ba­ datura Hugo Borghi, o qual Miss Universo, foi apreendi­
tista Pereira, uma denúncia passou a apoiar Prestes Maia, do pela Alfândega brasileira.
contra Adhemar de Barros, o PTB lançou candidato Vla- Segundo os responsáveis por
segundo a qual teria esse, dimir Toledo Piza. Político aquele órgão, o automóvel
durante seu mandato de go­ de longa tradição, Piza con­ não pode entrar no País de­
vernador em 1949, apropria- sidera-se o único entre os vido à legislação que proíbe
do-se indevidamente de 21 candidatos fiel seguidor dos a importação de autos de
caminhões e 11 automóveis ideais de Vargas. luxo.
pertencentes ao Estado.
Miss Brasil .1954 tem en­
Devido à farta documen­ vidado todos os esforços
tação apresentada, o secretá­ possíveis no sentido de obter
rio encaminhou a denúncia a liberação do veículo. Seus
ao Tribunal de Justiça, para advogados alegam que o
que esse delibere sobre a mesmo não está sujeito à le­
questão. gislação, visto não ter sido
adquirido e sim recebido em
Pág. 2 doação. Pág. 4
A EVOLUÇÃO D O S FATOS
Trata-se, sem dúvida, da mais árdua O ADULTÉRIO DE GARCEZ O candidato de Garcez, o professor
batalha eleitoral já havida em São Paulo. Prestes Maia, não era um homem de
Os combates são tão duros, que as leis Mas enquanto o dr. Barros cuidava grande carisma. Para dar-lhe um em­
morais foram suspensas, os escrúpulos de montar seu futuro ministério, suas purrão o governador formou uma nova
foram revogados e o bom senso saiu de duas bases de sustentação começavam a coligação de sete partidos. A partir des­
férias. Tanto desatino, contudo, é expli­ ruir. se momento a semelhança com o “fenô­
cável, visto que se trata, em última aná­ meno Cardoso” ficava evidente. Ainda
lise, do desfecho de um triângulo amo­ Getúlio, pretendendo garantir-se uma mais quando teria que enfrentar tantos
roso. Os personagens: Garcez, Adhemar aposentadoria segura, esboçava uma can­ candidatos. O melhor a fazer era limpar
e Vargas. didatura de conciliação nacional. Den­ a arena. Começou por persuadir Hugo
tro desse espírito, Adhemar obviamente Borghi, o qual, comovido com os argu­
estava descartado. Vargas precisava de mentos políticos e financeiros do gover­
O SONHO DE ADHEMAR alguém sem pecado. Uma noiva virgem, nador, desistiu de sua candidatura e
por assim dizer. passou a apoiar Maia. Corre o boato de
Tudo começou em 1950.
Cortejado pelo PSD paulista, Gar­ que o governo premiou o idealismo de
Adhemar de Barros era governador cez encantou-se com a idéia e já man­ Borghi com nada menos do que 16 mi­
de São Paulo, mas vivia na janela so­ dara fazer seu vestido branco quando lhões de cruzeiros. Dinheiro, aliás, jo­
nhando com a Presidência da República. foi alertado sobre seu passado: não po­ gado fora pois nem sequer Borghi saiu,
Como entre o querer e o poder havia dería aspirar a tal matrimônio se não o PTB escolheu Toledo Piza como can­
uma grande distância ele resolveu não se livrasse da sua rumorosa ligação com didato. As esquerdas passam a apoiá-lo
se precipitar. Ao invés de sair candi­ o dr. Adhemar. O pretexto para o rom­ apostando na cisão no seio da burguesia
dato preferiu emprestar seus eleitores a pimento veio em março de 1953 com que viria, segundo diziam, beneficiar as
Vargas, sob a promessa de que esse o a eleição de Jânio para a Prefeitura. forças populares.
apoiaria na sua sucessão.
O PONTAPÉ INICIAL
Garantido o apoio de Getúlio, ele AMARGO DESPERTAR
tratou de fazer seu sucessor no gover­ Definidos os times, deu-se início ao
no paulista. A idéia era simples: em O que ninguém previa era o trágico compeonato. A Adhemar coube o pon­
1950 elegia seu sucessor; em 1954 dis­ desfecho dessa novela. Ao ceder aos tapé inicial. Ao invés da bola ele pre­
putava novamente o governo de São galanteios de Vargas, Garcez deixou fere dá-lo em Garcez. Maia revida e a
Paulo com o apoio deste. Governando Adhemar falando sozinho. Acontece que briga esquenta para delírio da platéia.
o maior Estado da Nação e com bên­ Getúlio não honrou o compromisso, o Estão se xingando até hoje. O dr. Bar­
ção do' caudilho ele seria um candidato dr. Barros magoou-se e a noiva ambi­ ros lançou o slogan “São Paulo parou” ,
invencível para a presidência. ciosa, sem altar nem Adhemar, ficou no numa clara alusão ao dinamismo da ges­
cais a ver navios. tão Garcez. Maia responde que o que
O sucessor ideal, a seu ver, seria o
parou foi a corrupção. Adhemar fala
professor Garcez, seu secretário de Era muito tarde para uma reconci­
em obras paradas, Maia argumenta com
obras, um homem que até então não ha­ liação. Garcez ainda acreditava que uma
carros roubados.
via demonstrado nenhuma pretensão po­ vitória de seu candidato em São Paulo
lítica. Deu tudo certo. ■ Terminadas as podería viabilizá-lo para a Presidência. Enquanto ambos se dilaceram, o pre­
apurações do pleito de 1950, Getúlio Adhemar lançou-se sozinho pelo seu par­ feito Quadros aproveita-se da situação.
elegeu-se para a presidência, Garcez tido, o PSP, e a situação complicou-se Enquanto os adversários atiram nos
para o governo de São Paulo e Adhemar com o lançamento da candidatura de seus perdigueiros, ele prefere gastar seu
cuidou de preparar-se para seu promis­ Jânio pelo PTN e pelo PSB e de Hugo chumbo com perdizes. Ninguém se sur­
sor futuro. Borghi pelo PTB. preenderá se vier a vencer esse pleito. ..

ADHEMAR PROCESSADO
O dr. Adhemar de Barros está sendo do, sendo pagos à GM pelo Banco do ram-se a empresas de propriedade da
processado por apropriação indébita de Estado por ordem do governador. família Barros.
veículos pertencentes ao Estado durante
a sua gestão como governador. Concluída a operação, o governador O Tribunal de Justiça sorteou um
toma uma medida supreendente: pede à juiz que houve por bem pronunciar
A denúncia foi apresentada pelo jor­ GM que refature esses veículos a parti­ Adhemar. Ele não será preso de ime­
nalista Paulo Duarte ao secretário de culares, em cujos nomes são registrados diato pois a legislação eleitoral lhe ga­
Justiça o qual encaminhou a documen­ na Diretoria do Serviço de Trânsito. O rante imunidades a partir do décimo
tação ao Tribunal de Justiça. Segundo cacique pessepista simplesmente havia quinto dia anterior às eleições.
consta dos autos, em setembro de 1949 doado os automóveis para seus colabo­
o então governador Adhemar de Barros radores diretos entre os quais o sr. Cha­ Segundo o dr. Adhemar, tudo não
comprou para o Estado de São Paulo gas Freitas, diretor do seu jornal “A passa de perseguição do atual governa­
21 caminhões Chevrolet Gigante Espe­ Notícia” , do Rio, seu irmão Antonio de dor. Alega que, tendo já terminado o
cial, 10 automóveis Chevrolet Sedan Barros e seu filho Adhemar de Barros mandato, procurou seu sucessor para
“Fleetline” e 1 Oldsmobile Sedan de Lu­ Filho. O Olds, carro mais luxuoso da acertar a situação dos veículos. Este não
xe 76. Esses veículos eram destinados coleção, foi requisitado no nome do pró­ aceitou qualquer pagamento “já naquela
à Secretaria de Administração do Esta­ prio governador e os caminhões destina- época tencionando processar-me” .
Prestes Maia,apoio de Garcez
Francisco Prestes Maia, ex-prefeito invés de escolher um nome populista, falar-se bem de si me'smo.
ci capital paulista, ex-candidato derro- ungiu a Prof. Garcez, seu secretário de
Apoiado pela máquina administrati­
ndo a governador em 1950, é o candi­ Obras, homem respeitável e sem mácula,
va e escorado por uma coligação parti­
dato de Lucas Garcez ao governo do como o candidato da oposição. Maia
dária, bem ao gosto do governador
Estado. obteve 360 mil votos e conformou-se
Garcez, Maia é considerado imbatí-
com o resultado.
Maia é acatado como grande urba­ vel. . . pelos seus adeptos, é claro.
nista e homem sério no trato dos negó­ Como o mundo dá voltas e a política
voltas e meias, hoje Maia é candidato Os partidos que o apoiam são a
cios públicos. Governou a cidade ao
jongo de sete anos, em plena ditadura ao governo do Estado apoiado justamen­ UDN, o PSD (Cunha Bueno é o candi­
Ví rgas e não permitiu que nem o cau­ te pelo seu adversário de 50, Garcez, o dato a vice), o PDC (rompido com
qual rompeu com Adhemar. Jânio), parte do PTB (ala de Hugo Bor-
dilho nem Adhemar transformassem a ghi), o PL, o PRP e o PR.
Prefeitura em centro de politicagem. É Maia, que apoiou Jânio Quadros em
: responsável pela atual paisagem urba­ 1953 centra uma coligação govemista,
na de São Paulo, tendo sido o idealiza- é atualmente apoiado por uma coligação
ior do seu Plano Diretor. governista contra Jânio Quadros embo­
Em 1950 foi lançado pela UDN e ra seu adversário preferido seja o dr.
nelo PR como candidato ao governo de Barros. Contra esse último tem asses-
São Paulo para enfrentar o candidato de tado todas as suas baterias esquecendo-
Adhemar. Seus adeptos já cantavam vi­ se inclusive de que numa campanha
tória quando o manhoso cacique optou eleitoral, além de pichar-se o adversário,
por uma tática de fogo de encontro. Ao deve-se por uma quéstão de bom senso,

C AN D ID ATO S E S ÍM B O L O S

E_0
TREVO
DE
QUATRO
FOLHAS
O C ASO D O D O D G E D E M A R T H A RO C H A
Martha Rocha, a nossa incompará­ inclusive a falar sobre isso com o pre­ des contrabandistas introduzem cente­
vel Miss Brasil está muito, muito magoa­ sidente Café Filho. Esse a remeteu ao nas de automóveis no País ninguém se
da. Também não é para menos: o ministro da Fazenda, Eugênio Gudin, o preocupa. Os machões da Alfândega só
Dodge conversível que ganhou de Mí­ qual estonteado com visita tão exube­ arreganham os dentes quando deparam
riam Stevenson, Miss Universo, está pre­ rante prometeu dar um jeito. Até agora com uma delicada e indefesa dama co­
so na Alfândega brasileira, sem perspec­ não fez nada. Quem sabe depois que se mo a nossa Martinha. É como ela mes­
tivas de ser liberado tão cedo. recobrar da forte emoção que viveu, ele ma desabafou para a imprensa, desapon­
resolva tomar uma providência. tada:
A história desse automóvel os leito­
res já conhecem. Quando saiu o resul­ Legalmente falando, o carro de Mar­ “Se eu estivesse fazendo alguma rou­
tado do concurso, Miss Universo, devido tha tem condições de ser liberado, visto balheira, com toda certeza não teria ne­
ao polêmico critério pelo qual foi eleita, que na sua aquisição não foram despen­ nhuma dificuldade.”
sentiu-se na obrigação moral de repartir didas as preciosas divisas do dr. Gudin.
o seu prêmio com a Martinha. Tendo O que se exigirá de Martha é que apre­
recebido dois automóveis ela houve por sente uma carta provando que recebeu o
bem dar um deles à nossa baianinha, carro de presente; mera burocracia, pois
que ficou felicíssima como se pode notar todo mundo está careca de saber disso.
na foto ao lado.
Mas sua alegria durou pouco. Foi
só chegar ao Brasil e o fiscal da Alfân­ O curioso nesse caso é que, apesar
dega, talvez revoltado por não ter em de estar proibida a importação de car­
casa uma mulher do porte de Martha, ros de luxo, as nossas ruas estão re­
resolveu proibir a entrada do carro, ale­ pletas de Cadillacs novinhos em folha.
gando estar proibida por lei a importa­ Através de inúmeros macetes legais es­
ção de autos de luxo. ses autos entram no País e ninguém fala
nada.
GUDIN VIVE DIA DE GLORIA Como é comum na história desta jo­
Martha Rocha fez tudo ao seu alcan­ vem Nação, só os pequenos infratores
ce para tentar liberar o auto. Chegou pagam por seus atos. Quando os gran­

Propaganda extraída da Revista "0 Cruzeiro" Charge extraída de n0 Cruzeiro”

1 1
— EU T R O U X E A Í 0
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E no dia 22 de outubro, após a apuração dos resultados. .
EXPLICAÇÃO IMPORTANTE

O jornal “A Notícia”, publicado a seguir, é fictício, constituindo-


se num recurso literário para ambientar a época e detalhar os fatos
que nela ocorreram.

As matérias nele encontradas foram redigidas pelo autor a partir


de fatos compilados por esse nos jornais e revistas do período en­
focado,

O autor possui cópias xerografadas de todas as publicações que


serviram de fonte a esse texto,

84 —
A NOTÍCIA * S ão P a u lo , 22 de ou tu bro de 1954 *

O segundo pleito a ter seus teve a morte de Getúlio so­

JÂNIO E'0 NOVO resultados confirmados foi o


paulista e espera-se para os
próximos dias os resultados
de Pernambuco, Alagoas e
bre a opinião dos eleitores,
vencendo os candidatos es­
perados. O PSD seguramen­
te manterá a maioria na Câ­

GOVERNADOR!
Com 630 mil votos contra levisão no Estado.
Ceará. De maneira geral os
resultados parciais demons­
tram que pouco impacto
mara dos Deputados e no
Senado, sendo seguido pela
UDN e pelo PTB.

602 mil do segundo coloca­


do, Jânio da Silva Quadros, No resto do País, as elei­
candidato da aliança PTN- ções transcorreram em clima
PSB, elegeu-se governador pacífico sem que houvesse
de São Paulo para o próximo sido registrado nenhum tu­
quatriênio de 1955-59. multo ou atentado contra a
ordem pública. Os resulta­
No pleito mais disputado dos finais ainda demorarão
de sua história, os paulistas vários dias até serem confir­
elegeram Jânio, juntamente mados, visto as dificuldades
com o seu candidato a vice- de transporte das urnas das
gcvernador, Porfírio da Paz. localidades mais distantes. O
As apurações se prolongaram primeiro pleito a ter confir­
durante 18 dias até que a mação foi o do Rio Grande
última urna fosse apurada. do Sul, onde o sr. Ildo Me-
Os resultados oficiais foram neghetti, candidato de uma
anunciados às 22 horas do frente que incluiu vários par­
dia 22 de outubro, através tidos, venceu Alberto Pas-
de uma rede de rádio e te­ qualini, candidato do PTB.

A PRIMEIRA
JÂNIO EM CASA
ENTREVISTA
C O M O É, C O M O AG E O
O novo governador de GOVERNADOR NA
São Paulo, Jânio Quadros, INTIMIDADE
concedeu uma entrevista co­ PAG. 4
letiva à imprensa onde escla­
receu seus planos de gover­
no e os princípios pelos O PLEITO
quais se^norteará na admi­ EVOLUÇÃO DO PLEITO E A
nistração do Estado. FESTA DOS JANISTAS
Afirmou o sr. Quadros PAG. 2

que baseará a sua adminis­


tração no princípio da rígida
A REPERCUSSÃO
moralidade e não permitirá
NO PAIS
a concessão de favores, em­
pregos ou facilidades a quem JORNAL DOS JORNAIS
quer que seja. Não teme a PAG. 3
reação do funcionalismo às
suas medidas de disciplina
e garante que será implacá­ SALDO DE OUTUBRO
vel quanto à punição de irre­
gularidades que vier a conhe­ EDITORIAL
cer. Promete nomear comis­ PAG. 2
sões de inquérito administra­
tivo para averiguar toda e
qualquer deficiência existen­ CHARGE
te no funcionamento da ad­ PAG. 5
ministração.
[ Cbitorial
o resultado
o saldo de outubro do pleito
/
| Apuradas as urnas, contados todos os Desde o momento em que as umas
votos, ficam-nos como lição algumas verda­ foram abertas já se previa que o resui-1
des. A primeira e mais importante é a de
que os nossos próceres ainda não se acos­ tado seria decidido no olho mecânico. I
tumaram à realização periódica de eleições Os primeiros resultados davam vantagem I
livres e diretas. Até hoje, na breve e tumul­
tuada história de nossa democracia, não hou­ a Prestes Maia, mas, antes que term:-|
ve uma eleição contra a qual não se levan­ nasse o primeiro dia das apurações I
taram as forças mais diversas pedindo a sua Jânio tomou a dianteira sendo seguidcl
prorrogação sob as mais variadas alegações.
Ora se alega uma crise econômica, ora uma de perto por Adhemar. Nos 17 dias se-1
crise social, ora os custos, ora a inopor- guintes, até o resultado final, ora um, oraI
tunidade do pleito. Dessa vez a alegação
foi a de que a proximidade do suicídio de outro liderava as listas parciais, temem I
Vargas podería dar um cunho emotivo à elei­ do-se inclusive, devido ao número de I
ção, o que levaria as multidões urbanas, en­
furecidas, traumatizadas, a votar em qual­
urnas impugnadas, que essa eleição aca-1
quer oportunista que se propusesse a vingar basse sendo decidida na Justiça, tende I
a morte do veiho líder. Jornalistas de peso o governador Garcez que transmitir o |
como Lacerda levantaram-se para defender
essa tese, e supreendentemente não foram cargo ao presidente da Assembléia atei
poucos os que se inclinaram a aceitá-la. Se o veredito final. Tal fato não ocorreu I
houve eleições neste País, devemos princi­
palmente à tenacidade do presidente Café devido ao total de votos de vantagem de I
Filho, que soube manter-se firme na sua Jânio ser maior do que o total de votos I
convicção de dirigir o País dentro dos limi­ das urnas impugnadas.
tes institucionais. Por pouco essa eleição
deixa de ser realizada.
Em certo momento, quando os re-1
A verdade é que, para desalento daque­ sultados parciais foram divulgados com I
les que vêem o povo como uma massa emo­
tiva e irracional, o resultado do pleito de­ o acréscimo da votação do Vale do Pa-|
monstrou que o impacto da morte de Getúlio raíba, Litoral, Sorocaba e Ribeirão Pre-1
em nada modificou as esperadas preferên­
cias eleitorais. Em alguns lugares venceram to, Adhemar passou à frente com uma I
os getulistas, em outros as forças contrárias razoável vantagem. Isso motivou inúme-1
a ele, permanecendo praticamente inalterado ras manifestações de júbilo de seus cor-1
o quadro político nacional. A única vitória ...Toledo Ptza e Adhemar.
destoante dessa tendência foi a do sr. Jânio religionários, tendo alguns mais afoitos I
Quadros, o qual venceu novamente todo o se dirigido à Vila Maria, tradicional re-1
poder econômico das elites paulistas. Como
em 1953, as vassouras mostraram a sua for­ duto janista, para, com um coro de bu-1
ça e varreram os caciques e corruptos do zinas, tirar o sono dos moradores. Já I
poder. Contra a máquina do Estado, que
apoiou exaustivamente o sr. Prestes Maia, na manhã seguinte a sua alegria acaba-1
e o poder econômico do sr. Adhemar, Jânio ra. Jânio novamente passava à frente. I
foi ao povo levar o apelo do tostão contra
o milhão. Funcionou, o que demonstra mais
assim permanecendo até o fim das apu- I
do que o carisma do candidato, a veracidade rações.
do seu lema. O povo paulista já estava can­
sado de assistir à incompetência administra­ Finalmente no dia 22, os resultados
tiva de seus mandatários, que fazia do Es­
tado mais rico da Federação nada mais do finais foram divulgados. Aí foi a vez de
que um mendigo a esmolar verbas. povo de Vila Maria descer ao centro da
A um honesto incompetente se seguia cidade para a forra. Apesar da chuva
um larápio realizador e as pessoas começa­ o entusiasmo dos janistas não amefeceu
ram a pensar seriamente na viabilidade de
um candidato que fosse a um só tempo ho­
até a manhã do dia 23 tomaram conta
nesto e realizador, visto que tais qualidades das ruas de São Paulo com suas vassou­
não são de forma alguma conflitantes. Surgiu ras e muita alegria. Temia-se a ocorrência
a figura patética do sr. Quadros, que de al­
guma maneira tem mantido essa imagem. À de distúrbios mas no final a festa trans­
frente da Prefeitura demonstrou ser um ad­ correu em paz. O gesto mais hostil ficou
ministrador esforçado e bastante escrupu­
loso quanto à versação dos fundos púbiicos. por conta de alguns correligionários que
Como dizia um garçom que nele votou: “M e s­ compareceram à rua Albuquerque Lins.
mo que não faça* nada, pelo menos sabemos
que ele não deitará ninguém roubar.”
onde reside Adhemar, para realizar o
seu enterro simbólico. A idéia acabou
É isso que todos esperamos do sr. Jânio.
Não deixe ninguém aproveitar-se dos recur­ prejudicada pela ausência do homena­
sos públicos em proveito próprio. Que não geado. Quando os populares lá chega­
haja mais diferença de tratamento para la­ ram foram informados que o “defunto"
drões de milhões ou de tostões. Meta-os
todos na cadeia, indistintamente. saíra pela manhã com destino ignorado.
I J
O “Estado de S. Paulo” nessa elei­ ledo Piza. Em compensação Adhemar A “Folha da Manhã” preferiu não
ção apostou todo o seu cacife na candi- foi manchete durante vários dias: o “ es­ tomar partido abrindo suas páginas à
éatura Prestes Maia e canalizou sua propaganda de todos os candidatos. A
rm a editorial contra o dr. A. de Barros. cândalo dos chevrolets” ocupou espaço seguir publicamos algumas encontradas
Filou-se pouco em Jânio e nada de To­ durante toda a campanha eleitoral. nos jornais do dia 3 de outubro.

ADHEMAR
CONSTRUIU J A N I S T A A MI G O ! v W
REALIZA 139 Grupos Escolares

OLERTA!
14 Ginásios e Colé­
gios
MESMO! 5 Escolas Normais Sem wlios e sem rancores falemos com lealdade:
17 Escolas diversas
4 Edifícios da Uni Jânio terá boa votação na capital, ma* perderá no interior
e " n "f r e n t o u versidade de Sáo Jânio não tem organização partidaria no interior
E VENCEU Paulo
19 Hospitais Jânio não tem céd u la s do interior
Se disserem que Adhemar desistiu
A SABOTAGEM 32 Fóruns Se disserem que Adhemar indicou
Jânio terá boa votação na capital, mas perderá no interior—
ORGANIZADA 26 Ediíicios vários
outro candidato
h n 1949
TODOS OS DIAS QUEM EM JAN 10 VOTAR Se disserem que Adhemar fez as
ADHEMAR VOCÊ PASSA POR ESTARÁ AJUDANDO A ADHEMAR! pazes com Garcez
srogramou grandes
is publicas
—uOo —
UMA REAIIZAÇAO
PRESTES MAIA ESTÁ VENCENDO
Se disserem que Adhemar brigou WÁ
Propós a Assembléia DE com Salzano...
C rí 74 000 000.00
l a construção
A D H E M A R NO IN T E R I O R ! Aindo mesmo que digam que
«e prédios cm geral
DCAAM-1JIK Reforce essa vitoria na capital para salvar São Fado das Adhemar morreu...
Cr* 24 000 000.00 garras de Adhemar!
—oOo—
Jsai»U, soa causa também é nossa 2
Nossos amigos Janio e Porfirio continuarão na Prefeitura
unidos a Prestes Âiaia nos Cjuopv» Liúio* !
Hão ACREDITE!
PAROU!
Parou a “caixinha'1 — compradora DERROTEMOS ADHEMAR FAZENDO
L E M B R E -S E :
Adhemar í o candidato do
de almas, subornadora de consciên­ povo a Governador do Estado
cias, cancro a corroer os dinheirot PRESTES M A I A G A N H A R
do E stad o ... Este i mm e erM t qe* a cehmle
Esta previsão eleitoral é exata:
PAROU DE UMA VEZ MO Janio 310
N Ã O P O D E R Á D E S T R U IR 1 ]
GOVERNO DECENTE DE 6AROZ Adbemar 335 S Ó HÁ 2 CAMINHOS! j
Fti ISM I RM M Prestes Maia 3S5

SAO PAULO PAR0U1 Em nome de São Paulo, janista amigo, contamos coa você
ao lado de
COM BDHEMAR
ii
PRESTES MAIA
Meus caros patrícios:
£ juntos comemoraremos a vitoria! CONTRA S. PIULO
FÉ EM D E U S
PÉ NA TABU A

ELES SÀO IGUAIS


J. CANUTO POR ISSO VOTE CONTRA OS 3.
MENDES DE ALMEIDA VOTE PARA GOVERNADOR EM WLAD1MIR PIZA
E le d im e s - “Meu McrificiQ roa manterá unidos, e meu nome será a vceaa bandeira de luta.
o un ad or dos operários e Cada jota de mew sangue será uma chama imortal na voasa eonedenete «
dos intelectuais manterá a vibração sagrada para a resistência”.
GcMb Vargaa.

P .T .B . PIZA - CANDIDATO DO P .T .B . DE VARGAS


FALA O NOVO GOVERNADOR |
Após desaparecer misteriosamente do negócio público. Não prometi obras P. — Possui compromisso com par­
durante a apuração dos votos, Jânio majestosas, nem favores especiais. O tidos?
Quadros reapareceu na tarde de ontem povo entendeu a mensagem. Minha úni­
para conceder a sua primeira entrevista ca surpresa foi o número de votos dados R. — Nenhum. Nem com partidos,
como novo governador de São Paulo. Na à corrupção pela burguesia e as elites. que respeito sem que me escravizem;
garagem da casa de um amigo, onde os Aí está o sinal vermelho e não são as nem com grupos, que são sempre malé­
jornalistas o “descobriram” , Jânio, com massas que o acendem. ficos; nem com indivíduos, que são sem­
voz pausada, sem nenhuma emoção, res­ pre vorazes. Tenho compromisso ex­
pondeu às perguntas dos órgãos de im­ P. — As “elites” ficaram um tanto clusivamente com a lei e a coletividade.
prensa : inquietas com sua vitória. Dizem que o
senhor era o candidato dos pobres con­ P. — Como agirá em relação ao fun­
P. — Como recebeu a vitória? tra os ricos. . . cionalismo?
R. — Não me surpreendeu. O elei­
torado da Capital, como esperava, votou R. — Eu me considero antes o can­ R. — Os servidores terão todas as
maciçamente em mim. Quanto ao Inte­ didato dos pobres contra o candidato prerrogativas estatutárias e todos os de­
rior, eu contava que estivesse preparado dos negocistas e exploradores. Nada te­ veres. Não terão uma coisa sem a ou­
para ouvir uma linguagem franca e, oca­ nho contra os homens de fortuna desde tra, nem lhes será dado fazer dessa ati­
sionalmente áspera, de honradez e traba­ que não se alimentem parasitariamente vidade um “bico” . Se a carreira não lhes
lho. Os resultados demonstram que eu do suor e do sangue de seus semelhan­ serve, deixem-na. Não contratarei ou
não estava errado. Quem votou na mi­ tes. Se é certo que existe o direito à ri­ nomearei ninguém, exceto pela porta es­
nha pessoa sabia nada poder esperar de queza, não é menos certo que existe o trita do concurso. Aqueles que esperam
mim a não ser rigidez e energia no trato direito à dignidade na pobreza. empregos ou facilidades podem esquecer.

JÂNIO NA INTIMIDADE
Esse homem que acaba de conquis­ plesmente não desatava. Usava uma por pagando as prestações dos móveis de
tar o governo de São Paulo está longe meses a fio até que eu a trocasse.” sua casa na rua Sinimbu e com isso jus­
de compor, na vida doméstica, a imagem tifica a sua sovinice quanto ao orçamen­
Depois que entrou na política, sua to doméstico.
do herói que costumamos ver no cine­ elegância ficou ainda mais prejudicada.
ma. Na vida real Jânio não tem nada Não tinha mais tempo para nada. Às Durante o seu mandato pretende mo­
de mocinho. “Eu jamais conhecera ho­ vezes chegava em casa, deitava de roupa rar no Palácio dos Campos Elísios, o
mem tão horrendo” , recorda Dona Eloá e tudo, dormia alguns instantes e saía que permitirá a reforma de sua casa.
o seu primeiro encontro, “naquele mo­ em seguida sem nem pentear os cabelos.
mento seria impossível acreditar que um Quanto aos hábitos alimentares não
Para ganhar tempo levava o lanche no é de grandes sofisticações. Não gosta de
dia me tornaria sua esposa” . O pai de bolso para comer quando desse fome.
Jânio, Gabriel Quadros, médico e ami­ pratos complicados, sendo a sua grande
Esses sanduíches de mortadela acaba­ paixão gastronômica, tutu de feijão, de
go do pai de dona Eloá, os convidara ram por tornar-se sua marca registrada.
para passar o fim de semana em sua onde, aliás, vem o apelido de sua filha.
casa no Guarujá. Adora perfumes. Não pode vê-los Ultimamente tem aparecido com rou­
“Apesar de feio, era um rapaz de sem querer experimentá-los. Certa vez pas melhores, mas isso não se deve a
fala fluente e me impressionou com sua encontrou um frasco sobre a penteadeira uma mudança na sua tradicional displi­
conversa.” Algum tempo depois, em de dona Eloá e não teve dúvidas: encheu cência. É que o alfaiate Barone, con­
1942, o recém-formado advogado a pe­ a banheira de água e misturou-o nela. doído com seu desleixo, resolveu presen­
diu em casamento. Mais tarde veio a saber que se tratava teá-lo com alguns ternos. Nenhum azul,
de um precioso perfume francês do qual por sinal.
Levaram uma vida modesta. Lecio­ ela economizava até as gotas.
nando e advogando ao mesmo tempo, É esse o homem que governará São
ele fazia das tripas coração para dar um Como “hobby” costuma ler livros po­ Paulo nos próximos anos. Dele pode-se
padrão razoável à família, logo acres- liciais e histórias em quadrinhos. Não falar tudo, menos que se trata de um
cida de mais um elemento, Dirce Maria, perde um filme de^Far Westve conhece político convencional. Sorri raramente e
sua filha. a vida de todos os mocinhos do cinema. não costuma dar tapinhas nas coátas de
Freqüenta bailes de carnaval mas não ninguém.
“Ele nunca deu muita atenção para dança. Tem pavor de lança-perfume des­
roupas. Comprava tudo por ocasião do Não liga para as críticas que fazem
de que, quando estudante, perdeu a vista ao seu comportamento. Quando fazem
Natal, e não escolhia nada. Tinha pre­ direita devido ao estouro de um tubo ao
ferência por ternos azuis e só. O resto alusão à sua feiura sai-se com a seguin­
seu lado. te resposta:
comprava sem olhar. Sempre detestou
vitrinas. As gravatas, por não não ter Apesar de eleito governador, conti­ “ Afinal vocês querem um governador
muita habilidade para dar nós, ele sim­ nua a sua vida de sempre. Ainda está ou um reprodutor?”
— V —

(Entrevista com Odon Pereira — 3.a parte)

Jânio Quadros se elege governador contra a vontade da grande


imprensa, com a oposição da maior parte do empresariado e con­
trariando todo o pensamento universitário. Há a pergunta feita por
um repórter ao novo governador, que transcreví logo atrás, sobre
ser ele um candidato antielites. Isso é verdade?

ODON — O fenômeno Jânio sempre criou nas elites dominan­


tes de São Paulo uma certa aversão, porque intuitivamente todos
sentiam que ele podería destruir tudo que estava ali. Apenas quan­
to às táticas elas se dividiram: A maior parte, a sua quase totalida­
de o condenava, o combatia, outra parcela passou a investir nele,
tentar dcmá-lo. Aliás, esse é o comportamento padrão das elites, quer
política, quer econômica, quer universitária, em relação a qualquer
fenômeno novo e imprevisto no cenário político. A primeira atitude
é de ignorar; a segunda, quando isso não é mais possível, é de atacar,
condenar; e a terceira finalmente é de tentar absorver.

