Você está na página 1de 320

Unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”


Faculdade de Ciências e Letras
Campus de Araraquara - SP

MARCO AURÉLIO DIAS DE SOUZA

O fim da Guerra Cultural e o conservadorismo


estadunidense? uma leitura sobre a trajetória de ascensões e
quedas da direita religiosa americana.

ARARAQUARA – S.P.
2014
MARCO AURÉLIO DIAS DE SOUZA

O fim da Guerra Cultural e o conservadorismo


estadunidense? uma leitura sobre a trajetória de ascensões e
quedas da direita religiosa americana.

Tese de Doutorado, apresentado ao Conselho,


Departamento, Programa Ciências Sociais da
Faculdade de Ciências e Letras –
Unesp/Araraquara, como requisito para obtenção
do título de Doutor em Sociologia.

Linha de pesquisa: Trabalho e movimentos


sociais.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Leila de Menezes Stein

Bolsa: CAPES

ARARAQUARA – S.P.
2014
FOLHA DE APROVAÇÃO: DOUTORADO
MARCO AURÉLIO DIAS DE SOUZA

O fim da Guerra Cultural e o conservadorismo


estadunidense? uma leitura sobre a trajetória de ascensões e
quedas da direita religiosa americana.

Tese de Doutorado, apresentado Programa de Pós-


Graduação Em Ciências Socias da Faculdade de
Ciências e Letras – UNESP/Araraquara, como
requisito para obtenção do título de Doutor em
Sociologia.

Linha de pesquisa: Trabalho e movimentos


sociais.
Orientador: Leila de Menezes Stein.
Bolsa: CAPES.

Data da Defesa: 14/04/2014

MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA:

Presidente e Orientador: Prof. Dr. Leila de Menezes Stein.


Universidade Estadual Paulista Fclar/ Unesp/ Araraquara..

Membro Titular: Prof. Dr. Flávio Limoncic.


Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

Membro Titular: Prof. Dr. Ruy Braga.


Universidade de São Paulo.

Membro Titular: Prof. Dr. Luís Fernado Ayerbe.


Universidade Estadual Paulista Fclar/ Unesp/ Araraquara.

Membro Titular: Prof. Dr. Marcia Teixeira.


Universidade Estadual Paulista Fclar/ Unesp/ Araraquara..

Local: Universidade Estadual Paulista


Faculdade de Ciências e Letras
UNESP – Campus de Araraquara
Para a Bjuca mais Bjuca do mundo.
Agradecimentos.

Esse é o momento de encerrar mais uma parte de nosso percurso acadêmico, assim como, de
agradecer a todos que de uma forma ou de outra me apoiaram, confortaram e instigaram
durante esse árduo caminho. Apesar de ser um momento profundamente delicado, visto que,
não queremos correr o risco de esquecer alguém, tenho a necessidade de nomear algumas
pessoas em agradecimento.
Agradeço então:
- à Prof.ª Dr.ª Leila de Menezes Stein pela amizade e sábias orientações que foram muito
além das questões acadêmicas e que guardarei pelo decorrer de minha vida.
- ao Prof. Dr. Luis Fernando Ayerbe por me acompanhar em meus primeiros passos
acadêmicos e me mostrar o quanto é importante entender que mesmo as ideias que não
concordamos precisam ser analisadas e debatidas.
- à Prof.ª Dr.ª Maria Ribeiro do Valle, que tenho a mais profunda admiração, pela orientação
nos primeiros anos dessa tese.
- aos professores das bancas tanto de qualificação quanto de defesa pela leitura do meu
trabalho e pelas observações para transformarem minhas ideias malucas em algo melhor.
Aproveito aqui também para agradecer a todos os entrevistados que disponibilizaram seu
tempo, em especial, a Jim Lewis que me mostrou que é sim possível uma pessoa fazer
diferença no mundo em que vivemos.
- aos amigos do Grupo Temático Trabalho e Trabalhadores em especial a Géssica e Bia.
-ao meu grande parceiro intelectual Ariel Finguerut pelos anos de trabalho conjunto e por
encarar comigo conservadores, liberais, libertários e pastores na viagem mais maluca de
todas.
- ao meu amigo McCoy pelas horas de conversa sobre as coisas mais bobas e as mais
importantes e ao meu amigo Vinão por ser meu amigo desde que comecei a entender o que é
amizade.
- aos meus amigos Catarina, Tonho, Bussunda, Presidente e suas respectivas damas, Paula,
Agnes, Elo, e Carol, assim como, outros amigos como Xoqueti, Sarah, Pipoqueiro e Queridão,
entre tantos outros, que me ensinarem que família é algo muito maior do que um laço de
sangue.
- também agradeço minha família de fato, a do Paraná que me recebeu, especialmente, minha
sogra e chefe da minha equipe de corretores Neide Kaminski que leu e releu essa tese a
procura dos meus muitos erros de português e a de Araraquara que finalmente vai ter um
doutor, em especial destaco minha mãe Maria Aurélia, meu pai Aloisio, minha irmã Giuliana
meu cunhado Guto e minha pequena leitora Anna Virgínia (desta vez eu não te esqueci).
- agradeço minha esposa Renata por todo o amor e carinho ao longo desses anos e por me
aguentar durante esses últimos meses de tese.
- aos professores, funcionários e alunos com quem tive contado durante todos esses anos na
Unesp/Araraquara em especial aos dos Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais.
- à CAPES pelo apoio financeiro.
Sou imensamente grato a todos.
RESUMO

A ideia da existência de uma Guerra Cultural, que seria responsável pela disputa na sociedade
estadunidense por duas metades antagônicas (entre conservadores e liberais), aparece de
maneira recorrente na vida intelectual, política e midiática da contemporaneidade do país. O
destaque dado a ela originou-se após o resgate do termo pelo sociólogo James Davison
Hunter, em 1991, com intuito de explicar, através dela, as crescentes radicalizações nas
disputas em torno de questões culturais nos EUA a partir dos anos 1970. O que se seguiu a
publicação de sua tese de Hunter foi uma visibilidade cada vez maior do termo Guerra
Cultural e, consequentemente, um grande debate intelectual entre autores defensores e
contrários a sua existência. O fato é que a ideia perdurou no debate sociopolítico
estadunidense até o final do governo George W. Bush e início da administração Barack
Hussein Obama, quando a Guerra Cultural perdeu relevância, a ponto de um grande número
de comentadores apontarem que a Guerra Cultural havia terminado.
Em uma direção paralela, percebemos que a partir da década de 1970 ocorreu um constante
crescimento dos movimentos conservadores nos EUA, principalmente, por parte da direita
religiosa que atingiu seu auge durante o governo George W. Bush para, logo em seguida,
passar por um processo de desorganização durante o término do governo do presidente
republicano. Essa crescente conservadora foi analisada por uma leva significativa de
intelectuais que descreveram como os Estados Unidos passaram durante as últimas décadas
por um processo de guinada à direita.
Nossa pesquisa propõe ir além do debate intelectual sobre a existência ou não de uma Guerra
Cultural, assim como, busca ir além da releitura sobre o conservadorismo. Nosso intuito é,
compreender os motivos que levaram a ascensão e crise nessa ideia, apontando como a
polarização entre os partidos construída em torno de temas culturais, não se sustentava após
os períodos eleitorais e como ela foi perdendo sua funcionalidade durante os anos.
Palavras Chave: Guerra Cultural, Conservadorismo, Estados Unidos.
Abstract:

The idea of the existence of a Culture War, which would be responsible for a struggle in
American society into two antagonist halves (between conservatives and liberals), appears on
a recurring basis in, political, media and intellectual life in the country’s contemporary . The
prominence of it originated after the concept’s revitalization by sociologist James Davison
Hunter in the year of 1991 and aiming to explain, through it, the radicalization of the disputes
over cultural issues in America from the 1970s. What followed the publication of Hunter’s
thesis was an increase of the visibility of the Culture War and, therefore a great intellectual
debate between supporters and critics of its. The fact is that the idea persisted in American’s
socio-politics debate until the end of George W. Bush government and the beginning of the
Obama administration, when the Cultural War has lost relevance and a large number of
commentators suggest that the Cultural War had ended.
In a parallel path, occurred from the 1970s a spread of the conservative movement in the U.S.,
above all by the religious right that reached its height during the George W. Bush
government, soon, they go through a disorganization process during the end of President
Republican Government. The intellectuals who described how the United States began, during
the last decades, a process to yaw to the political right, analyzed this increased conservative.
Our research proposes to go beyond intellectual debate about the existence or not of a Cultural
War, as well as seeks to go beyond retelling of conservatism. Our aim is to understand the
reasons that led the rise and crisis of that idea, pointing out how the polarization between the
parties built around cultural themes, not sustained after election periods and how it was losing
its functionality over the years.

Keywords. Culture War, Conservatism, United State.


Lista de Gráficos.

Gráfico 1 Crescimento do número de pessoas que se definiam como


secularistas. 36
Gráfico II Percentual de apoio aos programas de ação afirmativa. 46
Gráfico III Visões de brancos hispânicos e negros sobre a criminalidade. 47
Gráfico IV Percentual de votos divididos nas eleições estadunidense. 68
Gráfico V Confiabilidade entre 1966 até 1976. 151

Lista de Mapas.

Mapa 1 Separação em estados azuis e vermelhos durante a eleição de 2004.


(Bush contra Kerry). 66
Mapa II Vitória de Reagan por estados em 1980. 173
Mapa III Separação Bush (vermelho) e Gore (azul) eleição de 2000. 259
Sumário.
Introdução: Porque estudar EUA, a Guerra Cultural e o novo conservadorismo.
Notas sobre o desenvolvimento da tese. 10
Roteiro da tese. 18
Capítulo1 Guerra Cultural: as definições intelectuais e as trajetórias do
conservadorismo estadunidense. 23
1.1 O que é Guerra Cultural? A reconstituição do tema na história e o seu
revigoramento nos EUA. 23
1.2 As Guerras Culturais americanas, da guerra religiosa na América do século
XIX ao crescimento do pluralismo. 29
1.3 A expansão da pluralidade cultural e a Guerra Cultural Moderna. 35
1.4 Uma sociedade construída sobre duas autoridades morais. 38
1.5 Após a publicação do livro de Hunter. 40
1.6 Uma América desunida? 43
1.7 Uma Nação e duas culturas ou uma Cultura e muitas culturas? 49
1.8 Alan Wolfe e a tentativa de perceber os EUA como uma nação. 57
1.9 A Guerra Cultural como um mito da América polarizada. 65
1.10 As definições sobre o debate envolvendo o tema e o fim da Guerra Cultural? 71
Capítulo 2 A um passo de Deus: A influência da religião, das mudanças sociais e
a consolidação da agenda conservadora. 76
2.1-Definições e a influência do conservadorismo na sociedade do país. 77
2.2. Religião e espetáculo na política estadunidense. 91
2.3. As mudanças estruturais que reforçaram a urgência da revolta
conservadora e a crise da esquerda estadunidense. 106
Capítulo 3 – Da tentativa eleitoral de Barry Goldwater até o fim da
administração Carter: uma releitura histórica sobre a importância das batalhas
culturais para a origem da mobilização conservadora estadunidense. 121
3.1 O candidato Goldwater, o governador Reagan, o despertar da consciência e
da revolta conservadora. 123
3.2 De Nixon a Carter, da ascensão do Partido Republicano ao poder a crise na
confiança nos políticos do país. Os motivos que levaram à organização da direita
religiosa. 139
3.3 A explosão televangelista e a revolta contra o aborto. 156
Capítulo 4: De Reagan a Bush. A primeira ascensão e queda da direita religiosa. 165
4.1 A campanha Reagan contra Carter: o palco perfeito para o debate entre as
duas Américas. 166
4.2 Reagan o grande herói conservador? A Moral Majority e a relação da direita
religiosa com a administração Reagan. 174
4.3 A derrota do candidato de Deus para a máquina política republicana e a
chegada da família Bush a presidência. 187
Capítulo 5 A ascensão e o declínio da Guerra Cultural: A Convenção
Republicana de 1992, Bill Clinton (1993-2001) e George W. Bush (2001-2009). 199
5.1 Guerra Cultural? Para que temer o exterior se o inimigo sempre esteve
dentro do país. 200
5.2 Bill Clinton (1993-2001): o presidente amoral e a Guerra Cultural. 214
Capítulo 6 De George W. Bush à Obama; a estranha morte da direita religiosa e
da Guerra Cultural. 240
6.1 George W. Bush entre o radicalismo religioso e a moderação. 242
6.2 George W. Bush e o último suspiro da direita religiosa. 260
6.3 A Guerra Cultural em George W. Bush. 275
6.4 O fim da Guerra Cultural o Renascer de uma nova América. 284
6.5 A eleição de Obama e o retorno do conservadorismo econômico. 291
Considerações finais: o futuro da tradição conservadora na política
estadunidense. 297
Referências. 300
Referências Filmes. 317
Referências entrevistas. 318
10

Introdução: Porque estudar EUA, a Guerra Cultural e o novo conservadorismo. Notas


sobre o desenvolvimento da tese.

É realmente engraçado quando você se depara com a tela em branco do seu


computador e percebe que finalmente está organizando todos os dados que foram coletados
durante alguns anos para escrever o texto final de sua tese. Nesse momento, você fica
pensando que chegou a hora de fechar seu trabalho e que finalmente não teria mais direções a
escolher com relação a esse trabalho, você começa a se perguntar se tomou as decisões
metodológicas corretas, se seu recorte não foi amplo demais, se realmente seu tema pode
contribuir para o aprendizado e o debate de outros pesquisadores que venham a ter o interesse
de ler essas páginas.
É movido por essas sensações que iniciamos a introdução do nosso trabalho, pensando
que ela pode ser a única passagem do texto em que, podemos nos esquivar de todo o rigor
científico que tentamos impor durante o restante de nossa tese. Aqui podemos nos dedicar a
esclarecer os motivos que nos levaram a seguir determinados caminhos, os que nos fizeram
evitar outros que, em muitos momentos, possibilitariam saídas menos penosas para muitos
dos problemas levantados em nossa tese. O fato é que, por mais metódicos e organizados que
tentamos ser, teses nunca são construídas a partir das saídas fáceis o que nos deixa a
impressão de que, durante esses últimos anos, complicamos algumas coisas que nos pareciam
fáceis quando iniciamos o doutoramento.
Nesse sentido, essa introdução é muito mais um guia de angustias e dúvidas do que,
propriamente, a bela apresentação do trabalho que pensávamos quando iniciamos o
doutoramento. Os motivos para escrevê-la dessa forma vêm de acreditarmos ser mais
importante mostrar para o leitor que esse trabalho não foi, de maneira alguma, construído de
uma forma linear até essa versão final e que tivemos durante todo o doutorado uma série de
arrependimentos e dúvidas que nos trouxeram a esse resultado final.
Esse caminho não linear não delimitou que nossa tese não trouxesse resultados
profundamente significativos, com pontos de profunda relevância e interesse para as pessoas
que estudem a respeito dos Estados Unidos, principalmente, aquelas que analisem temas
culturais, religiosos, políticos e sociais.
Partindo disso, nosso trabalho tem como intenção principal contribuir com os, cada
vez mais, frequentes estudos sobre os EUA desenvolvidos nas ciências sociais do Brasil.
Nosso interesse sobre a temática originou-se a partir de um projeto de iniciação científica sob
a orientação do Prof. Dr. Luis Fernando Ayerbe, onde, analisávamos alguns documentos
11

sobre prevenção de conflitos étnicos publicados pela Rand Corporation1, desenvolveu-se


durante o nosso mestrado (2005-2007) quando debatemos a influência da abordagem
neoconservadora2durante a administração George W. Bush em relação a temas relacionados à
política interna estadunidense, como imigração, ascensão social e a ideia de crise cultural.
O fato é que no início dos anos 2000, quando optamos por dedicar nossa vida
científica aos estudos sobre os Estados Unidos, já esperávamos encontrar um determinado
estranhamento por parte de nossos pares, uma vez que, existiam poucas pesquisas sobre o
tema sendo desenvolvidas no Brasil3. Isso ocorria porque não vivenciávamos o processo de
internacionalização de nossas universidades com o grau de intensidade que encontramos hoje
em dia, o que fazia com que os objetos das pesquisas desenvolvidas em nosso país estivessem
mais focados em temas locais. Na esteira dessa constatação, mesmo vivendo no chamado
“século americano”, tínhamos grande dificuldade para encontrar material para realizar a
pesquisa4 e, principalmente, para encontrar oportunidades de diálogo a respeito do tema5.
Porém, era quando tratávamos com pessoas leigas à nossa área que encontrávamos
uma resistência maior ao tema, o que era muitas vezes sucedido por um olhar de espanto e
pelos questionamentos: Porque estudar os Estados Unidos? Você é americano? Você é
conservador? O Brasil não tem problemas suficientes para serem discutidos?
Apesar das dificuldades para realizar as pesquisas, tínhamos a inquietação de que
nosso interesse pelos Estados Unidos vinha da constatação de que nós brasileiros vivíamos
uma relação de amor e ódio com o país. Relação que se tornava clara quando, observávamos a
reação de alguns de nossos amigos se aflorasse qualquer debate sobre o país norte-americano,
o que era logicamente seguido de brados de imperialistas proferidos por algum deles com a
camiseta do Rage Against the Machine6 ou outra banda americana qualquer, ou ainda, quando
presenciamos, após os atentados de 11 de setembro de 2001, colegas dos tempos de graduação
comemorando os atentados na lanchonete da universidade.

1
Uma organização que desenvolve pesquisas e análises para as forças armadas dos EUA.
2
Aqui precisamos diferenciar o termo neoconservador e o termo novo conservadorismo. Como
neoconservadores definimos um grupo específico de intelectuais judeu-trotskistas ligado a Irving Kristol que
em sua trajetória abandonaram o pensamento de esquerda definindo-se como conservadores. Já o novo
conservadorismo é representado pela totalidade dos movimentos de cunho conservador que ganharam força a
partir dos anos 1970, entre eles: libertários, tradicionalistas (incluindo os neoconservadores) e a direita
religiosa.
3
A maioria das existentes realizavam análises comparativas entre Brasil e os Estados Unidos.
4
Afinal a compra de livros pela internet ainda não era tão bem desenvolvida.
5
A raridade de mesas que abordassem a nossa temática, durante os congressos científicos, era tão marcante
que nos habituamos a debater nosso tema com estudantes e professores com temáticas profundamente
distantes a nossa discussão.
6
Banda de rock estadunidense com letras com temática de esquerda anti a América corporativa e anti-
imperialismo.
12

Esses acontecimentos nos faziam ter a clareza de que apesar de acompanharmos


cotidianamente notícias sobre a sociedade estadunidense, termos acesso constante a sua
música e cinema e até, de certa forma, compartilharmos do seu processo eleitoral ao ponto de
termos a sensação de que ao final do pleito teríamos que escolher entre democratas e
republicanos, não possuíamos um real aprofundamento sobre as disputas sociais e políticas
desse país. Isso resultava na maioria dos processos de rotulação que encontrávamos em nosso
dia-a-dia, como exemplo disso, destacamos: a recorrente ideia de que todas as pessoas
residentes no sul dos EUA são mais conservadoras e religiosas do que no resto do país, ou a
ideia que o Partido Republicano representa todos os valores não progressistas na sociedade
estadunidense.
Nosso novo trabalho iniciou-se sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Maria Ribeiro do Valle
e teve sequência com a Prof.ª. Dr.ª Leila de Menezes Stein junto ao Grupo Temático Trabalho
e Trabalhadores, onde, aprofundamos importantes debates sobre temas como a questão dos
trabalhadores imigrantes e da disputa em torno do Estado de Bem-Estar Social nos EUA.
Nele, temos o intuito de compreender um pouco mais sobre os EUA, trazendo ao leitor
brasileiro um aprofundamento sobre dois dos principais temas do debate político e
sociológico da contemporaneidade estadunidense, sendo eles: as ascensões e os declínios dos
movimentos do novo conservadorismo (sob o enfoque das vertentes religiosas do movimento)
e a ideia de que o país vivenciou uma Guerra Cultural a partir da década de 1990.
Para que fique claro como chegamos a essa temática, é importante destacar que
inicialmente pretendíamos analisar esses dois temas a partir da hipótese fundamental de que
as batalhas em torno de temas culturais (que veio a ser definida como Guerra Cultural) foram
uma ferramenta centralizadora das mobilizações conservadoras, sendo vitais para a
organização e para crescimento da visibilidade e influência deles na vida pública do país. A
questão aqui era como conseguir alcançar a confirmação para essa hipótese?
A reposta para essa pergunta se tornou um tanto confusa no momento em que
fazíamos uma aprofundamento das leituras para a definição do nosso objeto de pesquisa.
Enquanto aprofundávamos a análise sobre a temática, constantemente nos deparávamos com
autores que defendiam que com o término do governo George W. Bush e a eleição de Barack
Hussein Obama a Guerra Cultural havia terminado e somando-se a essas leituras, outros
apontavam que a Guerra Cultural, que tinha sido constantemente divulgada durante as últimas
décadas, na verdade nunca havia existido, sendo apenas uma ilusão provocada pela mídia e
pelos ativistas dos dois lados da disputa cultural.
13

Realmente é uma sensação inspiradora quando você termina um projeto sobre o que
você pretende trabalhar durante os seus próximos quatro anos e descobre que seu objeto
estudo desapareceu ou nunca existiu. O mais assustador e motivador diante desse processo de
conhecimento sobre o tema estava em perceber que a ideia de Guerra Cultural, apesar de
morta ou inexistente, continuava presente na história estadunidense e nos debates políticos do
país, sendo reforçada pela mídia e pelos ativistas políticos e isso precisava ser entendido.
Partindo de uma rápida simplificação da definição sobre a ideia de Guerra Cultural 7
percebemos que ela poderia ser interpretada como o resultado da divisão da sociedade ao
meio, motivada pelo comprometimento com duas autoridades morais antagônicas, onde, se
criaria um grau de polarização tão elevado que seria capaz de motivar essa população dividida
a travar batalhas em torno de temas culturais. Nesse sentido, as consequências da Guerra
Cultural seriam a impossibilidade de se estabelecer um debate político, ocasionando a
radicalização da disputa em torno dos temas ditos culturais, o que, em um sentido prático,
significaria que, sem exceção, toda a sociedade estaria disposta a travar essas batalhas e a
política do país se pautaria exclusivamente por elas.
Apesar de ser uma leitura simplificada do conceito de Guerra Cultural, ela foi, sem
dúvida alguma, vista como realidade pela grande maioria dos ativistas, tanto os conservadores
quanto os liberais. Da mesma forma, ela foi aceita pela mídia do país (principalmente durante
os períodos eleitorais) como verdade, o que nos levou a constatação de que, embora a visão de
mundo dos ativistas seja mais radicalizada do que a da população, foi ela que transpareceu na
memória e nos principais meios de comunicação do país durante as últimas décadas.
Partindo disso, não queríamos que nosso trabalho se restringisse à análise de alguns
movimentos conservadores, identificando até que ponto eles definiam-se a partir da Guerra
Cultural, pois se fizéssemos isso, correríamos o risco de aceitar um dos pontos sobre o tema
que mais passou a nos incomodar quando iniciamos esse trabalho, ou seja, partir da
pressuposição de que a Guerra Cultural existia na sociedade estadunidense. A verdade é que
se optássemos por esse caminho com certeza teríamos resultados que apontariam na fala
desses conservadores, através de metodologias como análise de discurso ou de conteúdo, que
existia sim uma Guerra Cultural e que ela era parte vital das decisões políticas estadunidense.
O afastamento dessa perspectiva fez com que a questão do trabalho passasse a ser uma
tentativa de entender como esses movimentos, principalmente com um enfoque nos de caráter
conservador religioso, conseguiram fazer a sociedade acreditar que existia uma Guerra

7
Apesar dessa não ser precisamente a definição vinda dos principais autores sobre o tema ela reflete muito do
senso comum sobre o tema, por isso iniciaremos nosso trabalho a partir dela.
14

Cultural no país. Com isso, tínhamos a clareza de que para compreender a relação entre o
conservadorismo e Guerra Cultural era obrigatório passar por outra questão maior do que os
dois temas e percorria grande parte da história estadunidense, ou seja, tínhamos que analisar
nosso objeto percebendo que a identidade da sociedade estadunidense construiu-se a partir de
polarizações.
Essa constatação nos direcionava a uma ampliação do recorte de nossa pesquisa, pois,
percebíamos que as batalhas em torno de temas culturais (que foram, anos depois, renomeadas
como uma Guerra Cultural) estiveram presentes em toda a história estadunidense,
principalmente, dentro da oposição entre conservadores e liberais. O que nos direcionava a
pensar que muito mais importante do que mostrar como os conservadores enxergavam e
fomentavam a ideia de Guerra Cultural, era necessário entender como a disputa entre
conservadores e liberais construiu-se a partir de uma tendência de observar a sociedade
estadunidense a partir de polarizações. Essa tendência se refletia nos avanços e,
principalmente, nos retrocessos causados pelas conjunturas históricas, pelas transformações
da sociedade e da opinião pública que, em poucos anos, passou da recusa à aceitação de
determinados temas relacionados à cultura.
Dentro dessa leitura, ambos os lados se viam disputando o que parecia ser a vontade
da nação, ou ainda, dentro da ideia de Guerra Cultural, a vontade de uma nação que se
dividira em duas. Porém, o que se disputava aqui eram os desejos de duas minorias
polarizadas, capazes8 de, em determinados momentos, tomar para si a identidade e a vontade
do país. Por esse motivo, em nosso entendimento, a metodologia que melhor se encaixaria
para compreendermos esse movimento durante a história estadunidense seria pautar nosso
trabalho dentro da tradição da sociologia-histórica, compreendendo assim a racionalidade
presente nas decisões dos grupos conservadores e dos governos como reflexos da conjuntura
histórica enfrentada por eles.
Para realizar essa análise compreendemos que não conseguiríamos abarcar todas as
possíveis variáveis presentes nos mais de 40 anos percorridos em nossa tese, de maneira que,
recuperando o conceito econômico ceteris paribus, analisaremos como a polarização de
questões culturais e religiosas tiveram influência sobre a política do país, não nos atendo a
outras possíveis variáveis que possam ter influído na política no mesmo período, definindo
que elas se mantiveram constantes.

8
Devido a maneira como o sistema político estadunidense e a própria sociedade estadunidense haviam sidos
construídos
15

Para realizar essa pesquisa, aprofundamos um levantamento bibliográfico um tanto


incomum ao dia a dia de nossa formação como cientista social no Brasil, partimos de
trabalhos como os desenvolvidos por James Davison Hunter, Willian Martin, Alan Wolfe,
Morris Fiorina, George H. Nash, entre outros, pouco lidos no Brasil. Debruçamo-nos também
sobre as principais referências a respeito do estudo do novo conservadorismo estadunidense
pelo mundo, como o espanhol Armando Miguel e os franceses Roman Huret e Guy Sorman,
nos aprofundamos em uma série de livros e outras publicações de organizações e autores
conservadores e liberais como Gertrude Himmelfarb, Patrick Buchanan, Barry Goldwater, a
Cauldill Foundation, a American Civil Liberties Union, entre outros, o que traz ao leitor
brasileiro a possibilidade de participar das discussões a partir dos principais referenciais
teóricos sobre o tema e emergir diretamente na lógica da disputa conservadora e liberal por
trás da soi-disant Guerra Cultural.
Além dessa literatura, realizamos também um trabalho de campo nos EUA, visitando
algumas das principais instituições conservadoras do país, onde, entrevistamos nomes como
as lideranças conservadoras Phillips Schlafly, Janice Shaw Crouse, comentaristas como os
analistas políticos Michael Barone, David Boaz, o libertário Timothy P. Carney, alguns
professores sobre política e religião nos Estados Unidos como Michael Bryant e Peter Becker
da Charleston Southern University, entre outros.
Dentro de nossa análise consideramos que o conservadorismo também deveria ser
melhor compreendido por nós pesquisadores brasileiros. Essa preocupação se ampliou durante
o doutorado, pois, em muitos momentos, fomos recebidos com dois tipos de comentários. O
primeiro aparecia em uma questão repleta de estranhamento, quase sempre precedida pelo
debate sobre algum tema e pela constatação do autor de que a ideia defendida ali era um tanto
similar à de algum “odioso” pensador dito conservador. O resultado mais inusitado desse
diálogo, não era o fato de argumentos conservadores estarem sendo defendidos por pessoas
que se definem como não conservadoras, mas, o questionamento que inúmeras vezes o
sucedia e que pode ser apontado pela seguinte pergunta: Porque você está lendo esse tipo de
autor?
O segundo tipo de comentário surgia de uma forma quase que impositiva e pode ser
resumido pelo seguinte diálogo: - Interessante o trabalho, então sua tese é uma crítica ao
pensamento conservador norte-americano? O que na maioria das vezes era sucedido (após
uma negação) pela afirmação em tom preocupado: - Você deveria fazer a crítica ao
conservadorismo para não correr o risco de ser considerado um intelectual conservador.
16

Essa “imposição conservadora” pelo esquecimento ou pela crítica ao conservadorismo


coloca claramente que, no debate acadêmico em torno do tema, existem dois lados definidos e
que você como pesquisador deveria ser obrigado a tomar um posicionamento crítico ao
conservadorismo. A questão aqui, é que pouco teríamos a contribuir para a compreensão da
sociedade estadunidense se esse trabalho apenas reproduzisse as críticas ao conservadorismo,
isto é, se tomarmos como norma que todas as ideias que nos incomodam e que não
concordamos representam algo a ser destruído ou esquecido, corremos o risco de nos
tornarmos cíclicos e limitados em nossas próprias ideias, ou ainda, em determinados
momentos, acabarmos reproduzindo os mesmos discursos conservadores que pretendemos
ignorar. Nossa preocupação nessa tese é compreender os motivos que levaram esses grupos
conservadores a ter influência na política estadunidense.
Tendo essa ideia como norte, aprofundamos outros pontos que fizeram com que, esse
trabalho, se esquivasse de ser puramente uma crítica ao pensamento conservador. O enfoque
do trabalho está exatamente em estabelecer uma crítica a essa imposição de separarmos o
mundo em heróis e vilões. Nesse intuito, traz algumas diretrizes para que possamos pensar se
realmente existem dois lados, claramente definidos, se conseguimos organizar grandes blocos
de ideias e se podemos apontá-las facilmente como conservadoras ou liberais. Acreditamos
que as ideias estão em constantes transições, sendo moldadas pela história e recriadas pela
memória, o que, consequentemente, significa que ser conservador não necessariamente
representa ser politicamente de direita ou de esquerda, ou ainda, estar correto ou errado sobre
sua visão de mundo, afinal, não existem persistentes conservadorismos na esquerda em nosso
cotidiano?
E esse é o motivo que faz a sociedade estadunidense ser um importante objeto de
estudo, de maneira que, foi construída a partir dessa polaridade, colocada de uma forma quase
límpida no seu dia-a-dia, fato que pode ser notado quando nos deparamos com a grande
quantidade de Think Tanks e grupos de pressão que defendem as mais variadas ideias na
política do país. Essa forma de se imaginar a partir de polarizações foi refletida na história
estadunidense, através dos conflitos entre colonos e a metrópole durante a Guerra da
Independência, entre federalistas e defensores do governo federal, entre norte e sul durante a
Guerra Civil, entre defensores do pluralismo religioso e protestantes, entre minorias e a
população branca, entre capitalistas e comunistas durante a Guerra Fria, entre democratas e
republicanos, azuis e vermelhos e, finalmente, liberais e conservadores.
17

Essa constatação traz à tona que a história dos Estados Unidos nos foi contada como a
história da polarização9. Foi construída a partir de heróis e vilões, de indicações de
conspirações comunistas, secularistas e liberais, ou ainda, através de vislumbres de
presidentes que apontaram a formação de eixos e impérios do mal. Mais do que isso, ela foi
contada por uma série de intelectuais e ativistas, americanos e de outros lugares do mundo,
que em sua preocupação de compreendê-la enxergaram mais as diferenças entre os grupos
radicalizados do que o desinteresse generalizado da população, o que levou a teses que
defendiam uma possível tentativa de instalação de uma Teocracia no país ou que temiam o
crescimento da centralização do governo federal e consequente restrição à venerada liberdade
presente no país.
É nessa necessidade de classificar que se encontra a ironia das leituras sobre sociedade
estadunidense, que se reflete na percepção de que em menos de 4 anos o aparente herói
mundial, ganhador do prêmio Nobel da Paz, Barack H. Obama, foi o mesmo presidente que
dobrou o número de extradições de imigrantes ilegais 10, que ampliou o número de ações
militares americanas em países estrangeiros e que espionou outros países. Ao mesmo tempo
em que, lutou pela aprovação de um programa de reforma de saúde com o intuito de estender
os cuidados do Estado para milhões de pessoas e propôs uma reforma na imigração que
pretende dar cidadania a milhões de ilegais.
Da mesma forma, retomando nossa memória sobre a história do país, quando
vislumbramos o exemplo da Guerra do Vietnã e questionamos quem a iniciou, quase nunca
recordamos que foi o democrata liberal John F. Kennedy11 e que foi o republicano
conservador Richard Nixon que, em meio à pressões populares, foi responsável pelo seu fim.
O trabalho tenta romper um pouco essa lógica de pensar polarizada para, ao retornar o debate
sobre a atualidade do país, não cairmos no erro das leituras que tentaram estabelecer
diferenças extraordinárias entre George W. Bush e Barack H. Obama, como também, as que
os colocaram em um mesmo pacote de vilões imperialistas.
Nesse sentido, somente através de uma releitura sócio-histórica teríamos as
ferramentas para conseguirmos perceber que, o binômio conservador e liberal se construiu
sobre pequenos avanços e retrocessos e a partir de abandonos de posições e batalhas, de

9
Assim como a do Ocidente, contudo com uma radicalidade ainda maior.
10
Com relação ao seu antecessor.
11
Assim como, quase nunca recordamos que foi Lyndon Johnson, outro presidente democrata, que ampliou o
número de soldados no Vietnã dos 16 mil soldados de 1963 para 550 mil em 1968. Da mesma, forma quase
nunca lembramos que o Civil Rights foi aprovado de maneira quase unanime com apenas três senadores
republicanos votando contra o projeto.
18

pavores sobre as mudanças sociais e de decepções políticas motivadas pelas conjunturas


sociais, econômicas, políticas e, até mesmo, pela influência de debates teológicos que se
fortaleceram em determinados momentos no país. Com isso, ao optarmos pela ideia de
Guerra Cultural como pano de fundo de nossa análise, compreendendo-a, desta vez, como um
conflito de ideias entre setores progressistas e ortodoxos da sociedade estadunidense em
disputa pela visibilidade na vida pública do país, queríamos também discutir a trajetória da
importância do significativo binômio conservador e liberal na sociedade estadunidense.
Assim, nosso trabalho busca dois objetivos fundamentais: o primeiro é debater como
os novos conservadores utilizaram-se da ideia de Guerra Cultural como um norte para suas
mobilizações, demonstrando como a fomentação da ideia de Guerra Cultural foi determinante
para o crescimento da influência dos novos conservadores na vida pública do país. Para
realizar esse objetivo, entrelaçaremos a origem dos movimentos do novo conservadorismo,
com um enfoque na direita religiosa do país, com os crescentes episódios de batalhas
culturais.
O segundo objetivo de nosso trabalho é o de apontar como a ideia de Guerra Cultural
foi determinante para o predomínio do Partido Republicano em algumas eleições que
resultaram em exemplos como o governo George W. Bush e como o enfraquecimento dessa
ideia foi um dos fatores que possibilitou a eleição de Barack Hussein Obama. O que será
atingido a partir das recentes constatações dos intelectuais sobre o tema da Guerra Cultural, da
análise de suas alegações para o arrefecimento dela e pela percepção de uma estratégia
desenvolvida pelo Partido Democrata que evitou debates em torno de temas culturais sobre a
alegação de propor o fim da polarização no país.

Roteiro da tese.

Em relação à organização de nossa tese, dividimos o nosso trabalho em seis capítulos.


O primeiro nomeado (Guerra Cultural: as definições intelectuais e as trajetórias do
conservadorismo estadunidense) contextualiza a apropriação do conceito de Guerra Cultural
pelos intelectuais estadunidenses, demonstrando os argumentos dos principais debatedores
sobre o tema. Para isso, dividimos o capítulo em dez tópicos sendo eles:
Os tópicos 1.1-1.3 que descrevem o conceito e sua possível origem na sociedade
estadunidense, onde, na primeira parte (1.1 O que é Guerra Cultural? A reconstituição do
tema na história e o seu revigoramento nos EUA.) debatemos a pré-existência da ideia de
19

Guerra Cultural na história mundial e sua releitura nos EUA por Hunter (1991) como o intuito
de explicar a crescente polarização em torno de temas culturais no país.
Enquanto que, na segunda (1.2 As Guerras Culturais americanas, da guerra religiosa
na América do século XIX ao crescimento do pluralismo.) aprofundamos a relação conflituosa
entre os grupos religiosos na história estadunidense, marcada pela tentativa de controle do
país pelos protestantes e pelos conflitos entre as diferentes religiões no país.
Na parte terceira parte (1.3 A expansão da pluralidade cultural e a Guerra Cultural
Moderna.)discutimos como o crescimento da pluralidade e da secularização, ocorridas com o
crescimento das imigrações e com o advento de novas teorias científicas, forçou os setores
religiosos a optar pelos processos de adaptação ou de ortodoxia, (ocorrida na forma de
fundamentalismo religioso), discutindo como esse processo motivou uma aproximação entre
setores conservadores, pertencentes a variadas denominações religiosas, diminuindo a
rivalidade entre as diferentes seitas da doutrina judeu-cristãs no país.
Já nas partes 1.4 a 1.7 procuramos compreender como o conceito de Guerra Cultural foi
resgatado para o contexto da sociedade estadunidense, partindo da definição do tema e
demonstramos como ele foi recebido no meio intelectual, político e pela mídia do país. Nessa
passagem encontra-se a quarta parte (1.4 Uma sociedade construída sobre duas autoridades
morais.) que apresenta a tese de Guerra Cultural da maneira como ela foi proposta por Hunter
(1991), abrindo assim o debate sobre o tema. A quinta (1.5 Após a publicação do livro de
Hunter.) que aponta os resultados relacionados com a publicação do livro de Hunter, marcado
pela aceitação de atores sociais como guerreiros culturais e pelo crescimento da influência da
discussão na mídia e nos debates políticos e acadêmicos. Enquanto que, a sexta (1.6 Uma
América desunida?) apresenta a resposta de Hunter para o crescimento da visibilidade da
ideia de Guerra Cultural, onde, apontamos outra pesquisa desenvolvida por Hunter (1996) que
debate a crescente polarização apresentada na sociedade estadunidense. Na sétima parte (1.7
Uma Nação e duas culturas ou uma Cultura e muitas culturas?) trabalhamos com a obra de
Eagleton (2003) e Himmelfarb (1998- 2001), autores que assim como Hunter defendem a
ideia da existência de uma Guerra Cultural na sociedade estadunidense. Nossa preocupação ao
realizar essa leitura foi demonstrar que tanto autores conservadores como não conservadores
passaram a adotar a ideia de que existiria uma Guerra Cultural na sociedade estadunidense.
Por outro lado, as partes 1.8 e 1.9 debatem as principais leituras que se opuseram à
ideia da existência de uma Guerra Cultural na sociedade estadunidense, desmistificando a
leitura realizada por Hunter e mostrando os motivos que fizeram com que a classe política e a
mídia aceitassem a existência de uma Guerra Cultural. A oitava parte (1.8 Alan Wolfe e a
20

tentativa de perceber os EUA como uma nação.) aponta a pesquisa realizada por Wolfe
(1996) com enfoque na classe média estadunidense, mostrando como o autor defendeu que
jamais existiu uma polarização total nesse setor da sociedade estadunidense. Já a nona (1.9 A
Guerra Cultural como um mito da América polarizada.) desmistifica a ideia da existência do
fenômeno na sociedade estadunidense apontando que o debate em torno do tema surgiu
devido a uma distorção dos dados pelos intelectuais, pela mídia e pela classe política do país.
No fechamento do primeiro capítulo, aprofundamos mais uma questão envolvendo a
ideia de Guerra Cultural, apresentada na décima parte (1.10 As definições sobre o debate
envolvendo o tema e o fim da Guerra Cultural?), trazemos a leitura do último grande debate
entre os defensores da existência de uma Guerra Cultural na sociedade estadunidense e os
defensores de que ela nunca realmente existiu.
O segundo capítulo de nosso trabalho (A um passo de Deus: A influência da religião, das
mudanças sociais e a consolidação da agenda conservadora.) divide-se em três tópicos,
apontando a trajetória da mobilização do novo conservadorismo no país, detalhando os
motivos e os principais eventos que estruturaram a formação do novo conservadorismo na
América e, principalmente, a maneira como esses atores utilizaram-se das batalhas culturais
como ferramenta central de suas mobilizações.
No primeiro tópico (2.1 Definições e a influência da religião na sociedade do país.)
mapeamos as principais correntes do novo conservadorismo estadunidense debatendo as
leituras que são referências sobre o fenômeno. No segundo (2.2 Religião na política e como
espetáculo na América.) retratamos as transformações da religião na sociedade estadunidense
e o desenvolvimento das leituras fundamentalistas cristãs, demonstrando os períodos de
ascensão e de arrefecimento da influência desses atores na política estadunidense. No terceiro
tópico (2.3 As mudanças estruturais que reforçaram a urgência da revolta conservadora e a
crise da esquerda estadunidense.) apontamos as causas que levaram ao fortalecimento das
mobilizações conservadoras na América e como esses movimentos passaram de quase
imperceptíveis, durante grande parte do século XX, para um papel extremamente relevante
nos debates políticos do país nas últimas décadas.
O terceiro capítulo de nossa tese (Da tentativa eleitoral de Barry Goldwater até o fim da
administração Carter: uma releitura histórica sobre a importância das batalhas culturais
para a origem da mobilização conservadora estadunidense) analisa a trajetória do novo
conservadorismo estadunidense, a partir da década de 1960 até o final do governo Carter,
relacionando-a aos casos que envolveram batalhas culturais. Para isso o dividimos em três
partes. A primeira parte (3.1 O candidato Goldwater, o governador Reagan, o despertar da
21

consciência e da revolta conservadora.) trabalha com as primeiras tentativas eleitorais do


novo conservadorismo pautadas na campanha de Barry Goldwater à presidência em 1964 e na
eleição de Ronald Reagan para governador da Califórnia em 1966. A segunda parte (3.2 De
Nixon a Carter, da ascensão do Partido Republicano ao poder a crise na confiança nos
políticos do país. Os motivos que levaram à organização da direita religiosa.) discute alguns
aspectos da crise de confiança gerada na administração Nixon e os motivos para a entrada de
setores religiosos conservadores na política. A última parte do terceiro capítulo, (3.3 A
explosão televangelista e a revolta contra o aborto.) mostra como o crescimento da influência
de pastores televisivos e de algumas mudanças sociais contribuíram para o desenvolvimento
do conservadorismo no país.
No quarto capítulo (De Reagan a Bush. A primeira ascensão e queda da direita
religiosa.) discutimos os resultados das primeiras eleições presidenciais que contaram com
uma forte participação da direita religiosa (1980 e 1984) e mostramos como esse apoio não
resultou em um governo com enfoque exclusivamente em posições conservadoras em relação
a questões culturais. Pontuamos a candidatura de Pat Robertson em 1988 como uma resposta
a isso. Com isso, dividimos o capítulo em três partes, a primeira, (4.1 A campanha Reagan
contra Carter: o palco perfeito para o debate entre as duas Américas.) discute como se
construiu a campanha eleitoral de Ronald Reagan em 1980 a partir dos problemas enfrentados
pela administração Carter. A segunda (4.2 Reagan o grande herói conservador? A Moral
Majority e a relação da direita religiosa com a administração Reagan.) demonstra a ruptura
entre Ronald Reagan e a direita religiosa provocada pelo abandono da administração dos
temas defendidos pelo movimento e pelo enfoque do presidente em questões econômicas e
internacionais. Na terceira parte (4.3 A derrota do candidato de Deus para a máquina política
republicana e a chegada da família Bush a presidência.) discutimos que devido ao
distanciamento da administração Reagan aos interesses do movimento ocorreu uma
reestruturação da direita religiosa no país que culminou com a candidatura de Pat Robertson a
presidência em 1988 e sua consequente derrota para George H. W. Bush.
O quinto capítulo (A ascensão e o declínio da Guerra Cultural: A Convenção
Republicana de 1992, Bill Clinton (1993-2001) e George W. Bush (2001-2009)) continua a
discussão da relação entre as presidências e as batalhas de temas culturais no país apontando o
momento em que, a ideia de Guerra Cultural ganhou força na sociedade estadunidense. Para
isso, o dividimos em duas partes, a primeira (5.1 Guerra Cultural? Para que temer o exterior
se o inimigo sempre esteve dentro do país.) discute como a ideia da existência de uma Guerra
Cultural tomou conta da campanha eleitoral de 1992 e os motivos que fizeram Bill Clinton
22

presidente do país. A segunda, (5.2 Bill Clinton (1993-2001): o presidente amoral e a Guerra
Cultural.) analisa a oposição a Clinton a partir de temas culturais e o crescimento da
polarização política entre o Partidos Republicano e o Partido Democrata.
O sexto e último capítulo de nossa tese (6 De George W. Bush à Obama; a estranha
morte da direita religiosa e da Guerra Cultural.) debate como Bush foi eleito presidente a
partir de um discurso fortemente vinculado a questões religiosa e como ele se relacionou com
a ideia de Guerra Cultural, para em seguida mostrar os motivos que levaram ao
enfraquecimento da discussão em torno dela na sociedade estadunidense e culminaram com a
eleição de Barack Hussein Obama em 2008. Para mostrar isso dividimos esse capítulo em
cinco partes, a primeira (6.1 George W. Bush entre o radicalismo religioso e a moderação.)
debate a disputa eleitoral em torno da primeira campanha de George W. Bush desde as
prévias republicanas, apontando como Bush se alinhou com a direita religiosa. A segunda (6.2
George W. Bush e o último suspiro da direita religiosa.) explica como Bush, após eleito
tentou estruturar seu governo no sentido a diminuir a polarização existente no país e como os
atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 transformaram a sua administração. A terceira
parte (6.3 A Guerra Cultural em George W. Bush.) debate como o governo Bush se
relacionou com as questões culturais, destacando temas como as Faith Based Iniciatives, o
debate em torno da eutanásia que indicavam uma vontade conservadora do presidente. A
quarta parte (6.4 O fim da Guerra Cultural o Renascer de uma nova América.) discute os
motivos que levaram a ideia de Guerra Cultural perder influência nos Estados Unidos,
destacando fatores como a crise economica, transformações sociais e nos movimentos
conservadores religiosos do país. Por último, a quinta parte (6.5 A eleição de Obama e o
retorno do conservadorismo econômico.) debate a eleição de Barack Hussein Obama e diante
do afastamento do debate em torno de temas culturais e o retorno do conservadorismo
econômico e do debate com relação ao crescimento do Estado.
23

Capítulo 1. Guerra Cultural: as definições intelectuais e as trajetórias do


conservadorismo estadunidense.

A proposta para esse capítulo consiste em trazer o caminho percorrido pelo conceito de
Guerra Cultural e demonstrar como se desenvolveu o debate intelectual em torno do tema a
partir da década de 1990. Nosso intuito é o de estabelecer um referencial teórico que permita
demonstrar como os movimentos conservadores estadunidenses são ao mesmo tempo
criadores e fruto da ideia de Guerra Cultural. Nesse sentido, partimos da afirmação de que a
apropriação da ideia de Guerra Cultural por parte dos novos conservadores visou, ao mesmo
tempo, ampliar a sua visibilidade na sociedade estadunidense e disseminar a ideia de que a
sociedade viveria uma suposta crise cultural e institucional, fato que os levou a travar batalhas
que envolviam, particularmente, temas culturais.
Por este motivo, concentramos esta passagem de nosso trabalho em um capítulo de caráter
teórico centrado nas discussões em torno da construção do conceito de Guerra Cultural na
sociedade estadunidense por uma gama variada de teóricos como: James Davison Hunter,
Alan Wolfe, Gertrude Himmelfarb, Terry Eagleton e Morris Fiorina; procurando estabelecer
como cada um deles abordou a sua relevância e o seu desdobramento.

1.1 O que é Guerra Cultural? A reconstituição do tema na história e o seu


revigoramento nos EUA.

Nós agora vivemos em um país onde nossas


tradicionais fés religiosas Judaica e Cristã – forças
civilizadoras em qualquer sociedade – são
abertamente ridicularizadas e cada vez mais
empurradas para a margem. Vivemos em um país
onde a autoridade parental é prejudicada e as crianças
tem menos proteção contra a pornografia, crimes
violentos e a promoção de perigosos e egoístas
comportamentos sexuais. Vivemos em um país onde
os valores da vida humana tem sido banalizados –
desde o momento e forma de concepção até a morte
natural ou não. (SEARS; OSTEN, 2005, p.2)12.

A ideia da existência de Guerras Culturais aparece de uma maneira relativamente


frequente na história mundial, tendo sua origem motivada por transformações sócio-históricas
drásticas na estrutura da sociedade e por uma consequente e virtual ruptura entre lados

12
Todas as traduções presentes nessa tese foram feitas pelo autor.
24

extremados, que influenciariam o comportamento social por estarem dispostos a travar


batalhas políticas e teóricas em torno de temas relacionados à cultura. Essa ruptura pode ser
facilmente representada pelas oposições liberal e conservador, antigo e moderno, progressista
e ortodoxo, secularista e religioso ou ainda pela disputa entre diferentes compreensões morais
entre grupos religiosos.
Esses grupos aparecem na história disputando a hegemonia de suas ideias sobre a
sociedade, todavia, suas oposições são muito mais profundas do que uma simples rivalidade
de ideias, uma vez que, a característica principal delas concentra-se no embate entre
construções morais totalmente opostas. Ou seja, a maneira como cada um desses grupos
compreende o mundo é carregada de valores radicais, construídos sobre alicerces
profundamente estáveis e inflexíveis, e que se refletem na forma como os seus membros se
relacionam com a realidade. A força destes conjuntos morais é tão intensa que qualquer
transformação na sociedade é concebida por seus membros como uma ameaça à destruição de
seu modo de vida.
Neste sentido, não é incomum encontrar autores que concebem os conflitos provocados
por transformações sociais em determinados períodos históricos, a partir da ideia de Guerra
Cultural em evidência o exemplo da Kulturkampf13de Bismarck ocorrida durante as últimas
décadas do século XIX. O embate constituiu-se em uma disputa entre protestantes e católicos,
após o final da Guerra Franco-Prussiana, e tinha sua centralidade em Bismarck e a unificação
da Alemanha em Estado-Nação. A questão é que durante a guerra contra a França criou-se
um espírito de unidade nacional alemã estabelecida na coesão política entre os vários
principados, o que parecia ameaçado pelo término do conflito, ou seja, com a ausência de um
inimigo externo que servisse como mobilizador em torno da defesa dos laços comuns, surgiu
a necessidade da criação de outras formas que possibilitassem a unidade social14.
Bismarck, mesmo não sendo um fiel seguidor da religião protestante15, fomentou o
combate contra a Igreja Católica em prol da defesa da centralização do Estado e da tentativa

13
Guerra Cultural em alemão.
14
Segundo Rose (1987), a disputa interna teve seu início quando foram anexadas ao Império a Alemanha do Sul
e a Alsacia-Lorena que possuíam uma população majoritariamente católica que era vista com desconfiança
pelos protestantes das regiões da Prússia e da Alemanha do Norte. A rusga entre as regiões foi acentuada
quando o Partido do Centro, organizado pelos católicos alemães, ganhou 58 cadeiras no Reichstag em 1871,
tendo um forte apoio dos grupos contrários a Bismarck.
15
Bismarck tem entrada tardia na participação religiosa.
25

de unificar definitivamente a nação16. O movimento ganhou força apoiando-se em tendências


liberais e no anticlericalismo17, angariando características de extrema violência:
O conflito ganhou um caráter de extrema violência: as relações com Roma
foram rompidas, o arcebispo de Posen encarcerado; em 1875, dos doze
bispados da Prússia, oito estavam vagos; o arcebispo de Breslau tinha se
refugiado na Áustria, e o de Colônia na Holanda. (DROZ, 1958, p.65-66).

Droz (1958) argumentou que o conflito chegou ao fim com a posse do Papa Léon XIII
(1878), quando as leis anticlericais criadas por Bismark perderam vigor, somente o casamento
civil e a expulsão dos jesuítas mantiveram-se, fato determinante para que alguns
pesquisadores sobre o tema apontassem o triunfo da Igreja Católica. Todavia, apesar de sua
virtual derrota, o chanceler alemão conseguiu atingir seu principal objetivo, que consistia em
garantir a proteção de alguns direitos como o casamento civil e a centralização do Estado.
Segundo Hunter (1991), o ponto central da Kulturkampf de Bismarck construiu-se tendo
como pano de fundo uma questão educacional. Isso ocorreu porque a educação era o símbolo
da unidade alemã e da identidade nacional e, por esse motivo, a disputa representava uma
batalha entre os católicos e protestantes sobre a formação do caráter da nação e como ele seria
transmitido como um legado para as gerações futuras.
O pesquisador estadunidense Dejean (2003) apontou a batalha dos livros na França do
século XVII como um outro exemplo associado à ideia de Guerra Cultural. Para o autor 18, a
batalha caracterizada pela disputa entre antigos e modernos e pela criação de um novo
público, acabou expandindo-se para questões políticas mais abrangentes como, por exemplo,
a polêmica sobre os direitos das mulheres. Ou seja, no exemplo francês a disputa nasceu
motivada pela transformação do gosto no país, pelo surgimento de novos autores, de novas
temáticas e pela reação dos já estabelecidos no campo literário a essas transformações.
O resultado da disputa deu origem a um novo público alinhado às ideias da nova geração.
Consequentemente, ao propagar essas novas ideias estabeleceu-se uma nova maneira de
interagir com a realidade, transformando o que seria aceito a partir de então pela população
em geral.
A característica comum destas disputas é o fundamento da ideia de Guerra Cultural,
portanto, a percepção de que elas são travadas em torno modelos ideais de como a sociedade

16
A disputa fortaleceu-se através de medidas como o controle governamental sobre as escolas católicas (1871),
a expulsão de jesuítas (1872) e as leis de maio de 1873 que tentavam colocar a Igreja sob o controle do
governo prussiano.
17
Bismarck tomou medidas como: a obrigação dos futuros clérigos de estudar em universidades do Estado, o
direcionamento para um Estado Civil Laico e a expulsão dos jesuítas.
18
Dejean utilizou-se das referências da ideia de Guerra Cultural estadunidense para reconstruir a disputa
francesa.
26

deveria ser constituída. Tanto no caso alemão, quanto no francês, a discussão surgiu
centralizada em questões como: qual seria o legado a ser passado para as gerações
posteriores? Quais os mitos e histórias que representam a unidade e esse legado da nação? O
que nos faz perceber, que esses questionamentos não se diferem dos que os EUA passaram
durante as últimas décadas, ou seja, quais foram os valores que transformaram a jovem
colônia americana em uma superpotência mundial?
Neste sentido, a narrativa dos EUA pode ser observada sob a ótica das rupturas entre
grupos que construiriam e afirmariam os valores responsáveis pela formação da identidade
americana. Assim, episódios como: a Guerra da Secessão (se a pensarmos como uma ruptura
entre um bloco moderno representado pelo norte e um bloco tradicional representado pelo
sul), a disputa entre protestantes e católicos que teve sua origem na chegada maciça de
imigrantes não protestantes ao país (durante o século XIX) e que motivou disputas entre os
dois grupos, e, atualmente, as rupturas entre secularistas e religiosos, entre nativos e
imigrantes e entre multiculturalistas e tradicionalistas poderiam representar Guerras Culturais.
Com isso, são inegáveis os momentos de rupturas na história estadunidense, afinal, em
todos os exemplos citados acima, percebe-se que as transformações acarretaram resistências
tão ou mais radicais aos seus propósitos iniciais. Nosso intuito, então é o de aprofundar a
compreensão do conceito de Guerra Cultural na contemporaneidade estadunidense,
analisando-a paralelamente à sua trajetória. Para tanto, precisamos partir da ideia de que a
discussão sobre a existência de Guerra Cultural é carregada de disputas ideológicas, que
constantemente a redefiniu durante os últimos anos, concebendo-a hora como exagerada,
contradita, minimizada e, em muitos momentos, como uma explicação possível para toda e
qualquer polarização existente na sociedade estadunidense.
A dificuldade em torno da definição do conceito de Guerra Cultural decorre, por causa
disso, de uma batalha ideológica que adicionou à sua ideia original novas discussões, fato que
fez com que o debate sobre o tema se acirrasse. Assim, a questão central desse capítulo é
entender a ideia de Guerra Cultural afastando-a da redução imposta pelo debate atual que
analisou o fenômeno a partir da dupla – existe/ou não existe. Com isso, a novidade de nosso
trabalho centra-se em aprofundar que devido a maneira como os EUA foi pensado de forma
polarizada a ideia de Guerra Cultural foi uma ferramenta da mobilização dos dois lados dessa
disputa entre conservadores e liberais.
A questão é que, parte significativa dos teóricos envolvidos com o tema engajou-se a um
dos lados da disputa, ou seja, partilhou, do que chamaremos aqui, de ideias conservadoras ou
liberais. Frente a essa polarização e após a publicação do livro de Hunter (1991), os meios de
27

comunicação rapidamente aceitou a ideia de que o país estaria dividido ao meio,


aproveitando-se, dessa forma, da ótica que privilegiava o confronto frente à calmaria,
investindo na divulgação de concepções controversas sobre temas culturais como o aborto e a
relação entre educação e religião para justificar que o país era dividido.
Em decorrência disso, a explosão da ideia de Guerra Cultural na sociedade estadunidense
suscitou dois tipos de leituras diferentes sobre o tema. A primeira surgiu a partir da obra de
Hunter (1991) e foi acolhida pelos “guerreiros culturais19”, que a defendiam como forma de
motivar sua luta política. Ou seja, ela tem sua origem em uma leitura acadêmica da sociedade
que foi rapidamente aceita pelos formadores de opinião e pelas elites políticas e intelectuais
engajadas, que viam nas disputas culturais uma possibilidade de transformar a sociedade. Por
isso, essas elites demonstravam que o país atravessava um processo polarização que
desencadearia uma ruptura total da sociedade, dividindo os EUA entre conservadores e
liberais.
Uma segunda leitura também surgiu na academia e demonstrou que apesar da disputa
entre duas elites políticas dispostas ao confronto diante de assuntos culturais, a grande maioria
da população não se preocupava com a pretensa Guerra Cultural. Essa concepção está
presente em obras que visavam compreender a sociedade estadunidense, eliminando a análise
dicotômica. Como exemplos dessa abordagem estão a pesquisa realizada por Wolfe (1998),
que buscou debater o real papel da classe média na polarização social do país e a de Fiorina
(2006), que demostrou que, em geral, os americanos não são politicamente radicais a ponto de
participar de batalhas campais sobre temas relativos à cultura. Outras leituras, como as
realizadas pelo rabino Michael Lerner (2005) e pelo cientista político Bob Edgar (2007)
tinham o intuito de explicar o universo religioso afastando a ideia de que a única maneira de
se pensar a questão da religião nos EUA seria relacioná-la aos movimentos da direita
religiosa.
Mas o que definimos aqui como Guerra Cultural? Estamos trabalhando com um fenômeno
específico, ou de fato com inúmeras batalhas culturais nos últimos anos da história
estadunidense? Como este fenômeno foi revitalizado na sociedade estadunidense e porque isto
ocorreu?
Para responder essas questões, esse capítulo propõe aprofundar a discussão sobre o
conceito de Guerra Cultural, demonstrando sua definição tanto durante as décadas de 1990 e
2000, quanto nos dias atuais. Para isso, iniciaremos com uma definição geral do conceito

19
O que denominamos aqui como guerreiros culturais, é uma grande variedade de ativistas que após a
definição de Hunter (1991) sobre o fenômeno puderam assumir-se como tal.
28

presente nas obras do sociólogo estadunidense James Davison Hunter (1991), pioneiro nos
estudos sobre a redefinição do tema na atualidade.
Consideramos importante, em um primeiro momento, destacar que Hunter retomou o
conceito de Guerra Cultural na sociedade estadunidense no princípio da década de 1990,
período histórico pautado pelos frutos das disputas sociopolíticas que ocorreram nas décadas
de 1970 e 1980. Nesse período, encontramos inúmeros confrontos na sociedade estadunidense
em torno de assuntos envolvendo questões morais, tais como: as reformas na Equal Rights
Amendment (ERA), as legislações pró-aborto, as discussões sobre a definição de família e o
encontro sobre o tema ocorrido na Casa Branca sob a administração Carter, a inserção da
educação sexual nas escolas, o crescimento de um país cada vez mais multicultural e a
inserção das novas culturas na sociedade.
Este quadro de conflitos vinha mostrando-se cada vez mais presente na vida pública
estadunidense, o que pode ser percebido quando observamos a importância política de
movimentos como a Moral Majority20 ou da American Civil Liberties Union (ACLU)21. Por
esse motivo, as duas décadas anteriores à publicação do livro de Hunter pareciam mostrar que
os combates sobre esses temas tornar-se-iam cada vez mais frequentes e radicais, o que
resultaria em uma total divisão da sociedade entre os apoiadores das transformações e os seus
críticos.
Hunter (1991) definiu Guerra Cultural a partir da ideia de uma ruptura na sociedade
provocada por dois conjuntos morais, um ethos moral progressista e um ortodoxo. Ela tomaria
conta do espaço público, sob a forma de disputa de opiniões contrárias em luta pela
hegemonia política do país. Para balizar essa leitura, o autor aprofundou a ideia de conflitos
culturais, ilustrando, a partir da maneira como estes dois conjuntos morais de compreensão da
realidade se rivalizariam na sociedade:
Eu defino conflito cultural muito simplesmente como hostilidade política e
social enraizada em diferentes sistemas de compreensão moral. O fim para
cada uma destas hostilidades tende a ser a dominação de um ethos moral e
cultural sobre todos os outros. (HUNTER, 1991, p.42).

No entanto, ao definir o conceito de conflito cultural, o autor alegou que existiam


dificuldades para buscar categorias conceituais e ferramentas analíticas que possibilitassem
sua compreensão para o americano comum, uma vez que, este tipo de conflito apresentava-se

20
Importante grupo da direita cristã estadunidense que ganhou notoriedade durante a década de 1980, sobre
a liderança do televangelista Jerry Falwell.
21
American Civil Liberties Union é a principal organização de defesa dos direitos individuais dos EUA, sendo
fundada em 1920 por Crystal Eastman e Roger Baldwin.
29

de maneira um pouco distante da realidade da maioria dos estadunidenses. Ou seja, eles


viveriam em um país que aparentemente não teve de grandes perseguições como a que ocorre
com relação aos Kurdos no Iraque, ou conflitos como entre os nacionalistas Sikh no nordeste
da Índia. Aqui deve-se abrir um espaço para questionar essa leitura do autor sobre a história
estadunidense, pois, consideramos que diferente de sua maneira de enxergá-la esteve repleta
de perseguições advindas de grupos já estabelecidos contra os grupos recém chegados no país
como nos casos dos afro-americanos, imigrantes e membros de outras tradições religiosas.

1.2 As Guerras Culturais americanas, da guerra religiosa na América do século XIX ao


crescimento do pluralismo.

Esse talvez seja o mito mais persistente da América:


Os peregrinos vieram aqui procurando por liberdade
religiosa, encontraram ela, e nós vivemos felizes
desde então. (HASSON, 2005, p.1).

Para resgatar o conceito de Guerra Cultural na história estadunidense, Hunter (1991)


partiu dos conflitos religiosos entre protestantes e os novos imigrantes católicos que
ocorreram nos EUA no século XIX, defendendo que eles ilustrariam de uma forma
embrionária como as disputas culturais ocorreriam na sociedade estadunidense.
Para que fique clara esta questão, é cogente, antes de dar continuidade à discussão teórica
sobre a questão da Guerra Cultural, abordar esses episódios “Guerra Cultural” estadunidense
devido aos grandes reflexos da rivalidade entre as religiões protestante e católica na política
estadunidense dos séculos XIX e XX, disputa que se arrastou até os anos 196022. Partimos
então, da chegada dos imigrantes23 com novas tradições culturais e religiosas, e da maneira
pouco amistosa como eles foram recebidos por parte dos colonos estadunidenses. Para essa
leitura, nos centramos na obra do historiador francês Denis Lacorne (2007) que nomeou o
conflito como a guerra das duas Américas, pois, ele colocaria em oposição às elites
protestantes e a hierarquia católica, o que ocasionou os conflitos entre as massas WASP
(White Anglo-Saxon Protestant) e os imigrantes católicos (em sua maioria irlandesa).
Nesse sentido, a batalha significou muito mais do que uma simples disputa religiosa, pois,
“Esta guerra das duas Américas não era somente religiosa, ela era também e, sobretudo uma
guerra de classes seguida de um conflito étnico-cultural” (LACORNE, 2007, p.92).
22
John F. Kennedy foi o primeiro presidente católico a ser eleito nos Estados Unidos em 1960, período em que a
não aceitação da população aos católicos já havia diminuído.
23
Concentramos nosso olhar sobre os imigrantes católicos que por possuírem uma população maior na
população estadunidense obtiveram uma maior visibilidade durante o período.
30

Hunter (1991) apontou que o conflito religioso foi resultado do crescimento da população
Católica no País, segundo os dados apontados pelo autor, na década de 1830 cerca de 600.000
católicos chegaram ao país, seguidos de 1.700.000 na de 1840 e 2.600.000 durante a de 1850.
Esta crescente imigração fez com que ocorresse um salto quantitativo na população católica,
que partiu de 1% da população na década de 1790 para 12% na de 1880, atingindo 17% na de
192024.
Segundo Lacorne (2007), além da questão religiosa que contrapunha a população
imigrante católica e os colonos estadunidenses, o primeiro grupo era composto por jovens em
sua maioria, pouco qualificados e dispostos a aceitar empregos urbanos menos remunerados.
Em outras palavras, eles procuravam ganhar a vida nos centros urbanos que cresciam no
período, aglutinando-se em bairros onde a população era composta em sua maioria por
imigrantes, parecendo transportar suas comunidades originais para as terras americanas.
Sendo assim, os protestantes, influenciados pela propaganda anticatólica que crescia no
período, considerava-os como uma ameaça à frágil república americana.
Essa drástica transformação da sociedade motivou atitudes xenofóbicas dirigidas contra as
comunidades de imigrantes. No mesmo caminho argumentativo, Corbett (1990) mostrou que
os americanos não católicos temiam que se os católicos se tornassem dominantes, a liberdade
religiosa poderia ser perdida25, o que fez florescer inúmeros movimentos Nativistas26.
Hunter (1991) argumentou que jornais, como o Chicago Tribune, publicaram textos
incentivando o anticatolicismo durante as décadas de 1840 e 1850, assim como, durante o
período de 1800 a 1860, foram publicados cerca de 200 livros cujo foco era o anticatolicismo.
Além disso, grupos políticos anticatólicos ganharam visibilidade como os The American
Protestant Association27, The Christian Alliance, Foreign Christians Union28 e os partidos

24
Segundo Lacorne, (2007) apontando dados do Statistical Abstract of the United States de 2000, os dados
referentes ao número de católicos nos EUA durante o período são um pouco diferentes, já que, em 1790: eles
eram 35.000 (o que representaria 0,9 % da população total do país), em 1820 eles eram 195.000 (o que
representaria 2,0% da população), em 1830: 318.000 (representando 2,5% da população), em1840: 663.000
(algo em torno de 3,9%) e em 1850: 1.600.000 (um total de 6,9%).
25
Ou seja, o medo que o controle da Igreja Católica na sociedade os fizesse perder a liberdade religiosa
resultava na perda da liberdade religiosa, já que, eles se voltavam contra grupos que tinham fé contrária a
deles.
26
O termo nativista constrói-se a partir da ideia de América para os americanos, rejeitando assim todas as
tradições estranhas a vivenciada no país.
27
Fundada na Filadélfia em 1842, a associação acolhia membros de todas as denominações protestantes,
encorajando o estudo da Bíblia e alertando-os sobre os perigos da perda da liberdade religiosa com o
crescimento da influência do catolicismo na sociedade.
28
O Know-Nothing surgiu como um movimento político em 1848 e foi retratado no filme Gangues de Nova
York.
31

como o Native American Parties (nas décadas de 1850 e 1860), organizações que possuíam
muita força em estados onde a população católica era mais numerosa.
Outro agravante foi, que essa “Guerra Cultural”, veio atrelada a um novo gênero literário
que ganhou força na sociedade estadunidense. Chamado de “pornografia protestante”, ele
consistia em encontrar uma forma de demonstrar que a aparente santidade da ordem
monástica era falsa e que os padres e monges católicos viviam verdadeiras perversões
provocadas pelos tormentos da sociedade fechada, da avareza e do ciúme29.
Marsden (in Cromartie, 1993) discutiu que a disputa entre protestantes e católicos teve
uma forte relação com a formação dos dois principais partidos do país. Ou seja, durante a
década de 1850, como uma oposição ao crescimento dos movimentos nativistas, uma grande
quantidade de católicos se filiou ao Partido Democrata. No mesmo período, foi fundado o
Partido Republicano a partir da derrota eleitoral do partido anticatólico nativista (Native
American Party) conhecido como Know-Nothing que tinha conseguido 21% dos votos para a
eleição presidencial de 185630.
A disputa entre protestantes e católicos teve seu auge no evento conhecido com a “Guerra
das Bíblias” que foi provocado pela diferença existente entre a versão da Bíblia protestante e
da católica:
A comparação das duas versões dava armas aos protestantes que queriam
demonstrar a “insuficiência” da Igreja Católica: sua falta de racionalidade,
sua ignorância das verdades bíblicas e das interdições divinas, suas
tendências à idolatria, em resumo seu caráter geralmente supersticioso.
(LACORNE, 2007, p.109).