Você fala em elites pensantes, na universidade em geral. Como


essa elite via Jânio na época?

ODON — Da mesma forma que vê hoje. E nesse aspecto exis­


te um fato estranho e significativo que talvez nos oriente para a
compreensão do fenômeno.

O pensamento universitário, de modo geral, tenta evitar a aná­


lise subjetiva da sociedade e de sua evolução. Isso porque áreas ma-

— 89 —
joritárias do pensamento acadêmico consideram que quem faz a
história são as massas, que o homem, enquanto indivíduo, não pos­
sui forças para conduzir o processo. Não se aceita que a história
também se mova a partir de posições pessoais. Curiosamente essas
mesmas áreas de nosso pensamento, quando chegam no capítulo
Jânio, jogam fora todos os manuais de marxismo vulgar, esque­
cem todas as leis da dialética e só discutem a pessoa, seu caráter,
sua personalidade, suas intenções.

E o que explicaria essa mudança de enfoque?

ODON — Essa paixão negativa que nossa intelectualidade tem


por Jânio é ilustrativa. Jânio é talvez o único homem que tirou a
universidade do sério neste País. Basta recordar esses artigos recen­
temente escritos por ocasião da tentativa de entrada de Jânio no
PMDB, para perceber esse fato. Sociólogos, cientistas políticos, pen­
sadores em geral, deixam de lado aquela linguagem fria, isenta, im­
parcial, para atacar com violência a sua pessoa, nunca as suas pro­
postas. Perdem toda a postura universitária. Isso revela que a
personalidade de Jânio deve refletir sentimentos sociais tão profun­
dos que mesmo numa área tão isenta e imune como a universidade
eles têm lugar. Ainda que seja para provocar ódio, rejeição.

Já que estamos falando em universidade, acabamos desembo­


cando na dúvida clássica dos acadêmicos: Jânio é um místico ou um
mistificador?

ODON — Eu acho que essa é uma maneira viciada de se ga­


nhar a discussão antes mesmo dela começar, já que qualquer das
duas conclusões é ruim para ele. Essa é uma colocação feita pela
prepotência, intolerância e preconceito da universidade. Tudo aqui­
lo que essa não consegue explicar, todo fenômeno político que foge
a sua compreensão, é logo encaixado numa dessas categorias: mís­
tico, fanático, carismático, mistificador, maníaco etc.

Nossa experiência aqui no Brasil é de que os acadêmicos, os


jornalistas, os intelectuais em geral, sempre explicaram mal as coi­
sas que lhes cabiam explicar. Eles explicaram errado. Eu creio que
não há muito sentido em se ficar perguntando se Jânio é ou não é
aquilo que os nossos sociólogos acham que ele deveria ser.

90 —
Essas questões do tipo “místico ou mistificador” não têm im­
portância na análise política. No momento em que um indivíduo
suscita e lidera um movimento político, deve-se questionar a valida­
de do movimento, não a da pessoa. Deve-se discutir a utilidade ou
não desse movimento, suas perspectivas. Em Política no seu sentido
amplo, não se discute intenções, mesmo porque não há intenções.

Lênin era um místico ou um mistificador?

Kennedy era um místico ou um mistificador?

Qual é a validade histórica dessas perguntas? Útil para a so­


ciedade é o questionamento dos seus atos. O resto, as intenções, é
questão para a religião responder, para as esposas e secretárias de­
les discutirem, para seus círculos íntimos de amizade debaterem.
Em Política não existem questões pessoais.

— 91 —
CAPÍTULO 3 — 1955

“ Desde que uma revolução possa ser considerada legí­


tima, todas as outras que a seguirem também o serão..”
(Bertrand Russel em “O Poder”)

“Ditadura é quando os outros mandam na gente.

Democracia é quando a gente manda nos outros.”


(Millor Fernandes)

— 93 —
Corria o ano de 1955, no qual se realizariam eleições presi­
denciais.

O lançamento da candidatura Juscelino pôs por água abaixo


o esquema de conciliação nacional preconizado por Vargas. Mais
uma vez se delineava a aliança PSD-PTB que servira como base
de sustentação ao velho ditador. Tal aliança era imbatível, uma ver­
dadeira tenaz cujas pinças isolavam qualquer veleidade oposicionis­
ta de empolgar o poder. Tende de um lado os interesses agrários
e conservadores estruturados em torno do PSD e do outro as má­
quinas sindicais e previdenciárias dominadas pelo PTB, tal esquema
era impossível de confrontar-se em uma eleição. A oposição sabia
disso e o anúncio da formação da aliança soou aos seus ouvidos
como um repicar de sines pela sua morte.

O maior partido oposicionista, a UDN, já tentara enfrentar o


legado de Vargas por duas vezes apoiando-se na candidatura do
brigadeiro Eduardo Gomes. Na primeira venceu o general Dutra,
apoiado por Getúlio (1946), e na segunda o próprio caudilho (1950).

A grande chance das oposições se configurara em agosto de 54


com a crise e o conseqüente acuamento do presidente. Se houvesse
sido outro o seu desfecho, com a renúncia ou mesmo a deposição
de Vargas, seus adversários poderiam varrer do cenário político to­
dos os vestígios de sua existência. Mas, suicidando-se, Getúlio ga­

— 95 —
rantiu a intocabilidade de seu espólio. Seu fantasma continuava go­
vernando a Nação, condicionando a opinião pública, gerindo o seu
futuro.

Quando Juscelino anuncia a sua iminente composição com os


trabalhistas de Goulart, a UDN passa a percorrer incertos caminhos.
Tenta convencer Jânio Quadros, o novo fenômeno eleitoral paulista,
a candidatar-se à Presidência, como única chance de vencer o pleito.
Esse, após estudar o quadro político, percebe serem escassas as suas
chances e prefere indicar a candidatura de Juarez Távora. Seguindo
o general numa cruzada perdida por antecipação, Jânio aproveita
para conhecer a realidade brasileira percorrendo em campanha to­
dos os Estados.

A 3 de outubro, como se previa, Juscelino vence as eleições. O


esquema varguista volta ao poder, o governador paulista ganha ex­
periência e a UDN constata mais uma vez que por vias democrá­
ticas jamais chegará ao Catete.

Durante o mês de outubro o espoucar dos rojões juscelinistas


abafava o trovejar de uma tempestade que se formava no horizon­
te político da Nação. Os vencidos iriam à forra.
A NOTÍCIA
I—-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
___________________________ * São Paulo, 22 de outubro de 1955 *

JUSCELINO/GOULART
VENCEM AS ELEIÇÕES
Os candidatos da aliança firmou definitivamente na li­
PSD-PTB, Juscelino Kubits- derança do pleito.
chek de Oliveira e João Bel­ Juscelino obteve 3.077 mil
chior Marques Goulart aca­ votos, cerca de 500 mil a
bam de ser eleitos para pre­
mais do que o segundo colo­
sidente e vice-presidente, res­ cado, Juarez Távora. Em
pectivamente, no qüinqüenio termos relativos sua votação
1955-1960. equivaleu a 36% do total de
As apurações correram em votos válidos e a de Távora
clima de grande suspense, a 30% do mesmo total.
poucos sendo capazes de pre­ João Goulart representou
ver quem seria o vencedor a maior votação individual da
do pleito realizado no último campanha, tendo sido eleito
dia 3. Devido ao fato de as para a vice-Presidência com
urnas paulistas terem sido a- 3.600 mil votos, 200 mil a
puradas com mais rapidez, o mais do que Milton Campos,
candidato Adhemar de Bar- seu concorrente da chapa
ros foi o primeiro a despon­ Távora.
tar como favorito, já que sua Os observadores políticos,
votação nesse Estado havia em geral, são da opinião de
sido maciça. Com o correr que a presença de Adhemar
dos dias, porém, sua vanta­ de Barros no pleito drenou
gem foi sendo diluída, até boa parte dos votos que se­ JK ! Õ SORRISO DA VITORIA
que o nome de Juscelino se riam de Juscelino.

( --------------------------------------------------------- cédula o ficia l os outros


A B io g ra fia de K uhitschek Pela primeira vez na His­ candidatos
Originário de família hu­ ta na sorte. Mas um estudo Juarez Távora, Adhemar
tória do Brasil, as cédulas
de Barros e Plínio Salgado,
milde, órfão de pai aos três mais acurado de sua vida foram os outros três candida­
eleitorais são impressas js
anos de idade, tendo que prova que tal definição não tos que disputaram essa elei­
custas do Estado. Essa me­ ção presidencial.
sustentar a família desde a lhe faz justiça por ser incom­
dida foi aprovada no Con­ O general Távora foi lan­
adolescência, com o fruto de pleta. Do emprego de tele­
gresso Nacional após tumul­ çado pela União Democráti­
seu trabalho, Juscelino Ku- grafista ao posto presiden­ ca Nacional, tardiamente, de­
bitschek, o novo presidente cial, passando pela Faculda­ tuados debates entre as lide­ pois da recusa do convite
de de Medicina, pela Revo­ formulado ao governador
da República, é um exemplo ranças partidárias. Embora
Quadros, de São Paulo.
de que a inteligência, quando lução de 32, pela Câmara tal modificação constitua um
Adhemar concorreu apoia­
aliada ao otimismo e à tena­ Federal, pela Prefeitura de do na estrutura de seu pró­
avanço no processo demo­
cidade, são capazes de levar Belo Horizonte, pelo Palácio prio partido e Plínio Salgado
crático nacional, as oposições tentou uma reedição do sen­
um homem às alturas, ven­ da Liberdade, demonstram
a consideram insuficiente , timento integralista, com o
cendo todas as barreiras exis­ que mais do que sorte e arro­ qual empolgara as massas na
tentes. jo condicionaram a carreira pois a distribuição dessas cé­ década de trinta. A campa­
nha de cada um dos candida­
do futuro presidente do Bra­ dulas continuarão a cargo
tos, bem como a evolução
J K para muitos é um jo­ sil. dos partidos políticos. dos fatos, encontram-se nas
gador, um homem que apos- (Pág. 4) (Pág. 4) reportagens das págs. 2 e 3.

V _______________________ ____________________
A EVOLUÇÃO D O S FATOS
DANÇA DE RODA

Nos meses que antecederam a sua com um ligeiro aumento das bancadas esforços se mostram em vão. Em fins
morte a maior preocupação de Getúlio do PSD e do PTB. de janeiro os principais comandantes mi­
era quanto à sua sucessão. Sabia o velho litares da Nação entregam-lhe um me­
cacique que essa não se daria sem trau­ Os políticos já se preparavam para
voltar às negociações quando surgiu um morial alertando-o para as graves conse-
mas, visto estarem as forças políticas qüências de uma vitória da chapa J-J.
nacionais se polarizando de maneira ca­ imprevisto: o governador de Minas, con­
da vez mais radical. Com o intuito de trariando a orientação da cúpula parti­ Ao invés de influenciá-lo tal manifesto
deixar a casa em ordem e possivelmente dária, lança-se candidato à Presidência lhe parece uma inaceitável pressão, o
garantir uma aposentadoria tranqüila, da República. que o leva a declarar à imprensa que
ele optou pela fórmula de um candidato de forma alguma interferirá no processo.
de conciliação nacional. Para presidir ..VAMOS DAR A MEIA VOLTA... No Congresso consegue-se uma vitó­
as negociações necessárias escolheu o an­ ria insuficiente com a aprovação da “cé­
fíbio governador de Pernambuco, eleito dula oficial” , enquanto o Superior Tri­
por uma inusuai composição UDN-PSD A jogada de Kubitschek representava
na prática o sepultamento em cova rasa bunal Eleitoral não demonstrava pressa
e portanto homem de trânsito livre nas
duas trincheiras. Tratava-se do famoso do esquema Etelvino. A polarização re­ para se pronunciar quanto à tese da
"Esquema Etelvino Lins” , sonho de to­ sultante de sua candidatura acabou por maioria absoluta.
dos os políticos ambiciosos de então. inviabilizar qualquer tentativa de conci­
liação das forças políticas. Debalde o
O ANEL. ERA DE VIDRO
presidente Café Filho tentou convencê-lo
r a a H iB m iin n m B a sair do páreo. Etelvino, num último
esforço, ainda lhe oferece a vice-Presi- A essa altura o “Esquema Etelvino”
As negociações avançavam no ano dência numa chapa encabeçada'por Jua­ já lutava, não por um candidato de con­
de 1954 dentro de um clima de bastante rez Távora, mas Juscelino não cede. A ciliação, mas por qualquer um com um
otimismo, havendo inclusive convergên­ essa altura suas negociações com o PTB
mínimo de chances de enfrentar Jusceli­
cia em torno de algumas candidaturas já iam longe e não havia por que entre­
gar os pontos. no. A princípio as atenções se voltam
como as do marechal Mascarenhas de para Jânio Quadros, o novo fenômeno
Morais, comandante da FEB ,e do gene­ eleitoral paulista. Esse, no inicio, dei­
ral Juarez Távora, um dos históricos lí­ xa-se cortejar, mas, ao sentir-se sem con­
deres tenentistas, quando sobreveio a
dições, prefere apoiar o nome de Juarez
crise de agosto que culminou com a mor­
te de Vargas. O trágico desfecho do epi­ Ao início do ano de 1955 a chapa Távora, o qual reluta em aceitar sua
sódio trouxe de volta toda a radicaliza­ Jusceiino-Goulart já era tida como cer­ candidatura.
ção anterior, o que impossibilitava a ne­ ta. Ninguém tinha dúvidas a respeito de
sua invencibilidade. Frente a tais circuns­ Quando finalmente se decide já é
gociação. Por outro lado, as forças muito tarde. Sua campanha caminha trô­
conflitantes decidiram aguardar as elei­ tâncias, as forças político-militares pas­
sam a agir de forma diferente. Abrindo pega, lutando ao mesmo tempo contra ô
ções de outubro, através da qual se afe-
diversas frentes de combate, tentam de­ relógio e contra a pouco vendável ima­
riria o real cacife de cada parceiro.
sesperadamente impedir a volta da es­ gem do general. Sisudo, irascível, dando
trutura varguista ao poder. Por um lado socos em mesas e prometendo democra­
trabalham no sentido de envolver o pre­ ticamente sacrifícios para toda a po­
sidente Café na disputa, para, com a má­ pulação, sua postura apocalíptica cla­
quina estatal, viabilizar uma candidatura ramente contrasta com o otimismo
Delineava-se uma situação contradi­ contra a aliança PTB-PSD. Por outro la­
tória: as forças anti-Getúlio nunca antes irradiante de Kubitschek. Foi, sem dú­
do tentam aprovar no Congresso um pro­ vida, o maior cabo eleitoral do governa­
estiveram tão fortes, visto dominarem o jeto modificando a legislação eleitoral.
governo do presidente Café Filho. Mas dor mineiro.
(Vide matéria “A Cédula Oficial” , pág.
também nunca estiveram tão apreensi­ 3.) O terceiro e mais desesperado recur­
vas, As eleições de outubro, apenas um so é a tese da maioria absoluta, apre­
mês e meio após o suicídio de Vargas, "ACABANDO E QUEBRANDO"
sentada ao Superior Tribunal Eleitoral,
poderíam levar o eleitorado a votar emo­ segundo a qual, caso nenhum candidato
cionalmente, dando amplo respaldo às obtivesse 50% mais 1 do total de votos Os outros candidatos não tiveram ne­
lideranças varguistas e enterrando de vez válidos, seria realizada uma nova elei­ nhuma chance. Adhemar entrou para
todas as suas pretensões de modificar o ção, indireta, no Congresso Nacional.
panorama político nacional. Justamente ganhar, só serviu para atrapalhar. Quan­
por isso advogavam o adiamento do plei­ to a Plínio Salgado, nem esse consolo
to para ocasiões mais oportunas. O AMOR ERA POUCO obteve. Acreditando numa nostálgica re­
edição do integralismo acabou por mer­
Nada disso ocorreu, na realidade. gulhar de cabeça na piscina vazia.
Em linhas gerais, o quadro permaneceu Uma a uma as portas vão sendo fe­
o mesmo após a abertura das urnas, chadas. Com o presidente Café todos os A briga agora se dará nos tribunais.
OS OUTROS CANDIDATOS
JUAREZ TÂVORA

Acompanhado de Jânio Quadros e nhecido como o “Vice-Rei do Norte” ,


Tenório Cavalcanti,o candidato da UDN o que dá a exata medida de seu poder
peregrinou pelos mais longíquos recan­ na época.
tos do Brasil em campanha eleitoral. Na
sua cruzada pela moralização do País Em 1937 o espírito idealista do an­
em todas as cidades reiterou a sua pro­ tigo tenente volta a prevalecer. Não
messa de, se eleito, “meter todos os la­ concordando com o golpe do Estado
drões do Brasil na cadeia” . Novo, Juarez rompe com Getúlio e parte
para um exílio voluntário no Chile, onde
As longas caminhadas não são novi­ exerce até 1945 o posto de adido mili­
dade na carreira desse D. Quixote tro­ tar da embaixada brasileira.
pical: já na década de vinte, ardoroso
membro do Movimento Tenentista, par­ Com a redemocratização, retorna ao
ticipou da Coluna Prestes, percorrendo País, identificando-se definitivamente
milhares de quilômetros pelo interior do com as forças anti-Vargas, ao comandar
País em combate com as forças da Re­ a Escola Superior de Guerra e partici­
pública Velha. par da Cruzada Democrática, movimen­
to contrário a Getúlio no seio das forças
No início dos anos 30, tendo parti­ homem de grande importância. Gover­ armadas.
cipado ao lado de Getúlio do movimen- nador de seu Estado, o Ceará, era co­

ADHEMAR DE BARROS

Confortavelmente instalado em seu A linguagem utilizada é coloquial,


DC-3, Adhemar percorreu todo o País evitando o uso de expressões grandilo-
levando a sua mensagem de fé em Deus qüentes. Essa forma de comunicação
e sua disposição de pôr o pé na tábua. causa sempre muito boa impressão nos
Dotado de uma assessoria invejável, já ouvintes cabendo à máquina do seu par­
ao levantar vôo ele recebia em mãos a tido, o PSP, consolidar o prestígio adqui­
súmula dos discursos que faria em cada rido pelo carisma do chefe.
cidade. Durante a viagem lia esses re­
sumos, tomava conhecimento dos pro­ As prioridades em seu programa de
blemas de cada localidade, do nome das governo eram a prospecção de petróleo,
pessoas importantes e de todas as carac­ a descentralização administrativa, um
terísticas regionais dignas de menção. amplo plano de Saúde e o combate ra­
Ao chegar fazia sua''oração de impro­ dical ao analfabetismo.
viso'* citando o nome dos próceres, res­ Adhemar promete que não vai desis­
saltando as excelências da região e era tir. Tentará a sorte na próxima vez.

PLÍNIO SALGADO

Foi sem dúvida o candidato mais Brasileiro, organização de cunho fascista


azarado da campanha. Duas panes aé­ implantada no. Brasil na década de trin­
reas e um acidente automobilístico lhe ta. Nem sempre demonstrou essa sua
custaram um nariz fraturado, muitos dias atual disposição de galgar o poder atra­
de hospital e poucos votos no cômputo vés de eleições: em 1938 achou mais
final. prático conquistá-lo pela força, quando
Dos quatro candidatos era o mais tentou um golpe de Estado . O malogro
elegante, apresentando-se sempre impe­ foi total e Vargas aproveitou a oportu­
cavelmente vestido, e, paradoxalmente, nidade para eliminar o último obstáculo
o mais pobre: viajando em aviões de
que ainda existia à sua monopolização
carreira, teco-fecos emprestados e até
mesmo de jipe, Plínio fez o impossível do poder.
para percorrer o País em campanha. Apesar de seus 58 anos, ele declara
Sua plataforma eleitoral baseou-se que não irá desistir. Promete voltar em
em apelos à classe média, a única classe, breve com muito mais força e, se pos­
segundo ele, “ abandonada à própria Plínio Salgado foi idealizador e prin­ sível, mais dinheiro, pois a seu ver “foi
sorte” cipal líder do Movimento Integralista vencido pelo poder econômico” .
J K UM CORREDOR DE CÉD U LA
OBSTÁCULOS O FIC IAL
A biografia de Juscelino não pode­ ridade é dada ao binômio Energia- A batalha decisiva dessa eleição não
ría ser mais adequada para compor a Transporte. se deu nos palanques e sim no Parla­
imagem de um "self-made-man” . Nasci­ mento. Não foi uma luta entre candi­
do em Diamantina, interior de Minas, Quem se forma na política mineira, daturas mas sim em torno de procedi­
bisneto de imigrantes da Boêmia, aos segundo a tradição, está apto a dar aulas mentos eleitorais.
três anos de idade ficou órfão de pai, em qualquer lugar do mundo. Juscelino
tem-se mostrado à altura de sua escola. Logo após o lançamento da candida­
tendo passado necessidades a partir de tura Juscelino, a UDN, liderando as for­
então. Ao menino Juscelino não foi O lançamento de sua candidatura à Pre­
sidência é uma prova cabal de seu senso ças antigetulistas, apresentou no Con­
concedido sequer o direito de ser crian­ gresso um projeto visando a alterar a le­
ça: desde cedo viu-se obrigado a traba­ de oportunidade. Logo após as eleições de
1945, com a Nação ainda traumatizada gislação eleitoral vigente.
lhar duro para custear seus estudos. So­
mando os parcos vencimentos de sua e dividida frente ao impacto da morte O projeto, qua causou grande celeu­
mãe, professora primária, ao que conse­ de Vargas, ele lança o seu nome como ma, visava a extinguir o tipo de cédula
guia auferir como telegrafista, o jovem candidato. Era um lance ousado. Apro­ até então em uso, substituindo-a por
pobre logrou formar-se em medicina. Só veitando o prestígio que lhe garantia uma cédula única, onde constasse o no­
essa vitória já bastaria para consagrá-lo o posto de governador de Minas e sa­ me de todos os candidatos à Presidência,
como um homem de valor, mas Jusceli­ bendo estar o seu partido (PSD) divi­ ficando sua impressão a cargo do Esta­
no não pararia aí. Possuía certas qua­ dido e fraco, ele lança seu nome con­ do e sua distribuição por conta das me­
lidades que lhe permitiríam alçar vôos tando com isso forçar a polarização das sas eleitorais.
muito mais ambiciosos. forças existentes. Desde que as forças
anti-Vargas se postassem no campo con­ Segundo as lideranças udenistas a
trário, seus correligionários não teriam cédula única seria a mais eficiente me­
outra escolha senão apoiar-lhe a candi­ dida no sentido de garantir o sigilo do
Na qualidade de médico do Hospital datura pondo por terra a tese do can­ voto, direito conquistado na Revolução
da Força Pública de Minas Gerais ele didato de conciliação nacional. de 30. De acordo com esses políticos, o
serviu em Passa Quatro, uma das frentes atual sistema, no qual a cédula é im­
A evolução dos fatos provou o acer­ pressa pelo candidato, além de tornar
de combate da Revolução de 1932. Nes­ to de seus cálculos: pouco tempo depois
se particular há uma semelhança entre a eleição inacessível a candidatos sem
o PSD o aclamava como candidato em recursos, ainda quebra totalmente o si­
sua trajetória e a do líder paulista Adhe- convenção e o PTB, sabendo-se sem con­
mar de Barros. Ambos eram médicos, gilo, visto que nas comunidades rurais
dições de eleger candidato próprio, não permite a manipulação do eleitorado por
ambos serviram na Revolução de 32 (la­ teve outra saída senão apoiá-lo também.
dos opostos), para os dois esse foi o parte dos chefes políticos locais.
A eleição de Juscelino já estava ganha
marco inicial de suas carreiras políticas. desde quando selou a aliança com os O projeto foi imediatamente obstado
Tanto para o Dr. Adhemar quanto para trabalhistas. Resta saber se tomará pos­ pelo PSD e a tal ponto chegou o impas­
o Dr. Kubitschek, o campo de batalha se, pois a mesma dobradinha que lhe ga­ se que até o ministro da Guerra viu-se
serviría para fomentar preciosas ami­ rantiu a vitória nas urnas poderá oca­ obrigado a intervir. A solução encon­
zades. sionar o seu veto. trada foi a de instituir-se uma “ cédula
Terminada a luta, tendo criado es­ oficial” , impressa pelo Estado,como de­
treitos laços de amizade com Benedito sejava a UDN, mas distribuída pelos
Valadares, logo que esse é nomeado in­ partidos, do que não abriu mão o PSD.
terventor em Minas, Juscelino recebe um
convite para chefiar a sua Casa Civil.

Em 1934, apoiado pela máquina do


Estado, elege-se deputado federal e, seis
anos depois, pelas mãos poderosas de
seu padrinho, é nomeado prefeito de
Belo Horizonte.
Valadares jamais se decepcionaria
com o seu afilhado. Juscelino à frente
da Prefeitura de BH poderia ser quali­ O presidente eleito trava no momen­
ficado como brilhante. Nela permanece to a mais importante e difícil batalha
até 1945, quando acontece a queda de política de sua carreira. Persuadir seus
Vargas. A essa altura já tinha consoli­
advèrsários e anular as forças que se
dado prestígio suficiente para ambicionar opõem à sua investidura será sem dúvida
postos mais elevados. uma tarefa gigantesca. Se vencer esse
Nas mesmas eleições que levam Ge- desafio, ter-se-á mostrado um herdeiro
túlio de volta à Presidência, Kubitschek à altura de ocupar o posto de Vargas.
conquista o governo do Estado. Exerce Se falhar, levará consigo o futuro de­
uma administração dinâmica cuja prio- mocrático do Brasil.
A oposição'tentava desesperadamente impedir a investidura dos
eleitos no pleito de outubro. As palavras de Lacerda conclamando
uma rebelião ecoavam pelos quartéis e encontravam alguma resso­
nância. A palavra de ordem era “agora ou nunca”. A posse de Jus-
celino, para muitos, significava o desmantelamento das oposições
que não resistiríam a mais 5 anos de jejum do poder. Nas tribu­
nas e nos tribunais clamava-se pela impugnação das eleições, pelo
impedimento dos candidates eleitos.

Durante todo o mês de outubro o presidente Café Filho pro­


curou fazer vista grossa às denúncias de conspiração e golpes de
Estado. Tentava ganhar tempo até janeiro quando se daria a pos­
se e os fatos estariam consumados. Não -conseguiu. Ainda em
outubro, um coronel da Escola Superior de Guerra fazia um
pronunciamento público conclamando os militares a não per­
mitirem a investidura de Juscelino e Goulart. Configurava-se o im­
passe.

— 101
EXPLICAÇÃO IMPORTANTE

O jornal “A Notícia”, publicado a seguir, é fictício, constituindo-


se num recurso literário para ambientar a época e detalhar os fatos
que nela ocorreram.

í-
As matérias nele encontradas foram redigidas pelo autor a partir
de fatos compilados por esse nos jornais e revistas do período en­
focado.

O autor possui cópias xerografadas de todas as publicações que


serviram de fonte a esse texto.
A NOTÍCIA * São Paulo, 11 de novembro de 1955 *

AGRAVA-SE A CRISE NO PAIS!


PUNICAO AO CEL. forcas armadas
MAMEDE? estariam divididas
O ministro da Guerra, ge­ Superior de Guerra, fora Durante os últimos dias o uma, legalista até às últimas
neral Lott, comunicou à im­ portanto do seu comando di­ conseqüências, defendería a
prensa que ainda hoje irá assunto que monopoliza as
reto. posse dos eleitos, com armas
ao Palácio do Catete solici­ rodas políticas são os insis­
tar ao novo presidente uma Afirma o ministro que tentes rumores que dão conta se preciso. A outra estaria
imediatamente procurou o de uma grave cisão que es­ compelida a anular o pleito
licença para punir o coronel e realizar uma intervenção
Bizarria Mamede, pelo dis­ presidente Café Filho, pedin­ taria ocorrendo no seio das
do o retorno do coronel aos saneadora no governo para
curso por este pronunciado Forças Armadas quanto ao apagar os vestígios da estru­
durante o enterro do general quadros do Exército. O ' pre­ resultado das últimas elei­
sidente teria pedido um tura varguista. A primeira
Canrobert. ções. corrente de opinião seria
prazo para refletir sobre o
Na ocasião o coronel teria assunto. Com o seu interna­ Segundo esses comentá­ predominante entre os ofi­
se manifestado a favor de mento no hospital a solução rios haveria no oficialato ciais do Exército e a segun­
um golpe militar para. impe­ foi adiada até a posse do duas correntes de opinião; da nas outras duas Armas.
dir a posse do presidente presidente interino.
eleito Juscelino Kubitschek.
Segundo o ministro, o coro­ Segundo seus assessores o
nel só não foi preso imedia­ ministro declarou-se disposto
tamente porque estava sob li­ a demitir-se caso o presiden­
cença a serviço da Escola te Luz recuse sua solicitação.

UDN CONTRA A
POSSE DOS ELEITOS
A União Democrática Na­ aguardam ansiosos o parecer
cional entrou com processo dos juizes. Na hipótese de o
na Justiça Eleitoral no sen­ Tribunal julgar procedentes
tido de anular a eleição de os argumentos da UDN po­
Juscelino Kubitschek e João derão surgir duas soluções:
Goulart, candidatos a presi­ a ocorrência de nova eleição,
dente e vice-presidente vito­ indireta, ou a simples dedu­
riosos no pleito de 3 de
outubro. Justificando seu re­
ção do total de votos obtidos
pela chapa vencedora dos EXTRA!
curso com a não ocorrência
de maioria absoluta na elei­
possíveis votos obtidos com
o apoio dos comunistas. Em LOTT DEMITIU-SE!
ção e também com o fato da qualquer desses casos, os O ministro da Guerra, general Henrique Tei­
chapa vencedora ter sido analistas são unânimes em xeira Lott,acaba de ser demitido pelo presidente
apoiada pelo proscrito Parti­ prever a ocorrência de uma Carlos Luz. A exoneração se deu durante a au­
do Comunista, os udenistas grave crise institucional. diência que o ministro lhe solicitara e na qual exi­
giu a punição imediata do coronel Mamede pelas
declarações que prestara a favor de um golpe de
licencia-se o Presidente Estado contra a posse de Juscelino Kubitschek e
João Goulart.
Vitimado por um enfarte caso de impedimento do vice- Segundo as informações obtidas, o presidente
; no dia 28 do mês passado o presidente. recusara-se a tomar a atitude solicitada, mediante
presidente Café Filho reque­ o que o ministro declarou que não mais perma­
Recorda-se que Café Filho,
reu licença ao Congresso Na­ necería no cargo. Fontes acreditadas afirmam que
cional para tratamento de vice-presidente, assumira a
Presidência em caráter defi­ a demissão de Lott fazia parte dos planos do novo
saúde. Assumiu em seu lu­ presidente, visto ]6 haver convidado o general
gar o presidente da Câmara nitivo por ocasião da morte
Fiúza de Castro para a Pasta antes mesmo da au­
dos Deputados, Carlos Luz, de Getúlio Vargas, no ano
diência com Lott.
substituto constitucional no passado.
í_______________________
TOM A P O SSE O NOVO
OQUEÉA
P R E SID E N T E
E SG ?
CAFÉ NA C A M A TRAZ LUZ AO PALÁCIO DO CATETE
Paira acima do Exército, da Marinha
e da Aeronáutica. Submete-se apenas ao
Estado-Maior das Forças Armadas. Afi­
Com a concessão de uma licença de Se tal informação for verídica a Na­
nal que entidade é essa que consegue
30 dias ao presidente Café Filho para ção se encontra à beira de um impasse,
desautorizar um ministro da Guerra?
restabelecer-se da crise cardíaca de que visto que o ministro da Guerra deverá
foi vítima, tomou posse o presidente da procurá-lo hoje para resolver o caso Ma- A Escola Superior de Guerra foi fun­
Câmara Federal, deputado Carlos Luz. mede. dada em 1949, tendo como idealizador
O novo presidente assume em meio a o general Cordeiro de Farias. Pode-se
uma grave crise político-militar cujo de- afirmar com certeza que se trata de uma
senlace é aguardado com expectativa por ramificação tardia do movimento tenen-
toda a população brasileira. tista das décadas de 20 e 30, quando jo­
vens oficiais resolveram sair a público
defendendo reformas na estrutura sócio-
Cafe esfriou de propósito? econômica da Nação.

O Rio de Janeiro tornou-se nesses A idéia de se criar um centro de es­


dias a capital mundial dos boatos. Co­ tudo militar nasceu da campanha Expe­
menta-se à boca pequena que o enfarte dicionária na Itália, ocasião em que os
do presidente Café não passa de uma oficiais brasileiros tiveram oportunidade
manobra de sua parte para evitar en­ de trabalhar em estreito contato com o
frentar o problema da punição de Ma- exército americano. A superioridade bé­
mede. Outra informação que tem cir­ lica e social dos Estados Unidos, que
culado com insistência é a de que o pre­ muito os impressionou, mais a constata­
sidente interino Carlos Luz, deputado ção de crescente bipolarização do mun­
pessedista da Zona da Mata mineira,es­ do, em tomo das duas grandes potências,
taria ligado aos grupos radicais que vi­ deixou clara a esses oficiais a necessi­
sam a impedir a posse em fevereiro do dade de um posicionamento de todas as
próximo ano dos candidatos eleitos. nações em relação aos dois blocos em
litígio. Era o início da guerra fria.
Poucos anos depois foi fundada no

0 CORONEL (É) Brasil a ESG, instituição nos moldes do


National War College, do qual contou
com auxílio técnico.
Apesar do nome essa instituição não

0 LOBISOMEM
Chovia forte naquela tarde quando cença, servindo na Escola Superior de
se restringe a estudos militares, tendo
objetivos de muito maior alcance. Sua
doutrina engloba visões próprias a res­
peito do papel do Estado na economia
estava sendo enterrado com glórias mi­ Guerra, fora da jurisdição do Ministério. e na sociedade. Segundo o general Cor­
litares o general Canrobert Pereira da deiro de Farias, “ o impacto da FEB foi
Costa. Os discursos que se sucediam O problema não é tão simples como tal que voltamos ao Brasil em busca de
eram breves devido ao mau tempo e aparenta. Para punir o coronel indisci­ modelos de governo que pudessem fun­
também visando a poupar a família do plinado, o general Lott deve recorrer à cionar: ordem, planejamento, racionali­
general. Subitamente faz uso da palavra Presidência da República e nessa instân­ zação das finanças. Como não temos
um orador não programado: cia, como se sabe, as decisões não são esse modelo no Brasil tomamos a deci­
regimentais e sim políticas. Neste País são de procurar meios para encontrar o
“General Canrobert, aqui estamos onde Presidente Prudente vira cidade caminho a longo prazo. A ESG nasceu
à beira do seu túmulo ( . . . ) e' presidente imprudente não dura no da experiência da FEB com essa fina­
cargo, nenhum inquilino do Catete ousa­ lidade” .
Não será por acaso indiscutível men­ ria punir um militar como o coronel
tira democrática ( . . . ) uma vitória da Mamede, ligado à Cruzada Democrática A ideologia da Escola Superior de
minoria? ( . . . ) ” e ao grupo de coronéis que compõem a Guerra é informalmente conhecida co­
O discurso seguiu por essa linha nova Inteligência Militar, encastelados mo “Doutrina de Segurança Nacional” ,
conclamando claramente no final os mi­ na ESG. Café não quis fazê-lo, nada in­ abrangendo noções de uma neociência
litares a intervirem no processo suces­ dica que Luz tenha essa intenção. Mui­ intitulada Geopolítica, cujo principal
sório. Tal exaltação foi ouvida pelo mi­ to pelo contrário, aliás. Após o discurso teórico é o tenente-coronel Golberi do
nistro da Guerra, presente à cerimônia, de Mamede um dos cumprimentos mais Couto e Silva. Seus cursos são também
que só não prendeu o orador devido a efusivos que esse recebeu foi exatamente ministrados para civis, sendo o jornalis­
problemas regimentais do Exército. O o do presidente da Câmara, Carlos Luz. ta Lacerda um dos alunos da turma de
coronel Bizarria Mamede estava em li­ Vai mal este País. . . 1954.
em legalidade para entregar o Brasil a
contraventores e criminosos do pior dos
crimes que é o de enganar o povo com
o dinheiro que lhe roubam.”

4 de novembro
“Essa é a hora de decisão das For­
O nome é “Tribuna da Imprensa” , se tornaram mais candentes, tendo o sr. ças Armadas ( . . . ) . ”
mas bem podería chamar-se “A Tribuna Lacerda inclusive publicado, às vésperas
de Lacerda” , visto sua linha editorial ser do pleito, uma denúncia segundo a qual 9 de novembro
uma extensão da personalidade de seu Goulart estaria ligado ao ditador argen­ “ ( . . . ) Esses homens não podem
proprietário. tino Peron, no sentido de provocar uma tomar posse, não devem tomar posse,
revolução armada no Brasil. O do­ nem tomarão posse.”
O nome nasceu do título de uma co­ cumento comprobatório seria uma carta
luna publicada pelo jornalista Lacerda supostamente redigida pelo deputado ar­ Segundo afirmações do jornalista La­
no “Correio da Manhã” , em meados da gentino Brandi, negociando com Jango cerda, “é preciso não só uma reforma
década de 40, na qual dava a sua visão o contrabando de armas para equipar da legislação eleitoral como também
sobre o andamento da Assembléia Cons­ milícias populares. Posteriormente foi uma reforma profunda no Brasil, para
tituinte. Após deixar o Correio, Lacer­ provada a falsidade do documento que desintoxicá-lo de vários anos de ditadu­
da, junto a alguns amigos fundou esse ficou conhecido como “Carta Brandi” . ra, de vários anos de demagogia, de vá­
jornal que hoje é um dos mais importan­ rios anos de propaganda pessoal de um
Após os resultados do pleito o jor­ mito” . Para tanto prega “um regime de
tes do País. Sua linha é de aberto com­ nal adquiriu uma postura claramente exceção, um regime de transição ‘du­
bate ao espólio do getulismo e ultima­ golpista, conclamando as Forças Arma­ rante o qual’ seria desmontada a má­
mente tem se manifestado contra a posse das a não permitir a posse dos eleitos. quina do Ministério do Trabalho, do pe-
de Juscelino na Presidência. A seguir publicamos trechos de editorais leguismo sindical” .
da Tribuna da Imprensa:
Desde o suicídio de Vargas o jornal "É preciso dar à democracia aqueles
tem pregado o adiamento das eleições, instrumentos sem os quais o simples ato
5 de outubro
sob o argumento de que o forte clima de votar não significa um ato democrá­
emocional resultante da tragédia não “ ( . . . ) Apelamos a quem tem nas tico, porque é precedido por uma má­
permitiría ao eleitorado votar conscien­ mãos a força capaz de decidir a ques­ quina antidemocrática, cujo resultado só
temente. Após o lançamento da candi­ tão. ( . . . ) Basta que ouçam a voz de pode ser contrário ao interesse legítimo
datura Juscelino-Goulart, seus editoriais seu patriotismo e não a dos que falam dc progresso da democracia.”

M O D E R A D O S E R A D IC A IS C O N TR A
A P O S S E D E JU SC E L IN O
A corrente moderada da UDN tenta de Juarez Távora. São escassas as pos­ A ala oposicionista mais radical con­
na Justiça obstar a posse de Juscelino e sibilidades de aprovação. centra-se no “Clube de Lanterna” , orga­
Goulart. Contrário a qualquer solução nização fundada em 1954 e dirigida pelo
extralegal, o grupo que tem por líder jornalista da “Tribuna da Imprensa” ,
o brigadeiro Eduardo Gomes e o líder Amaral Neto. Trata-se de um núcleo de
da UDN na Câmara, Afonso Arinos, ação política cuja plataforma defende
entrou na justiça eleitoral com recur­ uma intervenção militar para impedir a
so alegando a não-ocorrência de maioria posse dos candidatos eleitos no pleito
absoluta e também a participação ilegal de outubro. Apesar de não pertencer ao
do Partido Comunista no pleito. corpo diretivo o deputado Lacerda é
considerado seu mentor intelectual.
A primeira alegação tem poucas
chances de obter parecer favorável visto Os “lanterneiros” abrangem vários
já haver jurisprudência contrária desde setores da sociedade, havendo estudan­
o pleito de 1950. Sendo assim, os es­ tes, militares, uma corrente feminina e
forços udenistas se concentram na se­ até elementos graduados do governo.
gunda, baseada em parecer do jurista Há poucos dias houve tumultos na Câ­
Raul Fernandes que sustenta a dedução mara de Vereadores do Distrito Federal,
no total de votos de Juscelino do mon­ quando o edil Wilson Passos ocupou a
tante obtido pelos comunistas na última tribuna para pregar abertamente o gol­
eleição em que compareceram legalmen­ pe. O incidente terminou em luta cor­
te. Sendo esse montante (500 mil vo­ poral, sendo necessária a intervenção do
tos) mgior do que a diferença entre o corpo de segurança da Casa.
primeiro colocado e o segundo, a acei­ Corre o boato de que até Carlos Luz
tação de tal tese implicaria a eleição Arinos: pela solução legal está ligado ao grupo.
\ ____________ _ _____________ ____________ __ _____________ J
Nunca foi provada a existência real da conspiração contra a
posse de Juscelino. Lacerda posteriormente alegou que tal não pas­
sara de um descontentamento difuso, sem nenhuma estrutura que
pudesse levar a uma ação efetiva.

Se houve ou não intenção de se impedir a investidura de Ku-


bitschek, a partir de 11 de novembro tal discussão tornou-se aca­
dêmica. O general Lott, acreditando na sua existência, mobilizou
todo o Exército Nacional contra a sua eventualidade.

O dia 11 de novembro passou para a história do Brasil como


o “Dia da Legalidade Ambígua” : Lott afirmando que os adeptos
de Luz e Lacerda conspiravam contra a legalidade; e esses respon­
dendo que ilegal, sim, fora a deposição de Luz, presidente legalmente
investido.

— 107 —
EXPLICAÇÃO IMPORTANTE

O jornal “A Notícia”, publicado a seguir, é fictício, constituindo-


se num recurso literário para ambientar a época e detalhar os fatos
que nela ocorreram.

As matérias nele encontradas foram redigidas pelo autor a partir


de fatos compilados por esse nos jornais e revistas do período en­
focado.

O autor possui cópias xerografadas de todas as publicações que


serviram de fonte a esse texto.

— 108 —
. A NOTÍCIA
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___________________* São Paulo, 15 de novembro de 1955 * _____________

/" GOLPE GARANTE DEMOCRACIA!


DEMITIDO DEMITE CRUZEIRO CfVICO NO EMPOSSADO MAIS
DEMISSOR ATLÂNTICO SUL UM PRESIDENTE
Deu pane no circuito hie­ Após reunirem-se no Mi­ Com o Catete sem Luz ur­
rárquico brasileiro. Numa
atitude de fazer vibrar seus
nistério da Marinha, Luz,
Lacerda e seus companhei­
congresso gia encontrar-se um substitu­
to. Na prateleira constitucio­
colegas bolivianos o ministro
Lott, da Guerra, ao ser exo­
ros decidiram lançar-se ao
mar com o objetivo de insta­
vive dia nal ainda havia um sucessor
em estoque, o vice-presiden­
nerado decidiu-se pela saída
sem resistência. Saída, é cla­
lar um governo provisório
em São Paulo, onde espera­
de glória te do Senado, Nereu Ramos,
o qual foi comunicado de sua
vam contar com o apoio do
ro, do presidente Carlos Luz. requisição por uma comissão
governador Quadros. Em­
Para fazê-lo recorreu a anti­ barcados no Tamandaré, ar­ de deputados. Ao encontrá-
ga jurisprudência: a de que queológico cruzador da Ar­ lo em seu gabinete os parla­
tropas na rua têm sempre Num singular gesto de in­ mentares lhe entregaram a
mada, zarparam do Rio sob
razão. dependência o Poder Legis­ moção da Câmara. Ramos a
fogo do Forte de Copacaba­
lativo, em sessão extraordi­ leu e argumentou que não
na, só escapando por contar
Decidiu-se pela interven­ nária na manhã do dia 11,
com a cobertura de um car­ poderia acatá-la antes de sua
ção após ter constatado, se­ aprovou por larga maioria a
gueiro estrangeiro que ali apresentação ao plenário do
gundo afirmou em entrevista passava. sugestão de Lott de declarar
vago o cargo presidencial. Senado. Este, após uma bre­
à imprensa, que o presidente Já em alto mar, Carlos ve e pouco veemente resis­
Luz estava conspirando com Luz enviou telegrama a ter­ Às 11 horas da manhã, os tência, acabou por aprová-la
Lacerda para evitar a posse ra informando ainda ser pre­ sonolentos deputados, após também. Nereu aproveitou a
de Juscelino e Goulart. Co­ sidente, à procura de terras ouvirem a leitura oficial do ocasião para proferir um his­
meçara os preparativos logo mais seguras. O esforço te­ telegrama de Luz, iniciaram
tórico discurso onde afirmou
após deixar o Catete na noi­ legráfico mostrou-se inútil, os debates sobre a constitu-
assumir tal encargo “na cer­
te do dia 10. Não tivera visto naquele instante o Con­ cionalidade do golpe do mi­
gresso estar já deliberando a nistro da Guerra. O toque de teza de que esse é o melhor
maiores dificuldades, afir­
sua sucessão. bom senso ficou por conta de caminho para a concórdia
mou, porque todos os co­
Comunicado da existência Gustavo Capanema que aler­ nacional” .
mandos estavam do seu la­
do. Às 6 da manhã, quando de um novo presidente e tam­ tou os deputados sobre a
inutilidade de discutir um fa­ O novo presidente foi em­
já estava tudo pronto, enviou bém da má vontade de Qua­
to consumado. Uma recusa possado às 18,40h, no Pa­
uma escolta ao palácio para dros , para hospedar um go­
a declarar a vacância do car­ lácio do Catete. Não sem
prender o presidente, a qual verno desempregado, Luz
go significaria o fechamen­ antes ter feito uma visita ao
reúne seu Ministério e decide
não o encontrou. Fugira pa­ to do Congresso e a conse- Ministério da Guerra com o
entregar-se.
ra o Ministério da Marinha qüente perda de seus empre­ intuito de verificar se seu he­
no ventre de uma ambulân­ gos. Premidos entre a defe­ róico gesto tinha realmente o
Ao som de marchinhas e aval dos militares.
cia. Na falta de Luz, acaba­ dobrões o cruzador volta ao sa dos próprios interesses, os
ram por levar o novo minis­ porto para júbilo dos banhis­ deputados tomaram uma ati­
tude heróica: com base em Sem Luz nem Café, os
tro da Guerra, Castro, o qual tas, que da praia assistiam brasileiros esperam ao menos
passa à História como o mais dispositivo constitucional a-
extasiados. Luz voltou à Câ­ ter presidente em fevereiro
breve ministro do Brasil: 6 provaram o impedimento de
mara e Lacerda refugiou-se próximo. Longa vida a Jus­
horas no exercício do cargo. Luz.
na Embaixa.da de Cuba. celino.

Q GALERIA PRESIDENCIAL
Círitorial
A F IN A L ,Q U E M É D EM O C RATA?
Dá-se um golpe para salvar a de­ O problema é bem mais grave do datos amparados pelo poder econômico.
mocracia de outro golpe, o qual não que aparenta e dele não estão excluídos Tanto Lacerda como os comunistas a-
chegara nem a sair do papel. O povo nem os utópicos nem os moralistas, firmam textualmente que as eleições no
brasileiro ainda não tem opinião forma­ nem mesmo os socialistas e comunistas. Brasil são uma farsa para esconder o
da a respeito do fato, mesmo porque caráter despótico do regime brasileiro.
quando acordou no dia 11 de novem­ Uma análise mais detalhada do pro­ Os comunistas visando a acabar com a
bro já estava tudo resolvido. Qualquer grama destes últimos, editado em no­ opressão já tentaram o seu golpe em
um que tentasse tomar partido através vembro de 1955, surpreende pela seme­ 1935, Lacerda pelas mesmas razões quis
do estudo detalhado do ideário das duas lhança com o ideário de Lacerda, con­ dar o seu agora.
facções golpistas chegaria a uma con­ siderado unanimemente como homem
clusão frustrante: ambas tinham exce­ de direita e principal ideólogo do golpe A lição que nos resta dos recentes
lentes justificativas para seus planos. O contra a posse de Kubitschek. e lamentáveis episódios é de que não
golpe abortado visava a implantar a de­ é esse o caminho.
mocracia verdadeira, o golpe nascido Lacerda alega que as eleições bra­
garantiu a democracia existente. O pri­ sileiras não são legítimas porque o po­ Sempre que alguém levanta armas
meiro falava em legitimidade, o segun­ der econômico predomina, o voto não pela causa democrática, fatalmente en­
do em legalidade. Ambos falavam em é livre e o eleitor é sujeito a pressões contra alguém que o combata, levantan­
democracia, ambos atentaram contra poderosas. O pragrama do PC afirma do as mesmas armas, escorado na mes­
ela. a mesmíssima coisa: a atual Constitui­ ma causa. E quando isso ocorre, a de­
Contradições próprias do ideário ção é um código de opressão contra o mocracia, pretexto primeiro de ambos,
burguês, argumentaria algum pensador povo, as eleições da forma como são passa a ser a prioridade última de
das esquerdas. Seria mesmo? feitas só permitem a eleição dos candi­ todos.

CRUZADOR TAMANDARE: A DEMOCRACIA TIRA FERIAS NO MAR


A DURA CONVIVÊNCIA DEMOCRÁTICA

(Entrevista com Odon Pereira — 4.a Parte)

A História do Brasil é a história dos golpes no Brasil?

ODON — O político brasileiro que disser que nunca participou


de uma conspiração ou tentativa de golpe é muito jovem ou men­
tiroso.

Por que o golpismo é tão freqüente na nossa História?

ODON — Porque na verdade a democracia não é, como mui­


tos pensadores procuram dizer, um sentimento inerente ao homem,
isto é, ninguém é democrata independentemente das circunstâncias.
A democracia é uma imposição em que vive o homem, porque o
convívio com o contrário, com a adversidade, é extramente pro­
blemático.

Existem teses, por exemplo, que afirmam ser a democracia uma


questão de etnia. Assim havería povos que seriam predestinados para
tal convivência, povos educados, cultos, civilizados. E por outro lado
haveria povos sem condições para tanto: selvagens, subdesenvol­
vidos, despreparados para uma forma de convívio tãc elevada. Mas
qual é a experiência real?

A História nos mostra que os países democráticos, aqueles que


nós admiramos como democráticos, quase sempre que neles ocor­
reram situações de desequilíbrio, os seus regimes se tornaram vio­

— 111 —
lentos e opressores. Quando Hitler instalou sua ditadura em todo o
continente europeu o que fez a quase totalidade dos políticos e elites
dominantes da época? Ou figiram ou aplaudiram, pelo menos no
primeiro momento.

Aliás essa é uma questão que deveria ser desmistifiçada para ser­
vir de exemplo ao futuro. O nazismo não dominou a Alemanha, a
Áustria e arredores, simplesmente pelas armas. Mesmo ele tinha uma
ideologia de caráter "democrático", "libertário” e "igualitário”. Se­
gundo o Mein Kampf a solução para os problemas do mundo era a
criação de uma sociedade fraternal, solidária, onde os homens dei­
xassem de lado suas ambições pessoais e lutassem pelo bem comum.
O problema, de acordo com a ideologia deles, era que nem todas as
raças tinham provado historicamente ter essa vocação solidária e co-
letivista. Enquanto os arianos teriam dado provas de sobra de pos­
suírem tal mentalidade, os semitas haviam mostrado o contrário:
egoístas e cruéis, eles deveríam ser eliminados para que o mundo pu­
desse ser feliz. Foi almejando tão "nobres” fins que se cometeu a
maior das barbáries da História moderna. E com o apoio entusiás­
tico de grande parte da população.
ODON — De fato, ninguém pode afirmar que a Wherchmath
dominou a Europa apenas com c peso de suas botas.
Mas, voltando à democracia brasileira, por que é que a esquer­
da e a direita vivem pensando em esmagar uma a outra? Porque aí
existe uma falta de inteligência, uma falta de sensibilidade que nas­
ceu também da ausência de interesses materiais, objetivos, a serem
defendidos.

Nós brasileiros vivemos dizendo que somos o mais inteligente,


o mais sensível, o mais esperto dos povos. Não somos não. Pelo
menos no que se refere à prática política. Isso por que em outros paí­
ses cada parte aprende, depois de dois ou três embates, que não dá
para liquidar a outra, ou pelo menos percebe que pode liquidá-la
numa primeira etapa, mas em seguida é ela quem cai.

No Brasil não. Os políticos de ambos os lados vivem sonhando


e articulando as suas revoluções saneadoras ou libertadoras sem
perceber que assim todos contribuem para destruir o equilíbrio de­
mocrático tão duramente conquistado.

— 112 —
A democracia é um sistema repressivo a sua maneira por que ga­
rante o convívio na diversidade. Não existe coisa mais irritante para
um homem do que ter certeza de que está do lado da verdade e seu
adversário não concordar com isso. . .

Ela garante a pluralidade de opiniões e a circulação de idéias


por que cada um dos oponentes tem ciência de que não punirá o
outro sem prejuízos para si próprio. Mas essa convicção não se tem
senão pelo aprendizado histórico.

A seu ver, então, a esquerda e a direita brasileiras seriam auto­


ritárias?

ODON — Sim. mas eu gostaria de fazer uma ressalva: na mi­


nha opinião qualquer força é autoritária. A diferença é que há for­
ças que aprendem que não podem ser autoritárias e há outras que
não aprendem. Isso depende muito de inteligência, sensibilidade,
competência enfim. E competência é uma mercadoria altamente es­
cassa na política brasileira.

113 —
CAPÍTULO 4 — 1958

‘Quadros entrou no cenário político como um corpo


estranho, por excelência.

A atração de Jânio baseavct-se na sua imagem como o


antipolitico”, o amador honesto que oferecia a possibilidade
de uma modificação radicai em relação aos detentores do an­
tigo estilo.”

[Thomas Skidmore in "Politics in Braz.il” )

115 —
Corria o ano de 1958.

Por trás da Cortina de Ferro numerosas convulsões demons­


travam que a supremacia russa estava sendo contestada dentro do
bloco socialista.

Desde 1956 quando Kruchev discursara no Congresso do PCUS,


trazendo à tona as barbáries de seu antecessor Stalin, um rastilho de
insatisfação passou a correr pelas periferias do imenso império. Na
Polônia, manifestações-monstros de protesto quase põem por terra
a dominação russa. Na Hungria, a ameaça tornou-se real. Inre
Nagy, chefiando uma contra revolução tomava o poder e declarava
a nação separada do pacto de Varsóvia. Pela primeira vez na his­
tória do pós-guerra a hegemonia soviética era posta à prova. Aquilo
que seria um grito de liberdade foi imediatamente abafado pelo ran­
gido dos tanques. O líder rebelde, bem como o seu ministério, seria
executado após julgamento sumário.

Na França, De Gaulle era convocado para assumir o comando


da Nação e salvar a quarta república, açoitada pelos ventos separa­
tistas argelinos. O general, que renunciara em 1946 por não encon­
trar condições institucionais que lhe permitissem levar a cabo sua
obrà, agora voltava com força consideravelmente maior. Munido
de poderes excepcionais, quando todos esperavam que massacrasse
a Argélia, o herói de duas guerras sentava-se à mesa para negociar
a paz.

— 117 —
No Oriente Médio, Israel voltava às suas antigas fronteiras, ce­
dendo às pressões americanas e soviéticas para que devolvesse o
Sinai aos egípcios.

Na América do Sul, o candidato das oposições Arturo Frondizi


vencia o pleito argentino, assumia o poder e encerrava meio decê­
nio de governo militar. Também os uruguaios levavam a oposição
ao poder, desalojando o partido colorado que o dominava havia
quase um século. Menos sorte teve o Paraguai: Stroessner, que che­
gara ao poder 4 anos antes através de um golpe militar, trabalhara
eficientemente no sentido de anular as oposições. Agora assistia
ao coroamento de seu trabalho elegendo-se presidente com uma
inédita e suspeita maioria de 1007c.

Sob a inspiração dos primeiros satélites artificiais que come­


çam a trilhar o espaço, aqui na Terra o assunto do momento era o
perige armamentista. Em todas as rodas discutia-se a possibilidade
de um conflito entre as duas superpotências, o perigo de um ataque
americano ou soviético.

Tratava-se de um temor das elites, é claro. Nos bares, tal assun­


to não preocupava porque os russos não tinham ataque e os ame­
ricanos nem seleção. Time bom, mesmo, era o brasileiro que con­
quistara a Copa do Mundo, vencendo russos, franceses, ingleses
e suecos.

118 —
— II —

Desde que assumira o governo de S. Paulo, para desconsolo


de muitos, Jânio vinha provando não estar brincando. Seus primei­
ros decretos, logo após sua posse, foram de demissão em massa de
funcionários públicos nomeados por favor e apadrinhamento polí­
ticos nas gestões anteriores. **

Quadros assumiu em 31 de janeiro de 1955. Já a 10 de feverei­


ro baixava o Decreto n.° 24.313, através do qual exonerava:

“ ... todos os extranumerários mensalistas e diaristas cuja ad­


missão tenha sido feita após l.° de janeiro de 1954.”

Alguns dias depois baixava outro decreto estendendo as de­


missões :

“ ... a todos os extranumerários, mensalistas e diaristas cuja ad­


missão tenha sido feita após l.° de janeiro de 1953.”

Além dessas demissões, o novo governador mandava recomen­


dações a todas as Secretarias de Estado no sentido de que reduzis­
sem ao máximo todo e qualquer tipo de despesas.

Não se passaram três meses e o governadcr convocava a im­


prensa para anunciar a extinção de duas Secretarias, a do Traba­
lho e a da Administração, qualificando-as de “meros cabides de
emprego”.

— 119 —
A nova gestão, segundo comunicou ao secretariado em sua pri­
meira reunião formal, seria baseada num espírito de total e irrestrita
economia, no sentido de saldar as dívidas contraídas na adminis­
tração anterior e criar uma mentalidade austera no trato do dinheiro
público. Anunciou também que “a partir daquele momento esta­
vam todos sob uma ditadura”. A ditadura implacável do professor
Carvalho Pinto, secretário da Fazenda, ao qual daria todo o respal­
do necessário na luta contra as despesas supérfluas. Quanto aos
cortes orçamentários explicou que “ seria cortado não apenas o su­
pérfluo, mas também o necessário, só restando o imprescindível”.

Ao mesmo tempo nomeava comissões de inquérito para averi­


guar todas as irregularidades administrativas existentes nos diversos
departamentos do governo estadual. As punições não demoraram
a aparecer e, para surpresa geral, não poupavam sequer funcionários
graduados ou politicamente amparados.

Essa inédita política administrativa proporcionou-lhe duas si­


tuações contrárias.

Em poucos meses contava com a quase total oposição dos


membros da Assembléia Legislativa os quais se sucediam na tribuna
para tachá-lo de irresponsável, rancoroso, vingativo e inimigo dos
servidores públicos.

Mas, por outro lado, tornava-se um nome nacionalmente co­


nhecido e acatado como administrador austero e obstinado. A po­
pulação de S. Paulo exultava com seus irreverentes bilhetinhos,
através des quais interferia diretamente nos problemas de cada re­
partição e também com as suas “incertas”, incursões que fazia aos
órgãos públicos sem comunicação prévia e nos mais inusuais horá­
rios para averiguar o seu funcionamento.

Era comum o governador “materializar-se” num pronto-so­


corro de hospital estadual ou em uma delegacia de polícia às 4 ho­
ras da manhã e, lá mesmo, após constatar irregularidades, proceder
à demissão dos responsáveis. Tal prática obtinha grande repercussão
e lhe garantia dois efeitos favoráveis: por um lado levava cada um
dos funcionários do Estado, atemorizado com a perspectiva de uma
visita à sua repartição, a trabalhar com mais zelo, melhorando o

— 1 2 0 —
serviço em geral; e por outro lhe proporcionava considerável au­
mento em seu prestígio, visto que a população sentia nessas atitudes
uma poderosa garantia contra os abusos e a opressão de que era
vítima por parte dos órgãos públicos.

A política de austeridade e racionalização dos serviços públicos,


auxiliada por uma conjuntura favorável, permitiu ao governo Qua­
dres realizar obras de vulto em todo o Estado de S. Paulo. Os re­
sultados puderam ser colhidos nas eleições de outubro de 1958,
quando o seu candidato ao governo enfrenta nas urnas o temível
Adhemar de Barros, então prefeito da capital, e vence com folgada
vantagem.

Após a divulgação dos resultados oficiais da eleição o Palácio


dos Campos Elísios mergulha em clima de euforia. Não só se efe­
tivara a única vitória situacionista em todas as eleições para gover­
nador, realizadas naquele ano, como também o nome de Jânio fir­
mava-se no firmamento da política nacional como o mais forte
candidato à sucessão de Juscelino Kubitschek.

121
EXPLICAÇÃO IMPORTANTE

O jornal “A Notícia”, publicado a seguir, é fictício, constituindo-


se num recurso literário para ambientar a época e detalhar os fatos
que nela ocorreram.

As matérias nele encontradas foram redigidas pelo autor a partir


de fatos compilados por esse nos jornais e revistas do período en­
focado.

O autor possui cópias xerografadas de todas as publicações que


serviram de fonte a esse texto.