Do mesmo modo, os nativistas faziam críticas às práticas de culto dos imigrantes


irlandeses, como às representações de São Patrick, aos cultos à Virgem, ao Sagrado Coração
de Jesus e às procissões. Porém, o que Lacorne (2007) considerou como o mais emblemático
acontecimento da batalha das duas Bíblias, seria o caso ocorrido em março de 1859, na Eliot
School, quando o estudante católico Thomas Whall (de 10 anos) recusou-se a ler, no princípio
da aula, os dez mandamentos da versão protestante da Bíblia como havia sido exigido pela
sua professora Srta. Shepard e pela lei do estado de Massachusetts (que definia a
obrigatoriedade da leitura da versão protestante da bíblia em todas as escolas públicas do
estado). Como resultado, o diretor da escola repreendeu o estudante, o que acabou levando o

29
Em Lacorne (2007).
30
Segundo Marsden (in Cromartie, 1993), até 1960 o Partido Democrata tinha forte base nos Católicos do Sul e
o Partido Republicano nos Protestantes. Contudo, essa relação vinha sendo alterado desde 1928, quando, com
o New Deal, o Partido Democrata passou a mudar o enfoque de sua política a questões econômicas
gradualmente relegando a questão religiosa a um segundo plano.
32

caso à justiça, que apoiou o diretor e considerou que o estudante havia cometido uma falha
grave nos seus deveres de aluno e por isso deveria ser punido corporalmente. Todavia, junto
com Whall, uma centena de estudantes católicos passou a recusar-se a ler os mandamentos de
acordo com a Bíblia protestante.
A possibilidade do abandono da leitura dos dez mandamentos era vista pela população
protestante como uma catástrofe para o sistema educacional. Aqui, como nos casos da Guerra
Cultural francesa e alemã, a questão da educação foi central para o conflito religioso, pois ela
era peça chave para a manutenção dos sistemas morais e para a formação da identidade
nacional.
Do lado católico da disputa, o caso Whall deixou a impressão de que a Igreja Católica
estaria indefesa aos ataques da maioria protestante. Ao mesmo tempo, Whall tornou-se um
mártir católico moderno por ter provado sua fé heroica, rejeitando-se a ler os mandamentos
em uma segunda oportunidade, mesmo sob a punição física, o que resultou na expulsão de
Whall e dos outros estudantes católicos da Elliot School e promoveu o fortalecimento das
escolas confessionais católicas. Essas novas escolas logo passaram a ser vistas pelas
autoridades do país como um impedimento para a assimilação 31 rápida dos imigrantes
católicos aos valores estadunidenses.
O caso Whall abriu os olhos da população imigrante ao proselitismo protestante e
liberou o caminho para o surgimento das common schools (escola elementar, pública e
gratuita) que passaram a substituir gradativamente as charity schools (escolas religiosas e
gratuitas destinadas aos mais pobres). Essas novas instituições educacionais seriam
embrionárias ao crescimento de uma visão mais secularizada da educação, que considerava a
liberdade e a autodisciplina como pontos centrais, todavia:

Esta secularização manteve-se incompleta como a escola pública tinha por


missão formar cidadãos racionais, informados e inteligentes, capazes de
compreender que existia uma moral cívica e um interesse público acima das
paixões egoístas dos indivíduos. Agora, essa moral cívica não existia por si
só; ela revelava uma moral mais geral, de inspiração cristã, repousante sobre
um duplo postulado: a autonomia dos indivíduos e a autodisciplina.
Autonomia, pois o homem é um agente livre que deve escolher por ele
mesmo o partido ou a opinião política que melhor corresponda a sua
sensibilidade; da mesma forma que ele exerce sua liberdade de consciência
na escolha de culto de sua escolha, sem sofrer de pressões familiares ou

31
A questão da assimilação dos imigrantes era discutida na história dos EUA condicionada ao que McLaren
(2000) definiu como uma leitura conservadora do multiculturalismo, uma vez que, ela propunha o abandono
de uma identidade anterior em troca do pertencimento ao modo de vida estadunidense. Ou seja, a assimilação
era condicionada a aceitação dos símbolos e heróis da nação, a restrição de tradições culturais e religiosas
anteriores a chegada ao país ao ambiente privado e um comprometimento político com os Estados Unidos.
33

éticas. Autodisciplina, para que o homem do povo deixe seus pecados


naturais – a ignorância, a superstição e o vício -, podendo se transformar em
rebelde, em um inimigo da sociedade, se não em “Góticos ou em vândalos
do interior”, mais perigosos que um inimigo externo. (LACORNE, 2007,
p.112).

A questão envolvida no debate da educação nesse momento consistia em definir de


que maneira seria possível separar a ideia de moralidade cívica da religiosidade protestante
dominante no País. A solução encontrada para o ensino público passou a ser a de, sem
abandonar a religião, evitar possíveis interpretações que suscitassem o conflito entre as
diferentes religiões. Para Lacorne (2007) a “laicidade” americana tolerava e em determinados
momentos encorajava a leitura da Bíblia, embora, a religião tenha passado a ser
instrumentalizada a serviço de uma causa mais nobre e focada em um ideal de uma “cidade
republicana” fundada na inteligência dos cidadãos.
Apesar de, na visão dos católicos, a solução ser parcial, sectária, fundamentalmente
protestante e, até mesmo, antirreligiosa (os ensinamentos religiosos para a Igreja Católica
deveriam ser realizados por uma autoridade religiosa), grande parte das escolas elementares
católicas surgidas no período foram criadas a partir do modelo de common schools.
Entretanto, adequar-se ao modelo educacional da época não garantia que as escolas
confessionais católicas obtivessem os mesmos benefícios dados pelo Estado ao
funcionamento de outras instituições educacionais.
Ou seja, apesar da tentativa de minimizar os conflitos, a educação continuava a ter um
forte enfoque na religião protestante, ou como podemos perceber nos seguintes exemplos: a
proposta de lei de 1839, pelo governador do estado de New York Willian Seward 32, rejeitada
pelas autoridades educacionais e pelo legislativo do estado; e a lei de 1842 que dava
permissão para as autoridades locais de educação incluir ou não a leitura da versão protestante
da Bíblia nas escolas. Assim, os debates sobre a educação passaram a ser cada vez mais
radicalizados, visto que, para os protestantes, o abandono de sua versão da Bíblia nas escolas
elementares era algo inaceitável, ao mesmo tempo em que, para católicos o que existia era um
esforço catequizador por parte dos protestantes.
O auge do radicalismo envolvendo esta questão ocorreu após o assassinato de um
“nativo americano33” por um imigrante católico irlandês, fato que motivou manifestações e
revoltas nativistas pelo país, como a de Filadélfia de 1844 (que teve a tentativa de retirada da
leitura da Bíblia protestante das escolas como ponto central e resultou na destruição de duas

32
Seward foi governador de New York e secretário de Estado de Abraham Lincoln e Andrew Johnson.
33
Um colono protestante.
34

igrejas católicas; a das marchas de protestantes em Kensington que desencadearam três dias
de conflitos, a destruição de duas igrejas católicas e a morte de 30 pessoas) e o Bloody
Monday de 1855 que após o ataque de protestantes a um bairro católico Irlandês em
Louisville ocorreu uma batalha que deixou 22 mortos e inúmeros feridos.
Lacorne (2007) apontou que, o país passou a ser palco de batalhas campais, que
motivaram novas tentativas de fomentar a separação entre Igreja e Estado como a Emenda
Blame (criada em 1876) e o término de todos os auxílios às escolas confessionais, tanto no
nível federal, quanto no local34.
Os dados referentes à crescente imigração continuaram cada vez maiores, mesmo com
o processo de resistência instaurado pelos nativistas. O período de 1861 até 1890 foi marcado
pela chegada de aproximadamente 14 milhões de imigrantes, majoritariamente europeus, e de
um forte apelo para as imigrações com contrato de trabalho determinado (1864-1884). (O
número constante de imigrações causou o inchaço dos grandes centros urbanos, assim como,
o crescimento da violência e da pobreza nestas regiões).
Com o constante crescimento da população imigrante, legislações passaram a ser
efetivadas, no começo do século XX, com o intuito de controlar a chegada de imigrantes e
garantir assim a dominância proporcional da população protestante no país. Vincent (1994)
abordou as leis como a de 1917 que proibia a entrada de iletrados, a lei de cotas (Quota Law)
de 1921 que limitava a entrada de imigrantes de cada nacionalidade em 3% anuais de acordo
com o número de imigrantes destas que já viviam no país, e a lei de 1924 que reduzia este
percentual para 2%. Além disto, inúmeros casos de expulsão e de interdição da entrada de
grupos provenientes de países da Ásia (como o caso da restrição a entrada de chineses e
filipinos35), da Europa Central e da Europa Mediterrânea36 no país são narrados por
pesquisadores37.
Segundo Vincent (1994), a motivação para este tipo de legislação partiu do medo da
maioria W.A.S.P. com relação ao alcance da sociedade moderna, considerada nefasta (pois
negava o papel da religião protestante como guia moral para a sociedade, assim como, trazia
consigo as teorias que negavam o criacionismo) e da aversão a tudo o que não era
verdadeiramente americano, fato reforçado pelo desenvolvimento do comunismo na Europa e

34
A emenda não foi aprovada por ter sido mal recebida pelos dois lados da disputa, protestantes e católicos.
35
Ngai (1996).
36
Lacorne (2007).
37
Limoncic (2010) argumentou que, além de restringir a entrada de estrangeiros nos Estados Unidos o período
é marcado por legislações intrusivas que procuravam alterar os hábitos da população, com a Lei Seca de 1919.
35

pela difusão de novas teorias científicas e materialistas que foram recebidas com intolerância
no decorrer dos anos 1920.

1.3 A expansão da pluralidade cultural e a Guerra Cultural Moderna.

Eu acredito que nós Cristãos já sofremos o que pode


ser determinado como uma perseguição velada em
muitas áreas da cultura, da moralidade e da lei. Ao
menos que nós nos arrependamos de nossa preguiça
spiritual e do torpor cívico, podemos esperar ainda
uma perseguição cada vez mais extensiva.
(STANMEYER, 1983, p.1).

Apesar do intensivo controle da imigração, limitando-a de acordo com o grupo étnico


dos imigrantes, e da oposição a esses grupos por parte da população protestante, o
crescimento das comunidades não protestante parecia inevitável, durante as décadas seguintes
à de 1920. Com exceção da comunidade Judaica (que após a fundação de Israel, em 1948,
teve sua população reduzida de 5% do total da população para 2,5%), os demais imigrantes
continuaram apresentando um crescimento constante38. O destaque deve ser dado à população
católica que manteve um crescimento estável, principalmente, durante as décadas de 1920 à
de 1940 e que, apresentou no período após a Segunda Guerra Mundial, e devido ao seu
crescimento motivou uma alteração significativa na sociedade estadunidense que, segundo
Hunter (1991), passou a representar 20% da população em 1947, 25% em 1967 e de 28 a 29%
na década de 1980.
Da mesma forma, ocorreu o crescimento da pluralidade religiosa no país devido ao
aumento das populações hindu, budista e muçulmana39. Outro dado significativo deste
fenômeno foi o aparecimento de inúmeras seitas não cristãs como a cientologia.
O aumento da população católica no país e o crescimento do pluralismo religioso
acabaram aproximando as religiões Católica, Protestante e o Judaísmo, pois, por maior que
fosse a rivalidade histórica entre elas, elas possuíam muitas características em comum,
sobretudo, quando comparadas com as novas formas de fé que cresciam no país. Hunter
(1991) argumentou que, apesar dos conflitos iniciais, a sociedade estadunidense constituiu-se
a partir de um pacto judaico-cristão que foi quebrado com o crescimento da pluralidade

38
Hunter (1991).
39
O crescimento da população muçulmana nos EUA é marcante, se em 1934 existiam apenas 20.000 membros,
em 1988 eles somavam quatro milhões e frequentavam cerca de 600 mesquitas.
36

religiosa e pela explosão no número de pessoas que se definiam como secularistas a partir de
1962. (Gráfico1).

Gráfico 1 Crescimento do número de pessoas que se definiam como secularistas.

Percentual de secularistas nos EUA.


12%
11%
10%
8% 8%
6%
5%
4%
2% 2% 2%
0%
1952 1962 1972 1982 final da década
de 1980

Fonte: HUNTER, 1991, p.76.


A transformação da sociedade estadunidense resultou em um realinhamento da política
do país, uma vez que, se até a década de 1950 as religiões ocupavam o espaço público como
rivais, a partir da década de 1960 uma nova disposição da política construiu-se através da
fragmentação das religiões em parâmetros de ortodoxia e progressismo. Ou seja, a unidade
entre os grupos religiosos foi quebrada, protestantes, católicos e judeus passaram a dividir-se
em ortodoxos e progressistas no interior de suas religiões, o que fez com que aliados se
tornassem rivais políticos e inimigos históricos passassem a perceber similaridades em sua
maneira de ver o mundo.
Entender a transformação dos grupos religiosos na sociedade estadunidense é o ponto
de partida para a compreensão da ideia de Guerra Cultural. A questão aqui é pensar como a
religião adaptou-se à modernidade. Em seu trabalho sobre o evangelismo estadunidense,
Hunter (1983) mostrou como a religiosidade cresceu paralelamente ao aumento do
secularismo nos EUA. A novidade desse processo é percebida quando se destaca que uma das
principais características da modernidade concentrar-se-ia em uma erosão da plausividade das
crenças religiosas. Mesmo assim, a religiosidade na sociedade estadunidense não passou por
um processo tão forte de enfraquecimento como ocorreu na Europa.
Se pensarmos as transformações da importância do significado da religião na
contemporaneidade a partir do conceito de desencantamento do mundo presente na obra de
Weber, percebemos que existem dois caminhos para a compreensão dos efeitos da
modernidade sobre a religião. Um primeiro que colocaria a ideia de desencantamento como
37

um resultado do processo de racionalização da sociedade, marcado pela retirada da magia que


seria vista como obstáculo para o desenvolvimento do capitalismo moderno pela religião. Já o
segundo, tratar-se-ia de um processo de remoção da religião pela ciência e de uma perda de
sentido do mundo40.
O interessante do estudo sobre esta questão nos EUA é perceber que enquanto países
como França e Alemanha tiveram um recuo da influência da religião em sua vida pública,
principalmente a partir da década de 1960, nos EUA a religião continuou a ocupar um espaço
significativo dentro do discurso político do país. Esta diferença pode ser percebida quando
retomamos a história dos EUA e percebemos que a questão religiosa nunca esteve realmente
separada da vida pública do país, estando presente em quase todos os juramentos feitos pelos
presidentes, na moeda, entre outros símbolos que colocariam a religião e a vida pública
extremamente entrelaçada.
Hunter (1983) partiu da ideia de que a modernização da sociedade afetou a
religiosidade, pois ela se baseava em um processo de racionalização que seria intrinsecamente
inimigo da religião no nível da consciência subjetiva. Por este motivo, mito, mágica, tradição
e autoridade, elementos essenciais para a orientação da crença religiosa perderiam a extensão
na atualidade. Nesse sentido, as pessoas seriam constantemente expostas a variadas visões de
mundo que criariam perspectivas antagônicas da realidade.
Para o autor, a modernização da sociedade estadunidense deixaria duas opções para os
grupos religiosos, sendo elas: acomodação ou resistência (construída sobre a forma de
ortodoxia). A acomodação poderia ser caracterizada de duas formas: como uma forma radical,
que aceitaria uma reinterpretação da religião a partir de uma linguagem: “como, por exemplo,
na tradução do Cristianismo em ética, psicologia, negócios, políticas liberais e teologia
radical." (HUNTER, 1983, p.16). Ou, em outro sentido, a acomodação poderia ocorrer com a
redução da frequência de referências ao sobrenatural e com o crescimento das tentativas de
fornecer explicações científicas aos temas da fé, o que pode ser percebido como: “o
crescimento nesta atividade apologética pode ser compreendido como um tácito
reconhecimento de um crescimento da implausividade da autoridade religiosa.” (HUNTER,
1983, p.16).
A resistência surge centrada na ideia de fundamentalismo definida como uma visão
dos livros sagrados como a única leitura válida para a compreensão da realidade e

40
Pierruci (2003) esclarece que apesar de existir um forte debate intelectual que apontava que o conceito de
“desencantamento do mundo” em Weber moveu-se, ao longo de sua obra, em um sentido que partiu do
enfraquecimento da magia pela racionalidade da religião para o enfraquecimento motivado pela ciência, na
verdade os dois conceitos aparecem presentes simultaneamente em suas obras.
38

principalmente, na percepção de um declínio moral na sociedade. Esta oposição culminou em


movimentos que atingiram seu auge a partir da década de 1970 com a entrada definitiva dos
evangélicos na política dos EUA. Todavia, nesta passagem do texto não aprofundaremos esta
discussão deixando-a para o próximo capítulo, onde, nos concentraremos no crescimento das
mobilizações conservadoras nos EUA.
Após essa breve explicação sobre a rivalidade entre protestantes e católicos nos EUA,
e sobre os efeitos da modernização sobre a sociedade estadunidense, é preciso deixar claro
que não foram apenas católicos que encontraram dificuldades de aceitação em sua chegada na
América, mas também os judeus, mórmons e asiáticos passaram por conflitos culturais
semelhantes durante seu processo de assimilação. Todavia, é a partir da década de 1960 que a
rivalidade entre as religiões começou a diminuir, fato que Hunter mostrou a partir de algumas
pesquisas. Por exemplo, a pesquisa realizada pelo Gallup (em dezembro de 1987) mostrou
que a antipatia dos americanos com relação aos católicos vinha declinando. Em 1958, 25% da
população se opunha a indicação de um candidato católico, em 1987, este número caiu para
apenas 8%. Da mesma forma, em 1958, 28% dos entrevistados disseram que não votariam em
um candidato judeu contra apenas 10% em 1987. Outra pesquisa, apontada por Hunter (1991),
e realizada pela Anti-defamation League of B’nai B’rith, mostrou que 90% dos evangélicos
discordavam do tema: cristãos podiam justificadamente ter atitudes contrária aos judeus, já
que judeus mataram Jesus.

1.4 Uma sociedade construída sobre duas autoridades morais.

Hunter (1991) apontou que diante das novas oposições que ganharam visibilidade na
sociedade a partir da década de 1960, as divisões entre protestantes, católicos e judeus
tornaram-se virtualmente irrelevantes. Agora, os temas que polarizavam a sociedade eram:
aborto, cuidados com as crianças, fundos para as artes, programas de ações afirmativas, cotas,
direitos homossexuais, valores que deveriam ser transmitidos pela educação pública e o
multiculturalismo. Neste sentido, para o autor, todos estes temas poderiam ser aglutinados em
uma categoria composta por questões de autoridade moral, que representariam guias para os
assuntos fundamentais ou para percepções do mundo. O papel da autoridade moral seria dar
respostas para as questões sobre a natureza da realidade:
Por autoridade moral eu quero dizer as bases pela qual as pessoas
determinam se algo é bom ou ruim, certo ou errado, aceitável ou inaceitável,
e assim por diante. É claro, pessoas frequentemente tem muitas ideias
diferentes sobre qual critério utilizar para fazer julgamentos morais, mas este
39

é apenas um ponto. É o compromisso entre bases de autoridade morais,


diferentes e opositoras, e as visões de mundo que derivam delas que criam as
profundas clivagens entre antagonistas na guerra cultural contemporânea.
(HUNTER, 1991, p.42-43).

O autor destacou a existência de duas autoridades morais centrais para a compreensão


da Guerra Cultural contemporânea, sendo: uma ortodoxa e outra progressista. Para Hunter
(1991) a definição de ortodoxo partiria de um comprometimento com uma autoridade
transcendente que seria definida como:
Este objetivo e a autoridade transcendente são definidos como, ao menos em
um nível abstrato, uma consistente, imutável medida de valor, propósito,
bondade, e identidade, ambas pessoais e coletivas. Ela diz o que é bom, o
que é virtude, como devemos viver, e quem somos. Ela é uma autoridade
que é suficiente durante todo o tempo. (HUNTER, 1991, p.44).

Já a autoridade moral progressista basear-se-ia em uma resimbolização histórica da fé


e das tradições filosóficas, partindo da ideia de que as verdades morais e espirituais não
seriam estáticas, ou, que representariam apenas uma coleção de fatos espirituais e proposições
teológicas imutáveis, elas desenvolver-se-iam com o tempo e incrementariam a realidade. Em
outras palavras, a autoridade moral progressista é definida pelo autor como: “Assim no
progressismo cultural, por contraste, autoridade moral tende a ser definida pelo espírito da era
moderna, um espírito do racionalismo e subjetivismo.” (HUNTER,1991, p.44).
Retomando a definição do autor sobre Guerra Cultural, percebemos que o possível
conflito se originaria a partir de uma tentativa de controle das autoridades morais sobre a
esfera da cultura pública. Para isso, ele diferenciou a cultura privada da cultura pública,
partindo da ideia de que a primeira é uma área de atividade simbólica constituída de
significados e experiências com base nos conhecimentos pessoais, enquanto, a segunda
fundou-se de símbolos que ordenariam a vida da comunidade ou região (na atualidade isso
seria construído sobre a experiência coletiva de Estado Nação e seriam representados pelos
símbolos que construíram a identidade nacional, pelas noções de virtudes cívicas e pelas
ideias comuns de bem público).
Por este motivo, a ideia de cultura pública consistiria na instrumentalidade do Estado,
referindo-se a todas as formas de normas legais e códigos que definiriam os limites aceitáveis
do comportamento pessoal, da ação coletiva e da responsabilidade pública, ou seja, é a partir
da cultura pública que se tomariam decisões sobre as medidas políticas realizadas no país, das
mais simples como asfaltar uma rua até as mais complexas como as decisões sobre a vida.
Para Hunter, de uma maneira ideal essas duas culturas (privada e pública) deveriam
ser complementares. A esfera pública criaria um respaldo legal e político para a cultura
40

privada delimitando assim, os limites do comportamento pessoal, enquanto a cultura privada


representaria os interesses pessoais que se tornariam demandas no ambiente público.
Entretanto, quando o autor analisou a Guerra Cultural a partir do conceito de Hegemonia
Cultural, observando-a como uma disputa entre lados que procuram garantir a dominância de
suas ideias na sociedade e na política estadunidense, ele percebeu que, frequentemente, os
interesses de uma comunidade moral acabam eclipsando os das outras. Ou seja, se a sociedade
estadunidense estaria sobre o domínio de duas autoridades morais conflitantes existiria uma
tendência crescente de radicalizações e conflitos originados na disputa entre elas. Este
processo atingiria cinco áreas de disputa na sociedade: família, educação, mídia popular, lei e
política eleitoral.

1.5 Após a publicação do livro de Hunter.

Hunter (1991) sintetizou em sua publicação sobre a definição de Guerra Cultural uma
série de disputas que eram recorrentes nos EUA desde a década de 1920 e que haviam
recebido um número incontável de nomenclaturas durante as décadas anteriores: desde as
disputas pela educação e o combate contra o ensino da teoria da evolução 41 até a entrada dos
protestantes na política durante a década de 1970 com a posterior formação de movimentos
como a Moral Majority e a Christian Coalition e as suas “guerras em defesa dos valores”.
Desta forma, as disputas com um enfoque na esfera cultural, sempre estiveram
presentes na sociedade estadunidense, entretanto, é a partir da publicação de Hunter que
ambos os lados participantes das batalhas culturais puderam, finalmente, assumir-se como
guerreiros culturais. Com isto, cresceu durante os três anos seguintes à publicação do livro, o
número de comentadores que passaram a publicar textos sobre o conceito, e o número de
ativistas de ambos os lados que passaram a definir-se como tal, como exemplo: o discurso
feito por Patrick Buchanan durante as prévias do Partido Republicano em 1992, onde, este
afirmou a existência de uma Guerra Cultural no país42.
Outra característica do período, é que a mídia passou a apresentar com mais
frequência, a visão de que o país estaria dividido apoiando-se em mapas políticos que
dividiam o país em estados azuis que representariam o Partido Democrata (visto como o

41
Como caso clássico desta disputa destaca-se o caso envolvendo John Scopes, que em 1925 ensinou
evolucionismo contrariando a lei do estado do Tennessee.
42
Este discurso estaria intimamente ligado a uma tentativa da direita religiosa de tomar o controle do Partido
Republicano durante o início dos anos de 1990, o que acabou não tendo êxito, como demonstraremos no
próximo capítulo.
41

partido dos liberais e progressistas) e os vermelhos que seriam associados ao Partido


Republicano (visto como o partido dos conservadores e ortodoxos).
O crescimento da exposição do discurso radical e da polarização política passou a
fortalecer a ideia de que a população estadunidense estaria dividida em duas, opostas por
valores que as transformavam em inimigas naturais. Por este motivo, três anos após a
publicação de seu livro, Hunter (1994) escreveu um novo, intitulado, Before the Shooting
Begins. Searching for Democracy in America’s Culture War, que tinha como proposta
aprofundar de que forma ocorria a disputa entre os dois lados da batalha cultural. A retomada
da discussão partia da preocupação de compreender o conflito, antes que este se transformasse
em uma nova guerra civil no país. O autor percebia que as discussões em torno da ideia de
Guerra Cultural assumiam conotações de crescentes de radicalismo, principalmente, quando
ela era travada sobre questões que se relacionavam ao corpo, como: aborto, assédio sexual,
pornografia, artes e música vulgares, educação sexual, distribuição de camisinhas,
homossexualidade, políticas contra AIDS, eutanásia e direito à morte.
A explicação de Hunter para a radicalização em torno do debate cultural vinha da ideia
de que os conflitos culturais manifestavam-se na tentativa de dominância na vida pública
entre os lados da disputa cultural, o que poderia causar tensões, conflitos e talvez a violência.
Apontando o exemplo do assassinato do Dr. David Gunn43 de Pensacola, Florida em fevereiro
de 1993, Hunter colocou o descontrole que o crescimento da radicalização da Guerra Cultural
estava provocando no país44. Neste sentido, o objetivo central deste novo livro de Hunter era
demonstrar como se construiu o debate antagônico sobre os temas culturais.
Assim, para Hunter (1994) o conflito cultural estaria se tornando inerentemente
antidemocrático, já que, a visão que cada lado tinha do contrário não fomentava o debate
político, e sim, uma visão caricaturada construída na lógica das acusações, que muitas vezes
associavam ao Terceiro Reich como o termo nazista, para referir-se ao lado contrário da
disputa45.
Ele construiu a metodologia de seu trabalho partindo de três tipos de análises: a
primeira sobre as organizações que participam da batalha, ou seja, o autor procurou
compreender o que e como pensam os ativistas dos dois lados da disputa, argumentando que
estes ativistas, apesar de ocupar lados opostos, constroem retóricas similares para sustentar as
suas posições. Estas retóricas estariam repletas de características marcadas pela distorção da

43
Gunn era manifestante pró-aborto e foi assassinado pelo ativista antiaborto Michael F. Griffin.
44
Booth (1993).
45
Hunter (1994).
42

realidade, pelos exageros e pela tentativa de desacreditar e, até certo ponto, ridicularizar o
lado oposto da disputa.
O segundo ponto de vista analisado pelo autor concentrou-se na compreensão de como
os americanos (não ativistas) percebiam a questão do aborto. Para realizar esta análise Hunter
partiu de pesquisas publicadas no Gallup e pela CBS com o intuito de perceber como estes
estadunidenses estariam sendo influenciados pela crescente radicalização do tema.
Já a terceira análise partia da observação do crescimento desta radicalização dentro das
instituições da sociedade civil:

Estas são as instituições que se destacam entre o indivíduo e o Estado,


mediando entre os interesses privados e as preocupações e funções do
governo: a imprensa, as organizações profissionais, instituições filantrópicas,
e instituições de fé (igrejas, sinagogas, denominações, e similares).
(HUNTER, 1994, p.154).

A importância desta publicação concentra-se na tentativa de compreender como


realmente pensam os dois lados da disputa, método que ganhou muita força nos trabalhos
realizados durante o início da década de 1990, entretanto, este tipo de leitura colaborou ainda
mais com a fomentação da ideia de que a sociedade estaria fortemente dividida.
No mesmo caminho da obra de Hunter, surgiu outro debate importante sobre a Guerra
Cultural, na publicação organizada por Bender e Leone (1994), onde, autores conservadores e
liberais discutiram temas da Guerra Cultural. Dentre eles encontramos o texto de Allan
Bloom, influente pesquisador neoconservador, argumentando o predomínio da civilização
ocidental, e, em contrapartida, o importante escritor afro-americano Ismahel Reed, escrevendo
como a ênfase na civilização ocidental estaria desatualizada. Além destes, o livro possui
debates entre o conservador cristão David Barton e Rob Boston46 sobre se a America deveria
ou não seguir os princípios cristãos e Thomas Sowell47 e William Sierichs Jr.48 discutindo a
respeito da educação multicultural, entre outros. A questão deste trabalho concentra-se em
estimular o debate político, demonstrando o ponto de vista dos dois lados da disputa, o que
parecia ser vital, visto que, ambos diziam-se alijados da possibilidade de participar do debate
político pelo outro lado. Logo, aprofundar a discussão sobre os temas da Guerra Cultural
parecia ser o caminho mais seguro para se atingir um consenso.
Outro caminho para a análise da ideia de Guerra Cultural surgiu de entendê-la afastada
do radicalismo dos sujeitos, ou seja, se o debate intelectual resultou em um crescimento de

46
Diretor assistente de comunicação do Americans United for Separation of Church and State.
47
Escritor conservador e libertário.
48
Importante defensor do secular humanismo.
43

sua visibilidade e, consequentemente, a ampliação no número de atores de ambos os lados da


disputa49, ao ponto do surgimento de imagens que colocavam que a população estadunidense
estaria totalmente dividida entre pessoas amplamente liberais ou completamente
conservadoras, agora, a academia procurava mostrar como a ideia de Guerra Cultural nublava
a real imagem que o estadunidense médio tinha da política. Por esse motivo, vários trabalhos
passaram a surgir com o intuito de mapear quais seriam as reais características deste
estadunidense médio.

1.6 Uma América desunida?

Hunter participou, em 1996, de um novo projeto junto ao Institute for Advanced


Studies in Culture da Universidade de Virginia com enfoque na compreensão da cultura
estadunidense, realizado em associação com Carl Desportes Bowman e a The Gallup
Organization50. A nova pesquisa procurava compreender os motivos que vinham levando a
América a ter dificuldades para “falar uma língua comum”, ou seja, tentava explicar as causas
da crescente polarização da sociedade que tinha sua origem em temas culturais e motivava o
declínio da legitimidade das instituições chaves do país.
O ponto de partida dessa nova pesquisa elaborada por eles era o de que muitas das
ideias que polarizavam a sociedade estadunidense surgiram de “evidências anedóticas”, que
não eram sustentadas empiricamente. Para verificar esta hipótese, a proposta do trabalho era
traçar um mapeamento do pensamento da população estadunidense que chegaria ao século
XXI, através de 2000 entrevistas, focando, principalmente, a ideia de como era concebida a
situação do país: de união ou de desunião?
Assim, a pesquisa partiu de cinco pontos centrais: a legitimidade do “Credo
Americano” para a população estadunidense; o pensamento dos americanos sobre o governo;
a percepção da população sobre o papel das elites; as questões sobre cidadania (como
identidade política, raça e religião) e as análises a partir destas das contradições existentes na
sociedade.
O primeiro grupo de questões partiu de uma visão constantemente atrelada ao
pensamento conservador, ou seja, tinha como ponto de partida a afirmação de que o “credo

49
Ou, o crescimento da visibilidade destes autores e suas temáticas fizeram com que a academia se
interessasse pelo tema.
50
A pesquisa foi à segunda realizada sobre o enfoque sobre temas culturais e foi publicada na página do
instituto, a primeira com o nome de Life Choices tinha seu enfoque nas questões referentes à temática do
aborto.
44

americano51” vinha sendo minado pelo multiculturalismo e pelo pós-modernismo,


fragmentando, assim, a identidade e a memória americana. Todavia, de acordo com os dados
coletados o que vinha ocorrendo era exatamente o oposto, pois 84% dos entrevistados
acreditavam no mérito de ensinar as crianças que a América tinha sido destinada a ser um
exemplo para outras nações; 84% concordavam com a necessidade de ensinar às crianças que
o país fora fundado sobre os preceitos da Bíblia e 72% consideravam que a América teria um
lugar especial nos planos de Deus na Terra. Além disso, 93% consideravam a necessidade de
ensinar as crianças que uma das contribuições da América seria expandir a liberdade para
mais e mais pessoas e que os pais fundadores limitaram o poder do governo impedindo sua
intromissão na vida dos cidadãos. Assim como, a grande maioria dos entrevistados
concordava que as crianças deveriam ser ensinadas sobre a importância do melting-pot52,
defendia o sofrimento realizado pelos americanos para expandir seu país, apoiava o ensino
dos princípios do trabalho árduo, entre outros temas. Como também, a maioria dos
entrevistados respondeu respeitar as instituições políticas, ter orgulho de viver sob seu sistema
de governo, suportá-lo e o consideraram o melhor possível.
Sendo assim, quando os pesquisadores analisaram os dados das entrevistas,
concluíram que apesar de existir uma crescente discussão na mídia e na academia em torno da
ideia de que o “credo americano” estaria em decadência, a pesquisa mostrava um resultado
contrário, apontando que a maioria dos americanos entrevistados o apoiava.
O segundo grupo, consistiu de questões a respeito do pensamento dos estadunidenses
sobre o governo, a ideia de declínio americano e o grau de felicidade da população. Apenas
32% dos entrevistados diziam ter confiança no governo. Os motivos para essa desconfiança
encontravam-se em respostas que demonstravam algumas características da população
estadunidense, apresentando-se no forte apelo ao liberalismo radical visto em percentuais
como: os 63% que achavam que o governo controlava demais a vida da população, os 68%
que consideravam o sistema de taxas do governo federal desleal, os 61% que consideravam
que um bom governo deveria ser menor, os 64% que achavam que o governo estadunidense
deveria diminuir e os 57% que defendiam a redução do tamanho dos governos estaduais.
Além desses dados, encontra-se na pesquisa a crítica de 40% dos entrevistados que
considerava que o governo estaria se tornando mais hostil à religião.

51
Segundo o autor, partindo da definição de Arthur Schlesinger Jr. a ideia de Credo Americano incluiria:
liberdade, igualdade, democracia e melting-pot.
52
A ideia dos Estados Unidos como um caldo cultural formado pelos mais variados grupos étnicos que seriam
assimilados pelo modo de vida do país.
45

Já as questões sobre a ideia de declínio dos EUA concentravam-se no fato de que 52%
da população considerava que o país estaria em crise (um em cada cinco destes considerava
que estava em forte declínio). Contudo, a visão de decadência variava na pesquisa de acordo
com o grau de educação das pessoas entrevistadas, sendo que, a sensação de queda era maior
para os entrevistados que haviam somente cursado o segundo grau (56%), enquanto, era de
38% nos que terminaram a universidade.
Outro dado que reforçava a ideia de queda apresentava-se nas questões envolvendo a
segurança e o aumento da criminalidade, devido à relação direta estabelecida entre o
crescimento da violência e um aumento da pobreza e de uma queda na qualidade de vida no
país. Ao qual, 36% dos entrevistados tinham a percepção de que ocorriam mais crimes na sua
vizinhança do que há cinco anos; pouco menos da metade dos entrevistados dizia ter medo de
ficar sozinho em casa à noite e apenas 28% responderam se sentir muito seguros para andar
sozinhos em sua vizinhança à noite.
Apesar da porcentagem de desconfiança no governo e de um sentimento de declínio da
sociedade que se verificou nas preocupações da população53, o sentimento de felicidade
esteve presente em grande parte dos entrevistados, como os 68% felizes com as igrejas locais,
os 59% com a economia local, os 55% com os oficiais locais eleitos, os 90% com a família,
os 76% com o emprego, os 65% com sua situação financeira e os 84% com sua condição
espiritual.
O terceiro grupo de questões presentes na pesquisa abordava a crença nas instituições
políticas e as elites políticas do país. Os resultados demonstraram que existia um crescimento
do descrédito da população com a política, 78% acreditavam que os políticos estariam mais
interessados em promover sua imagem do que com os problemas do país e os mesmos 78%
consideravam que era mais importante para os políticos vencerem as eleições do que lutarem
pelo que era correto. Hunter e Bowman (1996) mostraram que existe uma queda na confiança
da população com relação ao presidente (que variou de 41% em 1966 para 23% em 1976 e
apenas 13% em 1996) e ao Congresso (que variou de 42% em 1966 para10% na década de
1970 e apenas 5% em 1996).
A pesquisa mostrou que apesar de uma crise de confiança na classe política, o mesmo
não ocorria com relação ao sistema político, ou seja, cerca de dois terços dos entrevistados
defendiam que ele era bom, mas que as pessoas que dele faziam parte eram incompetentes. A
maioria dos entrevistados enxergava com desconfiança a elite política do país, ou, como

53
Entre as principais preocupações da população estavam família (60%), ética e moral (59%), economia (56%),
as escolas públicas (54%) e o governo nacional (50%).
46

apontaram os dados: 64% dos entrevistados achavam que a elite política era insensível aos
problemas das pessoas, 59% achavam-na despreocupada com questões de valores e
moralidade, 54% viam-na despreocupada com o bem comum, 69% diziam que ela se
preocupava somente com a agenda, 60% a viam como irreligiosa e 53% a viam como pessoas
sem caráter.
O quarto grupo de questões consistia na percepção de raça, identidade e religião e
demonstrava que não existiam grandes rupturas étnicas entre a população, o que é
demonstrado quando: 73% dos entrevistados não consideraram políticas de identidade como a
mais importante (apenas 7% definiram questões de gênero e de raça como as mais
importantes). E que a maioria dos entrevistados que apoiavam políticas de identidade não
tinham educação universitária (25% destes não terminaram o segundo grau).
A pesquisa mostrou que a maioria dos americanos observavam com bons olhos a
diversidade étnica (80% dos negros, 82% dos brancos a tem como algo positivo), a igualdade
racial (75% dos negros e 78% dos brancos), o multiculturalismo (com 65% de apoio entre
todos os entrevistados), entre outros temas como podemos observar no gráfico II.
Gráfico II Percentual de apoio aos programas de ação afirmativa.

70%
60%
50%
40% Brancos
30%
20% Hispanicos
10%
Negros
0%
Sentimento positivo com Totalmente contrários
relação aos programas ao término aos
de ação afirmativa. programas de ação
afirmativa.

Fonte: HUNTER; BOWMAN, 1996, p.34.

Da mesma forma, existia uma proximidade entre as visões dos negros, brancos e
hispânicos entrevistados a respeito da criminalidade como podemos perceber no gráfico III.
Gráfico III- visões de brancos hispânicos e negros sobre a criminalidade.
47

100%
80%
60%
Brancos
40%
20% Hispanicos

0% Negros
A favor da A favor da A favor de Contra a
contratação construção penas mais legalização
de mais de mais duras. das drogas.
guardas. prisões.

Fonte: HUNTER; BOWMAN, 1996, p.34.

Nesse grupo de questões apareceram também aquelas relacionadas à ideia de


cidadania, gostos e questões morais. Os autores dividiram a população em três grupos: elite
social, população total e a visão dos evangélicos. Para Hunter e Bowman (1996), a elite social
seria representada pelo grupo que por ter vantagens econômicas e consequentemente um
maior acesso a tecnologias como celulares, televisões via satélite e computadores, teriam
visões mais negativas no que se refere a palavras como moralidade, conservadorismo e
Cristão. Por outro lado, este grupo teria uma imagem mais positiva de termos como
diversidade étnica, multiculturalismo, tolerância e dominância.
Os dados revelam uma aceitação maior de temas como: sexo antes do casamento,
relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo, casamento entre pessoas do mesmo sexo,
adoção por casais homossexuais, a aceitação do ensino por professores homossexuais e uma
aceitação maior da pornografia por membros dessa elite social do que pela população em
geral. Por outro lado, os entrevistados que se definiram como evangélicos eram menos
tolerantes com relação a esses mesmos temas.
A elite social seria mais favorável a temas como a educação sexual nas escolas e a
aceitação de que os jovens deveriam ter acesso aos controles de natalidade (mesmo se os pais
não aceitassem). E seria menos favorável a ideias como: a mulher deveria colocar o esposo e
crianças à frente da carreira; se for necessário pode-se educar as crianças com uma boa surra,
é melhor para a sociedade que os homens saiam para trabalhar e as mulheres fiquem em casa
para cuidar da família e das crianças.
Os quatro grupos anteriores de questões serviriam como base para uma real
compreensão dos Estados Unidos do período, ou seja, as respostas revelariam tanto um
otimismo com o país, reforçado pelo “Credo Americano”, quanto um pessimismo como a
48

descrença na classe política. Sendo assim, os autores perceberam que existia uma diferença
entre dois tipos de visões sobre a política cultural americana: uma ideal e uma substantiva. A
ideal seria construída sobre os mitos da criação e narrativas a partir da memória coletiva da
população, enquanto, a substantiva representaria o real funcionamento das políticas
governamentais ligadas à cultura. A questão para os autores é que ambas as visões são
importantes para a legitimação política do regime.
Os autores concentraram seus olhares, então, sobre a classe média, por esta ser a classe
da contradição, podendo viver nos subúrbios, nas grandes cidades e nos centros rurais, além
de compartilhar todos os valores descritos na pesquisa, sendo otimista e pessimista, patriota
ou não, podendo pertencer às mais variadas raças ou religiões, e até mesmo, possuindo uma
determinada variação de pobreza e riqueza entre seus membros.
Para eles, o que determinaria o elo comum entre os membros da classe média seria o
medo do declínio social e econômico, isto é, de deixar de pertencer a ela. Este sentimento se
desencadearia por dois motivos: o primeiro seria pelo medo de estarem perdidos devido à
evolução cultural que segundo os autores: “eles sentem mas não conseguem entender”
(HUNTER; BOWMAN, 1996, p.53). Já o segundo, seria motivado pela crescente inépcia dos
representantes políticos e pelos objetivos, muitas vezes contrários aos da população, das elites
políticas que faziam com que parecesse que as regras do jogo eram constantemente alteradas,
o que resultaria em um sentimento de irrelevância para a classe média.
A consequência deste descontentamento refletiria no surgimento de grupos políticos
devido ao descrédito das instituições, como milícias, movimentos liberais e os movimentos da
direita religiosa. Eles surgiriam a partir de uma fragmentação entre duas visões de mundo das
necessidades da classe média. A primeira marcada por uma elite social defensora de valores
como o sonho da realização pessoal, da segurança e da mobilidade como resultados do
sucesso do sistema e de outro lado, com o apelo feito por movimentos como a direita cristã
que se construiu a partir da ideia de nacionalismo, da defesa das tradições, do trabalho, da
moral e da ética familiar.
49

1.7 Uma Nação e duas culturas ou uma Cultura e muitas culturas?

Após demonstrarmos através da leitura de Guerra Cultural de Hunter a existência de


um esforço dos intelectuais, durante a década de 1990, para desnublar a real situação das
disputas culturais na sociedade estadunidense, podemos, agora, partir para outras duas
perspectivas sobre o assunto. A primeira realizada por Terry Eagleton, em seu livro
originalmente publicado em 2000 em língua Inglesa e que foi traduzido em 2003 para o
português com o título: A ideia de Cultura. A segunda desenvolvida pela pesquisadora
neoconservadora Gertrude Himmelfarb e publicada em 1999 com o título One Nation, Two
Cultures.
A junção dessas duas compreensões sobre o tema não ocorreu por acaso nessa
passagem do capítulo, elas estão associadas com o intuito de demonstrar como se constituíram
as leituras engajadas sobre a ideia de Guerra Cultural, portanto, queremos debater como a
ideia foi compreendida por setores intelectuais engajados à esquerda e à direita. Assim,
Eagleton (2003) representaria uma visão da ideia de Guerra Cultural que privilegiaria as
temáticas da esquerda, pois ele argumentaria a partir do levante de novas culturas e sua
relação conflituosa com a cultura ocidental. Esse posicionamento colocado pelo autor fica
claro, já em sua definição do conceito, apontado como: “A expressão “guerras culturais”
sugere batalhas campais entre populistas e elitistas, entre guardiões do cânone e partidários da
différence, entre homens brancos mortos54 e os injustamente marginalizados”. (EAGLETON,
2003, p.79).
A partir desta definição, Eagleton aprofundou algumas das características presentes na
discussão cultural, utilizando como ponto de partida a questão do cânone literário e artístico.
O autor pontuou o papel do cânone como algo muito mais importante do que uma simples
questão estética, ou mesmo, de política acadêmica. O conflito gerado em torno dele seria, para
o autor, uma das mais importantes formas de organização da política mundial no novo
milênio. Nesta trajetória, a questão do cânone artístico e literário ultrapassaria a questão das
obras por si só, sua importância estaria na maneira como estas obras seriam interpretadas, ou
seja, para o autor a maioria dos defensores dos livros de autores como Dante e Goethe jamais
teriam realmente lido os seus conteúdos, o que direcionou que os seus significados estariam

54
O autor utiliza-se de uma nota de roda pé para explicar o termo, partindo da crítica realizada por movimentos
como, o feminista de que a herança cultural greco-européia é obra dos indivíduos do sexo masculino, da raça
branca e já mortos.
50

ligados “a defesa de certa “civilidade” contra formas novas de um assim chamado


barbarismo”. (Eagleton, 2003, p.81).
Em nossa leitura, a defesa do cânone artístico na sociedade estadunidense estaria
visivelmente ligada a uma resposta a valorização de novas culturas, o que decorreu a partir do
apogeu das disputas pelos direitos civis durante as décadas de 1960 e 1970 e a inserção de
autores cujas obras estariam alinhadas ao modo de vida das minorias em detrimento a obras
clássicas da literatura ocidental. O argumento central para a inserção desses novos autores
desenvolver-se-ia em uma tentativa de aproximar a educação das experiências dos grupos
minoritários (até então excluídos dos projetos educacionais), o que motivou a inserção de
inúmeros autores, negros, imigrantes, feministas e homossexuais no conteúdo acadêmico e
suscitou o antagonismo de uma grande variedade de conservadores, que passaram a discutir a
qualidade dessas novas obras e a criticarem a ideia de que as minorias não possuíam um bom
rendimento escolar pelo fato da educação estar afastada de suas realidades55.
Em outro caminho, defendeu que o que ocorria era uma disputa entre a ideia de
Cultura contra a existência de outras culturas. Para compreender esta polarização é necessário,
primeiramente, estabelecer uma rápida diferenciação entre ambas. Para o autor, Cultura seria
um símbolo romântico, construído a partir de uma tentativa de alcançar a Universalidade:
“Ela é o ponto imóvel do mundo em rotação no qual se intersectam tempo e eternidade, os
sentidos e o espírito, o movimento e a imobilidade” (EAGLETON, 2003, p.82-83). Por este
motivo, a Cultura necessitaria de um habitat local, o que lhe daria características
contraditórias, visto que, ao mesmo tempo em que, ela buscaria ser universal, ela também
precisaria do local para ser seu ponto de partida, designando-se como um produto de uma
civilização especifica (no caso a civilização ocidental) e de um espírito da humanidade
universal. Assim, a ideia de Cultura partiria de valores universais, mas, ao mesmo tempo
estaria presa ao seu millieu histórico.
O autor aprofundou esse conceito quando trabalhou com a ideia de alta cultura, para
ele sua essência apresentar-se-ia como: “uma maneira pela qual uma ordem governante molda
para si mesma uma identidade em pedra, escrita e som, e o seu efeito é o de intimidar assim
como inspirar” (EAGLETON, 2003, p.83).
Esta designação da alta cultura como intimidadora e inspiradora criaria um panteão de
autores intocáveis, que representariam os valores da sociedade e distanciar-se-iam da

55
Exemplos deste tipo de crítica podem ser percebidos em obras de autores como Allan Bloom (1989)
(intelectual neoconservador que escreveu sobre a crise na universidade estadunidense) e Linda Chaves
(presidente do Center for Equal opportunity e autora de textos contrários à educação bilíngue e diferenciada
para imigrantes), entre outros.
51

população em geral como um farol inalcançável. Entretanto, a ideia de Cultura (colocada


como um vínculo entre o específico e o universal) constantemente entraria em choque com
um pensamento mais generalizante que defende a diversidade cultural presente na ideia de
várias culturas válidas, uma vez que, elas construir-se-iam sobre uma variedade de
particularidades. Assim, as culturas nasceriam no particularismo, não tendo ecos em nada
além delas mesmas, elas valorizariam as especificidades coletivas e repeliriam a existência de
uma Cultura Universal.
Porém, Eagleton (2003) apontou que ao rejeitarem a tirania da Cultura, as culturas
reproduzir-se-iam em um microcosmo as mesmas características da ideia de Cultura, ou seja,
considerar-se-iam universais, fechadas, autônomas e seriam estritamente codificadas. Neste
sentido, a questão, apontada pelo autor, é que essas formas de “barbarismo” também
poderiam ser vistas como culturas particulares, o que criaria uma oposição entre a ideia de
Cultura e a ideia de outras culturas.
A partir desta disputa, o autor explicou o motivo que fez com que as discussões
culturais ocupassem um papel tão importante na política contemporânea, destacando que sua
significância estaria no fato dela ser a principal mobilizadora da população. Para ele existe
uma tendência maior da população de manifestar-se motivada por questões culturais e
materiais do que propriamente por questões políticas. A questão é que com o crescimento dos
processos de hibridez, motivados pelo crescimento do multiculturalismo e da imigração,
grupos tradicionais passaram a avolumar seus gritos contra as transformações da sociedade.
Como resultado as Guerras Culturais contemporâneas ocorreriam pelo menos em três
frentes: entre cultura como civilidade, cultura como identidade e cultura como algo comercial
ou pós-moderno. Ele argumentou que em muitos momentos a cultura como identidade e a
cultura pós-moderna (atrela a ideia a uma cultura consumista do capitalismo avançado) seriam
aliadas, sendo desafiadas pela ideia de cultura como civilidade. Neste caminho, à frente da
cultura como civilidade compreenderia não apenas a questão estética, uma vez que, “ela
sustentaria, ao contrário, que o valor de um modo de vida total é incorporado em certos
artefatos concluídos” (EAGLETON, 2003, p.96). Com isso, o significado do cânone
concentrar-se-ia na representação da civilidade e não no mérito das obras, ele indica o
caminho a ser seguido, indica o refinamento de vida que a sociedade deveria aspirar.
Para Eagleton (2003), no ponto de vista da Cultura existem semelhanças entre uma
célula neofascista e um movimento de defesa dos direitos homossexuais, já que, ambos
definiriam a ideia de cultura como identidade coletiva e não como identidade crítica, em
consequência, todas as políticas identidades seriam auto anulantes, pois o sentido da liberdade
52

somente viria dissociado da necessidade de se pensar em quem se é. Assim, o autor definiu


dois tipos diferentes de políticas de identidade, uma primeira, menos inspiradora, determina
que uma identidade já formada estivesse sendo reprimida por outras, e uma segunda que
reivindicaria a igualdade no sentindo de ser livre para determinar o que se tornar.
Pensando a partir desta leitura, percebemos que a definição de cânone artístico teria
como função procurar a partir de obras irredutivelmente individuais encontrar um espírito
comum para toda a humanidade. Desta forma, quando pensamos a sociedade estadunidense é
necessário questionarmos a magnitude da ideia da cultura nas disputas políticas da atualidade.
Se partindo do ponto que os EUA estariam na centralidade de uma defesa da cultura
ocidental, liderando sua expansão pelo mundo, enquanto, o país passa por um processo de
fragmentação interna, marcada pelo surgimento de novas culturas, podemos pensar, como
Eagleton, pois existe um desacordo entre o ideal de Cultura e os crescentes conflitos culturais
e o Ocidente exigiria um comprometimento onde o povo estivesse disposto a morrer por
alguma versão da cultura, ou seja, a cultura teria que tomar o caminho da religião. Todavia, os
fatos demonstram que mesmo a religião passa por dificuldades no sentido de tentar
estabelecer ligações entre a ideia de Cultura e culturas, já que, ela passou por um processo de
descrença, marcada pelo crescimento do secularismo e pela crescente sensação de que ela
estaria desconectada da vida cotidiana por dizer respeito a outro mundo.
A questão aqui, é que floresceram nos Estados Unidos, durante as últimas décadas,
uma série de movimentos de viés conservadores e fundamentalistas, construídos a partir da
visão de que a esquerda liberal estaria suprimindo os valores religiosos da sociedade. Em um
caminho diferente, Eagleton observou que o ataque à religiosidade vem, principalmente, do
próprio processo de secularização do capitalismo, o que colocaria os fundamentalistas como
abandonados pela modernidade. Por este motivo, o autor argumentou que eles entrariam em
choque com a ideia de civilização ocidental, pois ela recusaria a existência de sectarismos, de
maneira que estes movimentos afrontariam os valores de liberdade defendidos pelo ocidente.
Do outro lado da discussão da Guerra Cultural estaria a historiadora neoconservadora
Gertrude Himmelfarb, que defendeu uma divisão na sociedade estadunidense em duas, sendo
que, uma metade existiria antes da década de 1960 e, a outra, nascida dos frutos da revolução
cultural dos anos 1960. A divisão resultaria de um colapso dos princípios éticos e dos hábitos,
como uma doença na sociedade e teria como consequências: a perda de respeito nas
autoridades e instituições, a quebra da família, o declínio da civilidade, a vulgarização da alta
cultura e a degradação da cultura popular.
53

Himmelfarb (1998) argumentou que os sinais dessa doença seriam percebidos por
aproximadamente três quartos da população, pois notariam seus sintomas na percepção do
aumento da criminalidade e da violência, no crescimento nos vícios em drogas, na ausência de
leituras, no descontrole da pornografia e na dependência ao sistema de assistência
governamental.
A autora apontou o começo das transformações que levaram a estes sintomas durante
o início do século XX (mais especificamente no pós-Primeira Guerra Mundial), quando
começaram a ocorrer mudanças nas crenças convencionais e no comportamento,
caracterizadas pelo crescimento da secularização e da urbanização da sociedade, pelo
aumento do número de mulheres no mercado de trabalho, pela diversidade de empregos que
passaram a ter acesso, pelo apogeu dos movimentos sufragistas, pela prática de uso e
ampliação das discussões abertas sobre métodos contraceptivos e pelo advento dos
automóveis que possibilitaram maior mobilidade e liberdade.
O resultado destas transformações seria responsável pelo relaxamento das tradições
sociais e dos costumes sexuais, entretanto, a autora defendeu que esta primeira revolução
sexual não foi tão subversiva, já que, apesar de resultar no crescimento no número de
divórcios e no do uso de métodos contraceptivos, ela não motivou grandes transformações,
que levassem ao aumento da permissividade sexual ou comportamental.
Himmelfarb percebeu que foram os anos 1960, que desenvolveram e aceleraram as
transformações em um sentido de aumentar a permissividade na sociedade. Nesta linha
argumentativa, ela definiu os movimentos dos anos 1960 como uma revolução moral e
cultural, centrada em: uma revolução racial56, sexual57, tecnológica58, demográfica59,
política60, econômica61 e psicológica62. Essa revolução negaria as instituições, as autoridades,
os modos convencionais e o comportamento, procurando libertar a população da influência
dos valores burgueses, contudo, sua principal característica seria um afrouxamento da ideia de
desvio e moralidade.
Himmelfarb (2001) argumentou que a partir da percepção de um processo de
adoecimento da sociedade algumas medidas passaram a ser tomadas, de 1990 a 1997, com o
intuito de recuperar a sociedade. Por exemplos como os crimes sérios de 58 por mil para 49,

56
Inspirada nos movimentos pelos direitos civis.
57
Acompanhada do uso da pílula e do crescimento do movimento feminista.
58
Com o crescimento da televisão.
59
O período foi marcado pelo explosivo crescimento populacional.
60
Que teve seu início nos movimentos anti-guerra do Vietnam.
61
Marcada pelo crescimento dos programas de assistência sociais.
62
Devido ao crescimento do individualismo e do narcisismo.
54

os crimes violentos de 7.3 por mil para 6.1, e a criminalidade que obteve considerável
melhoria no período. Outros exemplos foi a diminuição no número de pessoas dependentes do
Welfare State, variando de 14.1 milhões em janeiro de 1993 para 7.6 milhões em dezembro de
1998, no número de adolescentes grávidas de 62.9 por mil em 1991 para 52.3 em1997 e da
atividade sexual entre as garotas entre 15 e 19 anos de 55% em 1990 para 50% em 1995 e
entre garotos caiu de 60.4% em 1988 para 55.2% em 1995.
Porém, apesar dessas virtuais melhorias e de outros dados que mostraram avanços,
muitas das melhorias ocorreram muito mais motivadas por transformações na sociedade que
nublaram os resultados das pesquisas, do que pelo aumento da moralidade, como os
exemplos: dos dados referentes à diminuição do número de abortos (motivados pelo
crescimento dos métodos contraceptivos), dos relacionados à queda na quantidade de
divórcios (resultado na diminuição do número de casamentos e da sua substituição pela
coabitação) e dos que apontavam o número de usuários de drogas (que diminuiu entre a
população adulta, mas teve um crescimento entre os adolescentes).
A partir dessa constatação de um adoecimento da sociedade, a autora procurou definir
possíveis remédios para a cura da sociedade, apontando para isto soluções políticas e não
políticas com o intuito de promover o aumento dos valores morais na sociedade. Como
soluções políticas ela sugeriu ideias como: a criação de taxas de desconto e medidas que
favorecessem casais casados e de leis que dificultassem o divórcio, outra medida seria
transferir autoridades do governo federal para os governos estaduais e locais com o intuito de
retirar as decisões dos aparelhos burocráticos e aproximá-las das necessidades da
população63de cada região.
Como medidas não políticas, Himmelfarb (1998) considerou a necessidade da
restauração da sociedade civil, que seria marcada pela revitalização da família, da
comunidade, das igrejas e das sociedades cívicas e culturais. Segundo a autora, existia uma
grande dificuldade para realizar esta restauração, já que, a sociedade civil estaria infectada
pelo mesmo vírus que produziu a doença na sociedade: “o relativismo étnico e cultural que
reduziu todos os valores, todas as normas, e toda a autoridade para expressões de vontade
pessoal e inclinação” (Himmelfarb, 1998, p.6-7).
Para compreender essa tomada da sociedade civil pelos valores da revolução cultural
dos anos 1960, é necessário aprofundar aqui que a autora definiu que a cultura dominante na
atualidade seria a cultura advinda da revolução dos anos 1960. Assim, como uma cultura

63
Em Himmelfarb (1998).
55

dominante, ela exibiria um espectro de crenças e práticas relacionadas a uma elite liberal
responsável pelo reflexo de suas ideias em setores da mídia e da informação, o que é
demonstrado pela autora através da leitura de que 90% dos meios de comunicação apoiavam o
aborto, ou, pela parcela inferior a metade delas que considerava o adultério como algo errado,
ou ainda, nos apenas 5% dos diretores de cinema que frequentavam a Igreja regularmente64.
O resultado desse domínio liberal sobre a informação não passaria despercebido pela
população que sentiria a decadência moral, visualizando na televisão uma realidade diferente
da presente em suas crenças, já que, a maioria da população considerava Deus importante em
suas vidas65, costumava frequentar a igreja regularmente66 e seria contrária a pornografia.
Porém, a população passaria, a partir da constante propagação destas ideias, a ter dificuldade
de julgar o que é moral e o que é imoral. Como exemplo destas transformações, Himmelfarb
(1998) apontou a questão envolvendo a crença nos valores familiares argumentando que:
apesar de todo mundo acreditar neles, o conceito de família foi radicalmente mudado a ponto
de três quartos da população rejeitar o conceito tradicional relacionado a sangue, casamento
ou adoção, e expandi-lo “a um grupo de pessoas que se amam e importam-se uma com as
outras”. (HIMMELFARB, 1998, p.6).
Seguindo a ideia proposta por Hunter (1991), a autora argumentou que muitos
religiosos ortodoxos passaram a perceber que existia mais em comum (quando se tratava de
questões do casamento homossexual e a educação sexual nas escolas) entre eles e outros
ortodoxos de diferentes religiões do que com os progressistas de suas próprias denominações
religiosas, o que contribui para o fim das disputas entre protestantes e católicos e criou um
senso comum entre os tradicionalistas das mais variadas religiões. Esta percepção fez com
que se tornasse comum à presença de rabinos ortodoxos e pastores negros batistas em
movimentos como a Christian Coalition67 compartilhando as mesmas ideias com evangélicos
e católicos em um comprometimento pelos valores morais e sociais68.
A questão presente no crescimento dos movimentos de direita concentrar-se-ia, para
ela em uma formação de um movimento, que representaria uma dissidência da cultura

64
Himmelfarb (2001).
65
O que era demonstrado nas pesquisas que apontavam que 96% dos americanos acreditavam em Deus ou em
um espírito superior e 90% acreditava na existência de um céu.
66
Onde, 63% diziam ter frequentado a igreja no último mês e 90% diziam rezar pelo menos uma vez por
semana e 75% pelo menos uma vez ao dia.
67
Importante movimento da direita cristã estadunidense, que ocupou o lugar da Moral Majority durante o
início dos anos 1990.
68
Muito deste crescimento deve-se a estratégia de reorganização dos movimentos de direita religiosa nos
estados unidos após a derrota de Pat Robertson nas eleições de 1988 (o que será aprofundado no próximo
capítulo).
56

dominante69, uma “contra contracultura”. Como a nação havia sido dominada pelos valores
propagados por uma elite que defendia os valores da contracultura que agora dominavam o
país, existia a necessidade da outra “nação” representar um papel de opositora a estas
transformações70. Esta cultura dissidente, não representaria a cura para a doença que
acometeu a sociedade democrática, todavia, ela poderia conter os avanços dela. Por este
motivo, Himmelfarb (1998) ela apontou contribuições atribuídas ao crescimento do
conservadorismo como: a porcentagem de pessoas que defendiam a legalidade do aborto caiu
de 65% para 56% e das pessoas que aprovam o sexo casual que variou de 51% para 42%,
além de uma maciça porcentagem de estudantes (em torno de 83%) que disseram concordar
que a idade ideal para ter relações sexuais seria mais tarde do que idade que eles a tiveram.
Nesse sentido, os avanços do conservadorismo em defesa da sociedade seriam percebidos pela
autora como benéficos, com isso, a autora acaba defendendo até as alternativas mais radicais
como a ideia das crianças serem educadas em suas casas como no caso de mais de um milhão
delas que já ocorria nos EUA durante o período da publicação de seu livro.
Assim, a Guerra Cultural seria uma contrarrevolução dos dissidentes defensores de
todos os credos religiosos contra a queda moral, e como toda a contrarrevolução, ela seria
muito mais difícil de começar e de sustentar-se do que as próprias revoluções71,
principalmente pelo fato da ideia de Guerra Cultural ser constantemente negada, o que fez
com que a autora colocasse que apesar da Guerra Cultural ser uma guerra apenas em um
sentido metafórico, da mesma forma que a revolução cultural seria uma revolução apenas
metaforicamente, os americanos vivenciaram a experiência dessa guerra durante as três
últimas décadas em exemplos como: a tentativa de impeachment do presidente Bill Clinton,
que fez com que dois terços da população concordasse que a América estaria dividia no que
se refere aos seus valores mais importantes.
É preciso compreender aqui que quando Himmelfarb (2001) escreveu seu livro se
avolumava o movimento que elegeu George W. Bush, visto por muitos como o governo mais
conservador que existiu nos EUA. Da mesma forma, a autora escreveu seu livro durante o
auge dos processos que propunham o impeachment de Bill Clinton devido aos escândalos
sexuais, passando pelo processo de retomada do controle do Senado e do Congresso pelo
Partido Republicano e por uma campanha eleitoral para presidente sobre forte influência dos

69
Himmelfarb (2001).
70
Himmelfarb (1998).
71
Himmelfarb (2001).
57

movimentos de direita cristã, o que veremos com maior profundidade em nosso próximo
capítulo.