122 —
A NOTÍCIA 22 DE OUTUBRO DE 1958 ~

FESTA NOS CAMPOS ELÍSIOS


CARVALHO PINTO ELEITO GOVERNADOR; JÂNIO ELEITO DEPUTADO FEDERAL

O candidato da coligação por Adhemar. O segundo foi


situacionista Carlos Alberto direto com ambos se con­
Carvalho Pinto elegeu-se go­ frontando na disputa do go­
vernador do Estado de São verno estadual. Jânio ven­
Paulo para o quatriênio 59- ceu de roldão, ganhando de
62, após derrotar nas umas Adhemar até mesmo em sua
o cacique pessepista Adhe-' terra natal, São Manuel. No
mar de Barros. terceiro confronto ambos fo­
ram derrotados, Adhemar na
O professor Carvalho Pin­ condição de candidato a Pre­
to vinha exercendo o cargo sidência, Jânio apoiando a
de secretário da Fazenda do candidatura Juarez.
governador Jânio Quadros
até março desse ano, quan­ O quarto embate foi a re-
do desincompatibilizou-se pa­ vanche de Adhemar, elegen­
ra disputar a governança. É do-se prefeito em 1957 con­
considerado brilhante econo­ tra o candidato de Jânio, o
mista, e o principal artificie abnegado Prestes Maia. Ago­
do plano de recuperação eco­ ra Jânio foi à forra elegendo
nômica levado a cabo pelo seu candidato a governador
atual governador. contra o próprio dr. Barros.
OS ESTADOS E AS ELEIÇÕES
As eleições de outubro fo­
ram bastante disputadas visto Jânio Deputado O resultado das eleições O PTB logrou vencer no
que ambos os candidatos ti­ em todo País surpreendeu Ceará com Parçifal Barroso,
nham suficiente cacife para pela vitória generalizada das no Estado do Rio, com Ro­
tanto. Carvalho Pinto contou Outra vitória de Jânio oposições em nove dos dez berto Silveira e no Rio Gran­
com o apoio maciço da má­ ■ Quadros foi a sua eleição Estados "onde houve renova­ de do Sul, onde Leonel Bri-
quina administrativa esta­ para deputado federal pela ção de governadores. Com zola ecleticamente compôs-se
dual, mais uma coligação legenda do PTB paranaense exceção de São Paulo, onde com os integralistas de Plínio
partidária e a simpatia da obtendo a segunda votação elegou-se o candidato indica­ Salgado e os ademaristas do
grande imprensa. Adhemar daquele Estado sem nem ao do pelo governador Quadros, PSP, desvanecendo as aspi­
disputou as eleições na con­ menos tê-lo visitado. em todos os outros as oposi­ rações de Perachi Barcelos
dição de prefeito de São Pau­ ções locais, através de sur­ candidato da coligação PSD-
lo, cargo lesse que, embora O governador Quadros ne­ preendentes alianças, vence­ UDN-PL.
afastado por motivo de cessita desse mandato como ram os pleitos por larga mar­
desincompatibilização, conti­ ferramenta para manter-se à gem de votos. As alianças pouco conven­
nuou exercendo na prática. tona politicamente até as cionais predominaram nesse
Em Pernambuco uma iné­ pleito quer entre os vencedo­
eleições presidenciais de
dita e antisociológica com­ res quer entre os perdedores.
1960. A princípio tenciona­
posição da UDN com os re­ Para alguns isso representa o
Jânio 3 x 1 Adhemar va candidatar-se a senador
manescentes do Partido Co­ ..sepultamento do atual siste­
pela UDN do Mato Grosso,
munista levou ao poder o em­ ma partidário, para outros a
Essa foi a quinta vez que seu Estado natal. Não con­
presário Cid Sampaio derro­ situação é bem mais grave:
Jânio e Adhemar se confron­ seguindo a legenda decidiu
tando a tradicional coligação a própria classe política no
taram e o resultado é de 3 a aceitar a oferta do PTB pa­
PTB-PSD. Brasil passa por um desgas­
1 para o homem das vassou­ ranaense o qual lucrou enor­
ras. O primeiro embate deu- memente com a barganha: Na Bahia a UDN liderada tante processo de reciclagem
se em 1953 com a eleição nc rastro de Jânio elegeu na­ por Juraci Magalhães termi­ o que levaria a resultados
de Jânio para a Prefeitura da menos do que dois outros nou com um reinado pesse- imprevistos nas eleições pre­
contra o candidato apoiado deputados federais. dista de oito anos. sidenciais de 1960.
O GOVERNO JÂNIO Q U A D R O S -I
As Metas Foram Atingidas
“Administra melhor um político cer­
cado de técnicos do que um técnico
cercado de políticos.” (Prestes Maia
a respeito do estilo de Jânio)

Ao assumir o governo de São Paulo


em março de 1955, Quadros viu-se dian­
te de uma situação contraditória: pre­
tendia ao mesmo tempo sanear as finan­
ças do Estado e criar uma ambiciosa
infra-estrutura para o desenvolvimento
econômico. Para realizar essa segunda
meta era preciso eliminar os obstáculos
existentes, os pontos de estrangulamento
da produção, no caso paulista a escas­ dos tributos, taxas e impostos. A re­ dade de São Paulo e o volume de litros-
sez de energia elétrica e a inexistência ceita dessa forma reduzia-se mês a mês. dia na região do ABC multiplicou-se
de meios de escoamento. A construção por 8.
de usinas hidrelétricas e de estradas A solução encontrada foi a trans­
exigia vultosos investimentos o que cpn- formação das dívidas flutuantes do E s­
tado (curto prazo) em dívidas conso­ SAÜDE
trastava com a necessidade de economia
e contenção de despesas para equilibrar lidadas (pagamento amortizado a longo
prazo) através do Banco do Brasil. Des­ Na área de Saúde deixou-se como
o orçamento do Estado, cujos déficits saldo a conclusão dos hospitais de Ara-
sa forma o governo pôde começar a pa­
crônicos das duas últimas administra­ raquara, São Bernardo e Echaporã e as
gar suas contas em dia e iniciar sua po­
ções tinham endividado o Estado num obras dos hospitais de Catanduva e Ru-
lítica de obras públicas.
montante duas vezes maior do que o to­ bião Jr., em fase de acabamento. Ini-
tal de sua receita anual. Urgia encon- A GERAÇÃO DE ENERGIA ciou-se a construção do Hospital de
trar-se uma solução que conciliasse os Marília e ampliou-se em 3.000 leitos a
dois objetivos e para isso contribuiu a O Estado em 1955 encontrava-se capacidade dos demais hospitáis do Es­
assessoria de dois homens: Carvalho com uma grande demanda reprimida de tado. Construiu-se também 150 centros
Pinto, na Secretaria da Fazenda,e Faria energia elétrica, a qual tendia a agra­ de Saúde, 200 de puericultura e 200
Lima, na Secretaria de Viação e Obras var-se com a implantação do parque in­ unidades especiais no tratamento de de­
Públicas. dustrial planejado pelo então presidente sidratação infantil e permitiu a queda do
Juscelino. 90% da energia consumida índice de mortalidade infantil por desi­
SANEANDO AS FINANÇAS no Estado eram fornecidas por duas com­ dratação de 11% para menos de 2%.
panhias estrangeiras: a Light e a Bond
As primeiras medidas do governo
foram relacionadas com a dispensa em and Share, as quais hesitavam em reali­ “NÃO HA Ó GENTE, Ó N Ã O . . . ”
massa dos funcionários públicos nomea­ zar expansões devido à indecisão da po­
lítica tarifária do governo. Urgia que Segundo os assessores do governa­
dos por critérios políticos nas adminis­
o próprio Estado assumisse a responsa­ dor, os seus opositores estão desafiados
trações anteriores e a recolocação dos
bilidade. No mesmo, ano o govemo do a aprésentar outro governo na história
funcionários lotados nas duas Secreta­
Estado apresentou o seu Plano de Ele­ de São Paulo que tenha obtido “tão
rias que extinguiu: a do Trabalho e a
trificação abrangendo 17 usinas, das expressivo saldo de realizações” . “O go­
da Administração. A ordem da Secreta­
quais 9 seriam iniciadas ainda naquele vemo Jânio Quadros — prosseguem —
ria da Fazenda era para que se eliminas­ quatriênio. reduziu para a metade em valores reais
se toda e qualquer despesa supérflua ou
(deflacionados) a dívida do E stada O
desnecessária da administração pública A CONSTRUÇÃO DE ESTRADAS déficit crônico do orçamento, já em
o que incluía uso de viaturas oficiais,
1956 desapareceu e transformou-se em
viagens, festas, excesso de pessoal, etc. Na área de transportes, havia a ne­ superávit até 1958. O Banco do Estado
Para tanto foram nomeadas sindicâncias cessidade de criar-se vias de escoamen­ teve seus depósitos triplicados e a Caixa
'e equipes de consultoria na maioria dos to para a produção agrícola e a integra­ Econômica, pela primeira vez na sua
órgãos públicos para apurar a existên­ ção dos diversos centros regionais. Para
história, passou a acusar lucro.”
cia de descalabros e desperdícios. tanto foram implantados 230 quilômetros
dfe estradas de ferro, adquiridos 2.600 “Como se tal não bastasse — conti­
Enquanto se continham as despesas vagões e 150 locomotivas. Foram im­ nuam eles — nos quatro anos do gover­
urgia encontrar-se soluções pelo lado da plantados também 2.300 km de rodovias no Quadros a quilometragem das estra­
receita. O governo anterior, atolado asfaltadas. das asfaltadas paulistas foi multiplicada
em dívidas, recorrera nos últimos anos
por quatro, a capacidade de geração de
à emissão de bônus do Estado como for­ SANEAMENTO BÁSICO energia das usinas estaduais aumentou
ma de pagamento dos fornecedores e
em dez vezes.”
empreiteiros. Essa política suicida aca­ Na administração Quadros, foi cons­
bara por criar uma moeda paralela no truída a primeira Estação de Tratamen­ Com esses números, os assessores
Estado. Os bônus eram vendidos para to de Esgotos do País, implantada na do governador acreditam ser ele um can­
terceiros com altos deságios e acabavam Capital. A capacidade de distribuição didato imbatível à Presidência da Repú­
por voltar ao governo como pagamento de água foi aumentada em 50% na ci­ blica em 1960.
O GOVERNO JÂNIO Q U A D R O S-II
Governando Através de Bilhetes
Segundo José Pereira, chefe de im­
prensa do governo, Jânio criara tal ex­
pediente inspirado em método semelhan­
te aplicado por Churchill no governo da Havia bilhetes também com o senti­ Alguns dos bilhetes eram publicados
Inglaterra com grande sucesso. Dispen­ do de apressar os trâmites burocráticos: na imprensa e o governador encorajava
sando a pomposidade dos grandes re- aos populares o envio de cartas denun­
querimèntos, os bilhetinhos permitiam “Sr. secretário da Educação. ciando irregularidades nos órgãos do go­
ao governante fazer chegar sua vontade Em 31 de outubro do ano passado verno. Esse canal de contato direto do
a qualquer repartição do Estado em determinei o estudo referente à criação governador com a população lhe permi­
questão de horas. Pereira realizou uma de novas Delegacias de Ensino. Hoje — tia descobrir coisas que normalmente
coletânea desses bilhetes, que totaliza­ junho de 1958 — recebi o processo e seus auxiliares lhe esconderíam. Após
ram mais de 40 mil nos quatro anos quase nada se fez. Merecia um inqué­ visitas de surpresa muito ao seu gosto,
de governo. Uma passada de olhos so- rito administrativo esse relaxamento! despachava bilhetinhos aos responsáveis:
sobre eles nos dá uma idéia.
Determino a constituição de uma co­ “Senhor diretor do Parque da Água
missão que terá prazo de 20 dias para Branca: Decorridos 30 dias, tomarei a
apresentar-me esse trabalho. Quero a visitar o Parque: gramados, viveiros e
Comissão constituída em 48 horas.” alamedas. Se não encontrar tudo limpo,
A princípio houve resistência por pintado e arrumado, não deixarei um
Este outro enviado ao chefe de uma só servidor sem suspensão.”
parte dos funcionários graduados do E s­ secção da Secretaria da Educação, a
tado' quanto aos seus bilhetes. Essa re­ Jânio Quadros
respeito da morosidade do processamen­
sistência durou até o envio do memo­ to de um pedido feito à Secretaria por
rando seguinte: um Grêmio Ferroviário, de fornecimento Os bilhetes que realmente faziam
de carteiras escolares. sucesso na imprensa eram aqueles onde
“Senhores. Verifico que minhas pa- o governador exprimia sua ironia:
peletas não têm despertado, em vários “Punir com pena de repreensão: a)
funcionários, o senso de responsabilida­ o servidor responsável pelo atraso na
de devido. ( . . . ) Essas papeletas não Ao tomar conhecimento que o Juiz
remessa do requerimento que, despacha­ de Paz de Apiaí fazia funcionar o car­
são brincadeira. Os servidores as cum­ do por vossa excelência em 12 de abril,
prem à risca, ou puno todos, sem exce­ tório apenas uma hora por semana:
só deu entrada na Delegacia Regional
ção, uro a um.” em 11 de junho b) O inspetor escolar “Sr. secretário.
Jânio Quadros que levou 26 dias para informar que não
existem carteiras no depósito.” 1 — Demitir.
Jânio Quadros 2 — O homem não é do trabalho,
Embora considerassem humilhante mas de paz mesmo.”
O bilhete seguinte foi dirigido a
essa forma de receber ordens, os chefes
todos os secretários no sentido de aca­ Ao diretor da E. F. Mogiana, que
de repartição não tiveram outra alter­
bar com os inúmeros banquetes e co­ lhe comunicara ser impossível adminis­
nativa senão atender aos bilhetes. A
partir daí não havia departamento, au­ quetéis oferecidos nas repartições e Se­ trar a ferrovia com a verba alocada:
tarquia, ou repartição que periodicamen­ cretarias de Estado:
“ O sr. está aí não apenas para admi­
te não recebesse um deles, tratando dos “Fica expressamente proibido aos nistrar, mas também para fazer milagres.
mais variados assuntos. funcionários, em geral, a prestação de Reveja as tarifas e corte as despesas,
O bilhete a seguir foi recebido pelo homenagens de qualquer natureza e de quaisquer que sejam.”
comandante da Polícia Rodoviária: caráter coletivo a superiores hierárqui­
Jânio Quadros
cos ou a outros servidores. Aos seus
“ Os carros oficiais encontrados nas promotores ou aos que delas participa­
estradas, aos sábados, domingos e feria­ rem serão aplicadas as penas disciplina­
dos, sem ordem expressa do meu gabi­ res cabíveis.
nete, deverão ser comunicados ao Palá­ Jânio Quadros Difícil dar-se uma opinião definitiva
cio no prazo de 24 horas e a carta do sobre o valor prático dos bilhetes de
A campanha pela moralização do Jânio. Entre os próprios destinatários,
motorista apreendida.”
serviço público, obviamente não foi acei­ os funcionários graduados do serviço pú­
Jânio Quadros
ta de bom grado por muitos funcioná­ blico, as opiniões se dividem. Se para
alguns tal inovação não passa de um
Este outro ao Departamento de rios. Certa vez, alguns deles se uniram
e resolveram apresentar um pedido de absurdo, uma forma de aviltar a autori­
Obras Públicas que justificara o atraso
demissão coletiva. Jânio limitou-se a dade alheia e quebrar a cadeia hierár­
na entrega da nova Casa de Detenção
enviar o seguinte bilhete ao Chefe da quica, para outros trata-se de um ver­
a problemas encontrados com a Light
dadeiro “Ovo de Colombo” , um sistema
para a ligação de energia elétrica: Casa Civil:
genial e prático de administrar o bem
“A Light não é servida pelo gover­ “Ouço que há pedidos de demissão público. Polêmicos na forma e no con­
no, serve-o. Fazer a ligação ‘com’, rio funcionalismo. Atenderei a todos teúdo, os bilhetinhos de Jânio ainda se­
‘sem’ ou ‘contra’ a Companhia.” que me sejam apresentados.” rão por muito tempo motivo de discus­
Jânio Quadros Jânio Quadros são.
, Cíiitorial
O QUE E O JANISMO?
Quando Jânio elegeu-se prefeito e, A resposta é simples e só não foi até recebidos pelos funcionários nada repre­
em seguida, governador, atribuía-se a vi­ hoje encontrada pelos intelectuais devi­ sentam se comparados aos custos so­
tória ao seu talento oratório, ao fascínio do a sua intolerância e resistência em ciais incorridos para sua efetivação. A
que despertava no povo, ávido de votar estudar com seriedade o fenômeno. construção de obras supérfluas, a aquisi­
contra a situação. ção de materiais impróprios, a instala­
Os políticos em geral se pretendem ção de serviços desnecessários, tudo is­
Hoje, após 4 anos de sua gestão, o médicos da Sociedade. Jânio se apresen­ so tem um custo e esse é pago pela
povo paulista, ao invés de votar contra, ta como médico do Estado. Os primei­ população com sacrifício e dificuldade
elege um governador situacionista, caso ros pugnam por reformas sociais, o se­ através dos anos.
único de todos os Estados que renova­ gundo afirma que tais não serão possí­
ram seus executivos neste pleito. veis sem antes reformar o Estado e a A tese janista é de que Justiça So­
mentalidade dos homens que o dirigem. cial, Liberdade e Progresso são objeti­
O período em que governou São Pelo que se deduz do ideário janis- vos comuns a qualquer pessoa bem-in­
Paulo, ao invés de desmistificá-lo como ta o Apocalipse estatal se identifica em tencionada. Mas de nada adianta dis­
demagogo, consagraram-no como admi­ três cavaleiros: cuti-los sem criar-se condições para sua
nistrador. Ao invés de ser sua sepultura viabilidade.
política serve-lhe como trampolim para Um deles é o Empreguismo. Todo
novo governo, no afã de saldar seus Enquanto os governos não se dispu­
vôos mais altos. Por toda a Nação seu
compromissos eleitorais, utiliza o Esta­ serem sinceramente a modificar a men­
nome ecoa como a solução para os pro­
do como cabide de empregos, o que so­ talidade de seus membros, qualquer re­
blemas nacionais, como o presidente que
brecarrega os quadros com funcionários forma social será um sonho distante.
irá salvar o Brasil.
improdutivos e exaure o orçamento com Pois um exército corrupto não aspi­
Se não é um mero demagogo, quem o pagamento de salários e mordomias. ra a glórias, mas a saques; não luta pelo
é Jânio Quadros? Qual é o seu segredo? Outro deles é o Favoritismo. Ao bem-estar dos povos mas tão-somente
Qual é a sua proposta para que o elei­ conceder obras e serviços públicos a pelo seu; combate a opressão alheia pa­
torado o apóie com tanto entusiasmo? empresas incompetentes e inidôneas, os ra instalar a sua própria.
governos acabam por prejudicar toda a É essa, em poucas palavras, a ideo­
Enquanto os demais políticos se pro­ população com as consequências de tais
põem a combater a desigualdade social, logia janista. Esse apelo tem calado
atos. fundo na alma popular e permitido ao
a falta de liberdade e o subdesenvolvi­
mento, Jânio promete lutar contra o em- O terceiro finalmente é a Corrupção, seu pregador a conquista sucessiva de
preguismc, c favoritismo e a corrupção. da qual, semelhante a um iceberg, só se cargos eletivos. Que os intelectuais não
Embora os primeiros se acreditem por­ enxerga a ponta. Sua prática é muito se surpreendam se o homem de “idéias
tadores de ideologias coerentes é no se­ mais grave do que aparenta ao levar-se confusas” chegar à Presidência da Repú­
gundo que o povo vota. em conta que as propinas e subornos blica do Brasil.
A MUDANÇA NO PAPEL DO ESTADO

(Entrevista com Odon Pereira — 5.a Parte)

Seria politicamente válida essa atitude de controlar o serviço


público com mãos de ferro?

ODON — Deveria ser motivo de curiosidade o fato de o ho­


mem que tanto demitiu funcionários seja ainda hoje o político mais
lembrado positivamente pelo funcionalismo público.

A verdade é que boa parte desse funcionalismo não mais su­


portava a corrupção, a desmoralização, a situação a que estava sub­
metida nos governos anteriores. Quando Jânio começou a demitir
em massa funcionários relapsos e corruptos, aquela parcela o aplau­
diu, porque essa era uma providência que restaurava a dignidade
da função pública, a qual fora totalmente rebaixada por Adhemar.

Mas o que significou a administração de Jânio para que ele pu­


desse tornar-se um candidato sério a sucessão de JK ?

ODON — A meu ver a principal contribuição de seu governo


foi a característica de ter modificado a visão de Estado até então
corrente no Brasil.

Nos dias de hoje, quando se fala que alguém foi beneficiado


com um emprego ou favor público, em certas áreas já se encara
o fato como um escândalo. Até a aparição de Jânio isso não acon­
tecia. O Estado era visto como um mero instrumento a serviço de

127 —
um grupo determinado de pessoas. Naquela época, buscar um em­
prego público através do PSP, Partido do Adhemar, era uma as­
piração legítima de qualquer família, um ato normal. Bastava
conhecer o deputado certo, ter relações com o diretório do PSP
de sua cidade. Em todas havia uma pessoa importante do adhema-
rismo que nomeava as professoras do grupo escolar, o fiscal do
Posto da Secretaria da Fazenda, o encarregado do Centro de Saúde.
Concurso público era uma excrescência. uma coisa que se fazia
muito raramente.

E no que Jânio Quadros contribui para mudar essa paisagem?

ODON — A mudança de enfoque transcende ao janismo, da


qual ele é mera consequência.

Naquela época, meados da década de 50, era muito aceso o


debate acerca da possibilidade de desenvolvimento autogerido nas
nações do Terceiro Mundo. O “Movimento Não-Alinhado” inspira­
do em líderes nacionais comc Tito da Iugoslávia e Suçarno da In­
donésia, entre outros, expressava claramente a existência de uma
chance histórica de desenvolvimento nacional por uma terceira via,
que não seria nem capitalista nem socialista.

Essa via seria a direção dos destinos de cada país pela sua bur­
guesia nativa, agindo com independência em relação aos cartéis
internacionais e também com capacidade de defender-se do impe­
rialismo soviético.

Havia essa chance para o Brasil, mas com exceção de alguns


setores da esquerda, ela era absolutamente desconhecida pelos nos­
sos políticos.

Acontece que a burguesia nacional revelou-se uma frustração,


não se utilizou da chance histórica que possuía. Antes que ela pu­
desse ou quisesse executar o seu movimento de liderança nacional,
partindo para reformas que a viabilizassem como força nacional
independente, criando um mercado interno autônomo através da
redistribuição de terras e um desenvolvimento nacional à base de
recursos internos; antes que tudo isso ocorresse surgiu o fenômeno
das multinacionais com uma estratégia muito clara e hábil para

— 128
abortar essas possibilidades, transformando a burguesia nacional
em sócio minoritário dos seus grandes negócios no Brasil.

Apesar disso a chance histórica continuou existindo, mesmo


com a ausência de uma burguesia independente. Seria aproveitada
através do Estado, o qual colocando-se acima dos interesses ime­
diatos, podería criar condições para o tão desejado desenvolvimen­
to. Boa parte dos universitários dos anos 50 e 60, os tecnoeratas de
hoje, surgia por esse caminho.

Mas onde entra o janismo nesse panorama?

ODON — O janismo era um reflexo desse objetivo. Era a as­


piração canalizada de toda uma geração que desejava ver no Es­
tado a ferramenta desse desenvolvimento.

Para que o Estado pudesse exercer tal papel ele deveria ser
transformado, sair de seu papel cartorial, de instrumento apenas de
regulagem das relações entre as classes. Jânio Quadros se mostra
como o veículo adequado para tal transformação, eliminando os
desmandos do aparato estatal e tornando-o mais eficiente para a
realização de seu novo objetivo.

129 —
CAPÍTULO 5 — 1959

“Por que eu apoiei o Jânio? Porque o Jânio ganharia de


qualquer maneira — ou ganhava conosco ou ganhava com o
PTB — e, se ganhasse com o PTB, representaria de novo a
permanência de toda aquela má gente."
(Carlos Lacerda in “ Depoimento”)

— 131 —
_ X _

Corria o ano de 1959.

O Brasil mudara muito sob o governo de Juscelino Kubitschek.


A indústria fincara suas chaminés no Vale do Paraíba e na Re­
gião do ABC e, convenientemente adubada pelo Estado, ela se
alastrava em progressão geométrica.

Nas ruas e estradas a presença de automóveis brasileiros já se


tornava um fato corriqueiro. A Vemag, indústria de capital nacio­
nal, associara-se à Auto-Union e produzia no Brasil os DKW, ver­
são perua e auto de passageiros; a Mercedes Benz e a Ford fabrica­
vam os primeiros caminhões, a Willys Overland produzia jeeps, e já
surgiam numerosas empresas internacionais dispostas a compartilhai
do nosso promissor mercado de automóveis.

No setor de produtos elétricos para consumo também se assistia


a um crescimento vertiginoso. Rádios, TV’s, batedeiras elétricas, se­
cadores de cabeló proliferavam como coelhos e criavam toda uma
estrutura paralela para forçar o consumo e facilitar a distribui­
ção. Na área de publicidade, grandes agências estrangeiras abriram
filiais no Brasil e, como usinas de sonhos, produziam páginas e pá­
ginas coloridas nas revistas, mostrando ao povo o que ele deveria
ardentemente desejar dali para frente. Reformulando todo o con­
ceito secularmente aceito de utilidade das coisas, perfumes passaram
a ser fragrâncias persuasivas; cigarros, símbolos de coragem e deci-

— 133 —
são; automóveis, demonstração ambulante de status. Nâo se coro»
prava mais geladeiras para preservar os alimentos, mas para ver a
cara de inveja da vizinha, ou ao menos não ficar com tal cara ao
conhecer a geladeira dela. A indústria gerava os produtos, a publi­
cidade os revestia de sonhos e as famílias os consumiam avidamente
relegando a um segundo plano a poupança, a segurança, a escola
e a esperança.

O desenvolvimento, apesar do clima de euforia que criava, tinha


também o seu lado perverso. A economia geral se fortalecia sugando
o sangue das economias individuais. A inflação começava a minar
as poupanças das famílias e muitos já sentiam por trás da magia dos
números sempre crescentes que na realidade seu poder aquisitivo vi­
nha decrescendo através dos anos. Por outro lado, se o desenvolvi­
mento para muitos era um pai, para outros não era mais do que
padrasto. Havia um outro Brasil, desfavorecido, abandonado.
Um Brasil que sem conhecer as maravilhas da indústria de consumo,
sofria na carne os sacrifícios para implantá-la. Era o Brasil rural,
agrário, o qual se descapitalizava a olhos vistos.

— II —

Após entregar em janeiro o governo do Estado ao seu sucessor,


Jânio Quadros partira para uma viagem de volta ao mundo. Já nessa
altura o seu nome atravessava as fronteiras paulistas e corria o Brasil
como sinônimo de austeridade e dinamismo no trato do negócio pú­
blico. Jânio aos homens do povo formava uma imagem nova: dife­
rente dos outros políticos ele era uma demonstração cabal de que
um homem podia ser puro sem ser ingênuo, idealista sem ser sonha­
dor, honrado sem ser inocente.

Não era um indefeso escoteiro imbuído de boas intenções, mas


um político bastante sagaz para não ser massacrado por seus pares.
Se jogado as feras não lhes seria presa fácil pois sabia enfrentá-las
com suas próprias armas. Era enfim a imagem do homem que todos
esperavam para pôr fim à corrupção e reformar as feudais estrutu­
ras políticas, econômicas e sociais do Brasil.

Sua gestão frente ao executivo paulista lhe valera a inimizade


da quase unanimidade da classe política paulista. Agora que de­

— 134 —
monstrara ter prestígio popular ainda mais forte do que quando
assumira, cs políticos, um a um, voltavam ao seu convívio, convenci­
dos de que não havia outro homem público no País tão presiden-
ciável quanto ele.

Quando retornou de sua longa viagem ao Exterior Jânio encon­


trou toda a estrutura armada. Um movimento independente já o lan­
çara candidato à Presidência e vários partidos políticos, inclusive o
PDC que o expulsara em 1954, o queriam como seu candidato ao
pleito de 1960.

O mato-grossense, o forasteiro, o homem que no início da carrei­


ra os políticos se recusavam a levar a sério, agora era levado pelos
mesmos a disputar o posto mais importante da Nação.

Qual seria a sua atitude dali em diante?

— 135 —
EXPLICAÇÃO IMPORTANTE

O jornal “A Notícia”, publicado a seguir, é fictício, constituindo-


se num recurso literário para ambientar a época e detalhar os fatos
que nela ocorreram.

As matérias nele encontradas foram redigidas pelo autor a partir


de fatos compilados por esse nos jornais e revistas do período en­
focado.

O autor possui cópias xerografadas de todas as publicações que


serviram de fonte a esse texto.
V "%

A NOTÍCIA* São Paulo, 22 de novembro de 1959 *

JÂ N IO CAND ID ATO DA U D N
Por 205 votos contra 85 CONVENÇÃO
dados a Juraci Magalhães o TUMULTUADA
deputado Jânio Quadros foi
lançado candidato da União A convenção foi sem dú­
Democrática Nacional à Pre­ vida a mais agitada de toda
sidência da República em a história da UDN, com ora­
convenção nacional realizada dores de ambas as facções se
no dia 9 de novembro no di-gladiando no plenário. A
Palácio Tiradentes. tensão chegou ao máximo
A indicação de Jânio Qua­ quando Lacerda subiu à tri­
dros foi precedida de uma buna para seu discurso.
grave crise no interior da Após afirmar seu apreço por
UDN, dado ao fato de Jânio Juraci, alegou não estar ali
sem passado udenista con­ para analisar os méritos pes­
correr contra um candidato soais dos candidatos mas sim
para defender a única alian­
Jânio Aprovado na
da UDN histórica, o gover­
nador da Bahia, Juraci Ma­ ça capaz de mudar a face do
Brasil. “ Aqui decidiremos se
Convenção do P D C
galhães. Em convenção nacional, to a cúpula do partido em
o nosso partido vai com o
povo para a vitória, ou se realizada no plenário da Câ­ São Paulo ter, desde o pri­
A CANDIDATURA JÂNIO
vai suicidar-se com o Ca- mara dos Deputados, o Par­ meiro instante, se manifesta-
O lançamento da candida­ tete.” tido Democrata Cristão lan­ dado contra a indicação. O
tura Jânio pela UDN surgiu çou candidato à Presidência deputado Franco Montoro e
por iniciativa do sr. Carlos APARTE INFELIZ da República o seu antigo o deputado Queiroz Filho,
Lacerda, deputado e proprie­ correligionário Jânio Qua­ do PDC paulista, apresenta­
Aliomar Baleeiro, apar- ram moção contra a indica­
tário do jornal “A Tribuna dros e para a vice-Presidên-
teando Lacerda, pergunta-lhe ção de Jânio e, não logrando
da Imprensa” . Lacerda de­ cia o deputado Fernando
onde estava o governador demover os correligionários,
fendia a indicação de Jânio Ferrari, do PTB gaúcho. Jâ­
Jânio Quadros no dia 11 de deixaram de comparecer à
como única forma da UDN nio que havia sido forçado
novembro de 1955. Este lhe convenção como forma de
chegar ao poder. Seria a a afastar-se do partido em
responde com violência: protesto.
união das elites com o povo, 1954 por divergências políti­
segundo suas palavras. O “ Jânio estava em São Pau­ cas com a sua liderança, co­ Com a indicação do PDC
nome de Jânio foi indicado lo esperando a chegada do movido, agradeceu a indica­ somam quatro as legendas
como candidato em janeiro presidente Luz ao lado do ção e o voto de confiança que apóiam a candidatura
pelo diretório nacional, mas brigadeiro Eduardo Gomes. que a democracia cristã lhe Jânio Quadros à Presidên­
só em novembro foi aprova­ Agora eu pergunto: Onde conferia, sendo aplaudido cia da República. Além da
do em convenção. estava o então senador Jura­ de pé pelos convencionais: UDN anteriormente seu no­
ci Magalhães? Estava bus­ “Despeço-me levando para me havia sido lançado pelo
A CANDIDATURA JURACI cando o apoio de Juscelino casa o mais raro prêmio que PL e pelo PTN.
para sua candidatura.” podem conferir: o de tornar
A candidatura de Juraci
Magalhães era tida como na­ O plenário quase veio alguém, um conterrâneo,
tural pelo partido, sendo este abaixo com a armadilha re­ candidato à suprema magis­
tratura do Brasil. Conduzo
um dos participantes da “ca­
ravana da liberdade” , movi­
tórica de Lacerda.
esse prêmio para o recesso O S V IC E S
JÂNIO ERA A ÚNICA do meu lar e fico à espera
mento de conscientização po­ CHANCE
lítica levado a cabo pela dos nossos primeiros passos,
UDN através do País. Jura­ Na verd.ade, desde o pri­ serenos e firmes, que hão de
meiro instante a convenção construir o regime do povo, Leandro Maciel
ci tinha também o apoio ve­
iado do presidente Kubits- já pendia para a candidatura pelo povo, para o povo, que
UDN
chek, que o desejava como Jânio Quadros. A votação ainda nos falece: a verdadei­
candidato de conciliação na­ final foi simplesmente a con­ ra democracia, livre, iguali­ PAG. 2

cional. Apesar desses trun­ firmação do que já se previa tária e justa e, por isto, cris­
fos o governador baiano as­ há muito tempo. Para a tã.”
sistiu impotente ao progres­ UDN é preferível o poder PDC PAULISTA NÃO Fernando Ferrari
sivo esvaziamento de sua com Jânio do que a derrota APOIOU
candidatura com a ascensão com Juraci. Entre os dois PDC
estrondosa do nome Jâhio não teve dúvidas em optar O nome de Jânio não foi PAG. 2

em todo o País. pelo primeiro. aprovado com facilidade vis­


A EVOLUÇÃO D O S FATOS
Ao terminar o seu mandato de go­ A situação se precipitou em janeiro Em 21 de abril realizou-se a conven­
vernador de São Paulo, ninguém mais de 1950, quando Cabral, em visita ao ção do PTN, onde o nome de Jânio foi
tinha dúvidas a respeito da invencibili­ governador Bias Fortes, de Minas Ge­ votado e aprovado como candidato do
dade de uma possível candatura Jânio rais, obteve deste uma manifestação fa­ partido.
Quadros à Presidência da República. vorável à candidatura Jânio pelo PSD.
Havia realizado um governo dinâmico, Magalhães Pinto, também mineiro e pre­ Quando Jânio retomou ao Brasil
onde conseguira conciliar um ritmo ver­ sidente da UDN, reuniu imediatamente sua candidatura já estava firmada. Não
tiginoso de obras com um rígido mora- o diretório do partido e lançou a candi­ lhe foi difícil obter o apoio do P L e
lismo no trato do dinheiro público. Em datura Jânio à Presidência da República. do PDC. Problemas mesmo só teve com
todo o País passou a ser visto como o A partir desse momento Jânio pendia a UDN, a qual se debatia intemamente
homem providencial, o único que pode­ irresistivelmente para a oposição. com a existência da candidatura de Ju-
ría resolver os graves problemas na­ raci Magalhães.
cionais. Enquanto as negociações corriam,
Jânio Quadros, como bom estrategista, Ao vencer a convenção da UDN
Com o fantasma de Vargas ainda as­
houve por bem ausentar-se do País. poucos são os que ainda têm dúvidas
sombrando o País, com a política na­
Passou quatro meses viajando pelo mun­ sobre a vitória de Jânio. Se dúvidas exis­
cional ainda dividida entre os getulistas
do, só retomando com o quadro político tem essas são quanto à possibilidade de
e os antigetulistas, é natural que todos
bem-definido. Já então havia optado o candidato conseguir conciliar as for­
vissem em Jânio um homem que sem­
pelos partidos de oposição. ças políticas que o cercam. Já existem
pre manteve sua independência frente
focos de atrito entre os Partidos e o
aos dois grupos beligerantes, o político
MPJQ, agora agravados com a dualida­
indicado para dirigir os destinos do País Em 20 de abril, com Jânio ainda au­
de das candidaturas à vice-Presidência.
e conciliar definitivamente as forças po­ sente do País, seu nome foi lançado co­
O PDC indicou Jânio, mas fez questão
líticas da Nação. mo candidato à Presidência pela primei­ de apresentar um candidato próprio a
ra vez, por um movimento de jovens pró- vice, o deputado Ferrari. A UDN, por
Jânio, a princípio, deixou-se cortejar
pelas duas alas. O PSD de Juscelino Jânio. O movimento realizou uma ses­ sua vez, também indicou um candidato
tentava atraí-lo para suas hostes através são solene na Associação Brasileira de de seus quadros á vice-Presidência. Am­
de gestões junto ao deputado Castilho Imprensa.no dia 20, dando por inaugu­ bos os partidos fazem questão de levar
Cabral, seu assessor. A UDN, por outro rado o “Movimento Popular Jânio Qua­ seus candidatos a vice em todos os co­
lado, tudo fazia para trazê-lo para seu dros” e lançado o nome de seu inspira­ mícios aos quais Jânio comparecer.
lado. dor à Presidência da Nação. Tempestade a vista. . .