1.8 Alan Wolfe e a tentativa de perceber os EUA como uma nação.

Alan Wolfe, professor da Universidade de Boston e um dos principais sociólogos


estadunidenses da atualidade, publicou (em 1998) o livro One Nation, Ater All, obra que se
tornou leitura obrigatória para a compreensão do conceito de Guerra Cultural e para a
discussão sobre a sociedade estadunidense contemporânea. O autor partiu de uma nova leitura
para o entendimento da origem do fenômeno da Guerra Cultural, buscando compreender
como a classe média vivenciava a disputa cultural. Nesse sentido, a questão pertinente para o
nosso trabalho consiste em perceber a significância da análise da visão da classe média sobre
os temas da Guerra Cultural, além de, examinar a ideia de Wolfe de que ela geralmente
apresenta características de moderação e não de polarização.
Para Wolfe (1998), a urgência de elaborar a pesquisa sobre a classe média viria do fato
de que a sociedade estadunidense se auto definiria como uma sociedade de pessoas nessa
classe72, portanto, a ideia de Guerra Cultural partiria de uma disputa no interior desta classe,
que seria dividida entre os grupos da alta classe média e da baixa classe média. Esta divisão
teria seu início, supostamente, a partir da construção do sonho de prosperidade que se
desenvolveu na América do pós-Segunda Guerra Mundial e seria marcada pelo sucesso do
Keynesianismo, pela estabilidade política73, pela mobilidade geográfica e social e pelo
crescimento da tecnologia que facilitou a vida dentro do lar74.
Pensando nessa direção, constata-se que o desenvolvimento econômico associado à
crescente estabilidade política manteve-se durante as décadas de 1940, 1950 e início da
década de 196075. No entanto, ele passou a perder sua força em meados da década de 1960,
resultando, nos anos que se seguiram, em um processo de empobrecimento da população
estadunidense. Este sentimento de decadência se opunha a “imagem” anteriormente
construída que colocava os EUA como um país em franco desenvolvimento econômico e

72
Wolfe chegou a esta definição partindo de uma pesquisa publicada pela CBS News/ New York Times que
apontava que 75% dos americanos consideravam que quando um presidente falava sobre classe média ele
falava de pessoas como as que responderam o questionário.
73
Existia a predominância política do Partido Democrata durante o período do New Deal.
74
O período após a Segunda Guerra Mundial foi marcado pelo crescimento da classe média, por sua saída para
os subúrbios homogêneos e pelo crescimento da vida familiar dentro de um ideal de consumo.
75
Durante os anos 1960 existiram várias críticas a este modo de vida na sociedade estadunidense.
58

criava a expectativa de que uma vez que a população fizesse parte da classe média, ela jamais
perderia esta condição76.
A questão é que com as sequentes crises econômicas e o empobrecimento da
população, os americanos passaram a duvidar do “American Dream”, de suas respectivas
propostas, e a pôr em xeque a ideia de igualdade de oportunidade, da liberdade pessoal e da
mobilidade social. Essa descrença no modo de vida estadunidense foi constatada em pesquisas
como: a publicada em 1995 pelo Gallup que mostrou que 66% dos americanos estavam
insatisfeitos com a direção que os EUA77 seguiam, ou, ainda os 67% que responderam que
estava cada vez mais difícil ascender socialmente no país.
Como resultado, as análises demonstravam que o crescimento da pobreza poderia
refletir diretamente em uma busca da classe média por respostas plausíveis78 que explicassem
as razões do seu empobrecimento e que traduzissem os motivos do seu descontentamento79.
Com isso, duas visões de mundo ganhariam força em suas tentativas de leitura e compreensão
da realidade, ou seja, a imagem de que ela se dividiria em um apego ao mundo da tradição ou
ao mundo da modernidade. O autor definiu a visão de mundo caracterizado pela tradição
como:
No mundo caracterizado pela tradição, pessoas acreditam em Deus e
consideram os mandamentos de Deus como padrões cegos do certo e do
errado, não apenas para eles mesmos, mas também para os outros. A família
era vista como sacrossanta: divórcio era altamente incomum e as crianças
eram esperadas para serem graças aos sacrifícios dos pais, que adiavam suas
próprias gratificações para formar uma família feita em seu nome.
Patriotismo era um valor fortemente indescritível na sociedade mais
tradicional, pessoas não apenas serviam as forças armadas quando chamadas,
mas tinham expectativa de apoiar seu país sem reservas, pela América, uma
das democracias mais bem sucedidas do mundo, digna de tal apoio. Trabalho
duro e máximo esforço, virtudes frequentemente associadas à ética
protestante, eram considerados importantes no mundo tradicional. Portanto,
era um ativo cívico envolvente, ter orgulho das relações voluntárias
formadas com vizinhos e amigos. As regras morais do mundo tradicional de
acordo com seus defensores eram claras, imutáveis, e aceitas pela maioria
das pessoas como justas. (WOLFE, 1998, p.9).

Já o mundo da modernidade possuiria outras características como: a liberdade do


indivíduo para construir a vida da maneira como achasse melhor, a não aceitação das leis de

76
Wolfe (1998).
77
Wolfe (1998).
78
O questionamento da classe média sobre a queda na sua qualidade de vida é significativa, já que, uma das
principais críticas da nova esquerda à classe média no período era que ela vivia em um mundo alienado,
aproveitando os benefícios de sua estabilidade econômica, o isolamento e homogeneidade da vida nos
subúrbios e da alienação que tecnologias como a televisão acarretavam.
79
Wolfe (1998).
59

Deus como única definição de certo e errado, a criação de padrões éticos pessoais, assim
como: enxergar o casamento como uma união consentida que poderia ser dissolvida quando
um lado ou os dois sentissem-se oprimidos, uma ideia de um amor ao país que não impediria
o direito a crítica, a valorização do trabalho árduo, mas, a compreensão de que ele poderia não
existir para todos e que existe um abismo entre ricos e pobres, além de, uma percepção de que
as pessoas são moveis, não sendo suficientemente vinculados a sua vizinhança, mas, que as
pessoas estariam dispostas a ajudar seus vizinhos em caso de necessidade. A partir dessa
leitura do mundo da modernidade:
As regras morais da modernidade não podem prover a segurança dos padrões
fixos, mas conforme aqueles que as justificam e as compreendem, elas
reconhecem que pessoas no mundo moderno são determinadas a escolher o
que é melhor para elas. (WOLFE, 1998, p.11).

A questão para compreender essas duas visões de mundo na sociedade estadunidense


concentrar-se-ia na oposição entre conservadores e liberais. Para conservadores a classe
média representaria a classe moral, pois seria composta por pessoas comuns que tentariam
viver sua vida sobre as leis tradicionais do trabalho árduo, economizando para o futuro e
sendo leal a sua família e ao seu país. Neste sentido, a diferença entre conservadores e
liberais para Wolfe se concentraria na leitura que ambos fazem do papel dela, com os
conservadores defendendo a moralidade da classe média, a proteção da família e das
vizinhanças tradicionais, das crenças religiosas, das escolas e a segurança (o que Wolfe
percebe como característica associadas à classe média baixa, que procuraria na defesa desses
valores garantir a manutenção de seu status). Do outro lado, os liberais defenderiam a
expansão da liberdade, apontariam que as vizinhas tradicionais excluiriam de forma hostil as
minorias raciais, afirmariam que as religiões tradicionais seriam intolerantes as pessoas que
não acreditassem nelas e que as famílias tradicionais oprimiriam as mulheres e os
homossexuais (o que representaria valores relacionados à alta classe média).
No entanto, pela análise de Wolfe (1998) seria muito difícil concluir que as frustrações
da classe média com o prospecto econômico da nação seriam causadoras da Guerra Cultural.
Por esse motivo, é preciso prestar atenção sobre o período em que o autor escreveu seu livro.
Wolfe publicou seu livro em 1998, todavia, sua pesquisa se iniciou durante o ano de 1996,
decorrendo-se durante a reeleição do presidente Bill Clinton. Desta forma, segundo o autor,
apesar de, durante as previas para a nomeação da candidatura republicana o candidato Patrick
Buchanan constantemente utilizar-se da ideia de que a sociedade estaria vivendo uma Guerra
Cultural, a temática aparentemente desapareceu durante a campanha presidencial que reelegeu
Bill Clinton. Sua reeleição demonstrou que apesar de uma aparente sensação de
60

empobrecimento da classe média, muitos americanos ainda acreditavam na reabilitação da


economia, o que anularia a ideia de que a classe média estaria dividida entre os defensores de
valores conservadores e liberais, motivada pelas crises econômicas, como havia sido proposto
acima.
Pensando, a partir dessa discussão, Wolfe (1998) escreveu que atrelar uma relação da
Guerra Cultural com a divisão da classe média em duas, motivada por seu processo de
empobrecimento parecia descolar-se da realidade. Por esse motivo, no desenvolvimento de
seu livro, Wolfe procurou mostrar que percentualmente a atitude dessa classe social (nas
décadas de 1970, 1980 e 1990) sobre as questões culturais esteve centrada, muito mais, sobre
a ideia de moderação do que na de polarização. Logo, o autor apontou que ela, apesar da
crescente visibilidade do fenômeno da Guerra Cultural na mídia e nos debates acadêmicos,
seria contrária aos extremismos e polarizações na política.
Essa constatação nos direciona a pensar que o crescimento da visibilidade do tema da
Guerra Cultural se deve muito mais a maneira como a política estadunidense construiu suas
oposições nas últimas décadas (focando o debate político a partir de uma propaganda negativa
entre os opositores que construíam seus rivais de maneira caricatas), do que por uma real
polarização total da população. Neste caminho, o problema estaria no que chamaremos aqui
de uma “cultura da reclamação”, que fez com que os dois lados da disputa (liberais e
conservadores) insistissem que o lado oposto havia dominado a cultura do país, portanto,
tanto a esquerda, quanto a direita argumentaram que nos últimos anos haviam perdido a
batalha pela mente da classe média.
Por esse motivo, o autor procurou desmistificar a ideia de que os Estados Unidos
estariam se tornando mais conservadores ou mais liberais, mostrando que, em algumas
questões, a classe média moveu-se para a esquerda (como no caso da questão racial e dos
direito das mulheres) e, em outras, ela moveu-se para a direita (como nos exemplos
envolvendo crimes e questões de imigração). Essa análise acabou opondo-se a visão
dominante que, principalmente, nós pesquisadores estrangeiros constantemente tínhamos
sobre a sociedade, ou seja, ela aponta que a sociedade estadunidense não havia caminhado,
durante as últimas décadas, por um processo de guinada para a direita.
Como ponto central de sua pesquisa, Wolfe (1998) investigou o comportamento
político/cultural dessa classe social, sua preocupação metodológica advinha da constatação de
que, por mais pesquisas qualitativas e quantitativas que existissem sobre ela, poucas
procuravam realmente compreender como ela observava, de uma forma mais totalizante, as
questões morais e culturais. Para responder a essa necessidade, que existia nos debates
61

intelectuais sobre o tema, Wolfe desenvolveu junto com sua assistente Maria Poarch o Middle
Class Morality Project, aprofundando a análise quantitativa e qualitativa sobre a classe média
estadunidense.
O projeto consistia em, através de questionários que possuíam seu foco nos subúrbios,
reconhecer as interpretações da classe média sobre os temas morais/culturais. Por causa disso,
a opção pela a análise dos subúrbios foi tomada, não por eles serem aglutinadores da classe
média, posto que, nem todos os subúrbios são compostos por moradores brancos80, ou de
classe média, assim como nem todos membros pertencentes a ela viveriam em neles. Dessa
forma, a opção pela utilização dos subúrbios na pesquisa vinha do fato deles representarem
um símbolo indispensável para a construção de um ideal dessa classe. Metodologicamente,
Wolfe analisou oito deles: Brookline (Massachusetts), Medford (Massachusetts), Southeast
DeKalb County (Geórgia), Cobb County (Geórgia), Broken Arrow (Oklahoma), Sand Springs
(Oklahoma), Eastlake (Califórnia) e Rancho Bernardo (Califórnia), com a preocupação de
perceber a particularidade de cada um deles.
O resultado coletado abarcou importantes dados sobre como a classe média dessas
localidades observava questões como: a fé, as características das famílias, a aceitação do
ateísmo, a tolerância religiosa, o respeito à homossexualidade, o papel dos imigrantes na
sociedade, o patriotismo, a visão sobre trabalho árduo, entre outros. Esses temas foram
subdivididos em cinco capítulos centrados nos temas: religião, questões sobre a ideia de
família, patriotismo, vida no subúrbio e deveres comuns. A base para esses questionamentos
partiram da ideia de uma divisão das respostas em: fortemente em concordância, em
concordância, sem opinião, em discordância e fortemente em discordância e eram analisados
em sua totalidade e buscando a especificidade de cada subúrbio.
No capítulo sobre a fé destacasse como exemplo, os resultados da pesquisa que
demonstraram que apesar da temática da Guerra Cultural estar presente na política do país, a
população seria profundamente moderada em questões sobre religião, o que foi evidenciado
na maioria das afirmações, como no exemplo: Existem muitas diferentes verdades religiosas e
nós devemos respeitar e ser tolerantes a todas elas, onde, em 200 respostas, 75 concordaram
totalmente com a afirmação, 92 concordaram, 14 não souberam responder, 10 não
concordaram e apenas 9 não concordaram fortemente. Segundo o autor, a tolerância é

80
Wolfe (1998) apontou que a porcentagem de Afro-americanos vivendo em subúrbios era crescente, 21% em
1980, 27% em 1990 e 30% em 1994, todavia, isto não significa que os subúrbios passaram por um processo de
integração racial, o que ocorreu foi o crescimento dos subúrbios negros principalmente pela saída das famílias
negras de baixa renda das grandes cidades.
62

demonstrada com relação as diferentes religiões mas para os conservadores religiosos ela não
existe quando se trata da relação com o ateísmo.
Já no capítulo sobre questões envolvendo a ideia de família, Wolfe (1998) percebeu
um predomínio, nos subúrbios, de pessoas casadas (dos 200 entrevistados 153 eram casados).
A questão desse capítulo consistiria em compreender como a classe média observava temas
envolvendo a ideia de família e suas redefinições durante as últimas décadas. Assim, o autor
abarcou questões como o trabalho das esposas fora de casa, dificuldades para a criação dos
filhos na atualidade81 e a questão do casamento entre pessoas do mesmo sexo, entre outras.
Entre eles, o questionamento mais relevante para se compreender a classe média
estadunidense apresentou-se no tema que obteve uma maior polarização, ou seja, a questão da
aceitação do casamento homossexual, ao qual, dos duzentos questionários 12 foram
totalmente favoráveis, 61 favoráveis, 29 não souberam responder, 42 discordaram e 56
discordaram totalmente.
O terceiro grupo de temas focava-se em questões sobre o patriotismo, nele incluíam-se
questões como composição étnica dos subúrbios (que compreendia o grupo étnico e a qual
geração de imigrantes os entrevistados pertenciam), multiculturalismo (com questões sobre a
necessidade de educação em outra língua para imigrantes que não falavam o inglês82e se a
lealdade dos imigrantes deveria estar vinculada aos grupos étnicos ou ao país83) e sobre a
questão da imigração (que compreendia o papel do imigrante na sociedade, se estes
imigrantes eram bem vindos e se o país deveria abrir as portas para a entrada de mais
imigrantes).
Aqui abrimos um parêntese para apresentar os dados do autor sobre a questão da
imigração, onde, 10 entrevistados responderam ser totalmente favorável ao fechamento das
fronteiras para os imigrantes, 63 foram favoráveis, 25 não souberam responder, 85 foram
contrários e 17 foram fortemente contrários.
O quarto grupo de assuntos consistiu da percepção sobre a vida no subúrbio e focou
questões a percepção da pobreza e o sentimento de obrigação em ajudar os pobres (a maioria
dos entrevistados concordava que seria papel da classe média ajudar os pobres), além de,

81
Apesar da maioria dos entrevistados afirmarem que é mais difícil criar os filhos agora, os entrevistados
dividem esta dificuldade em posições antagônicas, alguns defendem a ideia de que a dificuldade estaria
relacionada a um pessimismo com a economia, entretanto, outro grupo argumenta que a dificuldade está na
facilidade da via que estas crianças têm por terem conforto e nunca terem passado por dificuldades
econômicas. Para os defensores do segundo grupo de ideia passar por dificuldades fortalece o caráter.
82
Entre os 200 entrevistados 160 eram contrários ou fortemente contrários ao ensino em língua diferente do
inglês.
83
Dos 200 entrevistados 140 consideram que a lealdade deve estar no país e não nos grupos étnicos e na
questão racial.
63

questões sobre a integração racial nos subúrbios (que apontou dados sobre o crescimento de
subúrbios pobres), sobre o apoio ao Welfare State (que demonstrou que eles nem são
contrários ao Welfare State, nem o consideram um direito natural dos desafortunados) e sobre
quem seria responsável pela pobreza da população (57% viam o governo como responsável
pelos muito pobres e 40% não concordam com isto).
Já o último tema trazia questões gerais como: o individualismo (ao qual a maioria
considerava que os americanos estavam se tornando mais individualista), a questão da
decadência de valores étnicos (visto de maneira bem polarizada pelos entrevistados), a crença
no trabalho duro e na obediência das regras (outro tema visto de maneira polarizada pela
população que se dividiu sobre a afirmação: se trabalhar duro e seguir as regras a pessoa se
dará bem) e a participação em organizações trabalhistas, sociais, cívicas e na igreja.
A pesquisa realizada por Wolfe trouxe algumas luzes sobre a questão da Guerra
Cultural, pois criou um detalhamento regional das formas de pensar da classe média
americana, além de, estabelecer uma percepção sobre a maneira como os estadunidenses
observam as questões morais. Destarte, os principais avanços para a compreensão da Guerra
Cultural seriam encontrados em algumas conclusões apontadas pelo autor.
A primeira conclusão que o autor atingiu ao analisar os dados da pesquisa seguiu um
sentido contrário ao proposto por Hunter (1991). Para Wolfe (1998) apesar das crescentes
oposições e por maiores que elas pudessem ser entre os lados, ninguém realmente poderia
afirmar que elas resultariam em um conflito violento. Da mesma forma, ao aprofundar as
características por regiões, o autor mostrou que existem variações em torno do sentimento
moral entre os membros classe média em cada uma dessas regiões. Esse resultado combateu,
metodologicamente, a proposta da pesquisa apresentada por Hunter em 1996, mostrando que
em assuntos morais não existe uma unidade na América, o que resulta em: apesar da
percepção da existência de inúmeras pessoas que acreditam totalmente em Deus e seus
mandamentos como verdade absoluta e defendem a família nuclear, também, existem pessoas
dispostas a defender totalmente a ideia de que é preciso abrir as portas da sociedade para os
direitos homossexuais e para a separação entre Igreja e Estado.
Assim, para o autor ideia de Guerra Cultural seria muito mais um conflito entre elites
engajadas do que propriamente uma luta que atingiria a maioria dos americanos. A afirmação
foi reforçada quando o autor analisou questões que se referiam ao sentimento de raiva com
relação ao lado oposto da disputa, ao qual, majoritariamente foram apresentadas respostas que
não demonstravam a existência de raiva ou rancor entre os lados da disputa cultural. Essa
ausência de sentimentos de raiva entre os lados mostrou que, por mais diferenças que
64

pudessem existir entre as elites conservadoras e liberais, estas diferenças representavam muito
mais o início de um processo de discussão sobre os valores estadunidense, do que o término
das discussões.
Em nossa leitura, a partir dessa discussão de Wolfe (1998), percebemos que o autor
rejeita a ideia de uma Guerra Cultural como o término do diálogo entre os grupos rivais da
nação. Para ele a suposta Guerra Cultural que os EUA atravessavam representaria muito mais
uma possibilidade de ganho democrático, já que, levaria ao estabelecimento de um diálogo
entre os grupos extremados.
A segunda conclusão importante destacada pelo autor encontrava-se no fato de muitas
das respostas dadas pelas pessoas no Middle Class Morality Project mostrarem que em
determinadas questões as pessoas possuíam respostas que poderiam ser enraizadas no
pensamento de esquerda, enquanto que, em outras elas davam respostas ideologicamente
associadas à direita. Utilizando-se do seu exemplo, Wolfe mostrou que em questões que
envolviam distribuição econômica e ajuda aos pobres posicionava-se à esquerda, em questões
envolvendo temas culturais ele se posicionava à direita em suas respostas. Esta visão
demonstrava que poucas pessoas são realmente estritamente conservadora ou estritamente
liberais. Para Wolfe (1998), a relevância da pesquisa consistiu na possibilidade de abrir um
canal para ouvir os dois lados da Guerra Cultural, vendo suas esperanças e medos com relação
ao futuro do país.
Outra conclusão, destacada pelo autor, consistiu na relação da classe média com a
ideia de moral, pois, para ele, a maioria das pessoas entrevistadas não eram filosoficamente
articuladas ou autoconscientes sobre a ideia do que seria moral, isto é, não pensavam moral a
partir de uma teoria geral da moral, ou seja, a moral estaria na fé em outras pessoas e não em
desenvolvimentos e definições teóricas. Neste sentido, o aprendizado moral viria através de
induções realizadas a partir da observação da maneira como os outros reagiam as mais
variadas situações e por um processo comparativo sobre a maneira como os entrevistados
agiriam com relação a elas.
Partindo dessa leitura, Wolfe (1998) discutiu os motivos que levariam os americanos a
terem uma resistência tão grande ao crescimento da atuação do governo na sociedade. Para o
autor, o grande problema concentrava-se no fato de que os governos em geral seriam “grandes
e impessoais” demais, ou seja, ao aprofundarmos a ideia de Wolfe sobre como os americanos
vivenciam o sentimento moral podemos colocar que, se a definição de moral vem de uma
percepção de escolhas próximas (corretas ou erradas), ela resultaria em um sentimento de que
as decisões governamentais não poderiam ser julgadas como moralmente boas ou ruins pela
65

população. Pelo mesmo motivo, a ideia de política parece distante para a classe média
estadunidense, principalmente, devido à maneira como as discussões políticas seriam
arquitetadas durante as campanhas, que, por se tornarem cada vez mais agressivas, preferiam
mostrar o lado negativo dos oponentes do que as qualidades dos candidatos.
Desta maneira, políticos engajados nas disputas ideológicas da Guerra Cultural
tendiam a se afastar da maioria da classe média Americana, o que seria resultado do grande
problema das ideologias, já que, para o autor, era impossível construírem suas argumentações
sem enfatizarem o lado negativo dos adversários, ou como argumentou o autor: “Ideologias
não podem mobilizar pessoas atrás de uma visão de mundo particular sem enfatizar algo
negativo”. (WOLFE, 1998, p.296).

1.9 A Guerra Cultural como um mito da América polarizada.

Três anos após a publicação do livro de Himmelfarb (2001), Morris Fiorina84escreveu,


junto com Abrams85 e Pope86, a primeira edição do livro Culture War? The myth of a
polarized America, foi publicado alguns meses antes das eleições de novembro de 2004,
quando, George W. Bush foi reeleito durante um processo eleitoral extremamente polarizado
e com fortes suposições de que valores morais foram significativos para a reeleição do
presidente republicano. O resultado das eleições parecia mostrar que a tese proposta pelos
autores, que partia da argumentação que a América não era um país profundamente dividido,
poderia cair por terra, o que foi reforçado pelas inúmeras críticas que os autores receberam
após o processo eleitoral. Entretanto, com o lançamento da segunda edição do livro, tiveram a
possibilidade de contra-argumentar seus críticos, defendendo o debate existente no livro,
discutindo que ele tinha a intenção de confrontar o debate político distorcido que ocorria no
país.
Para os autores, a causa da crescente visibilidade da polarização política em torno da
Guerra Cultural devia-se especificamente a atuação de dois grupos, a mídia que tinha
abandonado seu papel informacional para se transformar em um centro de entretenimento,
substituindo, por esse motivo, os fatos por boas histórias e a comunidade acadêmica, que
apesar de em muitos momentos perceber e criticar este tipo de formato das notícias, pouco
fazia para desmistificar a fantasia de que o país vivia sobre uma polarização radical.

84
Professor de ciência política na Universidade de Stanford.
85
Professor da Universidade de Harvard.
86
Professor da Universidade Brigham Young.
66

A leitura dos autores demonstrava que incidia durante os períodos eleitorais um


fortalecimento de retóricas advindas das campanhas eleitorais que encorajavam a polarização.
Essas retóricas criavam o anseio de que a Guerra Cultural seria real, porém, com o término
das eleições as polarizações praticamente desapareciam.
Por esta razão, os autores percebiam que as transformações ocorridas na democracia
moderna vinham levando a uma falsa visão de polarização. O que poderia facilmente ser visto
quando nos debruçamos sobre a definição de Guerra Cultural proposta pelos autores, ou como
propomos esclarecer com a própria definição: “A “guerra cultural” refere-se a uma
transformação dos conflitos econômicos clássicos que animaram a política do século vinte nos
avanços da democracia por novos conflitos morais e religiosos” (FIORINA; ABRAMS;
POPE, 2006, p.2).
A definição apontou que após a publicação do primeiro livro que definia o objeto, por
Hunter 1991, a ideia de uma sociedade dividida em estados azuis e vermelhos ganhou força,
tomando o controle sobre o imaginário da nação, e pintando os mapas políticos das eleições
que se seguiram ao livro com as cores do conflito, ou como podemos perceber no Mapa 1.

Mapa 1- Separação em estados azuis e vermelhos durante a eleição de 2004. (Bush VS


Kerry).

Fonte:<http://politicalpulse.wordpress.com/>.

Devido a isso, a tese sugerida pelos autores tomou um caminho contrário ao que os
estudiosos, jornalistas e políticos defendiam, já que, defendia que havia sido criada exageros
ao trabalhar com o tema, ou pelas próprias dos autores:
A simples verdade é que não existe guerra cultural nos Estados Unidos – não
existem batalhas ferozes pela alma Americana, ao menos nenhuma que a
maioria dos americanos esteja ciente. Certamente podem-se encontrar uns
poucos falsos guerreiros que se engajam em escaramuças barulhentas.
67

Muitos deles ativistas em partidos políticos e em vários grupos de causa, na


verdade, odeiam uns aos outros e vem a si mesmo como combatentes em
uma guerra. Mas seus ódios e batalhas não são divididos pela grande massa
das pessoas Americanas – certamente nem perto dos “80-90 por cento do
país” – que são na maior parte moderados em suas visões e tolerantes em
suas maneiras. (FIORINA; ABRAMS; POPE; 2006, p.8).

Assim, os autores chegaram a resultados semelhantes ao proposto por Wolfe (1998),


acrescentando a ideia de que a Guerra Cultural é na verdade um mito, construído por uma
interpretação errada dos resultados eleitorais, pela falta de um exame compreensivo das
pesquisas de opinião pública, e por uma cobertura seletiva realizada por uma mídia que não
observa dos fatos de maneira crítica, por estar mais preocupada com os novos valores do que
com a história correta. Para demonstrar isso, os autores desenvolveram sua tese a partir de 10
capítulos, sendo o primeiro introdutório, com caráter contextualizador do problema, um
segundo aprofundando a ideia de que a America não seria realmente polarizada, um terceiro e
quarto demonstrando, que apesar da divisão entre estados azuis e vermelhos eles não eram tão
diferentes, o quinto focando a questão do aborto, o sexto sobre a questão da
homossexualidade, o sétimo sobre as rupturas eleitorais do país, o oitavo sobre a eleição de
200487, o nono em uma tentativa de reconciliar a ideia de micro e macro na sociedade
estadunidense e o capítulo final que estabelece um balanço sobre a maneira como se atingiu a
discussão que existia no país e quais as consequências desta discussão a partir de então.
Para nossa análise, nesse primeiro capitulo, nos concentraremos nos capítulos 2 e 3,
pois eles aprofundaram as discussões teóricas sobre o tema. Por esse motivo, iniciaremos com
a compreensão do segundo capítulo, apontando quatro fatores como contribuidores da
formação da ideia de Guerra Cultural nos EUA. Um primeiro, que surge a partir do fato das
disputas eleitorais serem, ao menos em termos percentuais, realmente divididas, ou, como
mostra o gráfico IV desenvolvido a partir dos dados apontados pelos autores:

87
Acrescentado na segunda edição do livro.
68

Gráfico IV- Percentual de votos divididos nas eleições estadunidense.

Votos estreitamente divididos.

votos republicanos para o congresso 2004


Votos republicanos para presidente 2004
votos republicanos para o congresso 2002
votos republicanos para o congresso 2000
votos para Gore 2000
votos republicanos para o congresso 1996
votos em Clinton 1996

0 20 40 60 80 100

A resposta mais óbvia para os analistas políticos ao observarem esses dados seria a de
confirmar que a sociedade estadunidense era realmente polarizada, posto que, em todas as
eleições a porcentagem de votos esteve muito próxima de 50% - 50%. Todavia, um processo
eleitoral não representaria apenas os votos das pessoas que amam ou odeiam determinado
partido ou ideia, muitos eleitores não rejeitam nenhum dos lados da disputa, da mesma forma
que muitos não estão alianhados a nenhum dos dois lados e procuram votar no que
consideram menos pior.

O segundo fator, mostrou que as pessoas envolvidas com a atividade política, de


maneira alguma representariam uma norma da população, portanto, existem diferenças
visiveis entre o comportamento dos ativistas dos partidos politicos e entre as pessoas que
dizem identificar-se com os partidos. Para os pesquisadores, há um contraste entre os ativistas
(que são polarizados) e as pessoas que apenas se identificam com os partidos, como
exemplos: o não reconhecimento legal das relações homossexuais visto contrariamente por
44% dos ativistas e por apenas 19% dos que se idenficam com o Partido Republicano, e a
percepção sobre a liberação total do aborto, vista favoravelmente por 62% dos ativistas e por
apenas 32% dos que se identificavam ao Partido Democrata. Essa percepção fez com que eles
observassem uma característica essencial do eleitorado estadunidense:
No geral, americanos normais estão ocupados demais ganhando suas vidas e
aumentando suas famílias. Eles não são bem informados sobre assuntos
políticos e públicos, não dão grande importância à política, não sustentam
muito fortemente suas posições e não são ideológicos. (FIORINA;
ABRAMS; POPE; 2006, p.19).
69

Para comprovar essa leitura, os autores apontaram uma série de dados relativos à
audiência de alguns dos principais ativistas e a relação dela com os dados referentes aos
processos eleitorais da corrida presidencial de 2004, esta relação é complementada com a
apresentação do número real de pessoas elegíveis a votar e com os números de pessoas que
realmente votaram nas eleições. O ponto colocado aqui é, primeiramente, demonstrar que
como poderia a sociedade ser totalmente polarizada, se grande parte dos eleitores nem se
interessou em comparecer às urnas88? Este dado por si só já confirmaria a ideia de que grande
parte da população não se interessaria por questões referentes à política do país.
A segunda conclusão mostrou que nem todos os eleitores que compareceram às urnas
votaram defendendo um dos lados da polarização, o que é visto quando se analisa a audiência
de alguns dos principais programas e filmes que defendem um dos lados da disputa cultural,
por exemplo: o filme Fahrenheit 9/11 (do cineasta Michael Moore89) foi visto por apenas
entre 17 e 18 milhões de espectadores, contudo, ao mesmo tempo, a audiência do conservador
Rush Limbaugh90 na semana anterior a publicação estava entre de 15 e 16 milhões91.
O terceiro fator apontado pelos autores concentrava-se no fato de que a maioria dos
jornalistas buscariam os fatos através do depoimento de membros da classe política e não nos
lugares onde o estadunidense médio normalmente frequentaria. Por este motivo, como a
classe política é polarizada e ficaria no ar a impressão de que, em todas as notícias publicadas
sobre temas culturais, toda a população seria polarizada. Como exemplo, se uma central de
mídia perguntar para ativistas favoráveis e para os contrários ao aborto o que ambos pensam
sobre o aborto e certamente os dois grupos mostrariam opiniões totalmente polarizadas,
entretanto, se a mesma questão for direcionada a população em geral a resposta seria muito
menos intolerante.
O quarto fator seria apontado a partir da imagem de que existe uma confusão
comumente realizada pelos analistas que não conseguem distinguir as diferenças entre
polarizações de posições e polarizações de escolha, ou seja, os votos não são construídos
unicamente a partir de posições e sim a partir de escolhas do que seria melhor no momento da
eleição. Em outras palavras, a maioria das pessoas, diferente do que é constantemente
apresentado na ideia de Guerra Cultural, vota em um candidato não por estarem alinhados

88
Dos 202 milhões de pessoas com idade para votar apenas 122 milhões votaram em 2004, destes 62 milhões
votaram em George W. Bush e 59 milhões votaram em Kerry.
89
A filmografia de Moore é considerada como uma das grandes referências da corrente liberal nos EUA.
90
Importante apresentador conservador de talk show no rádio.
91
Outros dados como a audiência diária do canal conservador Fox News é de apenas 3.3 milhões e a do The O
‘Reily Factor é de 3.3 milhões.
70

moralmente a ele e sim por pensarem que, no momento, ele seria a melhor escolha entre um
grupo de candidatos.
Após descrever os fatores que influenciariam o surgimento da Guerra Cultural, os
autores iniciaram seu terceiro capítulo com a intenção de demonstrar que a separação dos
EUA em estados vermelhos e azuis, não representaria, necessariamente, que estes estados
possuiriam características realmente opostas. Partindo de dados como: o número de Born
Again92 nos estados vermelhos e azuis (respectivamente 46% e 29%), o número de Born
Again que votaram em Bush (respectivamente 29% nos estados vermelhos e 18% nos estados
azuis), o número que defendem ter uma arma (43% nos estados vermelhos e 30% nos azuis) e
a porcentagem de pessoas que defendem ter uma arma e votaram em George W. Bush. (28%
nos estados vermelhos e 19% nos estados azuis), os autores procuraram demonstrar que
apesar de existirem diferenças entre os estados, estas diferenças não são tão exorbitantes a
ponto de motivar uma Guerra Cultural que dividiria os estados em blocos.
Por este motivo, Fiorina, Abrams e Pope (2006) acrescentaram dados relativos à
identificação partidária nas eleições de 2000 mostrando que 32% dos entrevistados nos
estados vermelhos e 36% dos entrevistados nos estado azuis diziam-se democratas, enquanto
31% dos entrevistados nos estados ditos vermelhos e 25% nos estados azuis diziam-se
republicanos. Da mesma forma, 18% diziam-se liberais nos estados vermelhos e 22% nos
azuis e 41% diziam-se conservadores nos estados vermelhos e 33% nos estados azuis, com
isso, a definição de estados vermelhos e azuis cai por terra quando se analisa profundamente
os eleitores desses estados.
Outro dado apresentado pelos autores concentrou-se nas respostas envolvendo crenças
e percepções, realizado no ano de 2000, que mostraram que não existem diferenças tão
gritantes em temas como se a imigração fortalece o país? Com 32% dos entrevistados
favoráveis a ideia nos estados vermelhos e 44% nos estados ditos azuis, ou, sobre a
possibilidade de Bill Clinton concorrer novamente a uma campanha eleitoral vista com
profunda rejeição por 61% dos entrevistados nos estados vermelhos e 51% nos estados azuis.
Fora estes 43% dos entrevistados nos estados vermelhos e 41% nos estados azuis disseram
que a imigração deveria diminuir, 77% nos estados vermelhos e 70% nos estados azuis que
disseram ser favoráveis a pena de morte, 65% nos estados vermelhos e 50% nos estados azuis

92
A nomenclatura Born Again é atribuída a evangélicos que constroem sua fé a partir da ideia de um
renascimento em uma vida religiosa, apesar de eles serem em muitos momentos associados a grupos da direita
religiosa, eles não são em sua totalidade conservadores.
71

que diziam frequentar a igreja regularmente e os 62% em ambos os estados favoráveis a ideia
de que se deve ser tolerante a outras visões morais.
A partir dos dados apontados pela pesquisa parece claro que apesar de existirem
diferenças entre os estados ditos vermelhos e azuis, essa diferença seria incapaz de representar
uma ruptura da sociedade em dois sistemas morais, o que significaria que apesar da ideia de
Guerra Cultural ganhar muita força na mídia ela não significaria um conflito que abarcaria
toda a sociedade.

1.10 As definições sobre o debate envolvendo o tema e o fim da Guerra Cultural?

No mesmo ano do lançamento da segunda edição do livro de Fiorina; Abrams; Pope,


uma nova publicação aprimorou a discussão sobre a ideia de Guerra Cultural. O livro
(organizado por James Davison Hunter e Alan Wolfe e editado por E. J. Dionne Jr. e Michael
Cromartie) estabeleceu um debate entre os principais autores sobre a temática da Guerra
Cultural, centrando seu foco no debate entre os autores em respostas as obras publicadas pelos
outros sobre o tema durante as últimas décadas. Compreendendo textos de Dionne Jr e
Cromartie, de James Davison Hunter, de Alan Wolfe, de Gertrude Himmelfarb e de Morris P.
Fiorina o trabalho trouxe importantes avanços para a discussão sobre a Guerra Cultural.
Como conteúdo do livro, o texto apresentou em sua introdução (escrita por E.J.
Dionne Jr. e Michael Cromartie) uma rápida discussão sobre como se desenvolveram os
debates sobre a ideia de Guerra Cultural, partindo da fala de Patrick Buchanan na convenção
republicana de 17 de agosto de 1992 e percorrendo de maneira resumida as leituras dos
principais autores sobre o tema como Hunter, Wolfe e Fiorina.
Hunter in (HUNTER; WOLFE (org.) 2006) escreveu o primeiro capítulo
concentrando-se em rebater as principais críticas sofridas por sua obra durante os últimos
anos. Para o autor, a principal falha dos críticos a ideia de Guerra Cultural centra-se no fato de
que esses autores não estariam alinhados as novas análises sociológicas sobre cultura, estando
presos a definições de cultura que privilegiariam uma leitura construída a partir de valores e
normas encontrados na sociedade, ou seja, presos as opiniões, crenças e preferências morais
individuais. Ele argumentou que esta maneira de analisar os temas da cultura foi muito
comum durante as décadas de 1950 e 1960, todavia, as pesquisas realizadas pelos críticos de
sua hipótese de Guerra Cultural (como Wolfe e Fiorina) estariam alinhadas a este tipo de
leitura, retratando apenas o nível individual das disputas e alegando através de resultados
previsíveis advindos de pesquisas de opinião pública e de entrevistas, que apontavam que a
72

opinião pública Americana não refletia as divisões descritas pelos que defendiam a existência
dos conflitos.
Dessa forma, ele apontou que, para que se possa compreender a dinâmica da Guerra
Cultural, existiria a necessidade de dispor de uma diferente gama de ferramentas para a
identificação da ideia de cultura, além disso, era necessário desenvolver uma metodologia que
não fosse atribuída, a partir da forma como, as normas e valores estariam inseridas na cabeça
e no coração das pessoas, e sim, “como sistemas de símbolos e outros artefatos culturais,
instituições que produzem e disseminam estes símbolos, discursos que articulam e legitimam
interesses particulares, e campos de competição, onde a cultura é contestada”. (Hunter in
(HUNTER; WOLFE (org.) 2006, p.20) Em outras palavras, para atingir uma real
compreensão sobre a Guerra Cultural seria vital compreender como se realinhariam e se
institucionalizariam a hipótese de sua existência na cultura pública, através de organizações
de interesse, denominações, partidos, elites, entre outros, ou seja, seria preciso perceber como
se constroem a direção e a liderança destas organizações.
Neste sentido, a crítica de Hunter a seus debatedores viria do fato de que nenhum
deles, em sua proposta de argumentar a não existência da Guerra Cultural, se preocupou em
analisar como a estrutura da cultura reproduzia seus símbolos, ideias, argumentos e
ideologias, assim como seus interesses e formulações implícitas pelas autoridades morais. Por
causa disso, Hunter (in HUNTER; WOLFE (org.), 2006) posicionou-se contrariamente à
discussão que alega que a Guerra Cultural seria uma disputa que ocorreria de forma restrita
entre elites engajadas, e que ela não atingiria a totalidade da população. Para ele, seriam essas
elites que redefiniriam e redirecionariam os significados dos símbolos da vida pública do país,
legitimando ou deslegitimando narrativas e figuras públicas. Assim, parece claro que a
ocorrência de uma Guerra Cultural total seria virtualmente impossível, entretanto, as elites
polarizadas poderiam em determinados momentos mobilizar uma grande quantidade de
pessoas sobre um ideal comum. Como exemplo, o autor apontou que algumas das principais
explosões sociais ocorridas na história mundial partiriam da vontade de uma elite, citando
como exemplos os 5.000 que lutaram contra o Reino Unido pela independência da Irlanda, ou
as lideranças que mobilizaram a revolução russa em 1917, ou, ainda, os 5 a 10% de
extremistas das forças armadas e de representantes de milícias opositoras ao governo,
responsáveis pelos massacres em Ruanda.
No segundo capítulo do livro, Wolfe (in HUNTER; WOLFE (org.), 2006) trabalhou
com a ideia de que a Guerra Cultural, apesar de constantemente prometida, na verdade nunca
ocorreu. Para demonstrar sua posição o autor utilizou-se da batalha envolvendo o caso Terry
73

Schiavo93 apontando que 63% dos americanos apoiava o desligamento dos aparelhos que a
mantinha viva. O resultado do apoio da população ao desligamento dos aparelhos casou
choque nos setores conservadores do Partido Republicano que acreditavam que a reeleição de
George W. Bush em 2004 teria ocorrido pelo fato do presidente ser visto como um homem
com fortes valores morais e pelo fato do presidente ser ligado à ideia de Guerra Cultural.
Para Wolfe (in HUNTER; WOLFE (org.), 2006) os resultados que demonstravam o
apoio ao direito à morte mostravam também que a população passava a se cansar da discussão
da Guerra Cultural e que a direita cristã não estava conseguindo atrair muitas pessoas para
estas batalhas. Segundo o autor, o fato é que devido ao radicalismo das lideranças, a
população começou a se afastar dos temas culturais, o que ocorreu é que, se durante as
décadas de 1950 e 1960 as lideranças eram menos radicalizada que os americanos médios,
agora elas apresentavam um grau de radicalização muito maior do que o apresentado pela
média da população.
Ao mesmo tempo, para ele, toda a estratégia conservadora durante os períodos
eleitorais construiu-se sobre uma base de que os setores liberais não conseguiam ganhar o
apoio da maioria da população para suas posições quando o enfoque recaia sobre posições
culturais. Nesse sentido, os republicanos, como uma forma de substituir sua dificuldade de
conseguir apoio através de medidas econômicas, passaram a utilizar a ideia de Guerra
Cultural para conseguir votos, o que passou a representar o crescimento de campanhas
eleitorais profundamente negativas a partir de ataques aos seus oponentes. Esse
direcionamento do Partido Republicano para a direita ocorreu em um caminho contrário ao da
população que se moveu para a esquerda (no sentido de tornarem-se mais tolerantes).
Contudo, a estratégia do uso do discurso conservador e religioso era perfeitamente funcional,
já que, estimulava uma resposta dos setores liberais que tentavam criar, a partir de seus
termos, uma maneira para realizar a disputa política dentro da ideia da Guerra Cultural.
Assim, Wolfe argumentou que se a eleição de Bill Clinton e Al Gore havia aproximado o
Partido Democrata à centralidade política, o discurso de George W. Bush empurrou-o para a
esquerda.

93
Terry Schiavo foi uma mulher da Flórida que após ter sofrido um ataque cardíaco ficou 15 anos vivendo por
meio de aparelhos devido a uma disputa entre seu marido (favorável ao desligamento dos aparelhos) e seus
parentes (contrários). O caso gerou uma grande discussão sobre a questão do direito a morte nos EUA fazendo
com que o Congresso aprovasse uma lei que permitia aos pais abrirem o caso no supremo tribunal federal para
impedir o desligamento dos aparelhos. Apesar de toda a mobilização tanto dos movimentos defensores pró–
vida (com um intenso apoio do então presidente George W. Bush) o tribunal rejeitou o pedido dos pais e
autorizou o desligamento dos aparelhos, após realizar uma série de testes que demonstraram que ela estava
com ausência de consciência e com uma severa atrofia cerebral, o que resultou sua morte em 31 de março de
2005.
74

A questão aqui é que, em sequência a esta metodologia política, Bush acabou sendo
traído pela transformação da sociedade, já que, enquanto insistia na ideia da Guerra Cultural e
colocava-se com um defensor da moralidade o tema foi perdendo a capacidade de influenciar
a sociedade, ou como argumentou: “Bush recusou-se a abandonar a guerra cultural, a guerra
cultural o abandonou”. Wolfe (in HUNTER; WOLFE (org.), 2006, p.70).
Voltando ao debate presente no livro, após a apresentação destes dois capítulos o livro
prosseguiu com dois comentários curtos: um de Gertrude Himmelfarb e outro de Morris
Fiorina que tinham como intuito atualizar o tema. A autora neoconservadora iniciou seus
comentários afirmando que a Guerra Cultural passou por algumas transformações durante os
últimos anos, o que foi marcado pelo fato de que os combatentes dos dois lados da disputa
declararam-se vencedores da batalha que tinha chegado ao seu final. Pelo lado conservador, a
percepção de vitória surgiu a partir da leitura dos que acreditavam ter triunfado nas batalhas
culturais e que defendiam que as melhoras em alguns resultados estáticos apontavam uma
possível remoralização da sociedade, ou como aponta a autora: “Eles citam os indicadores
sociais mostrando um declínio na incidência de crimes, violência, aborto, uso de drogas,
divórcio e de crianças nascidas fora do casamento entre adultos e, o mais importante, entre os
jovens.” Wolfe (in HUNTER; WOLFE (org.), 2006, p.75).
Entretanto, a autora, por considerar-se uma conservadora mais antiga, posiciona-se de
maneira antagônica a esta imagem. Como já apontamos, quando analisamos seu livro,
Himmelfarb considera que as reduções de algumas estatísticas viriam de transformações da
sociedade que se tornou mais liberal e não de uma condição de aumento da moralidade.
Outra crítica realizada nos comentários da autora é feita a definição de Alan Wolfe
sobre a ideia de que a guerra cultural seria uma disputa entre intelectuais não atingindo o
americano médio. Para a autora, Wolfe esqueceu-se de notar, que a partir da dominância da
contracultura sobre os valores da sociedade os temas da guerra cultural estariam
constantemente presentes na televisão, nos cinemas, na internet e nos vídeos games, de
maneira que eles afetariam a vida de toda a população.
Por este motivo, é preciso compreender que a autora escreveu seus comentários entre
os gritos de vitória de alguns setores conservadores e entre a negação do fenômeno por alguns
intelectuais, por isso, Himmelfarb (in HUNTER; WOLFE (org.), 2006) definiu que existia a
necessidade de se repensar a ideia de Guerra Cultura redefinindo-a como guerras culturais,
uma vez que, para ela, os conservadores estariam vencendo em apenas um sentido da Guerra
Cultural como apontavam os indicativos referentes à diminuição da criminalidade, da
violência, da ilegitimidade e do gosto, mas estariam, por outro lado, perdendo a batalha pelo
75

controle da cultura popular. Assim, existiria a necessidade de se iniciar uma nova Guerra
Cultural que refletiria a luta da cultura dissidente (o que ela chamou de valores da
contracontracultura). Essa nova batalha ocorreria nas escolas públicas através dos professores
insatisfeitos com os currículos e no interior das famílias através dos pais insatisfeitos com o
conteúdo da TV e da internet, e teria como preocupação retomar um sentido de moralidade na
cultura popular do país.
Já, Fiorina (in HUNTER; WOLFE (org.), 2006) iniciou seu comentário de maneira um
pouco mais exaltada, respondendo às críticas feitas à sua leitura da Guerra Cultural por
Hunter, apontando que “James Davison Hunter é uma vítima do seu próprio sucesso.”
(FIORINA (in HUNTER; WOLFE (org.), 2006, p.83). Para o autor, Hunter equivocou-se ao
atribuir as críticas sofridas pela sua obra a uma falta de compreensão, dos críticos, de seus
argumentos, ao mesmo tempo em que, não interpretava os argumentos contrários às suas
ideias a partir do entendimento de seus críticos.
Ele explicou que quando escreveu seu livro, não estava posicionando sua crítica a
Hunter e sim a mídia que clamava que a Guerra Cultural não se estendia apenas para os
ativistas. A partir disso, o autor argumenta que seu livro tentava mostrar como as campanhas
eleitorais contemporâneas não apelavam para o americano moderado e que representantes
eleitos não negociavam a partir de compromissos aceitáveis.
Em outra passagem, Fiorina (in HUNTER; WOLFE (org.), 2006) colocou-se em um
sentido antagônico a ideia de Hunter sobre a importância das elites. Para o autor, elas
naturalmente tendiam a exagerar seu valor, por isso, as numerosas competições entre as elites
tendiam a confundir os significados e as narrativas da disputa. Para demonstrar como isto
ocorria, o autor citou o exemplo da ineficiência das elites durante os escândalos Lewinsky, ao
qual, apesar da direita conservadora conseguir fazer com que o então presidente confessasse
sua culpa pelo assédio sexual, pelo abuso de sua posição, por perjúrio e pela obstrução da
justiça, eles não conseguiram atingir o resultado principal de sua mobilização que era alcançar
o impeachment do presidente.
A resposta do cientista político para essa dificuldade vinha da constatação de que as
elites, ao longo dos anos, vinham perdendo sua influência sobre a população, o que seria
motivado, pelo alto nível de educação e de informação da população e pelo fato das lideranças
contemporâneas do país não possuírem seguidores reais, o que seria motivado pelo fato de
muitos dos líderes da atualidade serem mais parecidos a empresários, vendendo ideias do que,
propriamente, líderes como ligação a um movimento.
76

A significância do debate presente no livro apresenta-se, além, da oportunidade de


uma confrontação sobre as ideias da Guerra Cultural, em uma importante recontextualização
do tema. O que é marcante quando se observa o destaque da publicação do livro, é que ela
aconteceu durante um período vital para a compreensão das transformações dos movimentos
conservadores e para a própria ideia de Guerra Cultural nos EUA, que seria marcado pelo
declínio da imagem do então presidente George W. Bush94 e por um enfraquecimento da
visibilidade da ideia de Guerra Cultural na mídia.

Capítulo 2 A um passo de Deus: A influência da religião, das mudanças sociais e a


consolidação da agenda conservadora.

Para que possamos compreender como a lógica da Guerra Cultural enquadrou-se em uma
forma de pensar que priorizava a história dos EUA a partir de polarizações, desenvolveremos
nosso segundo capítulo, analisando alguns pontos importantes para a compreensão do caldo
cultural que possibilitou o desenvolvimento das mobilizações conservadoras no país.
Nosso intuito é aprofundar a compreensão do leitor sobre a definição de
conservadorismo, demonstrando suas concepções, bastante abrangentes, possibilitaram a
grande pluralidade de agendas dos movimentos conservadores garantindo a manutenção de
seu prestigio na sociedade e política do país. Do mesmo modo, procuramos questionar a
relação entre a ideia da mobilização conservadora e sua relação com a Guerra Cultural,
trazendo nesse capítulo um maior aprofundamento sobre a questão.
Com isso, dividimos esse capítulo em três partes, uma primeira procura compreender a
definição de conservadorismo debatendo a importância do binômio conservador/liberal na
sociedade estadunidense. Uma segunda parte debate a poderosa extensão que a religião teve
na sociedade estadunidense, ao mesmo tempo em que, demonstra os períodos de ascensão e
reclusão da influência do conservadorismo religioso na sociedade e na política do país
(principalmente durante o começo do século XX). Nela procuramos demonstrar que a
polarização entre conservadores e liberais tem sua origem também a partir da questão
religiosa. E uma terceira que mostra o momento de afastamento dos setores conservadores da
vida política do país durante a década de 1930 e a ascensão das ideias liberais na sociedade
estadunidense e debate os motivos dessa não participação política ao longo das décadas de
1940, 1950 e 1960 por parte de setores conservadores da religião. Junto a isso, iniciamos a

94
A imagem da guerra contra o terror iniciada por Bush passava a começar a ter uma resistência maior pela
população, da mesma forma, os rumos da economia do país pareciam cada vez pior.
77

discussão sobre os motivos que os fizeram retornar a participação política e que ocasionaram
o enfraquecimento da intensidade da agenda liberal no país a partir da década de 1970.

2.1-Definições e a influência do conservadorismo na sociedade do país.

Para que possamos entender o debate sobre a Guerra Cultural na sociedade estadunidense
temos que analisar a importância do próprio binômio conservador/liberal para a atividade
política estadunidense, assim como, entender seu lugar nas disputas sociais do país. Sobre
esse tema, Sorman (1983) expôs que, devido a configuração da política estadunidense, a
direita e a esquerda no país se fragmentaram em pequenos partidos (socialistas, comunistas,
de extrema direita, libertários, entre outros) incapazes de mobilizar um grande número de
eleitores durante o período eleitoral. Com essa não consolidação dos partidos pautados em
grandes correntes ideológicas, abriu-se espaço para a consolidação dos dois principais
partidos do país (o Partido Republicano e o Partido Democrata) como os principais
adversários políticos. Entretanto, para o autor, esses dois partidos tiveram em sua trajetória
um papel mais caracterizados como grandes máquinas eleitorais do que propriamente como
grandes conjuntos ideológicos.
A incapacidade, dessas grandes correntes ideológicas consolidarem-se na política do país
fez com que elas se dissolvessem no interior de uma disputa entre conservador contra liberal.
A questão aqui é que, ao pautar a oposição de ideias exclusivamente dentro desse binômio, os
conjuntos conservadores e liberais passaram a poder significar tudo e, ao mesmo tempo nada,
dentro da compreensão política estadunidense.
Um exemplo disso destaca-se quando pensamos no termo liberal, da maneira como ele é
utilizado nos EUA, e chegamos a algumas pautas como a defesa da igualdade e de direitos
civis, um fortalecimento do governo federal e a crença em uma determinada liberdade social.
Esse liberalismo estadunidense historicamente se distanciou dos autores liberais clássicos,
sendo retratado nos dias atuais como uma vertente de centro esquerda no país.
Da mesma maneira, o termo conservador rapidamente nos remete a tradição religiosa, a
defesa de uma cultura branca dominante, a defesa de um modelo econômico que privilegia o
corte de gastos e a liberdade empresarial. Pensar a ideia de conservadorismo americano
também nos remete a pensar os movimentos denominado libertários que defendem uma
mescla do que consideramos como valores liberais e conservadores, o que pode ser retratado
pelo exemplo de que eles defendem a total não interferência do Estado em questões
socioculturais e econômicas, ao mesmo tempo em que, rejeitam a autoridade religiosa. Ou
78

seja, nos Estados Unidos, por mais estranho que pareça, os liberais radicais não são vistos
como liberais.
Nesse sentido, os dois grandes blocos de ideias, que se destacaram por ser o centro da
polarização política e social nos Estados Unidos, são vistos na narrativa do país de uma
maneira um tanto nublada, já que, eles coexistem no interior de seus dois principais partidos.
Com isso, a trajetória dessa disputa alternou momentos de ascensão e retração que ocorriam
motivadas pelas conjunturas econômicas e sociais que influenciavam a disputa de grupos
políticos no interior dos partidos.
Isso trouxe consigo a percepção de que ambos os partidos se tornavam mais
conservadores ou mais liberais como uma reação ao sucesso político conquistado pelas
políticas aprovadas pelo seu concorrente. Esse processo ocorria, primeiramente, dentro das
disputas no interior dos partidos, que isolavam os grupos antagônicos as ideias95 dominantes
no partido no período, e em muitos momentos os fazia abandoná-lo ocasionando migrações de
um partido para o outro. Nesse sentido as disputas entre democratas e republicanos durante a
história americana destacaram-se muito mais como táticas eleitorais do que propriamente pela
defesa de plataformas conservadoras ou liberais.
Dentro desse quadro, nosso trabalho procura, a partir da oposição conservadores e liberais,
compreender como os debates em torno de temas culturais exerceram o papel de gatilhos para
a polarização na sociedade e nos dois principais partidos do país (e entre eles). Ao mesmo
tempo, discutimos como o novo conservadorismo estadunidense, apoiando-se em um plano de
luta cultural, superou o quase total ostracismo político, que perdurou até grande parte da
década de 1960 (devido ao fortalecimento do influxo das ideias liberais a partir do New Deal),
e se tornou um grande fenômeno político e intelectual no país.
Para isso é importante deixar claro que, em nosso primeiro capítulo, ao ponderarmos
sobre o debate intelectual em torno da vivência de uma Guerra Cultural nos EUA, procuramos
delimitar as cisões fundamentais entre os autores com o intuito de estabelecer um alicerce
para que pudéssemos compreender a relação do fenômeno com o fortalecimento do
pensamento conservador durante as décadas de 1960-2000. Concluímos através dessa
releitura que, apesar da tórrida discussão envolvendo o tema da Guerra Cultural ter motivado
o dissenso entre alguns dos principais intelectuais estadunidenses, de maneira que, eles
tentaram, de forma válida, confirmar ou desmistificar a plausividade do fenômeno, para nossa
pesquisa era imperativo ir além dessa querela intelectual. Afinal, em nossa leitura, a Guerra

95
Que dependendo o período poderiam ser vistas com liberais ou conservadoras, afinal, ambos os partidos
possuíam correntes rivais que as defendiam.
79

Cultural existirá enquanto a sociedade estadunidense for pensada a partir de polaridades e os


atores sociais afirmarem-se “guerreiros culturais”, o que, em um sentido prático, coloca o
fenômeno como um experimento inegavelmente vivenciada pelos movimentos conservadores
e liberais que atuaram no país durante as últimas décadas.
Nesse sentido, defendemos que os resultados da celeuma intelectual em torno do tema
reduziram o seu valor a uma obrigatoriedade de posicionar-se favorável ou contrariamente a
afirmação de que a sociedade estadunidense estaria totalmente polarizada em torno de
questões culturais. Assim, se por um lado, esse enfoque motivou o surgimento de uma
variedade de pesquisas contribuidoras para a leitura da contemporaneidade dos EUA, como os
trabalhos de Hunter (1994), Wolfe (1996), entre outros. Por outro, quando os cientistas sociais
deixaram de lado a leitura da Guerra Cultural como uma estratégia de visibilidade de ideias e,
consequentemente, como uma disputa pela consolidação de plataformas políticas por parte de
grupos conservadores e liberais, perdeu-se um importante campo de pesquisa sobre a
sociedade, a política e a cultura do país.
Nosso trabalho reestabelece a discussão sob um patamar que compreende a Guerra
Cultural a partir de sua proeminência para a discussão sobre a polarização de ideias e pela
disputa pela hegemonia de grupos políticos na sociedade. Para isso, unificamos dois grandes
grupos de pesquisas que se desenvolveram paralelamente e que foram pouco relacionados
entre si pelos intelectuais. Ou seja, apesar dos cientistas sociais terem pesquisado os
movimentos conservadores com grande afinco e o tema da Guerra Cultural ter sido
exaustivamente debatido pelos meios de comunicação e pelos intelectuais, raramente, focou-
se a relação existente entre os dois objetos. Fato que coloca nosso trabalho como o pioneiro
em compreender como os movimentos sociais e políticos utilizaram as disputas culturais
como ferramentas (disseminadas através de retóricas e narrativas) para moldarem seu papel na
fragmentada identidade dos EUA.
Especificamente, nesse capítulo, mostraremos como as batalhas em torno de temas
culturais foram, mesmo antes de sua denominação pelos intelectuais, durante a década de
199096, as principais ferramentas aglutinadoras dos movimentos conservadores. O que
significa que, a partir delas, estruturou-se uma rede de atores dispostos a interceder sobre
temas ditos culturais. Essas batalhas, travadas na política interna do país trouxeram consigo a
constatação de que, se no campo da política externa o anticomunismo foi o principal
responsável pelas mobilizações conservadoras, no âmbito da política interna foi através da

96
Somente a partir da obra de Hunter (1991) que passou a se definir os confrontos culturais sob a
denominação de Guerra Cultural.
80

ideia Guerra Cultural que se moldou uma identidade comum97, responsável pelo agregar de
grupos, que até então não possuíam um alinhamento em sua agenda de manifestações98.
Ao refletirmos sobre o tema, percebemos que a Guerra Cultural somente foi
identificada pelos intelectuais devido ao resultado da organização e do aumento do “eco” das
manifestações conservadoras99. Portanto, a ampliação da visibilidade do fenômeno na
sociedade somente ocorreu devido a uma provisão das crescentes batalhas entre as técnicas de
controle da vida pública estadunidense pelos setores conservadores e liberais e sua respectiva
repercussão na mídia.
Essas duas afirmações, que aparentemente entrelaçam os objetos de nossa pesquisa em
uma relação recíproca de causa e efeito, refletem a complexidade da principal engrenagem
para a compreensão das origens do conservadorismo estadunidense. Foi a partir de um
sentimento de perda, de um entendimento da agressão a um modo de vida, de uma
incompreensão da novidade e de um estranhamento da diferença que se moldou a iniciativa
conservadora, também, desenvolveu-se um projeto político mais amplo que procurou
expandir um conjunto de valores específicos como representação da vontade de toda a
população100. Por esse motivo, o novo conservadorismo estadunidense consolidou-se sobre
duas hipóteses fundamentais, resistência e agressão.
A hipótese da resistência estabeleceu-se a partir de uma lógica que procurou impedir
os avanços do liberalismo na sociedade, pautando-se pela defesa de um modo de vida
específico101 e sendo realçada pela percepção, por parte dos setores conservadores da
sociedade, de que as transformações sociais, econômicas, culturais e políticas, radicalizadas
durante os anos de 1960, não se regulavam pela extensão de direitos políticos, sociais e

97
É interessante também destacar que a ideia de Guerra Cultural e luta contra o comunismo estavam
intimamente relacionadas dentro de uma lógica que se pautava pela procura de um inimigo que seria o
responsável por qualquer problema enfrentado pelo país. Essa mesma lógica fomentava a ideia de que
comunistas constantemente infiltraram-se na sociedade e nas instituições estadunidenses, trazendo consigo
valores ruins. A questão aqui é que com o fim da Guerra Fria a mesma lógica que procurava inimigos
comunistas no país passou a ser empregada pelo Partido Republicano na disputa contra o Partido Democrata e
na construção da ideia de uma Guerra Cultural.
98
Grupos como os de defesa do direito ao uso de armas, defensores da educação religiosa, contrários ao
ensino bilíngue, à pornografia, pouco, ou quase nada, teriam em comum sem que existisse a Guerra Cultural
para aproximá-los.
99
Como uma resposta as transformações liberais que despontaram no país durante as décadas de 1960 e 1970,
como a retirada das orações das escolas (durante a década de 1960) e as mudanças nas legislações pró-aborto
(no princípio dos anos 1970).
100
Crawford (1995) argumentou que uma das questões centrais do novo conservadorismo seria representada
pelo medo das massas, devido ao fato de que, para os conservadores, elas seriam impulsivas, irracionais,
emocionais e não compreenderiam o real significado e comportamento da cultura. Essa percepção por parte
dos conservadores reflete em uma aversão a uma elite liberal cosmopolita que defenderia uma forte
participação popular nas decisões públicas.
101
Centrado na estrutural familiar patriarcal, na frequência religiosa e nos hábitos de classe média.
81

econômicos aos grupos minoritários, mas pela retirada de direitos da população branca e
cristã do país. A partir dessa ideia, estabeleceu-se, para eles, que qualquer extensão de direitos
destinada a uma parcela específica da população resultaria, como decorrência, em uma perda
de direitos de outra.
É importante compreender aqui que, como argumentou Honderich (1990), os
movimentos conservadores jamais se colocaram totalmente avessos às mudanças e
transformações, visto que, historicamente eles defenderam propostas de transformações
reformistas. Desse modo, o que marcou as manifestações conservadoras foi uma oposição a
radicalidade de determinadas transformações, principalmente, quando elas alteravam o
significado da família, rejeitavam os temas considerados por eles como fundamentais,
atacavam Deus e a Religião, afetavam sua identidade ou de suas concepções de mundo, ou
ainda, descumpriram contratos estabelecidos.
Para facilitar a compreensão dessa interpretação lançamos o exemplo da educação nas
escolas públicas estadunidenses durante as décadas de 1960 e 1970. Se, em um primeiro
momento, a década de 1960 iniciou a inserção da educação sexual e da retirada da simbologia
cristã das escolas do país, como uma solução para a necessidade de educar os jovens para as
“inevitáveis” transformações que vinham ocorrendo na sociedade e para eliminar a
segregação dos estudantes não cristãos e não brancos. Para os conservadores cristãos, as
decisões representaram um desconfortante ataque a família, pois, impossibilitava que a
educação de seus filhos fosse realizada a partir de uma visão de mundo centralizada na fé
cristã e de uma apologia à abstinência sexual, o que, consequentemente, lançou-os em
tentativas de obter o controle dos conselhos municipais de educação e outros centros
responsáveis pela a aprovação do conteúdo educacional.
Dessa forma, se a primeira hipótese partiu da reação às transformações sociais (vista
por eles como radicais), a segunda fundamentou-se sob uma ótica que percebia que as
mobilizações conservadoras se estabeleceram através de uma ofensividade, pautada em uma
retórica que visava inserir temas moralizantes no debate político estadunidense. Essa ideia
surgiu alinhada a um possível interesse na transformação dos EUA em uma teocracia, que
viria ao encontro da crença que a América e os estadunidenses seriam a terra e o povo
escolhido por Deus102. Essa crença reforçaria a necessidade do governo cumprir os desígnios

102
Sorman (2004) discutiu que para os conservadores os Estados Unidos viveriam um destino manifesto
divinamente inspirado, enquanto que para os liberais seriam frutos de resultados da história da humanidade,
ou seja, seriam resultados das violentas disputas europeias.
82

de Deus na Terra, isto é, fosse edificado sobre os alicerces de uma leitura que colocasse a
Bíblia como uma verdade inerente.
Atrelado a esse pensamento, destacou-se o fortalecimento de uma crença que, ao
mesmo tempo, defendia que o governo não deveria interferir em questões econômicas da vida
privada da população (cristalizada na rejeição aos programas de auxílio social e oposição as
tentativas legais de garantir a igualdade103) e deveria intervir quando os temas estivessem
ligados à defesa da cultura e da moral no país. A primeira ideia deriva da crença de que os
infortúnios dos pobres são consequência de seu não merecimento, o que significava que a
caridade teria lugar apenas no ambiente privado, como uma forma espontânea de
demonstração de beneficência da população mais afortunada e de suas instituições de
caridade104. Todavia, simultaneamente influenciada pela segunda ideia, o governo deveria
interceder resgatando a moralidade e o valor na sociedade, coibindo os vícios, impedindo o
aborto, rejeitando o casamento homossexual e possuindo um papel de espelho moral para a
população em geral105.
O fato é que, a postura agressiva das mobilizações conservadoras fez com que, durante
as últimas décadas106, fosse creditado aos EUA um processo de guinada à direita107 (chamada
pelos intelectuais de “uma era de conservadorismo” (CUEVAS, 1989, p.11), ao qual,
principalmente a partir da década de 1980, foi construída através de decisões simbolicamente
moralistas como a ofensiva anticomunista, a percepção da AIDS como um castigo de Deus à
forma de vida homossexual108 e a retirada, durante os anos 1980, feita pelo Wall Mart em suas
890 filiais no sul do país de revistas sobre Rock and Roll109.
Metodologicamente, para que possamos estabelecer o funcionamento dessas duas
hipóteses torna-se imprescindível compreender como ocorreram as principais mobilizações do
novo conservadorismo estadunidense. De forma que, elas devem ser relacionadas aos eventos

103
Reforçada pelo mérito individual e pelo argumento que a caridade deveria ser realizada pela população e
não pelo governo.
104
Reflexo do terceiro grande despertar que ocorreu nos EUA do final do século XIX e início do XX.
105
Vale destacar que as duas principais crises presidenciais da contemporaneidade estadunidense, o processo
de impeachment de Richard Nixon e a tentativa de impeachment de Bill Clinton, tiveram suas origens
motivadas por questões que iam muito além das ações cometidas pelos presidentes. Elas representavam o
julgamento de quais os resultados que essas ações teriam como diretrizes para a população.
106
Principalmente, as décadas de 1970, 1980, 1990 e 2000.
107
Scheuer (1999) debateu que apesar da grande maioria da população considerar-se de politicamente
centrista, a ideia de centro nos EUA pendeu para a direita.
108
Cuevas (1989) mostrou que em uma pesquisa, realizada em Los Angeles em 1986, 17% dos entrevistados
viam a doença como um castigo divino.
109
Cuevas (1989) argumentou que o Rock era visto, em reflexo aos sermões dominicais, da mesma maneira
que a pornografia sendo uma das causas que poderia levar ao adultério, ao alcoolismo, a pedofilia e a
bestialidade.
83

históricos que as construíram, o que coloca os movimentos conservadores em um papel


cíclico de criadores e criaturas de um panorama de Guerra Cultural. Isso representa que, ao
mesmo tempo em que, a ideia da validade de uma Guerra Cultural definiu-se a partir da
observação das mobilizações conservadoras que ocorriam no país. A partir da definição de
Guerra Cultural e de sua aceitação pela mídia e pelos partidos do país, muitos movimentos
foram formados, ou seja, a ideia de uma Guerra Cultural trouxe a urgência da necessidade de
batalhar temas ditos culturais, o que nos faz pensar que os movimentos conservadores
também são criaturas do cenário de Guerra Cultural.
Por esse motivo, como alternativa para entender o conservadorismo estadunidense,
procuramos, através de sua relação com os casos de batalhas culturais, aprofundar suas
origens, a pluralidade de suas ideias e as implicações de suas principais mobilizações.
Assim, para analisarmos essa relação, precisávamos encontrar uma definição que
abarcasse o termo novo conservadorismo, procurando, a partir dela, englobar uma gama de
movimentos político-sociais presentes na contemporaneidade estadunidense. Contudo, ao
buscarmos essa definição, deparamo-nos com um número extremamente variado de leituras
sobre o fenômeno (das definições mais específicas, até as mais generalistas). Partimos então
da definição proposta pelo historiador francês Guy Sorman (1983) que delimitou o novo
conservadorismo através das principais características presentes em um integrante do
movimento, descrevendo: “Um conservador americano crê em Deus, na moral, no sucesso, na
pátria e, sobretudo, na América” (SORMAN, 1983, p.21). No mesmo caminho proposto pelo
autor francês, Micklethwait e Wooldridge (2004) apontaram seis características fundamentais
do conservadorismo, sendo elas: suspeita profunda do poder do Estado, preferência pela
liberdade sobre a igualdade, patriotismo, crença nas instituições e hierarquias estabelecidas,
ceticismo sobre a ideia de progresso e elitismo.
A questão a ser enfatizada aqui é que, as características colocadas por Sorman (1983) e
por Micklethwait e Wooldridge (2004) como pertencentes a um integrante do novo
conservadorismo, se isoladas, não necessariamente seriam específicas a ele, podendo quando
analisamos determinados grupos conservadores não encontrá-las. Com isso, o cerne da
compreensão do novo conservadorismo seria percebê-lo como um movimento profundamente
heterogêneo. Fato que historicamente dificultou a análise realizada pelos principais
intelectuais que se debruçaram sobre o movimento, uma vez que, um conservador poderia
tanto ser um libertário radical, um fundamentalista religioso, ou um tradicionalista social que
via com maus olhos a fomentação do crescimento da participação política das massas pelas
elites liberais.
84