DOIS VICES PARA UM ÚNICO JÂNIO


LEANDRO MACIEL FERNANDO FERRARI

Sergipano, ex-govemador de seu Es­ Deputado federal pelo PTB, Ferrari


tado, Leandro foi o candidato encontra­ lidera uma dissidência dentro do traba-
do pela UDN para compor a chapa de Ihismo gaúcho que vem crescendo de
Jânio. Sua indicação baseou-se em dois maneira avassaladora. Defende um tra-
fatores. O primeiro foi a sua respeita­ balhisrno mais progressista e principal­
bilidade. Leandro participa da política mente afastado da corrupção e do favo­
brasileira desde os tempos da República ritismo que caracteriza o PTB de Gou­
Velha. Foi um excelente governador de lart.
seu Estado e é considerado homem de Em 1958, realizando a “campanha
reputação ilibada, O segundo fator que das' mãos limpas” , logrou eleger-se o de­
o favoreceu foi o fato de ser nordestino, putado federal mais votado do seu Es­
o que daria um cunho nacional "a chapa, tado. No início de 1959 fundou o MTR,
já que o candidato a presidente provém Movimento Trabalhista Renovador, pas­
do sul. sando a correr o País com o intuito de
Leandro tem-se mostrado desconten­ conquistar adeptos nas bosfes petebistas.
te com o rumo da campanha, antes mes­ Seu trabalho atraiu a atenção do
mo dela começar. Para janeiro de 1960 PDC que acabou por iançá-Io candidato
está previsto o início oficial da campa­ à vice-Presidência na chapa encabeçada
nha, no Acre,e desde já Leandro decla­ por Jânio. A UDN não o tolera, ale­
ra-se contra a convivência no mesmo gando ser ele uma “invenção do PDC
palanque com o seu rival do PDC, Fer­ para atrapalhar Jânio”. Seu discurso 6
rari. A juventude e a oratória arreba­ mais profundo que o dos udenistas ace­
tadora do “homem das mãos limpas” o nando para a redenção das massas ru­
deixariam claramente em desvantagem rais, segundo eie, esmagadas pelo atual
num confronto de palanque. desenvolvimento econômico.
A candidatura Jânio Quadros à Presidência não ganharia al­
tura com muita facilidade, pois já na decolagem enfrentava violentas
tempestades. A nave udenista, apesar de contar com tão competente
piloto, surpreendentemente pousaria antes do fim da pista. O co­
mandante Jânio, devido à bagunça reinante a bordo, decidira entre­
gar o quepe e cancelar o vôo.

139 —
EXPLICAÇÃO IMPORTANTE

O jornal “A Notícia”, publicado a seguir, é fictício, constituindo-


se num recurso literário para ambientar a época e detalhar os fatos
que nela ocorreram.

As matérias nele encontradas foram redigidas pelo autor a partir


de fatos compilados por esse nos jornais e revistas do período en­
focado.
t

O autor possui cópias xerografadas de todas as publicações que


serviram de fonte a esse texto.

140 —
A NOTÍCIA
* São Paulo, 22 de dezembro de 1959 *

10 DIAS DE
INCERTEZA
Após uma reunião com a nião para local até então des­
cúpula udenista na residên­ conhecido.
cia de Quintanilha Ribeiro,
A notícia correu o País em
Jânio Quadros abriu mão de
instantes, causando grande
sua candidatura a Presidên­
comoção na opinião pública.
cia da República. Em carta
Oficiais da Aeronáutica, ao
datilografada explicou o seu tomarem conhecimento do
gesto por não ter conseguido fato promoveram uma revol­
reunir em torno de seu nome ta (matéria ao lado). Políti­
as diversas correntes políticas cos udenistas realizaram ges­
e legendas com a unidade e tões junto ao governador
a harmonia indispensáveis ao Carvalho Pinto com o intuito
êxito da jornada. de fazer Jânio voltar atrás
em sua decisão. Explode Revolta na
Aeronáutica com destino à Base de Ara-
* * * Alguns .oficiais da Aero­
* * * náutica, ao tomarem conhe­ garças_,no interior da Amazô­
cimento da desistência de Jâ­ nia, onde permaneceram até
nio em continuar candidato à invasão da mesma por
A renúncia abalou os rebelaram-se contra seus co­ tropas de pára-quedistas da
meios políticos oposicionis­ O Movimento Popular Jâ­ mandos e, numa operação FAB. Entre os revoltosos es­
audaciosa que envolveu se- tava o tenente-coronel Ha-
tas e só foi retirada após dez nio Quadros saiu às ruas com
qüestro de aviões de carrei­ roldo Veloso, líder de revol­
dias de exaustivas negocia­ a montagem de mesinhas de ra, pretendiam raptar o pre­ ta semelhante no início do
ções. assinaturas nas calçadas do sidente Kubitschek no aero­ governo Kubitschek, quando
Rio e de São Paulo, pedindo porto de Belo Horizonte. oficiais descontentes com a
Segundo seus assessores a a reconsideração da atitude posse de Juscelino domina­
renúncia se deu pelo fato do de Jânio. Em menos de uma Frustrada a tentativa, os ram a região de Jacareacan-
candidato sentir-se manieta- semana levantou-se 360 mil rebeldes seguiram num C-47 ga, no interior do Pará.
do pelos interesses partidá­ assinaturas de populares. E s­
rios. O estopim da crise foi sas listas foram entregues a
a exigência de Leandro Ma­ Jânio e influíram decisiva­
ciel de ser o único candidato mente na sua retomada de
à vice-Presidência a subir nos posição.
palanques com Jânio, na jor­
Jânio deixou claro ao re­
nada inicial da campanha, no tomar que não aceitava as
Acre. A UDN não transigiu imposições partidárias de ex­
nem quando lhe foi apresen­ clusividade dos candidatos à
tada uma proposta de conci­ vice-Presidência. Com sua
liação na qual se fariam dois atitude procurou demonstrar
comícios, um oficial com independência em relação
Leandro e um “improvisado” aos partidos políticos, colo­
com Ferrari. cando sua candidatura acima
dos seus interesses. A renún­
Após deixar uma carta on­ cia se deu no dia 25 de no­
de expliçava as razões de seu vembro e só foi retirada no
ato, Jânio retirou-se da reu­ dia 5 de dezembro.
• - -- - - - ......- - ------------------—*■

JÂ N IO E A U D N
Ele é independente, arrojado e am­ ela sonhava com um líder popular; ele Beata nos princípios, pudica nos
bicioso. Nasceu sob o signo de Aquá­ o era. Na oposição, ambos tinham ciên­ meios, pentecostal nos fins, não é estra-
rio. cia de que, separados, jamais chegariam nhável que a UDN nunca tenha chegado
ao poder. Unidos suas chances são bem ao poder.
Ela é insegura, teimosa e tempera­ maiores.
mental. É Virgem, nem tanto pelo Zo­
díaco, mais pela vocação. Apesar dessas vantagens, dificilmen­ QUEM É ELE
te tal união será duradoura.
Ele é arrojado, liberal e pragmático.
Ele, por seu lado, é essencialmente
Ela é retrógrada, conservadora e in­ QUEM É ELA pragmático. Desde o princípio enfren­
transigente. tando e vencendo a oposição dos parti­
Do tripé partidário em que repousa dos e das máquinas administrativas, Jâ­
Ele é um excelente relações públicas, nio se sabe um líder de massas e só
ela abomina qualquer promiscuidade. a política brasileira a UDN é sem dúvi­
da a perna mais fraca. Sua intransigên­ nelas se apóia. Extremamente ambicio­
Certo dia, por ironia do destino, eles cia cega não lhe permite sequer assimi­ so, pretende, se eleito presidente, reali­
se encontraram, trocaram juras de amor lar as qualidades de seus adversários. zar uma verdadeira revolução nas insti­
e decidiram noivar. Com temperamen­ Critica o clientelismo do PSD, e por is­ tuições nacionais. Admirador de Nasser,
tos tão diversos, seria viável um matri­ so não adota o seu jogo de cintura. De­ Nehru e Fidel, sonha para o Brasil uma
mônio? plora a manipulação das máquinas sin­ postura independente e para si um papel
dicais e previdenciárias pelo PTB, mas histórico.
Não só os astrólogos, mas todas as não aprende com esse a cortejar as mas­
pessoas de bom senso acreditam que sas trabalhadoras.
não. Otimistas mesmo, apenas os noi­ M ISSÃ O IMPOSSÍVEL
vos. Mesmo no plano das idéias ela deixa
muito a desejar. Por criticar, sem apre­ Com tamanhas diferenças, tal alian­
VANTAGENS APARENTES sentar alternativas; por privilegiar as vir­ ça desde já mostra-se inviável. A re­
tudes individuais (honestidade, coragem, cente desistência de Jânio, apesar de re­
As afinidades à primeira vista eram integridade), em detrimento da ação co­ considerada, é um claro indício de que
muitas. Ele necessitava de uma estrutu­ letiva, o udenismo está mais próximo de sua convivência com os grupos que o
ra partidária; ela a possuía. Por sua vez uma religião do que de uma ideologia. apoiam será bastante difícil.
POLÍTICA É PROFISSÃO?

(Entrevista com Odon Pereira — 6.a Parte)

A carreira de Jânio até aqui tem demonstrado uma constante


que é o seu desprezo em relação aos políticos em gercã. Qual seria
a razão desse comportamento?

ODON — A atitude de Jânio não difere muito da atitude do


próprio povo, que vê nos políticos homens apenas preocupados com
os seus próprios interesses. Os nossos políticos, com poucas ressalvas,
enxergam a política como um fim, não como um meio, não procuram
o poder como meio de resolver problemas, mas simplesmente pelo
gosto de possuí-lo.

Lacerda em um de seus livros define esse tipo de político como


homens cujo interesse pelo poder provém das luzes que dele ema­
nam. Vêem nele um instrumento para ajudar os amigos, espicaçar
os inimigos, ser o centro das atenções.

ODON — Eles podem ser chamados de burocratas da política,


políticos profissionais, fisiológicos, mas políticos de verdade não são.
É evidente que para qualquer pessoa que queira fazer política a sério,
essa gente dá nojo. Torna-se impossível relacionar-se com eles.
São irritantes, atrapalhativos, só se interessam por problemas rela­
tivos a sua própria sobrevivência política.

Eu vejo essa atitude de Jânio de desprezá-los, de não negociar


com eles, bastante legítima, apesar de acreditar que ele a use com
certa malícia. Como disse antes, Jânio nada mais faz do que cana­
lizar uma ojeriza que o próprio povo tem pelos políticos em geral,
o que me parece bastante válido.

143
CAPÍTULO 6 — 1960

“Tentaria mil vezes inutilmente descrever o Jânio Qua­


dros que foi, através de uma carreira fulminante, a primeira
figura na política brasileira nascida sem o ódio ou o amor a
Getúlio Vargas.

Jânio é a encarnação de tudo que não é paulista no sen­


tido tradicional.

O simples fato de ter existido, de ter sido possível, no


Estado de onde veio, mostra que Deus absolutamente não lê
“O Estado de S. Paulo” nem mora na avenida Paulista. O
Deus de Jânio é um proletário Deus do Brás.”

(David Nasser in “Jânio Quadros”)


I

Com a retomada de posição de Jânio em janeiro, no Acre, é


iniciada oficialmente a campanha para a Presidência da República.
O Acre fora escolhido por sugestão de Carlos Lacerda por ser um
local jamais visitado por um candidato. Do Acre a excursão janista
percorre todos os Estados do Norte do País, seguindo para o Nordes­
te. Nessa altura da campanha tem início os primeiros atritos entre
o MPJQ e os partidos políticos que o vêem com desconfiança. Em
todos os Estados por onde passam formam-se espontaneamente nú­
cleos do Movimento Popular à revelia dos caciques políticos locais.
O “Diário de Pernambuco” no dia seguinte a sua passagem por aque­
le Estado informa:

"O Sr. Jânio Quadros está decepcionado com o que a UDN


pode oferecer-lhe além da candidatura do sr. Leandro Maciel
a vice-Presidência. As indicações são no sentido de que ele, des­
sa vez, não renunciará à candidatura. Renunciará apenas ao
apoio que os partidos lhe dão, sobretudo a UDN. Quer liber­
tar-se, achando que, no superpartidarismo, no apoio da mas-
so ( . . . ) é que se encontra a sua força. ”

Em fevereiro o candidato esboça um lance ousado: pela primei­


ra vez um candidato à Presidência entraria em favelas do Rio deJa ­
neiro.

A narrativa é de Castilho Cabral, ex-presidente do MPJQ, em


seu livro “Tempos de Jânio” :

— 147 —
“ ( . . . ) Jânio estava gripado naquele dia e quase manda adiar
o programa. Ficou uma fera comigo pois lhe disse que não poderia
fazê-lo. ‘Castilho, afinal você comanda ou não esse movimento?’,
mas acabou se decidindo a ir.

Na Rocinha, no meio do povo, começou a voltar a ser o Jânio


das campanhas de São Paulo, varou por várias bibocas, entrou numa
farmácia para tomar uma injeção antigripal, apertou a mão de
deus-e-todo-mundo, falou da porta da farmácia mesmo e, quando
retornou ao carro estava feliz. ( . . . ) Lembrei-lhe que às 6 da tarde
era esperado em Sta. Tereza. Jânio começou a reclamar: havia-me
pedido um programa de visitas, não um roteiro de morte. “Creio
que você prefere um amigo vivo a um candidato morto”, queixou-se.

Às 9 da soite, sempre resmungando, chegou à rua Muratori,


esquina de Riachuelo.

O espetáculo era soberbo. A multidão tomava toda a rua desde


às 6 da tarde a espera de Jânio, janelas e portas apinhadas em todo
o percurso até o comitê nc coração do bairro. íamos apenas à fa­
vela dos prazeres, mas à porta do MPJQ a multidão barrou a marcha
do nosso carro. Jânio desce e fala. é um delírio.

Retomamos o carro, chegamos ao alto da avenida Almirante


Alexandrino, à entrada da favela. Tudo escuro, o carro não podia
subir; surge um jeep que, empurrado a mãe pelo povo, nos leva ao
alto da favela, onde num tosco palanque, sem alto-falantes, Jânio
fala durante uns quarenta minutos, um dos seus mais empolgantes
discursos. Jânio entrara de pé direito na capital do País, um gran­
de dia!”

No dia seguinte decide aceitar o convite de Fidel Castro para


visitar Cuba,
A NOTÍCIA * São Paulo, 22 de a b r il de 1960 *

BRASÍLIA INAUGURADA
No dia 21, de abril, data truída, englobando os palá­ ta mais feliz de sua vida. Na cerimônia realizada
em que se homenageia Tira- cios da Alvorada e do Pla­ Jornais do mundo inteiro no­ no novo Congresso Nacional
dentes e seu martírio, por nalto, o Congresso Nacional, JK , comovido, cedeu às suas
obra de outro ousado minei­ o Supremo Tribunal Federal ticiaram em manchetes a emoções e chorou por vários
ro, quase dois séculos após e os prédios de onze minis­ concretização de sua obra. minutos.
realiza-se um dos maiores térios. Somando-se a essas
sonhos do inconfidente: a obras estão em fase de con­
transferência da Capital do clusão mais 160 mil metros
País para o Interior. quadrados de construção.
A idéia, como se vê, não Segundo Costa, o Plano-
é nova. Desde o Marquês de Piloto “nasceu do gesto pri­
Pcmbal, passando por José mário de quem assinala um
Bonifácio, inscrita na pró­ lugar, ou dele toma posse:
pria constituição republicana, dois eixos cruzando-se em
a necessidade da transferên­ ângulo reto, ou seja o pró­
cia da Capital brasileira para prio sinal da cruz” . Acres­
longe do Litoral já se fazia centa o urbanista que sua
sentir, como única forma de idéia foi levar os benefícios
afastar a nossa civilização da da cidade para o campo e
orla marítima. trazer os espaços livres e o
campo para dentro da pró­
O presidente Juscelino pria cidade, procurando as­
Kubitschek decidiu realizá-la sim restaurar ao homem a
a partir de um comício du­ sua dignidade perdida.
rante a sua campanha elei­
toral, quando recebeu a su­ Há quem discorde do pen­
gestão de um popular. A samento de Costa. Muitos
princípio planejava-se insta- dos políticos e funcionários,
lá-la no Triângulo Mineiro, que lá residirão, acham a ci­ JÂ N IO VAI A C U BA
região equidistante das Ca­ dade desumana e árida. Ou­
pitais de Minas, São Paulo tros preferem atentar para Jânio — Venho ao seu en­ portância, procurando os
e Rio de Janeiro e dotada de “o absurdo de construir-se contro para ver de perto a jornais exaltar a coragem do
infra-estrutura para tal em­ uma obra de tal custo nu­ obra de sua revolução. Ê visitante e exprimir a satis-.
preendimento. Foi o próprio ma nação pobre como o uma honra para mim visi­ fação do povo cubano. Jânio
Juscelino que optou pelo Brasil” . Adhemar de Barros tá-lo. era aplaudido nas ruas por
Planalto Central, alegando em sua campanha política onde passava chegando mes­
Fidel — A honra é minha. mo a pronunciar um discurso
ser esse o centro geográfico costuma afirmar que o di­ Espero que seus dias em meu
da Nação e também uma nheiro gasto em Brasília da­ em português pausado, quan­
país sejam os mais agradá­ do foi depositar flores no
área absolutamente abando­ ria para construir 5.000 hos­ veis possíveis.
nada, por sua vegetação de pitais, mais de cem mil resi­ Monumento a José Marti, e
cerrado. dências, várias usinas side­ Assim iniciou-se a rumo­ viu-se cercado de uma mul­
rúrgicas. Outros críticos não rosa visita que o candidato tidão compacta que pedia
As obras foram iniciadas negam o mérito da idéia mas à Presidência do Brasil rea-- para ouvi-lo.
em fevereiro de 1957, sob a afirmam que, devido à cor­ lizou a Cuba, a convite de A comitiva ficou hospeda­
supervisão do urbanista Lú­ rupção e ao favoritismo, a ci­ seu primeiro ministro, Fidel da no hotel Riviera, o mais
cio Costa e do arquiteto dade custou aos cofres públi­ Castro. luxuoso do mundo, confisca­
Oscar Niemeyer, vencedores cos mais de três vezes o seu
Acompanhado de numero­ do pela revolução para servir
do concurso nacional desti­ custo real. Alegam que as
sa comitiva, a visita de Jâ ­ de hospedagem aos visitan­
nado à escolha do Plano-Pi- empreiteiras contratadas o tes. Dentre os acompanhan­
loto. Apenas três anos após, nio Quadros teve grande re­
foram apenas por critérios tes de Jânio o que mais se
num ritmo febril que obrigou percussão internacional, visto
políticos o que resultou na destacou foi o líder das Ligas
inclusive a mudança de Nie­ representar na prática um
construção deficiente e ex­ Camponesas, Francisco Ju-
meyer para o canteiro de rompimento da determinação
cessivamente cara da maioria lião, pelo trabalho revolucio­
obras, a cidade pôde ser norte-americana de isolar o
das obras. nário que realizava no nor­
inaugurada com a surpreen- regime revolucionário. Na
imprensa cubana o fato foi deste brasileiro.
te conclusão de 360 mil me­ Indiferente às críticas JK
tros quadrados de área cons­ teve no dia 21 de abril a da­ considerado de enorme im- (Cont. pág. 2)
JÂNIO EM CUBA
Na noite da chegada realizou-se a No último dia da visita, Fidel en- Raul (28) e Ernesto Guevara, presiden­
primeira reunião do candidato com as controu-se informalmente com a impren­ te do Banco Nacional (30 anos). Este
lideranças cubanas. Com a presença do sa e demais membros da comitiva bra­ último é o autor da frase que resume
ministro da Defesa, Raul Castro, irmão sileira. Nessa oportunidade declarou a revolução cubana na opinião dos jor­
de Fidel, discutiu-se as relações interna­ considerar muito importante visitas da­ nalistas da comitiva. Quando pergunta­
cionais de ambos os países. Jânio pro­ quele tipo pois serviam para desfazer do se tinha formação marxista, respon­
pôs a Fidel que apoiasse a Operação equívocos quanto à sua obra revolucio­ deu o seguinte:
Pan-americana, movimento iniciado por nária. Afirmou ser católico e disse que
Kubitschek, visando a unir a América La­ não pretende suprimir as liberdades de­ “Se ter formação marxista é ler
tina em tomo de reivindicações comuns. mocráticas em Cuba. “Todos têm o ple- Marx, então eu sou marxista; mas leio
Fidel respondeu-lhe que considerava po direito de discordar, mas não têm o também Roosevelt, clássicos de econo­
mais importante um movimento dos paí­ direifo de sabotar.” mia. . . A mim não importa como nos
ses subdesenvolvidos em geral, indepen­ classifiquem, nossa revolução tem obje­
dentemente da posição geográfica. Quei­ tivos práticos, específicos. Se pudermos
xou-se da hostilidade dos Estados Uni­ REVOLUCIONÁRIO PRAGMÁTICO realizá-la pelos métodos capitalistas, nós
dos e declarou estar negociando um em­ o faremos; se for preciso outros méto­
préstimo com a União Soviética. A média de idade dos líderes da re­ dos, nós os usaremos. Só uma coisa nos
volução cubana é de 24 anos. Destoam importa: realizar os objetivos da revo­
dessa faixa unicamente Fidel, (32 anos), lução.”
INTERESSE PREOCUFANTE
O candidato brasileiro mostrou-se vi­
vamente interessado na exposição de
Fidel a respeito da reforma agrária cu­
bana. Respondeu-lhe que pretende “rea­
lizar uma reforma nos mesmos moldes
assim que assuma a Presidência do Bra­
sil” . Essa sua declaração repercutiu ne­
gativamente nos meios conservadores
brasileiros, inclusive entre alguns mem­
bros da comitiva, assustados com a ad­
miração crescente de Jânio por Fidel.

L E A N D R O R E N U N C IA , M ÍL T O N É O NOVO VIC E
Leandro Maciel, candidato à vice- em dezembro, percebera a inviabilidade
Presidência pela UDN na chapa enca­ de continuar com Maciel e vinha con­
beçada por Jânio Quadros, renuíiciou à tribuindo para seu esvaziamento. Lacerda
sua candidatura, sendo substituído por escrevera uma série de artigos contra ele
Milton Campos. chamando-o de coronel dos sertões.
Seus correligionários mostravam eviden­
A candidatura de Leandro, ao que te má vontade em organizar comícios
consta, começara a implodir já antes de nos Estados. A situação tornara-se in­
iniciar-se oficialmente a campanha. sustentável.
Jânio o considerava um companhei­
ro difícil de ser puxado, a UDN o via Após sua desistência, a UDN reuniu
como um correligionário difícil de ser seu comando nacional e decidiu-se pela
empurrado. Atolado em sua condição escolha de Milton Campos, ex-govema-
de candidato antiquado e provinciano, dor de Minas e figura respeitada nos
o próprio Leandro acabou por perceber meios políticos nacionais.
sua inviabilidade eleitoral após realizar Campos estava em viagem turístico-
alguns comícios pouco concorridos no cultural à Grécia e fora pego de sur­
interior do País. No início do mês, em presa com a indicação, notificada por
reunião na residência do líder udenista um telegrama internacional. Aceitou
Abreu Sodré, em São Paulo, ele comu­ com relutância, como um penoso dever
nicou a Jânio sua desistência, embora a cumprir. Afinal já fora candidato à
ressalvando seu desejo de continuar tra­ dros por não divulgar o seu nome jiinto vice-Presidência em 1955 e perdera pa­
balhando na campanha. ao de Jânio na sua propaganda. Quei- ra João Goulart. Agora teria que enfren­
xava-se também do PTN de Emílio Car­ tar o mesmo Jango com a desvantagem
CULPA Da UDN los acusando-o de sabotar sua candi­ de estar entrando atrasado no páreo.
datura. Só agora, em abril, foi que Embora cético quanto às suas possibili­
Leandro vinha fazendo amargas crí­ descobriu o verdadeiro culpado pela sua dades, Milton, conformado, já arregaçou
ticas ao Movimento Popular Jânio Qua­ perda de altura: a UDN, seu partido, as mangas.
desde o episódio da renúncia de Jânio
II
O EQUÍVOCO DÁS ESQUERDAS

(Entrevista com Odon Pereira — 7.a Parte)

Um aspecto de difícil compreensão hoje em dia é o do nao-apoio


das esquerdas à candidatura Quadros. Por que essas negaram apoio a
um candidato de plataforma progressista como Jânio e o deram a
um outro claramente reacionário, Lott?

ODON — O apoio das esquerdas à candidatura Lott, a meu ver,


resultou de uma insuficiente análise da conjuntura internacional da
época e também a uma sua irresistível atração por militares, até hoje
não superada, aliás.

É preciso notar que a campanha presidencial de 1960 se deu num


momento de grande ascensão do movimento popular em todo o mun­
do, com a vitória das forças nacionalistas nas mais distantes partes
do globo. Aqueles eram os dias finais da bipolarização entre as su­
perpotências com a multiplicação dos pontos de conflito. Berlim
deixava de ser o único foco das divergências internacionais, com a
entrada em cena do Oriente Médio, da Indochina e da África. A
disputa entre as potências passava a se mover na geografia do mundo.

Tanto na área capitalista como na socialista as duas grandes


nações enfrentavam a concorrência de novas forças. Os EUA as­
sistiam à entrada no mercado da Alemanha e do Japão, novos gi­
gantes industriais e a URSS disputava com a China a hegemonia do
bloco socialista.

Essa multipolarização do mundo abria uma brecha para que


os países subdesenvolvidos comparecessem às mesas de negociação
com mais força, sem serem obrigados a alinhar-se automatica­
mente com um lado ou o outro.

— 151 —
A esquerda brasileira não fez essa análise da situação interna­
cional e continuou com reações típicas de guerra fria.

E quanto à atração pelos militares, a que você se referiu?

ODON — Sempre que possível a esquerda procurou no Brasil


uma solução via militar. Essa atitude parte da crença de que um
candidato para realizar mudanças teria necessariamente de possuir
o apoio do Exército. Além do mais c general Lott era uma garantia
da continuidade daquele regime democrático, já que fora ele o prin­
cipal avalista da posse de Juscelino em 1955. Jânio por exclusão
deveria ser o homem do imperialismo americano, o qual deveria pa­
trocinar uma ditadura.

Foi nesse aspecto que a análise falhou. Punha-se de lado o fato


de que o candidato Jânio já era um produto desse mundo multipo-
larizado, enquanto Lott ainda estava restrito ao raciocínio da guerra
fria.

Esse contraste aos olhos de hoje está tão nítido que é de se


estranhar que não tenha sido percebido na época. Em janeiro de
1960 Fidel Castro convidou os dois candidatos a visitar Cuba. Jâ ­
nio aceitou o convite, Lott não só o recusou como deixou claro que
jamais aceitaria relações com Cuba.

ODON — Quando Jânio falava em reforma agrária, em rela­


ções com todos os povos, em desatrelamento dos sindicatos, a esquer­
da achava que ele mentia. Por outro lado quando o general Lott
manifestava-se contra a reforma agrária, contra a legalização do PC
contra as relações com todos os países, a esquerda também achava
que ele estava mentindo, que aquilo era só conversa para despistar.

Pelo visto as palavras foram o que menos contou nessa eleição.


Também a UDN e os políticos de direita que deram apoio a Jânio,
quando o ouviam falar em reformas, acreditavam que aquilo tudo
era mera demagogia, que ele jamais pensaria em levar a cabo o que
prometia nos palanques.

ODON — O apoio das esquerdas ao general Lott foi um ter­


rível equívoco. Não seria o primeiro nem o último.

— 152 —
Para a caravana janista a campanha, apesar de exaustiva, não
fera mais dc que um passeio na pista. Por onde quer que passasse
o candidato era recebido comc um messias, o homem providencial
que viera render a Nação.

Segundo pressagiavam os analistas políticos, o Brasil viveria a


3 de outubro uma verdadeira revolução popular, visto que o furacão
janista deixava em seu rastro destruídas todas as feudais estruturas
políticas do País.

Pregando um Brasil Novo para o Novo Brasil, o movimento ia


se espraiando pela Nação até o ponto em que o “Jânio vem aí”
antes um aviso sussurrado para anunciar os comícios tornou-se um
verdadeiro grito de guerra do povo inflamado.

No dia das eleições, apesar do otimismo dos outros candidatos,


já não pairava nenhuma dúvida a respeito do vencedor.

153 —
EXPLICAÇÃO IMPORTANTE

O jornal “A Notícia”, publicado a seguir, é fictício, constituindo-


se num recurso literário para ambientar a época e detalhar os fatos
que nela ocorreram.

As matérias nele encontradas foram redigidas pelo autor a partir


de fatos compilados por esse nos jornais e revistas do período en­
focado.

O autor possui cópias xerografadas de todas as publicações que


serviram de fonte a esse texto.