Como implicação a essa dificuldade, o novo conservadorismo estadunidense foi analisado


como um movimento reacionário às transformações culturais dos anos 1960–1970, como um
movimento apolítico110 e como um movimento em defesa da manutenção do status quo. No
entanto, essas definições atribuídas ao movimento, ainda não explicavam sua complexidade e
pluralidade, visto que, o novo conservadorismo apresentava-se historicamente como todas
essas leituras e outras tantas mais.
Como solução para que pudéssemos entender o novo conservadorismo estadunidense
tomamos como padrão a significativa leitura desenvolvida por Nash (1996). Contrariando a
maneira como os intelectuais vinham analisando o tema do novo conservadorismo
estadunidense, o autor argumentou que embora existissem variadas definições sobre o
movimento, elas eram “inadequadas e tendenciosas” (NASH, 1996, p.XIV). Para o autor,
muitas delas vinham de intelectuais pertencentes aos movimentos que defendiam a ideia de
que o conservadorismo seria algo tão natural, que não era, sobretudo, uma ideologia. Em
nossa leitura, percebemos que essa compreensão do novo conservadorismo advinda dos
intelectuais conservadores construiu-se em uma tentativa de afirmação de que o movimento
estaria alicerçado sobre valores inegavelmente pertencentes à tradição da população
estadunidense, o que elevaria o novo conservadorismo a um papel de representante e defensor
desses valores contra uma elite liberal que estaria, através do controle da vida pública,
tentando compelir suas ideias e vontades sobre a população do país.
Em um processo similar, podemos debater que muito do que foi definido como
representações dos movimentos conservadores foram classificadas a partir de uma
diferenciação feita por seus opositores, que agruparam autores e ideias antagônicas as suas
sobre o rótulo de conservadorismo. Sendo assim, como exemplo, qualquer argumento oposto
aos programas de ação afirmativa ou a retirada da simbologia cristã do espaço público,
automaticamente, era visto como conservador e reacionário.
Retomando Nash, percebemos que ele rejeitou o expediente, até então mais comum, de
definir o novo conservadorismo como um movimento de defesa do status quo, por considerar
que essa leitura não possibilitaria um real entendimento do movimento e completando que
essa defesa do status quo poderia ser realizada tanto por movimentos associados ao
pensamento de direita, quanto ao de esquerda. Ela estaria muito mais relacionada à
manutenção de diretrizes dominantes em um tipo de governo e momentos específicos, do que
se referindo as características determinantes de um movimento sociopolítico. Em outras

110
Uma vez que nas origens do novo conservadorismo encontrava-se uma profunda rejeição da política, que era
vista como o lugar de defesa do interesse de determinadas elites em detrimento da população.
85

palavras, selecionando o exemplo dado pelo autor, na antiga União Soviética a manutenção do
status quo seria a sustentação do regime socialista existente no país.
Em uma linha de argumentação semelhante, podemos citar o exemplo apresentado por
Dolbeare e Medcalf (1988), que aventaram que a nova direita estadunidense surgiu como
opositora do status quo que, durante a década de 1960, seria defender os programas de ações
afirmativas e cotas. Para eles, como os liberais estariam no controle da política e da mídia do
país, as lutas travadas pelos novos conservadores seriam contra o status quo e não em defesa
dele.
Outra tentativa comumente desenvolvida pelos intelectuais para definir o novo
conservadorismo estadunidense, e que precisa ser refutada aqui para que possamos avançar
em nossa pesquisa, vem da ideia de que o novo conservadorismo seria um movimento
antimoderno ou um movimento esquecido pela modernidade. Opostamente, como aprofundou
Lacorne (in Huret, 2008), os novos conservadores são, ao mesmo tempo, antimodernos e
ultramodernos. Sendo, por um lado, antimodernos por lutarem contra o direito ao aborto, o
casamento homossexual, a interdição das orações nas escolas e o ensino da teoria da
evolução. E ultramodernos, ao menos em suas táticas políticas, pois foram os primeiros a
utilizar os debates radiofônicos111 e os canais de televisão a cabo para propagar suas ideias,
foram pioneiros na exploração de dados demográficos e sondagens de opinião durante os
períodos eleitorais, assim como, estiveram na vanguarda das mobilizações de militantes, das
estratégias maciças de campanhas porta a porta e na utilização de malas diretas aos eleitores.
Retomando a reflexão realizada por Nash (1996), devido aos problemas encontrados para
se definir o novo conservadorismo, a única maneira de se mapear o movimento seria
agrupando-os a partir de duas orientações: os que se definiam como parte de um movimento
conservador e os que eram considerados como pertencente a eles. Esse tipo de seleção
englobaria uma variedade de autores e grupos político-sociais que em muitos momentos eram
destoante entre si112. Por causa disso, o autor optou por compreender o novo conservadorismo
a partir de seus ideais mais relevantes, ou seja, a constatação de que apesar do movimento ter
111
Segundo Martin (1996), já no ano de 1925, uma em cada dez entre as mais de 600 estações de rádios que
existiam nos EUA era propriedade ou operada por uma igreja ou uma organização religiosa. Durante as décadas
de 1920, 1930 e 1940 dezenas de pastores fundamentalistas fizeram sucesso na rádio, como os exemplos de
Charles E. Fuller (com seu programa Old Fashoned Revival Hour, transmitido simultaneamente no ano de 1939
por 152 estações), Father Coughlin (uma das principais figuras da eleição de Franklin D. Roosevelt, organizando
um lobby político com cinco milhões de membros e que anos após a eleição voltou-se contra o presidente
discursando em seu programa a favor do nazismo, acusando os judeus dos problemas econômicos do EUA e
pela guerra na Europa) e Gerald Winrod (um padre católico que fundou a Defenders of the Christian Faith e
lutou em causas contra a evolução, o comunismo, o álcool e o Social Gospel).
112
Nash (1996) argumentou que mesmo os conservadores estadunidenses não concordavam com as definições
de quem era ou não conservador.
86

se construído sobre uma pluralidade de correntes, isso não impedia que elas pudessem ser
mapeadas. Assim, o autor caracterizou o movimento a partir de três grandes correntes: o
libertarianismo (liberalismo radical), o tradicionalismo (dentre eles o neoconservadorismo) e a
direita religiosa (marcada por um forte anticomunismo)113.
Obviamente, por se tratar da dominação de ideias sobre movimentos sociopolíticos, as
distinções e semelhanças entre os grupos conservadores geralmente apareceriam pulverizadas
no interior da especificidade de cada movimento, podendo, por esse motivo, movimentos
serem agrupados como pertencente à direita religiosa estadunidense discordavam sobre
determinados temas114.
A questão a ser aprofundada aqui é que, durante as últimas décadas, em razão da
pluralidade de ideias presentes nos movimentos do novo conservadorismo e de um constante
rodizio entre as principais correntes desse pensamento próximas ao poder, ocorreu uma
constante manutenção da extensão do movimento sobre a política estadunidense. Portanto, em
determinados momentos, alguns dos grupos pertencentes ao movimento ampliaram a
visibilidade de suas ideias e a sua participação no debate político ao mobilizarem-se em
defesa de um liberalismo radical, ao se colocarem como defensores da população contra o que
eles consideram “abusos da centralização do poder do Estado Federal”, ao defenderem o
direito a posse de armas e ao se posicionarem contrariamente ao crescimento do Estado de
Bem-estar social.
Esse tipo de movimento de ideias pode ser facilmente visto na evolução recente dos EUA,
destacando-se em episódios que vão da campanha presidencial de Barry Goldwater em 1964,
passando pelas críticas aos programas de assistência governamental durante a década de 1980,
pelas recentes manifestações realizadas pelo Tea Party em oposição ao projeto de reforma de
saúde proposto pela administração Barack H. Obama e, até mesmo, atingindo a recente gafe
política do candidato derrotado do Partido Republicano à presidência Mitt Romney sobre a
dependência da população aos programas de ajuda governamental115.
Se em determinados momentos o liberalismo radical desempenhou um papel relevante na
política estadunidense, em outros, se fortaleceram os ideais de movimentos da direita religiosa

113
Nash (1996) apontou que no final do segundo mandato de Ronald Reagan a direita estadunidense havia
encompassado cinco grandes impulsos libertarianismo, tradicionalismo, anticomunismo, neoconservadorismo
e a direita religiosa e que o conservadorismo derivaria da incorporação de todos esses impulsos
simultaneamente.
114
Zwier (1982).
115
Em um vídeo gravado secretamente e publicado no site da revista de esquerda Mother Jones
<http://www.motherjones.com/politics/2012/09/secret-video-romney-private-fundraiser> o candidato
republicano fala que 47% da população votaria, de qualquer maneira, em Obama por se considerarem vítimas
do sistema e dependerem excessivamente dos auxílios do governo.
87

(foco central de nosso trabalho), como os exemplos da Moral Majority (que teve grande
destaque na política durante a década de 1980) e a Christian Coalition (um dos principais
movimentos que participaram da tentativa de impeachment de Bill Clinton na década de 1990
e da eleição de George W. Bush).
Esses movimentos, compartilharam suas origens no ressurgimento da participação política
de setores conservadores religiosos fundamentalistas e nas lutas contra as transformações
culturais e contra o enfraquecimento da influência da religião na sociedade. Sendo peça chave
nos episódios da Guerra Cultural, visto que, desde seu retorno à participação política durante
a década de 1970, vieram travando batalhas em torno de temas relacionados à cultura.
Da mesma forma, além desses, em outros momentos, ampliou-se a influência das ideias de
setores tradicionalistas, como no caso do apogeu dos neoconservadores nas administrações de
Ronald Reagan (1981-1989), George Bush (1989-1993) e George W. Bush (2001-2008), e
suas propostas de guerras preventivas, leituras sobre a imigração focadas em uma política de
controle de fronteiras, esforços de assimilação dos imigrantes legais 116 e luta pela moralidade
e defesa de uma cultura estadunidense canônica na educação117.
Em nossa leitura, percebemos que apesar desses movimentos integrarem o que foi
definido como novo conservadorismo, suas plataformas são relativamente distintas, o que fez
com que, em determinados momentos, eles se antagonizassem na disputa pela hegemonia
política no país. É importante compreender que a agenda do novo conservadorismo foi
construída de maneira semelhante à adotada pelos movimentos da esquerda liberal dos anos
1960, de maneira que, os conservadores também se estruturaram a partir de movimentos
fragmentados, dotados de interesses diversos e com a capacidade de mobilizar uma grande
quantidade de pessoas a partir de um interesse comum.
Por conseguinte, de maneira semelhante aos movimentos liberais, o novo
conservadorismo obteve avanços e retrocessos resultantes desse tipo de organização 118. O que
denota, portanto, que apesar da pluralidade de suas ideias ter possibilitado uma constante
permanência dos setores conservadores no centro das decisões políticas do país, ela
impossibilitou a construção de um projeto político uníssono sob a bandeira do novo
conservadorismo, o que colocou o sucesso desses movimentos nos EUA, durante os últimos

116
Como nos exemplos de Linda Chavez e John Fonte.
117
Como o exemplo de Alan Bloom (1989).
118
É importante destacar que a mobilização da nova esquerda estadunidense rapidamente serviu de exemplo
para a nova direita estadunidense. Segundo Shogan (2002), citando a fala de Ralph Reed, a nova direita cristã
via-se como uma imagem de espelho da New Left, seu papel era o de arregimentar uma nova geração
conservadora, muito agressiva e criativa.
88

quarenta anos, mais ligada a suas rupturas que constantemente renovaram o discurso
conservador com a ascensão de novos grupos e ideias, do que por sua capacidade de obter
diálogo entre seus movimentos119.
Para além das tentativas de definição do novo conservadorismo pelos intelectuais, o
movimento possuiu um papel significativo no país, pois, possibilitou a entrada de uma grande
parcela da população na vida política estadunidense. Antes da mobilização conservadora esse
grupo era desinteressado pela participação política por ter desprezo e rancor por ela, vendo-a
como um lugar “degenerado120”, ou ainda: “Convencidos de que o sistema político era
corrupto, os novos direitistas desconfiavam e ressentiam-se dos que tinham escolhido
trabalhar com ele...”. (CRAWFORD, 1980, p.112).
Por esse razão, o grande projeto político do novo conservadorismo foi atrair setores que
rejeitavam a atividade política, através de uma percepção de que não era ela que deveria ser
desprezada e sim a classe política que deveria ser transformada. Esse pensamento arrastou
uma gama de novos atores para o centro da mobilização política, portanto, a partir de uma
ideia de que seria papel do bom cristão e do homem de bem agir politicamente em prol de
defender os “interesses” da sociedade, eles conseguiram fazer o movimento avolumar-se.
Consideramos, também, importante destacar que as mobilizações do novo
conservadorismo construíram-se a partir de setores descontentes com as lideranças políticas
do país e descontentes com a possível direção que a sociedade estaria tomando, por causa
disso, os argumentos conservadores colocaram-se como oriundos dos legítimos americanos
médios, que na visão do movimento vinham sendo constantemente alijados de seus direitos
pela influência que uma elite liberal cosmopolita exercia sobre a população.
Esses atores inspiraram-se no sentimento de perda de espaço de suas crenças e de seu
modo de vida na sociedade e motivaram-se a agir como resposta as transformações que
povoaram o debate político a partir da década de 1960. Betz (2008) explicou em seu livro que
após os anos 1960, as pessoas religiosas passaram a ter um sentimento de que a cultura e a
sociedade americana sofriam de uma “decadência moral” sem precedente que ameaçava os
fundamentos da sociedade.

119
Inúmeros são os casos envolvendo a ruptura entre grupos conservadores na política estadunidense, entre
eles destacamos as críticas feitas por Barry Goldwater à Direita Cristã e o afastamento da Direita Cristã do
governo Reagan.
120
Durante a década de 1960, quando se iniciaram a participação de setores religiosos liberais nos
movimentos, levantou-se a crítica de setores conservadores das religiões que consideravam que a política não
era lugar para um bom cristão.
89

Entretanto, não foi apenas no medo das transformações sociais que estabeleceu a
centralidade das mobilizações conservadoras. Muito maior que o pavor das mudanças, era a
preocupação com o crescimento da desordem que se ampliava a cada nova manifestação nos
campi universitários e lhes transmitia um horrível sentimento de que a sociedade estava em
descontrole. Dessa forma, apesar da clara relação de causa e efeito existente entre o novo
conservadorismo e os movimentos dos anos 1960, não podemos simplificar que a ascensão do
alcance dos setores conservadores na sociedade foi um resultado exclusivo de uma resposta a
esses movimentos. É preciso compreender uma série de fatores que colaboraram com a sua
ascensão na política estadunidense, como os exemplos: da campanha presidencial de Barry
Goldwater121, do crescimento da audiência de pregadores religiosos na TV e no rádio, da crise
que atingiu o ideário liberal, do enfraquecimento e radicalização da esquerda no país e da
crise econômica da década de 1970 (que desmoronou o sentimento comunitário e motivou o
fortalecimento do individualismo e da luta ferrenha dos jovens pela inserção no mercado de
trabalho).
A característica marcante desse período foi uma rápida transformação da sociedade
estadunidense, que passou em pouco mais de uma década, de uma empolgada valorização da
esquerda, para uma explosão conservadora. Mas o que explica mudanças tão radicais de uma
geração para outra nos Estados Unidos?
Como argumentou Miguel (1978), a história recente dos EUA foi caracterizada por
transformações radicais entre as gerações, que alternaram, em períodos relativamente curtos
de tempo (uma diferença de aproximadamente uma década), tendências de maior radicalismo
e de maior conservadorismo. Como resultado dessas constantes rupturas entre gerações,
destacamos os exemplos da enorme diferenciação entre as gerações de 1950, 1960 e 1970. A
geração da década de 1950 foi fortemente influenciada pelo “sonho americano”, pela
mudança para o subúrbio, pela massificação da ascensão para a classe média, pelo abandono
das mulheres do mercado de trabalho e reclusão na vida familiar 122, pelo consumismo
excessivo e pelo Macarthismo. Já a geração sucessora a ela, a da década de 1960, foi
influenciada pelos temas e estilos juvenis, pelos protestos estudantis, pelos movimentos pelos

121
Apesar de derrotado nas eleições presidenciais de 1964 a campanha do senador republicano demonstrou
que era possível mobilizar setores conservadores da sociedade.
122
As mulheres que na década anterior foram motivadas a entrar no mercado de trabalho, devido à
participação do país na Segunda Guerra Mundial, passaram a ser influenciadas a retornar aos cuidados
familiares. O período é marcante pela construção da imagem de uma mulher não produtiva para o mercado de
trabalho, preocupada unicamente em manter-se bonita para o marido (a moda começa a ganhar força no
período com o lançamento de produtos como o salto agulha e a criação da boneca Barbie em 1958) e cuidar da
família.
90

direitos civis, pela libertação sexual e pela apologia à liberdade (temáticas que foram
motivadas pelo fato dos jovens constituírem uma classe social quase que separada do restante
da população). Assim como, logo em seguida, a geração dos anos de 1970 despontou com seu
forte apego à luta competitiva pelo mercado de trabalho, com sua desconfiança na política e
nos Estados Unidos123, com o crescimento do conservadorismo religioso e com afastamento
dos jovens da política.
Para que possamos aprofundar a questão das mudanças geracionais na sociedade
estadunidense, esclareceremos algumas diferenças presentes entre a ideia de mudanças
geracionais e a persistente disputa existente entre o espírito da liberdade 124 e o espírito da
religiosidade na sociedade estadunidense, para isso, abrimos um pequeno parêntese com o
intuito de retomar a leitura realizada por Alex Tocqueville (1986), e que foi profundamente
discutida pelos intelectuais, sobre a relação entre política e religião nos EUA. Segundo o
intelectual francês, nos Estados Unidos a religião jamais se misturaria diretamente com o
governo da sociedade, porém, ela seria sua primeira instituição política, tendo relação direta
com o uso da liberdade. Como consequência, os Estados Unidos seriam o único país, ao qual,
o espírito da religiosidade e o espírito da liberdade viveriam em harmonia.
Discutindo a partir da leitura de Tocqueville, a cientista política Frodevaux-Meterrie
(2009) observou que, na relação existente entre religião e política nos EUA, essas duas forças
coexistiram desde as origens da nação, todavia, o espírito da religiosidade e o espírito da
laicidade (derivado do espírito da liberdade) seguiriam através da história estadunidense
influenciando as mentes da população através de uma relação de forças conflituosas e não
harmônicas como argumentou Tocqueville, ou segundo a autora:
...um movimento de fluxo e refluxo, que jamais se traduziu por uma
dominação absoluta de um sobre o outro, mas que viu alternar os períodos
onde o espírito da religião prevaleceu nas mentes e períodos em que o
espírito da laicidade que se impôs de fato. (FROIDEVAUX-METERRIE,
2009, p.5).

A partir dessa leitura, podemos argumentar que a presença da conflituosa disputa entre o
espírito da religião e o espírito da laicidade, ou para aproximar a ideia da discussão de Guerra
Cultural proposta por Hunter (1991), a disputa entre os que defendem uma autoridade moral
progressista (que representaria o espírito da laicidade) contra os que defendem uma
autoridade moral transcendente ou ortodoxa (que representaria o espírito da religiosidade) tem
um papel significativo na rápida alternância de gerações da sociedade estadunidense. No

123
Motivada respectivamente pelo escândalo Watergate e pela derrota na guerra do Vietnã.
124
Ou o espírito da laicidade.
91

entanto, perceber sua extensão no campo das ideias não significa definir que existiu um
revezamento político entre governos liberais e conservadores nos EUA. Nem mesmo significa
definir que, as mesmas ideias liberais e conservadoras vêm se alternando na política do país,
visto que, o seu debate político está, a todo o momento, sendo reconstruído e reinventado, o
que nos faz perceber que os conservadores da atualidade, pouco tem em comum com os
conservadores do passado.
O fato é que a alternância de gerações propostas por Miguel (1976) foi sendo substituída a
partir do governo Reagan, culminando no que Micklethwait e Wooldridge (2004)
denominaram como “a nação 50%/50%” e Himmelfarb (2001) chamou de “uma nação com
duas culturas”, ou ainda, o que para Betz (2008) era uma “nação dividida”. Ela configurou-se
em um impasse de ideias entre as elites políticas em torno de vertentes conservadoras e
liberais, que se intensificou com um virtual desinteresse dos americanos médios pelas
discussões políticas. Esse impasse foi o que acabou ganhando força para os intelectuais e para
os jornais como Guerra Cultural.
A perspectiva de rupturas entre a ideia de espirito da laicidade e da religião somente é
válida na sociedade estadunidense devido ao grande alcance que a religião teve no país, por
isso, destacamos a importância de compreendermos as influências religiosas presentes no
país.

2.2. Religião e espetáculo na política estadunidense.

Prefiro ver pagãos rindo de mim do que meus


filhos rindo da Bíblia. Inherit the Wind (1999).

A religião nos Estados Unidos vem sendo foco de estudos pelos principais historiadores,
sociólogos e cientistas políticos que pesquisaram o país, sendo percebida como significativa
para a constituição política e para formação da coesão social em análises que vão de
Tocqueville (1986) e prolongam-se até pesquisadores mais recentes como Reichley (1985),
Zwier (1982), Crawford (1980), Phillips (2006), entre outros. Por causa disso, nossa discussão
sobre polarização política e sobre o novo conservadorismo estadunidense passou pela releitura
de algumas características presentes nesse debate.
O destaque dado nessa passagem para a religião é imprescindível para que possamos
analisar como os Estados Unidos tornaram-se a nação ocidental com a relação mais radical
com a religião: “Nenhuma outra nação ocidental contemporânea compartilhou essa
92

intensidade religiosa e essa concomitante proclamação que os Americanos são pessoas e uma
nação escolhida por Deus”. (PHILLIPS, 2006, p.100).
Essa intensidade presente na relação com a religião explica os motivos pelo qual,
enquanto a maioria dos países ocidentais passou por um processo de arrefecimento da
importância da religião na vida cotidiana de sua população, como resultado do processo de
modernização e desencantamento, nos EUA ocorreram recentes ampliações da visibilidade e
capacidade de ingerência de grupos religiosos na sociedade e política do país (principalmente
através do crescimento de seitas evangélicas/fundamentalistas). A expansão da audiência
religiosa nos Estados Unidos foi explicada pelo sociólogo da religião Johnson (in Blasi (org.),
2007) como resultado das estratégias deliberadamente utilizadas por diferentes líderes
religiosos para atrair seu público em um ambiente pluralista cujo a população possuía uma
grande variedade de necessidades e preferencias.
Assim, apesar dos esforços históricos para se estabelecer um muro que separasse a
religião do Estado125, o que foi permeado pela retirada da temática religiosa dos principais
documentos públicos do país126 e pela constante fiscalização governamental sobre a inserção
de grupos religiosos na vida pública, a religião sempre teve um papel determinante nas
relações sociais e políticas do país, inspirando e influenciando, a partir de doutrinas e
manifestações religiosas, a origem de grande parte das ideias e dos principais movimentos
sociopolíticos do país, tanto os de cunho conservadores como os progressistas.
A leitura realizada por Marsden (in Cromartie, 1993) traz que a dimensão da religião no
país pode ser analisada de duas formas distintas, sendo vista como causadora de rivalidades,
ou como responsável por trazer princípios morais. Seguindo a segunda corrente, Silva (2008)
discorreu sobre o papel da religião na sociedade estadunidense, pontuando que parece ter
havido um consenso entre os líderes do país de que uma das mais eficientes formas de evitar a
possibilidade de anarquia, em uma sociedade com grande liberdade política, seria incutir o
autocontrole em cada cidadão por meio de fortes convicções morais. Logo, a partir dessa
leitura, a religião na sociedade estadunidense teria como característica central regular a
sociedade, estabelecendo limites morais que indicassem o que era certo ou errado, comedido
ou exagerado.

125
O que é contestado por alguns conservadores religiosos que apontam que em nenhum dos principais
documentos do país, como a Constituição, a Bill of Rights e a Declaração da Independência consta um trecho
dizendo claramente que o Estado e a Religião deveriam ser separados.
126
Como exemplo, partimos da leitura de Froidevaux-Metterie (2009) que argumentou que todos os
participantes da Convenção da Filadélfia eram sinceramente religiosos, a maioria membro de congregações
tradicionais como a Igreja Anglicana, todavia, apenas alguns seriam religiosos ortodoxos.
93

Por esse motivo, compreender o novo conservadorismo estadunidense passa pela


necessidade de se compreender o andamento da religião no país, principalmente, seu papel a
partir do século XVIII127 até o século XX128. Afinal, grande parte dos movimentos de cunho
conservador, principalmente a partir da década de 1970, originou-se a partir de argumentos e
de setores relacionados a essa religiosidade fundamentalista, o que, fez com que, em
determinados casos, a retórica conservadora transfere a uma autoridade moral superior a
procedência de seus argumentos, instituindo uma lógica dogmática que, devido a sua
inflexibilidade, desenvolveu uma não aceitação radical das transformações da sociedade.
Aqui, consideramos indispensável estabelecer uma distinção entre as possíveis leituras
acerca do fundamentalismo, estabelecendo um aprofundamento sobre o sentido utilizado do
termo pela nossa pesquisa, afastando-o assim de sua leitura mais corriqueira. Para isso,
apoiamos nossa discussão na definição do conceito de fundamentalismo cristão proposta por
Phillips (2006), ao qual, definiu que o fundamentalismo cristão versou-se em reagir
negativamente à ciência e agir de maneira militante, opondo-se a qualquer leitura da bíblia
que não fosse a literal129.
Vale lembrar que originalmente, o termo fundamentalismo associava-se a um setor do
protestantismo estadunidense responsável pela publicação do livro The Fundamentals130e
compreendia a defesa de cinco fundamentos: a divindade de Cristo, o fato dele ter sido
crucificado por nós, a centralidade da importância de se voltar para as escrituras (palavra de
Deus), a virgindade da mãe de Cristo e, por fim, a volta e ressurreição de Jesus.
Existe uma nítida diferença entre essa proposta original e o emprego que o termo ganhou
na atualidade. O fato é que o termo fundamentalismo vem sendo, em muitos momentos,
associado a militantes extremistas que obrigariam outras pessoas a abraçar seu caminho.
Dessa forma, o conceito original de fundamentalismo apenas representaria uma escolha
pessoal de compreensão da realidade, pautada na aceitação de verdades dogmáticas e por uma
busca pela conversão de outras pessoas, não um movimento destrutivo e intolerante que
buscaria a eliminação das diferenças.
Temos também que ter a clareza de que, apesar dos movimentos fundamentalistas cristãos
e dos movimentos evangélicos terem uma relação de proximidade, eles apresentam diferenças

127
Com o crescimento dos movimentos evangélicos.
128
Com as constantes expansões e reclusões do fundamentalismo e com a ampliação do processos de
espetacularização e inserção de tecnologias e técnicas de comunicação na religião responsáveis por novos
ciclos de crescimento de sua influência na sociedade.
129
Somado a defesa de que a religião devia ser levada a sério.
130
Livro publicado em 1910 por um grupo de teólogos protestantes do Seminário Teológico de Princeton era
uma resposta a crescente transformação e modernização dos cultos.
94

substanciais131, que podem ser definidas por: “Todos os fundamentalistas são evangélicos,
mas nem todos evangélicos são fundamentalistas”. (REICHLEY, 1985, p.312).
Esse ponto é determinante para a compreensão do novo conservadorismo estadunidense,
pois, a diferenciação entre evangélicos e fundamentalistas nos ajuda a compreender a
extensão das correntes de ideias liberais e conservadoras na religiosidade estadunidense.
Desse modo, a partir da definição proposta por Reichley (1985) temos os evangélicos como
um tipo de cristão descendente dos movimentos pietistas132 que ocorreram durante a reforma,
tendo suas principais características ajustadas em um caminho para o grande despertar, a
partir da ênfase na vivência direta pela relação individual com o Espírito Santo (Born Again),
tendo a Bíblia como infalível fonte de religião e de autoridade moral. Já o fundamentalismo
cristão seria a radicalização dogmática e idealista das características do evangelismo.
As origens do evangelismo datam do Primeiro Grande Despertar (Great Awakening) que
ocorreu da década de 1730133 até 1741. A partir do fenômeno, ocorreram mudanças
significativas no enfoque da religião nos EUA, como a valorização da santidade individual, a
ideia da possibilidade de regeneração e uma grande onda de conversões. Para Froidevaux-
Metterie (2009), o Primeiro Grande Despertar causou o rompimento com a concepção sectária
e rigorosa do puritanismo, levando a religião para uma dimensão pessoal e emocional, sendo,
por esse motivo, o momento de passagem de uma forma de religiosidade para outra. Como
resultado do movimento, as novas lideranças religiosas passaram a ser menos elitistas e
aproximaram-se mais da população, o que enfraqueceu as ideias de teocracia e da construção
de uma “Cidade de Deus” nos moldes puritanos.
Segundo Lacorne (2007), em termos teológicos, o Primeiro Grande Despertar notabilizou-
se por duas bases: uma primeira que dizia que qualquer homem possuía um senso espiritual
mais aguçado que qualquer filósofo ou chefe de Estado, ou seja, o movimento transferia para
a experiência pessoal, através de uma relação direta com Deus, as questões relacionadas com

131
Essa confusão entre o termo fundamentalistas e evangélicos surgiu após o pós segunda guerra, período em
que o protestantismo fundamentalista passou a ser associado aos movimentos mais conservadores e
anticomunistas da sociedade, o que fez com que muitos pastores de origem fundamentalistas passarem a
utilizar o termo evangélico no lugar de fundamentalista.
132
Movimento iniciado no século XVII como resposta a ortodoxia luterana com relação à busca por uma
dimensão pessoal da religião.
133
As datas da origem do primeiro Grande Despertar destoam de acordo com os intelectuais que analisaram a
religião nos EUA, um possível resultado das distinções iniciais do movimento, de maneira que, alguns
intelectuais como Froidevaux-Metterie (2009) argumentaram que o movimento iniciou-se em torno de 1739 a
partir dos sermões do pastor Anglicano George Whitefield, outros, como Lacorne (2007, p.69) dataram o início
do movimento em 1734 na cidade de Northampton na Nova Inglaterra a partir de Jonatham Ewards, e outros,
como Silva (2009) atribuíram as origens ao pastor irlandês Willian Tennent e aos imigrantes alemães de áreas
rurais que agradeciam por terem encontrado abundancia na América.
95

a fé. Já a segunda apontava que o evangélico deveria ser combativo contra as forças de Satã, o
que reforçava o caráter de conversão do movimento. Nesse sentido, Corbett (1990) externou
que as bases do movimento apoiavam-se na ideia de que as pessoas estariam perdidas no
pecado e sem esperanças de salvação e somente seriam salvas pela fé e aceitação à Cristo.
Outros avanços trazidos pelo fenômeno são apontados por Silva (2009) que argumentou
que socialmente o Primeiro Grande Despertar apontou para uma explosão de novas
congregações, para a inclusão de escravos entre o público religioso 134, para tendências de
minimização do clero e para pouco respeito às fronteiras paroquiais. Acrescentando também
que, a Revolução Americana desenvolveu-se como um resultado do casamento entre o
radicalismo das elites americanas afetadas pelo iluminismo e pelo espírito do Primeiro Grande
Despertar sobre as massas.
Algumas décadas após o Primeiro Grande Despertar, entre os anos de 1795 e 1810, outro
movimento de caráter sócioreligioso ganhou força na América e acabou sendo conhecido
como Segundo Grande Despertar. Entre os seus principais resultados despontou um poderoso
movimento de evangelização e um crescimento sem precedentes da audiência religiosa no
país135. Corbett (1990) afirmou que o movimento pautava-se em um enfoque emocional, que
se avolumava acompanhado de conversões em massa, de grandes caravanas, da formação de
acampamentos de evangelização e de manifestações físicas do contato com Deus (como
vocalizações inteligíveis e desmaios). O fenômeno foi fundamental para a estruturação do
evangelismo nos EUA, uma vez que, de acordo com a leitura de Froidevaux-Metterie (2009),
entre os anos de 1776 e 1850, a taxa de filiação religiosa passou de 17 para 34% e o número
de pastores tornou-se cinquenta vezes maior.
Em um sentido teológico, o Segundo Grande Despertar foi mais otimista que o anterior e
possuiu como características principais: a percepção da incapacidade do pecador de salvar a
si, a defesa da soberania absoluta de Deus, a crença na “livre graça” que acreditava na ideia
que Deus deu liberdade para os Homens aceitarem ou não sua graça, a afirmação da
possibilidade de qualquer pessoa encontrar o caminho de Deus, a obrigatoriedade dos cristãos
procurarem a perfeição e o surgimento de crenças de caráter milenaristas136 centradas no
triunfo das ideias cristãs e da evangelização.

134
Segundo Lins da Silva(2009) George Whitefield foi um dos primeiros pastores a aceitar escravos em sua
audiência.
135
Através da influência do fenômeno, entre 1829a 1832 mais de um milhão de exemplares da Bíblia foram
impressos e vendidos na América.
136
Froidevaux-Metterie (2009) explanou que, entre 1800 e 1830, ocorreu uma forte campanha exortando os
cristãos a reconstruir o país para fazer um “império da virtude” que possibilitasse o retorno de cristo dentro de
mil anos.
96

Além dessas características, sob a influência do Segundo Grande Despertar ocorreu o


crescimento de movimentos com fortes ambições sociais, como: as sociedades voluntárias
contra a escravidão, em prol da educação, em defesa dos direitos das mulheres, pela ajuda aos
pobres, pela reforma das prisões e dos hospitais. Todavia, foi nas características da religião
estadunidense que o Segundo Grande Despertar teve um papel fundamental, por significar o
momento de adaptação do evangelismo no contexto americano, tornando-o um misto de
teologia superexigente somado a uma ética social aberta:
De um ponto de vista geográfico, as igrejas evangélicas estavam
anormalmente presentes sobre todo o território, no Sul profundo como nos
confins da fronteira. De um ponto de vista sociológico, seu ativismo social
combinado com a valorização do esforço individual os colocou em
conformidade com a dinâmica nacional de expansão socioeconômica. De um
ponto de vista cultural, enfim, esse novo despertar juntou-se ao ethos
americano e, portanto, a uma mensagem de responsabilidade pessoal frente a
Deus. Porque ele abandonou a concepção de graça divina em benefício de
uma concepção derivada da escolha assumida publicamente, da
autodisciplina e da vida em Deus, a ética evangélica ressoa com o
liberalismo individualista e o antiautoritário que caracteriza a vida política
americana. Por outro lado, o interesse de uma procura pelo bem estar
coletivo que se exprimiu nas associações voluntárias se aproximou da
perspectiva democrática do bem comum. (FROIDEVAUX-METTERIE,
2009, p.50-51).

Dessa forma, o Segundo Grande Despertar estabeleceu as bases para o crescimento dos
movimentos de evangelização, de maneira que, pela abordagem de Silva (2009), ele baseava-
se em pregações individuais que percorriam o país levando a palavra de Deus para os
explorados e as famílias da região oeste, estabelecendo uma congruência entre as ideias
progressistas e moralizantes na sociedade, pois, ao mesmo tempo, suportava teses
progressistas e estabelecia uma revitalização de um moralismo que proibia os jogos, o
consumo de álcool, as danças, entre outros.
Já o Terceiro Grande Despertar ocorreu como uma resposta a crescente urbanização que
ocorria nos EUA durante os anos de 1870 a 1930, ao qual, se ampliou a porcentagem de
americanos que viviam nas grandes cidades de 26% para 56%. Somado a isso, ocorreu a
ampliação da industrialização, o aumento da atividade comercial, os avanços da ciência e o
crescimento de uma cultura profana137, o que fez com que se iniciasse uma ofensiva
protestante que fazia com que os evangélicos se colocassem como defensores do
comportamento americano138.

137
Percebida pelos estadunidenses devido à crescente imigração.
138
Froidevaux-Metterie (2009).
97

As características centrais do fenômeno pautavam-se na tentativa de reativar o sentimento


religioso e revitalizar a religião em seu próprio interior (enquadrando-a na modernidade
econômica e social que o país vivenciava). O pastor pioneiro do Terceiro Grande Despertar
foi Dwight Lyman Moody, que popularizou um novo tipo de prece que focava-se no
espetáculo, sendo, dessa forma, repletas de hinos cantados e influenciada pela formula dos
três R (a ruína pelo pecado, a redenção por Cristo e a regeneração pelo espírito santo).
A revolução proposta por Moody modificou a estrutura das Igrejas, pensando-as como
empresas comerciais, portanto, elas passaram a adotar metodologias de conversão em massa
que utilizavam publicidades em jornais locais, ajudas para o transporte dos fiéis que moravam
na zona rural e destinava lugares especiais para que a imprensa pudesse registrar os sermões.
Somada a isso, técnicas de marketing eram usadas na conversão de um número cada vez
maior de fiéis, assim como, ocorriam estratégias de conversão a partir de pastores itinerante
que levavam essa nova ideia de igreja como um espetáculo139 para as comunidades
distantes140.
Após descrevermos as características dos despertares religiosos, podemos estabelecer as
bases para a compreensão da influência do fundamentalismo sobre a formação da retórica do
novo conservadorismo estadunidense, para isso, tomamos como ponto de partida o
mapeamento das tendências religiosas que se fortaleceram durante o começo do século XX. A
primeira constatação a ser discutida aqui se centra em resumir quais foram os avanços
trazidos durante o período para a religião nos EUA. Segundo Phillips (2006), a religião nos
EUA focou-se na perseguição individual da salvação através do renascimento espiritual (Born
Agains) e em crenças milenaristas que acreditavam no final dos tempos e na espera pelo
retorno de Cristo. Essas crenças apoiaram-se em movimentos de grande despertar,
emocionalismos, excentricidades (como tremores, agitações e falar línguas), caracterização da
bíblia como inerente, e nas invocações “ao pé da letra” de profecias duvidosas do livro das
revelações. Em termos litúrgicos, a religião estadunidense apoiou-se em cultos visualmente

139
A importância de se destacar essa transformação dos cultos religiosos em grandes espetáculos tem um
papel fundamental para a compreensão do processo de modernização das religiões nos EUA. Ela representa
uma revolução estética que foi capaz de ampliar a capacidade de atração dos movimentos religiosos nos EUA.
Também, é importante perceber que apesar da crença dos EUA como um país com intensa liberdade religiosa,
antes dos movimentos de Grande Despertar o país vivia uma relação extremamente rígida com a religião, que
era repleta de episódios como a caça às bruxas em Salém 1692. Essa rigidez religiosa era tão intensa que
Sablosky (1996) descreveu a dificuldade de se inserir escolas de cantos em 1710, visto que, a tradição inglesa
de cantar em voz alta havia sido deturpada pelo pouco conhecimento musical da população e a sua constante
rejeição em apreender as melodias das músicas, o que transformava os cultos e as leituras dos salmos em uma
grande confusão, ao qual, cada pessoa cantava os hinos da maneira como achava melhor.
140
Sobre esse predomínio despontaram as grandes lideranças religiosas do século XX estadunidense como Billy
Graham e Pat Robertson.
98

especulares, marcados por um enfoque mercantil da religião, pelo surgimento de pastores que
mais pareciam estrelas do show bis e por um inovador uso dos meios de comunicação como
ferramentas para propagar a fé.
Logicamente essa modernização da religião aprofundou os processos de comercialização
da fé transformou os cultos em grandes tendas de vendas que, associadas à forte imagem dos
pregadores, vendiam produtos que garantiriam a salvação da alma e rendiam uma volumosa
quantidade de dólares. Messadié (1989) citou um dos grandes casos de transformação da
religião em espetáculo nos EUA, ao tratar do exemplo do pequeno pastor de quatro anos de
idade Little Marjoe que em 1949 afirmou ter recebido instruções de Deus para que pregasse e
administrou o sacramento do casamento, tornando-se um jovem pregador.
Marjoe atraia em seus shows milhões de seguidores e seguindo a tradição evangélica do
período, fez com que aleijados voltassem a andar, surdos ouvissem e mudos falassem, além
de, gravar discos e tocar “outros empreendimentos comerciais derivados da manifestação do
Senhor a sua pequena maravilha oxigenada” (MESSADIÉ, 1989, p. 218-219). Suas pregações
duraram anos e tiveram um público inabalável, até que, nos anos 1960, ele abandonou (aos
quinze anos) os shows religiosos para viver com uma amante mais velha, processou os pais
por desvio de dinheiro de menor e, ao completar 27 anos, contou a verdade sobre o princípio
de suas pregações, dizendo ter sido treinado e instruído pela mãe para dizer ter conversado
com Deus, explicando também que quando não recitava bem os hinos e salmos sua mãe lhe
enfiava a cabeça na água fria ou o asfixiava um pouco com o travesseiro141.
Ao mesmo tempo, sem perder essas características comerciais e espetaculares, um lado
radical da religião estadunidense abraçou o antimodernismo cultural, as guerras visionárias, as
profecias sobre o fim do mundo, e no caso dos fundamentalistas conservadores uma demanda
para que governos adotassem uma interpretação literal da bíblia.
Para a formação desse cenário, segundo a leitura realizada por Reichley (1985), duas
forças antagonistas afetaram o protestantismo nos EUA a partir do final do século XIX e
início do século XX, o milenarismo e o liberalismo religioso.
O milenarismo acompanhava as tendências proféticas e apocalípticas presentes na religião
estadunidense e pautava-se na ideia de milênio. De acordo com Barkun (2003) a origem
contextual e etnológica da ideia de milênio vem de uma passagem do livro da revelação no
novo testamento que afirma que os salvos irão reinar com Cristo por mil anos até o dia do
último julgamento. Essa crença no retorno de Jesus à Terra e na instituição de mil anos de paz

141
Sua biografia foi contada no documentário Marjoe (1972), que desmascarava as práticas de arrecadação dos
pastores evangélico.
99

até a chegada do final dos tempos e do juízo final acabou dividindo-se em duas variantes que
discordavam sobre o momento que ocorreria o milênio, ao quais, os pré-milenaristas
interpretavam que Jesus viria a Terra e após sua chegada ocorreriam mil anos de paz e os pós-
milenaristas que acreditavam que era necessário que a humanidade se esforçasse para eliminar
seus demônios sociais possibilitando mil anos de paz que assegurasse o retorno de Jesus e
consequentemente o julgamento final.
Na esteira milenarista, o pós-milenarismo se inspirou na busca por uma perfeição moral e
por um encorajamento da ação social. O movimento compreendia a necessidade de criar as
condições para o retorno de Cristo, agindo, por essa causa, a partir de tentativas de reformar a
sociedade. É importante destacar que, apesar do movimento ter lutado contra o ensino da
teoria da evolução, em associação com os movimentos pré-milenaristas, ele não considerava o
mundo secular como algo relevante, espiritual ou moralmente.
No outro lado da religião americana estava o liberalismo ou modernismo religioso (com
nascimento no final do século XIX na Alemanha). O movimento adaptou-se com grande força
no nordeste estadunidense, trazendo consigo a proposta de acomodar a religião à
modernidade, defendendo que a humanidade havia mudado desde o surgimento do
cristianismo, de maneira que, as mensagens e credos da Bíblia eram incompreensíveis para o
homem moderno.
Como solução para isso, as crenças religiosas deveriam passar pelos testes da razão e da
experiência, rejeitando a ideia de autoridade absoluta, o que significava que a beleza divina se
revelaria na verdade racional, na beleza artística, na moral e na bondade 142. Golding (2006)
debateu que um dos pontos centrais da influência dos modernistas sobre a religião estava na
adequação da teoria da evolução ao plano divino, o que caracterizaria a interferência divina na
variação das espécies. Entretanto, o autor discorre que com a teoria da evolução “... o homem
se emancipava de toda explicação sobrenatural de sua existência” (GOLDING, 2006, p.21), o
que, para os fundamentalistas, era visto como um grave pecado. Consequentemente, eles
defendiam que Darwin representava o militarismo e a guerra vindos da Alemanha143, dessa
forma “...a teoria da evolução simbolizava aos olhos dos tradicionalistas o deslize da
sociedade americana para uma imoralidade generalizada.” (GOLDING, 2006, p.24).
Além disso, a característica principal do movimento pauta-se na ênfase da liberdade e na
autorregulação (em alguns momentos até mesmo com uma negação da ideia de pecado). Essa

142
É importante destacar que, grande parte dos teólogos estadunidenses formara-se na Alemanha e muitos
deles defendiam os princípios do darwinismo.
143
Mesmo o cientista sendo inglês.
100

concepção religiosa rapidamente se adequou as táticas de evangelização na América moderna,


concentrando-se no progresso material e científico.
Como resultado do liberalismo religioso, dos movimentos pré e pós-milenaristas ocorreu o
desenvolvimento de outros dois fenômenos religiosos significativos para a compreensão do
desenvolvimento das ideias liberais e conservadoras na sociedade. O primeiro foi o
surgimento do Social Gospel, sob a influência do pastor batista Walter Rauschenbusch. A
doutrina apoiou-se nas raízes do pós-milenarismo e no liberalismo religioso e defende que o
pecado não é resultado de uma fraqueza moral, o que se adequava as necessidades espirituais
de trabalhadores e das pessoas que viviam nas grandes cidades. Em um sentido contrário aos
movimentos cristãos conservadores do período, que percebiam o consumo de álcool, as
danças e os jogos de cartas como responsáveis pela decadência moral e pelos pecados, o
Social Gospel acreditava que o sistema econômico que deveria ser responsabilizado pelos
problemas da sociedade. Da mesma forma, segundo Reichley (1985), o Social Gospel negava
a transmissão do pecado pela hereditariedade, acreditando que ele era resultado da sociedade,
defendendo, por causa disso, um tipo vago de socialismo reformista.
Reichley (1985) argumentou que muitas das ideias presentes nas medidas inseridas por
Roosevelt na década de 1930 sofreram inspiração nesse movimento, como os esforços para a
expansão dos serviços sociais governamentais, a distribuição da riqueza produzida pelo
capitalismo industrial, a defesa do sufrágio para as mulheres, a proibição do trabalho infantil e
adoção de programas de segurança social.
O segundo fenômeno religioso, e que ocorreu simultaneamente ao crescimento do Social
Gospel, foi o fortalecimento das vertentes fundamentalistas do cristianismo. O início do
século XX nos EUA marcou a crença de que a sociedade vivia um período de decaimento
moral, que influenciou uma variedade de legislações contrárias aos jogos, ao álcool e a
prostituição. Essas disputas somadas a luta contra o ensino da teoria da evolução nas escolas
demonstraram que existia nos EUA uma forte tendência religiosa conservadora, que se
desenvolvia em dois sentidos, um que direcionava sua atuação na política através da pressão
pela aprovação de legislações moralizantes e a segunda focada na conversão.
Diante dessa variedade de opções religiosas, o país chegou ao início do século XX com
uma série de disputas em torno de questões religiosas. De uma lado, ocorria o aumento das
legislações moralizantes e de outro a crescente expansão do ensino da teoria da evolução nas
escolas públicas do país. Com o começo da 1ª Guerra Mundial, essa tensão ampliou-se com o
aparecimento dos movimentos em defesa da livre expressão no país. Para entendermos o
desenvolvimento desses movimentos é importante observarmos uma outra questão que veio à
101

tona como resultado do início da 1ª Grande Guerra Mundial e sinalizou o aprofundamento das
restrições às ideias estrangeiras no país. Walker (1990) mostrou que uma série de legislações
e censuras passaram a ser impostas no período, como exemplo delas destacam-se leis como a
de 1903 (que barravam a entrada de anarquistas no país), a de 1917 (que permitia ao governo
desnaturalizar estrangeiros envolvidos com o movimento anarquista) e a de 1918 (que
permitia que o governo deportasse estrangeiros que se juntassem a organizações anarquistas e
trabalhistas). Somado a elas, o Espionage Act de 1917 transformou em crime qualquer
obstrução ao recrutamento ou alistamento militar e a Sedition Amendment de 1918 proibiu
qualquer tipo de crítica ao governo dos Estados Unidos durante o período de guerra.
É inegável que dentro desse caldo histórico de crescimento das tentativas de controle do
governo sobre a sociedade, surgiram organizações em prol da liberdade de expressão e
direitos individuais do país. Mais do que isso, o período simbolizou as bases para o
surgimento do que seria a principal organização de defesa dos civis dos EUA, a American
Civil Liberty Union (ACLU). Criada em 1920 por Roger Baldwin, a organização tinha como
compromisso original a defesa apartidária do Bill of Rights e atuou, desde sua origem, em
cerca de 80% dos casos considerados críticos e que envolviam questões relacionadas aos
direitos civis, como também, dos temas que envolviam disputas sobre a relação Estado e
religião e processos a respeito da liberdade de expressão durantes as últimas décadas dos
Estados Unidos.
Ao analisarmos o período do início do século XX percebemos claramente uma mudança
na aparente homogeneidade da sociedade, principalmente nos estados do sul do país. O
crescimento da polarização entre defensores dos valores tradicionais e dos defensores de
tendências modernizantes culminou em disputas legais como a envolvendo o caso Scopes
(1925-1927)144. A questão emblemática em torno dessa disputa legal é que o tribunal se
tornou uma disputa entre setores fundamentalistas e os modernistas defensores do ensino da
teoria da evolução nas escolas públicas do país. Golding(2006) descreveu que a questão
tomou proporção tão grandes que o mais célebre campeão fundamentalista, William Jennings
Bryan foi chamado para ser o procurador do processo e no tribunal discursou trechos do livro
The Fundamentals.
A polarização entre correntes moralistas e modernistas perdeu intensidade após o fracasso
do movimento fundamentalista no caso Scopes e da não manutenção das legislações que

144
O caso foi narrado no filme Inherit the Wind (1999) e pelo sociólogo Goldwing (2006).
102

proibiam o consumo de bebida (fim da lei seca em 1933145), motivando uma virtual retirada
dos fundamentalistas da vida pública146, o que foi reforçado pela crise de 1929, vista por
correntes pré-milenaristas como um castigo divino e como um possível sinal da volta de
Cristo147.
As igrejas evangélicas seguiram seu caminho, principalmente, no sul rural do país,
redirecionando suas doutrinas para as ideias de pregadores como John Leland e Dwight S.
Moody148 que concentraram sua orientação na tentativa da salvação individual e rejeitavam a
mistura entre religião e política. Esse afastamento dos fundamentalistas do cenário político
não representou o desaparecimento das suas mobilizações durante os anos, 1930 e 1940,
sendo, mais um momento de reorganização do movimento sobre o enfoque na conversão e na
expulsão de setores “modernistas” de suas congregações149.
Segundo Reychley (1985, P.312) a partir de 1941 se desenvolveu uma gradual reentrada
desses setores conservadores da religiosidade na vida política, principalmente, motivados pela
criação do American Council of Christian Churches150 (ACCC) que, durante o período,
acusou os protestantes tradicionalistas de acomodarem-se com o modernismo e a
modernidade, e direcionou sua ira ao Social Gospel por considerá-lo uma heresia humanista
que dava ao homem a capacidade de pensar ser mestre da fé através de seus próprios recursos.
A partir da formação do ACCC, novas organizações surgiram com uma forte influência de um
viés fundamentalista como a Youth for Christ International151 (fundada por cerca de 600
jovens líderes evangélicos em 1945) e a National Association of Evangelicals152 (1942), que
possuía a intenção de combater o modernismo na sociedade.
Porém, mesmo com o surgimento dessas novas organizações, ainda existia uma grande
restrição aos temas políticos na agenda fundamentalista dos anos 1940, ao qual, como
escreveu Messadié (1989, p.224), apenas era proeminente a temática da Guerra Fria,
145
O ano de 1933 também marcou a publicação do Manifesto Humanista.
146
Wolfgang (1982) argumentou que esse impulso conservador foi apenas parcialmente submergido podendo
ser visto por quem quisesse na superfície da religiosidade estadunidense.
147
Kepel (1991).
148
Já falecido no período (Moody faleceu em 1899), mas, que deixou como herança de seu trabalho a Moody
Church, Moody Bible Institute e a Moody Publishers.
149
O período direcionou também os fundamentalistas para a educação, através de instituições como a Bob
Jones University que pregava o isolamento da modernidade, o afastamento da religião e política e coibia o
relacionamento com outras denominações do cristianismo.
150
Segundo Djupe e Olson(2003), o American Council of Christian Churches teve grande destaque durante a
caça aos comunistas, na década de 1950, quando, sob a presidência de Carl McIntire denunciou uma grande
lista de lideranças da organização religiosa modernista National Council of Churches de serem comunistas. Hoje
a ACCC tem cerca de 1 milhão de membros em 49 estados. Outros dados sobre a organização podem ser
encontrados em: http://www.amcouncilcc.org/.
151
http://www.yfci.org.
152
http://www.nae.net/.
103

principalmente em torno da figura de Carl McIntire que não se cansava de denunciar as


conspirações comunistas que ocorriam no país. Ou seja, o movimento não tinha a mesma
pujança que havia obtido durante o início do século, o que fazia com que o termo
fundamentalismo fosse associado153 as correntes mais reacionárias do país, ao anticomunismo
fanático e em muitos casos a extrema direita154, o que causava constrangimento e motivou o
resgate do termo evangélico por setores conservadores do protestantismo155.
Apenas com o crescimento da visibilidade de Billy Graham156 e sua conquista em larga
escala de espectadores na televisão157 que o movimento começou lentamente a se reorganizar,
uma vez que, antes disso, a grande mobilização dos protestantes conservadores tinha sido o
apoio de Graham a candidatura a presidencial de Eisenhower158 através de seu programa de
rádio The Hour of Decision.
A trajetória de Graham se torna profundamente interessante para que possamos observar a
transformação dos setores conservadores do protestantismo estadunidense, visto que, sua
carreira claramente personifica o dilema entre a não participação e a volta para a política de
pastores com origem em vertentes fundamentalistas.
Como mostramos no artigo (SOUZA; FINGUERUT, 2013) Billy Graham é o retrato
dessa transição, pois iniciou suas pregações exatamente em meio ao momento de reclusão dos
setores fundamentalistas cristãos. O pastor, natural de uma família convertida ao
dispensionalismo159 e com educação superior na Universidade (fundamentalista) Bob
Jones160, já em 1937 incorporava em seus sermões o anticomunismo (visto pelo pastor como

153
Principalmente após o término 2ª da Guerra Mundial.
154
McIntire foi acusado durante a guerra de defender o nazismo.
155
(Kepel, 1991, p.131-134)
156
Graham foi o pastor evangélico com maior influência durante as décadas de 1950 e 1960 sendo considerado
também o homem mais influente da América no período. Entretanto, ele não conseguiu impedir a eleição de
John Kennedy em 1961, ou mesmo, foi capaz de mobilizar setores religiosos conservadores para a participação
política.
157
Billy Graham foi o primeiro religioso estadunidense a ter sucesso na televisão conseguindo arrecadar
dezenas de milhões de dólares através dele.
158
Presidente dos EUA de 1953 até 1961.
159
Aikman (2007) descreveu que a doutrina dispensionalista consiste de sete dispensões (espaço de tempo ao
qual o protestante passa a ser submetido para demonstrar sua obediência a Deus) sendo elas: Inocência
marcada pelo pecado de adão; Consciência período de Adão a Noé; Governança período de Noé à Abraão;
regas patriarcais que vai de Abraão até Moisés, mosaico de leis que vai de Moisés até Jesus; Graça o período
atual da Igreja e o Reino Milenar que viria em breve. O autor aponta também que umas das características
centrais do dispensionalismo é a interpretação literal do antigo testamento e a crença na segunda vinda de
Cristo.
160
A Universidade Bob Jones foi fundada em 1927 com o intuito de servir como centro de treinamento para
Cristãos vindos de todo o mundo. http://www.bju.edu/
104

uma anti-religião161), além de, defender fortemente os valores fundamentalista provenientes


de sua formação. Por esse motivo sobre o comunismo Graham declarou:
...é inspirado diretamente, e motivado pelo próprio demônio. A América está
em uma encruzilhada. Ou nós nos viramos para a ala à esquerda e ateísmo,
ou nós nos viramos para a direita e abraçamos a cruz? (GRAHAM, apud
REYCHLEY, 1985, p.313).

Mas foi devido à sua maneira energética de pregar que Graham rapidamente se tornou o
pastor mais popular da América, principalmente, no princípio da década de 1940, ao assumir
seu primeiro programa de rádio chamado Songs of the Night e pelas suas “Cruzadas”
religiosas que mobilizaram um grande número de fiéis. O sucesso de Graham aproximou-o de
figuras importantes da sociedade e da política estadunidense, inclusive, em 1950, o então
presidente Thurman aceitou receber Graham162devido a sua crescente fama. Sua proximidade
com figuras públicas foi motivo de uma grande polêmica na vida do pastor, uma vez que,
figuras importantes (tanto do Partido Republicano, quanto do Partido Democrata 163) tentaram
convencê-lo a concorrer ao Senado (nos idos de 51 e 52), no entanto, sua formação
fundamentalista o compelia a uma rejeição a participação política.
Graham optou por não aceitar os convites e evitar apoiar publicamente candidatos durante
os pleitos eleitorais164, ao mesmo tempo em que, influenciou e participou nos bastidores das
principais mobilizações político-religiosas. O resultado dessa postura de Graham no decorrer
dos anos, mostrou que apesar dele colocar-se publicamente a parte da política, fomentando
uma imagem de grande consolador da Nação e defendendo que sua preocupação era apenas a
de trazer as pessoas a Cristo165, o pastor teve grande proximidade com todos os presidentes da
atualidade do país.
Retomando o debate em torno do período que compreendeu o final dos anos 1940 até a
década de1960, reforçamos que o afastamento e a notável incapacidade por parte dos
movimentos fundamentalistas de participarem da política nos Estados Unidos não vinha

161
O discurso Anticomunista de Graham foi diminuindo com o tempo, o Pastor chegou a pregar em partidos
socialistas e a participar de jantares com lideranças soviética sem visita aos EUA.
162
Junto com outros três pastores Cliff Barrow, Grady Wilson e Gerald Beavan inaugurando uma tradição que
se estenderia por toda a vida de Graham (sua presença constante na Casa Branca).
163
Apesar de Graham ter afirmado em Couric (2005) que ele era um democrata registrado, isso nunca o
impediu de ser próximo de políticos do Partido Republicano. Em muitos momentos essa proximidade fazia com
que as pessoas pensassem que ele era republicano.
164
De acordo com a entrevista feita com Graham por Couric (2005), Graham não era contrário à participação
de Cristãos na política, por acreditar que desde os tempos da Idade Média e da reforma protestante eles estão
na política, todavia, o Pastor argumentou que procurou se manter afastado da política, pois se falasse sobre
política dividiria sua audiência e desviaria o enfoque central de sua pregação que era Jesus Cristo.
165
Essa postura é profundamente ambígua em Graham, já que, em muitos momentos ele apoiou nos
bastidores candidatos, porém, ela rendeu à Graham a imagem de grande conselheiro dos presidentes.
105

exclusivamente desses setores. Reichley (1985) indicou que esse fenômeno era reforçado
pelas legislações aprovadas pelo governo, o que pode ser percebido com o exemplo do
Internal Revenue Code de 1954, que determinava que a isenção de taxas fosse destinada
apenas aos grupos coorporativos religiosos que tivessem um enfoque na caridade ou educação
e que, eles não poderiam devotar uma parte “substancial de seu tempo” para a propaganda
política ou na tentativa de influenciar legisladores.
Exemplos como essa legislação garantiam que somente seriam isentas as organizações
que não interferissem nas campanhas políticas166, o que colaborava com o enfraquecimento da
participação política desses setores, visto que, após a decisão envolvendo o caso Scopes, eles
tinham ampliado seu enfoque no isolamento e na construção de escolas com o intuito de
educar os jovens cristãos sobre os preceitos da Bíblia.
Em um caminho inverso ao isolamento fundamentalista, Reichley (1985) indicou que, a
partir da administração Kennedy, ocorreu um crescimento na participação política de outras
igrejas, o que pode ser explicado pelo crescimento das mobilizações de setores progressistas a
favor dos direitos civis. Essa mobilização religiosa liberal, rapidamente transformou-se em
motivo de crítica por parte dos fundamentalistas, que ao afastarem-se da participação política
fomentavam a rejeição a ela em seus fiéis, o que fez com que, majoritariamente, os
fundamentalistas chegassem aos anos 1960 como verdadeiros inimigos da associação da
religião aos debates políticos.
Com alusão a isso, Crawford (1980) citou o exemplo de Jerry Falwell que iniciou suas
pregações em meio ao crescimento das manifestações pelos direitos civis e rapidamente
colocou-se contra os líderes de igrejas que estavam envolvidos na política durante meados da
década de 1960. Os argumentos de Falwell para a não participação política eram pautados na
ideia de que os pais fundadores da nação haviam criado barreiras para separar a política da
religião, ou seja, para o pastor existia um limite para a atuação religiosa, ou, como podemos
ver pelas suas palavras: “Nosso papel como pastores e líderes cristãos é atender as
necessidades espirituais de nosso povo”. (FALWELL, apud, MEACHAN, 2006, p.210)
Apesar das desaprovações às crescentes mobilizações políticas de setores liberais da
religião, os movimentos religiosos conservadores gradualmente retomaram as tentativas em
prol de uma ampliação de sua participação na vida pública do país, o que, já nos anos 1970,

166
Reichley (1985) citou o exemplo, no início dos anos 1960, da revogação imposta pelo Internal Revenue
Service da isenção de taxas para ao Echos National Ministry, uma organização de Oklahoma, ao qual, pertencia
o programa de rádio do pastor fundamentalista Billy James Hargis, após ele ter usado o tempo de sua
transmissão para criticar a administração Kennedy. A punição virou uma grande batalha judicial que durou até
os anos 1970.
106

passou a ser visto como uma força positiva, tanto pela National Association of Evangelicals
(NAE) quanto pelo Partido Republicano.

2.3. As mudanças estruturais que reforçaram a urgência da revolta conservadora e a


crise da esquerda estadunidense.

Pensar o virtual desaparecimento dos setores fundamentalistas religiosos e dos


conservadores da política estadunidense (durante as décadas de 1930 até 1960) e a retomada
de sua participação política com o final dos anos 1960, significa, necessariamente, debater
dois momentos cruciais da sociedade estadunidense. O primeiro ocorreu devido a fatores
como o crescimento populacional167 (principalmente da população mais jovem168), a ascensão
social de um grande número de pessoas para a classe média e uma transformação urbana169
(marcada por um grande êxodo rural170 e pela formação de subúrbios compostos por uma
população relativamente homogênea171). Essas mudanças influenciaram a ascensão e
manutenção praticamente incontestável de um modelo de liberalismo reformista na sociedade
e política do país, durante o período, o que foi responsável por uma verdadeira revolução que
atingiu a economia, a constituição da família, os processos eleitorais e a legislação do país:
Durante os anos 1950 e o início dos anos 1960, valores e crenças em ação
liberais pareciam produzir uma “sociedade afluente”. O conflito social era
efetivamente abafado pelas conquistas materiais geradas pelo crescimento
econômico. (DOLBEATE; MEDCALF, 1988, p.49).

167
Kaspi (2002) mostrou que ocorreu um volumoso crescimento populacional nos EUA, ao qual, em 1940 a
população era 132.122.000 e em 1950 era 151.684.000. Esse crescimento populacional em pouco mais de uma
década, em parte, foi motivado pela imigração, devido a legislações como a lei das esposas de guerra de 1946 e
a lei das pessoas removidas de 1948 que fizeram entrar nos EUA aproximadamente 1,5 milhões de novos
habitantes entre 1946 e 1958 e, em parte, foi motivado pela imigração fora das cotas (em torno de um milhão
de latinos e canadenses entraram nos EUA no período), entretanto, a grande maioria da nova população
nasceu em solo estadunidense, 93% em 1950 e 95% em 1960.
168
Segundo Saint-Jean-Paulin (1997), em 1964, 40% da população dos Estados Unidos era composta por
pessoas com menos de vinte anos. Esse crescimento da população mais jovem é apontado por Kaspi (2002,
p.364) devido ao crescimento da taxa de natalidade que em 1940 era 19,4% e em 1942 chegou a 22,2%. O
autor acrescentou que entre 1946 e 1953 nasceram entre 3.5 a 4 milhões de bebês ao ano nos EUA.
169
Carrol e Noble (1988) argumentaram que entre os anos de 1950 e 1970 ocorreu um crescimento da
população afro-americana nas regiões centrais das grandes cidades do norte dos EUA, entre elas: New York
que passou de 10% para 30%, Chicago de 14% para 33%, Detroit de 16% para 40% e Washington DC de 35 para
70%. Esse crescimento deve-se aos constantes subsídios governamentais para a construção de pontes e
estradas, assim como, para o financiamento de novas residenciais o que encorajou a classe média branca a
migrar para os subúrbios fora do limite da cidade.
170
Segundo Kaspi (2002), em 1920 30 % dos americanos viviam em áreas rurais, em 1930 essa proporção caiu
para 24,8%, em 1945 para 18,1% e em 1959 para 12%.
171
Com padrão semelhante de raça, religião e situação econômica.
107

Nesse sentido, é preciso entender que a partir da década de 1930 ocorreu uma
reconfiguração da sociedade, que trouxe consigo a expansão do conforto e uma significante
diminuição da pobreza, características que foram implicações de uma versão moderna de
“liberalismo americano”, introduzida durante o governo de Franklin Delano Roosevelt172 em
1934, e que se pautava em uma planificação econômica, em uma política de grandes trabalhos
e nacionalizações:
... um Estado central forte e intervencionista, um controle administrativo
detalhado das atividades econômicas, uma justiça progressista, a igualdade
racial, a liberação da moral, a laicidade do ensino público, a distribuição de
riquezas pelo imposto progressivo e pela segurança social. (SORMAN,1983,
p.31).

Essa crescente e inédita prosperidade econômica se desenvolveu associada a fortes


pressões para o aumento do consumo173 e uma crescente liberdade sexual. Somado a esses
fatores, também ocorreram mudanças culturais significativas como a ampliação no número de
vagas no ensino superior (que tornou a população mais educada e livre do que as gerações
anteriores) e o florescimento de novos fenômenos de massa (como o rock e os programas
televisivos).
É importante aprofundar que, antes de Roosevelt, ambos os partidos defendiam uma
leitura da sociedade que privilegiava o livre mercado. Como exemplo, destacamos a
presidência do republicano Ulysses Grant174, que durante a depressão econômica de 1874
sugeriu o lançamento de um programa público de trabalhos para ajudar os desempregados e
foi rapidamente dissuadido pelo departamento do tesouro e por James A. Garfield175 sob o
argumento de que esse não era o papel do governo federal. Da mesma forma, o presidente
democrata Grover Cleveland176, durante a depressão de 1893, argumentou que não era o papel
do governo auxiliar o povo177.
Em termos relacionados com a constituição da família americana, destacamos que desde a
primeira revolução sexual, ocorrida durante a década de 1920, a sociedade estadunidense
vinha passando por importantes transformações em sua estrutura, como o crescimento da

172
Presidente dos EUA durante três mandatos de 1933 até 1945.
173
Kaspi (2002) mostrou que, em 1956, 81% das famílias americanas tinham televisão, 96 % refrigerador, 67%
possuíam aspirador de pó e 89% tinham máquina de lavar.
174
Foi presidente entre os anos de 1868-1876.
175
Garfield na época era presidente do House Committee on Ways and Means órgão responsável pelo controle
da taxação, tarifas e outras receitas. Garfield foi presidente dos EUA durante o período de 200 dias no ano de
1881 até ser assassinado.
176
Cleveland foi presidente dos EUA durante os anos 1885-1889 e 1893-1897.
177
Reichley (1985).
108

autonomia das mulheres e o aumento no número de divórcios178. Entretanto, apesar de


motivar transformações na estrutura familiar, a primeira revolução sexual, em seu momento
inicial, não alterou a ideia de moral presente na sociedade, não ocorrendo, por causa dela,
grandes mudanças na liberdade sexual, principalmente entre as mulheres, ou mesmo, uma
maior aceitação da homossexualidade. Muito pelo contrário, a sociedade estadunidense
passou desde o início do século por um processo de crescimento dos temas moralistas na
sociedade.
Silva (2008) defendeu a ideia de que a sociedade estadunidense era fortemente
influenciada pelo Terceiro Grande Despertar que, como vimos, teve princípio a partir da
metade do século XIX e compreendia além do crescimento de causas progressistas como o
combate ao trabalho infantil, a instituição da educação básica obrigatória, a proteção dos
direitos das mulheres operária e a luta pelo sufrágio feminino179, uma forte pressão associadas
a temas moralizantes como a restrição ao uso de álcool180, aos jogos e o combate à
prostituição181. Essa preocupação com a moralidade representou o surgimento de uma
liberdade velada que, ao mesmo tempo em que, trazia mudanças no campo da sexualidade a
escondia dos olhares da sociedade, ou, como argumentaram Carrol e Noble (1988), já na
primeira metade do século XX a classe média estadunidense rapidamente se reorganizou com
o intuito de conter a sexualidade dentro dos limites de suas casas182:
Admitindo a sexualidade feminina até 1920, a mulher poderia apreender
através de manuais sexuais como expressar sua sexualidade, e ser mais
prazerosa para o seu marido. Essas mulheres tinham aprendido apenas a
estar preocupada em ser boas mães e donas de casa. Essas eram suas áreas de
habilidades, enquanto homens expendiam suas energias nos conflitos do
mercado de trabalho. (CARROL; NOBLE, 1988, p.375).

178
Kaspi (2002) mostrou que o crescimento no número de divórcios continuou em uma crescente nas décadas
seguintes, principalmente, durante a década de 1940, ao qual, em 1940 apenas 10% dos casamentos eram
rompidos, em 1944 esse número passou a 12,3%, em 1945 para 14,3%, em 1946 para 18,2%. Após 1946 o
número de divórcios voltou a ter taxas mais baixas com 13,9% em 1947, 11,6% em 1948 e 10,6% em 1949.
179
Além da criação de entidades como o Exército da Salvação e a Associação Cristã de Moços.
180
Como a lei seca.
181
Silva (2008) destacou as leis de 1903 e 1907 que proibiam a importação de prostitutas e a Lei Mann de 1910
que caracterizava como crime o transporte de prostitutas de um estado para o outro.
182
É importante pensar o papel da Segunda Guerra Mundial nesse processo. Com seu advento e o
envolvimento de grande parte da população masculina nela, ocorreu um crescimento da participação feminina
no mercado de trabalho do país, todavia, com o final da guerra ocorreram grandes esforços em fazer as
mulheres ocuparem exclusivamente um papel na educação dos filhos e nos cuidados com a casa. Isso é
perceptivo quando se analisa o período do final da década de 1940 e a década de 1950 e percebe-se um forte
incentivo para que a mulher retornasse a desempenhar um papel no cuidado da casa e da família e um
crescimento dos incentivos para seu embelezamento para o marido. Desenvolve-se um forte apelo à moda
(como a criação do salto agulha), a preocupação de educar as meninas para serem boas donas de casa
(marcada pelo lançamento da boneca Barbie) e um incentivo para o consumo de objetos específicos para o lar.
109

A percepção de que as transformações advindas da primeira revolução sexual começavam


a desencadear mudanças no comportamento sexual da população (em um sentido de
crescimento da liberdade sexual), somente passou a ser realmente notada durante o final da
década de 1940. Segundo Martin (1996), em 1948, uma pesquisa desenvolvida por Alfred
Kinsey183 sobre o comportamento sexual masculino mostrou que muitos americanos
admitiram ter tido algum relacionamento sexual fora do casamento e muitos tiveram, em
algum momento da vida, alguma forma de relação homossexual. A pesquisa em questão
trouxe um desconforto para os setores religiosos conservadores, que rejeitavam o
comportamento homossexual:
Aos seus olhos, engajar-se no sexo com membros do mesmo gênero não é
apenas imoral, ou uma lamentável e incompreensível fraqueza, mas uma
perversão da natureza, uma abominação aos olhos de Deus, um ato que
merece prisão e até mesmo a morte. (Martin, 1996, p.100).

A fala de Martin nos remete a pensar os motivos que levaram as duas temáticas a serem
tão importantes na construção do discurso conservador nos EUA. Afinal são inúmeros os
episódios envolvendo as disputas em torno da Guerra Cultural que se constroem sob essas
temáticas, de maneira que, das disputas em torno de questões educacionais como a aceitação
de professores homossexuais, até a crise envolvendo o caso de adultério dos pastores Jim
Bakker e sua esposa no final dos anos 1980 e a tentativa de impeachment de Bill Clinton por
seu envolvimento fora do casamento demonstram o destaque dado à temática para a retórica
conservadora.
É interessante também notarmos que existe uma prioridade sobre a rejeição dessas
temáticas pelos conservadores, pois, a aversão ao comportamento homossexual foi
constantemente pontuada pelas lideranças religiosas conservadoras como um desvio moral
mais grave que o adultério. O que é visto com estranhamento por Martin (1996), que percebeu
a existência de uma maior quantidade de passagens bíblicas condenando a questão do que a
homossexualidade.
É importante perceber também, que o final da década de 1940 abarcou algumas tentativas
de se separar a Religião do Estado, principalmente, após a decisão da corte sobre a liderança
do juiz Black184 (em 1947) no caso Everson contra Board of Education, ao qual, segundo a
leitura realizada por Froidevaux-Metterie (2009), o juiz decidiu que impostos não poderiam
ser utilizados para suportar atividades ou instituições religiosas e, nem mesmo, serem

183
Kinsey foi um importante sexólogo que realizou uma série de pesquisas, durante o final dos anos 1940 e
começo dos anos 1950, sobre o comportamento sexual masculino e feminino no período.
184
Hugo Black foi o primeiro juiz da Suprema Corte indicado por Roosevelt servindo de 1937 até 1971, ao qual,
durante sua carreira defendeu políticas liberais e a liberdade civil.
110

utilizados para ensinar ou praticar uma religião. Essa decisão na verdade nunca se consolidou,
ao ponto de, em 1971 a Suprema Corte declarar ser difícil ou até mesmo quase impossível
cumprí-la, posto que, sua aplicação feria a ideia de neutralidade entre a religiosidade e a
laicidade. Como exemplo, a autora citou o caso Rosenberger contra Rector and Vistors of the
University of Virginia de 1995, ao qual, a Suprema Corte exigiu que a universidade
financiasse a publicação de uma revista dos alunos evangélicos, pois, ela auxiliava a
publicação de revistas de outros alunos.
Em termos eleitorais, o que se viu a partir do New Deal) (1934) foi o término de um
hegemonia do Partido Republicano185 nas eleições presidenciais, que foi substituído por um
maciço predomínio do Partido Democrata, ao qual, durante um período que vai de 1928 até
1980, apenas dois presidentes republicanos chegaram ao poder Dwight D. Eisenhower186
(1953-1961) e Richard Nixon187 (1969-1974).
Essa nova tendência eleitoral esteve profundamente relacionada a dois fatores. O primeiro
foi influenciado pelo predomínio ideológico estabelecido pelo New Deal, que rapidamente
atraiu a simpatia do eleitorado branco do país. Pela leitura de Black e Black (2008), a votação
média dos brancos no Partido Democrata, após o New Deal, colocou-o com uma liderança de
12%188 sobre os votos do Partido Republicano entre os anos de 1952 e 1980189. Por esse
motivo, Sorman (1983) pontuou que a pujança das ideias liberais era tão forte ao ponto de
presidentes republicanos como Eisenhower e Nixon se verem obrigados a prestar contas de
suas decisões a partir de parâmetros estabelecidos por ela.
Já o segundo fator, pode ser explicado pela diminuição do peso dos votos do eleitorado
branco e pela estratégia de aproximação do Partido Democrata com as minorias (que ganhou
força durante a década de 1960), quando, principalmente, após o projeto da “Grande
Sociedade” durante a presidência de Lindon Johnson (1963-1969) foi perceptível uma relação
de afinidade e o redirecionamento dos votos das minorias190 para o Partido Democrata, ou,

185
Após a Guerra Civil até a eleição de Franklin Delano Roosevelt, o Partido Republicano possuía uma soberania
maciça nas eleições presidenciais.
186
Micklethwait e Wooldridge (2004) argumentaram que Eisenhower não era um conservador. Ele fazia parte
do setor moderado do Partido Republicano e sua eleição teria ocorrido em função de sua imagem de herói de
guerra, durante a Segunda Guerra Mundial, e não por propostas de transformações socioeconômicas.
187
Nixon se definia como um Rooseveltiano.
188
Que variavam em torno de 43% para os Democratas e 31% para os Republicanos.
189
Em 1952 os votos do eleitorado branco representavam 96% dos votos totais.
190
Micklethwait e Wooldridge (2004) argumentaram que até 1950 os republicanos eram considerados mais
liberais sobre temas raciais que os democratas. Da mesma forma, até 1962 quando se questionava sobre qual
partido tinha ajudado mais os afro-americanos a terem um melhor tratamento no trabalho, 22,7%
consideravam os democratas e 21,3% apontavam os republicanos. Logo em seguida, já em 1964, quando
questionados sobre o mesmo tema, 66% reconheciam os democratas e apenas 7% os republicanos.
111

como podemos perceber durante as eleições que ocorreram entre 1984 e 2004, onde, 78% dos
afro-americanos concentraram seus votos nos democratas191, ampliando a base eleitoral do
partido192.
Da mesma forma, para compreendermos o crescimento da visibilidade de setores
conservadores na participação política, durante o final dos anos 1960 e começo dos anos
1970, e o seu alinhamento com o Partido Republicano, é preciso entender outro fenômeno que
se originou a partir de uma série de fatores como: o enfraquecimento da esquerda
estadunidense devido à morte de grande parte de suas lideranças, o afastamento de uma parte
de sua base política de esquerda devido à radicalização dos movimentos sociopolíticos nos
EUA (assinalado pelo rompimento ocorrido entre setores liberais reformistas e os
movimentos de esquerda radicais193) e as dificuldades econômicas que resultaram no
enfraquecimento do liberalismo a partir do final da década de 1960.
Para entendermos esse processo, precisamos retomar algumas características dos
movimentos dos anos 1960, esclarecendo que nessa década a política do país voltou-se, ainda
mais, para a diminuição das diferenças sociais, o que se confirmou com o processo de
renovação da esquerda, o que pela leitura de Saint-Jean-Paulin (1997) convergia dentro de
duas disposições. A primeira surgiu a partir de um caráter reformista e, em um período
posterior, influenciou-se pelas manifestações que ocorriam por todo o mundo, convencendo-
se que a sociedade industrial, o capitalismo e o mundo ocidental estariam condenados.
Já a segunda, pode ser associada ao movimento hippie e sua revolta contra a sociedade
americana, pautada pelas críticas ao modo de vida da classe média. Como solução para eles,
estava a defesa de um estilo de vida alternativo, pautado pelo isolamento das comunidades
(muitas delas rurais), pelo rock, pelas revoluções sexuais e pelo “psicodelismo”. Esse modo
de vida rejeitou a sociedade burguesa, o materialismo e os símbolos da prosperidade material,
assim, desejou revolucionar a ordem e a moral que, até então, privilegiava a família patriarcal.
Nesse sentido, entender o patamar atingido pelos EUA durante os anos 1960 é vital para
que possamos compreender esse processo. A crescente abundancia econômica e o
significativo aumento da liberdade, entre as décadas de 1930 e 1960, foi apontado por grande
parte dos intelectuais como culpados pelo desenvolvimento de uma crise cultural que resultou

191
Como exemplo dessa nova configuração dos votos no país, Black e Black (2008) discorreram que em 2004 o
percentual de votos afro-americanos chegou a 11% dos votos totais.
192
Outro fator relevante para essa aproximação foi a polêmica campanha presidencial do Republicano Barry
Goldwater em 1964 que praticamente eliminou o apoio de setores pertencentes a minorias ao partido
Republicano.
193
Sousa (2009), que escreveu sobre a nova esquerda americana, demonstrou como os movimentos de
esquerda nos EUA passaram por um processo de radicalização durante o final dos anos 1960.
112

nos movimentos do final dos anos 1960, ao qual, conforme debateu Faria (1997) tiveram seu
início devido à constatação de que:
... o bem-estar produz não só o melhor-estar, mas também o mal-estar, e
evidencia que o aumento dos bens materiais desperta necessidades afetivas
profundas que, reprimidas e controladas pela civilização tradicional,
tornaram-se errantes e divagantes. Os mitos da felicidade corroem-se e
problematizam-se. (Faria, 1997, p.28).

Essa ideia também esteve presente em leituras como a dos historiadores Carrol e Noble
(1988) que acrescentaram que, o surgimento das temáticas da geração sixties ocorreu por
causa de um choque entre a liberdade que os jovens recebiam em casa e nas escolas e as
“necessidades” impostas pelo mercado de trabalho estadunidense. Nessa linha de pensamento
percebe-se que a educação do período pós Segunda Guerra Mundial construiu-se sobre ideias
pedagógicas como as do Dr. Benjamim Spock194, que rejeitava os modelos educacionais
rígidos por acreditar que as crianças possuíam ritmos diferentes e deveriam desenvolver sua
personalidade em um ambiente relaxado e amigável. Em um caminho oposto, o mercado de
trabalho dos anos de 1960 era dominado pelas grandes corporações, pelo trabalho mecanizado
e pelas pressões consumistas.
Como resultado disso, os jovens que ingressavam no mercado de trabalho encontravam
dificuldades para adequar-se as características como a flexibilidade e a obrigatoriedade de ter
uma personalidade compromissada. Somado a isso, o terror da Guerra do Vietnã (primeira
guerra cotidianamente televisionada) reforçava o sentimento de que não existiam opções para
a juventude na sociedade além da obrigatoriedade de transformá-la195.
Apesar da trajetória das mobilizações realizadas pelos jovens do período culminar em uma
série de violentas explosões sociais no final dos anos 1960, a leitura realizada pelos principais
autores do período demonstrou que a nova “revolução” que ocorria na sociedade
originalmente não se pautava pela violência, e sim, pela ideia de que ela deveria trazer a
transformação do ser humano. Essa ideia foi reforçada por intelectuais como o professor da
Yale Law School Charles Reich (1970), que percebia que a revolução do final dos anos 1960
construiu-se sobre a formação de uma nova consciência, focada na liberdade individual, no
igualitarismo e no uso de drogas:

194
Segundo Sorman (1983), mesmo na década de 1980, o Dr. Spock ainda recebia cartas de pais o insultando e
o acusando que seus filhos tornaram-se drogados por eles terem seguido seu modelo educacional. Entretanto,
o educador recusa a ideia de que propunha em seus livros a permissividade excessiva.
195
Sorman (1983) apontou, ao citar a tese de George Gilder, que para os setores conservadores a oposição
realizada pelos jovens a Guerra do Vietnã era motivada muito mais pelo medo de ser chamado para lutar a
guerra do que propriamente por idealismos ou sentimentos pacifistas.
113

Há uma revolução em marcha. Não será como as revoluções do passado.


Começará no indivíduo e na cultura, mas só transformará a estrutura política
como seu ato final. Não precisará da violência para ter êxito e não pode ser
obstada eficientemente pela violência. Vai se alastrando agora com
espantosa rapidez e já nossas leis, instituições e estrutura social estão-se
transformando em consequência disso. Promete uma razão mais alta, uma
comunidade mais humana e um indivíduo novo e libertado. A sua criação
final será uma nova e permanente plenitude da beleza – uma relação
renovada do homem consigo mesmo, com os outros homens e com a terra.
(Reich, 1970, p.11-12).

O autor defendia a ideia da existência de três consciências que conviviam nos EUA, a
primeira seria construída com um enfoque que priorizava o esforço individual, a auto-
repressão, a competição e o isolacionismo, acreditando que o sonho americano ainda seria
possível e que o sucesso seria determinado pelo caráter, pela moralidade, pelo trabalho árduo
e pelo espírito de sacrifício. Ou seja, a partir dessa leitura, podemos pontuar que a partir da
primeira consciência derivaram-se os valores formadores do conservadorismo estadunidense,
uma vez que, ela defendia a redução de programas196 e despesas do governo, uma maior
confiança no empresário privado, a coação para fazer trabalhar as pessoas que recebiam
auxilio do governo, além de, se colocar contra a subversão (manutenção da ordem) e de
acreditar que a população deveria ficar alerta as possíveis ameaças exteriores (isolacionismo).
Já a segunda consciência seria a base formadora do New Deal, ela teria como
características o afastamento do individualismo, a crença de que a crise vivida nos EUA
poderia ser resolvida mediante um maior empenho individual no interesse público, com uma
maior responsabilidade social e nos negócios privados. Essa consciência defenderia a
presença de uma ação governamental mais afirmativa e reguladora, acreditaria na eficácia do
planejamento, pregaria um papel mais assistencial e mais racional do Estado que deveria
funcionar sob os patamares da boa administração e da gerência. Portanto, ela existiria a partir
de uma visão pessimista do homem e defenderia um mundo planejado pela razão, ao qual, o
homem seria dominado pela técnica.
Reich (1970) colocou que a principal característica dessa segunda consciência seria a
crença na eficácia das reformas, que seriam pautadas pela necessidade de combater os males
provenientes da primeira consciência como: o preconceito, a discriminação, o isolacionismo,
as tradições superadas e as superstições. Contudo, o autor combateu a segunda consciência
por discordar do seu agudo enfoque na necessidade de se controlar o poder para estabelecer as
mudanças. As características reformistas limitavam as mudanças políticas e econômicas a

196
Fichou (1987) reforçou a ideia de que historicamente existe uma forte tradição nos EUA de que grupos
voluntários deveriam substituir o Estado nos programas de auxílio.
114

obrigação de que o poder para controlar as decisões estivesse concentrado nas mãos de uma
elite disposta a fazê-las, o que resultaria que as reformas apenas ocorressem em um sentido
que não comprometessem a manutenção do poder dessa elite.
A terceira consciência surgiria nos anos 1960 a partir dos filhos da próspera classe média
e das mobilizações das minorias excluídas, sob uma lógica de libertação que privilegiaria uma
maior aceitação pessoal, uma maior liberdade para o indivíduo construir sua própria filosofia
e seus valores, uma relação mais próxima com a arte, uma busca pela vida comunitária e pela
defesa da experiência pessoal como o mais precioso dos artigos humanos. Ela rejeitaria a ideia
de excelência, de mérito e de competição, seria contrária a guerra, repeliria as relações de
dominação e de autoridade, negaria qualquer associação pautada apenas em papeis, assim
como, se oporia a qualquer tentativa que obrigassem alguém a fazer algo contra a vontade197.
O fato é que apesar de um princípio não violento o final dos anos 1960 marcou o
crescimento da violência entre os movimentos das minorias, motivadas pelas crescentes
disputas entre vertentes reformistas e radicais da esquerda liberal nos EUA, entretanto, é
importante destacar que o grande ampliação dos movimentos liberais no período fez com que
quando revisitamos a memória dos EUA, principalmente, quando nos concentramos nos
principais avanços alcançados, raramente constatamos a influência do conservadorismo no
período.
Em uma rápida retomada de imagens mentais, encontramos os movimentos estudantis, a
contracultura, o crescimento da liberdade sexual, as inovações estéticas na música, na
televisão e nas artes, as manifestações pacifistas contra a Guerra do Vietnã, o anticolonialismo
e os movimentos em defesa das minorias. Como consequência disso, a esquerda liberal
estadunidense atrelou a sua memória as transformações mais importantes que ocorreram no
país durante o período, afinal, creditou-se a ela a luta pelos direitos civis, a criação do New
Deal198 e as campanhas para acabar com a pobreza. Ao mesmo tempo, episódios como a
tentativa de golpe em Cuba e a Guerra do Vietnã, que se iniciaram durante o governo
Democrata de John Kennedy, foram marcados nas recordações da população como ações da
direita199.
Como uma das explicações para o virtual desaparecimento do pensamento de conservador
da memória construída em torno da década de 1960, pode-se debater que, a constituição da
produção de pensamento, no período, foi fortemente dominada pela expansão das ideias

197
Reich (1970).
198
Apenas oito senadores republicanos votaram contra o New Deal.
199
Nixon foi o presidente que mais sofreu pressões devido a Guerra do Vietnam.
115

liberais, o que pode ser visto quando se observa que, durante a década de 1940, apenas duas
revista com um enfoque conservador foram publicadas, a Human Events (fundada em 1944) e
a Commentary (fundada em 1945), e mesmo durante a década de 1950, enquanto as revistas
liberais dominavam a produção de pensamento do país com revistas como a The Liberal
200
Imagination (fundada em 1950)e a Liberal Tradition in America (fundada em 1955) as
revistas conservadoras apenas iniciavam suas atividades201.
Essa hipervalorização dos movimentos liberais explicam os motivos da quase
imperceptível presença de movimentos de cunho conservadores na memória estadunidense do
período, o que foi se tornando mais visível com a ascensão dos movimentos dos anos 1960.
Para o historiador francês Huret (2008) já durante a década de 1960, o novo conservadorismo
estadunidense iniciava sua trajetória na sociedade estadunidense, embora, de forma
praticamente invisível, visto que, suas ações pareciam insignificantes frente aos atos incríveis
realizados pela esquerda do país.
Todavia, apesar de aparentemente invisíveis, as mobilizações conservadoras podem ser
percebidas, já na década de 1960, por intelectuais que analisaram as origens desses
movimentos. Martin (1996) argumentou que, entre 1960 e 1964, ocorreu um forte crescimento
de organizações conservadoras como os exemplos da Christian Crusade202 que passou de
58,000 para 98,600 membros (obtendo uma arrecadação em torno de 800,000 dólares) e a
Christian Beacon203 que ampliou seu número de membros de 20,000 para 66,500 e teve um
crescimento de arrecadação em seu Twentieth Century Reformation que saltou de 635,000
dólares (em 1961) para mais de três milhões de dólares (em 1964)204.
Em termos legais, os anos de 1960 marcaram avanços importantes da esquerda nos
Estados Unidos, além da aprovação do Civil Right Act (em 1964) que impedia a segregação
racial205, destacamos o desaparecimento de legislações que favoreciam critérios religiosos
para a obtenção de cargos públicos (1961)206, a proibição de orações oficiais207 nas escolas

200
Predomínio liberal que foi aprofundado durante os anos 1960 com o surgimento de revistas como a The
New York Review of Books (1963) e a Ramparts (1964).
201
Como a Encouter de 1953 e a Dissent de 1954.
202
Que se iniciou sobre a liderança de Billy James Hargis e ainda continua ativa em
<http://www.christiancrusade.com/> sobre a liderança de Billy James Hargis II.
203
Sobre a liderança do pastor Carl McIntire.
204
Martin (1996) argumentou que ocorreu uma expansão nas transmissões radiofônicas como o exemplo das
de McIntire que expandiu seu ministério de uma estação em 1958 para 540 no início de 1964.
205
Grande parte dos integrantes da direita, durante os anos 1960, era contrária ao término da segregação por
considerá-la uma lei universal da natureza que estava totalmente de acordo com a Bíblia.
206
A partir da decisão judicial no caso Torcaso contra Watkins, a suprema corte requereu que a constituição de
Maryland não exigisse mais que os candidatos a cargos públicos fossem cristãos.
116

públicas (1962 e 1963)208, a legislação que autorizou a venda de contraceptivos e que incluía
o uso da pílula anticoncepcional (1965)209, a decisão do caso Epperson contra Arkansas
(1968) que impedia a proibição ao ensino da teoria da evolução, além de algumas mudanças
culturais como os avanços na aceitação das minorias (a partir da ação de movimentos pelos
direitos dos afro-americanos e dos homossexuais), o afrouxamento da censura a conteúdo de
livros210 e filmes211 e o crescimento das discussões pró-aborto (que resultaram nas medidas
aprovadas em 1973 a partir do caso Roe contra Wade)212.
Todavia, segundo Martin (1996), apesar dessas transformações na sociedade
incomodarem os setores conservadores, o que mais os chocou e os motivou a se mobilizarem
foi o medo da desordem provocada pelas estratégias de desobediência civil, como as
empregadas pelas lideranças como Martin Luther King. O fato é que, a partir das reações dos
movimentos conservadores com relação às alternativas radicais da década de 1960, da crise
econômica que se iniciou em 1968 e do próprio resultado da disputa envolvendo setores da
esquerda, iniciou-se um enfraquecimento na dominância estabelecida pela “esquerda
reformista”, originando a possibilidade para a futura construção da estratégia que se tornou
vitoriosa com a eleição de Ronald Reagan em 1980.

207
Essas legislações inicialmente não impediam que os alunos demonstrassem sua fé nas escolas, apenas
proibiam a existência de orações programadas realizadas por diretores e professores. Entre elas, como
destacaram Sears e Osten (2005), estavam a decisão no caso School District Abington Township contra
Schempp (1963), ao qual, a Suprema Corte decidiu que as escolas não poderiam requerer a recitação do Pai
Nosso e a leitura das escrituras (mesmo se os estudantes tivessem o direito de ficar de fora dessas atividades) e
a decisão no caso Engels contra Vitale (1962) que proibiu os professores de iniciar as aulas com uma oração.
208
Segundo Green (2011), as decisões judiciais que apoiavam a proibição das orações nas escolas foram
rapidamente rebatidas por setores conservadores em prol da anulação dessas legislações, como o exemplo: a
emenda Becker que foi proposta pelo congressista Republicano Francis Becker e rapidamente recebeu apoio de
grande parte dos congressistas (Becker conseguiu 170 das 218 assinaturas necessárias para colocar a emenda
em votação), principalmente, pelo medo deles de ter sua imagem ligada ao término das orações na escola.
Barry Goldwater estava entre os políticos que apoiaram a emenda.
209
A partir da decisão da Suprema Corte sobre o caso Griswood contra Connecticut (1965) que determinava o
fim da proibição da venda de anticoncepcionais. Decisão que foi complementada com a decisão da Suprema
Corte sobre o caso Eisenstadt contra Baird (1972) que impedia os estados de proibirem a distribuição de
anticoncepcionais, mesmo para pessoas não casadas.
210
Segundo Martin (1996), a partir do final dos anos 1950 e início dos anos 1960, a Warren Court (nome dado
para a Suprema Corte dos EUA, durante os anos 1953 e 1969, quando ela era chefiada pelo juiz Earl Warren,
que liderou uma maioria liberal que aprovou uma série de medidas legais durante o período) progressivamente
anulou as proibições contra livros e filmes que já haviam sido banidos ou considerados restritos por terem seu
conteúdo considerado obsceno.
211
Como o caso Jacobellis contra Ohio (1964) que envolvia a projeção de um filme considerado por alguns
como obsceno e considerado pela corte como não obsceno. Junto a ela o debate ganhou grande visibilidade
durante a disputa que opôs a administração Nixon e a indústria pornográfica em torno do filme Garganta
Profunda (1972).
212
Simpson (in BLASSI (org.), 2007) esclareceu que essas transformações somadas a derrota na Guerra do
Vietnã eram vistas por algumas lideranças do conservadorismo religioso como uma punição de Deus a América.
117

Assim, se a década de 1960 foi pontuada por grandes avanços da esquerda nos EUA, após
ela, uma nova virada ocorreu na sociedade estadunidense, durante os primeiros anos da
década de 1970213. Dentro da perspectiva de Miguel (1978), o período foi caracterizado pela
crise na esquerda estadunidense, que passou por um enfraquecimento de sua liderança
intelectual, motivado pelo fato de que alguns de seus intelectuais acabaram sendo cooptados
pelo conservadorismo (como no caso dos neoconservadores que, até o período, definiam-se
como liberais e após as manifestações de 1968 passaram a se definir como conservadores214) e
pelo falecimento de outra grande parte de sua liderança intelectual como: Arnold Kaufman
(1971), Paul Goodman (1972), Edmund Wilson (1972), George Lichteim (1973), Philip Rahv
(1973), Mary McCarthy (1975), Hannah Arendt (1975), Lionel Trilling (1975), Bertram D.
Wolfe (1977), Robert Lowell (1977) e Paul Jacobs (1978).
Outros dois processos enfraqueceram a pujança dos movimentos liberais, o primeiro
surgiu da dificuldade de se atingir um denominador comum entre uma multiplicidade de
interesses que faziam parte dos movimentos, ou seja, se, em um primeiro momento, a
pluralidade dos movimentos político-sociais teve um papel significante para o crescimento da
esquerda nos Estados Unidos através de suas táticas de manifestações em frentes variadas e de
sua rica pluralidade de agendas. O final dos anos de 1960 despontou com uma crescente
dificuldade de estabelecer-se o diálogo entre os movimentos sociais, motivada pelas
crescentes disputas pelos seus controles entre correntes pacifistas e radicais. Como exemplo,
citamos o movimento afro-americano, ao qual, após um início fortemente influenciado por
métodos pacifistas contra a segregação (como os sit-ins215), o movimento passou por um
processo de radicalização com o crescimento da influência de movimentos do nacionalismo
negro que despontava em grupos como a Nação do Islã e os Panteras Negras.
Nesse sentido, Diamond (in HURET (org.), 2008) refletiu que dentro do contexto de
crescimento dos movimentos de Black Power e dos violentos protestos contra a Guerra do
Vietnã nos campi universitários ocorreu um abandono dos americanos do projeto de
liberalismo racial do Partido Democrata e um retorno da ordem conservadora do Partido
Republicano, principalmente, dentro de uma ideia de valorização da identidade de classe
média branca.

213
Como argumentaram Dolbeare e Medcalf (1988) em pouco mais de 20 anos o liberalismo estava em total
colapso.
214
Comentário adicionado a partir de nossa tese de mestrado, em Souza (2007).
215
Manifestações que consistiam em ocupar os espaços segregados de forma não violenta, mantendo-se nele
sem reação por um determinado período de tempo.
118

Um segundo ponto, que relacionasse ao anterior, pode ser percebido como causa do
enfraquecimento das esquerdas nos Estados Unidos foi a dificuldade de manter o interesse dos
jovens na participação política, principalmente, devido a um comportamento menos
apaixonado das gerações posteriores as da década de 1960 e da crise econômica que destruiu a
abundancia das décadas anteriores. Mas do que isso, a geração que sucedeu a dos sixties era
mais individualista, preocupada com o mercado de trabalho e repleta de ceticismos e dúvidas
com relação à política:
Os estudantes foram tornando-se céticos, até mesmo cínicos. Essa era a
geração do eu, the me generation. Ela não tinha heróis, sobretudo não na
política. Nem os mortos: Mao, Guevara, Hô Chi Minh, nem os vivos: Castro,
não resistiu a esta lavagem histórica. A esquerda ideológica perdeu todas as
referências internacionais, e mesmo nacionais. Frankilin Roosevelt foi por
sua vez denunciado em vários estudos recentes como um adepto de escutas e
um marido infiel. (SORMAN, 1983, p.46).

De acordo com Danny Goldberg216 (2003), a perda de interesse dos jovens pela agenda
progressista ocorreu devido a um crescente elitismo e esnobismo das lideranças da esquerda,
acrescentando, que a falha dos progressistas teria sido sua inabilidade de explanar para a
população média como a sua agenda era melhor ou mesmo diferente da agenda conservadora
que se construía nos anos 1970. Segundo o autor, o fato é que, apesar de atingir inúmeros
avanços, a imagem política deixada pela geração dos sixties foi a da irresponsabilidade, ou
seja, o movimento que conseguiu convencer grande parte da sociedade, de que a guerra, as
censuras artísticas, a segregação racial e de gênero eram erradas, teve como resultado uma
imagem política negativa atrelada, sobretudo, aos protestos “hippies” na convenção do
Partido Democrata de 1968217 e a desastrosa campanha presidencial de George McGovern em
1972218.
Somado a isso, o radicalismo do final dos anos 1960 afastou muitos afro-americanos,
mulheres, homossexuais, intelectuais e membros do panorama cultural das mobilizações de
esquerda, o que, pode ser facilmente visto no decaimento dos votos em candidatos democratas
nas eleições presidenciais, com 61% em 1964, 44% em 1968 e apenas 40% em 1972.

216
Goldberg é um importante produtor musical, comentarista sobre música e membro ativo da ACLU.
217
A radicalização ocorrida em Chicago tem um papel significativo na derrocada na participação da esquerda
revolucionária e para o fortalecimento da estratégia conservadora de contenção e sufocamento de
manifestações políticas nos EUA, além das 589 prisões e na grande quantidade de feridos (os números não são
precisos), ela possibilitou a aprovação da lei, 1968 Civil Rights Acts, que tornava crime cruzar as fronteiras de
um estado para promover a rebelião.
218
McGovern perdeu por um percentual de 61% a 32% para Richard Nixon, sendo a segunda maior derrota nas
eleições presidencial estadunidense. O candidato democrata venceu em apenas dois colégios eleitorais
Massachusetts e Washington DC, sendo derrotado, até mesmo, em seu estado natal a Dakota do Sul (estado
fortemente democrata no período).
119

O exemplo do distanciamento da base política com as lideranças liberais é facilmente


visualizado quando se observa novamente o exemplo dos afro-americanos nos EUA durante a
década de 1980. Historicamente afro-americanos apoiaram o Partido Democrata,
principalmente, após a campanha presidencial realizada pelo candidato republicano Barry
Goldwater em 1964219, o que é perceptível pelos 94% dos votos afro-americanos que foram
direcionados para o candidato democrata Lyndon Johnson. Esse apoio foi decisivo no
processo eleitoral, uma vez que, os afro-americanos, após o Civil Right Act e o Voting Rights
Act, vinham em uma crescente em seus números de registros de votos220 e estabelecendo uma
ligação realmente próxima com o Partido Democrata, a ponto do Partido Republicano pouco
tentar criar estratégias de atração desses eleitores.
Entretanto, a fidelidade dos afro-americanos estava muito mais associada ao partido do
que propriamente com as ideias liberais. Pela ótica de Sorman (1983), a reeleição221 do
candidato democrata de extrema direita George Wallace, em novembro de 1982, para o
governo do Alabama contou com apoio de 84% dos votos dos afro-americanos.
Wallace tinha sido candidato à presidência dos EUA pelo partido Independente
Americano em 1968222 e participou das primárias para a presidência no ano de 1964 pelo
Partido Democrata. Para Phillips (2006), Wallace construiu essas duas campanhas a partir de
uma plataforma focada no sentimento segregacionista, contrário os direitos civis e entrelaçada
por uma poderosa retórica populista. As campanhas presidenciais de George Wallace
representaram uma dinâmica que surgia a partir da revolta, no interior do Partido Democrata,
contra as transformações que ampliavam a participação do governo Federal na sociedade, o
que foi acentuado após a eleição de Lyndon B. Johnson (em 1964) e a consequente extensão
do papel do governo223 através de iniciativas como o Head Start Program of Preschool
Education224, o National Endowment for the Arts225, o National Endowment for the

219
A campanha de Goldwater tinha como uma de suas plataformas a oposição aos direitos civis.
220
O que fez com que as lideranças afro-americanas, como o reverendo Jesse Jackson, procurassem organizar
os afro-americanos como a terceira força política do país, atrás apenas dos Partidos Republicano e Democrata.
221
George Wallace já tinha sido eleito Governador do Alabama em 1963-67 e em 1971-79.
222
Wallace ganhou em cinco estados que compreendiam o sul profundo, Geórgia, Alabama, Mississipi, Luisiana
e Arkansas.
223
Como debateram Micklethwait e Wooldridge (2004).
224
Segundo o Lyndon B. Johnson (1965) o programa consistia na abertura de 2000 centros de desenvolvimento
para crianças carentes que abrigaria cerca de meio milhão de crianças as preparando para a entrada nas
escolas regulares.
225
A agência federal independente NEA foi fundada em 1965 e tem como princípio dar apoio e financiamento
para projetos de exibições artísticas (http://www.nea.gov/)
120

Humanities226, a aprovação do Health Care (através dos programas Medicare que oferecia
saúde gratuita as pessoas acima de 65 anos ou deficientes do Medicaid que estendia o
programa para pessoas com baixa renda) e dos programas de Busing227.
É importante destacar que essa rejeição ao crescimento dos programas sociais existia nos
setores conservadores dos dois partidos e vinha da ideia de que a elite liberal que pensava
esses programas era parasitária, por, não produzir a riqueza que propunham distribuir228. Da
mesma forma, como demonstraram Micklethwait e Wooldridge (2004) a classe trabalhadora
americana, que vivia nas grandes cidades, criticava os Busing, argumentando que suas
crianças eram obrigadas a viajar para garantir o “balanço racial” e os filhos da elite liberal
estudavam nas escolas privadas dos subúrbios.
Em 1972, Wallace concorreu novamente às prévias do Partido Democrata, entretanto,
após sofrer uma tentativa de assassinato que o deixou em uma cadeira de rodas e encerrou sua
campanha, ele converteu-se, tornando-se um Born Again. Essa transformação foi base para a
vitória em sua campanha para reeleição ao governo do Alabama em 1982, pois, Wallace a
construiu sobre a ideia de arrependimento229 e perdão, o que acabou atingindo diretamente aos
anseios da população afro-americana, que se sentia abandonada pelas lideranças da esquerda
liberal, ou: “Pela esquerda, os negros alcançaram a igualdade política, mas não a igualdade
econômica.” (SORMAN, 1983, p.70).
Após eleito, Wallace foi responsável por uma das maiores campanhas de alfabetização dos
EUA, distribuindo livros gratuitamente para todos, o que retirou uma grande parcela da
população afro-americana do analfabetismo. O exemplo da eleição de Wallace demonstrou
que o discurso liberal de igualdade política passou a ser ineficaz diante dos anseios da
população que vinha sendo solapado com a crise econômica dos anos 1970.
De acordo com Dolbeare e Medcalf (1988), a questão determinante aqui é que com a crise
econômica, que teve início no final dos anos 1960, os celebrados remédios liberais passaram a

226
Também, fundada em 1965 a agência federal independente NEH é uma das maiores financiadoras de
programas de ciências humanas nos EUA (http://www.neh.gov/about).
227
Que consistiam no transporte de estudantes com o intuito de acabar com a segregação racial residencial,
fazendo com que crianças de diferentes vizinhanças convivessem nas escolas públicas.
228
O fato é que, desde o governo Eisenhower as crises econômicas e o crescimento da violência nas grandes
cidades eram precedidos pelo crescimento de programas assistências a população mais pobre. Como
exemplos, Carrol e Noble (1987) citaram que o crescimento das famílias que recebiam o AID to Family With
Dependent Children (AFDC) foi de 635,000 para 745,000 durante a administração do presidente republicano. O
que apenas se agravou com o crescimento da inflação no ano de 1968 e com as grandes recessões de 73 e74
que ampliaram o desemprego para 9% e o número de famílias dependentes do AFCD ampliou-se para
3,500,000.
229
Durante a década de 1970, Wallace enviou cartas para várias lideranças da campanha pelos direitos civis se
desculpando, por sua defesa do segregacionismo.
121

não mais conseguir impedir a ampliação do desemprego e o aumento da inflação. Como


resposta a essa dificuldade, conservadores se colocaram como uma alternativa diferente da
política liberal, criticando-a e argumentando que os liberais estariam errados por pensarem
que o mundo era racional e que, consequentemente, todos os problemas teriam solução.
Segundo Sorman (1988), a crítica conservadora estendeu-se aos avanços alcançados pelo New
Deal durante as décadas anteriores, ao qual, conservadores denunciavam que os efeitos do
programa sobre a crise econômica, particularmente sobre o trabalho, foram nulos e que a
retomada da economia apenas começou a partir de 1938, no momento em que as usinas
americanas se lançaram na produção de armamentos.
A mobilização conservadora que se avolumou, a partir do final dos anos de 1960 e na
entrada dos anos de 1970, percebeu que seus anseios eram compartilhados por uma grande
parcela da população e que eles poderiam (se adotadas os meios corretos) se tornar uma
maioria capaz de comandar as direções da política do país. Assim, construiu-se a ideia de uma
“maioria silenciosa”230 que procurava, a partir da identidade de classe média branca e de um
sentimento extremamente poderoso de nacionalismo e de que as transformações que ocorriam
no mundo eram profundamente danosas para a sociedade estadunidense, influenciar a política
do país. Para eles as altas taxas de divórcios, vícios em drogas e violência juvenil eram
resultados da cultura moderna transformada durante os anos 1960231, ou ainda:
Essas pessoas entraram na política em reação aos movimentos de
contestação dos anos 1960 que tinham muitas vezes sido chocadas, feridas,
escandalizadas pelo relativismo moral, pelo ambiente cosmopolita e pela
libertação sexual. (HURET, 2008, p.12).

A questão aqui passa a ser entender o papel da ideia de Guerra Cultural na consolidação
da estratégia conservadora para se tornar majoritária na política estadunidense. Para isso,
iniciaremos a partir desse ponto uma releitura mais focada na relação entre Guerra Cultural e
as mobilizações conservadoras.

Capítulo 3 – Da tentativa eleitoral de Barry Goldwater até o fim da administração


Carter: uma releitura histórica sobre a importância das batalhas culturais para a
origem da mobilização conservadora estadunidense.

O terceiro capítulo de nosso trabalho analisa a trajetória do novo conservadorismo


estadunidense, a partir da década de 1960 até o final do governo Carter, relacionando-a aos

230
Termo utilizado por Nixon com o intuito de defender que a maioria da população apoiava seu governo.
231
Goldberg (2003).
122

casos que envolveram batalhas culturais232. Nossa preocupação ao desenvolver essa passagem
concentra-se em mostrar como os grupos conservadores travaram suas lutas teóricas, legais e
políticas com o intuito de impedir os avanços das transformações culturais na sociedade, ao
mesmo tempo em que, tentaram impor sua visão de mundo como a vontade da maioria da
população. A partir desse objetivo, direcionamos a análise da Guerra Cultural para
compreendê-la como uma ferramenta política, e não apenas dentro da obrigatoriedade de uma
polarização total da sociedade.
A releitura do novo conservadorismo estadunidense passa pelo entendimento de alguns
episódios da história dos EUA que tiveram grande alcance na formação das raízes do
fenômeno. Assim, precisamos percorrer as primeiras manifestações do movimento durante a
década de 1960, que compreendem a campanha presidencial de Barry Goldwater233 em 1964,
a resistência nos campi universitários pelos estudantes conservadores, a eleição de Ronald
Reagan para o estado da Califórnia em 1966 e as disputas em torno de conteúdos
educacionais234 como as batalhas culturais em Anaheim (Califórnia) e no distrito de St.
Albam em Charleston (Virgínia Ocidental)235. Para, em seguida, debatermos a consolidação
de alianças dos movimentos conservadores no decorrer das décadas de 1970 que
compreenderam as tentativas de domínio sobre o Partido Republicano, a organização dos
movimentos da direita religiosa estadunidense (principalmente a Moral Majority) e a
estruturação de sua respectiva agenda centrada em batalhas culturais e morais.
Como argumentamos anteriormente, defendemos que a ideia de Guerra Cultural possuiu
um papel centralizador para a consolidação da ideia dos EUA como polarizado e
consequentemente tem um papel determinante na ampliação das mobilizações conservadoras
no país. Aqui, destacamos que suas implicações definiram uma agenda comum entre diversos
grupos (caracterizada pela formação dos movimentos da nova direita americana) e pela
possibilidade de inserção de setores compostos por religiosos fundamentalistas e pelas
mulheres conservadoras na vida política do país (a partir da defesa da família e da
manutenção da influência da religião na sociedade).

232
Apesar da definição de Guerra Cultural ter surgido somente durante a década de 1990, muitos momento da
história estadunidense, principalmente, a partir da década de 1970, foram considerados como parte desta
discussão.
233
Goldwater foi por cinco vezes Senador pelo estado do Arizona.
234
Que iniciaram-se durante os anos 1960 e continuaram pelos anos 1970.
235
Que respectivamente iniciaram-se em 1968 e 1969.
123

3.1 O candidato Goldwater, o governador Reagan, o despertar da consciência e da


revolta conservadora.

A primeira questão a ser debatida nessa passagem de nosso trabalho concentra-se no


grande valor que a campanha de Barry Goldwater teve para a construção do novo
conservadorismo estadunidense e para o fortalecimento do movimento no Partido
Republicano. Para isso, é preciso compreender que até os dias atuais Goldwater é considerado
um dos grandes heróis do movimento nos Estados Unidos236 e que, sua campanha representou
a possibilidade de dar voz a uma América que, devido à ascensão do liberalismo nas décadas
anteriores, parecia esquecida das discussões políticas do país.
O grande diferencial de sua campanha com relação as anteriores realizadas pelo Partido
Republicano estava, exatamente, na procurar dentro dos quadros políticos de um nome que
rompesse com a tradição liberal instaurada no país. Tanto que, Richard Viguerie, no
documentário sobre Goldwater237, disse que o político era tudo o que o Partido Republicano
tinha e que o candidato precisava mostrar que as lideranças do GOP estavam levando a
partido para uma direção errada. Isto quer dizer que, se as disputas eleitorais entre os dois
partidos pareciam, até então, desiguais ou até mesmo injustas, devido ao forte apelo que as
políticas liberais, implantadas nos anos anteriores, traziam a favor do Partido Democrata, a
escolha de Goldwater representava uma tentativa de mobilizar a população contrária ou
insatisfeita a elas.
Martin (1996) discorreu que a estratégia eleitoral de Goldwater, já nas prévias
republicanas, era profundamente definida, pois, para o político conservador, o Partido
Republicano vinha perdendo as eleições devido a sua incapacidade de fazer com que os
setores conservadores da sociedade fossem às urnas. Pela fala de Goldwater, o problema do
Partido Republicano estava exatamente em deixar que as brigas internas impedissem que seus
eleitores apoiassem o partido, o que fica claro em seu discurso na convenção republicana, ao
qual ele lançou sua campanha:
Nós temos perdido de eleição em eleição porque conservadores republicanos
estão furiosos e ficam em casa. Esse país é tão importante para que qualquer
homem fique em sua casa somente por não concordar com algo. Vamos
crescer conservadores! Vamos, se vocês querem tomar esse partido de volta

236
Mesmo antes de sua campanha presidencial, Goldwater já se destacava como um dos principais políticos e
pensadores conservador dos EUA, seu alcance é perceptível quando se destaca o número de exemplares
vendidos de seu livro The Conscience of a Conservative que no ano de sua publicação (1960) alcançou a marca
de 700.000 copias vendidas e em 1964 já tinha vendido 3.500.000 cópias (entre suas leitoras e entusiasta
estava Hillary Clinton).
237
(MR. CONSERVATIVE: GOLDWATER ON GOLDWATER, 2006).
124

como eu penso que a gente pode um dia, então vamos trabalhar. (MR.
CONSERVATIVE: GOLDWATER ON GOLDWATER, 2006).

Vale destacar que o político conservador construiu sua trajetória no Senado do país238,
defendendo os valores libertários que compreendiam a rejeição do aumento dos gastos do
Governo Federal239, a defesa da liberdade legal dos estados, a diminuição da carga tributária e
a defesa da livre concorrência. Somado a isso, o tema do anticomunismo era proeminente na
fala do político.
Em consequência a isso, sua plataforma política para a eleição de 1964 foi construída a
partir de uma ideia de radicalismo, ou, como argumentou Martin (1996), ela representava a
necessidade do político conservador apresentar-se com argumentos totalmente antagônicos
aos da plataforma de um candidato liberal e democrata. Seguindo essa direção, Goldwater era
a figura mais caricata da política americana do período, trajando roupas de cowboy e
defendendo seus argumentos sem se preocupar com os efeitos negativos que sua fala poderia
trazer para sua imagem política240.
Para ele, o político deveria estabelecer uma agenda focada em uma parcela específica da
população, conseguindo assim o apoio incondicional dela e, consequentemente, a
discordância extrema de outra. Nesse caso, entendemos que muito da disposição do Partido
Republicano em apoiar a campanha de Goldwater foi resultado de uma visível incapacidade
de disputar os processos eleitorais sob a sombra dos avanços conseguidos pela política liberal,
tão fortemente associada ao Partido Democrata.
A própria aceitação da ideia de conservadorismo vinha em um momento de crescimento, o
que ocorria através da ampliação da visibilidade de intelectuais conservadores. Como apontou
Nash (1996), eles deixavam de ser vistos como párias e passavam a colaborar e associar sua
imagem com a campanha, entre eles: a revista National Review241, os intelectuais Russell
Kirk242e Harry Jaffa243 (que ajudaram a preparar alguns discursos para o candidato) e Milton
Friedman (que serviu como seu conselheiro econômico). Junto a eles, a candidatura de

238
Antes de entrar para a política Goldwater era um comunicador em rádios do Arizona e sua entrada na
política ocorreu após ele ganhar notoriedade com um filme, ao qual, eles cruzavam o estado Arizona em um
barco através das corredeiras, mostrando a beleza natural do estado.
239
Esses temas são fartamente expostos em Goldwater (1990).
240
Esse posicionamento vinha da crença de que o político deveria enfrentar seus oponentes de peito aberto,
defendendo suas ideias e seus valores.
241
A National Review foi fundada por William F. Bucley Jr. em 1955, sendo desde então uma das principais
publicações conservadoras do país. Segundo Nash (1996), o período do início dos anos 1960 marcou a
ampliação da circulação da revista que em 1960 era de 30000 exemplares, crescendo para 90000 em 1964,
95000 em 1965 e 100000 no final dos anos 1960.
242
Que escreveu o livro The Conservative Mind em 1953.
243
Importante intelectual conservador.
125

Goldwater rapidamente cresceu com o apoio de movimentos de ativistas como James


Townsend que formou a organização Citizens’ Committee of California244, na cidade de
Anaheim, com o intuito de apoiar a campanha de candidato245.
Para entendermos a obrigatoriedade desse radicalismo, é preciso retomar os motivos da
aproximação conservadora com o Partido Republicano. Como argumentamos anteriormente,
apesar dos dois partidos não terem grandes diferenças em suas agendas, o New Deal atraiu o
apoio da maioria da população votante para o Partido Democrata, o que foi aprofundado, em
seguida, com a aprovação do Civil Rights Act246. Ou seja, o Partido Republicano era
dominado por setores que pouco se diferenciavam dos candidatos democratas e crescia em seu
interior a ideia de que só existiria a possibilidade de uma vitória eleitoral se houvesse a
fomentação de uma identidade conservadora e o enfraquecimento da influência de setores
liberais e moderados em seu interior. Ou seja, o Partido Republicano deveria repudiar os seus
setores moderados, pois, a moderação na perseguição da justiça não era uma virtude.
Se existia uma crença de que o caminho para a vitória republicana concentrava-se em
fortalecer o discurso conservador, ela também significou os motivos para a derrota, ao menos
na eleição de 1964, pois, setores liberais no interior do partido, temendo os possíveis rumos
que a candidatura de Goldwater poderia trazer, passaram a combate-la intensamente durante
as prévias republicanas. Entre eles destacava-se a figura mais importante da ala
liberal/moderada do Partido Republicano do período, Nelson Rockefeller, que disputou as
prévias republicanas daquele ano contra Goldwater. Rockefeller mostrava preocupação com
essa nova estruturação do partido e percebia que existia um perigo real de subversão realizada
por uma minoria conservadora radical, bem disciplinada e bem financiada247. O confronto
entre as duas correntes foi tão intenso, que mesmo após a vitória do candidato conservador
nas prévias, e com Rockefeller declarando apoio a ele para as eleições, muitos do grupo pró
Rockefeller se recusaram a apoiá-lo contra Johnson.
Essa ruptura entre conservadores e liberais no interior do Partido Republicano foi
lembrada por Reagan (1990), enquanto ele recuperava as memórias do quão difícil foi a
reestruturação do partido após a derrota de Goldwater, especialmente porque, além de, mais

244
Mehlman-Pertzela (2009).
245
Anos após a derrota de Goldwater a organização teve um forte papel nas disputas culturais que ocorreram
na cidade.
246
Martin (1996) mostrou que a aprovação do Civil Rights Act causou um grande alvoroço nos pastores
fundamentalistas, entre eles o pastor Jerry Falwell (que anos depois viria a se tornar a grande liderança do
movimento Moral Majority) que argumentou que o projeto era uma violação aos direitos humanos e de
propriedade privada no país.
247
Martin (1996).
126

uma vez eles serem derrotados pelo Partido Democrata, eles ainda tiveram que lidar com a
profunda divisão entre os setores conservadores que apoiavam Goldwater e a ala liberal.
Somando-se a esses fatores, a campanha presidencial de Barry Goldwater contra Lindon
B. Johnson alterou a percepção sobre a maneira como uma parcela significativa da população
enxergava o Partido Republicano e abriu caminho para que ocorresse a ampliação da
influência de setores conservadores no GOP248. É importante termos em mente, que em pouco
mais de dois anos a trajetória política dos dois principais partidos fez com que eles
distanciassem suas agendas e, principalmente, alterou a imagem que a população tinha deles.
Pensando propriamente em termos eleitorais, o grande diferencial da campanha de
Goldwater estava na maneira de mobilizar os eleitores, que trazia consigo uma nova ideia de
financiamento e de contato com o eleitor. Crawford (1980) afirmou que Goldwater foi o
primeiro candidato a financiar uma campanha em larga escala através da utilização de malas
diretas, ao qual, sua equipe enviou mais de 15 milhões de pedidos doações de fundos para a
campanha, conseguindo receber 380.000 respostas com contribuições de 100 dólares cada.
Essa nova maneira de arrecadar acabou se tornando a base para as futuras estratégias de
financiamento em campanhas vencedoras do partido, contudo, ela não foi suficiente para
conseguir eleger o político conservador. A questão é que, embora derrotado, a campanha de
Goldwater conseguiu ser vitoriosa em cinco estados que compunham o Deep South249, sendo
derrotada em apenas um250, o que direcionava o partido a procurar ampliar ainda mais sua
base eleitoral na região.
Somado a esses avanços, a campanha presidencial de 1964 trouxe uma mudança nas
corridas eleitorais que passaram a ampliar o enfoque na ridicularizarão e nos ataques diretos
entre os candidatos (o que pode ser explicado como resultado da utilização da televisão nas
campanhas eleitorais251). Essa transformação ficou marcada na história dos EUA252,

248
Grand Old Party maneira como o Partido Republicano é conhecido.
249
Existem duas leituras diferentes dos estados que compõe o Deep South, uma coloca os estados Alabama,
Geórgia, Luisiana, Mississipi e Carolina do Sul e a segunda parte dos estados confederados (durante a guerra
civil) acrescentando aos cinco estados anteriores citados a Flórida e o Texas.
250
Phillips (2006).
251
A primeira eleição com campanhas na televisão foi realizada no embate entre o republicano Dwight D.
Eisenhower e o democrata Adlai Stevenson em 1956 e o primeiro debate eleitoral televisionado ocorreu
durante a disputa eleitoral entre John F. Kennedy e Richard Nixon em 1960. Webley (2010) mostrou que os
reflexos desse debate eleitoral sobre a campanha daquele ano, ao qual, Nixon apresentou-se incrivelmente
magro e pálido, recuperando-se de uma hospitalização, e Kennedy como um debatedor calmo e corado, o que
fez Kennedy o vencedor do debate, deixando uma imagem que o fez vencer a disputa eleitoral, mesmo sendo
derrotado nos debates posteriores.
252
Os ataques democratas a Goldwater foram tão intensos que dissuadiram o político conservador de participar
de futuras disputas presidenciais e o fizeram, no dia seguinte a sua derrota, pedir desculpa pela estratégia de
campanha dos seus adversários.
127

principalmente, porque as fortes ideias do candidato conservador estavam em rota de colisão


com os ideários da nova geração que vivia seu auge no período. Como exemplo disso,
destaca-se o debate em torno da questão a respeito dos testes nucleares, ao qual, a propaganda
democrata apostou no medo da população com a possibilidade de uma guerra nuclear e
preparou uma série de comerciais que assinalavam que Goldwater havia votado contra o
tratado de banimento deles253. Entre eles, estava o famoso comercial que mostrava uma
pequena garota loira colhendo flores em um belo jardim e sendo interrompida por uma
contagem regressiva e uma grande explosão nuclear254.
É importante esclarecer que apesar da campanha eleitoral de 1964 ter sido profundamente
agressiva, e muitos dos republicanos pró-Goldwater acusarem os artifícios democrata de
serem desleais, muitas das críticas democratas ao candidato realmente tinham seu lugar.
Como argumentaram Carrol e Noble (1988), Goldwater realmente defendia o uso de armas
nucleares quando necessário, o que pode ser facilmente percebido no exemplo envolvendo a
Guerra do Vietnã, ao qual, o político conservador declarou que os EUA não deveriam
envolver-se em uma guerra como a da Coréia e que ele estaria disposto a, até mesmo, usar
armas atômicas para vencer a disputa de maneira definitiva.
Outra questão, extrapolada pela campanha de Johnson e que colaborou com a mudança na
maneira que a população enxergaria o Partido Republicano, refletia, exatamente, os ideias de
seu trabalho como senador, sobretudo, devido ao seu posicionamento antagônico aos direitos
civis, ao qual, estava a consideração de que apesar da discriminação ser algo errado, não era
papel do governo ditar regras sobre a liberdade de conduta privada255, o que fez com que
Goldwater fosse um dos oito senadores a votar contrariamente ao Civil Rights Acts de 1964.
Essa contrariedade de Goldwater ao Civil Rights Acts tinha sua origem centrada em
argumentos que defendiam o federalismo e estava alicerçada na disputa histórica sobre quais
seriam as atribuições do Governo Federal. Contudo, se para o político conservador a questão
pautava-se na ideia de que o Governo Federal não teria autoridade regulatória sobre questões
como emprego e acomodações públicas, para seus adversários, durante a campanha eleitoral,
essa contrariedade rapidamente tornou-se um dos motivos para que ele fosse acusado de
racista e, em determinados momentos, de lunático, de inimigo da segurança social e de
defensor da Klu Klux Klan.

253
Martin (1996).
254
O comercial aparece de forma integral no documentário MR. Conservative: Goldwater on Goldwater (2006).
255
Buchanan (in Goldwater, 1990).
128

A propaganda democrata rapidamente jogou os movimentos pelos direitos civis contra o


candidato e, mesmo com Roy Wilkins (diretor executivo da NAACP256) defendendo que ele
não acreditava que Goldwater era racista e que ele apenas estava defendendo que o Governo
Federal não podia decidir pelos estados, o candidato passou a ser duramente atacado pelos
jornais e a ser alvo das manifestações populares (entre elas uma grande marcha em
Washington). Esse antagonismo à Goldwater fez com que muitos republicanos ligados a ala
mais liberal do partido se transferissem para o partido rival.
De forma conclusiva, a campanha de Goldwater, mesmo com a vitória avassaladora de
Johnson (com aproximadamente 62% dos votos), trouxe à tona as reivindicações de setores
conservadores da sociedade americana, sendo assim, a tentativa embrionária de se chegar ao
poder por parte deles. Garcia (2012) acrescentou que a campanha quixotesca de Goldwater
deu esperança aos conservadores, como exemplo disso, ele citou o exemplo de Steve
Bartlett257, fundador do primeiro Young Republican Club258 em Oak Cliff/Dallas, e que, no
dia seguinte ao resultado da disputa eleitoral, desfilou na Kimball High School259 com um
emblema que marcava o número 27, para lembrar a todos que Goldwater tinha conseguido 27
milhões de votos.
Dessa forma a campanha de Goldwater mostrou que seria possível governar o país, ou, ao
menos, que era possível romper a dominância liberal impedindo os crescentes avanços do
liberalismo na sociedade. Para isso, era preciso explanar que existia um projeto conservador e
que, embora virtualmente invisível, ele se diferenciava e muito do liberal.
Nesse sentido, o segundo tema abordado nessa passagem de nosso capítulo refere-se a
participação dos estudantes no movimento. Vale destacar que embora isolados nas
universidades estadunidenses, durante os anos 1960, a juventude conservadora conseguiu
construir uma resistência ao domínio liberal. A questão aqui parte de demonstrar como eles se
organizavam, sobretudo, tentando compreender como era sua atuação dentro de um ambiente
hostil as suas ideias. Para isso, destacamos a importante leitura sobre o tema realizada por
Caroline Rolland-Diamond (in HURET (org.) 2008) que destacou a mobilização da Young
Americans for Freedom (YAF). Esse trabalho é importante para nossa análise sobre o novo
conservadorismo por demonstrar como se moldou uma estratégia de resistência, que partiu do
quase ostracismo para uma posição de domínio na década seguinte. Pela averiguação da

256
National Association for the Advancement of Colored People.
257
Bartlett foi congressista pelo Partido Republicano de 1983 até 1991.
258
Grupo de estudantes ativistas a favor da campanha de Goldwater.
259
Escola de segundo grau onde estudava.
129

autora, os estudantes conservadores atuavam com uma agenda profundamente diferente da


maioria dos estudantes:
... A luta ativa contra o comunismo e o engajamento americano no sudoeste
asiático, a defesa dos valores morais, éticos e religiosos tradicionais e a
redução drástica do papel do Estado. Muito minoritários nos Campi, esses
jovens deviam afrontar um ambiente a priori hostil a suas ideias, os
universitários eram a essa época largamente dominados pelas ideias liberais.
(ROLLAND-DIAMOND (in HURET (org.) 2008, p.37).