— 154 —
A NOTÍCIA
___________ * São Paulo, 3 de outubro de 1960 * _________________

H oje E leições no B ra sil


O POVO ESCOLHERÁ O PRESIDENTE. 10 GOVERNADORES,

Realiza-se hoje, em todo do à margem da campanha,


território nacional, as eleições não dando ao candidato pes-
destinadas a escolher o ho­ sedista o apoio da máquina
mem que dirigirá os destinos governamental.
do Brasil no qüinqüênio Os janistas, confiantes na
1961-1965. vitórias que as pesquisas
Os três candidatos, após unanimemente prevêem, têm
terem corrido todo o País uma outra preocupação de
apregoando suas idéias, estão fundo prático: No caso de
agora retirados a seus quar­ Jânio vencer, permitirão sua
téis-generais aguardando an­ posse?
siosamente os frutos do tra­ Tudo indica que sim. Se­
balho realizado. gundo fontes ligadas ao sr.
Na área ademarista, ape­ Juscelino Kubitschek, este já
sar das pesquisas prévias dá como favas contadas a
apontarem seu candidato co­ eleição de Quadros para a
mo lanterna do pleito, per­ Presidência e nada fará no
siste um grande otimismo. sentido de impedi-la.
Já no campo lotista o oti­ O Superior Tribunal Elei­
mismo é suplantado pela in­ toral acredita que em 15 dias
dignação pelo fato do presi­ poderá divulgar o resultado
dente Juscelino ter-se manti- oficial do pleito.
M A R E C H A L H E N R IQ U E T E IX E IR A L O T T
Se nas três últimas campanhas pre­ Sua plataforma para a campanha pre­
sidenciais a UDN se queixava de arras­ sidencial é baseada na continuidade do
tar candidatos difíceis, agora pode reju- plano de industrialização de Juscelino,
bilar-se pois essa carga recaiu sobre o mas com especial atenção no combate
PSD. Mais pesado do que um piano de aos desmandos administrativos.
cauda, o marechal Lott nada fica a de­
ver ao brigadeiro Eduardo Gomes e ao Afirma ser sua maior meta a erra­
general Juarez Távora em matéria de dicação do analfabetismo. Quanto a re­
austeridade e sisudez. Sério, circunspec­ formas na estrutura fundiária é um tan­
to, dono de uma sinceridade chocante, to reticente, prefere soluções progressi­
ele a todo instante demonstra que não vas, sem apelar para medidas traumá­
nasceu para a política. ticas. Sua política exterior seguirá os
passos da iniciada por Kubitschek. Não
se entusiasma por maiores aproxima­
Lott, várias vezes afirmou que só ções no campo diplomático com os paí­
aceitou sua candidatura porque fora ses do bloco socialista e vê Fidel Castro
instado por seus companheiros. Avesso e sua revolução com grande antipatia.
à vida social, não bebe, não fuma, não
joga e, antes da campanha, raros eram No terreno político, diz-se contrário
os dias que dormia depois das 21 horas. à legalização do partido comunista ape­
Militar de carreira, a vida o levou para sar de contar com o apoio das esquer­
anos de carreira, granjeou a reputação das brasileiras.
os caminhos da política. Foi ministro
de um dos mais preparados militares do
da Guerra em três governos (Café Fi­
Brasil. Já esteve em missão na Dinamar­ ■ » W I HMMiWragM
lho, Nereu Ramos e Juscelino) e,em Não são poucos os políticos que o
ca, na França e nos E. Unidos, fala fran­
11 de novembro de 1955, deu um gol­ acreditam sem condições para exercer a
cês, inglês e alemão, possui inúmeros
pe de Estado para abortar outro que, Presidência. Outro dia foi vítima de
cursos de especialização em assuntos mi­
segundo ele,estava em gestação. uma definição atroz: seria o contrário
litares, mas por imposição do destino é
Se dependesse de sua vontade, ja­ na política que se destacou no panora­ de Jânio o qual, segundo alguns, é ma­
mais deixaria a caserna, onde ,em 40 ma nacional. luco por fora e sensato por dentro. . .

AD H EM AR DE BARRO S
O incansável tas: disputa e vence a eleição para
A dh em ar de a Prefeitura de São Paulo, sua única vi­
Barros é nova­ tória eleitoral na década. Em 1958, per­
mente candida­ de novamente a eleição de governador
to à Presidência para Carvalho Pinto, indicado por Jânio.
da República.
Afirmando sua REPRISE
co n v icç ã o de Adhemar termina a década da ma­
que “Desta Vez neira que começou: aspirando à Presi­
Vamos” , ele es­ dência da República. Acredita que o
pera quebrar o tabu que o perseguiu azar acabou e conclama otimista que
por toda a década de 50, enfrentando agora é “ Para Frente e para o Alto
justamente o responsável por seus reve­
zes, Jânio das Vassouras Quadros. A sua plataforma política ainda é
praticamente a mesma de 1955, dando
No início da década passada nenhu­ ênfase à Educação, Saúde e prospecção
ma cartomante ousaria negar aval à sua de petróleo. Sinal dos novos tempos,
presidencialidade. Era o grande caci­ não defende mais a descentralização ad­
que da política paulista, ajudara a ele­ ministrativa e inclui em suas priorida­
ger Vargas à Presidência, escolhera seu des o binômio juscelinista “Energia e
sucessor, despontava enfim para a Pre­ Transportes” . Como em 1955, percorre
sidência dali a cinco anos. Acontece incansavelmente todos os confins do
que, em 1953,surge-lhe a figura patéti­ País a bordo de seu avião particular e
ca do sr. Quadros e arrebata-lhe todas reitera que, caso perca, não irá desistir.
as chances posteriores. Primeiro a Pre­
feitura, derrotando o candidato que in­ VAGA GARANTIDA
dicara, no ano seguinte o governo do
Estado, derrotando a ele próprio. Ain­ No limiar da década de 60, nova­
da otimista, Adhemar enfrentou em mente nenhuma cartomante ousa negar
1955 uma campanha presidencial, tendo que Adhemar tem sua vaga garantida na
obtido um modesto terceiro lugar. Em História do Brasil. Senão como presi­
1957, volta com pretensões mais modes­ Adhemar e dona Leonor dente, ao menos como persistente...
No dia 22 de outubro de 1960 o Superior Tribunal Eleitoral
apresentou os resultados oficiais das eleições.

De Ric Branco a João Pessoa, de Macapá a Porto Alegre, por


todo o Brasil as vassouras janistas saíram às ruas para comemorar
a vitória de seu candidato. Para muitos fora a revolução pelo voto.
Brasileiros de todas as classes, de todas as regiões, de todas as pro­
fissões, votaram em Jânio, indiferentes ao comando dos coronéis,
dos líderes sindicais, dos cabos eleitorais. O janismo minara toda a
estrutura feudal de poder do Brasil.

157 —
EXPLICAÇÃO IMPORTANTE

O jornal “A Notícia”, publicado a seguir, é fictício, constituindo-


se num recurso literário para ambientar a época e detalhar os fatos
que nela ocorreram.

As matérias nele encontradas foram redigidas pelo autor a partir


de fatos compilados por esse nos jornais e revistas do período en­
focado.

O autor possui cópias xerografadas de todas as publicações que


serviram de fonte a esse texto.

158 —
A NOTÍCIA * São Paulo, 22 de outubro de 1960 *

JÂNIO VENCE AS ELEIÇÕES


COM 5.600 MIL VOTOS. A OPOSIÇÃO VENCE PELA PRIMEIRA VEZ NA HISTÓRIA DO BRASIL
Num pleito sem prece- Segundo esses analistas tal
dentes da História do Brasil, fato se deve a ser essa a pri­
Jânio da Silva Quadros ele­ meira eleição presidencial
geu-se presidente da Repú­ onde o voto foi realmente li­
blica com 5 milhões e seis­ vre, com cédulas únicas, im­
centos mil votos. pressas pelo Estado e distri­
O número de votos alcan­ buídas pelo mesário à beira
çado por Quadros soma da uma. Isso teria impedido
48% do total de votos vá­ qualquer forma de manipula­
lidos, percentagem superior ção do eleitorado, permitin­
à de Juscelino Kubitschek do ao votante manifestar li­
em 1955 (3 6 % ), equivalen­ vremente sua opinião. Em
te à de Vargas em 1950 segundo lugar ficou o mare­
(48,7) e inferior à de Dutra chal Lott com 3 milhões e
em 1945 (5 4 % ). A vota­ oitocentos mil votos e, em
ção de Jânio surpreendeu os terceiro, Adhemar de Barros
analistas dado ter sido a com 2 milhões e duzentos
maior votação individual da mil votos.
História do Brasil e também O total de eleitores regis­
ao caráter inusual do presen­ trados nesse pleito foi de 11
te pleito: nunca antes um milhões e setecentos mil,
candidato da oposição logra­ praticamente o dobro do
ra vencer eleições presidên­ registrado em 1945 (5,9 mi­
cias na História do Brasil. lhões).

GOULART E O NOVO VICE-PRESIDENTE


João Belchior Marques Jan” (Jânio e Jango) esses
Goulart, com 4 milhões e últimos lançados sob a pa­
meio de votos, elegeu-se no­ ternidade reconhecida do LACERDA
vamente vice-presidente da PTN de Emílio Carlos. VENCEU NA
República. * * * GUANABARA
* * * Apesar de eleito, tudo in­
Goulart, gaúcho de São dica que não viverá momen­ PAG. 2

Borja, era o afilhado políti­ tos de glória daqui para a


co de Vargas e o homem frente. Jânio tem declarado
que este preparara para su- ao seu círculo íntimo que na­
cedê-lo. Ao fundar o PTB da dará a Goulart a não ser
em 1945, o velho caudilho pão, água e justiça. Isso sig­
o chamou para dirigi-lo. No nifica a perda do controle JORNAL
comando do trabalhismo na­ 1955, como vice-presidente do Ministério do Trabalho, a
eleito na chapa de Juscelino DOS
cional Goulart logrou trazer erosão de seu poder sobre a
Getúlio de volta à Presidên­ Kubitschek. JORNAIS
máquina sindical e o fim de
cia em 1950. O padrinho * * * sua dominação sobre a es­ PAGS. 3
agradeceu-o em 1953, no- Na presente eleição, Gou­ trutura previdenciária. Fora
meando-o ministro do Tra­ lart candidatou-se a vice na a presidência do Senado, di­
balho. Não chegou a es­ chapa do marechal Lott. reito garantido aos vice-pre-
quentar a cadeira pois foi Venceu por não ter-lhe sido sidentes pela Constituição,
obrigado a afastar-se por muito1 fiel. Pragmaticamente seu cargo nada lhe propor­
imposição das Forças Arma­ tratou de formar dobradi­ cionará. Poderoso como um
das, das quais divergia quan­ nhas com os outros candida­ rei de baralho, resta a Jango O MOVIMENTO
to à política salarial. tos a presidente, que ape­ o consolo de ter convite cer­ POPULAR
No mesmo ano de 1954, sar de não reconhecê-lo ofi­ to para todos os banquetes J. Q.
sofre seu segundo revés com cialmente, não colocaram oficiais do Palácio. Não por
nenhum obstáculo à forma­ PAG. 2
a trágica morte do presiden­ vontade de Jânio, é claro,
te. Afastado temporariamen­ ção de comitês “ Ade-Jan” mas por imposição do rígido
te do poder, a ele volta em (Adhemar e Jango) e “Jan- protocolo oficial...
LACERDA GOVERNARÁ
MPJQ A GUANABARA

VITÓRIA ACIMA
DOS PARTIDOS
Quando Jânio renunciou à candida­ panha de arrecadação de fundos através
tura, os políticos assistiram assombra­ de garrafões colocados nas avenidas pa­
dos ao trabalho de um grupo de rapazes ra coleta. O povo recebeu bem a ini­
os quais, sem serem filiados a partidos, ciativa e não havia dia em que estes não
sem disputar qualquer cargo eletivo, voltavam cheios.
mostravam uma tenacidade e uma efi­ * * *
ciência nunca antes vista numa campa­
nha eleitoral. Em menos de 10 dias le­ Com o desmoronamento da estrutu­
vantaram centenas de milhares de assi­ ra partidária, o MPJQ passou a ser uma Carlos Lacerda, jornalista proprietá­
naturas de populares pedindo pela volta maneira eficiente dos janistas organiza- rio do jornal “Tribuna da Imprensa” ,
de Jânio. rem-se nos Estados, dado ao seu cará­ elegeu-se governador do recentemente
ter suprapartidário. fundado Estado da Guanabara.
Segundo seu presidente, o ex-depu-
tado Castilho Cabral, o MPJQ nasceu de A direção nacional, instalada no Rio, O candidato da UDN, ex-líder do
um movimento espontâneo de jovens ca­ cumpria apenas o papel de integrar os partido na Câmara Federal, inimigo
riocas, em sua maioria estudantes, fun­ inúmeros movimentos, mantendo cada maior do varguismo e considerado pelos
cionários públicos e operários, sem nin­ um a sua independência de ação. “A seus adeptos como o responsável núme­
guém que tivesse militância partidária. nós cabia apenas a função de oficializá- ro um pela morte de Getúlio, elegeu-se
lo dado a formarem-se espontaneamen­ governador após uma campanha surpre­
Com a dissolução da primeira executiva
te e só depois de instalados participa­ endentemente moderada para quem co­
e ressentindo da falta de experiência po­
rem-nos seu funcionamento” , afirma um nhece seu estilo político. Não atacou
lítica, os jovens convidaram Cabral para
dos seus dirigentes. seus adversários, nem adotou posturas
presidi-los com a condição de que ja­
mais vincularia o nome do grupo a inte­ agressivas, limitando-se a defender seus
resses partidários. planos de governo. Os analistas do plei­
to atribuem sua vitória à divisão do elei­
Montados em uma Rural Willys, os torado antilacerdista pelas três outras
rapazes do movimento percorreram to­ candidaturas. Carlos Lacerda obteve
No dia 20 de abril de 1959, ainda das as estradas do País, recebendo Jânio, 28% dos votos, contra 26% de Sérgio
sem o comando de Cabral,o Movimento que viajava de avião, em todas as cida­ Magalhães, candidato do PTB. O res­
foi a primeira entidade a lançar o no­ des por onde passou. “Não houve pe­ tante da votação ficou dividido entre o
me do ex-governador de São Paulo à dra, tapume ou barranco em que não general Mendes de Morais, candidato
Presidência da República. fossem pintadas a vassoura e as iniciais do PSD ,e Tenório Cavalcanti, também
do MPJQ” , anuncia orgulhoso Castilho jornalista e proprietário do jornal “Luta
Conta seu presidente que no início Cabral. Até mesmo na divisa com o
tinham contra si a barreira de ceticismo Democrática” . A percentagem de votos
Uruguai encontra-se uma inscrição do brancos e nulos foi considerada normal.
dos políticos, pois ninguém acreditava movimento: ‘um saludo de Jânio a los
que tal movimento pudesse funcionar efi­ hermanos uruguayos’ ” .
cazmente. Sem recursos para trabalhar,
o grupo a princípio instalou-se em duas
modestas salas de um quarto andar na
rua da Quitanda. Nessa época seu úni­ Passada a fase romântica, o MPJQ
co veículo era uma lambreta pertencen­ é hoje uma poderosa agremiação polí­
te a um dos membros. Algum tempo tica. Tem bases em todos os Estados do
depois, o proprietário de uma conces­ País e uma estrutura de fazer inveja a
sionária Volkswagen emprestou-lhes uma qualquer partido político. Comenta-se
Kombi a qual fora imediatamente pin­ que Jânio pretende aproveitar a sua exis­
tada com o escudo do movimento. tência como embrião de um novo parti­
* * * do político que serviría de respaldo a
seu governo. Até o momento, não se i
Com esse modesto aparato o MPJQ pronunciou a respeito.
realizava verdadeiros milagres. Corria
os bairros do Rio de Janeiro, subia em
favelas, avançava pelo interior fluminen­
se. Não demorou muito para que se
tornasse uma poderosa força eleitoral, A UDN também foi vitoriosa em Mi­
atraindo a atenção dos políticos e li- nas Gerais onde seu candidato José de
^rando-se finalmente dos seus problemas Magalhães Pinto elegeu-se governador
econômicos. do Estado, vencendo Tancredo Neves,
candidato do temível PSD mineiro e ex-
Instalados na nova sede, um prédio ministro da Justiça de Vargas. Maga­
semidestruído por urf? incêndio na av lhães Pinto era presidente da UDN e um
Almirante Barroso, os partidários do dos principais artífices da candidatura
Movimento iniciaram uma colossal cam-: de Jânio à Presidência.
( ^
DEPOIMENTOS

“ Qual a razão do sucesso de Jicx-


Quadros?”
Não alcançou o poder na crista de
uma revolução armada, como Vargas.
Não provém de família rica, não parti­
cipa de clã, não tem Partido, não é
dono de jornal, não tem dinheiro, não
chefia grupo político, não serve aos
EUA ou 'a Rússia, não encanta pelos
olhos nem seduz pelo trato.
"O mato-grossense chega ao poder Palavras por palavras o povo pode­
com 43 anos. Está moço e cheio de so­ ría ter votado em outros candidatos que Nos botecos humildes é um deus,
nhos. Tem um desejo imenso de acer­ prometiam a mesma coisa. ( . . . ) nos salões elegantes o esperado, tanto
tar. ( . . . ) A caminhada durou 13 anos. para os patrões como para os criados.
Mas foi da Vila Maria ao Alvorada. O povo querendo votar contra essa Para os pobres, é a esperança; para os
( . . . ) O voto popular, com toda a ma­ situação votou em Jânio porque não ha­ ricos, a segurança.
gia dos seus desígnios, tem desses via outro candidato mais intitulado para
esse voto de oposição. ( . . . ) ( . . . ) Todo retrato de Jânio é im­
caprichos: escolhe um humilde mestre- perfeito, ninguém é, por enquanto, capaz
escola para entregar-lhe o poder.” ( . . . ) Nisso o povo foi muito mais
arguto que os dirigentes de esquerda, de retratar com fidelidade o mais estra­
(editorial) que sinceros, embora, uniram forças e nho e discutido homem da atualidade
apoiaram precisamente os maiores res­ brasileira. Cada um de nós o vê por um
“O Sr. Jânio não tem compromissos ou alguns ângulos de seu caráter, de
com ninguém. Disse isso durante a cam­ ponsáveis por tudo o que eles. comba­
tiam ou pensavam combater. seus gestos, de seus atos. Ninguém o
panha eleitoral e poderá dizê-lo agora pode ver por inteiro.
com mais ênfase. Os Partidos e Líde­ ( . . . ) A vitória de Jânio Quadros,
res que o apoiaram não têm o direito contudo, apresenta não só para os co­ ( . . . ) Sobre Jânio pode-se dizer o
de reinvindicar coisa alguma.” munistas mas todos os sinceros naciona­ que foi, mas nunca o que será.
Murilo Melo Filho listas uma vantagem: é a grande lição (Castilho Cabral in “Tempos de Jânio” )
que nela se encerra. Ficou amplamente Os lotistas citam como causa funda­
provado que a demagogia não encontra mental de sua derrota a traição de Jus­
mais ouvidos junto ao eleitorado, ( . . . ) celino e a “derrama de dinheiro” pelo
CRUZEIRO
(Análise do Pleito de 60 — Caio Prado País.
8 de outubro Jr. in “Revista Brasiliense” n.° 32)
Tais justificativas não correspondem
à verdade. É certo que Juscelino estava
“Dificilmente as tradicionais estru­ interessado na vitória da UDN, mas o
turas partidárias, fundadas com a rede- povo votando contra o governo só po­
mccratização do País, permanecerão es­ dería votar contra Lott que se apresen­
táveis daqui por diante.” tou como continuador da política de
Juscelino.
“O resultado eleitoral demonstra
que se formou uma base votante alheia Quanto ao segundo argumento ele
aos comandos partidários.” é verdadeiro só em parte. (Por maior
(Coluna Política) que fosse o aparato de Jânio) . . . esse
de nada lhe valeria se não o tivesse uti­
lizado transmitindo uma mensagem que
o povo queria ouvir.
“Ao homem que entra”
( . . . ) Enquanto a propaganda de
Jânio se alicerçava em promessas con­
'Jânio (e é Milton Campos quem diz) cretas a propaganda lotista se derrama­
se elege com seus defeitos e governa va em um nacionalismo abstrato e va­
com suas qualidades.” Nessa frase admi­ zio, desligado dos interesses imediatos
rável, condensa-se todo o destino de um da massa.
homem e a vocação de um político.
(Leôncio Basbaun in
* ' ( . . . ) Jânio é o fabuloso taumatur- “História Sincera da República” )
go político que despreza os meios. Vai
governando, vai limpando, vai fazendo “Jânio exercia uma grande fascina­
o que bem entende. Políticos, Partidos, ção nas massas. Seu método de comu­
grupos, não passam de humildes operá­ nicação com o povo era singular. Ma­
rios de um destino que estava escrito gro, desalinhado, sua figura sofredora
na testa desse Lincoln mato-grossense, correspondia à própria imagem do povo
que em vez do machado usa a vas­ sofredor.”
soura.” (Afonso Arinos in
(David Nasser em “ O Cruzeiro” ) “História do Povo Brasileiro” ) .
CAPÍTULO 7 — 1961

P o r que fi-lo? Fi-lo porqu e qui-lo."


(Jân io Q u adros)

— 163 —
Juscelino Kubitschek fora o primeiro presidente a assumir o po­
der no Brasil ccm uma ideologia sistematizada e um plano admi­
nistrativo bem-definido.

A ideologia poderia ser resumida num único e contundente


pensamento, o de que não existe nenhuma diferença entre um mise­
rável habitando um país socialista e um miserável habitando um
país capitalista. Repartir o pão era um ideal muito louvável desde
que houvesse pão para ser repartido. Antes de distribuir as riquezas
era necessário produzi-las.

Segundo as teorias em voga na época, o único caminho para


uma nação periférica romper as amarras do subdesenvolvimento
seria através da industrialização. Ao invés de etemamente pleitear-
se vantagens nas conferências de comércio internacional, melhor
opção para os países pobres seria a implantação em seu território
de indústrias que produzissem os bens que importavam.

Era esse. em tese, o objetivo de JK , mas, a separá-lo de sua


meta, havia toda uma realidade brasileira, uma secular hidra de três
cabeças a manter a Nação aprisionada no seu subdesenvolvimento.

Armado apenas de sua tenacidade, mas escudado per uma efi­


ciente assessoria, Juscelino se dispôs a combatê-la. Para tanto teria
de cortar suas cabeças, uma a uma.
II

A cabeça Política — Fruto de uma realidade secular, o poder


no Brasil estava totalmente loteado e controlado por verdadeiros
feudos regionais e setoriais. Qualquer projeto nacional de desenvol­
vimento fatalmente avançaria ncs pastos cercados desses grupos e
seria fulminado por eles.

O problema era mais grave do que aparentava mormente por


JK ter sido eleito presidente com minguada votação, contando com
a oposição sistemática de diversos segmentos da sociedade brasileira.

Avaliando o poder de fogo do inimigo, Juscelino optou por uma


guerra de flancos, na qual, através de hábeis manobras, podería ofe­
recer combate a seus adversários, um a um, isoladamente.

A oposição das esquerdas, ele anulou parcialmente com con­


cessões e deferências especiais aos seus membros mais intelectuali­
zados. Conclamcu-cs a participar do ISEB, Instituto Superior de
Estudos Brasileiros, onde se formulava a ideologia desenvolvi-
mentista.

A oposição dos políticos fisiológicos foi atenuada por JK


através da generosa distribuição de cargos públicos e sinecuras. En­
tregou o Ministério do Trabalho e o Instituto de Previdência So­
cial ao PTB; os ministérios do Interior, da Fazenda e da Viação para
O PSD; deslocou o eixo das decisões realmente importantes para
grupos executivos e assim pôde governar sem maiores aborrecimentos.

A previsível oposição das elites agrárias pôde ser contornada


com a concessão de crédito agrícola abundante, incentivos à expor­
tação e principalmente a garantia de que, durante o seu mandato,
não havería o perigo de uma reforma fundiária.

O último e talvez mais perigoso dos obstáculos a seus planos,


a desconfiança das Forças Armadas, foi transposto através de uma
habilíssima manobra. Como a oposição militar a seu governo esta­
va concentrada principalmente na Marinha e na Aeronáutica, Jus­
celino ardilosamente criou um foco de atrito entre elas. A aquisição
do mastodôntico porta-aviões Minas Gerais não teve outro objetivo
que não o de cortejar a Marinha — a qual ficou encantada com seu

— 166 —
novo brinquedo — e despertar os ciúmes da Força Aérea, que pas­
sou a reivindicar o controle sobre os aviões de bordo. A contro­
vérsia entre ambas durou vários anos, drenou toda a combatividade
dos oficiais politizados e garantiu ao presidente o sossego necessário
para combater em outros “fronts”.

De certo modo, a construção de Brasília também teve por fina­


lidade solucionar problemas na esfera política. Além de representar
um símbolo concreto e convincente*>
do Novo Brasil, o parque de
obras serviu para barganhar generosos contratos com os grupos po­
líticos que lhe ofereciam resistência.

Decepada a cabeça política, ainda restavam mais duas a com­


bater,

III

A Cabeça Econômica — Não só o governo como todo o empre­


sariado nacional padeciam de uma crônica falta de recursos.

Não havia no País capitais suficientes para financiar o esforço


industrializante pretendido. O pouco que havia encontrava-se dis­
perso entre os setores agrários de exportação e a poupança das ca­
madas médias da população.

Com o intuito de drenar esses capitais, o governo criou uma sé­


rie de normas econômicas e recorreu à emissão de papel-moeda.

As normas econômicas, principalmente as relativas à política


cambial, tinham também o objetivo de atrair investimentos estran­
geiros através da criação de condições favoráveis ao seu aporte.

A adoção de múltiplas taxas de câmbio permitiu ao Estado


transferir recursos e capitais de um setor para outro da economia,
subsidiando os empreendimentos industriais às custas dos exporta­
dores de produtos primários.

A emissão desenfreada de papel-moeda, por outro lado, não re­


presentava outra coisa, na prática, do que um saque a descoberto

— 167 —
contra o pcvo em geral, o qual assistia seus rendimentos e poupan­
ças serem erodidos pela inflação resultante.

Através desses métodos, o governo Kubitschek logrou decepar


a segunda cabeça da hidra. Havia anulado os obstáculos políticos,
conseguira contornar a crônica escassez de capitais da economia,
faltava-lhe agora dar combate à terceira e principal cabeça do sub­
desenvolvimento brasileiro.

IV

A Cabeça Estrutural — Para viabilizar um parque industrial


era necessário primeiro gerar energia barata e abundante e segundo
criar uma infra-estrutura de transportes para levar as matérias-pri­
mas às fábricas e escoar a produção dessas. Energia e Transportes
eram os chamados “pontos de estrangulamento da economia bra­
sileira”.

O “Plano de Metas” executado pelo governo Juscelino priori-


sava três itens: os dois anteriores mais a implementação de indús­
trias de Base, abrangendo a produção de aço, alumínio, equipamen­
tos pesados e indústria naval entre outras. Nessas três metas prin­
cipais foram consumidos mais de 90% do total de recursos arreca­
dados pelo Estado. Para outros setores de importância vital como
Educação, Saúde e Alimentação não restaram mais do que migalhas.

No apagar das luzes do governo Kubitschek, o corpo social


brasileiro quedava-se exausto, gemendo as câimbras que o sobreesfor-
ço desenvolvimentista lhe causara.

As altas taxas de inflação, a dívida externa aumentando em pro­


porções alarmantes eram claros indícios de que o banquete termi­
nara. Uma nova e dura realidade despontava no horizonte, prenun­
ciando dias difíceis e penosos. Chegara a hora de pagar a conta.

Na mensagem presidencial de ano-novo (1961) Juscelino re­


conhecia explicitamente essa situação:

— • 168
"Outros governos poderão empreender a revalorização da
moeda (. ..) Não fecho os olhos a essa realidade. Conheço e
reconheço que é um trabalho imenso o que desafia os nossos
administradores e homens públicos. Sei que o pauperismo con­
tinua a afligir-nos, a danificar-nos. Sei que não foram extintas
as fontes do sofrimento e da miséria; mas, ao mesmo tempo que
me dou conta disso, dou-me conta também de que já não acei­
tamos um destino negativo.

Se é verdade que certos brasileiros procuram defender ainda


um ritmo meramente vegetativo para o progresso nacional, tam­
bém existe um Brasil inconformado, inimigo do atraso, enver­
gonhado com a posição secundária em que vivia.”

A importância da administração Kubitschek para a História do


Brasil é inquestionável. Mas tão ou mais importante, incomensura-
velmente mais difícil, era a missão do governo seguinte.

Se era verdade que JK legara ao Brasil indústrias, usinas e es­


tradas, também era verdade que deixava uma agricultura descapi­
talizada, uma classe média esmagada em seu poder equisitivo, uma
inflação vertiginosa e uma gigantesca dívida externa a ser saldada.

Se Juscelino plantara e adubara a árvore do desenvolvimento


nacional, Jânio havería de ser o jardineiro que estirparia os frutos
podres, revigoraria as raízes, podaria os excessos e combatería as
parasitas que se agregaram ao tronco.

Junto à faixa presidencial, JK também transferia a Jânio uma


bomba-relógio, já acionada para detonar em sua gestão.

— 169 —
EXPLICAÇÃO IMPORTANTE

O jornal “A Notícia”, publicado a seguir, é fictício, constituindo-


se num recurso literário para ambientar a época e detalhar os fatos
que nela ocorreram.

As matérias nele encontradas foram redigidas pelo autor a partir


de fatos compilados por esse nos jornais e revistas do período en­
focado.

O autor possui cópias xerografadas de todas as publicações que


serviram de fonte a esse texto.
A NOTÍCIA * São P a u lo , 1 de fe v e re iro de 1961 *

JÂNIO QUADROS ASSUME O PODER


Chovia em Brasília no dia tida em delírio pela multidão
31 de janeiro, quando Jânio que tomava a praça dos Três
Quadros e João Goulart to­ Poderes, defronte ao Palácio
maram posse na Presidência do Planalto.
e vice-Presidência da Repú­
blica. As cerimônias da in­ Para alívio de JK , Jânio
vestidura tiveram início pela não proferiu o discurso can-
manhã, com a ida dos eleitos dente que se esperava de de­
ao Superior Tribunal Eleito­ núncia aos desmandos da
ral para buscar seus diplomas gestão anterior. Ao contrário,
de posse. A entrega foi feita preferiu polidamente discor­
pelo ministro Ari Franco, rer sobre a determinação de­
presidente do Tribunal, após mocrática de seu antecessor
o que o presidente eleito pro­ que permitiu uma eleição
feriu um discurso de impro­ isenta e uma posse sem so­
viso saudando a lisura do bressaltos.
Tribunal sob cuja tutela um
homem da oposição lograra Num gesto de cortesia o
alcançar o poder. novo presidente ordenou que
o automóvel da Presidência O MINISTÉRIO DE A NOVA CÚPULA
da República conduzisse Jus­ JÂNIO QUADROS
Após a breve cerimônia na Segunde fontes, janistas, o
Justiça Eleitoral, os eleitos celino ao aeroporto de Bra­ novo presidente pretende
Logo após as cerimônias
rumaram para o Congresso sília de onde, num jato da de investidura o presidente concentrar todo poder políti­
Nacional, onde teria lugar o Panair, seguiría rumo à Fran­ Quadros deu posse aos mem­ co de seu governo na mão de
ato de posse. ça. bros de seu Ministério. três homens de sua estrita
A divulgação dos nomes confiança. São eles c ministro
escolhidos deu-se apenas al­ da Justiça Pedroso Horta,
Eram precisamente 11 ho­ * * * guns dias antes da posse, lo­ o chefe da Casa Civil, Fran­
ras e cinco minutos, quando go após o retorno de Jânio cisco Quintanilha Ribeiro e
o presidente Jânio Quadros Em entrevista à imprensa da Europa e surpreendeu os
analistas políticos com a au­ o secretário particular José
entrou no plenário da Câma­ na mesma noite de posse, Jâ ­
sência de algumas personali­ Aparecido. Desses três ape­
ra superlotada, para o jura­ nio discorreu a respeito da nas o último não é oriundo
dades consideradas de no­
mento de praxe. Com todos situação econômica em que meação certa. O presidente da equipe de Jânio no go­
os presentes em pé, o novo encontrava o governo e pediu deu apenas três Ministérios verno estadual. Caberá a eles
presidente prometeu manter, a todos os brasileiros que co­ para a UDN e com isso pôs articular uma bancada do go­
defender e cumprir a Consti­ laborassem cada um çom sua por terra o seu sonho de do­ verno no Congresso, bem co­
tuição da República. A ceri­ minar o novo governo.
cota de sacrifício para o sa­ mo servir de ligação entre o
mônia não durou mais do neamento das finanças nacio­ CARGO AFETIVO presidente e a classe política.
que alguns minutos, seguin- nais. Afirmou ter encontra­ Um episódio relatado pela A área econômica ficará a
do-se ao juramento de Jânio, do o governo à beira da ban­ revista Manchete é bem re­ cargo do ministro da Fazen­
o do vice-presidente, a leitu­ carrota, com dívidas já ven­ presentativo da decepção de da, Clemente Mariani, que te­
ra do Termo de Posse e a alguns preteridos. Segundo a rá grande autonomia de ação
cidas no Exterior, quadro ex­
revista, um senador udenista embora o presidente ressal­
audição do Hino Nacional. cessivo de funcionários e to­ que muito trabalhara na cam­ ve para si as decisões mais
talmente minado pela corrup­ panha procurou Jânio para importantes. Jânio pretende
O ponto alto da transfe­ ção. O discurso presidencial saber qual seria seu lugar no
dar a Mariani o respaldo po­
rência de poder foi a passa­ teve enormes repercussões governo e recebeu a seguinte
resposta: “Seu lugar, meu lítico que deu a Carvalho
gem da faixa presidencial de devido ao seu conteúdo e à Pinto, no saneamento das fi­
querido, é o mais precioso
Juscelino Kubitschek para forma violenta com que foi deles. É aqui, no meu cora­ nanças estaduais durante sua
Jânio da Silva Quadros, assis- proferido. ção!” gestão de 1955 a 1958.
I' " —
OSTRES
Còitorial M O SQ U E TEIRO S
N AVEG AN D O C O M JÂN IO Odiados pelos adversários, invejados
pelos correligionários, eles compõem a
santíssima trindade janista. Segundo
A definição mais exata para a Po­ e 6 do Sul do País. Entre esses últi­ fontes palacianas, Jânio não toma ne­
lítica é a que a classifica como “A Arte mos, 2 são paulistas e 1 é gaúcho. Os nhuma decisão sem ouvir a opinião des­
do Possível” . Do possível porque nem três Ministérios restantes foram salomo- ses seus conselheiros políticos.
sempre o ideal é viável; Arte porque nicamente divididos entre Minas e Rio:
sua execução não obedece a padrões rí­ 1 e V2 para cada Estado. (Afonso Ari­
gidos ou a regras imutáveis. Misto de nos é mineiro, mas senador pela Guana­
artista e pragmático o bom político há bara.)
de possuir muito de sensibilidade e dis­
cernimento. b) Representação Partidária: três
dos dez ministros civis não são filiados
O político eficiente, à semelhança do a nenhum partido. Dos sete restantes,
velejador experimentado, tem consciên­ um provém do campo adversário (Pes­
cia de que entre dois pontos a reta pode tana) e seis dos partidos que o apoia­
ser a menor distância, mas raramente ram: três da UDN, um do PDC, um do
é o melhor caminho. Ou mesmo um ca­ PTN e um do PR.
minho possível. Quer no timão de um Oscar Pedroso Horta
Entre os udenistas, um (Afonso Ari­
Estado, quer no leme de um veleiro, o nos) é representante da ala moderada,
bom navegador há de saber conciliar a Advogado de renome, ex-presidente
um da ala mais. combativa (Agripino) da CMTC, ex-diretor da Guarda Civil,
direção dos ventos com o rumo preten­ e um está afastado das lides partidárias
dido, e para isso há de ter bom braço. apesar de originário do adhemarismo é
(Mariani). hoje um dos mais ardorosos e eficientes
A composição de um Ministério é O novo ministro do Trabalho, ape­ janistas. Ocupará a pasta da Justiça.
um exercício penoso de habilidade po­ sar de não estar filiado a nenhum par­
lítica. Como conciliar necessidades téc­ tido é ex-petebista e tem grande pene­
nicas com interesses políticos? Entre tração na area sindical.
esses últimos, como acomodar as tendên­
cias contrárias, como combiná-las de c) Representação Militar'. Os três
forma a não deixar ninguém de fora, ministros possuem grande prestígio em
mas, também,não inviabilizar o governo suas armas. Moss tem postura política
com revoluções intestinas? Quanto do moç^rada, Heck foi comandante do Ta-
poder deve ser delegado, quanto deve mandaré em 1955 e Denys somou for­
ser retido? Se distribuí-lo em demasia, ças com Lott na ocasião. O ministro da
o governante torna-se escravo de seus Guerra tem-se pautado por uma atua­
auxiliares, se concentrá-lo além do de­ ção, isenta e legalista, sendo sua presen­
Quirttanilha Ribeiro
vido, perde o apoio dos mesmos. ça no Ministério um fator de estabili­
zação. Advogado, amigo particular de Jâ­
A composição do Ministério janista nio, chefiou a Casa Civil do Governo
é um exemplo típico da maneira como Segundo o parecer do presidente é
essa a tripulação mais adequada para do Estado. Cauteloso e hábil, ocupará
o presidente eleito enxerga o teorema
conduzir a nau brasileira rumo às re­ o mesmo posto na Presidência da Re­
e tenta resolver suas equações. pública.
formas que pretende realizar. Por en­
a) Represeíhtação Regional: dentrequanto o mar está calmo e o vento está
os 10 ministros civis, 4 provêm do Norte soprando a favor.