Esses jovens participaram ativamente da campanha de Barry Goldwater em 1964 e


estavam presente em larga escala em organizações que foram formadas no interior dos campi
mais conservadores. Entre elas destaca-se a criação da YAF (fundada no outono de 1960 na
casa de Willian F. Bucley Jr.260 por tradicionalistas e libertários), ao qual, de acordo com a
autora, possuía ambições estritamente políticas que consistiam na reconquista conservadora
do país.
É importante destacar que a organização estudantil não se opunha totalmente a igualdade
de direitos cívicos para os afro-americanos do país (eles consideravam a questão como um
direito individual fundamental), contando com uma grande quantidade de delegados afro-
americanos. Contudo, a partir da radicalização dos movimentos pelos direitos civis no final
dos anos 1960, a YAF passou a interpretar os movimentos como uma tentativa de
desestabilizar o país a favor dos interesses do inimigo soviético 261. Assim, seu papel central
durante o início da década de 1970 era o suporte a campanha no Vietnã e a luta contra o
comunismo262.
A importância da Young American for Freedom é notada porque a partir de sua
mobilização263 e das disputas no interior da organização (principalmente entre tradicionalistas
e libertários) originou-se uma grande quantidade dos quadros conservadores existentes na
atualidade, entre eles: a American Conservative Union (fundada em 1964 por Bucley), o
Partido Libertário (1971) e o The Conservative Caucus (fundado em 1974 por Howard
Phillips). A organização permanece ativa após ter sido inserida ao projeto Young America’s
Foundation264 e argumenta ter como missão ampliar o número de jovens americanos
inspirados pelas ideias de liberdade individual, forte sentimento de defesa nacional, crença na

260
Nash(1996) apontou que o movimento foi criado dois anos antes da Students for a Democratic Society
(principal organização estudantil da esquerda estadunidense) e disputou com eles a dominância das ideias
entre os estudantes universitários.
261
Rolland-Diamond (in HURET (org), 2008).
262
http://www.yaf.org/yaf_history.aspx?terms=young%20american%20freedom
263
Durante sua história eles se mobilizaram em uma grande variedade de temas como os Youth for the
Voluntary Prayer Amendment e a Student Commitee for the Right to Keep and Bear Arms.
264
http://www.yaf.org/#.
130

livre iniciativa e nos valores tradicionais, junto a isso, ela desenvolve projetos como o Reagan
Ranch (em Santa Barbara/Califórnia), onde, jovens aprendem a dar valor as grandes
conquistas do líder Republicano.
Esses dois primeiros eventos tiveram grande influência na crescente visibilidade de
Ronald Reagan na política republicana e em sua futura eleição para o governo da Califórnia,
em 1966. Inusitadamente, a trajetória do político conservador teve princípio no Partido
Democrata, onde, Reagan despontou como um anticomunista e entusiasta do New Deal ao
presidir, entre 1947 e 1957, a associação dos atores. Porém, ele foi alterando seu
posicionamento político ao trabalhar para a General Eletric de 1954 até 1962265.
Em 1964, Reagan participou ativamente da campanha de Goldwater266, organizando
jantares de arrecadação de fundos e usando sua habilidade como comunicador em um famoso
discurso televisivo (A Time for Choosing), realizado no dia 27 de outubro de 1964. Nele,
Reagan apoiava o candidato e reforçava a luta contra o comunismo e os excessivos gastos
governamentais267.
Em menos de dois anos após o apoio à Goldwater, Reagan rapidamente despontou como o
candidato republicano para a disputa ao governo do estado da Califórnia, o que foi reforçado
pela sua profunda impregnação dos “valores americanos” como religião, esportes, mitos e
cinema268. A questão aqui é que, após a derrota de Goldwater, comentaristas como Chet
Huntley269 e James Reston270 defendiam a ideia da morte do conservadorismo, vendo os
ativistas do candidato republicano como um bando de malucos de direita. Nesse clima, para o
Partido Republicano, Reagan despontava como uma estrela ascendente, já que, conseguia as
ideias conservadoras e ter um acesso muito maior aos grupos mais moderados271, devido à sua
imagem e habilidade como ator e comunicador.
Em sua campanha, Reagan defendia a retomada da ordem como resposta as revoltas
estudantis em Berkeley272, nesse sentido, sua vitória em uma disputa contra o tradicional

265
Segundo Dallek (2004), em 1960, apesar de ainda registrado ao Partido Democrata, Reagan apoiou a
campanha de Nixon contra John Kennedy, transferindo seu registro para o Partido Republicano em 1962.
266
Reagan (1990) narrou que tinha conhecido Goldwater anos antes e que seu livro The Conscience of a
Conservative continha muitos dos mesmos pontos que ele vinha defendendo em seus discursos pela GE, o que
o fazia acreditar que o país precisava de Goldwater.
267
Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=qXBswFfh6AY>.
268
Pela leitura de Vincent (1997).
269
Huntley foi um famoso ancora da NBC.
270
Reston foi jornalista do The New York Times.
271
Segundo Dallek (2004).
272
Dallek (2004) explicou que Brown havia feito um grande esforço para transformar a Universidade de
Berkeley em um grande polo educacional. Após as revoltas estudantis na universidade e do impasse
envolvendo as negociações em torno da retomada do campus, o político democrata ordenou a invasão policial
131

político democrata Pat Brown273 ocorreu devido ao enfraquecimento da aprovação da


administração do então governador democrata, o que foi provocado pelo rompimento do
apoio das exaltadas minorias à Brown.
A disputa pelo governo da Califórnia em 1966 é peculiar por representar uma espécie de
microcosmo do movimento de transformação da própria esquerda estadunidense e que pode
ser descrito como: a mudança da defesa de um projeto reformista para a tentativa de um
projeto revolucionário274.
Nesse sentido, Dallek (2004) nos mostrou que Brown tinha construído sua trajetória
política, ampliando a tradicional coalisão democrata composta por trabalhadores e minorias,
do mesmo modo, ele empenhava-se na aprovação de programas de combate à corrupção e
programas sociais, com o intuito de fazer sua própria versão da guerra contra a pobreza 275. No
entanto, com as dificuldades para controlar as revoltas populares no estado e a sua opção pelo
uso da força contra os movimentos estudantis, ele chegou enfraquecido à campanha contra
Reagan.
O quarto tema destacado nessa passagem do nosso terceiro capítulo, é a questão das
disputas envolvendo as mudanças no conteúdo educacional, que tem sua relevância,
especialmente, por abrir espaço na participação política para a mobilização dos religiosos 276 e
das mulheres conservadoras277. O destaque dado ao papel das mulheres é remarcado, pois, no
ideário da construção da família conservadora americana existia uma clara distinção entre os
papéis de homens e mulheres, ao qual, dividiam-se as responsabilidades sociais dos gêneros a
partir de inspirações na estrutura social do velho oeste278. Assim, o homem ocuparia o papel

que resultou em uma sangrenta batalha e teve como consequência a ruptura dos movimentos pelos direitos
civis com o governador democrata.
273
Brown era o governador que tentava a reeleição e um dos grandes campeões do Partido Democrata.
Segundo Dallek (2004) Brown iniciou sua carreira no Partido Republicano e migrou para o Partido Democrata
em 1934.
274
Sousa (2009) nos mostrou como a New Left passou por um processo de radicalização durante os anos 1960.
275
Brown tinha grande simpatia com os movimentos pelos direitos civis e acreditava que poderia trazê-los para
o debate no interior do governo, o que possibilitaria o término decisivo das correntes conservadoras no estado.
Aqui também é interessante destacar que até 1963 a Califórnia pouco sofria com os efeitos da explosões
sociais oriundas desses movimentos (os estados que passavam por um maior número de revoltas populares no
período eram Mississipi, Alabama e Geórgia).
276
Esse momento causou desconforto a grande parte dos conservadores dos anos 1950 e 1960, visto que, até
então a ideia de conservadorismo consistia em características libertárias e eles não viam com bons olhos a
inclusão de temas socioculturais nos debates do Partido Republicano.
277
Crawford (1980) percebeu que, o período entre os anos 1960 e 1970 marcou uma significativa entrada das
mulheres no mundo da política conservadora.
278
A expansão para o Oeste é um símbolo profundamente poderoso para o imaginário dos EUA como país, nele
se inserem a crença da constante expansão das fronteiras, do fortalecimento do caráter através da disputa
contra um meio agressivo e da valorização do pioneiro como o homem disposto a sempre avançar em direção
ao desconhecido.
132

de protetor das fronteiras contra as ameaças externas, seria responsável pela manutenção da
lei e da ordem e pelo desenvolvimento da economia a partir da livre competição. Já as
mulheres, por sua vez, trabalhariam zelando pela educação das crianças, acompanhando o
desempenho e conteúdo das escolas, participando ativamente da vida religiosa e mantendo a
vigilância do lar e da vizinhança.
Essa estrutura social manteve-se praticamente inalterada em alguns subúrbios americanos
até os anos 1950, o que fazia com que a participação das mulheres na vida social americana
estivesse muito mais ativa em questões sociais e cívicas “particularmente as que se
relacionam com educação, saúde e filantropia” (MILLS, 1981, p.57).
Pensando a partir dessa construção, o papel do “guerreiro cultural” seria atribuído na
estrutura da nova direita, como uma tarefa destinada às mulheres, aos ativistas e autoridades
religiosas conservadoras. O fato é que, ao nos debruçarmos sobre os acontecimentos
catalizadores das batalhas culturais, no período entre 1960 e 1970, percebemos uma presença
marcante desses grupos, como os exemplos de Eleanor Howe, Anita Bryant 279, Phyllis
Schlafly280 e Alice Moore281 e dos reverendos e pastores como Jerry Falwell, Billy James
Hargis e Robert Grant.
Conforme a análise de Crawford (1980), essas mulheres levantaram-se contra as
feministas, os liberais, a comunidade acadêmica, as minorias, os residentes dos grandes
centros urbanos e a mídia com o intuito de anular o crescimento na sociedade de visões de
mundo mais liberais do que as delas. Como argumentou o autor, isso teve como resultado o
início de uma série de disputas, ao qual, “ambos os lados estariam competindo pela alma da
América”. Assim, é importante destacar que, quando nos debruçamos sobre o tema da Guerra
Cultural, claramente percebemos que essas batalhas culturais se deram em torno de questões
educacionais, relacionadas, sobretudo, em torno da temática da educação sexual, da aceitação
da homossexualidade e da legislação que impedia a realização de orações nas escolas.
A função de acompanhamento das mulheres à educação de seus filhos foi fundamental
para que possamos entender os gatilhos que deflagraram as batalhas culturais, assim,
mobilizaram-se para combater mudanças educacionais que aos seus olhos pareciam impedir o

279
Anita Bryant é uma cantora que em 1977, utilizando-se de sua visibilidade, liderou a coalizão Save Our
Children (em Dade County, Flórida) contra a aprovação da legislação que proibia a discriminação com base na
orientação sexual, conseguindo anulá-la por uma margem de 69 contra 31 votos. A campanha de Bryant
espalhou-se por vários estados, perdendo força quando os ativistas homossexuais passaram a boicotar o
consumo de suco de laranja, fazendo com que os produtores financiassem a luta contra a campanha de Bryant.
A ativista continua ativa em sua luta acerca de temas culturais, o que pode ser observado pelo conteúdo em
seu site (http://www.anitabmi.org/3.html).
280
Ativista criadora do Eagle Forum.
281
Ativista contra a educação sexual.
133

bom desenvolvimento moral de seus filhos. Os resultados dessa mobilização acabaram


direcionando-as para tentativas de obter o controle dos conselhos educacionais, e
conseguintemente, sobre o conteúdo educacional das escolas do país282. Para Crawford (1980)
essa estratégia adotada pela nova direita foi tão bem realizada que, no período entre 1963 até
1978, 78% do material escolar passou por algum tipo de censura realizada pelo National
Council of Teachers of English283.
Entre essas disputas, a batalha de Anaheim pode ser vista como um dos epicentros das
batalhas culturais contemporâneas. A rusga ocorreu em torno da inserção de um projeto para o
ensino de educação sexual na Anaheim Union High School District em 1961284, pela
enfermeira Sally Willians e pelo superintendente Paul Cook. Martin (1996) debateu que o
início dos anos 1960 marcou uma série de iniciativas de implantação da educação sexual nas
escolas públicas, entretanto, ao mesmo tempo, essas transformações motivaram a crítica de
inúmeros pais, jornalistas e líderes religiosos do país.
A crise de Anaheim teve seu início em 1968, quando Willians, em posição contrária a
vontade dos pais, recomendou que as classes de educação sexual não fossem segregadas por
critérios sexuais, ou seja, garotos e garotas deveriam ser expostos ao mesmo tipo de material
sobre comportamento sexual. Pela leitura de Winters (2009), o objetivo do programa consistia
em fazer com que as crianças decidissem o que era certo e errado a partir de seus próprios
julgamentos, abandonando assim as categorias morais tradicionais. Para isso, foi defendida a
utilização de um conteúdo que, em alguns momentos, era bastante explícito.
No outro lado da disputa, como vimos anteriormente, existia um esforço da classe média
para esconder a sexualidade feminina no interior de seus lares. Assim, o novo ensino sexual
passou a incomodar os pais quando os alunos começaram a conversar em casa sobre os temas
aprendidos nas aulas. A figura chave para o início da disputa foi a conservadora católica
Eleanor Howe que ao conversar com seus filhos gêmeos, em um jantar em 1968, descobriu
que eles vinham sendo expostos a esse conteúdo educacional.
Martin (1996) descreveu que Howe fotocopiou os livros que possuíam conteúdos que
incluíam visões positivas sobre a masturbação e que, no entendimento dela, encorajavam o
não sentimento de culpa em relações sexuais com animais e colocou-os em um único texto, o
Adult Bulletin. Em seguida, ela distribuiu o material a um grupo de mães para que ele fosse

282
Várias organizações relacionadas a saúde e a educação no período passaram a publicar endossando a ideia
da necessidade de se estabelecer o ensino da educação sexual nas escolas como a National Education
Association e a American Medical Association.
283
http://www.ncte.org/.
284
O novo programa foi finalmente aprovado e implantado em 1965.
134

difundido na comunidade. O que mais enfureceu Howe foi o fato de que os livros em
momento algum tratavam de questões como o amor, o casamento ou os valores que ela
acreditava. Esse choque causado pelas transformações na sociedade foi também percebido por
Nash (1996) como responsáveis pelo surgimento dos movimentos da nova direita no país:
...a nova direita era essencialmente o produto dos traumas experimentados
pelas pessoas comuns na vida cotidiana. Essa angustia era que os pais
estavam descobrindo que vinham sendo oferecidas camisinhas nas escolas
para suas crianças, vinham sendo ensinadas que comportamento
homossexual era apenas outro estilo de vida, e eram instruídas de que as
normas bíblicas de certo e errado eram “relativas”, “sexistas”, e
“homofóbicas”. Sobre tudo, os conservadores religiosos auferiam seu fervor
para um contínuo conflito contra o que a maioria deles considerava a
abominação suprema de seu tempo: a legalização do aborto, a prática que de
1973 até a metade da década de 1990 tomou a vida de mais de 30.000.000
crianças americanas não nascidas. (NASH, 1996, p.331).

Voltando a questão da batalha de Anaheim, destacamos que a reação dos pais ao currículo
ocorreu quase que imediatamente após a distribuição do Adult Bulletin. Resultando em uma
multidão, em sua maioria formada por mulheres religiosas, que iniciaram batalhas contra o
currículo do programa FSLE, participando das reuniões do conselho escolar, lançando
candidaturas e vencendo as eleições para o conselho escolar. O método adotado pelos Antis285
para tomar o controle do conselho escolar de Anaheim, pautava-se na mobilização dos
conservadores, o que resultou, na eleição de abril de 1969, na conquista de duas das três vagas
abertas para o conselho, em uma eleição em que dos 100.000 votos eletivos apenas 14.250
compareceram às urnas286.
Martin (1996) expôs que uma das primeiras medidas do novo conselho, após a eleição, foi
proibir que os instrutores do programa falassem ou o defendessem publicamente, logo em
seguida, foi providenciada a demissão de Sally Willians. O movimento dos Antis de Anaheim
continuou expandindo-se por todo o estado, a ponto de pressionar o superintendente estadual
a retirar o programa do SIECUS287 de suas escolas, mesmo com a permissão de 80% dos pais
para que seus filhos tivessem acesso ao conteúdo do programa288.
A forma de mobilização vencedora em Anaheim mostrou que os setores conservadores
poderiam realizar ou impedir transformações na sociedade através da mobilização de pessoas
dispostas a batalhar em defesa de um ideal. O exemplo de Anaheim foi seguido por outras

285
Nome pelo qual ficou conhecido o movimento.
286
Martin (1996).
287
Sexuality Information and Education Council of the United States, http://www.siecus.org/.
288
Martin (1996) citou que o superintendente Cook tinha estimado que não mais que 25 pessoas ajudadas pelo
The Anaheim Bulletin (jornal local) foram capazes de frustrar a vontade da maioria, através de uma eficiente
organização e táticas inescrupulosas.
135

cidades como Camarillo, Bakersfield e Huntington Beach, onde, grupos conservadores


pressionaram os conselhos educacionais. Não obstante, foi em St. Albam289 um subúrbio
industrial em Kanawha County, Charleston (Virgínia Ocidental), já no início da década de
1970, que os eventos ocorridos de Anaheim levaram à resultados mais explosivos.
Quando entrevistamos o pastor Jim Lewis290, ele descreveu algumas características do
estado facilitariam a origem de conflitos, pois, a Virgínia Ocidental somente foi formada após
a Guerra Civil, a partir de uma divisão do estado da Virgínia. Isso fez com que o estado fosse
profundamente dividido, mantendo em uma de suas partes características sulistas com a
influência dos antigos proprietários de escravos e a outra, com uma maior pobreza, constituída
por não proprietários de escravos. Historicamente, o estado teve muitos conflitos trabalhistas
devido à grande quantidade de minas de carvão, o mais marcante deles foi a batalha de Blair
Mountain no início do século XX, onde, após uma série de movimentos trabalhistas liderados
delate United Mine Workers of the América as tropas do exército atacaram a resistência
formada pelos grevistas e realizaram um massacre. O fato é que a crescente divisão social e
cultural somado a pobreza no estado favoreceram o que ficou conhecido como Textbook War.
Nele, Alice Moore (esposa de um ministro fundamentalista), ao saber sobre os
acontecimentos de Anaheim, decidiu ir ao conselho de educação local para analisar o material
escolar oferecido aos seus filhos. Mais uma vez, ocorreu o choque entre conteúdo educacional
oferecido pela escola e a perspectiva cristã fundamentalista, o que fez com que Moore
procurasse o superintendente de educação Walter Snyder e questionasse o uso do material.
Contudo, como os currículos haviam sido aprovados pelo U.S. Office of Education e pelo
Curriculum Advisory Committee, o supervisor disse que não poderia impedir a utilização
dele291.
Após procurar apoio em vários grupos conservadores da região, a conservadora optou por
concorrer na eleição do conselho de educação local, vencendo a disputa através de uma
campanha eleitoral, ao qual, foram alugados 70 outdoors e comprado espaço nos jornais
locais (algo que nunca havia sido feito em uma eleição para o conselho educacional 292).
Novamente a estratégia de mobilização conservadora fez efeito, dando a vitória para Moore
nas eleições. Consequentemente, após eleita a ativista passou a utilizar seu cargo para tentar

289
Nas décadas de 1950 e 1960 haviam sido fechadas dezenas de escolas rurais na região de St. Albam o que
fez com as crianças das áreas rurais entrassem em contato com a cultura urbana.
290
Lewis (2013).
291
Martin (1996).
292
Martin (1996) apontou que muitos dos concorrentes de Moore a acusaram de ter recebido suporte da John
Birch Society em sua campanha.
136

barrar o conteúdo educacional que considerava inadequado, criando um crescente conflito no


conselho educacional. Essa disputa acabou agravando-se quando, no dia 12 de março de 1974,
o English Language Arts Textbook Committee implementou a utilização de 325 livros e livros
textos para serem utilizados pelas escolas da região293, o que motivou uma grande revolta por
parte de setores conservadores locais.
Como resultado imediato, o superintendente de educação foi substituído por Kenneth
Underwood, entretanto, as disputas em torno do material continuaram se avolumando com a
constante rejeição de Moore à lista de leitura294 proposta para a aula de língua inglesa295, o
que acabou chamando a atenção de organizações tanto de cunho conservadoras quanto
liberais e motivou a formação de dois grupos rivais a Christian-American Parents e a Non-
Christians Americans Parents, que estabeleceram manifestações durante as reuniões do
conselho educacional e iniciaram uma série de confrontos, greves296 e boicotes na região.
O fato é que o movimento acabou se radicalizando, ocorrendo ataques vindos dos dois
lados, que resultaram em carros queimados, ameaças com armas de fogo a lideranças dos dois
lados da disputa e atentados contra escolas e ônibus escolares (muitos deles realizados na
presença das crianças). Martin (1996) acrescentou que, ao mesmo tempo em que, o conflito se
avolumava, pastores fundamentalistas (entre eles os reverendos Marvin Horan, Avis Hill,
Ezra Graley e Charles Quigley297) e liberais como o exemplo do reverendo Jim Lewis
passaram a se tornar figuras importantes em meio à disputa, o que fazia com que, a cada dia, o
conflito se caracterizasse por uma batalha entre setores progressistas contra setores
fundamentalistas298.
Outra importante constatação é que, da mesma forma que, a “Guerra Cultural de Kanowha
County” fazia despontar lideranças em meio aos dois lados da disputa local, a repercussão do
evento passou a atrair uma grande variedade de aliados externos, que chegavam a cidade
dispostos dar suporte financeiro, legal e físico para os manifestantes dos dois lados da disputa.
Entre eles destacou-se a presença da Heritage Foundation que ofereceu suporte legal em
favor dos pais que desejavam retirar seus filhos das escolas e educar eles em casa, além de,
293
Os textos que faziam parte do novo currículo estadual traziam pela primeira vez referência ao
multiculturalismo e ao igualitarismo.
294
Entre os livros estava a bibliografia de Malcolm X e o livro Soul on Ice (escrito pelo membro do grupo
Panteras negras Eldridge Cleaver).
295
O medo dos pais conservadores no período era que seus filhos fossem influenciados pelas mudanças que a
cultura urbana e as minorias traziam para a língua inglesa.
296
Os mineiros da região entraram em greve em apoio ao movimento contra os livros.
297
Ao participarem das mobilizações eles acabaram sendo presos e adquiriram status de mártires para seus
seguidores.
298
O que ficou claro quando as lideranças anti-livros rejeitaram a aproximação da Ku Klux Klan alegando que a
nova direita religiosa que surgia na América era totalmente direita da direita política do país.
137

também auxiliar na libertação dos pastores fundamentalistas e manifestantes presos durante os


tumultos299. Junto a ela, outros grupos também apoiaram as mobilizações, entre eles temos: a
Parents of New York United (que propagou nacionalmente o movimento), a John Birch
Society, a Hard Core Parental Group e a The Guardians of Traditional Education.
Os tumultos apenas chegaram ao seu final após o aumento do efetivo policial do estado da
Virginia Ocidental na região e após, em 17 de janeiro de 1975, um grande júri identificar o
pastor Marvin Horan e cinco outros manifestantes como conspiradores da tentativa de
explosão de duas escolas elementares e de outro prédio do conselho de educação, o que
resultou na prisão e no consequente julgamento dos envolvidos300.
Em nossa entrevista com Jim Lewis301, o pastor declarou que a revolta chegou ao ponto da
população voltar sua ira contra ele, o que se agravou após ele abençoar o relacionamento de
um casal homossexual302. Jim passou a ser constantemente insultado e cuspido nas ruas da
cidade, sendo também chamado de comunista e anticristo. Ao fazer um balanço sobre a sua
relação com as pessoas que participaram dos eventos, ele declarou que procurava interceder
estimulando o diálogo entre os lados polarizados do conflito, visitando e confortando os
pastores conservadores presos. Hoje, anos após os conflitos, muitos dos envolvidos mudaram
suas opiniões, deixando de lado o radicalismo, o que é reforçado por ele ao afirmar que as
pessoas mudam. Nesse sentido, mesmo o pastor se diz menos radical do que era no período,
pontuando que o principal motivo para o conflito era o fato das pessoas terem medo das
mudanças.
A questão é que durante o desenrolar dos eventos, a aparente vitória do movimento a
favor do uso dos livros, somente se consolidou após o endurecimento das autoridades locais
que passaram a prender os principais inimigos do material, contudo, mesmo após o término
das manifestações a maioria das escolas locais e, até mesmo, escolas de outros estados
preferiram deixar de lado a utilização do material com medo de novas manifestações. A
consequência dessa disputa foi tão marcante que mesmo com a calmaria após o término da
disputa, pode-se perceber que o sentimento de rancor em torno das mudanças educacionais
não se dissipou e pode ser facilmente observado quando, durante o aniversário (em 2009) de
35 anos do mês mais violento do conflito, alguns pastores fundamentalistas ainda apontavam

299
Outros grupos também apareceram para dar apoio aos conservadores entre eles temos a Parents of New
York United (que propagou nacionalmente o movimento), a John Birch Society, a Hard Core Parental Group e a
The Guardians of Traditional Education.
300
Horan foi sentenciado a três anos de prisão.
301
Junto com Ariel Finguerut.
302
Ele defendeu que, como um membro da igreja, não podia dar as costas a pessoas que o procurassem
pedindo o apoio de Deus.
138

as mudanças do conteúdo educacional do período como uma das causas dos problemas das
escolas na atualidade, ou, como podemos perceber a partir da fala de Hill:
Nossas escolas estão repletas de violência, armas, drogas, álcool e
professores abusando de alunos. O fato é que, por mais triste que isso pareça,
as galinhas voltaram para o poleiro. O que eles ensinaram 35 anos atrás está
acontecendo nas escolas. Vocês destruíram todo um grupo de crianças.
(HILL apud Finn, 2009).

Somado as batalhas em torno do conteúdo escolar, o período também marcou o


surgimento das disputas com relação ao aborto e a guerra contra a pornografia e aos
movimentos em defesa dos direitos dos Homossexuais. Quanto ao aborto a temática começou
a ganhar força em movimentos como a Planned Parenthood303, a National Organization for
Woman304 e a American Civil Liberty Union305(ACLU) em meados da década de 1960 porém,
o apoio ao tema dentro dessas organizações não era de maneira alguma uma unanimidade e,
ainda, causava uma grande variedade de disputas.
Como exemplo disso, Walker (1990) explicou que a ACLU passou a ter o tema do aborto
em sua pauta (sob a indicação da ativista Harriet Pilpel306) em 1964, mas existia a
preocupação de que, se suportasse o aborto, a organização perderia o apoio de importantes
aliados. Somente a partir da aprovação em 1966 de uma lei de reforma sobre o aborto em
Nova York que a organização passou a intervir mais diretamente sobre o tema, participando
das primeiras batalhas legais a partir de 1967 e 1968.
Para o autor, esse momento de dúvida sobre o apoio ao aborto por parte das organizações
ditas liberais representou a própria transformação da opinião pública sobre o tema, ao qual,
em 1968 uma pesquisa do Gallup apontava que apenas 15% dos americanos apoiavam a
liberação de leis que legalizassem o aborto, já em 1969 esses números passaram para 40% e
em 1972 chegaram a um total de 64% dos entrevistados. Junto ao crescimento do apoio
popular, dezessete estados revisaram suas legislações sobre o aborto entre os anos 1961 e
1971 (entre eles o Colorado, a Carolina do Norte e a Califórnia que permitiram o aborto em
casos de risco da saúde física e mental da mãe307).

303
Segundo seu site oficial <http://www.plannedparenthood.org/> a Planned Parenthood foi criada em 1916.
304
<http://www.now.org/>.
305
<https://www.aclu.org/>.
306
Pilpel participou da ACLU e da Planned Parenthood, atuando em temas como o direito ao controle de
natalidade e pró-aborto.
307
O que mais perturbava os contra o aborto era que a extensão do debate para a saúde mental da mãe
acabava se tornando tão abrangente que praticamente liberava o aborto para qualquer mulher que decidisse
fazê-lo.
139

3.2 De Nixon a Carter, da ascensão do Partido Republicano ao poder a crise na


confiança nos políticos do país. Os motivos que levaram à organização da direita
religiosa.

É importante destacar que em meio ao começo dessas batalhas culturais ocorreram duas
importantes eleições presidenciais a de 1968 e a de 1972. As eleições de 1968 foram
marcadas pela disputa entre o enfraquecido Hubert Humphrey308 (escolhido candidato
democrata após o assassinato de Robert Kennedy309 e das violentas manifestações que
ocorreram na Convenção Democrata de Chicago) e o prestigiado Richard Nixon que havia
passado por uma prévia eleitoral muito mais tranquila, derrotando o liberal Nelson
Rockefeller e Ronald Reagan que apenas começava seu governo na Califórnia.
A eleição de Nixon (em 1968) representou uma nova tentativa de se construir uma
base eleitoral republicana que respondesse a virtual dominância liberal/democrata 310. Para
isso, pautava-se por duas mudanças fundamentais que consistiam em uma nova estratégia e
pela formação de uma nova base eleitoral em setores dominantes na sociedade 311. Wolfe
(1981) argumentou que Nixon tentou construir uma maioria republicana atraindo o
envolvimento dos trabalhadores de colarinho azul do oeste e dos democratas descontentes do
sul à sua base eleitoral, o que seria capaz de desmontar a antiga coalizão democrata que foi
formada durante o New Deal e que foi composta pelos trabalhadores de colarinho azul,
negros, a máquina política urbana e setores tradicionais do sul democrata312.
Seguindo essa mesma lógica, Siegel (2011) argumentou que essa tática se repetiu
durante a campanha de reeleição em 1972, porém, ampliou-se o debate sobre questões ditas
culturais. Como o exemplo disso temos a inclusão do posicionamento de Nixon contra o
aborto, que foi inserido na campanha seguindo o projeto do estrategista conservador Kevin
Phillips, que propunha que os republicanos recrutassem blocos de votos tradicionalmente

308
Humphrey foi vice-presidente de Lindon Johnson.
309
Robert Kennedy vencia as primárias democrata principalmente por ser uma das figuras chaves das
campanhas pelos direitos civis, mas acabou sendo assassinado pelo cristão palestino Sirhan Bishara Sirhan
devido ao apoio do político a Israel.
310
Contudo, Garcia (2012) nos mostra que para muitos conservadores como algumas lideranças da YAF, Nixon
era visto como um liberal.
311
Michelot (in HURET, 2008) apontou que Nixon trouxe uma modernização nas técnicas de comunicação
política, quando, após ser eleito, desenvolveu uma nova prática institucional com a ideia de campanha
permanente.
312
Como argumentamos anteriormente, os democratas do sul estavam divididos devido à rejeição aos, cada
vez mais frequentes, programas de inclusão de minorias, distribuição de riqueza e pelos efeitos da recessão
econômica.
140

afiliados ao Partido Democrata atraindo setores conservadores sulistas e católicos do norte


que desde o final da década de 1960 colocavam-se contrários ao aborto.
Essa mesmo método de atração de votos voltou-se nos anos posteriores ao projeto de
arregimentação dos protestantes conservadores (que até então se recusavam a participar da
política do país) para as bases do Partido Republicano. Martin (1996) mostrou que essa
fomentação da mobilização política desse grupo, durante a década de 1970, vinha sendo
desenhada desde a derrota de Goldwater em 1964, ao qual, alguns ativistas conservadores
republicanos, como Morton Blackwell313, reconheciam que os conservadores mais “linha
dura” somente teriam chance de eleger um presidente se atraíssem uma legião de novos votos
ao Partido Republicano. Pela abordagem de Lieven (2005), esse grupo tornava-se vital para a
política do país, pois, em seus anos de autoexílio, os setores fundamentalistas do cristianismo
vinham reforçando a ideia de que eram uma minoria perseguida dentro de seu próprio país, o
que facilitava o argumento em torno da mobilização política.
Retomando a discussão envolvendo a primeira eleição de Nixon, pontuamos que sua
vitória ocorreu em uma disputa bastante acirrada, ao qual, ele obteve 31.785.480 votos, contra
31.275.165 de Humphrey e 9.906.473 de Wallace314, conseguindo um apoio significativo dos
estados sulistas315. Sua campanha concentrava-se na retomada da ordem nas grandes cidades
do país que viviam em meio a uma crescente dos motins raciais e contra a guerra do Vietnã.
Pela leitura de Micklethwait e Wooldridge (2004), Nixon foi o primeiro candidato
republicano contemporâneo a vencer a corrida presidencial com o apoio da maioria da classe
trabalhadora, dos católicos e dos sindicatos316. O motivo disso se deve a sua campanha ter
fomentado o sentimento de revolta contra as elites liberais e os líderes dos movimentos pelos
direitos civis nascido no interior do próprio Partido Democrata. A questão central aqui é que
essas lideranças passaram a inserir novas demandas na rotina partidária, ao mesmo tempo em
que, a violência ampliou nos movimentos sociais, o que causou desconforto aos grupos mais
conservadores do partido, como a ala que apoiava George Wallace. Essa revolta contra os
setores liberais rapidamente espalhou-se contra algumas instituições como a Harvard e jornais
como o Washington Post, que eram vistos, por eles, como cooptadas pelas elites liberais317.

313
Blackwell é um importante ativista conservador republicano que em 1979 fundou o Leadership Institute que
tem como missão de ampliar o número de lideranças e ativistas conservadores na política estadunidense.
Grupo que funciona até hoje tendo seu site no endereço: <http://www.leadershipinstitute.org>.
314
Kaspi (2002).
315
Phillips (2006) mostrou que Nixon ganhou nas eleições de 1968 em cinco estados do sul.
316
Grupos que tradicionalmente formavam a base de apoio do Partido Democrata.
317
O termo liberal passou a ser utilizado como algo pejorativo no período.
141

Após eleito, apesar de sua campanha ter uma grande proximidade com setores como os
Mccartistas e ter uma grande proximidade com a John Birch Society318, e de Nixon319
organizar seu governo a partir de uma base sulista320 (principalmente do chamado
Sunbelt321)322, ele também se aproximou de setores ligados à ala liberal do Partido
Republicano (liderada por Rockefeller) e de setores democratas “kennedianos”. O resultado
disso foi a indicação de professores da Harvard (ao qual ele havia criticado durante sua
campanha) para dois dos principais cargos de seu governo, Henry Kissinger (como
conselheiro de segurança nacional) e Daniel Patrick Moynihan (como conselheiro de assuntos
urbanos em sua equipe da Casa Branca)323.
Aqui, mais uma vez, a polarização política tão fortemente realçada pelas campanhas
eleitorais perdeu influência quando posta à prova na formação do governo, do mesmo modo,
as decisões tomadas pela administração Nixon, vistas pela ótica polarizada das campanhas,
mostraram-se bastante contraditórias. Micklethwait e Wooldridge (2004) mostraram que as
medidas políticas de Nixon foram tão controversas quanto suas indicações para os cargos,
visto que, apesar de ser eleito através de uma plataforma conservadora, o presidente tomou
medidas vistas como liberais ao ser o primeiro presidente republicano a abraçar os programas
de ações afirmativas (expandindo-os para as mulheres negras), defender a ampliação do Clean
Air Act324 (1970) e criar o Cost of Living Council325 (1971-1973).
Seguindo essa linha de pensamento de que existem grandes diferenças entre o debate
eleitoral e as medidas na prática adotadas pelo governo, é importante perceber que, como uma
regra geral, a maioria das decisões governamentais são racionalmente construídas e refletem a

318
É interessante apontar a relação de Nixon com a John Birch Society, pois, anos antes Nixon tinha rompido
com a organização por perceber que grande parte da população tinha uma impressão desfavorável a ela. O que
fez com que Nixon atacasse Robert Welch (então líder do movimento) durante a sua campanha para o governo
da Califórnia em 1962. Essa ruptura foi apontada por Dallek (2004) como um das causas da sua derrota para
Brown nessa eleição, visto que, Nixon perdeu o apoio de grande parte dos ativistas de direita. Já na campanha
presidencial que o elegeu em1968 Nixon se reaproximou do movimento.
319
Blumenthal (1988) explicou que Nixon não era nem um conservador puro nem um Sunbelt puro.
320
Pela leitura de Blumental (1988) cerca de um terço dos chefes de agências governamentais e dois terços das
posições seniores de sua equipe na Casa Branca eram do Sunbelt.
321
O Sunbelt é formado pelos estados Alabama, Arizona, Califórnia, Flórida, Geórgia, Luziânia, Mississipi,
Nevada, Novo México, Carolina do Norte, Carolina do Sul e Texas.
322
Micklethwait e Wooldridge (2004) apontaram que Nixon nomeou os conservadores Arthur Burns para a
presidência do FED, Warren Nutter para o departamento de defesa e Martin Anderson para sua equipe na Casa
Branca.
323
Em Micklethwait e Wooldridge(2004).
324
Segundo Vincent (1994) O Clean Air Act foi proposto em 1964-1965 durante o governo Johnson junto com o
Clean Water Act e o Highway Beautification Act. A partir da decisão de Nixon o programa passou a reforçar as
exigências de regulamentos federais e estaduais para a implantação e funcionamento de indústrias.
325
Que controlava os preços e os salários, atraindo a ira de uma grande parcela dos conservadores que haviam
apoiado seu governo, como os exemplos do rompimento de apoio ao governo em 26 de julho de 1971 de
vários proeminentes conservadores como Willian Bucley e James Burnhan.
142

conjuntura do período e não escolhas motivadas propriamente pelas polarizações. Por esse
motivo, Nixon não se diferenciou muito dessa máxima, abrindo mão de muitas das discussões
relacionadas a uma política interna com um enfoque em questões culturais 326 mais
conservadoras e concentrando seus esforços em temas controversos da política externa.
Porém, essas duas correntes de influência faziam com que mesmo na política externa,
Nixon adotasse medidas contraditórias327, hora defendendo a não expansão do poderio
militar328 e hora a contenção ao comunismo329.
O fato é que muito dessa contraditoriedade nas políticas de Nixon vinha também do fato
dele sofrer uma forte oposição no Senado, no Congresso e nas mídias do país. Essa oposição
conseguia impedir grande parte de suas medidas mais conservadoras, como o bloqueio sofrido
pela sua campanha contra os programas da Grande Sociedade, que acabou sendo barrada
tanto no Congresso, quanto nos tribunais330. Da mesma forma, de acordo com a leitura de
Phillips (2006), o presidente também se posicionou contrariamente ao programa educacional
que propunha o transporte de crianças através de ônibus para auxiliar na dessegregação 331 e
aprofundou uma política pautada na ideia de lei e ordem que coibia as agitações sociais.
O grande destaque sobre questões socioculturais durante o governo Nixon se deu em torno
da batalha contra a pornografia. O tema já vinha sendo fartamente debatido desde que o
Congresso implantou em 1968 comitê científico para analisar se a pornografia era algo
realmente danoso332 para a população, todavia, o debate ganhou grande intensidade após o
lançamento nos cinemas do filme Depth Troath (estrelado por Linda Lovelace), no dia 12 de
junho de 1972.
De acordo com o documentário sobre o filme333, a película de baixo orçamento334 trouxe
uma grande efervescência na sociedade, fazendo com que muitas mulheres de classe média
rapidamente se interessassem pelo seu conteúdo, especialmente, após o Governo Federal

326
O que foi apontado por Kaspi (2002) como resultado do fato dele ter sido eleito com o apoio de uma maioria
conservadora em meio a um país fortemente dominado pelas ideias liberais.
327
Em Wolfe (1981).
328
Segundo Kaspi (2002) Nixon foi reduzindo gradativamente o número de soldados no Vietnã que eram
536.000 em 1968, 475.000 em 1969, 334.000 em 1970 e 156.000 em 1971. Da mesma maneira como ele foi
ampliando a cobertura aérea, o financiamento e treinamento de soldados do Vietnã do Sul.
329
Nixon, ao mesmo tempo em que, mobilizava-se para conter o comunismo na América Latina, negociava com
as lideranças comunistas como no exemplo de sua aproximação com a China e sua visita a URSS.
330
Vincent (1994).
331
Em Nixon (1971).
332
Apesar do comitê não conseguir provar nada, logo após a eleição de Nixon ele tomou a frente da batalha
contra a pornografia.
333
Inside the Depth Troath (2005).
334
Cerca de 25.000 dólares.
143

reprimir sua exibição e uma grande campanha contra o filme iniciar na cidade de Nova York,
cujo resultado retirou-o dos cinemas335.
O filme incentivava a alteração do padrão comportamental para o sexo feminino,
sugerindo que a mulher poderia ter orgasmos não vaginais através da estimulação do clitóris
(que no caso da personagem do filme encontrava-se na garganta). Isso significava que a
mulher poderia ter prazer sem a necessidade de penetração e, em uma sociedade que
historicamente enxergava o sexo oral como algo ilegal, seu conteúdo era realmente
atormentador. A ideia de sexo no cinema era vista com horror por alguns setores da sociedade
que somente aceitava a inclusão de sexo em filmes se eles tivessem um proposito educativo.
Como resultado, ele acabou sendo proibido em 23 estados336 e seus diretores foram
processados e o ator principal, Harry Reems, acabou preso. A repressão ao filme culminou na
lei sobre obscenidade aprovada em 1973 e que tinha como principal resultado a autorização
para que a polícia decidisse o que era ou não pornográfico. Esse crescimento de legislações
contra a pornografia teve como ponto central o debate na Suprema Corte do país que em 1973
contava com 4 novos juízes indicados por Nixon: o liberal Warren E. Burget, o moderado
Lewis F. Powell Jr. e os conservadores Harry Blackmun e Willian Rehnquist337.
Pela primeira vez na história dos EUA um artista foi preso pelo seu trabalho, o que acabou
motivando uma grande mobilização dos atores de Hollywood pela sua libertação. As
tentativas de acabar com a pornografia culminaram na listagem de 117 pessoas que estariam
envolvidas com a produção ou projeções ilegais dos filmes.
As disputas em torno do filme duraram até as eleições de 1976, perdendo intensidade com
o término da sequência presidencial republicana e com a crescente dificuldade para se
controlar o conteúdo pornográfico após a popularização do videocassete.
Se na prática a crescente radicalização entre os ativistas do período teve uma influência
reduzida dentro das decisões governamentais, ela interferia diretamente na identidade dos dois
principais partidos do país, aprofundando as diferenças entre eles, o que pode ser percebido
quando observamos os resultados da convenção democrata em Miami (1972). Segundo Betz
(2008), vinha ocorrendo desde o início dos anos 1970 uma adesão em massa ao Partido
Democrata de setores secularistas que tornaram-se uma grande força política no interior do

335
A repressão ao filme que foi fartamente publicada em jornais como NY Times ampliou ainda mais a
curiosidade das pessoas sobre o filme. Dois anos depois o filme era o décimo primeiro mais visto no país.
336
Com a proibição da exibição do filme ocorreu o crescimento das exibições ilegais controlada por
organizações criminosas.
337
As indicações de Nixon para a Suprema Corte apontam para a tentativa de equilíbrio entre liberais e
conservadores.
144

partido e o influenciaram a adoção de uma nova agenda política. Como resultado, o Partido
Democrata ficou, a cada dia, mais atrativo aos olhos dos não crentes, motivando o abandono
de setores tradicionalistas da sua base de apoio. Em um sentido contrário, o Partido
Republicano passou a receber um número cada vez maior de ativistas evangélicos
conservadores, que progressivamente aumentaram a sua atuação no partido338.
Nixon conseguiu se reeleger em 1972, através de uma campanha incrivelmente
agressiva339, ao qual, ele utilizava a máquina governamental para vigiar de perto as ações de
seus adversários, fato que veio depois à tona com o escândalo Watergate. Durante a
campanha estava a seu favor, a retirada dos soldados do Vietnã e uma sensível melhora na
economia durante aquele ano, contudo, foi devido a sua amizade com o pastor Billy Graham
que residiu uma das principais forças de sua campanha. Graham auxiliou o então candidato a
aproximar-se de setores religiosos propondo que Nixon fizesse orações, utilizasse mais
citações bíblicas em seu discurso, visitasse cultos religiosos340 e enaltecesse as pessoas
conservadoras religiosas. Sua reeleição ficou marcada como a segunda maior vitória da
história dos EUA, contudo, os meses que a sucederam representaram um período realmente
dramático para o político republicano e para sua base de apoio.
No campo das mobilizações sociais, o debate em torno da Equal Rights Ammendment
fez surgir uma das mais antigas organizações de ativistas dos EUA, o Eagle Forum (em
1972). Conger (2009) debateu que o projeto, ao exigir a absoluta igualdade entre homens e
mulheres, era visto pelos conservadores evangélicos como uma tentativa de minar a estrutura
familiar tradicional e apropriada, indo contra os ensinamentos sociomorais da maioria das
igrejas evangélicas. O Eagle Forum e sua líder Phyllis Schlafly tiveram um papel
determinante como modelos para a estruturação das manifestações de ativistas na direita
religiosa americana nos anos seguintes, conseguindo por inúmeras vezes impedir a aprovação
da emenda. O autor apontou que uma das grandes características desses movimentos sociais
conservadores estava nas constantes trocas de informação entre eles, ao qual, toda vez que um
movimento tinha sucesso em um estratégia rapidamente outros o copiavam.

338
Em 1990 os protestantes conservadores representavam quase metade das vozes nas primarias republicanas,
em 1994, 11 senadores e 73 congressistas pertenciam a direita cristã e em 2002 os conservadores cristãos
eram maioria em 36% dos comitês federais republicanos. Entretanto, em 2005, 45% da opinião pública e 30%
dos militantes republicanos acreditavam que os conservadores religiosos tinham uma influência excessiva
sobre o Partido.
339
Nixon foi derrotado apenas em Massachusetts e no Distrito de Columbia. De acordo com Garcia (2012), a
desastrosa campanha do liberal George McGovern, seu adversário democrata, fez com que se crescesse
mesmo no interior do Partido Democrata um forte sentimento conservador.
340
Martin (1996) argumentou que Nixon chegou a viajar até a cidade onde nasceu o Graham para participar do
Billy Graham Day.
145

Junto a ele, o processo Roe contra Wade (em 22 de janeiro de 1973) anulou as
legislações estaduais que definiam o aborto como crime por sete votos contra dois, fazendo
com que se separasse as gestações em trimestres e impedindo a ordem judicial que restringia o
aborto a uma obrigatoriedade de uma orientação da paciente e do médico. Algumas leituras
sobre o período apontaram a decisão judicial como o grande catalizador para a reentrada de
setores conservadores protestantes na política do país. Entre elas, Meacham (2006) mostrou
que futuras lideranças da nova direita religiosa como Jerry Falwell341 prontamente optaram
pela ação política342 após a decisão judicial, dizendo-se horrorizados com ela.
Aliás, vale remarcar que existiu muito mais nesse processo do que uma simples reação
à decisão judicial. A decisão pró-aborto foi utilizada como parte da estratégia de atração dos
protestantes conservadores como novos eleitores do Partido Republicano, visto que, eles, até
então, viviam afastados da vida política e poderiam representar uma nova força política capaz
de rivalizar a coalizão democrata. Dentro dessa leitura, apesar da biografia da maioria das
lideranças da direita religiosa (como Pat Robertson e Jerry Falwell) apontar que as mudanças
legais originaram os movimentos da nova direita, existiu uma lacuna de cerca de 5 anos entre
a decisão judicial e a organização de uma série de pequenos movimentos dispersos que depois
foram inserido nas estruturas maiores da direita religiosa como a Moral Majority e a Christian
Voice.
Martin (1996) mostrou que esse período pode ser pensado como um momento de
convencimento das lideranças conservadoras religiosas de que a sociedade vivia uma crise
moral e que se fazia necessária a entrada deles na política para impedir a decadência cultural.
Com isso, o período representou a mobilização das forças que comporiam a direita religiosa
no país e pela definição do Humanismo343 Secular como o inimigo comum a ser derrotado.
A questão é que quando se pensa no debate pós Roe contra Wade existem claramente
dois momentos. O primeiro, que ocorreu no período entre a decisão e a Conferência Cristã de
Nova Orleans de 1975, pode ser observado como um momento de dúvida sobre a necessidade
(pois não acreditavam que a decisão ampliasse de uma forma radical o número de abortos) ou
sobre a possibilidade de se lutar contra a decisão. Somado a isso, muitas lideranças

341
Que viria a ser a grande liderança da Moral Majority e da direita religiosa do país por toda a década de 1980.
342
Alegando posteriormente que estava errado por pensar que os pais fundadores queriam separar a religião
da política e que, na verdade, eles procuravam era evitar a interferência da política nas igrejas.
343
Corbett (1990) definiu humanismo como uma visão filosófica de mundo que deriva dos valores da
experiência humana neste mundo. Sem referência a Deus ou outra forma sobrenatural, essa leitura de mundo
considera que as pessoas são basicamente boas, embora, tenham a capacidade para o mal dentro delas. Com
isso, a ideia de moralidade para o humanismo vem do entendimento que temos do mundo e da
responsabilidade humana, o que aponta para uma percepção de que moralidade é contextual dependendo da
situação vivenciada.
146

protestantes pensavam que deviam ser favoráveis ao tema do aborto, já que, a Igreja Católica
se pronunciara contrariamente a ela desde o final da década de 1960 344, o que fazia com que
muitos protestantes associassem o debate sobre o aborto a preocupações papistas.
O primeiro momento de não envolvimento contra a decisão rapidamente perdeu força
quando os levantamentos com relação aos números de abortos passaram a ser divulgados. De
acordo com esses dados, em 1973 foram computados um total de 740.000 abortos e em 1974
esse número chegou a 900.000345. Como resposta a isso, a Conferência Cristã de Nova
Orleans (fevereiro de 1975) passou a ser o ponto central para a arregimentação de evangélicos
contra o aborto, nela o movimento antiaborto foi colocado como uma urgência.
Para além da questão religiosa, Vincent (1997) debateu que a liberação do aborto
ocorreu em um momento profundamente conturbado, ao qual, a sociedade passava por um
grande crescimento populacional provocado pelas imigrações (com a chegada de cerca de 7 a
9 milhões de novos imigrantes em solo americano346), enquanto que, a taxa de natalidade
mantinha-se em 15.5 por mil habitantes e a taxa de fecundidade em torno de 1.85 por
mulher347. Essa redução no número de nascimentos significava uma queda percentual da
população considerada “legitimamente americana348” e ocorria, principalmente, devido ao uso
de contraceptivos durante o período349 e pela demora da primeira gestação devido a
motivações profissionais350. Somado a esses fatores, o envelhecimento da população
ocasionado pela queda na taxa de mortalidade e pelo aumento da expectativa de vida

344
As primeiras decisões pró-aborto iniciaram-se ainda na década de 1960 em nível estadual.
345
Herm (1981) afirmou que o motivo do crescimento dos números de abortos foi o crescimento da segurança
nos procedimentos que atingiu um risco de morte de 2 para cada 100.000 mulheres, números que segundo ele
são menores do que o risco de morte em uma cesariana.
346
A década de 1970 inicia a percepção dos problemas do país com relação a imigração ilegal, que já no
período era estipulada em cerca de 3 a 5 milhões de ilegais (undocumented aliens) no território do país.
347
Taxas de fecundidade menores que dois significam que a população estaria decrescendo. O fato é que a
partir do final dos anos 1960 a preocupação com o crescimento populacional passou a ser motivados por
movimentos como o Zero Population Growth (hoje renomeado como Population Connection) que atuando
desde 1968 defende por motivações ambientais o não crescimento populacional. Dados sobre o movimento
podem ser encontrados no site oficial: <http://www.populationconnection.org/site/PageServer>.
348
Aqui inserimos uma pequena nota explicativa a respeito da questão da assimilação dos imigrantes e sobre a
questão envolvendo a ideia de “legítimos americanos”. Historicamente a formação dos EUA como nação
pautou-se pela constante chegada de imigrantes, e consequentemente, por períodos de rejeição aos valores
culturais trazidos por esses novos imigrantes. Nesse sentido, a ideia de assimilação nos Estados Unidos passa
por um processo de recusa da identidade anterior pelo imigrante e por um processo de inserção no modo de
vida estadunidense. Com isso, apesar da rejeição aos novos imigrantes sempre esteve presente na história, a
década de 1970 se torna marcante, pois, após os movimentos em defesa pelos direitos civis, o projeto de
formação da identidade estadunidense deixou de ser homogêneo e passou a ter um forte apelo pela
valorização da identidade de grupos.
349
Já sendo utilizado por 55% das mulheres em idade fértil.
350
Vincent (1997) ainda apontou que em 1980 cada família americana não contava com (em média) mais do
que 1.6 filhos, contra 3 filhos nos anos 1950.
147

direcionava a sociedade dos EUA para uma nova reformulação que, afetada pelas crescentes
crises econômicas, vinha deixando para trás muitas das utopias igualitárias das décadas
anteriores.
Em um caminho semelhante, Lieven (2005) debateu que as inquietudes do movimento
vem do fato das populações originais compostas por brancos anglo-saxões e por outros grupos
que depois se juntaram a eles se viam progressivamente perdendo a supremacia no país. Em
outras palavras, o que a nova direita defende pode ser resumido da seguinte forma: “O mundo
da direita Republicana, mais particularmente a direita cristã, exorta a restaurar uma América
mais puramente americana e ainda fiel ao seu passado.” (LIEVEN, 2005, p.33).
Esse crescimento populacional através da imigração afetava peculiarmente os estados
pertencentes ao Sunbelt que, por se localizarem nas regiões sul e o oeste do país, recebiam a
maior parte dos imigrantes. Vincent (1997) debateu que os estados da região ampliaram o
número de pessoas dependentes do Welfare State, assim como, devido ao crescimento
desordenado351, tiveram que lidar com o aumento da poluição, da criminalidade e dos
engarrafamentos. Logicamente, o efeito desse novo cenário ampliou a percepção de que as
minorias e os imigrantes eram responsáveis pelos problemas dos estados, o que passou a
refletir na opinião de uma parcela da população dessas regiões que se consideravam vítimas,
tanto da forçosa convivência com novas culturas e valores, quanto dos programas
governamentais (como os Busing e as ações afirmativas) que, em meio à crise econômica da
década, pareciam favorecer os novos habitantes em detrimento dos antigos.
Com esse panorama, a luta contra o aborto passou a ter um significado muito mais
profundo do que a questão puramente religiosa. Agora, a disputa passava a representar, ao
menos simbolicamente, a defesa do que seria definido no futuro como a identidade
estadunidense. As transformações legais e sociais ocorridas no período colocaram em marcha
a união de conservadores intelectuais, mulheres “antifeministas” e fundamentalistas cristãos
na luta contra o aborto, pela tentativa de controle do material escolar, pela luta contra o ensino
da educação sexual e pela defesa de um modelo tradicional de família.
É exatamente a partir desse cenário que ocorre o segundo momento sobre o debate em
torno do aborto durante a década de 1970 e que consiste na mobilização em prol de uma
unidade política por parte dos conservadores e da reentrada dos fundamentalistas na política.
A questão aqui é que, para que se fomentasse a mobilização conservadora e a entrada dos
evangélicos na política, era necessário que se estabelecesse um inimigo comum que fosse

351
A população no sul e no oeste do país saltaram de 48% da população total do país para 52% em 1980 e 55%
em 1990.
148

capaz de unificar todos esses movimentos sociais de caráter conservador que eclodiam no
período sobre uma só bandeira.
Por esse motivo, passou a ser fomentado que o Humanismo Secular352 seria o grande
vilão das transformações que ocorriam na sociedade, o que ganhou força após o relançamento
do Manifesto Humanista em 1973353. Martin (1996) explicou que o período assinalou o
crescimento da propaganda que apontava a oposição entre o Cristianismo e o Secular
Humanismo, ideia que ganhou força a partir de documentários feitos por Franky Schaeffer
como How Should we then live?354 e Whatever Happened to the Human Race?355 e com o
número especial da Christian Magazine chamado “Special Report on Secular Humanism vs.
Christianity”.
O fato é que a inserção do Secular Humanismo como o grande vilão a ser combatido
pelos protestantes teve um grande alcance sobre a formação dos movimentos da nova direita
religiosa no final dos anos 1970, uma vez que, mobilizaram os principais nomes que se
tornariam as lideranças do movimento como Jerry Falwell que foi diretamente influenciado,
para usar seu reconhecimento como televangelista para motivar os protestantes a serem mais
ativos politicamente e Tim LaHaye que publicou em 1980 o livro Battle for the Mind356
É inegável que a decisão pró aborto passou a ser vista com horror pelos religiosos que
observavam que a vida tinha seu início no momento da concepção. Porém, suas mobilizações
passaram a ter um caráter de radicalismo que extrapolava a contrariedade a lei e incitava-os
para uma revolta contra o Estado:
Para os fundamentalistas, esse julgamento infringe explicitamente as
injunções mais sagradas do cristianismo, em particular o sexto mandamento,
que diz “não matarás”. Autorizando essa violação da lei de Deus, as
autoridades do Estado se colocam fora da legalidade suprema, o que torna
lícita a desobediência civil em nome da obediência a Cristo. (Kepel, 1991,
p.146).

Essa leitura fazia com que os ataques as clínicas e pessoas que realizavam abortos se
tornassem durante os anos seguintes aceitáveis para muitos evangélicos. Segundo Merchant

352
Vale esclarecer aqui que, de acordo com a leitura de Corbett (1990), nem todas as correntes humanistas são
secularistas, tanto que, em 1933 durante a publicação do primeiro manifesto humanista muitos religiosos
estavam envolvidos no debate sobre o tema e que apenas com o seu relançamento em 1973 se definiu que
existiam dados ineficientes para que a interpretação da religião ser viável.
353
Publicado inicialmente em 1933.
354
A série de documentários de 1976 pode ser encontrada em:
<http://www.youtube.com/watch?v=OGjel8HwSUU&list=PLAD9A72A79A3DFD43>.
355
Uma versão integral do documentário de 1979 pode ser encontrada em:
<http://www.youtube.com/watch?v=EN8yYcTJRUM>.
356
Livro escrito sobre a influência da obra de Schaeffer e que expressa a necessidade dos cristãos lutarem
contra o Humanismo Secular.
149

(in HURET (org.), 2008), até 2008, as 1.800 pessoas habilitadas a praticar abortos no país
sofreram mais de 80.000 atos violentos realizados contra as clínicas ou pessoas a elas
relacionadas, entre elas: 7 assassinatos, 17 tentativas de assassinato, a destruição de 41
clínicas, 1.042 atos de vandalismo, 355 ameaças de mortes, entre outros ataques como
assaltos, agressões e ameaças de contaminação por Antraz através do envio de cartas.
A tática de pensar o Secular Humanismo como inimigo se mostrou muito positiva
durante os anos que se seguiram, mobilizando um grande número de pessoas contra o aborto.
Isso significou, nos anos que se seguiram a decisão, o aparecimento de inúmeras tentativas de
aprovação de legislações em âmbito estadual, com o intuito de procurar brechas na decisão
que possibilitassem que o aborto fosse novamente te proibido. Ao mesmo tempo, a crítica ao
aborto passou a cada ano ser mais sofisticada, se transferindo da questão propriamente
teológica para argumentos sociais e de preservação das características genéticas únicas dos
fetos, o que motivava os manifestante a não apenas agirem contra as clínicas que praticavam
aborto, mas também batalharem legalmente, estabelecendo campanhas de acompanhamento
de mães em dificuldades financeiras e campanhas de adoção357.
Djupe e Olson (2003) mostram que a respeito da questão partidária no país, os anos
seguintes a decisão fizeram com que o Partido Democrata se movesse a ser mais pró-aborto,
enquanto o Partido Republicano foi se tornando cada vez mais contra o aborto, o que pode ser
explicado pelo crescimento da direita religiosa no interior do partido.
A questão do aborto acrescentou-se a outros conflitos que se desenvolviam no país e
afetavam, diretamente, a rotina presidencial. Após a sua reeleição, Nixon passou rapidamente
a sofrer os efeitos do crescimento da crise econômica (que atingiu seu auge durante os anos de
1973 e 1974), da derrota na Guerra do Vietnã e das constantes pressões para que ele
renunciasse358, o que ocorreu no dia 8 de agosto de 1974, devido aos escândalo Watergate359.
Aikman (2007) relatou que com a explosão do escândalo Watergate, Billy Graham
rapidamente saiu em defesa de seu amigo. Contudo, quando Nixon finalmente renunciou e as

357
Em 2010, o movimento contra o aborto fez uma nova tentativa de influenciar a população com o lançamento
do filme Blood Money: the Business of Abortion, ao qual, apresentavam grande dos argumentos modernos
contra o aborto como a proposta de que ele é um projeto para exterminar a população afro americana, que
existe uma indústria de abortos com o interesse unicamente financeiro e argumentos científicos que tentam
mostrar que a vida começa na fecundação.
358
Pela leitura de Lang e Lang (1983), no período da renúncia de Nixon apenas dois em cada 10 americanos
estavam felizes com a administração do presidente e metade desses aceitavam a renúncia como algo
inevitável. Essa mudança da opinião pública ocorreu de uma maneira muito rápida, motivada pela constante
frequência com que a mídia do país reportava os escândalos envolvendo o presidente.
359
Ao qual, de acordo com a leitura de Vincent (1997), ficou marcado como vitória de um jornal progressista, o
Washington Post.
150

fitas gravadas sobre o ocorrido foram reveladas na mídia, o pastor mostrou-se chocado,
dizendo depois que o presidente jamais tinha usado aquele linguajar em sua presença360.
Após a saída de Nixon, como o vice-presidente Spiro Agnew havia renunciado em
1973 devido a problemas de corrupção, o Senado seguindo a 25ª emenda (ratificada em 1967)
escolheu Gerald Ford para assumir a presidência em setembro de 1974.
Ford teve pouco tempo para realizar grandes feitos como presidente, dado que, ele
precisou reestruturar todo o gabinete presidencial (como resultado da crise institucional
deixada por Nixon) e, já em 1976, iniciou-se uma nova campanha presidencial361. Entre seus
feitos mais lembrados está o perdão a Richard Nixon, medida fortemente influenciada pelo
pastor Billy Graham e que impossibilitou que as investigações em torno do ex-presidente
avançassem. Carrol e Noble (1988) descreveram que o perdão à Nixon causou uma queda
instantânea de popularidade de Ford, que rapidamente passou de 72% para 49% após a
decisão. Somado a isso, o Partido Democrata conseguiu o controle do Senado e do Congresso
nas eleições de 1974 o que não permitia a aprovação de qualquer projeto 362 mais audacioso do
então presidente363.
O resultado dos movimentos sociais do final da década de 1960, somados aos conflitos
envolvendo temas culturais, as derrotas militares, as crises econômicas e aos descobrimentos
de crimes das lideranças do país fizeram com que a primeira metade da década de 1970
deixasse uma grande marca de desconfiança entre a população. Como argumentou Kaspi
(2002), a partir de uma sondagem publicada por Lowis Harris para o The National Journal
(em 19 de janeiro de 1980), com exceção da imprensa escrita e televisionada que ampliaram
sua credibilidade, após conseguir provar que Nixon havia mentido, as outras instituições
passaram por uma grave crise de confiabilidade, ou, como podemos observar no Gráfico V
elaborado a partir dos dados indicados pelo autor.

360
Apesar de se chocar com o ocorrido Graham jamais abandonou na amizade com Nixon o que ficou claro
quando no funeral do presidente em 1994, ele disse que Nixon era um homem incompreendido.
361
E ainda nesse curto período conseguiu ser vítima de duas tentativas de assassinato.
362
Como exemplo disso está a tentativa de expansão do orçamento militar, rejeitada pelas duas casas
363
A eleição de 1974 foi marcada pelo incrível grau de desconfiança da população na política do país tendo a
participação de apenas 38% dos eleitores.
151

Gráfico V- Confiabilidade entre 1966 até 1976.

Congresso Casa Branca


Exército Grandes empresas
80%

60%

40%

20%

0%
1966 1971 1973 1974 1975 1976

A crise de confiança que atingiu os EUA resultou em mudanças significativas, entre


elas: a queda na filiação partidária364, o crescimento do sentimento antipartidário365e a
ampliação do número de pessoas que se diziam independentes366.
Os resultados dessa crise de confiança ampliaram as legislações que tentavam
controlar os financiamento das campanhas eleitorais, resultando na criação de comitês de
fiscalização da utilização de dinheiro público nelas. Isso ocorreu pois os gastos das
campanhas vinham em uma crescente, ao qual, na campanha de 1952 haviam sido gastos
cerca de 140 milhões dólares, na de 1960 esse número saltou para 175 milhões de dólares e
continuou sendo elevado com 300 milhões de dólares na de 1968, 425 milhões na de 1972,
540 milhões na de 1976 e cerca de um bilhão de dólares na de 1980367.
Kaspi (2002) descreveu que, como respostas ao crescimento nos gastos das campanhas
eleitorais foram aprovadas legislações como o Federal Election Campaign Act (1971), que
limitava as despesas dos candidatos para utilização em propagandas na mídia (restringindo os
gastos excessivos com as campanhas televisivas). Do mesmo modo, a partir de 1974, as
contribuições para os candidatos passaram a ser limitadas por doador e impossibilitadas de
serem secretas (obrigando que todo o dinheiro utilizado nas campanhas, a partir de então,
fosse declarado). As mudanças no financiamento eleitoral possibilitaram a ampliação dos

364
O que se notou durante os anos 1970 foi uma constante queda na forte identificação partidária que
segundo Norpoth e Rusk (1982) caiu de 36% no período entre 1952 e 1964 para 24% em 1976.
365
Que de Acordo com Kaspi (2002) o antipartidarismo atinge entre 30 e 40% da população.
366
Kaspi (2002) debateu que outra hipótese para o crescimento no número de independentes seria o fruto do
enriquecimento, do desenvolvimento da cultura e da sociedade de consumo. Já Jones (2012) apontou que a
porcentagem de pessoas que se definiam com independentes entre os anos 1951 até 1988 era menor que 30%
e que ocorreu uma variação a partir de 1988 entre 30 e 39% somente atingindo 40% em 2012.
367
Como citado por Kaspi (2002).
152

Comitês de Ações Políticas368 (PACs) que cresceram a cada eleição, em 1974 eram 600, em
1978 passaram a 1.360 e em 1980 chegaram a 2.660369.
Os resultados da crescente descrença da população com as instituições e a revolta de
uma parte da população contra as transformações socioculturais dos anos 1970 atingiram seu
auge no ano de 1976. Segundo Miguel (1978), o ano foi crítico para o país, que precisou
digerir o fracasso na Guerra do Vietnam, os resultados de Watergate, o aumento da inflação e
o aumento do preço do petróleo.
A eleição do democrata Carter veio a reboque desse sentimento de desconfiança com a
América e com os políticos370. Em sua campanha contra Gerald Ford371, a característica
ressaltada e que o levou à vitória foi o fato dele não ser habituado à Washington372
(fortemente centrada na construção de sua imagem como um político não profissional), o que
era reforçado pela insistência de conceitos como honestidade e transparência 373. O projeto
consistia em mostrar Carter como um homem virtuoso374, o que foi sublinhado durante sua
campanha a partir da importância da religião em sua vida375, da explicitação de que ele lia a
Bíblia todos os dias e frequentava regularmente os cultos religiosos 376. Pela leitura de Balmer
(2008), ao professar ser um Born Again, Carter rapidamente atraiu a atenção dos evangélicos

368
Em 2012 estima-se que existiam mais de 4.600 PACs ativos nos EUA.
369
As novas leis eleitorais obrigavam os PACs a reportar periodicamente suas atividades para a Federal Election
Commision, contudo, a proliferação dos PACs por todo o país facilitou a construção das redes de arrecadação
através de malas diretas que teve papel fundamental para a estruturação da nova direita.
370
Blumenthal (2003) analisou-a como a procura de um antiNixon que seguia uma tradição na política
estadunidense de procurarem após períodos de crises um candidato com características totalmente opostas as
do presidente.
371
Reychley (1985) mostrou que durante as prévias republicanas, uma grande parcela dos fundamentalistas
religiosos preferiram apoiar Ronald Reagan do Ford, por considerarem que ele tinha visões sociais mais
congruentes com os princípios fundamentalistas, o que possibilitou a surpreendente vitória dele na Carolina do
Norte. Garcia (2012) acrescentou que Reagan conseguiu outra significante vitória no Texas, o que o credenciou
para se tornar o candidato republicano nas eleições de 1980. Essa vitória mudou o panorama eleitoral no
Texas, que até então, era controlado pelos democratas (com o legislativo composto por 160 deputados
democratas e apenas 21 republicanos) e, através da tática republicana de atrair democratas conservadores que
apoiavam Wallace, passou a apoiar o Partido Republicano, o que ficou claro quando, em 1979, Bill Clements Jr.
se tornou o primeiro governador republicano no estado em mais de cem anos.
372
Carrol e Noble (1988) apontaram que um dos slogans da candidatura era o « Jimmy Who? », que apontava
para o desconhecimento do candidato democrata nos meio políticos.
373
Vincent (1997) citou que Carter dizia em sua campanha que queria resgatar as virtudes antigas, fazendo um
governo competente e justo que incentivaria os americanos a dar «o seu melhor».
374
Mesmo assim, Martin (1996) indicou que Carter teve dificuldades em sua campanha de 1976 e,
principalmente, na de 1980 devido ao tema do aborto.
375
Martin (1996) escreveu que desde o início das primárias, Carter havia, casualmente, mencionado ser um
evangélico e um Born Again.
376
Carrol e Noble (1988) aprofundaram essa visão ao afirmarem que Carter interrompia a sua campanha todos
os domingos para voltar para casa e ensinar a Bíblia para as crianças no Southern Baptist Sunday School.
153

e dos fundamentalistas cristãos377, que responderam favoravelmente ao fato dele participar da


Southern Baptist Sunday School.
É claro que Carter enfrentou alguns problemas ao utilizar sua religiosidade como
ponto central de sua campanha378, particularmente, quando o candidato declarou em uma
entrevista para a Playboy que todas as pessoas que tiveram relações sexuais fora do
casamento, se envolveram em relações homossexuais, roubaram ou mentiram eram pecadores.
Coerentemente, a repercussão da entrevista ocorreu muito mais pela revista, ao qual, ela foi
publicada, do que, pelo seu conteúdo que era compartilhado pela grande maioria das pessoas
religiosas do país.
A religiosidade de Carter acabou sendo o grande diferencial de sua campanha,
principalmente, porque Ford hesitou em demonstrar publicamente sua fé por considerar não
ser apropriado propagandeá-la durante uma campanha eleitoral. Essa posição de Ford estava
alinhada a uma ineficaz tática de campanha que tentava acusar Carter de usar a religião com
propósito político379.
Nesse sentido, a campanha de Carter foi pensada como uma mediação entre o discurso
conservador que propunha a redução da interferência do Estado e o liberal que percebia a
importância do Estado para a correção de distorções e defendia a manutenção dos programas
sociais. Como debateu Martin (1996) a plataforma política de Carter ajustava-se ao resgate da
família americana380, pois, propunha uma reforma no Welfare State que encorajasse o trabalho
e a vida familiar, uma reorganização do sistema de taxas que incentivava que as famílias
continuassem juntas, além de prometer um projeto de National Health-Care, que seria focado
no planejamento familiar e na prevenção da necessidade de abortos. Junto a essas promessas o

377
Alguns votando entusiasmadamente em um candidato com « valores morais», outros votando com
indiferença pois tinham convicção que o retorno de Jesus estava próximo.
378
Entre a oposição à campanha de Carter estava Billy Graham que, apesar de após da renúncia de Nixon 1974
ter ficado publicamente mais afastado da vida política, tentou influenciar os eleitores evangélicos para que
votassem em Ford (fez com que após a eleição de Carter, Graham não participasse, pela primeira vez desde a
eleição de Truman, da cerimônia de posse presidencial). Aqui destacasse o quão ambígua era a participação ou
não de religiosos na vida política, o que constantemente refletia-se nas decisões de Graham, afinal, mas uma
vez, o pastor declarou publicamente a não participação na campanha eleitoral e atuou nos bastidores em prol
de um candidato. Meachan (2006) descreveu que esse espaço deixado pelo virtual afastamento de Graham
abriu caminho para que novos pastores tivessem a imagem associada a vida política do país, entre eles estavam
os exemplos de Jerry Falwell e Pat Robertson.
379
Balmer (2008)
380
Terhorst (1976) no editorial do jornal Spokane Daily Chronicle mostrou que para Carter a família americana
estava sobre ataque e que o Estado de Bem Estar Social vinha contribuindo para a sua desestabilização. Por
esse motivo, se as pessoas queriam um governo menos “ingerente” era necessário primeiramente reforçar a
família.
154

candidato prometia se esforçar para que o legislativo aprovasse a instituição do National Day-
Care Program.
Esse projeto de defesa da família fez com que Carter flertasse durante toda sua
campanha com os eleitores Born Agains, que iniciavam uma participação mais contundente na
vida pública do país381 e que foram determinantes para a sua eleição382. Contudo, além de um
projeto de governo alinhado aos valores morais, Carter aproximou-se dos setores mais liberais
do Partido Democrata e das minorias. Nesse sentido, a eleição de Carter mostrava que além de
manter a tradicional base de apoio, o Partido Democrata investia fortemente na tentativa de
atrair o voto da população evangélica, porém, o grande problema dessa estratégica
concentrava-se em como administrar os interesses de grupos com pretensões tão diferentes.
Como mostraram Carrol e Noble (1988), existia uma grande contradição na campanha
de Carter que fazia com que as pesquisas de intenção de voto do período apontassem que os
liberais acreditavam que o político democrata era um liberal e os conservadores achassem que
ele era conservador.
Esses ingredientes fizeram com que Carter fosse eleito com uma margem eleitoral de
2% sobre Ford, a partir da associação da tradicional base de apoio democrata e de um grande
apoio de grupos religiosos (principalmente evangélicos). Segundo Kaspi, (2002) o político
democrata conseguiu o apoio de 80% dos votos dos afro-americanos, 68% dos votos judeus,
55% dos votos católicos, 74% dos votos liberais, 53% dos votos moderados, 60% dos votos
nas grandes cidades e 62% dos votos nos sindicatos.
Contudo, sua inexperiência em Washington somada a continuidade da deterioração
econômica (com altos índices de desemprego e inflação) e a uma série de derrotas na política
internacional rapidamente erodiram sua base de apoio383. O que se somava ao fato de Carter
ter estabelecido um comprometimento com grupos presentes nos dois lados das disputas
culturais e que passavam a debater com um vigor cada vez maior temas ligados a cultura.
Após eleito sua atuação na política interna concentrou-se na luta contra o desemprego
e inflação384, em reformas no sistema de auxílio social, na redução dos gastos com

381
Froidevaux-Metterie (2009) apontou que dentro desse alinhamento com os setores evangélicos, Carter
prometeu realizar uma conferência nacional destinada a remediar o declínio moral da família estadunidense.
382
De acordo com a leitura de Cromartie (1993), o ano de 1976 foi considerado pela revista Newsweek devido a
eleição de Carter e do sucesso alcançado pelo livro Born Again publicado por Charles Colson.
383
Carrol e Noble (1988) descrevem que após o seu primeiro ano de mandato a popularidade de Carter
despencou de 75 para 50%.
384
Entre essas medidas estava o encorajamento do então presidente ao Federal Reserve Board (em 1979) para
que aumentasse a taxa de juro para 15%, o que acabou gerando uma das maiores recessões da história
estadunidense, marcada pela queda dos índices de produtividade em cerca de 9%.
155

funcionários da Casa Branca385 e no código de impostos, na tentativa de solução para as crises


energéticas386 e por uma vontade conservadora, ao mesmo tempo em que, procurava agradar
os setores das minorias que o apoiaram em sua campanha.
O mote aqui é que, apesar de em sua campanha aproximar-se dos setores
conservadores religiosos, Carter pouco avançou em uma agenda pró-conservadores, evitando
indicar membros religiosos para cargos em seu governo, abstendo-se, ou tomando decisões
contrárias as principais reivindicações em torno de questões relativas à disputa entre
conservadores e liberais. Como exemplo disso, citamos o debate iniciado em 1975 (sobre
eventuais supressões de vantagens fiscais reservadas a estabelecimentos de ensinos
confessionais), onde, após sua eleição em 1976, o presidente manteve-se neutro387 e o
exemplo da criação do Ministério Federal de Educação que dificultou o desejo dos
evangélicos de obter o controle do sistema educacional nos estados do sul. Da mesma forma,
quando, finalmente, a Casa Branca realizou a White House Conference on Families em 1980,
Carter apoiou uma definição de família abrangente que incluía famílias estendidas, adotivas,
reconstruídas, recompostas e, especialmente, que não excluía os homossexuais, o que
expandiu a revolta de setores fundamentalistas à sua administração.
A White House Conference on Families de 1980 merece ser mais aprofundada, pois,
ela era uma das principais promessas de campanha de Carter. De acordo com Balmer (2008) o
evento era considerado vital para o conservadores religiosos 388, que constantemente
pressionaram o presidente para que a realizasse, mas, como a administração estava soterrada
por constantes crises (energéticas, econômicas e diplomáticas), o evento foi sendo deixado
para segundo plano.
Entender a relação conflituosa entre a influência fundamentalista cristã e a base
democrata durante a administração Carter é importante, pois, a partir da aproximação dos
evangélicos com Carter pôde-se compreender a potencialidade eleitoral desses setores. Bem
como, a partir da ruptura deles com o presidente, colocou-se em prática a estratégia

385
Carrol e Noble (1988) escreveram que Carter reduziu a quantidade de funcionários na Casas Branca e
ordenou que membros do seu gabinete dirigissem os próprios veículos.
386
Como o acidente envolvendo a usina nuclear de Three Mile Island (na Pensilvânia) e a segunda crise do
petróleo de 1979.
387
O que, segundo Finguerut (in SILVA (org.), 2008), culminou na mudança da regra fiscal de 1978, que forçava
as escolas particulares nos Estados Unidos a pagar impostos e fez com que conservadores religiosos enviassem
500 mil cartas para a Internal Revenue Service (IRS), mostrando a força política dos grupos Cristãos.
388
Balmer (2008) apontou que o termo família virou um verdadeiro mantra para os conservadores religiosos
nos anos que se seguiram a conferência.
156

republicana de atração dos votos desses evangélicos389, o que foi a chave para término de anos
de dominância do Partido Democrata na política nacional. É importante destacar, como
argumentaram Micklethwait e Wooldridge (2004), que antes do governo Carter os votos
evangélicos eram divididos entre os dois partidos.
Porém, não foi apenas pela insatisfação com a administração Carter que se formou a
mobilização da nova direita nos EUA, o movimento vinha se avolumando desde o início dos
anos 1970 marcando uma aproximação dos conservadores culturais com os setores
fundamentalistas religiosos. Por causa disso, é vital observar que existia uma crescente na
importância dos pastores, que foi originada como resposta as disputas culturais do final dos
anos 1960 e início dos anos 1970.

3.3 A explosão televangelista e a revolta contra o aborto.

Essas pessoas conduzem vidas miseráveis e sofrem


em silêncio porque sabem que estão indo receber sua
recompensa do céu. Um pastor é um homem que foi
abençoado por Deus na Terra. Se ele não dirige um
Cadillac, eles não pensam bem dele; Deus não deve
favorecê-lo. Eles devem se vestir bem, parecer bem e
cheirar bem. Marjoe (1972)390.

Eu acho que Deus está dando a esse país uma chance


a mais para se salvar. O que vem acontecendo nesse
país, o que vem sendo tolerado… se algo não
acontecer com esse país, talvez nós teremos que nos
desculpar por Sodoma e Gomorra.” Senador Jesse
Helms (1990).

Para se pensar o crescimento da direita religiosa (ou direita cristã) nos Estados Unidos
é vital compreender a ampliação da influência política das lideranças religiosas no país e a
criação de um diálogo entre os mais variado grupos religiosos em prol de uma agenda
“moral”. O primeiro passo para esses dois pontos concentrou-se na compra de espaço na
grade televisiva pelos dos televangelistas, o que resultou, como apontou Froidevaux-Metterie
(2009), em um crescimento da audiência televisiva de pastores; como exemplo destacava-se o
programa Old Time Gospel Hour comandado por Jerry Falwell, que rapidamente se tornou

389
O que segundo Reichley (1985) a intensão de atrair os evangélicos para o Partido Republicano estava
presente nas preocupações de alguns dos seus principais nomes como Robert Taft, Dwight Eisenhower e Barry
Goldwater.
390
Ebert, R. (1972).
157

um dos pastores mais famosos com milhões de telespectadores391, o programa 700 Club
liderado por Pat Robertson e a PTL do casal Jim e Tammy Bakker.
Além do crescimento do número de espectadores desses setores ocorreu uma
transformação na liderança religiosa conservadora, ao qual, os antigos pregadores como Oral
Roberts, Billy Graham e Rex Humbard, na maioria das vezes, posicionavam-se publicamente
contra a participação política de setores religiosos e os novos pastores, que começaram a
comprar espaço nas estações televisivas como Jerry Falwell, James Robinson, Pat Robertson e
Jim Bakker, constantemente comentavam assuntos políticos e sociais em suas programações,
a partir do argumento de que o papel do bom cristão era o de interferir na política do país.
Segundo Reichley (1985), após duas décadas de fracassos, o final da década de 1970 e
começo da década de 1980 mostraram que a estratégia de tentar aproximar os evangélicos da
política começava a dar resultados. No período, as pesquisas de opinião mostravam que os
evangélicos começavam a se posicionar favoravelmente a participação na vida pública. Os
responsáveis por essa transformação na mentalidade evangélica foram exatamente os pastores
televisivos, que a partir de sua recorrente visibilidade na programação das TVs e rádios392
começaram a atrair apoio para causas conservadoras. Um exemplo clássico dessa participação
ocorreu quando a ativista anti-homossexuais Anita Bryan pediu o auxílio de Falwell em sua
cruzada Save Our Children, sendo prontamente convidada para participar do programa
televisivo do pastor e para falar sobre o tema durante uma convenção em Miami.
Essa propagação das ideias conservadoras a partir dos programas religiosos vinha
associada ao rápido crescimento da audiência desses programas. Reichley (1985) mostrou que
ocorreu um significativo aumento delas, ao qual, em 1963 tinham uma audiência de apenas
12% dos protestantes, na década de 1970 já tinham quase o dobro e em 1984 atingiram um
público de 13,3 milhões de ouvintes e telespectadores393.
O crescimento da audiência dos televangelistas foi fortemente motivado pelo
sentimento de uma crise de confiança e por uma crise econômica, o que favorecia as temáticas
desses programas. Eles exaltavam curas milagrosas através do arrependimento e a constante

391
Micklethwait e Wooldridge (2004) citaram que a audiência dos programas Old Time Gospel Hour e do
programa Pat Robertson’s 700 Club (<http://www.cbn.com/700club>) atingiam em seu auge uma audiência de
15 milhões de ouvintes cada. Da mesma maneira, o The Christian Broadcasting Network era a quinta entre os
canais a cabo do país com cerca de 30 milhões de assinantes. Zwier (1982, p.18) afirma que já em 1980 a
emissora contava com 400 estações e estava avaliada em 50 milhões de dólares.
392
Incentivadas pelo Federal Communications Commission que sempre demandava que as estações de televisão
deixassem uma quantia fixa de seu tempo no ar para programas religiosos
393
Kepel (1991) considerou uma audiência ainda maior desses programas religiosos argumentou que ela
atingia a assustadora quantia de cerca de 70 milhões de pessoas que regularmente viam os programas do casal
Bakker e similares.
158

presença de pessoas famosas do período como exemplos de que a aproximação com Cristo
trazia felicidade e sucesso para suas vidas. Kepel (1991) descreveu, citando o exemplo do
programa Praise to Lord Club (PTL) do casal Jim e Tammy Bakker, que esse formato de
programa era tão convincente que chegou a atrair alguns ideólogos da esquerda dos anos 1960
como Paul Stookley394 e o antigo dirigente dos Panteras Negras Eldridge Cleaver.
No mesmo período, a emissora CBN e o programa 700 Club criados por Pat Robertson
ganhava incrível visibilidade e arrecadava milhões através de seus Teletons. A história da
CBN é por si só emblemática, já que, desde sua compra em 1960 a sobrevivência da emissora
pautava-se em pedidos de doações, posto que, Robertson inicialmente se recusava a aceitar
qualquer tipo de comerciais na programação. Em 1963 eles organizaram o primeiro Teleton
ao qual propunham que 700 espectadores395 fizessem uma doação mensal de 10 dólares (o que
contabilizaria um valor mensal de 7.000 dólares, valor suficiente para manter a TV no ar)396.
O crescimento dos televangelistas colaborou para a formação no final dos anos 1970
dos grupos de pressão e organizações políticas que foram denominadas como direita religiosa.
Segundo Zwier (1982, p.8-9), elas consistiam de uma coalizão de grupos enraizados no
fundamentalismo religioso, tendo maior visibilidade em movimentos como a Moral
Majority397 (originada em Lynchburg sobre a liderança do Rev. Jerry Falwell) e a Christian
Voice (originada na Califórnia sobre a liderança do Rev. Robert Grant) 398. O autor
acrescentou que ambas as organizações foram produtos da maneira como os pastores
fundamentalistas observavam as políticas públicas e as normas sociais dos anos 1970,
pontuando quatro acontecimentos centrais para a consolidação dos movimentos. O primeiro
seria a decisão no caso Roe contra Wade (1973), o segundo a criação de organizações
políticas a partir do corpo de igrejas fundamentalistas399, o terceiro foi a decisão do Internal

394
Paul Stookley era um dos integrantes do grupo musical Peter, Paul e Mary conhecidos pelas suas letras
políticas nos anos 1960.
395
Esses primeiros doadores foram homenageados depois como nome do programa The 700 Club.
396
A argumentação para a arrecadação era sempre construída sobre o apelo de que a TV precisava de ajuda
para não sucumbir as forças de Satã e fechar. A partir dos 700 doadores, Robertson fundou o 700 Club um
programa religioso que se diferenciava dos que existiam na TV (que normalmente consistiam de pastores
pregando), em razão do programa ser na verdade um grande espetáculo de variedades, que não possuía uma
programação fechada. Boston (1996, p.29) escreveu que para Robertson a programação seguia os desígnios de
Deus no momento, hora apresentando uma programação musical, hora entrevistas.
397
Criada em 1979, por Falwell e Weyrich e que seria responsável pelo registro de cerca de 2,5 milhões de
novos eleitores durante os próximos 10 anos de sua criação.
398
Junto a eles surgiram outros movimentos com um caráter semelhante como a American Christian Cause
(1974), a Focus on Family (1977), a Concerned Women of America (1979), a Religious RoundTable (1979), a
Traditional Values Coalition (1980) e a Family Research Council (1981).
399
Resultado da reação dos pastores fundamentalistas a expansão da proteção legal aos homossexuais
aprovada na Califórnia em 1978, que iniciaram uma variedade de manifestações contrárias a elas. O ponto
central desse processo se deve ao fato do Internal Revenue Service ameaçar o status de isenção de tarifas das
159

Revenue Service Action de remover a isenção de taxas das escolas que não tivesse entre os
seus alunos membros de grupos minoritários400 e o quarto foi a batalha em torno da Equal
Right Amendment401 (ERA).
A partir desses eventos a nova direita estadunidense402 despontou como uma das mais
significantes forças política estadunidense do século XX. Segundo Dolbeare e Medcalf
(1988), o movimento estabeleceu uma rede de trabalho a partir de um número variado de
organizações que somadas eram constituídas por milhões de membros. Devido a pluralidade
dos grupos que compunham o movimento, ele possuía temáticas diversas que eram
compartilhadas através de boletins informativos, jornais e malas diretas que, além de um
caráter informativo, tinham função de organização das mobilizações sobre os temas
específicos envolvidos no movimento. A base de apoio da nova direita teria origem em dois
grupos, os fundamentalistas religiosos (cerca de 10 milhões localizados em sua maioria no sul
e no meio Oeste) e os Middle American Radicals403 (MARs) que formavam um grupo
nacionalmente distribuído e composto por aproximadamente 25% da população, em sua
maioria de classe média baixa que consideravam que, mesmo com seu trabalho duro, estavam
sendo a cada dia mais pressionados pelo governo, tendo que suportar uma injusta mudança na
carga social404.
Nesse sentido, o movimento se apoiou nas disputas em torno de temas como a redução
de impostos, a restauração de valores patrióticos e religiosos, uma política externa mais
nacionalista, o controle sobre os sindicatos, a oposição ao controle das armas e o apoio aos
esforços para a redução da criminalidade. Somado a esses projetos, em 1977 e 1978 a nova
direita iniciou a construção da Pro-family Coalition, que reunia grupos antiabortos, os

igrejas desses pastores, uma vez que, para receber a isenção elas não poderiam participar de manifestações
políticas. A solução para isso veio na criação de grupos políticos nascidos a partir dos quadros dessas igrejas.
400
Após a decisão a favor da dessegregação no caso Brown contra Board of Education Topeka, Kansas de 1954,
começaram a ser criadas escolas com o intuito de evitar a dessegregação. Devido a isso, o comissário Jerome
Kurtz atendendo os apelos dos Afro-Americanos enviou uma proposta que negava a isenção de tarifas para
todas as escolas que não reservassem vagas para, pelo menos, 5% da proporção equivalente as minorias
existentes na comunidade. A decisão causou revolta dos fundamentalistas que iniciaram uma série de
manifestações, argumentando que a IRS simplesmente presumia que as escolas não estavam abertas as
minorias (Falwell foi uma das figuras centrais nessa disputa, pois era líder de uma escola em Lynchburg). Sobre
o tema, Balmer (2008) defendeu que decisões judiciais como a Green contra Connally de 1971 (que retirava a
isenção fiscal das escolas que segregavam) teve uma influência maior na formação da direita cristã do que o
próprio Roe contra Wade, uma vez que, impedia o isolamento dos fundamentalistas. O exemplo clássico disso
ocorreu com a Bob Jones University que decidiu aceitar afro-americanos a partir de 1971 mas continuou se
recusando a aceitar mulheres afro-americanas não casadas até 1975, quando, em 17 de abril, o IRS revogou
seu status de isenção de impostos.
401
Mais uma vez, Falwell teve um papel fundamental atuando para que a emenda fosse rejeitada.
402
A ideia de nova direita americana vem da associação de conservadores sociais com a direita cristã.
403
http://www.middleamericanradical.com.
404
Dolbeare e Medcalf(1988)
160

movimentos do Stop ERA, contra a expansão de direitos aos homossexuais, contra os


trabalhos infantis, a pornografia e o empobrecimento da cultura popular do país (música,
programação televisiva e cinema).
Entender a formação dessa nova direita religiosa nos EUA passa pela compreensão do
papel de alguns atores que somados aos pastores fundamentalistas contribuíram para a
formação do movimento, entre eles: Paul Weyrich, Howard Phillips, John (Terry) Dolan e
Richard Viguerie. Essa união ocorreu porque esses intelectuais percebiam que os
conservadores, durante as décadas anteriores, estavam debatendo, exclusivamente, questões
econômicas e de política externa e pouco contribuíam para o debate sobre temas sociais do
país.
Segundo Dolbeare e Medcalf (1988), Paul Weyrich405 organizou o suporte financeiro
e o início instrumental de várias organizações conservadoras, ele foi responsável pela
revitalização (com o auxílio de Joseph Coors) da Heritage Foundation406, liderou o American
Legislative Exchange Council407 (que auxiliava os legisladores sobre temas do ponto de vista
conservador), iniciou o Committee for the Survival of a Free Congress (a CSFC foi fundada
em 1974 com o intuito de arrecadar fundos e apoiar a candidatos conservadores para o
Congresso, oferecendo, também, treinamento intensivo em técnicas de campanha)408.
Outra figura importante da fundação da nova direita foi Howard Phillips que fundou o
Conservative Caucus409(CC) em 1975 como um caminho para mobilizar constituintes em
vários distritos para manter pressões sobre os congressistas e Senadores. De acordo com o seu
site oficial, a ideia do CC era fazer com que as pessoas tivessem informações sobre o que
acontecia no governo, encorajando-as a visitar seus representantes para que eles escutem o
que os conservadores têm a dizer sobre os temas considerados prioritários como defesa
externa e da liberdade individual. Dolbeare e Medcalf (1988) apontaram que em 1980 o CC
tinha centenas de milhares de contribuidores, um orçamento de três milhões de dólares e
organizações em 250 distritos.
Já John (Terry) Dolan ajudou a iniciar o National Conservative Political Action
Committee (NcPAc) em 1975, que possuía o intuito de coletar fundos de campanha para
candidatos e causas conservadoras. A organização teve particular sucesso ajudando a derrotar
senadores liberais nas eleições de 1978 e 1980. Dolan fez parte do Washington Legal

405
Considerado por Micklethwait e Wooldridge (2004) como o Lênin do conservadorismo estadunidense.
406
http://www.heritage.org.
407
http://www.alec.org.
408
<http://www.freecongress.org>.
409
<http://www.conservativeusa.org>.
161

Foundation410 e do Conservatives Against Liberal Legislation (CALI) respectivamente um


grupo patrocinador de propósitos conservadores e um grupo de lobby político.
Além desses, Richard Viguerie teve um papel fundamental sendo editor do
Conservative Digest (jornal mensal) e líder da Richard A Viguerie Company (Ravco) uma
sofisticada rede de malas diretas que arrecadava fundos e servia de sistema de comunicação
para outras organizações conservadoras411. A importância da rede de contatos construída por
Viguerie foi tão significativa que Micklethwait e Wooldridge (2004) assinalaram que em
1980 ela consistia de uma lista com aproximadamente 15 milhões de colaboradores.
É importante destacar, como nos lembrou Reichley (1985), que Weyrich e Viguerie
eram católicos e Phillips era judeu, o que fez com que eles, para conseguirem se aproximar
dos grupos fundamentalistas, tivessem que se associar com lideranças protestantes, como nos
exemplos de Robert Billings412 (que era um amigo de Weyrich) e Edward E. McAteer413 (que
tinha uma relação próxima com Phillips).
Essa associação entre conservadores culturais e a direita religiosa foi responsável por
toda uma rede fortemente empenhada na fomentação do que viria a ser chamado de Guerra
Cultural, o que pode ser percebido quando se observa as características apontadas por
Viguerie como compartilhadas pela nova direita, sendo elas: 1- o desenvolvimento de
habilidades técnicas, como malas diretas, na mídia em massa e em políticas práticas. 2- uma
boa vontade para trabalhar junto pelo bem comum. 3- Um comprometimento para colocar
filosofia antes dos partidos políticos. 4- um otimismo e uma convicção de que eles tinham a
habilidade para vencer e liderar a América.
O exemplo da Moral Majority414 demonstrou claramente essa união entre pastores e
intelectuais conservadores. Fundada em 1979 sobre a liderança de dois pastores Jerry Falwell
e Robert Billings o movimento inicialmente funcionava como um grupo de pressão e teve um
rápido crescimento, atingindo entre 4 a 5 milhões de membros, aos quais, entre eles cerca de
75.000 pastores, padres e rabinos que se estendiam por todos os estados e pelo Distrito de

410
<http://www.wlf.org>.
411
Crawford (1988) mostrou que desde 1971 Viguerie já arrecadava fundos para o grupo Citiziens for Decent
Literature.
412
Billings foi um dos fundadores da Moral Majority, deixando a organização em 1980 para assumir a
coordenação dos grupos de igrejas que apoiavam Reagan na campanha presidencial.
413
McAteer era promotor de vendas da Colgate Palmolive e tinha fortes relações com vários pastores
evangélicos.
414
Reichley (1985) citou que o termo Moral Majority foi utilizado pela primeira vez por Richard Viguerie,
referindo-se a toda a mobilização fundamentalista e que Falwell acabou se utilizando da fala do pensador
conservador para batizar sua organização.
162

Columbia415. O movimento estruturava-se a partir dessas lideranças religiosas que


propagavam em suas congregações a ideia de que o bom cristão era ativo politicamente,
ajudavam a organizar mobilizações e incentivavam a arrecadação para que o movimento
continuasse funcionando.
Com essa rede estruturada, a revista de notícias do movimento, chamada Moral
Majority Report, chegou a 1 milhão de casas e o orçamento anual passou de 5.5 milhões de
dólares, sendo utilizado para lobbying político e publicações (entre elas o manifesto Listem,
America! importante material escrito por Falwell (1980) com o intuito de propagandear as
ideias do movimento). De uma forma geral, o principal avanço trazido pela organização foi,
em pouco mais de dois anos, mobilizou a inscrição de 2 milhões de cristãos nas listas
eleitorais, elevando a taxa de participação dos evangélicos do sul do país na política de 61%
em 1976 para 77% em 1980
A questão envolvendo a Moral Majority está exatamente no avanço trazido por
Falwell que, ao clamar pela participação política dos evangélicos, percebeu que outros grupos
conservadores dentro das principais comunidades religiosas como católicos, judeus ortodoxos
e outros tinham muito mais em comum com conservadores de outras denominações religiosas
do que com grupos progressistas pertencentes a sua própria denominação 416. Essa percepção
possibilitou estabelecer um debate entre setores conservadores de diferentes religiões,
definindo uma agenda de interesses comuns e rompendo com as barreiras que historicamente
as separavam. Nesse sentido, apontamos que ocorreu uma aproximação entre as diferentes
religiões a partir da percepção do Humanismo Secular como o inimigo a ser derrotado417.
Com isso como detalhou Zwier (1982), a organização tinha como intenção abarcar
cinco objetivos: 1- mobilizar americanos morais a terem voz política, 2- informá-los sobre
políticas governamentais, 3- fazer lobby no Congresso com o intuito de derrubar legislações
liberais, 4- apoiar legislações que poderiam garantir uma América livre418 e 5- ajudar cidadãos
que estavam em disputa de batalhas legais em suas cidades natais.
Para atingir esses objetivos, o movimento concentrou-se na criação de um PAC em
1980, que possibilitou a arrecadação de fundos para financiar a campanha de candidatos
conservadores e também criou a Moral Majority Legal Defense Foundation que oferecia

415
Em Zwier (1982).
416
Como debateu Duffy (2007).
417
Esse mobilização contra o Humanismo Secular foi tão significante que, segundo Corbett (1990), já em 1980,
quando foi publicado o manifesto A Secular Humanist Declaration ele já tinha um caráter muito mais defensivo,
que os manifestos humanistas anteriores, centrando-se na ideia de que o humanismo estaria sob ataque.
418
Logicamente a ideia de liberdade aqui concentra-se em liberdade para os religiosos.
163

assistência legal para pessoas e escolas privadas, em nível local, em batalhas contra a
pornografia, drogas, e homossexualidade419.
Vale lembrar que junto a Moral Majority, a década de 1970 se mostrou profundamente
frutífera para a construção de uma agenda conservadora, em especial pelo surgimento de
inúmeras organizações como a Christian Voice (1978), o Concerned Women for America420
(1979), Eagle Forum (1973), Focus on Family (1977), entre outros, que possibilitaram a
formação de uma grande rede de manifestações em torno de temas culturais.
O principal problema em torno de algumas leituras sobre a Moral Majority é que, em
muitos momentos, observa-se o movimento a partir de uma postura crítica que a percebe
como em prol da tentativa de tomada de poder por parte de setores conservadores religiosos,
ou ainda, observam o movimento a partir do seu discurso, que coloca sua mobilização como a
vontade da grande maioria da população estadunidense. Entre os exemplos dessa segunda
leitura, destacamos Schilling (2004) que reproduziu a ideia de que a formação da Moral
Majority foi a entrada na política de uma parcela da população citada, no início dos anos
1970, pelo ex-presidente Nixon como a Silent Majority (Maioria Silenciosa). Segundo a visão
de Nixon, no período de maior contestação ao seu governo, esse era o grupo que representava
o sentimento geral dos americanos, sendo formado por uma massa patriótica que comumente
não demonstrava seu alinhamento ideológico em público421.
Pensando a partir da questão sobre a polarização política na sociedade estadunidense
chegamos a uma conclusão contrária a leitura de Schilling (2004). Em nossa leitura, os
movimentos da direita religiosa passam longe de ter representado a média americana, que no
geral é não politizada, ou seja, mais que uma maioria silenciosa eles representavam uma
minoria ruidosa com um projeto político pensado.
Esse projeto político, ao menos em um primeiro momento, distancia-se também do
que foi apontado pela visão crítica ao movimento que o colocou como a tentativa de
implantação de uma Teocracia. Ao menos em sua origem422, os grupos da direita religiosa
organizam-se principalmente através da aglutinação em torno de uma agenda plural, posta a

419
Zwier (1982).
420
O Concerned Women for America foi criado a partir da inciativa de Beverly LaHaye que percebia que as
feministas queriam destruir a ideia de família, nesse sentido, ela ressentia-se das líderes feministas por elas
considerarem-se porta-vozes de todas as mulheres do país.
421
Nixon apontava esse grupo para justificar que a maioria da população apoiava as medidas do seu governo,
porém eram sufocados pela estridência da mídia e dos manifestantes do período.
422
Essa postura muda um pouco, como veremos na sequência do texto com a campanha presidencial de Pat
Robertson.
164

partir de batalhas sobre temas que já eram conflitantes na sociedade e representou uma
tentativa de inclusão de demandas de setores que vinham perdendo espaço na sociedade.
Por esse motivo, foi através da propagação desse ruído que os movimentos da direita
religiosa conseguiram ocupar o espaço como uma das principais forças políticas do país
durante as décadas de 1980, 1990 e 2000, sem que isso, signifique que seus posicionamentos
políticos representassem a vontade da grande maioria da população, assim como, do outro
lado das batalhas os movimentos de caráter liberal também não a representem. Muito pelo
contrário, o que temos como característica marcante dos movimentos sócio-políticos nos EUA
é que, devido a forma como o processo eleitoral se construiu no país, através de votações não
obrigatórias e das mudanças históricas no financiamento de campanhas, os grupos bem
organizados conseguiram ter um peso enorme nas disputas eleitorais.
Concluindo a leitura sobre as origens da nova direita estadunidense percebe-se que
existiu durante a formação desses movimentos uma constante resistência contra as mudanças
culturais, ao mesmo tempo, percebe-se que com o seu nascimento se configurou uma coalizão
que forjou uma unidade política entre pessoas que apesar de compartilharem alguns valores
em comuns e terem uma certa disposição para atuar em torno de temas culturais, não eram
exatamente unidas sob a direção que movimento deveria adotar.
A preocupação ao percorrer essa trajetória consistia em demonstrar como despontou o
crescimento da participação política de setores religiosos fundamentalistas na vida pública
estadunidense, o que será a base para que, no próximo capítulo, se debata os resultados das
primeiras vitórias eleitorais do movimento e o surgimento da conturbada relação da direita
religiosa com o governo. Com isso, o capítulo seguinte debate, a partir da eleição de Reagan,
como esses movimentos alternaram momentos de aumento e queda em sua influência, que
foram marcados por grandes mobilizações que ampliavam sua visibilidade e por enormes
escândalos que a enfraquecia. A preocupação do capítulo concentra-se em demonstrar como a
aproximação com o executivo do país mostrou-se improdutiva para o movimento, resultando
em futuras transformações em suas agendas, que passaram a perceber que apenas ter acesso
ao executivo do país era insuficiente e indicavam a necessidade de se estabelecer uma Guerra
Cultural.
165

Capítulo 4: De Reagan a Bush. A primeira ascensão e queda da direita religiosa.

O intuito do quarto capítulo do nosso trabalho é continuar demonstrando como a


maneira de pensar a América polarizada foi sendo construída até atingir-se uma ideia que
existia uma Guerra Cultural no país. Com isso, o capítulo mostra a aproximação da direita
religiosa com o Partido Republicano, destacando como esse processo foi desenvolvido de
uma maneira que fomentava uma ideia de que a disputa política no país era cada vez mais
radicalizada. Isso ocorreu, como parte de uma tentativa da ampliação da participação de
setores conservadores religiosos na política estadunidense e transferia a ideia religiosa de
disputa entre o bem e o mal para os debates sociais do país.
O capítulo, nesse sentido, se divide em três partes. Uma primeira que debate a
importante da primeira vitória eleitoral da direita cristã, assim como, compreende que sua
mobilização política pautava-se na crença de que, se eles apoiassem e elegessem um
candidato que compartilhasse suas diretrizes, como no caso de Ronald Reagan, eles poderiam
transformar a cultura do país, colocando em prática uma extensa agenda de mudanças
socioculturais.
A segunda parte desse capítulo discute os motivos que fizeram Ronald Reagan não
avançar com a agenda social da direita cristã após sua eleição, aqui aprofundamos o
sentimento de desilusão do movimento com o Partido Republicano e indicamos os motivos
para possíveis transformações dentro do movimento durante a década de 1980.
Já a terceira parte de nosso quarto capítulo, dialoga com o resultado da crise da Moral
Majority e da ascensão da figura de Pat Robertson como a nova grande liderança da direita
religiosa. Aqui, percebemos o último vestígio dentro das fileiras do movimento de que
assumindo o controle do executivo eles conseguiriam controlar o país. Dentro dessa linha de
pensamento, a participação de Pat Robertson nas prévias republicanas de 1988 partiu de um
sentimento de que os políticos republicanos não conseguiriam colocar em marcha a revolução
cultural conservador e que era necessário, para que suas vozes fossem realmente ouvidas,
eleger um presidente advindo da direita religiosa.
Em decorrência do fracasso da candidatura de Robertson, a década de 1990 trouxe
uma nova tendência de radicalização da polarização política do país, que agora extrapolava a
disputa entre republicanos e democratas para uma percepção de que não era suficiente apenas
ter influência sobre as decisões presidenciais, uma vez que, mesmo elegendo um presidente
166

que parecia alinhado com o movimento423, a década de 1980 trouxe poucos avanços em
sentido a uma agenda social conservadora. Com isso, era necessário educar uma parcela, cada
vez maior, da sociedade a pensar o país de forma polarizada, era preciso declarar-se em guerra
contra as elites liberais (agora mais fortemente personificadas pelo Partido Democrata), que
em suas visões tinham se infiltrado nos governos, nas mídias e nas universidades do país.

4.1 A campanha Reagan contra Carter: o palco perfeito para o debate entre as duas
Américas.

A campanha eleitoral de 1980 aprofundou o debate polarizado em torno de questões


culturais e, em uma leitura mais simplista, pode ser vista como uma grande vitória eleitoral do
novo conservadorismo424 e, sobretudo, da direita religiosa. Porém, os resultados da campanha
foram um reflexo direto de uma conjuntura de fatores que apontava para uma sensação de que
o país estava em “decadência”, e não, para uma grande aceitação das ideias conservadoras
pela maioria da sociedade. Isso quer dizer que, da mesma forma que a crise na imagem dos
políticos estadunidenses (provocada pela Guerra do Vietnã e pelo Watergate) foi um fator
determinante para que Carter se tornasse presidente, uma nova crise teve seu começo no final
dos anos 1970 e corroeu a imagem de excepcionalidade estadunidense, possibilitando a
eleição de Ronald Reagan.
A tese determinante aqui vem de uma série de problemas pelo qual administração
Carter passava, entre eles o crescimento do desemprego, o descontrole inflacionário, as
pressões de ativistas em torno do debate sobre a reestruturação familiar, a ampliação da
dependência por parte da população mais pobre ao Estado de bem-estar social, o crescimento
da imigração (em muitos casos devido a entrada no país de imigrantes ilegais), entre outros
fatores que eram vistos, por alguns setores da sociedade, como uma ameaça aos valores que
construíram os EUA.
Essas questões somavam-se a crise econômica e indicavam a continuidade do processo
de ruptura entre dois caminhos plausíveis para o futuro do país. O primeiro pautava-se pela
defesa de um modo de vida relativamente homogêneo, que era visto pelos conservadores
como dominante até a década de 1950. Esse caminho era apontado, por eles, como o

423
No caso de Ronald Reagan em 1980 e 1984.
424
Como mostrou Balmer (2008) a eleição de 1980 foi a primeira a contar com três candidatos declaradamente
cristãos evangélicos, além de Carter e Reagan, o congressista republicano John B. Anderson que concorreu
como independente era membro da Evangelical Free Church of America e tinha sido homenageado como o
homem da lei do ano pela National Association of Evangelicals.
167

responsável pelas características excepcionais dos EUA. Dentro dessa visão, o país só
manteria seu papel de grande potência aprofundando características como a livre iniciativa, a
não interferência governamental na vida privada, a valorização da família e a defesa da ética
cristã.
Já o segundo, pode ser visto como as tendências que direcionavam o país a abraçar as
mudanças socioculturais e a aceitação das diferenças. Esse caminho negava a ideia de
excepcionalidade e percebia que os EUA eram um país como outro qualquer, indicando que a
solução para as crises encontrava-se em abraçar as transformações sociais trazidas pela
modernização. Para isso, era necessário garantir a igualdade de direitos entre os grupos
através da correção das injustiças, mesmo que, o Estado tivesse que interceder nesse
procedimento. Pelo mesmo motivo, precisava remover as questões tradicionais que atrasavam
o desenvolvimento, abraçando tudo o que mundo pudesse oferecer ao país425:
Para os conservadores, os Estados Unidos participavam de um projeto
divinamente inspirado, o destino dos Estados Unidos lhes parecia
“manifesto” (uma expressão dos anos 1840 que legitimou a conquista do
Oeste). Mas, para os liberais, os Estados Unidos não precedem a história
humana. (Sorman, 2004, p.51-52).

O atrito entre essas duas maneiras de solucionar os problemas enfrentados pela


sociedade ocorre, exatamente, pela constatação de que ambas tiveram respaldo em
interpretações da história americana, sendo vistas, como responsáveis pelo sucesso do país.
Da mesma forma, elas também se embaralharam no curso dos dois principais partidos, o que
indica que as ideias definidas como liberais e conservadoras, em muitos momentos,
fortaleciam-se de acordo com a conjuntura histórica e com crescimento da força de grupos no
interior dos partidos.
Com isso, quando se analisa as eleições presidenciais de 1980 e se destaca,
especificamente, a polarização cultural em torno dela, percebe-se que, como resultado das
décadas anteriores, fervilhavam questões em torno da igualdade dos sexos, do direito ao
aborto, da eficiência e do direito ao acesso aos programas de ação afirmativa, da repressão à
pornografia e resgate da moralidade, das restrições ao crescente consumo de drogas, do
direito à posse de armas de fogo, do controle a criminalidade, da violência e da aplicação da
pena de morte, do lugar dos homossexuais na sociedade, da reintrodução ou não das orações
nas escolas, entre outros temas ditos culturais.

425
Essa leitura teve suporte em autores clássicos da historiografia estadunidense como Commager (1950) que
atribuiu a sucesso do país por sua capacidade de selecionar os melhores costumes, tecnologias e artes pelo
mundo através de sua formação plural advinda de imigrantes.
168

Nessa lógica, se a década de 1960 apontou para o crescimento dos direitos civis e das
políticas ditas liberais e a de 1970 mostrou uma reação e o princípio da organização de setores
conservadores. Os anos de 1980 representariam a consolidação da direita religiosa, de
maneira que, esses movimentos deixariam de ser explosões populares e respostas ao avanço
da ideologia liberal e se tornariam uma força respeitada na vida política do país,
implementando legislações que estariam inseridas em suas propostas de revalorização da
família e da religião.
Essa ideia estava presente no pensamento de muitas das lideranças do movimento e
refletiam em falas como a de Pat Robertson que, como nos mostrou Reichley (1985), defendia
que a direita cristã tinha votos suficientes para concorrer à presidência do país. Junto a ele Jim
Bakker considerava que a meta do movimento era a de influenciar todos os candidatos viáveis
para que defendessem temas importantes para a igreja.
Pensando a partir dessa lógica, a eleição presidencial de 1980 representaria a primeira
disputa eleitoral, cujo o enfoque principal condensaria as modernas questões culturais,
especialmente, porque nela ambos os campos da disputa já estariam plenamente constituídos.
Contudo, essa hipótese acabou não sendo comprovada, ao ponto de se poder afirmar que
durante a campanha, assim como, durante todas as que a sucederam, as temáticas culturais
nunca se destacaram como a principal preocupação da maioria da população do país. Como
exemplo dessa leitura destaca-se que, durante a campanha presidencial de 1980, a principal
preocupação da população era a inflação426 (declarada por 60% dos entrevistados pela CBN e
por 68% dos entrevistados pelo New York Times como o principal problema do país).
Nesse sentido, para entender os resultados das eleições de 1980 é necessário bem mais
do que analisar a já estruturada disputa cultural. É preciso debater toda uma variedade de
fatores que prejudicavam a imagem de Carter e davam condições para que Ronald Reagan
fosse eleito presidente. Assim, sua eleição foi muito mais uma procura por um “anti-Carter”
do que uma adesão ao conservadorismo pela sociedade estadunidense.
Simbolicamente, Reagan representava exatamente o modo de vida estadunidense dos
anos 50, afinal, ele foi o político que mais incorporou as imagens 427 que construíram a

426
Kaspi (2002).
427
A incorporação de Reagan do imaginário era tão grande que ele, assim como Goldwater o fez nos anos
anteriores, utilizava-se dos trajes de Cowboy, que além de remeter a conquista do oeste e aos heróis do
cinema, trazia também a lembrança de John Kennedy (primeiro presidente a ser fotografado com a
vestimenta).
169

identidade estadunidense428, ou seja, ele demonstrava amar os esportes nacionais e os tinha


praticado durante quase toda sua vida, tinha sido uma estrela do cinema, posicionara-se como
um anticomunista ferrenho e, em sua experiência como governador da Califórnia, construiu
uma forte imagem de defensor da ordem. Mas do que isso, ele era o candidato que mostrava
acreditar na capacidade transformadora do povo americano e que, em meio ao pessimismo do
final da década defendia a crença de que era possível um crescimento inesgotável do país429.
Somado a esse posicionamento de Reagan, a administração Carter era assombrada por
dificuldades na política externa, agravadas pela invasão soviética ao Afeganistão (o que
refletia na opinião pública como uma forte vontade “imperialista” do país inimigo430) e pela
tomada da embaixada do Estados Unidos, no Irã no dia 4 de novembro de 1979, após a
revolução no país árabe. O caso ocorrido no Irã (que recentemente ganhou os cinemas no
filme Argo431) representou uma das maiores derrotas diplomática e militares dos EUA. Nele,
após tentativas de negociações que prolongaram-se por meses, Carter autorizou, em abril de
1980, a operação Eagle Claw, uma catastrófica expedição militar para o resgate dos reféns
que culminou em duas aeronaves destruídas e a morte de oito soldados americanos.
Se não bastasse o mal-estar causado pelos dois eventos, a crise envolvendo o impasse
na situação dos reféns no Irã percorreu toda a campanha eleitoral de 1980 e, em um sentido
bastante peculiar, causou na opinião pública a percepção de que Carter era um presidente
fraco, incapaz de tomar uma decisão firme que resolvesse o problema 432. Ao mesmo tempo,
Reagan, em seus discursos eleitorais, defendia a necessidade de se tomar a frente e evitar o
surgimento de crises, como se percebe em sua fala durante o segundo debate presidencial
envolvendo os candidatos: “E bom gerenciamento na preservação da paz requer que nós
controlemos os eventos e tentemos interceptá-los antes que eles se tornem uma crise”
(REAGAN, 1980)433.

428
O documentário American Experience. Reagan (1998) mostra outro exemplo do quanto Reagan trabalhava
com os símbolos americanos ao apontar que ele iniciou sua campanha em New Jersey com a estátua da
liberdade ao fundo.
429
Marsden (in Cromartie, 1993) seguiu o mesmo caminho apontando Reagan como “o mestre da nostalgia
política simbólica”.
430
A invasão do Afeganistão pela União Soviética acabou se tornando uma espécie de Guerra do Vietnã para os
soviéticos, porém, quando o evento iniciou-se trouxe consigo uma grande preocupação com a ameaça da
expansão das invasões comandadas pelo país rival.
431
Argo, Bem Affleck, 2012.
432
A opinião pública estadunidense novamente mostrou-se de uma maneira profundamente variável, afinal, o
antecessor de Carter, anos antes, tinha sido pressionado por realizar um forte ataque militar durante a Guerra
do Vietnã. E poucos anos depois Carter era acusado de fraco por demorar a reagir contra as agressões
soviéticas e procurar vias diplomáticas e evitar um ataque militar ao Irã.
433
Reagan (1980) disponível em: <http://www.pbs.org/newshour/debatingourdestiny/80debates/cart1.html>.
170

Além do momento diplomático do país dar a vantagem a Regam em todas as


discussões que envolviam a política externa, o debate econômico apresentava diferenças
cruciais entre os dois candidatos. Por um lado, o candidato republicano apoiou-se no
momento pessimista sobre o futuro do país e se colocou como uma possibilidade de mudança,
vinculando-a a histórica habilidade dos estadunidenses de conseguirem superar as
adversidades434. Já pelo lado democrata, a campanha de Carter continuou enfatizando a
necessidade de controle sobre os gastos energéticos e, em alguns momentos, chegou a se opor
a filosofia do crescimento como forma de impedir a destruição global. Esse posicionamento
de Carter foi duramente criticado por Reagan que durante a campanha o mostrava como um
presidente limitado: “Essas pessoas que falam sobre a ideia de ter limites estão realmente
falando de suas próprias limitações e não da América” (REAGAN apud CARROL; NOBLE,
1988, p.429).
Se a questão da política externa enfraquecia Carter, em termos econômicos o discurso
conservador adotado por Reagan e pelos seus apoiadores encaixava-se perfeitamente com a
solução para os problemas do período e, até mesmo, eram respostas para as dificuldades que o
país enfrentava na política externa, visto que, ele propunha o estimulo da produção através da
redução dos gastos federais435, ao mesmo tempo em que, defendia a ampliação do orçamento
militar436. Assim reforçava-se a ideia de que o governo gastava muito tentando abarcar
obrigações que não deviam ser suas, o que era reforçado pelo que Hirschman (1991) criticou
como retóricas da intransigência e que consistiam nos argumentos de que o governo ajudava
pessoas que não mereciam, pois, não se esforçavam, ou mesmo, que os auxílios
governamentais não chegavam a quem realmente precisava e quando chegavam apenas
criavam um vínculo de dependência, ou ainda, que os auxílios governamentais traziam danos
para a própria democracia.
Em meio as constantes crises e a força com que os argumentos de Reagan se
adequavam ao momento do país, para a campanha de Carter apenas restava utilizar uma
última cartada que consistia em tentar adotar uma tática semelhante a do Partido Democrata
contra Goldwater em 1964, ou seja, mostrar que Reagan era o perigoso candidato da direita

434
Novamente aqui Reagan mostrou ter absorvido a essência do que vinha sendo definido como a identidade
americana, ao apoderar-se da leitura sobre a formação do povo americano e sua constante luta contra o meio
ambiente hostil desde os tempos da colonização.
435
Que segundo o debate presidencial realizado em 28 de outubro de 1980 seria feito a partir da reduções, sem
que ocorre-se os cortes em programas vitais do governo, mas com a diminuição dos desvios e dinheiros mal
empregados.
436
Para Lieven (2005) a preocupação com o crescimento do complexo industrial militar foi um reflexo da
derrota no Vietnã, ao qual, Reagan via como uma cruzada nobre.
171

radical que tentaria cortar os avanços sociais conseguidos durante os últimos anos. Porém,
diferentemente do primeiro candidato conservador, Reagan tinha preparo e carisma muito
maior do que Goldwater, o que possibilitou que ele facilmente absorvesse os impactos
negativos da campanha democrata.
O resultado previsível da disputa eleitoral foi a vitória de Reagan, entretanto,
observando os dados a respeito dos motivos da escolha do candidato republicano que se
percebe o tanto que sua campanha foi bem construída, ou, como detalhou Kaspi (2002), 51%
dos eleitores escolheram Reagan por ele parecer um líder forte 437 e 63% votaram nele
simplesmente por rejeitarem Carter.
Além das questões econômicas e de política externa, a religião também pesou a favor
de Reagan no decorrer da campanha, o que mostrava que o descontentamento dos setores
conservadores religiosos com Carter e com a sua White House Conference on Family tinha
afastado os votos religiosos do político democrata438. De acordo com Zwier (1982), os votos
para Carter advindos de todas as denominações protestantes caíram 7%, da eleição de 1976
para a de 1980, indo de 63% para 56% e apenas 30% dos Born Agains votaram nele439.
É interessante destacar que, como nos esclareceu Balmer (2008), a opção da direita
religiosa por Reagan parecia não ser a escolha mais óbvia440, já que, ele tinha assinado em
1967 o Therapeutic Abortion Act441, visto por muitos como o mais radical projeto de
legislação estadual pró-aborto. Um ano antes da campanha presidencial, a assinatura ainda
provocava um grande desconforto entre o candidato republicano e membros da direita
religiosa, que não apoiariam facilmente um candidato pró-aborto. A questão somente foi
apaziguada quando Reagan declarou publicamente ter se arrependido da assinatura da

437
O fato é que os reféns somente foram libertados no dia 20 de janeiro de 1981, 25 minutos após Ronald
Reagan fazer o sermão constitucional. Reagan (1990), em sua biografia, credita a libertação dos reféns ao
esforço de Carter.
438
A leitura feita pelos conservadores Sears e Osten (2005) sobre a ACLU exemplificou bem a relação dos
grupos conservadores com Carter, ao qual, os autores escreveram que uma das últimas medidas de Carter
como presidente foi dar uma Medal of Freedom para o falecido criador da ACLU Roger Baldwin. Ou seja, na
visão dos conservadores, como poderia um presidente do Estados Unidos dar a maior honraria do país para
alguém assumidamente ateu e comunista.
439
60% deles votaram em Reagan e 8% em Anderson.
440
Entre os pontos que abalavam a relação entre Reagan e a direita religiosa estava o fato do candidato ser
divorciado.
441
Kengor e Doerner (2008) explicaram que Reagan aprovou o Therapeutic Abortion Act em 14 de junho de
1967, apenas seis meses após assumir o governo da Califórnia. Como resultado, o número de abortos legais no
estado passou de 518 para 100,000, durante o período restante de seus dois mandatos. Apesar dele dizer-se
arrependido por assinar a legislação, os autores defenderam que ele optou pela assinatura por perceber que se
a rejeitasse, ela voltaria para o Congresso e seria aprovada de qualquer maneira. Portanto, o argumento do
político republicano para aprová-la consistiu nas possíveis alterações que ele poderia inserir nela, que
mudariam a linguagem do texto e a reformatariam para que a legislação permitisse o aborto apenas em casos
extremos como estupro, incesto ou quando a gravidez trouxesse risco físico ou mental para a mãe.
172

legislação e, em sequência, se colocou a favor da proposta de lei antiaborto Human Life


Amendment442.
O autor acrescentou que, mesmo George H. W. Bush era visto pela direita religiosa
com ressalvas, pois, antes de ser o candidato à vice-presidência, ele tinha batalhado sua
indicação para presidente, mostrando-se um republicano pró-aborto, contrário ao plano de
Reagan de corte de impostos e ao crescimento dos gastos militares. Bush somente mudou sua
posição após ser indicado candidato à vice-presidência junto com Reagan, negando-se
comentar sobre seu posicionamento anterior durante a campanha.
Reagan se moveu para atrair o apoio da direita religiosa, mostrando que ele era
também um homem religioso, como exemplo disso, na Convenção Nacional Republicana de
lançamento de sua candidatura, ao qual, ele pediu para que as pessoas que se uniriam a sua
cruzada se juntassem em um momento de oração silenciosa443. Com isso, ele procurava repetir
a estratégia sulista utilizada por Richard Nixon, trazendo para si os votos dos brancos do sul e
o apoio dos novos movimentos da direita religiosa.
Froidevaux-Metterie (2009) argumentou que, durante a campanha, Reagan multiplicou
os sinais em direção aos eleitores religiosos, ou, como mostrou a autora, ao citar o discurso de
Reagan para uma plateia repleta de lideranças religiosas conservadoras: “Eu sei que vocês não
podem me apoiar, mas eu vou apoiar vocês.” (REAGAN, apud Froidevaux-Metterie, 2009,
p.91). A autora completou dizendo que essa tentativa de aproximação não se resumia apenas
ao presidente e que, no mesmo ano, o Partido Republicano adotou um programa político
contrário ao Equal Rights Ammendment e ao aborto, o que foi o suficiente para capturar os
líderes religiosos e a imensa maioria dos votos evangélicos444. Leitura semelhante foi feita por
Corbett (1990) que apontou que o partido esteve envolvido nos três principais eventos que
insuflavam o apoio da direita cristã à campanha de Reagan, sendo eles: Washington for
Jesus445, I Love America446 e o Round Table’s National Affair Briefing447.

442
Balmer (2008) discutiu que Reagan, assim como grande parte dos conservadores antiaborto, somente
passaram a se opor ao aborto quando perceberam a explosão no número de abortos após a decisão de 1973.
443
Em Balmer (2008).
444
Vale lembrar que Reagan concorre em 1980 contra Carter que havia na eleição anterior sido o primeiro
presidente estadunidense a conseguir atrair o voto em massa de setores religiosos.
445
De acordo com Phan (2004) o evento foi organizado pela organização cristã One Nation Under God e contou
com 500.000 pessoas que se uniram para rezar e jejuar contra o declínio moral que o país passava. O evento foi
realizado mais duas vezes em 1988 (com aproximadamente 1.000.000 de pessoas) e em 1996 (com 500.000
participantes).
446
Organizado por Falwell.
447
Que contou com 15 mil cristãos, membros do Partido Republicano e Ronald Reagan.
173

Os resultados finais da eleição mostraram que Reagan foi vitorioso em 44 estados448 e


recebeu 50,7% dos votos populares, contra 41% de Carter, 6,6% do candidato independente
John Anderson, 1,1% para o candidato libertário Ed Clark e 0.27% para o candidato do
Citizens Party Barry Commoner. Como se percebe no Mapa II.

Mapa II Vitória de Reagan por estados em 1980.

Fonte:<http://uspoliticsguide.com/US-Politics-Directory/Historical-Presidential-
Election-Results/1980-Presidential-Election-Results.php>.

Porém, outra característica da disputa eleitoral merece ser destacada, já que, Reagan
foi eleito com forte apoio conservador, isso não significou que a maior parte da população
suportasse uma agenda conservadora. Isso pode ser constatado quando observamos que
apenas 54% da população compareceram às urnas (cerca de 86.515.221), número que por si
só apontaria um virtual desinteresse de grande parte da população pela disputa entre
conservadores e liberais ou pela política do país.
Somado a isso, Kaspi (2002) mostrou que novamente ocorreu uma divisão do controle
das casas do legislativo, onde, o Partido Democrata conseguiu 33 novas cadeiras, obtendo a
maioria absoluta na Câmara de Deputados e o Partido Republicano controlou o Senado 449
(fato que não ocorria desde 1953450). Para Sorman (1983) o domínio republicano ocorreu,
especialmente, devido à mobilização da direita cristã, que conseguiu uma redução nos votos

448
Perdendo para Carter apenas em Minnesota, Geórgia, Virginia-Ocidental, Maryland, Delaware, Havaí e no
Distrito de Columbia.
449
Que era motivado pelo fato da direita religiosa ter registrado milhões de eleitores a favor de Reagan e ter
feito uma campanha ferrenha contra candidatos ao senado vistos como liberais. Dentro dessa estratégia,
Stanmeyer (1983) citou o exemplo dos senadores republicanos eleitos John East (pela Carolina do Norte) e
Jeremiah Denton (pelo Alabama) que eram ligados ao movimento e tiveram vitórias sobre quadros influentes
do Partido Democrata.
450
Em Carrol e Noble (1988).
174

dos senadores, vistos por eles como liberais, de 54,5% na eleição de 1974 para 48% em 1980.
Isso pode ser percebido a partir do exemplo citado pelo autor, onde, 23 dos 38 legisladores
apontados com índices baixos, de acordo o ranking de cartas da Christian Voice, foram
derrotados.
Atribuir notas e rankings para candidatos vem sendo um dos métodos mais
empregados pelos movimentos da direita cristã desde sua criação, esse sistema parte da
especificação de quais seriam as características de um bom candidato conservador,
pontuando-o através do apoio do candidato a temas como aborto, religiosidade entre outros451.
Os desdobramentos do cenário eleitoral mostravam que, embora, Reagan fosse eleito
com uma grande margem, precisaria buscar um consenso com a oposição para poder avançar
suas principais propostas. Isso é vital para se entender as decisões políticas do presidente e os
motivos que não levaram o governo a ter um predomínio das ideias da direita religiosa.

4.2 Reagan o grande herói conservador? A Moral Majority e a relação da direita


religiosa com a administração Reagan.

Mas sua ênfase na moral e nos valores espirituais


foi uma de suas grandes contribuições. Sr.
Reagan fez os Americanos se sentirem bem sobre
eles mesmo, não importando quais eram os
problemas. (GRAHAM in FELTEN, 1998, p.17).

Nos dias que se sucederam a eleição, a administração Reagan parecia alinhar-se com
as correntes conservadoras que apoiaram sua candidatura, tanto pelo seu relacionamento com
a direita cristã452, quanto pela proximidade com outras vertentes do conservadorismo, como a
corrente conservadora fiscal (que incluía os libertários) e os tradicionalistas (entre eles os
neoconservadores)453. Todavia, entre os membros da coalisão, que levaram Reagan a vitória,
poucos tinham reais condições para compor o governo durante a formação do novo gabinete,

451
Esse sistema de pontuação é interessante pois nem sempre o movimento consegue acha um tipo ideal de
candidato, afinal, não necessariamente um candidato antiaborto é contra o casamento homossexual.
452
Que ao arregimentar o voto de milhões de evangélicos saíra da eleição com o status de grande vencedora.
453
O que podia ser comprovado pelo fato de que, no segundo dia após assumir Reagan recebeu Jack Wilke
(presidente do National Right to Life Committee) junto a um grupo de ativistas pró-vida no salão oval, visita que
foi vista de uma forma bastante positiva, pois apontava um comprometimento do novo presidente com os
temas do conservadorismo cristão.
175

principalmente, porque existiam poucos nomes dentro das linhas evangélicas com um preparo
administrativo mínimo para ocupar cargos importantes no governo454.
Como resultado disso, Martin (1996) pontuou que poucos evangélicos foram
indicados, entre eles: James Watt (um membro da Assembléia de Deus) que foi nomeado
secretário de interior, Robert Billings (um dos fundadores da Moral Majority) que se tornou
assistente de Terrel Bell na educação e Jerry Regier455 como diretor do escritório das famílias.
Junto a eles, Balmer (2008) incluiu os nomes de C. Everett Koop456 como o cirurgião geral do
presidente e Gary L. Bauer indicado, primeiramente, como um funcionário de baixo escalão e
depois como assessor para assuntos domésticos457.
Ainda seguindo a linha que marcou a baixa frequência da direita cristã no governo,
percebe-se que, mesmo na composição dos cargos mais próximos ao presidente, a presença de
religiosos conservadores foi pequena. Como exemplo disso, a sua equipe da Casa Branca foi
composta pelo chefe de gabinete James Baker, do deputado chefe de funcionários Michael
Deaver e do conselheiro presidencial Edwin Meese458.
Somado a inexperiência administrativa dos grupos religiosos conservadores, o governo
Reagan vivia o dilema entre o resgate da economia do país e a opção por uma agenda social
mais conservadora. É importante compreender aqui que, sem ter conseguido a maioria no
legislativo, era pontual para a administração dialogar com a oposição, o que fazia com que
temas sociais controversos fossem evitados em um primeiro momento da administração.
Essa reticência era fruto da análise da atuação do seu antecessor, Carter, que teve
problemas para avançar projetos importantes, após ter enviado simultaneamente para o
legislativo uma grande quantidade de projetos que relacionavam-se a algumas de suas
propostas de campanha. Essa precipitação de Carter acabou favorecendo a oposição que
abarrotou a agenda do legislativo com debates sobre os projetos de menor importância e, com
isso, paralisou as reformas mais urgentes propostas pelo presidente, causando a impressão de
ineficiência.

454
Wilcox (in Wolfe; Katznelson, 2010) assinalou que grande parte dos membros da direita cristã tinham pouca
instrução.
455
Regier fundou em 1981 junto com James Dobson a organização lobista Family Research Council (grupo
ligado a Focus on the Family), sendo presidente da organização de 1984 a 1988. A Family Research Council teve
uma participação importante na história do conservadorismo, participando de batalhas sobre os temas da
direita religiosa. Dados sobre o grupo podem ser encontrados em: <http://www.frc.org/>.
456
Koop colaborou com Francis Shaeffer na produção do filme: Whatever Happened to the Human Race?
457
Bauer foi responsável por colocar em andamento a agenda de defesa de valores familiares da direita cristã.
458
Entre esses nomes, apenas Meese era visto por membros da liderança da direita religiosa como alguém que
compartilhava as visões conservadora cristãs.
176

Por esse motivo, a administração Reagan optou pela proximidade com os


conservadores fiscais, avançando as problemáticas propostas voltadas à recuperação
econômica, que consistiam, essencialmente, na redução de gastos governamentais domésticos
e no corte de impostos. Ao mesmo tempo em que, manteve a porta da Casa Branca aberta para
a direita religiosa, o que, em um sentido prático, significava receber e agrada-los, sem,
necessariamente, comprometer-se com a agenda deles ou ter uma imagem pública
excessivamente próxima ao movimento, que pudesse ser prejudicial em uma futura
reeleição459. A comprovação desse direcionamento político transparecia tanto na fala de
Reagan, quanto na do líder da maioria republicana no Senado, Howard Baker, e deixava claro
que a “agenda social” ficaria em segundo plano460.
Como resposta a essa exclusão dos evangélicos e de suas reivindicações das
prioridades do governo, Reagan rapidamente passou a ser duramente criticado por algumas
figuras influentes do movimento, como Howard Phillips que lamentou o fato da promessa da
criação de um governo conservador não ter sido cumprida. Willians (2010) acrescentou que,
um mês após a eleição, Weyrich tentou insistir para que o vice presidente George H. W. Bush
reforçasse sua posição contra o aborto e proclamasse apoio ao retorno das orações nas escolas,
contudo, Bush se recusou a fazer isso, dizendo que não seria intimidado por quem sugeria que
ele deveria cruzar a linha e mandou literalmente o intelectual conservador ir para o inferno461.
Por outro lado, outras figuras proeminentes da direita religiosa, como Jerry Falwell,
mantiveram-se fieis ao presidente, sob o argumento de que eles não elegeram Reagan como
um salvador e sim para mudar a direção que o país estava tomando 462. O posicionamento de
Falwell pode ser compreendido de duas maneiras: a primeira indicava que o pastor percebia a
necessidade de um longo caminho para reverter todas as mudanças socioculturais que vinham
causando a decadência moral do país. Isso significava que Reagan era apenas um capítulo da
aproximação entre a direita religiosa e o Partido Republicano e que era mais importante
estabelecer essa aliança do que pressionar a implementação de sua agenda.