E a seguinte a composição do Ministério de Jânio Quadros:

Fazenda : Clemente Mariani, UDN-Bahia Viação: Clóvis Pestana, PSD-RS


Exterior: Afonso Arinos, UDN, Minas Trabalho-, Castro Neves (sem partido)
e Rio São Paulo
Minas e Energia : João Agripino, UDN- Agricultura-, Romero Costa (sem parti­
do) Pernambuco José Aparecido de Oliveira
Paraíba
Indústria e Comércio: Arthur Bernardes Justiça'. Pedroso Horta (sem partido) Jornalista, secretário particular de
Filho, PR-Minas Gerais São Paulo Magalhães Pinto, foi “emprestado a Jâ­
Guerra : Gal. Odílio Denys nio para a campanha presidencial” .
Educação'. Brígido Tinoco, PDC (ex-
PSB) Rio Marinha'. Alm. Sílvio Heck Funcionou com tanta eficiência que
foi convidado para a secretaria especial
Saúde : Catete Pinheiro, PTN-Pará Aeronáutica'. Brig. Grum Moss do presidente.
Já nos primeiros dias após a posse, Jânio demonstrara não estar
blefando. As primeiras providências do novo governo foram no
sentido de cortar toda e qualquer despesa que onerasse desnecessa­
riamente os cofres da União. Gerando polêmicas na mesma propor­
ção em que economizava recursos o presidente Quadros exigiu cor­
tes de verbas em cada ministério, baixou severas regulamentações
para o uso dos carros oficiais, ordenou que os depósitos de todos
cs institutos ligados ao governo fossem centralizados no Banco do
Brasil para maior controle, proibiu rifas de automóveis e aparta­
mentos, limitou as viagens de militares e funcionários civis ao Exte­
rior, instaurou inquéritos no IBGE, COFAP, SPVEA, IAPM e IAPB
e ordenou o levantamento da situação dos escritórios comerciais no
Exterior.

Ao mesmo tempo em que tomava medidas drásticas para redu­


ção de gastos públicos, Quadres ordenava ao ministro da Fazenda,
Mariani, que elaborasse um estudo de profundidade a respeito da
situação econômica do País, garantindo-lhe que não hesitaria em
tomar qualquer medida para saneá-la, por mais amarga que fosse.

Paralelamente, o novo presidente delineava qual seria a sua po­


lítica em relação ao Exterior. Uma de suas primeiras providências
nesse aspecto fora solicitar ao ministro Afonso Arinos a realização
de estudos visando ao reatamento imediato das relações diplomá­
ticas com a Hungria, Bulgária e Romênia, três países da cortina de
ferro com os quais o Brasil estava rompido desde 1942.

Quando terminou o primeiro semestre de 1961, o controvertido


presidente brasileiro já ocupava as páginas dos jornais de todo o
mundo.

— 173
EXPLICAÇÃO IMPORTANTE

O jornal “ A Notícia”, publicado a seguir, é fictício, constituindo-


se num recurso literário para ambientar a época e detalhar os fatos
que nela ocorreram.

As matérias nele encontradas foram redigidas pelo autor a partir


de fatos compilados por esse nos jornais e revistas do período en­
focado.

O autor possui cópias xerografadas de todas as publicações que


serviram de fonte a esse texto.

174 —
A NOTÍCIA
* São Paulo, 1 de julho de 1961 *

5MESES SOB O BASTÃO


1*F OUADR
OS PRIMEIROS CINCO MESES
A MORALIZAÇÃO
O SANEAMENTO DA MOEDA ADMINISTRATIVA

Uma das primeiras medidas do pre­


— “Presidente, se Vossa Excelência nos conceder uma verba de 100 bilhões sidente Quadros, logo após ser empos­
de cruzeiros, o Nordeste Brasileiro estará salvo. sado, foi a nomeação de diversas Co­
missões de Inquérito e Sindicância para
— “Não há dinheiro e não podemos recorrer a novas emissões. Não existe, go­ averiguar a existência de desmandos e
vernador, desenvolvimento à base de papel pintado.” corrupção nos órgãos do governo fe­
deral.
(Diálogo havido entre Jânio e o Governador Cid Sampaio, de Pernambuco, du­ Essas comissões, fontes geradoras de
rante a recente reunião dos governadores do Nordeste.) acalorados debates na Câmara dos
Deputados, são formadas invariavelmen­
Segundo os entendidos no assunto, em 100%. Simultaneamente Jânio en­ te por três membros: um oficial das
não existe tática mais desastrosa e in­ viou o ministro da Fazenda ao Exterior Forças Armadas, para dar à investigação
grata politicamente do que executar com a missão de negociar as dívidas um caráter imparcial e apolítico; um ba­
planos de contenção monetária. Verda­ brasileiras, todas de resgate a curto pra­ charel, para atender aos aspectos jurí­
deiros frigoríficos de lideranças, eles zo, estando algumas já vencidas. dicos; e por último, um contador, para
averiguar o aspecto financeiro. Com
provocam quedas muito mais abruptas tal composição, essas comissões, segun­
nos índices de popularidade do que nos AS PRIMEIRAS VITORIAS do Jânio, “não deixarão passar um ca­
índices de inflação. Por essa razão, são marão que seja por suas malhas” .
poucos os governantes de bom senso
Já em julho a tática adotada come­ Os primeiros órgãos a sofrer a ação
que ousam mexer nesse vespeiro de for­ dessas comissões foram o IBGE, a CO-
ma decidida. Em geral procura-se ado­ ça a mostrar seus efeitos: o FMI con­
FAP, a Rede Ferroviária Federal, o
tar medidas paliativas e transferir o pro­ cordou em não cobrar as dívidas venci­ IBC, o Instituto de Resseguros e a Lote­
blema inflacionário, juntamente com a das e conceder novos empréstimos. ria Federal. Os inquéritos que mais re­
faixa presidencial,para o sucessor. percussão tiveram foram os realizados
Os bancos internacionais e o Tesou­ em toda a máquina previdenciária do
UMA OPÇÃO DIFÍCIL ro americano, prorrogaram o pagamen­ Estado, a qual esteve durante o gover­
to e amortizaram a maior parte das dí­ no passado nas mãos do PTB, por acor­
vidas brasileiras, o que abre as portas do entre o presidente Kubitschek e o vice
O atual presidente está adotando João Goulart.
do crédito internacional ao País. Por
uma política diversa. Segundo seus cál­
outro lado, as medidas de contenção GOULART ENVOLVIDO
culos — que privilegiam mais a estraté­ interna, apesar dos traumatismos causa­
gia do "que a tática — não poderá rea­ Os inquéritos da Previdência trouxe­
dos no início (a eliminação dos subsí­
lizar um governo de idealização ambi­ ram à tona escândalos inumeráveis li­
dios provocou um aumento brutal nos
ciosa, enquanto não resolver de vez os gados à corrupção e ao empreguismo.
preços do pão e do transporte público)
problemas financeiros que sufocam o O próprio vice-presidente Goulart vití-
começam a render frutos: a emissão se envolvido nas sindicâncias, o que
Tesouro Nacional e impossibilitam a
mensal de papel-moeda pelo Tesouro motivou seu rompimento político com
ação da máquina administrativa. Segun­
Nacional caiu de Cr$ 6.900 milhões em o presidente levando toda a bancada do
do deixou transparecer aos seus assesso­
março para Cr$ 3.900 milhões em junho, PTB a adotar uma política de oposição
res, ele pretende adotar a mesma estra­ ao Governo.
com uma previsão de apenas Cr$ 2.000
tégia que usou quando no início do go­
milhões em julho. O presidente mostra-se indiferente
verno de São Paulo. Já que é necessá­
às críticas dos deputados e promete le­
rio receitar remédios amargos é melhor var suas sindicâncias até o fim.
que o faça já, no início do mandato, en­
quanto sua popularidade está intacta. XSSTMUmBSIW5KÜ
Aguentando as pressões até o ano que Na prática esses dados indicam que Outro foco de conflito entre o pre­
vem, a partir desse poderá sair para já se vê luz no fim do túnel. Estando sidente e os parlamentares é quanto ao
planos e obras mais ousados, quando a infjação em declínio acentuado, o dé­ seu programa de corte de verbas e des­
então o Tesouro estará aliviado, a infla­ ficit orçamentário sendo abolido, os pra­ pesas, exagerado e injustificável segun­
ção contida e as dívidas consolidadas. zos das dívidas já dilatados, o crédito do a opinião da classe política. Jânio
externo fluindo fácil, tudo leva a crer retruca que “sua obra não pode ser le­
vada a cabo sem que interesses sejam
OS REMEDIOS que até o início do ano que vem o go­
contrariados, sem violenta e teimosa
verno poderá abandonar a sua política oposição” . E adverte “ enquanto eu te­
Dentro dessa filosofia, já em marçó de contenção e partir para uma estra­ nha força, hei de promovê-la com o pro­
a Superintendência da Moeda e do Cré­ tégia desenvolvimentista. Se mantiver o pósito de concluí-la a qualquer custo e
dito (SUMOC) baixou a resolução 204, timão firme até lá, a nau brasileira terá a qualquer preço” .
a qual eliminou de uma só vez as múl­ saído da tempestade e'seu comandante A opinião geral é de que Jânio e os
tiplas taxas de câmbio, aboliu todos os terá meios de realizar o governo his­ deputados estão entrando em rota de
subsídios existentes e valorizou o dólar tórico que tanto ambiciona. colisão.
Quadros:
Política Externa
“OS 4 CAVALEIROS DO — O intelectual escolhido para em­ sue do primeiro (capitalista) e aproxi­
APOCALIPSE baixador é negro. mar-se do terceiro (ao qual pertence),
o Brasil, na opinião de Quadros, chegará
1 — O presidente anuncia a aber­
a sua devida posição, no que tange ao
tura de três novas embaixadas no Exte­ "CONTATOS IMEDIATOS COM concerto das nações.
rior e escolhe um renomado intelectual 3.” MUNDO"
para chefiar uma delas.
2 — O Ministério das Relações Ex­ “OS RUSSOS ESTÃO CHEGANDO!”
Com tão inusuais medidas não é de
teriores prossegue no esforço de reatar surpreender que a política exterior de
relações com mais 5 países, para os Quadros seja a mais polêmica da histó­ Logicamente tais modificações no
quais envia uma missão diplomática. ria do Brasil. O que se estranha é que eixo de nossa política provocam enor­
3 — A Secretaria de Imprensa da tal atitude tenha surpreendido alguns cír­ mes abalos nas paleolíticas estruturas
Presidência da República anuncia para culos, pois desde a campanha eleitoral das sociedade brasileira.
agosto a chegada ao Brasil de uma mis­ tais medidas eram apregoadas pelo atual
Pata muitos uma aproximação com
são de boa vontade de um dos países presidente.
os “bárbaros” povos africanos, constitui
em aproximação. A política externa do governo Jânio, uma heresia irresponsável que como
4 — O embaixador de uma “nação se analisada sem preconceitos ideológi­ resultado só traria mágoas à nossa co­
amiga” ouve do presidente da Repúbli­ cos e raciais | é bastante coerente com lonialista nação-mãe, Portugal.
ca que o Brasil respeitará a ferro e fogo as idéias de seu realizador. O presidente
Para outros, o fato de procurar es­
o princípio de autodeterminação dos Quadros é de opinião que o Brasil deva
tabelecer relações comerciais com nações
povos. adotar uma atitude de equidistância em
do bloco socialista (Iugoslávia, Bulgá­
relação aos dois blocos em que se divi­
Todos esses fatos seriam considera­ ria, Rússia, Hungria e Albânia) repre­
de o mundo atual. Tal postura, a seu
dos rotineiros, tidos como próprios de sentam a adesão do governo brasileiro
ver, só poderá trazer bons frutos ao País
um governo dinâmico, não fossem algu­ à sua ideologia.
quer sociais, quer políticos, quer econô­
mas características peculiares: micos. Há aqueles que não dormem à noite
— As três novas embaixadas são em só de pensar na chegada dos russos em
Para que tal postura seja possível
países africanos. nossas praias, através da missão de boa-
precisa o presidente corrigir os erros do
vontade que aqui aportará em agosto.
— Os cinco países com os quais o passado, no qual o Brasil, tradicional­
Brasil tende a reatar relações diplomá­ mente alinhou-se aos EUA, rejeitando E há por fim a indignação dos di­
ticas são do bloco socialista. qualquer possibilidade de ligação com plomatas tradicionais com a nomeação
o bloco socialista e também votou auto­ de um negro, Raimundo Souza Dantas,
— A missão de boa-vontade espe­ maticamente com Portugal em relação como embaixador do Brasil em Gana.
rada para agosto é da União Soviética. aos problemas africanos.
A oposição está toda centralizada na
— A nação amiga cujo embaixador Procurando intensificar os seus laços figura de Carlos Lacerda, o qual tem
ouviu do presidente brasileiro declara­ diplomáticos com o segundo mundo (so­ feito contundentes pronunciamentos con­
ções de independência é os E U A cialista), cortar a dependência que pos- tra a política externa do governo.

A fonso A rinos,
U M M IN IS T R O E X E M P L A R
Afonso Arinos de Melo Franco, ex­ não se deixar perder por preconceitos com sobras o nível da capacitação téc­
perimentado homem público e parlamen­ ideológicos. Por outro lado esse homem nica desejado pelo presidente.
tar é o polêmico ministro encarregado haveria de ter um passado político aci­
de efetivar a política exterior do gover­ ma de qualquer dúvida, justamente para Por outro lado Afonso Arinos tam­
no Quadros. evitar tais preconceitos por parte de ter­ bém é Melo Franco e esse nome no Bra­
ceiros. sil representa uma tradição secular de
Apesar de sua escolha ter provocado homens públicos oriundos da sociedade
inúmeras controvérsias, não poderia ter mineira. Senador pela UDN carioca, seu
sido mais acertada tanto no campo téc­ Afonso Arinos é sem dúvida um dos passado parlamentar lhe garante a con­
nico como no político. mais esclarecidos e cultos membros de dição de cidadão acima de qualquer sus­
nosso Congresso. Com um número ex­ peita no terreno ideológico.
Para administrar o deslocamento do pressivo de obras publicadas, desde tra­
Brasil no mapa político mundial o pre­ balhos de natureza literária até estudos Mesclando esses dois requisitos, não
sidente procurava um homem que tives­ de Direito, História, Sociologia, Admi­ havia outra pessoa mais apropriada para
se suficiente cultura e bom senso para nistração e Ciência Política, preenche tal tarefa no Brasil.
COMBATE AO CONTRABANDO
©siioriai Com o sentido de combater o con­
trabando em geral e o translado clan­
destino de café ao Exterior em particular
o presidente Quadros, já em março, emi­
LUZ VERMELHA PISCANDO tiu um memorando (bilhetinho) convo­
cando o Exército, a Marinha e a Aero­
náutica a participar dessa batalha.
Diz-se que a mais difícil e impor- O atual presidente, ao que transpa­ Com a entrada em campo das For­
ças Armadas, única instituição em con­
tante decisão de um governante deve ser rece nesses seus primeiros cinco meses
dições de levar avante um plano eficaz
tomada já nos primeiros tempos de de mandato, optou também pela luta. para tal objetivo, o contrabando nas cos­
mandato. Origina-se na constatação de Só que, talvez fruto de sua biografia tas brasileiras diminuiu sensivelmente.
que o seu poder efetivo é bem menor política, ele mostra uma certa ojeriza a Vasos de guerra brasileiros passaram a
do que aparentava, estando quase todas manobras de flanco, preferindo o ata­ revistar em alto-mar todas as embarca­
as áreas de ação do executivo tomadas que frontal e aberto. ções, aviões da FAB patrulharam inces­
por grupos econômicos e políticos po­ santemente a costa para detectar a pre­
derosos e bem-definidos. Frente a tal Ao adotar o sistema de governos iti­ sença de navios em águas territoriais,
tropas do Exército vasculharam as fron­
situação resta-lhe duas opções: acomo­ nerantes, nos quais se instala por alguns
teiras e em menos de um mês começa­
dar-se na condição de príncipe de Ga­ dias em cada região do País e confabula ram a surgir os resultados: vários na­
les ou partir para a realização de um com os governadores e demais lideran­ vios apreendidos, quadrilhas internacio­
governo ambicioso. ças; ao criar subchefias da Casa Civil nais desbaratadas, milhares de sacas de
nos Estados, recolhendo diretamente à café, centenas de milhares de dólares
Presidência as reivindicações locais; ao em mercadorias estrangeiras aprisio­
Definindo-se pela primeira, estabe­ nadas.
organizar o Serviço de Assistência aos
lecerá um armistício com esses grupos
Municípios, estabelecendo um canal de A Presidência adverte que levará es­
e receberá em troca a certeza de um
comunicação direta entre os prefeitos sa guerrilha até as últimas conseqüên-
mandato tranqüilo. Escolhendo a se­ municipais e o governo federal; ao ado­ cias, “ doa a quem doer” .
gunda terá de armar-se e atacar as mu­
tar todas essas medidas, Jânio está na “NEW LOOK” EM BRASÍLIA
ralhas inimigas, preparando-se para os
prática erodindo as bases de poder dos Talvez não tenha havido na história
previsíveis revides.
parlamentares, invadindo as suas áreas da República brasileira, presidente de
de influência, tomando-os obsoletos co­ hábitos tão pitorescos e exóticos. Além
Na nossa História moderna, temos o mo intermediários entre o poder central de governar através de bilhetinhos, sua
exemplo de dois governantes que opta­ e as necessidades locais. marca registrada, Jânio ainda se dá ao
ram pela segunda alternativa. Tanto luxo de criar novas modas, como a do
Vargas quanto Juscelino trataram de Apesar de válidos os objetivos o “slack” , traje utilizado na índia pelos
erodir as forças inimigas através de ma­ presidente tem sido muito precipitado. colonizadores ingleses. O presidente
nobras de flanco. Procurando separar Está progressivamente se distanciando acredita que tal traje é o mais adequado
dos grupos políticos tradicionais, sem para o funcionalismo num país de clima
o poder econômico do político, Vargas
quente como o nosso. As resistências
criou na década de trinta os Institutos criar novas bases de respaldo político. têm sido enormes. De “ slack” , Jânio
do Café, do Açúcar e Álcool, do Cacau Afasta-se dos partidos existentes sem em despacha no Planalto os seus bilhetinhos
e vários outros, através dos quais os contrapartida criar o seu próprio. (O que atingem as mais inusitadas áreas.
empresários de cada área pudessem ne­ MPJQ tem todas as condições para is­ Proibiu as brigas de galo em todo o
gociar diretamente com o governo, sem so.) Agindo dessa forma, superestiman­ País, o uso de lança-perfume, o funcio­
a intermediação dos líderes políticos. do o poder efetivo dos seus seis milhões namento dos “Jociceys Clubs” em dias
de votos, avançando no território inimi­ de samana, regulamentou o comprimento
Satisfazendo esses empresários, cortejan­
do maiô das misses nos Concursos de
do as Forças Armadas e barganhando go, Jânio corre o risco de ficar sem re­ Beleza televisionados, entrando assim
com os governadores, conseguiu montar taguarda, sem apoio logístico, isolado e em áreas pouco convencionais para des­
o tripé onde baseou o seu poder duran­ cercado pelas forças dos adversários. pertar o interesse de um presidente.
te quinze anos. Quanto às razões, as opiniões se divi­
Se não corrigir a tempo as falhas dem: alguns acham que se trata de mera
de sua estratégia, estará incorrendo no idiossincrasia do presidente, outros acre­
Não é outro o exemplo de Kubits- mesmo erro de Vargas em 1954. Su­ ditam ser uma forma de sensacionalismo
chek. Deixando os Ministérios nas mãos perestimando o poder efetivo do seu barato, uma forma de desviar a atenção
dos políticos tradicionais, ele simples­ partido de massas, Getúlio descuidou- das agruras causadas pelo processo de-
mente deslocou o eixo do poder para se das forças políticas tradicionais, das flacionário. O que poucos se lembram
os seus “Grupos Executivos” através dos Forças Armadas e dos grupos econômi­ é que tal estilo de governo vem acompa­
quais negociou diretamente com o em­ nhando Janio desde os tempos da Pre­
cos. Quando deu por si, já era dema­ feitura. Essas pequenas coisas, além de
presariado e realizou o seu Plano de Me­ siado tarde. garantir-lhe espaço permanente na im­
tas. Nunca deixando, é claro, de man­ prensa, têm o dom de reparar situações
ter um bom relacionamento com as Que Quadros não tenha o agosto de que ele sempre julgou erradas, mas não
Forças Armadas. Vargas. tinha poderes para modificá-las.
Até o mês de julho o presidente Quadros, apesar das drásticas
medidas tomadas na área econômica, vinha exercendo uma política
interna de caráter nitidamente conservador./Cem o intuito de sanear
as finanças, aceitara as regras do Fundo Monetário Internacional /
e, isso, aos olhos de muitos era um claro sinal de que não pretendia
aventurar-se em terrenos incertos no campo econômico e socialy

Como o presidente que o antecedera, Kubitschek, para realizar


o seu plano de metas, tivera de renunciar a qualquer aventura no
terreno externo, os analistas políticos acreditavam que Jânio Qua­
dros, para levar a efeito uma arrojada política internacional, fatal­
mente deveria renunciar a aventuras no campo interno. A opinião
geral era de que Jânio, como JK , não seria imprudente a ponto de
abrir dois “fronts” simultâneos na sua luta contra o reacionarismo
da classe política brasileira.

Para surpresa geral, no início do mês de julho, o presidente


Quadros convoca uma reunião ministerial e anuncia que pretende
levar avante, imediatamente, as reformas sociais que prometera na
campanha eleitoral.
EXPLICAÇÃO IMPORTANTE

O jornal “A Notícia”, publicado a seguir, é fictício, constituindo-


se num recurso literário para ambientar a época e detalhar os fatos
que nela ocorreram.

As matérias nele encontradas foram redigidas pelo autor a partir


de fatos compilados por esse nos jornais e revistas do período en­
focado.

O autor possui cópias xerografadas de todas as publicações que


serviram de fonte a esse texto.

180 —
A NOTÍCIA * São Paulo, 7 de julho de 1961 *

A Revolução de Jânio Quadros


PRESIDENTE CONVOCA MINISTÉRIO E ANUNCIA NOVAS REFORMAS 1

Em reunião extraordinária Afirmando que “ a conjuntu­ grupos ou partidos, “com- a reformulação das estrutu­
do Ministério, realizada on­ ra revolucionária que a Pá­ premttendo-se apenas com ras nacionais, mais o apoio
tem (6 de julho), o presi­ tria atravessa” , lhe dá a con­ os milhões de brasileiros que que deu ao projeto de refor­
dente Jânio Quadros comuni­ vicção de que é necessário o elegeram e nele confiam” . ma agrária do deputado Jof-
cou aos seus auxiliares a sua “promover e executar com Após essa introdução o pre­
disposição de partir de forma fily (ver à pág. 2 ), iomou
urgência essas reformas es­ sidente passou a examinar,
decisiva para a realização truturais” , o presidente fez item por item, as reformas de surpresa as lideranças par­
das reformas de base e de questão de frisar que o Mi­ pretendidas. tidárias e significa uma revi­
estrutura, que anunciara du­ nistério ali presente não tem A disposição presidencial ravolta no quadro político
rante sua campanha eleitoral. compromissos com pessoas. de promover imediatamente atual.

LEI CONTRA OS MONOPÓLIOS


__-------------
O presidente insistiu junto
ao ministro das Minas e E-
de armas para combater os
excessos dos detentores de
Reforma no REFORMA EM

nergia quanto à aprovação


da Lei Antitruste pelo Con­
grandes capitais e empresas.
O projeto de lei foi enviado
Sistema TODOS OS
C Ó D IG O S
gresso Nacional nos próxi­
mos 15 dias. O ministro João
ao Congresso já há dois me­
ses e está emperrado na Co­
Creditício O presidente encarregou o
Agripino fora escolhido por missão de Economia, tendo ministro da Justiça Oscar
provocado enormes contro­ No sentido de dinamizar o
Jânio para articular a apro­ Pedroso Horta de iniciar
vação do projeto devido às vérsias desde então. Como papel dos estabelecimentos
bancários como fator de in­ imediatamente o trabalho das
suas ligações parlamentares e medida complementar o pre­
ao prestígio que granjeou sidente ordenou a revisão cremento da produção foi comissões nomeadas para co­
junto aos deputados durante das tabelas de imposto de ordenada a alocação de ver­ ordenar a revisão dos Códi­
o período em que exerceu a renda no sentido de tomá-las bas para a instalação de gos Penal, Civil, Processual
liderança da UDN naquela mais rigorosas para os lucros agências do Banco do Brasil, Civil, Processual Penal, das
Casa. extraordinários e mais bran­ Contravenções, do Trabalho
fixas ou volantes, em todas as
Com a Lei Antitruste, o das em relação a salários e e Comercial. Essas comis­
vencimentos. localidades onde os agricul­
governo pretende munir-se sões já estão constituídas e
tores ainda não tenham aces­
LEI DE REMESSAS DE LUCROS so ao crédito agrícola. Se­ delas participam juristas de
gundo o presidente, o Banco renome como Orozimbo No­
Após inúmeras discussões, te optou por uma solução
já está pronto o projeto de intermediária que é a de li­ do Brasil não é uma empresa nato, Nelson Hungria, Caio
let que regulamenta a remes­ mitar a remessa de lucros destinada a dar lucros mas Mário Pereira, Sílvio Mar­
sa de lucros para o Exterior através de tributação. Segun­ um estabelecimento que tem condes, Orlando Gomes e
das empresas estrangeiras o do o projeto final, as empre­ por objetivo financiar a pro­ Bulhões Pedreira. Devido ao
qual será enviado ao Con­ sas estrangeiras terão taxados dução. fato de certos códigos esta­
gresso nos próximos dias. em 30% os seus lucros dis­ rem em vigência há várias de­
tribuídos e em 10% os seus zenas de anos e suas leis de­
O debate sobre a questão lucros reinvestidos em proje­ Q governo já tem concluí­
tos aprovados pela Sudene. satualizadas, contraditórias e
dividiu o Ministério em duas dos os planos de criação ime­
correntes opostas de opinião: confusas, o trabalho das co­
O presidente afirmou que diata de dois novos bancos:
uma que pretendia limitar as missões será demorado, não
essa solução não é definitiva o Banco de Exportação e Im­
remessas anuais a 10% do esperando-se a conclusão dos
e que pretende progressiva­ portação e o Banco Rural.
capital inicial investido pela anteprojetos ainda para este
mente apertar o cerco sobre Através deles pretende-se
empresa e outra que acredi­ ano.
essas remessas. Na sua opi­ tomar a política de crédito
tava que qualquer limitação nião qualquer projeto mais
à remessa de lucros significa­ interno mais maleável e ver­
radical — lembrando-se que sátil, estimulando o verda­ Na reunião de ontem o
ria na prática o afugentamen- o País até o momento não
to dos investidores estrangei­ tem nenhuma legislação nesse deiro produtor em detrimen­ presidente assinou ato aio-
ros para outros países de le­ sentido — , podería de fato to dos especuladores, princi­ cando as verbas necessárias
gislação mais branda. Entre afugentar o investidor estran­ pais beneficiários do sistema ao imediato funcionamento
as duas correntes o presiden­ geiro. creditício atual. das comissões.
JÂNIO QUER
A REFORMA AGRÁRIA
PRESIDENTE APOIA UM PROJETO E AFIRMA QUE 0 EXECUTARA POR CONTA PRÓPRIA,SE NECESSÁRIO.

Os meios políticos brasileiros estão No seio do PTB, da UDN e do PSD tus ministerial e nos Estados contaria
sobressaltados com a notícia de que o chocam-se duas tendências: uma ousa­ com subcomissões com amplos poderes
presidente Jânio Quadros encontrou-se da e revolucionária, e outra conservado­ para desapropriar “ as terras que, pela
com o deputado José Joffily do PSD pa­ ra e cautelosa. sua extensão ou localização, impeçam ou
raibano e decidiu apoiar seu projeto de dificultem o desenvolvimento da produ­
Reforma Agrária a ser apresentado no Segundo a revista Manchete, o apoio ção ou o abastecimento dos mercados” .
Congresso antes do fim do ano. do presidente ao projeto de Joffily deu- Reza ainda o projeto que “ a justa inde­
se durante uma audiência no Palácio nização da propriedade desapropriada
O presidente declarou à imprensa será fixada com base no valor atribuído
que pretende mobilizar todos os recur­ do Planalto, ocasião em que o deputado
paraibano explanara a Jânio as particula­ no último lançamento do Imposto Ter­
sos do Poder Executivo no sentido de ritorial” (artigos 3 e 12).
realizar por conta própria uma experi­ ridades do seu projeto. Trata-se do mais
ência de Reforma Agrária, caso falhe o efetivo e ousado projeto já elaborado o
seu apelo à solução através de uma lei que levou o presidente a entusiasmar- Foram justamente essas particulari­
do Congresso. se. Ambos concordaram que tal refor­ dades do projeto que levaram o presí
ma só podería ser realizada através de dente a considerá-lo eficaz e dar-lhe seu
Ao tomar conhecimento do fato, as uma Comissão Federal, com plenos po­ total apoio. “ Aí está a medula do pro­
bancadas dos partidos reuniram-se para deres para tanto, imune às pressões do blema — declarou. Agora veremos
discutir qual a postura a ser adotada Ministério da Agricultura e das lideran­ quem de fato quer e quem não quer a
frente a essa ofensiva presidencial. ças políticas. Para tanto esta teria sta- Reforma Agrária.”
EDITORIAL:
Será que é louco?
O Brasil é um país inegavelmente minações dos seus legítimos represen­ em pouco tempo, todos os políticos es­
estranho. Talvez seja uma das poucas tantes não é mais do que conseqüência tão a defendê-lo com unhas e dentes.
nações da Terra onde as leis, após se­ de um problema mais grave: o descré­ Dessa forma, não há nos dias de hoje
rem aprovadas e p.ublicadas ainda têm dito com que o povo vê a classe políti­ um político que não seja a favor da re­
de passar por testes de aceitação popu­ ca. Apesar de sufragá-los nas umas, o forma agrária, da distribuição de rique­
lar. Isso porque na nossa jovem Pátria, povo sabe que não pode acreditar em zas, do controle do capital estrangeiro,
leis, da mesma forma que vegetais, após nenhuma das promessas e palavras dos do “petróleo é nosso” ; como também
serem plantadas, “pegam” ou não “pe­ políticos que elegeu. não há um só político que não seja con­
gam” . Sempre que contrariam o bom tra a inflação, a corrupção, a explora­
senso ou perturbam o cotidiano elas sim­ Os eleitores estão cobertos de razão
ção e — pasmem-se!— a conversa fiada
plesmente “caducam” , são conveniente­ nesse pormenor. Analisando-se do ân­
dos políticos.
mente esquecidas tanto pelos infratores gulo retórico é realmente impressionan­
como por aqueles que deveríam zelar pe­ te a capacidade de assimilação, a adap­
A última campanha eleitoral foi um
lo seu cumprimento. tabilidade de nossos oradores aos temas
candente exemplo disso. Como o uso
da moda.
do cachimbo faz a boca torta, nenhum
Muitos atribuem essa característica à HS alguns anos a diferença entre um dos políticos que apoiaram Jânio acredi­
esperteza e à sensibilidade do nosso po­ político conservador e um liberal era taram que ele pretendia de fato realizar
vo, outros a vêem como um símbolo da claramente perceptível pelos seus discur­ a reforma agrária, criar leis anti-truste,
nossa incivilidade. Na verdade, quais­ sos. O conservador defendia objetiva­ leis de remessa de lucros, moralizar a
quer que sejam as interpretações, todos mente as razões pelas quais não deseja­ máquina estatal, não dar emprego para
concordam que existe um nítido divórcio va reformas, o liberal por seu lado jus­ político nenhum. Todos pensaram que
entre o Brasil legal e o Brasil real. Mui­ tificava claramente as razões porque as não passava de retórica.
tas das leis aprovadas por nossos parla­ queria. Com o tempo o primeiro desco­
mentares e burocratas contrariam a tal briu que o discurso do segundo era mui­ Agora, após Jânio deixar claro que
ponto o senso comum que o nosso povo, to mais atraente em termos de votos e pretende levar a cabo tudo o que pro­
já cansado de tanta incompetência, de­ passou a adotá-lo. Sem com isso, é cla­ meteu, estão todos surpresos. Alguns o
cidiu tomar em suas próprias mãos a ta­ ro, mudar a sua postura. chamam de louco outros de oportunista.
refa de aprovar ou não, em última ins­
tância, cada uma das decisões tomadas Anos e anos de “ aprendizado demo­ Vai ver que o errado é mesmo o pre­
pelo governo. crático” levaram a nossa classe política sidente. Afinal, ao contrário do que diz
a uma impressionante versatilidade re­ o ditado, em terra de cego quem tem
Mas não é esse o tema deste artigo. tórica. Basta que surja um novo tema oího está longe de ser rei. Quando mui­
A desobediência da população às deter­ atraente do ponto de vista eleitoral e, to é considerado doente.
CAPITULO 8

A QUEDA DE UM ÍCARO POLÍTICO

“Homens poderosos já me procuraram para expressar sua dessatisfação


com o meu governo. Expliquei-lhes que só havería dois meios de tolher os
meus passos: depor-me ou assassinar-me, o que não me parece fácil.”

(Resposta pública do presidente Quadros ao memorial que o CONCLAP


— Conselho Nacional das Classes Produtoras, lhe enviara contendo diretrizes
para a política econômica e social do País) — 2.5 / 3/1961
“Fui vencido pela reação e, assim, deixo o governo. Nestes
sete meses, cumpri o meu dever. Tenho-o cumprido dia e noite,
trabalhando infatigavelmente, sem prevenções nem rancores. Mas,
baldaram-se os meus esforços para conduzir esta nação pelo ca­
minho de sua verdadeira libertação política e econômica, o único
que possibilitaria o progresso efetivo e a justiça social, a que tem
direito seu generoso Povo.

Desejei um Brasil para os brasileiros, afrontando, nesse sonho,


a corrupção, a mentira e a covardia, que subordinam os interesses
gerais aos apetites e às ambições de grupos e indivíduos, inclusive,
do exterior.
Sinto-me, porém, esmagado. Forças terríveis levantam-se con­
tra mim, e me intrigam ou difamam, até com a desculpa da cola­
boração. Se permanecesse, não manteria a confiança e a tranqüi-
lidade, ora quebradas, e indispensáveis ao exercício de minha auto­
ridade. Creio, mesmo, que não manteria a própria paz pública.
Encerro, assim, com o pensamento voltado para a nossa gente,
para os estudantes e para os operários, para a grande família do
País, esta página de minha vida, e da vida nacional. A mim, não
falta a coragem da renúncia.
Saio com um agradecimento, e um apelo. O agradecimento,
é aos companheiros que, comigo, lutaram, e me sustentaram, den­
tro e fora do governo, e, de forma especial, às Forças Armadas,
cuja conduta exemplar, em todos os instantes, proclamo, nessa opor­
tunidade.
O apelo, é no sentido da ordem, do congraçamento, do res­
peito e da estima de cada um dos meus patrícios para todos; de
todos para cada um.

Somente, assim, seremos dignos deste País, e do mundo.


Somente assim seremos dignos de nossa herança e da nossa
predestinação cristã.
Retorno, agora a meu trabalho de advogado e professor.
Trabalhemos, todos. Há muitas formas de servir nossa Pátria."

Brasília, 25 de agosto de 1961

Jânio Quadros

Texto da renúncia do Presidente Quadros


Embora não percebido pelo público em geral, nos bastidores do
poder o conflito entre Quadros e os políticos tornava-se insuportável.

O Projeto de Lei Antimonopólios despertara uma violenta opo­


sição por parte de alguns setores empresariais, que o consideravam
como uma ingerência indevida do Estado nos seus negócios. O Jor­
nal “O Estado de S. Paulo”, em editorial clamava contra essa lei
considerandc-a como uma aberração estatal.

A política de minérios levada a efeito pelo Ministério de Minas


e Energia, na qual foram cassadas as concessões de exploração de
todos os empresários que não estivessem realizando prospecções em
suas áreas,' contrariou os interesses de diversos e poderosos grupos
econômicos, inclusive alguns que haviam apoiado Quadros na cam­
panha presidencial.

O Projeto de Reforma Agrária defendido por Jânio era velada-


mente combatido por todos os parlamentares ligados ao setor agrário
que o tachavam de comunizante e ameaçador do inviolável direito à
propriedade, Esses políticos na sua maioria estavam concentrados
no PSD.

Os passos de Quadros no sentido de extinguir o imposto sindical


e desvincular os sindicatos de trabalhadores do controle do Ministé­
rio do Trabalho, colidia violentamente com os interesses do Partido

185 —
Trabalhista de Goulart, cuja base de poder era justamente o controle
da máquina sindicai através do Estado.

A Política Externa efetuada, ao mesmo tempo aproximando-se


do Bloco Socialista e demonstrando independência em relação aos
Estados Unidos era vista por muitos como uma ameaça esquerdi-
zante. Essas preocupações com relação a uma suposta tendência so­
viética do presidente Quadros concentravam-se na UDN.

Nos fins do mês de julho, o presidente Jânio Quadros já contava


com a oposição de grande maioria do Congresso Nacional. O PSD
nomeara uma comissão interna, presidida por José Maria Alckimin,
para estudar um pedido de impedimento do presidente.

Diversos membros do partido majoritário o viam com simpatia,


dado a se sentirem ameaçados pelo presidente com relação ao pro­
jeto de reforma agrária e aos inquéritos administrativos.

Não era outro o sentimento na maior parte do PTB que se sen­


tia ameaçado não só pelos inquéritos da Previdência Social como
também pele desatrelamento dos sindicatos do Ministério do Tra­
balho.

E, por fim, a UDN. a qual, além de contrariada com a lei anti-


truste e a política externa, sentia-se melindrada com o pouco caso
com que o presidente a tratava. Apoiara Jânio na campanha presi­
dencial, dera-lhe sangue, suor e lágrimas e agora constatava que não
fora com ele ao poder.

Nos últimos dias do mês de julho a imprensa informava que


o projeto de “impeachment” presidencial fora adiado por ter a comis­
são considerado o momento pouco oportuno. Segundo declarações
de seus membros ele voltaria a ser apresentado em ocasião mais
adequada.

A movimentação parlamentar indicava que os projetos do pre­


sidente seriam adiados indefinidamente nas comissões e subcomis­
sões da Câmara dos Deputados. Estes ganhavam tempo a espera
de alguma guinada drástica no curso dos acontecimentos.

— 186 —
CRONOLOGIA DE UMA RENÚNCIA

O agosto final de Quadros

O mês de julho seria o último completado por Quadros no Pa­


lácio do Planalto. Sacudida por tempestades, açoitada por ondas
gigantescas, a nau presidencial naufragaria antes de poder atraves­
sar as incertas águas de agosto.

Terça-feira, l.° de agosto

Manuel Prado, presidente do Peru, desembarca em Brasília para


uma visita oficial. No almoço que lhe ofereceu, Quadros afirma
em relação à ajuda americana que “palavras e planos já não bas­
tam aos subdesenvolvidos”.
* * *

À tarde o presidente da República recebe telegrama de Luiz


Carlos Prestes, secretário-geral do Partido Comunista do Brasil,
cumprimentando-o pelo restabelecimento das relações diplomáticas
com a União Soviética.

Quarta-feira, 2 de agosto

O embaixador americano Moors Cabot impacienta-se depois


de dois dias na ante-sala de Quadros a quem pretende entregar uma
carta de Kennedy. Correm rumores de que, dado a situação insus­
tentável, será substituído em breve.

— 187 —
* * *

Ernesto “che” Guevara, ministro da Indústria e Comércio de


Cuba, a caminho da Conferência Econômica da Aliança para o
Progresso, em Montevidéu, faz escala no Rio de janeiro.

O governador da Guanabara, Carlos Lacerda, faz contundente


declaração à imprensa acusando a política exterior do presidente
Quadros de “servir aos interesses da União Soviética”.

Sexta-feira, 4 de agosto

Ao receber Eduardo Kennedy, irmão do presidente americano,


no Palácio do Planalto, Jânio Quadros lhe reitera a sua posição
anticomunista mas adverte que seguirá na sua política de não-in-
tervençãc nos assuntos internos dos outros países.

Repercute em Brasília o artigo do New York Times publi­


cado em 1 de agosto a respeito da presidência Quadros. O jor­
nal após afirmar que o presidente brasileiro é um homem ori­
ginal e de grande habilidade afirma que o fato do Brasil, em
momento tão crítico da história do Hemisfério, ter escolhido
“um presidente tão extraordinário constitui uma coincidência
que promete fazer história” .

Conclui o artigo afirmando que “Jânio Quadros é um


homem que deve ser acompanhado de perto”.

Domingo, 6 de agosto

: Jânio Quadres telegrafa a Prestes agradecendo-lhe o apoio.


Dias antes condecora o astronauta soviético Iuri Gagarin. Encon-
tra-se no Brasil uma missão de boa-vontade enviada pelo governo
soviético para preparar o reatamento das relações entre os dois
países.

Segunda, 7 de agosto

O telegrama presidencial ao líder comunista gera imensas con­


trovérsias na Câmara dos Deputados. Deputados se alternam na
Tribuna, alguns defendendo e outros atacando a atitude de Quadros.

— 188
Além da correspondência de Quadros o assunto mais debatido é o
esvaziamento do Congresso pelo poder Executivo.

Terça, 8 de agosto

O projeto de Reforma Agrária, apesar do pedido de urgência


do presidente, continua arrastando-se no Congresso.

A reunião da bancada do PSD, convocada para discutir o pro­


jeto do deputado José Joffily, não se realiza por ausência total dos
parlamentares do partido.
* * *

A coluna política do jornal “ O Estado” informa que oficiais


das Forças Armadas estão procurando contatar o governo para
transmitir informações sobre a profundidade e a extensão do des­
contentamento no corpo da tropa. Informa também que o presi­
dente se mantém irredutível advertindo estar apenas cumprindo o
que prometera no correr da campanha.
* * *

O líder do PTB, deputado Almino Afonso, apresenta no Con­


gresso, projeto de aumento de 50% no salário mínimo.

Quinta, 10 de agosto

O ministro do Trabalho, Castro Neves, declarou que o governo


se posicionará contra o projeto do aumento salarial, em proporções
muito acima do crescimento do custo de vida. Afirmando que tal
aumento só serviría para alimentar ainda mais a carestia, o minís
tro abominou esse tipo. de manobra por ele considerada como de
magogia.

Dias antes, em umq entrevista à -imprensa, o ministro tor­


nara públicos os objetivos do governo Quadros em relação aos
problemas trabalhistas.

Segundo ele os trabalhadores devem ter condições para se


organizarem em sindicatos livres e desvinculados da influência
governamental. O presidente acredita que aumentos salariais

— 189 —
por decreto não resolvem os problemas dos operários e que
esses só terão aumentos reais quando, organizados, tiverem po­
der de barganha para negociar com os patrões.

Para tanto o governo tem mantido negociações com líderes


sindicais no sentido de eliminar a vinculação existente entre o
Ministério do Trabalho e os sindicatos de trabalhadores.

A proliferação de sindicatos livres e a adoção do contrato


coletivo de trabalho dariam aos trabalhadores um real poder de
negociação com os empregadores. Com isso se obteriam aumen­
tos reais nos salários e estaria extinto o peleguismo.

Quinta, 10 de agosto
O presidente Quadros anuncia que visitará a União Soviética
em princípios de 1962. A visita que fará aos Estados Unidos já está
confirmada para dezembro do corrente ano.

Segundo o New York Times o objetivo do presidente brasileiro


é encontrar uma posição que anule o dilema de estar alinhado com
os EUA ou com a União Soviética nas questões internacionais.

A Confederação Rural Brasileira em reunião nacional decide


enviar um memorial ao presidente contra o projeto de Reforma
Agrária. O presidente da entidade afirmou à imprensa que os lavra­
dores e pecuarista não poderíam aprovar tal projeto devido a sua
conceituação de “ desapropriação por interesse social”.

O governador Lacerda faz novas e contundentes críticas à po­


lítica externa do governo brasileiro. Afirmando que “chegou o mo­
mento de se dizer à Nação toda a nossa apreensão e revolta” o go­
vernador declarou que tal política “está destruindo a unidade do
continente, servindo para a Rússia completar o que militarmente ini­
ciou com Cuba”.

Sábado, 12 de agosto

A revista Business Week da semana traz um artigo intitula­


do “A Era de Quadros” onde afirma que os planos de Quadros
de distribuição de terras contarão com a oposição da oligarquia
latifundiária.

— 190 —
No mesmo dia o jornal "Combat”, órgão da esquerda gau-
lista francesa, exalta a política externa brasileira afirmando que
“o Brasil se converte em mediador dos conflitos internacionais”.

Segunda, 14 de agosto

O deputado Oswaldo Zanello, do PRP, ocupando a tribuna da


Câmara condenou veementemente a anunciada visita do presidente
Tito da Iugoslávia ao Brasil, classificando-a ccmo uma agressão à
consciência católica brasileira.

Referindo-se aos preparativos de reatamento das relações di­


plomáticas com a URSS, o deputado finalizou seu discurso exor­
tando seus colegas a reagir:

“Não podemos cruzar os braços quando estão em jogo os


destinos das instituições democráticas e cristãs.”
* * *

Dias antes o senador Argemiro Figueiredo, aludindo à comple­


xidade da política externa brasileira alertou que “para muitos o sr.
Jânio já teria vestido as roupagens caractersticas dos adeptos do
credo vermelho”.

Quarta, 16 de agosto

O líder do PSD no Senado, Lino Teixeira, em discurso no ple­


nário alertou os colegas a respeito da “influência subversiva dos
subgabinetes da Presidência da República nos Estados”. Afirmando
que tais gabinetes representam na prática o solapamento dos poderes
dos parlamentares, o senador advertiu seus colegas para “o perigo
que eles representam”.

Quinta, 17 de agosto

O líder do PSD na Câmara, deputado José Maria Alckimin, nu­


ma brusca mudança de atitude ocupa a tribuna para proferir um vio­
lento discurso contra a política econômica de Quadros.
* * *

— 191 —
O governador Carlos Lacerda chega a Brasília no fim da tarde
para conferenciar com o presidente. A conversa entre ambos trans­
correu ríspida e foi interrompida por um telefonema do ministro
da Justiça, Pedroso Horta, convidando Lacerda a conversar em seu
apartamento.
* * *

Às 11,30 da noite chega a Brasília, procedente de Montevidéu,


o ministro cubano Ernesto Guevara. Hcspeda-se no Hotel Brasília
Palace.
* * *

O jornal “O Estado de S Paulo” informa em sua coluna


política que existe “sintomas diversos que parecem indicar nos
bastidores da política a existência de articulações que poderão
vir a ser causa de modificações profundas no quadro político
nacional” .

Segundo o jornal havería “transformações de alcance so­


bretudo caso tenham êxito os esforços que estão sendo realiza­
dos no sentido de compelir o sr. Jânio a modificar alguns pon­
tos de sua política ” .

Como indícios dessa movimentação o jornal aponta a nova


investida oposicionista do líder do PSD, Alckimin, e o projeto
de aumento de 50% no salário mínimo, proposto pelo depu­
tado Almino Afonso, o qual seria “o ponto de partida para
uma ampla ação junto às massas visando a empolgá-las pelo es­
pírito oposicionista”.

Mais adiante o artigo realça que:


“Sentindo-se acuados os meios parlamentares passaram a
reagir com exagero a atos governamentais que são por eles in­
terpretados como novas investidas contra o regime interpre-
tativo.”

Sexta, 18 de agosto

Às 4 horas da madrugada, após conversar com Horta, Lacerda


volta ao Palácio do Alvorada onde ficaria hospedado e encontra
duas malas na portaria. O sentinela avisa que o presidente fora
dormir e sugerira a ele que se hospedasse no Hotel Nacional.
Do Palácio Lacerda seguiu para o apartamento de Adauto Lú­
cio Cardoso, deputado da UDN, e comunicou não mais ser possível
um acordo com Jânio. Estava definitivamente rompido com o presi­
dente e renunciaria ao governo da Guanabara em protesto contra
a política externa. Às 7 e meia seguiu de avião para o Rio.
Às 10:30, o ministro cubano Guevara é recebido no Palácio do
Planalto com honras militares. O presidente o condecora com a Or­
dem do Cruzeiro do Sul.

À tarde, no Rio de Janeiro, c governador Lacerda condecora o


líder anticastrita Verona em represália à condecoração de Guevara
e pronuncia novo discurso contra a política externa brasileira.
O serviço de Imprensa da Presidência da República divulga os
resultados das sindicâncias efetuadas para averiguar irregularidades
em diversos órgãos federais durante a administração anterior. En­
volvidos diversos elementos do primeiro e segundo escalões do go­
verne anterior.

Segunda, 21 de agosto
Lacerda anuncia publicamente que renunciará ao governo da
Guanabara em protesto contra a política externa do presidente. Al­
guns militares de alta patente o procuram no Palácio para prestar
solidariedade e são advertidos pelo ministro da Guerra.

Terça. 22 de agosto

O deputado Alckimin, falando em nome do PSD, ocupa a tri­


buna da Câmara para declarar que os desentendimentos entre Qua­
dros e Lacerda não dizem respeito ac seu partido:
“Eles que se entendam. Do contrário nós os chamaremos à res­
ponsabilidade como criadores de fatos novos que só têm servido
para intranqüilizar a Nação.”
O presidente da UNE, Aldo Arantes, é recebido no Palácio do
Planalto pelo presidente da República. Jânio aceita um convite para
visitar a sede da UNE em breve.

— 193
O presidente, na solenidade de lançamento da Campanha N a­
cional contra o Analfabetismo, profere um discurso onde, após dis­
correr sobre seus objetivos, exorta c pcvo brasileiro a participar efe­
tivamente do grande projete de reformas sociais:
“Nada disso será possível se não permanecermos unidos como
bons brasileiros.”

“Temos que entender-nos, ajudar-nos. sustentar-nos, para que es­


tejamos à altura dos nossos deveres, sobretudo nos instantes difíceis
pelos quais a Nação caminha.”

A imprensa mundial noticia em manchetes a condecoração


de Guevara e a crise brasileira. Em Paris, apesar da crise inter­
nacional em torno de Berlim estar mais próxima, os jornais dão
mais destaque ao gesto de Quadros.

O Jornal Le Figaro afirma que o Brasil tem agora duas


capitais, uma a favor do reatamento com Cuba em Brasília e
outra, anticastrista, no Rio de Janeiro.

0 Jornal Le Monde, em artigo de primeira página explica


que a “recente polêmica com Lacerda representou uma ruptu­
ra entre Quadros e uma importante parte da direita brasileira” .

Embora ressaltando que a política levada a efeito por


Quadros “parece ser aceita por importantes setores da opinião
pública” o articulista lembra que Vargas anos antes fora leva­
do-ao suicídio em consequência de uma violenta campanha
desencadeada pelo mesmo “brilhante e terrível panfletário Car­
los Lacerda”.

Segundo o artigo do jornal francês, “o futuro político de


Quadros depende agora do apoio que obtiver das forças da
esquerda. ”

Quarta, 23 de agosto

Adiada novamente a discussão do projete de lei antitruste. o


qual, embora conste em primeiro lugar na pauta de discussões da
Câmara, tem sido sucessivamente adiado por estratagemas regi­
mentais.

— 194
Os jornais comentam que a UDN poderá ir para a oposição.
Comenta-se também que o PSD e o PTB, aproveitando-se da atual
debilidade dc bloco governista, irão tomar uma série de medidas até
então adiadas.
Realiza-se após três adiamentos a reunião da bancada do PSD
para discutir o projeto de Reforma Agrária do deputado José Joffi-
ly, o qual conta com o apoio do presidente da República.
Foi decidido na reunião que o projeto é inconstitucional e não
será discutido antes que seja criado e apreciado um projeto de re­
forma constitucional. Segundo assessores do presidente, trata-se de
uma manobra do PSD para adiar índefinidamente a aprovação da
Reforma Agrária,
O presidente da República recebe no Planalto para despachos
o superintendente da Sudene, Celso Furtado, e o futuro embaixa­
dor do Brasil na ONU, San Thiago Dantas.
Na parte da tarde recebeu o ministro da Guerra Odílío Denys
o qual. à saída, declarou ter tratado de assuntos de rotina.
O deputado Adauto Cardoso, falando em plenário em nome da
UDN e do PL, afirma que os dois partidos apoiam a política exte­
rior de Quadros.
Lacerda, na Guanabara, afirma que “só os comunistas apoiam
tal política”. Declara também que naquele instante se autonomeia
ministro ‘ad hoc’, pois considera o Rio um observatório privilegiado
dos problemas mundiais e também o “centro político, cultural e mi­
litar do Brasil”.
Quinta. 24 de agosto
O ministro do Trabalho, Castro Neves, acusa Lacerda de, atra­
vés da montagem de uma crise nacional, tentar disfarçar os fracassos
de sua administração. Acusa também o governador de coletar recur­
sos junto a banqueiros do jogo do bicho.
Correm beatos em Brasília e na Guanabara de que Lacerda
criara aquele impasse porque não foram atendidos pelo presidente
os seus pedidos de mais verba para o Estado e também para o seu
jornal “A Tribuna da Imprensa” em situação pré-falimentar.

— 195 —
O governador Carlos Lacerda convoca uma rede de rádio e
televisão e denuncia a existência de uma conspiração palaciana com
o objetivo de aumentar os poderes do presidente, para a qual teria
sido convidado pelo ministro da Justiça, Pedroso Horta, durante
a sua visita a Brasília,
* * *

Embora o programa não houvesse sido transmitido em Brasília,


a notícia logo toma conta da cidade, através dos telefonemas de po­
líticos preocupados com o fato.
* * *

A cúpula do PSD atravessou a noite discutindo o fato e a me­


lhor maneira de aproveitar a cisão do bloco governista. Ainda na
noite do dia 24 decidiu formar uma Comissão Parlamentar de In­
quérito, sob a presidência de Alckimin, para apurar as denúncias de
Lacerda. Alckimin no mês de julho chefiara uma comissão interna
do partido para estudar a viabilidade de um pedido de “impeach-
ment” do presidente devido as suas cada vez mais conflitantes re­
lações com o Congresso.
* * *

Os parlamentares presentes na reunião passaram o resto da noi­


te colhendo assinaturas para a formação da Comissão.
* * *

Sexte-feira, 25 de agosto de 1961

O presidente Jânio Quadros acorda às 5 horas da manhã, lê


os jornais, toma conhecimento da iniciativa do PSD, convoca seus
auxiliares diretos e redige, a mão, a sua carta de renúncia.

— 196 —
1

EPÍLOGO

Se Jânio Quadros, ao renunciar, pretendia dar ura golpe de Es­


tado, ou apenas demonstrava não mais suportar as pressões que
vinha sofrendo, só ele próprio poderá responder.

A renúncia do presidente levou ao poder o grupo de Goulart,


o qual tratou de reeditar o processo de sindicalização que as For­
ças Armadas obstaram em 1954.

Nc início de 1964 assistiu-se a uma corrida pelo poder. Tanto


a direita como a esquerda caminhavam a passos largos para galgá-
lo e golpear as instituições, segunde ambas, inadequadas para o
exercício da verdadeira democracia. A direita, apoiada pelas Forças
Armadas, chegou antes.

Com a ascensão ao poder des militares completava-se o ciclo


histórico do Brasil pós-guerra. Cada um dos grandes partidos teve
sua chance de governar e efetivar suas idéias.

O PSD governou com Juscelino; foi combatido pelo seu imobi­


lismo social e a sua prática corruptiva.

O PTB, tão cioso de suas reformas de base, incentivou greves,


promoveu a desordem e acabou por mergulhar o Brasil no caos so­
cial e econômico.

197
A UDN, tãc intransigente nc seu liberalismo e na sua hones­
tidade, acabou por respaldar uma ditadura, onde a corrupção, em
certos momentos, chegou ao auge.

Os três no poder revelaram-se iguais. E o povo brasileiro, pelo


qual diziam lutar, permaneceu irredento. manietado pela ausência
de perspectivas, amordaçado pela falta de liberdade.

Por mais que se discutam as possíveis intenções de Jânio, o fato é


que a grande chance de mudar o Brasil perdeu-se no distante 1961.
Naquele anc a Nação possuía condições reais e objetivas para mo­
dificar o seu curso. Pela primeira e única vez na nossa História, es­
tava eleito e empossado um presidente da oposição, com projetos
reformistas, disposição para realizá-los e legitimidade popular para
tanto.

No fatídico 25 de agosto de 1961. nãc só Jânio, mas também a


nossa classe política, praticavam a renúncia. O primeiro abria mão do
poder, a segunda das reformas sociais que dizia pretender.

Culpa de Jânio? Nem tanto.

Da mesma forma que não se deve atribuir a um único homem


a salvação de um povo, também não se pode pretender que um in­
divíduo sozinho possa desgraçá-lo. Acuse-se Quadros do que for,
menos de insinceridade cu incoerência. Ele nada mais fez do que ten­
tar executar as reformas que prometera em campanha, promessas
essas endossadas por todcs cs seus então correligionários.

Naquele País onde tanto se clamava pelo fim da corrupção, ele


se dispôs a combatê-la, nomeando comissões de inquérito e punin­
do efetivamente os culpados.

Naquela Nação onde tanto se pregava a reforma agrária, a tri­


butação de riquezas, o fim des monopólios, fora ele o único gover­
nante a tomar medidas concretas em relação aos três problemas.

Naquele Brasil, enfim, onde todos falavam em liberdade para


o pove e abominavam a politicagem, fora ele o único presidente
disposto a desatrelar os sindicatos do Ministério do Trabalho, a go­
vernar acima dos interesses dos grupos políticos.

— 198 —
Foram esses os primeiros a abandoná-lo, logo seguidos pelos
grupos econômicos e pela grande imprensa. As direitas lhe tiraram
c respalde, as esquerdas jamais cogitaram em dá-lo.

Quando, ainda em campanha, falara em reforma agrária, liber­


dade sindical, relações com todos os povos, fim dos monopólios, ta­
xação de lucros, nem a esquerda nem a direita acreditaram em sua
sinceridade. Quando, na Presidência, se dispôs a efetivar esses pro­
jetos, as opiniões se dividiram: a esquerda o tachou de oportunista
e mistificador. a direita de demente e demagogo.

Ambas contribuíram para sua queda, ambas ainda hoje bran­


dem cs mesmos argumentos.

Uma por que nunca quis reformas de fatc. Outra por que só as
aceita desde que seja ela a executora.

Naquele Brasil onde as elites unanimemente mostravam-se bem-


intencionadas para resolver as misérias e as agruras do povo, este
último resolveu conferir. E a 3 de outubro de 1960 elegeu Quadros
para a presidência. O povo pagou para ver e constatou o blefe.

As idéias eram muito sinceras, mas somente quando aplicadas


sem ônus próprio.

Todos queriam distribuir a renda, mas a renda do próximo;


taxar os lucros, mas os lucros dos concorrentes; tabelar os preços,
.mas os preços dos fornecedores.

Todos concordavam em desapropriar a indústria do alheio, fa­


zer a reforma agrária na fazenda do vizinho, atacar a corrupção dos
adversários, extinguir cs privilégios dos inimigos.

Não foi essa cu aquela corrente de pensamento, mas toda a


classe política, que em 1961 deixou cair sua máscara. À menor opor­
tunidade de mudhnças reais na sociedade, esqueceu-se de suas dife­
renças e cerrou fileiras contra aquele que personificava essa ameaça.

Hoje. tantos anos depois, constata-se que oouca coisa mudou.


O Brasil continua o mesmo., com os mendigos nas portas das igre-

— 199
jas, os quadros de Portinari pendurados nas paredes, as ideologias
enpolgando os salões e os políticos execrando Jânio Quadros.

Tudo permanece lamentavelmente igual.

Até mesmo o povo, depois de tantos governos e desgovernos,


continua o mesmo, vivendo estoicamente seu cotidiano difícil, igno­
rando as palavras, desdenhando as promessas e desprezando a classe
política. Alguém se atreve a censurá-lo?

— 200
E sse depoimento e essa avaliação são extre­
mamente importantes com o indício de um repúdio
a preconceitos arraigados e difundidos sistematica­
mente.
Vale a pena ler essa obra de um jovem p au ­
lista de m enos de trinta anos sobre a personalidade
mais discutida da vida brasileira contemporânea

CARLOS CASTELLO BRANCO

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