459
Embora os movimentos da direita cristã conseguissem mobilizar uma grande quantidade de eleitores, eles
eram fortemente rejeitados por outra grande parcela da população, o que indicava que, ao mesmo tempo em
que, se aproximar à direita religiosa ampliava os votos de uma parcela da sociedade, também reduzia votos em
outras.
460
É interessante prestar atenção que o mesmo argumento de se protelar os temas da agenda social foi
utilizado por Barack H. Obama após a sua eleição, o que mostra que historicamente nos Estados Unidos os
debates radicalizados envolvendo questões culturais possuem um papel central durante a campanha para após
as eleições perderem sua força.
461
O autor aponta que Weyrich não conseguia entender o motivo que fazia a Moral Majority continuar
apoiando o governo.
462
Em Martin (1996).
177

Já a segunda mostrava que a proximidade com os meandros da Casa Branca interferia


nas decisões do pastor, que priorizava o prestígio da relação próxima com o presidente ao
discurso radical que ele e a Moral Majority tanto defendiam. Dentro dessa perspectiva,
Willians (2010) discutiu que muitos dos líderes do movimento se viam como analistas
políticos profundamente sofisticados por terem, de forma sagaz, adquirido influência política
em Washington ao recusar criticar Reagan.
Para o autor, a Moral Majority sofria com as constantes campanhas de setores liberais
da sociedade que tentavam impedir o crescimento da importância do movimento no debate
sociopolítico do país, como exemplos dessa contensão destacam-se a fala do rabino Alexander
Schindler que acusou a direita cristã de ser antissemita, os comentários que diziam que a
direita cristã era contra os interesses dos afro-americanos e a decisiva participação da ACLU
que se colocou como a principal antagonista do movimento. Essas campanhas faziam com
que muitos evangélicos brancos não quisessem participar de um movimento com um caráter
preconceituoso.
Com relação a Falwell, os constantes ataques e sátiras a ele mostravam que centralizar
a cruzada contra o liberalismo e o secularismo colocava-o como um alvo fácil e o
transformava, em muitos momentos, em um pária mesmo dentro de alguns círculos do Bible
Belt. Um exemplo clássico desses ataques foi narrado por Smolla (1990) ao escrever sobre a
disputa judicial envolvendo Falwell contra Larry Flynt. Nela o pastor processou o dono da
revista erótica Hustler, após ela publicar a charge-propaganda da bebida Campari, “Jerry
Falwell fala sobre sua primeira vez”. A propaganda utilizava de duplo sentido sexual em
forma de uma entrevista fictícia, ao qual, ele narrava a primeira vez que consumiu a bebida e
dizia que ele tinha feito isso com a sua mãe. Mais que o conteúdo não autorizado, Falwell
entrou na justiça por não aceitar que sua imagem fosse utilizada para dar dinheiro para
pornografia. O processo se arrastou ao longo da década de 1980, tendo em um primeiro
momento o pastor como vencedor e a revista sendo condenada a pagar 150.000 dólares de
indenização, contudo, anos depois essa decisão foi revogada463 a favor da revista464.
Se o presidente não demonstrava grandes sinais de apoio à agenda do movimento, pelo
seu lado, a Moral Majority e os movimentos da direita religiosa aproveitavam a estrutura
advinda da disputa eleitoral para liderar campanhas em nível local, onde, pressionavam pela
revisão dos manuais educacionais, realizavam orações coletivas e mobilizavam os pais para

463
A partir da defesa de que existia uma tradição dos meios de comunicação de utilizar humor sobre figuras
públicas.
464
O caso é narrado no filme: O povo contra Larry Flynt (1996).
178

que eles controlassem o conteúdo das escolas, além, é claro, de batalharem pressionando o
legislativo a uma oposição que se tornou vitoriosa contra a Equal Rights Amendment465.
Com esse cenário inicial, segundo a leitura realizada por Carrol e Noble (1988), o
principal resultado obtido pela coalizão que elegeu Reagan foi a quebra de um “contrato
social”, existente nos EUA desde 1952, que se pautava pela aceitação de um tipo limitado de
Welfare State e de movimentos de trabalhadores organizados. A eleição de Reagan foi uma
resposta à crença de que essa estrutura socioeconômica vivia em crescente descompasso com
a realidade, o que foi reforçado durante toda a década de 1970 a partir de uma persistência da
ideia de que o país estaria em declínio (econômico, cultural e militar).
O reflexo disso ia ao encontro dos anseios dos homens de negócios que temiam o
vertiginoso declínio da dominância estadunidense no mundo dos negócios. Nesse sentido, a
principal ideia presente na administração Reagan era que o governo não era a solução para os
problemas e sim um problema. Essa leitura foi invariavelmente refletida durante a campanha
presidencial de 1980 e resultou, já em 1981, em uma redução de despesas governamentais em
torno de 98 bilhões de dólares, na ampliação de mecanismos de fiscalização de gastos federais
e na eliminação de regras burocráticas vistas como desnecessárias. Junto a isso, a
administração pressionou os sindicatos e movimentos sociais do país, como no exemplo da
greve dos controladores de voo em agosto de 1981, ao qual, após apenas dois dias de greve466,
foram demitidos 11.359 controladores de voo após a decisão governamental de que a greve
era ilegal, pois, colocava em risco a segurança nacional. A decisão da administração foi
cercada de obscuridades, visto que, o governo vinha treinando secretamente controladores de
voo para substituir os que entraram em greve e como penalidade que se somou à demissão os
controladores foram proibidos se candidatar a qualquer outro cargo público.
É conveniente observar que a redução de despesas governamentais ocorreu com maior
empenho durante o seu primeiro ano, já em 1982, com o retorno da prosperidade econômica,
sua administração passou a ampliar substancialmente o déficit orçamentário, que variou para
128 bilhões em 1982, para 207.8 bilhões em 1983 e 185.3 em 1984. O crescimento dos gastos
governamentais não significou o retorno ou a manutenção dos programas sociais que foram
constantemente cortados, o que era reforçado pelas ideias de intelectuais, como o libertário

465
Essa mobilização criou o que, talvez, seja uma das passagens mais peculiares da política estadunidense, visto
que, Falwell se tornou a principal liderança da direita cristã no período, conseguindo mobilizar milhões, ao
mesmo tempo em que, era vista pelas pesquisas de opinião do período como uma das figuras mais odiadas da
América.
466
Que tinha como enfoque principal a redução de carga horária para 32 horas semanais.
179

Charles Murray467 que defendia que a verba governamental em programas assistenciais era
mal empregada, gerava dependência e ampliava a criminalidade. O resultado dos constantes
cortes de programas sociais trouxeram uma nova realidade marcada pelo crescimento da
pobreza que passou de 13% em 1980 para 15% em 1983468.
Apesar do significativo enfoque do governo Reagan nas questões econômicas e de
política externa, a pretensão desta passagem do texto é estabelecer um levantamento a
respeito da relação dele com a agenda das batalhas culturais. Com isso é importante destacar
dois pontos específicos da relação entre a sua administração e a direita religiosa. O primeiro
concentra-se na sua participação prática em questões socioculturais como o combate a o
debate em torno da pornografia e do aborto e o segundo que delimita as reações ao não
cumprimento do posicionamento que era esperado do presidente sobre essas mesmas questões
e que motivaram toda uma reformulação na maneira de pensar a política por parte da direita
religiosa.
Com relação ao primeiro tema, Walker (1990)469, defendeu que a administração
Reagan fez um grande esforço atuando contra a pornografia, sobre questões carcerárias, de
segurança nacional e por uma substancial tentativa de suprimir oradores que a ele se
opunham. Sua inserção nesses temas resultou em inúmeros embates entre grupos como a
American Civil Liberties Union (ACLU) e o governo, sobretudo, pelo fato da organização
enxergar a administração Reagan como o maior ataque a liberdade de expressão em anos.
Partindo da leitura realizada pelo autor, a década de 1980 iniciou-se sob um forte
debate em torno da pornografia, pois, mesmo com a oposição realizada durante a década de
1970, a indústria pornográfica se expandiu, favorecida pela instituição da classificação etária
para filmes que possibilitou com que o gênero cinematográfico abandonasse o submundo
criminal de circulação limitada. Junto a isso, a criação de cinemas específicos e a
popularização dos aparelhos de vídeos cassetes (no início dos anos 1980) possibilitaram sua
distribuição sem maiores constrangimentos, exibida diretamente nas salas de estar de grande
parte das residências americanas e tornava-se um mercado extremamente rentável.
Se o gênero se popularizou durante os anos 1980, o combate a pornografia também
ganhou em complexidade, desenvolvendo-se a partir de duas frentes que, embora em muitos
momentos estivessem em lados antagônicos da disputa cultural, defendiam opiniões
relativamente semelhantes quanto ao fato da pornografia ser uma violenta degradação física e

467
A tese de Murray (1984) foi publicada no livro Lousing Ground. American Social Policy, 1950-1980.
468
De acordo com Vincent (1994).
469
Professor de justiça criminal na Universidade de Nebraska que resgatou a história da ACLU desde sua origem
até o final dos anos 1980.
180

psicológica das mulheres470. Ou seja, contra a pornografia existia uma inusitada aliança entre
as feministas e a direita religiosa, que podia não ser confirmada publicamente, mas ao menos
batalhavam paralelamente por objetivos comuns.
Sobre isso, Walker (1990) descreveu que as batalhas legais em torno da questão
refortaleceram-se após 1983, quando a autora feminista Andrea Dworkin471 e a professora de
direito Catherine Mackinnon participaram do debate sobre o tema ocorrido em Minneapolis.
O evento tinha a intenção de debater maneiras de restringir a locação de filmes pornográficos
e de ampliar o controle sobre cinemas do gênero, partindo da teoria legal de que a indústria
pornográfica era uma discriminação contra as mulheres. A sequência a esse evento culminou
em uma extensa gama de processos contra produtores e distribuidores e rapidamente se
espalhou pelo país, ganhando o apoio de grupos da direita cristã como a Moral Majority.
A administração Reagan entrou na disputa apenas em 1985, já no segundo mandato do
presidente, quando o Edwin Meese estabeleceu a fracassada comissão federal a respeito da
pornografia (a derrota da comissão foi fortemente influenciada pela atuação de Barry Lynn472
da ACLU). Pela leitura dos conservadores Sears e Osten (2005), a ACLU teve forte influência
em decisões do período, trabalhando legalmente para impedir legislações federais de caráter
conservador como a que permitia aos pais notificar os correios se eles não tivessem desejo de
receber propaganda sexual473 por cartas474.
O crescimento da pornografia destacava-se como um ponto chave na ideia de declínio
cultural e ocasionava uma oposição que atravessava a polarização entre democratas e
republicanos e estendia-se para outros campos da indústria cultural, como a programação da
televisão e músicas. Um exemplo claro disso, foi uma das batalhas legais mais inusitadas
travada entre a ACLU e o movimento contra o Rock and Roll (que era liderado por Tipper
Gore esposa do democrata Albert Gore). O movimento condenava o estilo musical por ter
uma linguagem explícita de violência e satanismo e só foi impedido através da mobilização de
vários artistas e produtores, que sobre os conselhos da ACLU criaram a Music Majority475 que

470
A tese da pornografia como uma degradação da mulher surgiu após o testemunho de Linda Susan Boreman
(Linda Lovelace) que declarou não ter recebido nada pelas cenas do filme Garganta Profunda (1972) e, ainda,
ter sida vítima de estupro, tendo feito as cenas sob a mira de uma arma. Boreman tornou-se uma ativista do
movimento feminista, abandonando o movimento nos anos 2000 e retornando para a indústria erótica.
471
Dworkin foi uma das principais oradoras do movimento feminista, ligando a pornografia ao estupro e a
violência contra as mulheres.
472
Hoje Lynn é diretor executivo da American United for Separation of Church and State.
473
Outro tema associado a essa disputa que surgiu no período foi a batalha judicial contra o surgimento dos
tele sexo que começaram se proliferar pelo país.
474
Os autores acusaram também a ACLU de defender a pornografia infantil.
475
Mais uma vez o tema maioria aparece na década de 1980, o que constantemente reflete uma tentativa de
mostrar o apoio de todo os EUA a determinadas causas.
181

contava com Prince, Tina Turner, o produtor Danny Goldberg, entre outras figuras
proeminentes do meio musical. Aqui, assim como na questão da pornografia, o discurso em
defesa da liberdade de expressão superou os argumentos em torno de moralidade e declínio
cultural nos tribunais.
Se a ideia de declínio cultural era cada vez mais presente nos debates da década de
1980, foi a temática envolvendo a questão do aborto que mais estremeceu a relação entre a
direita cristã e o presidente. O Human Life Statute, projeto de lei que foi apresentado por dois
Republicanos (o senador e ícone da direita religiosa estadunidense Jesse Helms 476 e o
congressista Henry Hyde477)478, como uma tentativa de definir que a vida humana se iniciava
no momento da concepção479, fracassou no legislativo. A proposta havia sido aprovada no
Senado (controlado pela maioria republicana), mas isso não foi suficiente para ela ser
validada, pois, era necessário uma aprovação por maioria simples nas duas casas do
legislativo.
A rejeição desse projeto pelo Congresso rapidamente ampliou as vozes descontentes
da direita cristã com o governo, principalmente, porque, apesar de declarar publicamente que
acreditava que a vida humana começava na concepção, Reagan não disponibilizou o apoio da
Casa Branca a proposta de lei de Helms-Hyde, o que frustrou muitos ativistas480.
Martin (1996) acrescentou que o sentimento de que o governo os havia traído
expandiu-se ainda mais quando, no verão de 1981, Reagan indicou a juíza Sandra Day
O’Connor481 para a Suprema Corte482. O’Connor não tinha nenhuma aparente orientação
religiosa e possuía uma trajetória de lutas a favor do ERA e pela legalização do aborto durante
sua passagem pelo Senado Estadual do Arizona. Como argumentou Banwart (2013), após a
indicação, Reagan contatou Falwell e defendeu que O’Connor era uma conservadora
descente, tentando, com isso, convencer o pastor a influenciar o movimento a não atacá-la.

476
Helms faleceu em 2008 deixando seu nome na história como um dos principais nomes do Partido
Republicano e do conservadorismo estadunidense. Ele foi Senador durante cinco mandatos pela Carolina do
Norte e fundou, em 1988, a Jesse Helms Center Foundation cujo a intenção é a de propagar através de cursos
de baixo custo ou gratuitos os valores tradicionais americanos. Dados sobre a centro podem ser encontrados
em:<http://www.jessehelmscenter.org>.
477
Hyde faleceu em 2007 tendo sido eleito deputado por 13 vezes pelo Partido Republicano.
478
Martin (1996) escreveu que os dois já tinham tido sucesso na redução dos fundos federais em abortos de
295000 em 1976 para apenas 2900 em 1979.
479
Os dois políticos republicanos partiam do princípio que as legislações sobre o aborto não explicitavam
quando inicia a vida humana.
480
Martin (1996).
481
O`Connor foi a primeira mulher indicada para a suprema corte do país atuando até 2006.
482
Willians (2010) explicou que o diretor de uma das organizações que fazia parte da direita cristã a Religious
Roundtable tinha sugerido ao presidente que indicasse a ativista Phyllis Schlafly para o cargo mas que o
presidente preferiu O’Connor.
182

Porém, os posicionamentos liberais da juíza a respeito de temas culturais fizeram com que
outras lideranças do movimento se voltassem contra ela, o que ficou claro quando Cal
Thomas483 se opôs a juíza no programa Nightline484 e, uma semana após sua indicação, a
Moral Majority lançou um manifesto cobrando esclarecimentos dela a respeito da questão do
aborto. Inquietação que foi reforçada por outros membros da direita cristã, como James
Robinson, que a viam a sua indicação e o não comprometimento do presidente com as causas
culturais como um recado de que a administração não necessitava mais do apoio deles.
Se esses acontecimentos causaram, em um primeiro momento, a desilusão e a revolta
de alguns membros da direita cristã, eles também motivaram uma mudança no enfoque da
atuação do movimento, que agora, passava (através de iniciativas como a de Paul Weyrich) a
educar os conservadores cristãos sobre o funcionamento do legislativo. Essa nova estratégia
possibilitou o crescimento do apoio aos legisladores conservadores e fez com que os projetos
de leis fossem encaminhados de uma maneira um pouco mais elaborada485.
Dentro desse projeto, Martin (1996) citou o Family Protection Act, que de acordo com
o autor consistia em um projeto, um tanto quanto mal formulado, que abarcava em 31 tópicos
quase todas as propostas do movimento, como a tentativa de proibir o aborto, a interdição da
provisão de contraceptivos para adolescentes, o auxilio governamental aos pais que tinham
filhos em escolas particulares, o direito dos pais de bloquear o conteúdo educacional, entre
outros temas486.
Somado a esse projeto, Jesse Helms introduziu, ainda em 1981, um projeto que
buscava a revisão e o banimento das decisões judiciais da Suprema Corte em torno da questão
da oração nas escolas. O tema vinha ganhando uma visibilidade cada vez maior, sobretudo,
pelo fato de que as pesquisas de opinião da época apontavam que a maioria dos americanos
defendia o retorno das orações voluntárias nas escolas públicas487. Em termos de mobilização,
o autor apontou que a organização Leadership Foundation tomou a frente desse projeto,
publicando cerca de 42 milhões de cópias de um material sobre o tema e produzindo um
programa televisivo, de cerca de uma hora, chamado Let Our Children Pray, transmitido em
mais de cem emissoras religiosas, comerciais e públicas.

483
Cal Thomas foi vice presidente da Moral Majority entre 1980 e 1985.
484
Banwart (2013) acrescentou que, Falwell intercedeu, defendendo que ter acesso ao presidente era mais
importante que qualquer desses assuntos.
485
Martin (1996).
486
Da mesma forma que no projeto especificamente antiaborto Reagan não auxiliou o projeto, mantendo seu
enfoque no conservadorismo fiscal.
487
Aqui vale destacar o significado de preces voluntárias, que consistiriam em um tempo para que os
estudantes realizassem suas orações, de maneira que, elas não seriam dirigidas pelas autoridades
educacionais.
183

Assim como os outros projetos submetidos por pessoas ligadas ao movimento o


Family Protection Act fracassou, de maneira que, a única grande vitória da direita religiosa no
início da década ocorreu em 1982, quando, através das batalhas sob a liderança de Schlafly e
seu Eagle Forum o projeto ERA foi finalmente engavetado após estourar o prazo final para ser
votado488.
O não avanço das propostas do movimento foi discutido por Willians (2010) que
considerou que o principal responsável pelo fracasso de sua agenda, mais do que a letargia do
presidente e a oposição democrata no legislativo, era o não apoio da população a elas. Como
resposta a isso, a Moral Majority passou a se concentrar no combate ao comunismo e na
política externa como uma forma de diminuir a ausência de suas questões na pauta do
governamental. Com isso, se o governo não moveu-se em direção as temáticas do movimento,
a Moral Majority abraçou as dele, o que ocorreu como uma tentativa de manter a sua
importância em Washington.
A partir desse momento, aflorou-se a ideia para uma parte da direita religiosa de que
era insuficiente focar a mobilização apenas no executivo e, para outra, que existia a
necessidade de se trocar as lideranças e os movimentos que encabeçavam a direita religiosa,
ou mesmo, tentar eleger um presidente que realmente fosse uma liderança do movimento489 e
que colocasse a agenda social como prioridade absoluta.
O resultado do distanciamento entre o presidente e a base eleitoral da direita religiosa
apontava que a eleição legislativa de 1982 resultaria em uma grande vitória do Partido
Democrata. Para evitar a derrota, pensadores conservadores como Richard Viguerie
repensaram táticas para que o presidente recativasse essa base eleitoral. Nesse sentido,
Viguerie escreveu uma carta aberta para a revista Conservative Digest clamando para que o
presidente assumisse o papel de líder nacional, promovendo temas que derrotassem
candidatos liberais e elegessem conservadores490. Pelos mesmos motivos, Falwell declarou
que era imperativo que Reagan assumisse a liderança, encaminhando os temas sociais que
estavam presentes em sua campanha em 1980491.
Esse chamado pelo presidente acabou tendo uma resposta em maio de 1982, quando,
Reagan finalmente fez um movimento concreto em direção à direita religiosa, recomendando
ao Congresso que aprovasse a emenda a favor das orações na escola e oferecendo suporte

488
Ele continua como uma das bandeiras dos movimentos LGBT e feminista.
489
É desse segundo grupo que se inicia o projeto de candidatura de Pat Robertson para a eleição de 1988.
490
Dentro desse projeto destaca-se também o Family Forum II, organizado por Falwell e Viguerie com um
intuito claro de se pensar estratégias para o virtual desinteresse de Reagan sobre temas sociais.
491
Martin (1996).
184

legal, a partir do escritório legislativo da Casa Branca, a ela. Isso culminou em uma emenda
de duas clausulas que se centravam em: 1- nada na constituição dizia proibir orações
individuais ou em grupo nas escolas e 2- nenhuma pessoa poderia ser obrigada pelos EUA a
rezar. O projeto, mesmo com o apoio de Reagan, foi enviado e rejeitado pelo Congresso em
1982 e 1983492, e, em 1984, acabou recusado também pelo Senado, com 11 votos a menos do
que os dois terços necessários para obter a aprovação.
Mesmo com Reagan dando sinais de reaproximação com a direita cristã, a eleição de
1982 acabou trazendo resultados pouco significativos para o movimento conservador no país.
Apesar do Senado manter-se sob o controle republicano, que ampliou seu número de
senadores de 53 para 54493, contra 46 democratas. Na Câmara, o Partido Democrata conseguiu
uma grande vitória, derrotando vários dos candidatos republicanos que tentavam a reeleição e
passando de 243 para 269 deputados, enquanto, o Partido Republicano caiu de 192 para 166
deputados. Esses resultados, apesar de não alterarem o domínio nas casas, acendiam um sinal
de alerta nas lideranças republicanas que viam na tendência de crescimento do Partido
Democrata a possibilidade de derrota na eleição presidencial de 1984.
Como nos mostrou Balmer (2008) a campanha de 1984, mais uma vez, passou pelo
debate em torno da religião. Nela o candidato do Partido Democrata, Walter F. Mondale,
tentou, já no primeiro debate presidencial, mostrar que ele também tinha ligação com uma
tradição religiosa, argumentando ser filho de um ministro metodista e ter uma fé religiosa
profunda. A diferença na postura de Mondale era que ele procurava afastar-se da imagem
ruim que a direita religiosa vinha construindo, tentando apontar um outro caminho para que as
pessoas religiosas pudessem seguir. Isso o fez, nesse mesmo primeiro debate, declarar os
perigos do governo tentar impor sua visão sobre as pessoas.
Pensando propriamente na atuação da direita religiosa nessa campanha, o movimento
vivenciava uma situação estranha, já que, Reagan não era mais visto como o candidato ideal e
tinha claramente demonstrado que não necessitava do apoio deles para governar. Ao mesmo
tempo, o movimento dependia muito do presidente para manter sua visibilidade na política do
país e o presidente tinha dado pequenos sinais de que poderia dar mais atenção as questões
sociais defendidas pelo movimento. Marley (2007) mostrou que, ainda em 1983, alguns
conservadores consultaram Pat Robertson insatisfeitos com Reagan e propuseram que se
colocasse como uma alternativa a reeleição do presidente. Apesar de rejeitar a candidatura

492
De acordo com Sorman (1983) apontou que em 1983 Reagan novamente discursou contra a retirada da
religião das escolas.
493
Vaga conseguida após a aposentadoria do senador (pelo estado da Virginia) Harry F. Byrd Jr, único
independente eleito na eleição de 1980.
185

naquele ano, com a alegação de nunca ter considerado essa ideia de se tornar presidente, já em
1984, ele começou a lançar essa ideia para amigos e parentes, para, logo em seguida, iniciar
as mobilizações em direção a sua candidatura em 1988.
Novamente aqui é importante compreender que, para a direita religiosa, ainda sobre a
liderança de Falwell, era imperativo criar iniciativas que transformassem a cultura e
influenciasse os valores do país, o que tornava, ao menos no momento da eleição de 1984,
imatura a candidatura de uma liderança da direta cristã a presidência e fazia com que muitos
deles, como o próprio Falwell, continuassem a apostar todas as suas fichas em Reagan. Nesse
sentido, a relação entre o presidente e a direita religiosa lentamente caminhava para uma
completa desilusão, o que pode ser percebido pelo constante abandono de membros
importantes do movimento da arena política, como o exemplo de James Robinson que optou
por um novo abandono da arena política e pela retomada do argumento de que ela
corrompia494.
Ao mesmo tempo, Willians (2010) mostrou que outras lideranças como Tim LaHaye
tinham pretensões maiores com o apoio à candidatura de Reagan e preparavam a substituição
da importância da Moral Majority e de Jerry Falwell como principais lideranças da direita
cristã. Para isso, o pastor fundou a organização American Coalition for Traditional Values
(ACTV), responsável pela listagem de 35.000 igrejas e pelo registro de mais de 1 milhão de
eleitores para a reeleição de Reagan. Porém, se LaHaye e a nova organização conseguiu essa
estrondosa quantidade de votos, a Moral Majority atingiu a impressionante soma de 2,5
milhões de votos, mantendo-se após a eleição ainda como a organização cristã mais influente
na política estadunidense.
Os resultados da eleição de 1984 estabeleceram uma nova vitória de Reagan com 59%
dos votos populares e o consagrou vitorioso em 49 estados. Junto a isso, manteve-se estável o
controle republicano sobre o Senado com 53 cadeiras contra 47 dos democratas e o controle
democrata sobre a Câmara (apesar dos republicanos ganharem cadeiras, passando de 166 para
182, os democratas mantiveram maioria com 253).
Pensando na direita religiosa durante a campanha, Reagan se colocou como um pró-
life, defendendo que a questão não era apenas religiosa, mas sim, a respeito da Constituição,
pois, ela defende o direito à vida e a perseguição da felicidade. Junto a isso, o presidente
mostrou-se favorável ao aborto quando a saúde da mãe estivesse em perigo, alegando que não
se poderia preservar uma vida em detrimento de outra.

494
Martin (1996).
186

Novamente, apesar de nos discursos Reagan se aproximar da direita religiosa, ele


continuou não tomando a frente do avanço da agenda social do movimento. Como citaram
Sears e Osten (2005), em 1985, a direita religiosa sofreu mais uma derrota com a decisão da
Suprema Corte no caso Wallace contra Jaffree, ao qual, proibia as orações silenciosas e os
minutos de meditação nas escolas públicas.
Boston (1996) assinalou que um dos grandes motivos para o enfraquecimento da
Moral Majority foi concentrar todas as suas forças na manutenção da proximidade com o
executivo do país. Essa estratégia mostrou-se improdutiva quando o Partido Democrata
conseguiu o controle do Senado em 1986495 e impossibilitou a aprovação de qualquer medida
vinculada a direita cristã. Como exemplo disso, destacou-se, como vimos anteriormente, a
tentativa de reintrodução as orações nas escolas (que apesar de introduzida com o apoio de
Reagan não foi aprovada, pois, necessitava uma supermaioria no Senado)496.
Fazendo um balanço da administração Reagan pode-se perceber, como apontou
Walker (1990), que apesar do período marcar uma série de vitórias da ACLU, principalmente,
com relação a projetos advindos da direita cristã, a organização também teve muitas derrotas
em questões que envolviam justiça criminal e segurança nacional. Para a direita religiosa o
administração chegou ao fim como uma grande desilusão, não trazendo grandes vitórias para
o movimento, que em suas visões eram causadas também pela resistência democrata no
Congresso e no Senado do país. Nesse sentido, além de barrar as legislações do movimento, o
Partido Democrata também conseguiu impedir grande parte das indicações mais
conservadoras de Reagan para a Suprema Corte, como no exemplo de Robert Bork 497, que foi
rejeitado pelo Senado em 1987, após um discurso feito por Ted Kenedy contra ele e uma
votação que terminou com 42 votos a favor e 58 contra (11 senadores republicanos votaram
contra a indicação de Bork).
Concluindo a leitura sobre a relação da direita cristã e o governo Reagan, vale destacar
que o final de sua administração foi marcado pelos primeiros sinais de retorno da crise
financeira, resultando na queda do Down Jones em 19 de outubro de 1987, o que traria novas
questões para o governo de seu sucessor. Junto a isso, a direita religiosa finalmente preparava

495
O Partido Democrata conseguiu 55 cadeiras contra 45 dos Republicanos, dominando também o Congresso
com 258 cadeiras contra 177 do partido rival.
496
Da mesma forma, as medidas que tentavam banir o aborto também foram derrubadas no Senado.
497
Bork tinha um histórico de lutas contra os direitos civis e de mulheres, sendo visto, pelos setores liberais,
como um reacionário tão radical que era muito mais perigoso do que um simples conservador. As campanhas
contra a indicação dele foram tão intensas que, de acordo com Klein (2002), fizeram com que os republicanos
se enfurecessem com elas. Essas campanhas são indicadas como o começo da radicalização obstrucionistas
entre os dois partidos, o que seria a tônica das disputas políticas durante a década seguinte.
187

seu candidato a eleição presidencial, o que abria a possibilidade de que finalmente a agenda
social do movimento poderia ser colocada em prática.

4.3 A derrota do candidato de Deus para a máquina política republicana e a chegada da


família Bush a presidência.

Apesar da crise econômica ter voltado a rondar o país, Reagan chegou ao final de seu
segundo mandato em alta, especialmente, por administrar as tensões entre os EUA e a União
Soviética, ampliar o diálogo entre os dois países e enfraquecer o adversário ao acelerar a
corrida armamentista, em um momento que o rival não tinha mais condições para acompanhá-
la498. Junto a isso, ele manteve, apesar do crescimento do déficit comercial e orçamentário,
uma inegável imagem de estabilidade e prosperidade econômica499. Essa conjuntura trazia
para seu candidato à sucessão presidencial, George H. W. Bush, uma imensa vantagem na
disputa eleitoral daquele ano.
Em um sentido oposto aos louros advindos da economia e política internacional, o
final da administração Reagan arrastava consigo a incompreensão e o descontentamento da
direita religiosa com a sua falta de comprometimento com as causas socioculturais. Nesse
sentido, vale resumir alguns pontos do seu legado que explicam essa nova dinâmica. O
primeiro caracterizou-se pelo pouco entusiasmo do então presidente em batalhar pela
aprovação de legislações com temáticas ditas culturais/morais. O segundo, vinha da
constatação de que as indicações presidenciais para a Suprema Corte, embora, em grande
parte preenchida por nomes conservadores, trouxeram poucos avanços para a sua agenda. E
aqui vale refletir, que o enfoque adotado pela Suprema Corte conduzia à apenas as restrições
das políticas de ações afirmativas, deixando em segundo plano questões relacionadas ao corpo
e a religiosidade.
Como um reflexo desse segundo ponto, o terceiro destacava-se pela ideia: com os
constantes cortes nos programas sociais, as populações menos afortunadas foram, cada vez
mais, pressionadas. Isso foi ocasionado pela lógica aplicada pela administração, que via os
programas sociais como responsáveis pela dependência, criminalidade e declínio cultural, o
que se chocava com a realidade de que os seus cortes traziam ainda mais pobreza. Nesse
cenário, o governo e a Suprema Corte do país ampliaram (como solução para os problemas

498
Logicamente, isso era muito mais um reflexo do declínio do país europeu do que propriamente um esforço
conciliatório por parte dos EUA.
499
O que foi destacado por Tarpley e Chaitkin (2004) que indicaram os índices de 5.2% de inflação e de 4.1% de
desemprego do período.
188

advindos da pobreza) o combate à criminalidade e o esforço para a punição de criminosos,


trazendo com isso o crescimento da população carcerária e uma visível instabilidade nos
bairros pobres das grandes cidades.
Por último, também inserido dentro de uma lógica econômica, estava a percepção de
que a opinião pública do país, como resultado do declínio soviético, deixou de priorizar o
temor com a possível ameaça de ataques militares e passou a se preocupar com o declínio
econômico500 (especialmente com a ascensão da economia japonesa). Por outro lado,
enquanto alguns temiam a decadência econômica, outros, como o neoconservador Alan
Bloom (1989), defendiam que o período de relativa paz e prosperidade que o país vivenciou
durante os último anos, foi um dos responsáveis pelo pouco comprometimento da geração que
cursava a universidade no final da década de 1980. Para ele, a ausência de dificuldades, como
guerras e grandes crises econômicas, dificultavam o planejamento do futuro profissional e
afetivo dos jovens, fazendo com que eles não se engajassem em relacionamentos sérios,
demorassem para estabelecer uma família501 e, até mesmo, demorassem para abandonar a casa
e a dependência financeira dos pais.
Como resultado dessa conjuntura e do descontentamento da direita religiosa com
Reagan, Pat Robertson concorreu as prévias republicanas de 1988. A sua indicação foi um
reflexo das transformações que o movimento sociopolítico passava, ao qual, se extinguia a
Moral Majority (que oficialmente terminou em 1989), diminuía o domínio de Falwell como a
figura mais influente da direita cristã e confirmava-se Robertson (por ser o mais carismáticos
e mais habituado com a vida política entre os televangelistas) como a nova grande liderança
dela.
A troca na liderança da direita cristã foi fruto da dificuldade de administrar a
heterogeneidade do grupo, que, em muitos casos, tinha em sua base ideológica uma variedade
de subgrupos religiosos, repletos de questões dogmáticas inibidoras do diálogo. Wuthnow (in
Cromartie, 1993) identificou isso ao analisar a tentativa de união entre fundamentalistas e
pentecostais, onde, os fundamentalistas eram menos ativos politicamente e fortemente
orientados pela espiritualidade como o caminho para o dia do senhor. Enquanto os
pentecostais acreditavam no esforço para resistir ao demônio e na luta pela purificação da
sociedade.

500
Vincent (1997) debateu que, em 1988, 59% dos americanos consideravam o Japão mais ameaçador do que a
URSS.
501
Principalmente motivados pelos exemplos dos altos índices de divórcios na sociedade.
189

Um exemplo clássico disso aparecia na política internacional, ao qual, apesar do


movimento historicamente inserir a luta contra o comunismo e o apoio a Israel em sua pauta,
os temas tinham pouco apelo para uma parcela de seus membros e, em muitos momentos,
eram vistos como distrações para questões socioculturais mais importantes. Nesse sentido,
quando se analisa o final do governo Reagan e percebe-se que Falwell destacou questões
internacionais como centrais para a agenda da direita cristã, conclui-se o porquê ele perdeu
força e foi duramente questionado.
Somado a isso, pesava sobre a direita cristã os escândalos envolvendo televangelistas,
como os casos de Jimmy Swaggart502 e Jim e Tammy Bakker. Esses escândalos derrubaram a
credibilidade503 e audiência deles, fazendo com que, o próprio Robertson, em sua CBN, se
recusasse a ser chamado de televangelista e preferisse o termo evangelista televisivo. No caso
de Falwell e da Moral Majority esses anos turbulentos os enfraqueceram, pois, grande parte
de sua arrecadação dependia de doações e de anúncios de produtos nos programas
apresentados pelo pastor e outras lideranças504.
Esse momento de dúvidas e fragmentações repercutiu durante as prévias republicanas
de 1988, onde, de acordo com Balmer (2008), Jerry Falwell apoiou a candidatura de Bush
(que declarou que o religioso era um grande amigo)505, mesmo com um candidato do
movimento na disputa506. Isso confirmava que a direita religiosa não era politicamente coesa,
existindo uma intensa disputa pelo posto de principal força do movimento. Nesse processo, o
decadente Falwell apoiou-se em Bush para manter seu prestigio político, enquanto que, o
político republicano sustentou-se no televangelista para garantir o apoio dos ativistas ligados a
ele.
A campanha de Robertson expos a transição enfrentada pela direita religiosa e
desencadeou, com a sua derrota, em novas táticas que culminaram na fomentação da Guerra
502
Swaggart foi um importante televangelista que se envolveu, durante o final dos anos 1980, em casos de
adultério, prostituição e sonegação de impostos. O pastor chegou apresentar o programa no Brasil, durante os
sábados de manhã pela rede bandeirantes, e durante as duas vezes que visitou o país lotou os estádios
Maracanã e o Morumbi.
503
Pela leitura de Utter e Storey (2007), citando uma pesquisa do Gallup em 1987, Falwell era malvisto por 62%
dos entrevistados. Sua rejeição só não era maior que a de outros televangelistas diretamente envolvidos em
escândalos como Jim Bakker (malvisto por 77% dos entrevistas) e Oral Roberts (por 72%). Nesse processo de
crise na imagem dos televangelista, até mesmo, Billy Graham era rejeitado por 24% dos entrevistados.
504
A queda na arrecadação fez Falwell entrar nos anos 1990 com risco de perder a Liberty University, sem a
Moral Majority, sem a liderança da direita Cristã (que agora passaria a ser ocupada por Pat Robertson e sua
Cristian Coalition) e com sua imagem bastante abalada.
505
Utter e Storey (2007) argumentaram que Falwell tinha declarado sua amizade a Robertson em 1987,
contudo, isso não se transformou em apoio político nas prévias do partido.
506
É importante destacar a desconfiança do movimento com Bush, especialmente, devido ao seu passado pró-
aborto. Lieven (2005) complementou que ele tinha sido o único presidente desde Carter a não se identificar
como um Born Again.
190

Cultural durante a década de 1990. Vale destacar que, a sua tentativa eleitoral ainda apostava
que o controle do executivo retomaria a moralidade na sociedade. Hunter (in Cromartie, 1993)
debateu que, pela visão da direita cristã, os problemas enfrentados pelo país eram resultados
de valores ruins, que forçavam escolhas erradas. Isso indicava que a solução para eles estava
em encontrar pessoas com bons valores para participar da vida pública. Dentro dessa lógica,
Robertson despontou como o grande nome para dirigir o país, afinal, ele falava507 diretamente
com Deus e tinha sua candidatura indicada por Ele508.
A vida de Robertson é bem similar à de muitos religiosos que adentraram na política.
Pela sua biografia509, ele interessou-se pela religião quando o desespero e o insucesso estavam
fortemente presentes em sua vida510, convertendo-se e, em seguida, entrando para o New York
Seminary, em 1956. Até esse momento, ele levava uma vida desregrada, para os padrões
religiosos, consumindo álcool e jogando cartas. Boston (1996) narrou que, no seminário,
Robertson teve contato com variados grupos cristãos, aproximando-se, especialmente, dos
“cristãos carismáticos511”, que falavam em línguas512 e acreditavam em presentes de Deus,

507
Em muitos momentos de sua biografia, Robertson e Buckingham (2008), ele atribui suas decisões a
mensagens diretas de Deus. Como exemplo, destacaram-se a venda de todos os moveis de sua casa durante a
gravides de sua esposa e a doação do respectivo dinheiro para caridade, ou ainda, a compra de uma TV UHF
(em 1960 na cidade de Portsmouth, Virginia) que se tornou anos depois na Cristian Broadcast Network, ao
qual, o pastor iniciou o processo de compra com apenas três dólares iniciais e alegando que Deus tinha
soprado o valor total que ele deveria pagar por ela.
508
Willians (2010) discorreu que a candidatura de Robertson chocou o establisment republicano que teve
dificuldades em lidar com essas questões espirituais nas discussões do partido.
509
Robertson e Buckingham (2008).
510
Ele não passou nos exames para se tornar advogado e teve insucesso em negócios em Nova York.
511
Como mostrou Marsden (1991), o movimento floresceu nos anos 1960 entre episcopais, presbiterianos,
luteranos e, sobretudo, católicos. A respeito dele, Diamond (1989) enfatizou o papel dos grupos de
shepherding e da relação direta e hierárquica com um líder religioso ou pastor, visto como um guia para todas
as suas dificuldades e dilemas da fé na vida do crente. Essa prática expandiu-se entre evangélicos e
fundamentalistas, contudo, foi na Igreja Católica que os carismáticos trouxeram as maiores transformações,
valorizando o “Espírito Santo” e a necessidade de “salvar almas”. Nesses termos, eles direcionavam para as
ações sociopolíticas: “O senhor quer que nos tomemos ações diretas para proteger cristãos e para enfrentar
nossos inimigos” (Diamond, 1989, p.58).
512
Falar línguas é considerado por algumas seitas cristãs como um presente de Deus ou uma interferência
direta do Espírito Santo, pautando-se pelo aflorar de uma língua desconhecida ao fiel, como o hebraico antigo,
em meio as orações.
191

como curas513 e profecias514. O pastor graduou-se em 1959 e dois anos depois foi ordenado
um ministro batista do sul515.
Sua entrada na política motivou-se pelo sentimento de frustração advindo da derrota
de seu pai, o democrata conservador Absalom Willis Robertson, durante as prévias democrata
da Virgínia em 1966. O que ocorreu nessa campanha foi que, embora a família Robertson
tivesse uma grande tradição na política local e seu pai, seis anos antes, ter sido o senador mais
bem votado do estado, durante a nova pré-eleição ele perdeu por 600 votos.
Absalom enfrentou a nova coalisão política de afro-americanos, jovens liberais e
grupos trabalhistas que crescia no interior do Partido Democrata. Para Pat Robertson, anos
depois, essa derrota foi determinante para sua entrada na política, pois, ele se sentia culpado
por não ter ajudado a campanha através de seu programa na CBN 516 e por não ausentar-se das
transmissões televisivas para apoiá-la, alegando depois, em sua biografia, não ter sido
autorizado por Deus para fazer isso517.
Após esse evento, ele preparou sua entrada na política, fortalecendo sua rede de
comunicações através da expansão da CBN, que em 1975 alcançava cerca de 120 milhões de
casas pela TV a cabo518 e ampliando os teletons (que passaram a ser cada vez mais
lucrativos). Junto a isso, Robertson fundou em 1978 a Regency University e, no mesmo ano,
tentou sua primeira e improdutiva empreitada política ao apoiar G. Connoly Phillips para o
Senado pelo estado da Virgínia519.
De acordo com Boston (1996), em 1980, Robertson aproximou-se da direita cristã,
iniciando, no ano seguinte, uma organização educativa sem fins lucrativos chamada Freedom
Council, que, de acordo com Marley (2007), propunha ensinar cristãos a se envolver com a

513
Robertson falava línguas e realizava curas. Para Willians (2010), sua relação com a fé é tão radical que, em
um programa de 1985, ordenou que o Furacão Glória não atingisse sua emissora na Virgínia e constatou, ao fim
do fenômeno meteorológico sem maiores danos, ter recebido um sinal divino para ser presidente, afinal, se ele
mudou a trajetória de um furacão seria capaz de mudar a nação.
514
Esse contato moldou a maneira de pregar do pastor, apesar dele ter uma grande dificuldade para se definir
teologicamente durante toda a sua vida, apontando-se como uma mistura das principais tradições protestantes
dos EUA.
515
Em sua biografia, Robertson; Buckingham (2008) ele apenas narrou algumas pregações como pastor
convidado, nunca tendo realmente assumido uma igreja.
516
Devido a legislação que proíbe organizações sem fins lucrativos apoiarem candidatos políticos.
517
Robertson e Buckingham (2008).
518
Willians (2010) acrescentou que, em 1978, o seu canal a cabo era o terceiro maior do país e que em 1985
estimava-se que 27 milhões de pessoas assistiam seu 700 Club ao menos uma vez por mês. Os números do
pastor são ainda mais impressionantes, quando se percebe que, em meados da década de 1980, seus
empreendimentos operavam com um orçamento anual em torno de 230 milhões de dólares.
519
No mesmo ano Robertson fundou a Christian Broadcasting Network University que viria a se tornar em 1989
a Regent University. Universidade que teve um papel central na formação de advogados para lutar contra
legislações liberais nos Estados.
192

política. A diferenciação de sua trajetória com a de Falwell estava em sua capacidade de


esquivar-se dos conflitos e escândalos que envolviam a direita religiosa, ao mesmo tempo em
que, desenvolvia projetos que defendiam os interesses do movimento, como o exemplo da
contratação de 300 advogados, através do Freedom Council, para apoiar causas conservadoras
pelo país520.
Assim, durante o governo Reagan, enquanto Falwell partia para o enfrentamento em
defesa da emenda sobre o retorno das orações nas escolas, Robertson crescia seu império e
aumentava seu poder dentro da direita cristã, trabalhando nos bastidores para enviar emendas
para o Congresso.
A partir de 1985, o seu projeto para se tornar presidente tomou forma, para isso, ele foi
entrevistado pelo o Saturday Evening, dando a entender que se candidataria. Porém, mesmo
antes disso, iniciaram-se constantes transferências de dinheiro da CBN para o Freedom
Council521 (que acabou sendo a base para a arrecadação de fundos para sua campanha522).
Associado a esse obscuro projeto de arrecadação, o pastor aproximou-se de
Weyrich523, chamando-o para ser o estrategista de sua campanha, ao mesmo tempo em que,
utilizou de maneira brilhante a audiência de seu programa para estabelecer uma base de apoio.
Isso ocorreu no outono de 1986, durante um episódio do seu 700 Club, ao qual, ele declarou
que seria candidato se conseguisse 3 milhões de assinaturas. O fato é que, apesar de muitos
duvidarem de que ele realmente alcançou essa quantia, a base de sua campanha partiu
exatamente dos nomes que moveram-se para assinar a lista524, o que fazia com que ele a
começasse com a garantia de uma grande quantidade de apoiadores realmente interessados em
lutar pela sua vitória.
Como debateu Willians (2010), muitos evangélicos se recusaram a apoiar Robertson,
defendendo que não amarrariam sua fortuna a um candidato que não tinha chances de vencer,
o que era mostrado nas pesquisas, como a realizada pela National Association of Evangelicals
em 1987, onde, ele tinha apoio de apenas 13% dos evangélicos, contra 34% para Bob Doyle,
23% para Jack Kemp e 21% para George Bush.

520
De acordo com a leitura realiza por Willians (2010).
521
Marley (2007, p.108) descreveu 821,532 dólares foram transferidos para a organização em 1984, 939,992
em 1985 e 3.000.000 em 1986. Segundo Boston (1996, p.29) no total Robertson colocou 8,5 milhões de dólares
arrecadados pela CBN na organização.
522
A CBN não poderia ter esse papel devido as restrições legais impostas pelo International Revenue Service
Code.
523
Que na época estava profundamente insatisfeito com a administração Reagan e acreditava que Robertson
poderia derrotar Bush e Doyle, se ele arregimenta-se todos os votos evangélicos e conseguisse, através de sua
habilidade como comunicar e sua imagem de afabilidade, atrair alguns eleitores não religiosos.
524
Divulgada em 1987 em um programa ao qual ele estabelecia o compromisso de ser candidato.
193

Entretanto, após lançar sua campanha ele obteve resultados surpreendentes, como
mostrou Conger (2009), logo no começo da campanha Robertson venceu em Iowa e ficou em
segundo em Michigan, causando desconforto para seus adversários mais renomados e
rapidamente atraindo a visibilidade da mídia. O candidato passou a constantemente ser
abordado a respeito dos temas polêmicos defendidos ele525, sobre tópicos de sua nebulosa
biografia526 e sobre sua dificuldade em debater questões fora da agenda moral/cultural. Junto
a isso, os escândalos envolvendo alguns televangelistas próximos a Robertson eram
constantemente inseridos pelos seus opositores e pelos meios de comunicação527,
principalmente, como explicaram Tarpley e Chaitkin (2004), o envolvendo seu amigo
Swaggart.
Logicamente, Bush aproveitou a pressão da imprensa e as constantes contradições
presentes na fala do pastor para enterrar a ameaça que a sua campanha representava, o que
motivou Robertson a ir a público acusá-lo de usar “truques sujos” para tentar derrotá-lo. Pelo
seu lado, Bush defendeu-se das acusações do pastor, declarando que elas eram “loucas” e
“absurdas”, ao mesmo tempo em que, ampliava os ataques e as situações incomodas para seu
adversário.
Em meio a ataques tão contundentes da mídia e de seus adversários, o resultado final
dessa disputa foi que a campanha de Robertson não resistiu, contudo, não se pode dizer que o
pastor fez feio em sua campanha, ficando em terceiro na maioria dos estados e terminando as
prévias republicanas com força suficiente para prometer aos seus eleitores que ele tentaria
uma nova candidatura em 1992.
Enquanto esteve afastado para a disputa eleitoral, Robertson reorganizou sua rede de
TV, colocando seu filho Gordon P. Robertson como líder do empreendimento e apresentador
principal do 700 Club. O jovem pastor não possuía a habilidade e o carisma de seu pai e
acabou não sendo capaz de manter a audiência e as volumosas arrecadações que sustentavam
a rede528. Com a crise instaurada na Christian Broadcasting Network, Robertson preferiu
novamente fugir da visibilidade que tentar ser presidente trazia e direcionou suas forças para
525
Como a questão de considerar como leis dos EUA apenas a constituição e recusar-se a considerar a
importância da suprema corte. A questão é que em muitas entrevistas Robertson lançava ideias contraditórias,
negando sua fala em momentos posteriores.
526
Um dos casos mais questionado pela mídia sobre a biografia do pastor estava em sua data de casamento
que havia sido alterada em sua biografia para esconder o fato de que sua esposa estava gravida durante o
casamento.
527
O que foi apontado por Robertson (1990) como uma tentativa da mídia liberal de desarticular os
movimentos conservadores cristãos, já que, divulgaram de forma excessivas os casos de escândalos de alguns
pastores e deixaram de lado temas importantes da agenda conservadora.
528
Vale lembrar que os escândalos envolvendo alguns pastores da direita cristã afetavam a audiência dos
programas religiosos no período.
194

salvar a emissora, voltando à frente do 700 Club529 e desistindo de futuras candidaturas. Vale
lembrar que, somado a isso, em 1992 a Federal Elections Commission (FEC) entregou um
relatório detalhado, ao qual, apontava inúmeras irregularidades em sua campanha eleitoral de
1988, obrigando-o a devolver cerca de 380 mil dólares para o Governo Federal.
Concluindo o debate sobre as prévias presidenciais, pode-se pensar a respeito da
campanha eleitoral de 1988 que, dentro do legado deixado pelo governo Reagan, mostrou um
cenário completamente diferente do esperado, onde, mesmo com a aprovação de Reagan e os
republicanos, o Partido Democrata obteve o controle do Congresso e do Senado. Já no
Executivo, George H. W. Bush foi o primeiro vice presidente em atividade a ser eleito desde
1836, conseguindo 426 votos no colégio eleitoral e 53,4% dos votos populares, contra 111 no
colégio eleitoral e 45,6% dos votos populares para o candidato democrata Michael Dukakis,
uma votação menor que 1% para Ron Paul do Partido Libertário e para Lenora Fulani 530 do
Partido Nova Aliança.
Durante a campanha de Bush a agressividade entre conservadores e liberais
novamente foi incluída na pauta. Aqui vale lembrar que, se durante a década de 1970, ocorreu
uma fomentação por parte dos conservadores da ideia de que o secular humanismo era o
grande adversário a ser batido e que grupos como a ACLU eram inimigos do país, agora, após
o governo Reagan, esse processo já estava bem consolidado dentro do Partido Republicano.
De acordo com a leitura de Walker (1990), durante a campanha de 1988, um dos principais
argumentos de George H. W. Bush contra seu oponente Michael Dukakis era a acusação de
que o político democrata era um membro de carteirinha da ACLU.
Apesar da aparente polarização cultural, a vitória de Bush se deve a dois pontos. O
primeiro, foi o grande financiamento conseguido por sua campanha, especialmente, pelas
volumosas doações de grandes corporações de petróleo, como a Mosbacher Energy
Corporation, que doou 60 milhões de dólares para a campanha e cerca de 25 milhões para o
Comitê Nacional Republicano. Já o segundo, foi causado pela inexpressividade de Dukakis,
que pouco motivava os eleitores democratas a comparecerem as urnas. Nesse sentido, a
eleição de Bush foi a primeira a ocorrer sem a lealdade de grandes grupos, tendo os votos
divididos pela grande rejeição e pela debilidade dos candidatos para atrair votos531.

529
Seu filho continuou como coapresentador do programa, alternando as aparições com seu pai e hoje é o
principal apresentador do 700 Club.
530
A candidata, ativista pelos direitos civis, foi a primeira mulher e primeira afro-americana a conseguir votos
em uma eleição presidencial.
531
De acordo com a leitura realizada por Tarpley e Chaitkin (2004).
195

Após a eleição de Bush, a renovada liderança da direita religiosa prontamente se


reaproximou ao político republicano. Embora o novo presidente nunca tenha realmente aberto
a Casa Branca para o movimento, como havia feito seu antecessor, e mantivesse com eles
apenas uma relação distante, ele parecia esforçar-se para não perder o apoio do movimento.
Como prova disso, o novo presidente organizou um encontro, ocorrido em 1989 em meio as
festividades de sua posse, que contou com a presença de Pat Robertson532 e Ralph Reed, o que
foi visto, por Balmer (2008), como ponto de criação da Christian Coalition.
A cientista política Conger (2009) debateu que, a partir do final dos anos 1980, a
direita cristã transferiu seu enfoque do Governo Federal para arenas menores e para as
políticas de ativismo. Isso significava que a preocupação do movimento passou a ser as
disputas por cargos estaduais e locais, como o controle dos conselhos escolares municipais.
Seguindo essa nova diretriz, Robertson, em sua campanha nas prévias presidenciais
republicana de 1988 já incentivava que seus apoiadores concorressem a esses cargos.
De acordo com Boston (1996), a Christian Coalition surgiu com cerca de 1.7 milhões
de membros com a intenção de mobilizar e treinar cristãos para ações políticas efetivas533. Sua
diretoria era totalmente próxima de Robertson contando com Gordon P. Robertson, Billy
McCormack, Dick Weinhold e com Ralph Reed como diretor executivo.
A presença de Reed no movimento tinha um papel vital, uma vez que, a imagem de
Robertson após a campanha tornou-se bastante controversa, ao ponto de, uma grande parcela
da população odiá-lo e outra acreditar que ele era um representante de Deus na Terra. Reed
aliviava a radicalidade da imagem de Robertson com seu discurso calmo e seu rosto jovial (na
época ele tinha 34 anos) e tentava passar a imagem de que a Christian Coalition não foi criada
com a intensão de travar uma guerra moral no país, mas, que ela se preocupava com causas
nobres como o controle do balaço orçamentário, a preocupação com o crescimento do número
de abortos e com o fim das orações nas escolas.
Já Robertson, após ser derrotado nas prévias, ampliou o tom de seu discurso, tornando-
o mais radical e conspiratório, o que atraia para o movimento os setores mais
fundamentalistas que realmente estavam dispostos a travar um Guerra Cultural no país.
Com isso, a Christian Coalition conseguia ter duas faces um tanto incoerentes, uma
moderada e uma radical. Outra característica determinante da organização era o fato de que,

532
Martin (1996) acrescentou que, no evento de posse de George H. W. Bush, Pat Robertson recebeu da
organização conservadora Students for America o prêmio de homem do ano. A organização que havia sido
fundada por Ralph Reed, em 1984, deixou de existir no começo dos anos 1990.
533
O discurso da efetividade sempre esteve presente na fala das lideranças da Christian Coalition como um
contraponto a Moral Majority e seu virtual fracasso na implantação de transformações na sociedade.
196

apesar de se dizer apartidária534, o grupo de pressão originou-se fortemente associado ao


Partido Republicano, tanto que, no ato de sua criação recebeu uma contribuição de 64 mil
dólares do Republican Senatorial Commitee e cerca de 68% dos seus membros eram filiados
ao partido535.
Em termos de mobilização, a Christian Coalition rapidamente travou batalhas contra
grupos liberais, atuando, sobretudo, em nível local. Martin (1996) debateu que a primeira lista
de e-mails enviada pelo movimento atacava o National Endowment for the Arts, por subsidiar
o trabalho de Andres Serrano e Robert Mapplethorpe, vistos pela organização como artistas
que utilizavam a religião de forma desrespeitosa. Junto a isso, Robertson utilizou o curso de
direito de sua Regency University para formar advogados com condições de disputar em alto
nível batalhas legais contra legislações e causas vistas por eles como liberais.
É importante destacar que, embora a direita religiosa se reestruturasse durante o início
da década de 1990, sua relação com o Partido Republicano não era totalmente amistosa.
Como exemplo disso percebe-se que, logo na virada da década de 1990, a influência do
movimento era pouca na vida pública do país, ao ponto de, alguns rumores que circulavam
entre os evangélicos dizerem que eles vinham sendo sistematicamente excluídos da
administração Bush. Mais uma vez, a relação entre o presidente e o movimento voltou a pauta
e, para solucionar o mal-estar, ele se reuniu com alguns líderes da direita cristã e defendeu-se
dessa desconfiança.
O fato é que, assim como seu antecessor, Bush pouco adicionou a agenda
sociocultural conservadora, mantendo uma relação distante com os grupos religiosos e
voltando sua atenção para a política externa e crise econômica que havia retornado com
pujança. Em termos socioculturais, Bush reforçou a contrariedade do governo aos programas
de ação afirmativa e manteve a reformulação conservadora da Suprema Corte, com as
indicações de David Souter e Clarence Thomas.
Para Vincent (1997), constatava-se que após 12 anos de presidências conservadoras,
ao menos, 50% do judiciário tinha como norte não aprovar medidas de favorecimento racial, o
que fazia com que analistas, ao observar muitas das decisões de direito criminal e programas
de ação afirmativa, se questionassem se a maioria da corte não estava vincula a um projeto
conservador. O judiciário só não era mais conservador porque o Senado barrou, ainda durante

534
Algo obrigatório para qualquer organização sem fim lucrativos conseguir isenções de impostos nos EUA.
535
95% dos membros da organização votaram contra Clinton em 1992.
197

o mandato de Reagan, a indicação dos juízes conservadores Bork e Ginsburg536, aceitando


apenas Anthony Kennedy para o cargo.
Dentro desse contexto, o Partido Democrata esforçou-se para impor no legislativo,
bloqueios que impedissem a discriminação racial no campo de trabalho, além disso,
organizações, como a ACLU, continuavam suportando legalmente casos vistos como liberais
como a retirada da religião das escolas públicas do país. Entre esses casos estava o exemplo
dado por Sear e Osten (2005), ao citar a decisão de 24 de junho de 1992, no caso Lee contra
Weisman, ao qual, por cinco votos a quatro se proibiu orações, mesmo as não sectárias, feitas
por ministros e rabinos em cerimonias de formatura em colégios públicos.
A exceção a exclusão de religiosos do governo Bush estava em Billy Graham, que
continuava tendo um acesso irrestrito a Casa Branca, ao ponto de, na véspera da primeira
invasão durante a Guerra do Iraque, ser chamado, junto com sua esposa, para passar a noite na
residência presidencial. A importância de Graham estava exatamente em seu posicionamento
como consolador e por sua presença constante em quase todos os momentos mais difíceis do
país, que trazia a ideia de que as causas apoiadas por ele eram sempre justas.
Em termos de política externa, o ponto alto da administração Bush foi, sem dúvida
alguma, a vitória no Iraque (que era presença constantemente na televisão e apontava para um
país militarmente imbatível) e a vitória sobre a União Soviética com a queda do muro de
Berlim. Se pensada a partir da lógica da Guerra Fria, o fim da disputa com o país “socialista”
deixava os EUA em uma posição de única superpotência mundial, o que, após o momento de
euforia inicial, trazia a necessidade de se estabelecer novos desafios. A questão aqui é como
reconstruir a polaridade política do país sem a existência de um grande inimigo internacional?
Como explicar a importância do liberalismo radical sem a ameaça comunista? Ou ainda, em
termos conspiratórios religiosos, se o “comunismo” era o mal na terra, se a União Soviética
representava o anticristo, como explicar o fim do mal?
É importante destacar que desde seu surgimento a direita religiosa inseriu em sua
pauta a disputa contra o comunismo, pensando-o como uma anti-religião e vendo a União
Soviética como a encarnação dela537. Nesse sentido, se durante a história das vertentes

536
Douglas H. Ginsburg foi indicado por Ronald Reagan em 1987, sendo rejeitado pelo Senado dominado por
democratas.
537
Poucos setores da religiosidade conservadora conseguiram romper a barreira desse pensamento, entre eles
estava Billy Graham que em meio a suas cruzadas pelo mundo fez algumas visitas para países ditos socialistas e
teve contado com religiosos desses países. Ao fazer isso, Graham foi duramente criticado pelos dois lados da
Guerra Fria. Do lado Soviético ele era visto como o agente do imperialismo que estava tentando levar os
valores americanos para o país e do lado estadunidense ele foi duramente questionado em seus motivos para
realizar suas cruzadas em países ditos comunistas.
198

religiosas pré-milenaristas a União Soviética representava o anticristo que traria a hecatombe


nuclear e, consequentemente, a volta de Jesus a Terra, com a decadência do país esse
percepção tornava-se ao menos temporariamente distante.
Historicamente, o anticomunismo representou para os setores conservadores da
religião uma grande salvaguarda, bloqueando o florescer de tendências modernizantes, que
eram rapidamente rotuladas como comunistas e perseguidas por isso. Assim, dentro da
histeria provocada pelo horror ao comunismo, construiu-se uma parte importante da unidade
dos grupos conservadores religiosos.
O fim do regime soviético e o virtual desaparecimento do comunismo reverberou nos
anos que se seguiram a queda do muro de Berlim, o que foi um dos principais motivos para a
derrota eleitoral de Bush nas eleições 1992, pois, com o fim do inimigo externo o presidente
republicano tinha dificuldade para preencher seus discursos com algo que motivasse a
população a escolhe-lo. Essa lacuna de objetivos presentes na campanha tornou-se ainda mais
grave após a revolta popular de Los Angeles em abril de 1992, ao qual, “Bush tinha pouco à
dizer e menos ainda para oferecer.” (BLUMENTHAL, 2003, p.27)
Concluindo o balanço sobre a administração George H. W. Bush, é importante
destacar que, como apontou Balmer (2008), o presidente chegou, em março de 1992, com
91% de aprovação. Com isso, a questão a ser discutida em nosso próximo capítulo é a
maneira como um candidato, que chegou ao ano eleitoral com uma aprovação tão alta, não foi
eleito apenas oito meses depois.
Pensando exclusivamente no enfoque dado a nossa tese, fechamos esse capítulo
resumindo que a direita religiosa iniciava sua atuação na década de 1990 com um método e
liderança totalmente renovados, junto a isso, eles possuíam uma estratégia clara que percebia,
não mais, apenas os secularistas e liberais como responsáveis pela decadência moral/cultural,
mas agora, estabeleciam o Partido Democrata como a maior ameaça aos EUA, o que ficou
claro durante a campanha presidencial de 1992, onde a polarização política entre os partidos
ampliou-se.
199

Capítulo 5 A ascensão e o declínio da Guerra Cultural: A Convenção Republicana de


1992, Bill Clinton (1993-2001) e George W. Bush (2001-2009).

O quinto capítulo de nossa tese discute a relação entre a ideia de Guerra Cultural e os
governos durante a década de 1990, destacando a análise sobre as causas que fizeram o
fenômeno se tornar uma ferramenta fundamental para a fomentação da polarização política
entre o Partido Republicano e o Partido Democrata. Além disso, ele debate como Bill Clinton
enfrentou dificuldades em virtude da crescente polarização política.
A preocupação de nossa análise consiste em compreender os resultados da
reestruturação da direita religiosa, após as derrotas sofridas pelo movimento no final da
década de 1980. Assim, o objetivo principal desse capítulo é debater o avanço do movimento
sociopolítico à luz de uma possível radicalização das batalhas culturais, apontando como as
disputas em torno de temas culturais tiveram um papel fundamental para a manutenção de sua
força na vida pública. Com isso, é importante destacar que os dois principais partidos do país
alinharam-se a uma forma mais radicalizada de pensar a disputa política, o que significava
que, no Partido Republicano, o discurso radical antisecularista e antiliberal fortaleceu-se e fez
crescer uma retórica que acusava o partido rival de ser o braço político dos movimentos
liberais radicais supostamente corrompedores dos valores dos Estados Unidos da América.
Ao mesmo tempo, o Partido Democrata encontrou dificuldades para responder as
acusações de que era responsável pela decadência do país, pois, as constantes críticas
advindas do partido rival negavam os seus principais legados, como o exemplo da aliança
pelos direitos civis construída durante os anos 1960. Nesse sentido, o Partido Democrata
precisou refundamentar todo o seu setor de produção de pensamento, para que pudesse
competir em um patamar de igualdade com os centros intelectuais conservadores
estabelecidos durante as duas décadas anteriores.
A partir desse objetivo, o capítulo se divide em duas partes. A primeira considera a
presença radicalizada dos temas culturais na Convenção Republicana de 1992,
compreendendo-a como uma transposição do ideário, da recém-extinta Guerra- Fria, para
questões partidárias e de política interna. A segunda mostra a efetividade da fomentação da
Guerra Cultural para o avanço eleitoral do Partido Republicano, debatendo com isso, como a
crescente polarização pressionou o Partido Democrata durante os dois mandatos de Bill
Clinton (1993-2001) e indicando como ela levou a dois momentos antagônicos, um primeiro
que, nas eleições congressionais de 1994, deu uma significativa vantagem eleitoral ao Partido
Republicano e possibilitou o seu controle da Câmara e do Senado. Mas, logo em seguida,
200

dificultou o trabalho republicano no legislativo devido á radicalidade dos novos legisladores


eleitos sobre a influência das batalhas culturais.

5.1 Guerra Cultural? Para que temer o exterior se o inimigo sempre esteve dentro do
país.

O final dos anos 1980 e o início dos 1990 marcaram mudanças fundamentais na
política e na sociedade estadunidense, trazendo consigo novos desafios e um rejuvenescido
debate sobre o papel dos Estados Unidos no mundo. Dentro desse novo cenário, fortaleceu-se
a imagem de que o país se tornara militarmente invencível, principalmente, após a sua rápida
e totalmente televisionada participação na Guerra do Golfo538.Nesse sentido, com o fim do
mundo bipolar, existia uma forte expectativa sobre o quão central seria o seu papel na defesa
da estabilidade e na liderança da nova ordem mundial.
Seguindo essa leitura, é importante destacar que o período foi marcado,
intelectualmente, por uma variedade de teorias a respeito dos resultados dessa nova
configuração mundial, que variavam de leituras pessimistas sobre o futuro do país, como as
de Kennedy (1989), Messadié (1989), Cetron e Davies (1989), Robertson (1990) entre outras,
até teses profundamente otimistas como a de Francis Fukuyama (1992) e o seu fim da
história. A questão é que, se dentro das correntes mais otimistas, o fim da Guerra-Fria
representava o término dos grandes conflitos, a realidade apontava para uma significativa
ampliação das rivalidades pelo mundo, sobretudo, em torno de questões étnicas e religiosas.
Na política interna, o debate a respeito do futuro dos Estados Unidos da América não
se diferenciava muito de um cenário repleto de dúvidas e incertezas, o que era ocasionado por
uma inconveniente contradição entre a imagem vitoriosa de única superpotência e a realidade
econômica e social vivenciada pelo país no final da administração George H. W. Bush.
Assim, fervilhavam conflitos motivados pelo crescimento sem precedentes da pobreza e do
desemprego, que pouco lembravam a imagem vencedor que lideraria o mundo recém-
reestruturado. O começo dos anos 1990 mais uma vez, assinalava o crescimento da
desconfiança com a imagem de perfeição cultivada pelo país, o que era reforçado pela

538
A Guerra do Golfo foi importante para essa imagem de invencibilidade, pois, pela primeira vez, a guerra
parecia algo limpo, quase como um jogo de videogame. As imagens transmitidas pelos meios de comunicação
eram quase sempre luzes verdes que se destacavam nas câmeras de visão noturna e misseis que pareciam
atingir sempre o alvo programado, pouco lembrando para a opinião pública que ela custava vidas. Nesse
sentido, diferentemente das guerras anteriores que o país se envolveu, ela pouco mostrava feridos e mortos do
lado americano.
201

valorização do multiculturalismo, pela chegada constante de novos imigrantes e pelos


respectivos conflitos resultantes do crescimento das diferenças no país, como o exemplo da
Batalha de Los Angeles em 1992539.
Como nos mostrou Vincent (1997), a explosão social marcou os resultados das
políticas socioeconômicas, cada vez mais restritivas, do Partido Republicano, mostrando que
o crescimento da pobreza não poderia ser controlado apenas pelo fortalecimento do aparato
policial e por legislações criminais mais duras. Nesse sentido, enquanto a revolta trazia à tona
o problema das áreas, cada vez mais, carentes dos grandes centros urbanos, alguns intelectuais
conservadores, como Francis Fukuyama (1996)540, procuravam atrelar a participação de gangs
de minorias.
Dentro desse mesmo projeto, a direita religiosa tentava provar que o crescimento da
violência era resultado da destruição dos lares americanos, que já em 1987 tinham 20% das
crianças crescendo em lares desfeitos e, anos depois, em 1994 esse número atingia 25% dos
lares. Nessa lógica, o componente racial estava novamente presente como justificativa para
problemas sociais, visto que, 61% dos nascimentos na comunidade afro-americana ocorriam
fora do casamento, porém, a pobreza há muito tinha deixado de ser uma questão
exclusivamente racial e já atingia trinta e sete milhões de habitantes estadunidenses no ano de
1992, sendo eles: 11% dos brancos, 28,2% dos hispânicos e 31,1% dos afro-americanos541.
Esse cenário visto pela lógica conservadora, rapidamente transformou-se em
acusações de que os comunistas e radicais estariam infiltrados nos principais setores do país,
camuflando-se como liberais e moderados, corrompendo o caráter da nação, controlando o
Partido Democrata, destruindo a autoridade e a educação, disseminando o relativismo moral,
que negava verdades morais absolutas e defendia que tudo deveria ser medido segundo
parâmetros da realidade vivenciada, valorizando o multiculturalismo, em detrimento das
qualidades do país e defendendo o politicamente correto, que trazia consigo uma censura
velada as ideias diferentes da propagada pela agenda liberal.
Essa tese ganhou muita força durante toda a década de 1990, sendo reforçada por
autores como, o antigo membro da nova esquerda que tornou-se ao decorrer de sua carreira

539
A batalha ou revolta de Los Angeles ocorreu após a absolvição, em 29 de abril de 1992, dos policiais que
agrediram o taxista afro-americano Rodney King no dia 03 de março de 1991.
540
Após a explosão social, alguns autores, como Fukuyama (1996), tentaram explicar a revolta a partir do
conceito de capital social, indicando que a explosão popular ocorreu devido ao revanchismo dos jovens afro-
americanos contra o sucesso econômico dos asiáticos. O autor procurou explicar a pobreza dos bairros negros
das grandes cidades através da ausência de confiança entre os membros da comunidade, eximindo a crise
econômica e a discriminação como parte da análise.
541
Segundo os dados apontados por Vincent (1997).
202

conservador, David Horowitz542, que no final da década escreveu um livro bastante


provocador, no qual, acusava os movimentos liberais do período de terem pouco a ver com o
liberalismo pré-sixties e que, na verdade, eles representavam um credo radical. Para Horowitz
(1998), com o fim do socialismo, muitos dos que vinham se definindo nos EUA como
liberais, na verdade, eram socialistas e isso resultava da constatação de que tudo que não era
conservador era liberal e, consequentemente, fazia com que as pessoas negassem a existência
da esquerda radical no país, preferindo utilizar o termo liberal.
Dentro dessa lógica, com o fim do regime soviético, duas obsessões passaram a
povoar as obras dos movimentos conservadores do país. A primeira era a ideia de declínio
cultural, que se apresentava em leituras que viam a crise das universidades e da cultura
popular. Por essas leituras, os problemas nas universidades ocorriam devido a inserção de
temáticas multiculturais, pela valorização da história e da literatura das minorias, por causa do
ensino bilíngue, pela negação dos autores clássicos e por um desconforto na relação dos
estudantes, provocado pelas ações afirmativas e cotas543.
Seguindo essa leitura, Horowitz (1998) apontou que os revolucionários dos anos
1960, agora, eram os professores universitários, o que fazia com que o status quo das
universidades estadunidenses fosse quase totalmente controlado por uma esquerda, que
constantemente censurava as visões políticas de seus oponentes.
Na cultura popular, a preocupação conservadora estava no declínio na programação
televisiva, na queda de qualidade e vulgarização dos filmes no cinema e no crescimento da
sexualização, do incentivo ao uso de drogas e de uma cultura marginal na indústria musical,
associados a crescimento da influência do rap e do rock544 na música americana545.
Se a primeira obsessão dos conservadores era a ideia de crise na cultura do país, a
segunda pautava-se na ampliação da ideia conspiratória sobre a existência de um inimigo
interior, que, primeiramente, durante a década de 1970 e 1980, era visto como uma elite
liberal e comunista infiltrada no país e, agora, com o aproximar da campanha presidencial de
1992, se personificava diretamente no Partido Democrata e na figura de Bill Clinton.
Um exemplo clássico dessa leitura foi a publicação de Robertson (1990), que acusava,
mesmo após a crise do bloco soviético, a manutenção de uma forte influência do lado

542
Horowitz é editor do popular site conservador FrontPage Magazine, que tem como mensagem principal a
ideia de que: “Dentro de cada liberal está um totalitário gritando para sair”. O site pode ser encontrado no
endereço: <http://www.frontpagemag.com/>.
543
Como o exemplo do trabalho de Bloom (1989).
544
Fortemente marcado pela geração grunge de Seattle, com sua tendência suicida, seu linguajar agressivo e
seu exagerado consumo de heroína.
545
Vale destacar que a década de 90 marcou a popularização do videoclipe nos canais a cabo do país.
203

intelectual do comunismo nos Estados Unidos. Com isso, o reverendo defendia que, durante
os últimos trinta anos, os intelectuais comunistas/secularistas tinham se infiltrado na indústria
de entretenimento, notícias e na educação, transformando-as em uma vingança contra as
pessoas e os valores religiosos. Como exemplo disso, ele citou o crescimento da produção de
filmes com temáticas críticas ao cristianismo, como o longa-metragem A Última Tentação de
Cristo546 e a exibição de séries televisivas que propagavam valores morais, vistos por ele
como, deturpados como a My Two Dads547.
Essas novas produções ganhavam visibilidade, enquanto, o cinema deixava de
produzir filmes a partir de temáticas bíblicas ou que pregassem bons valores cristãos e os
setores religiosos passavam a ser constantemente acusados de serem intolerantes e atrasados.
Dessa forma, Robertson (1990) percebia que a história do cristianismo vinha sendo
reconstruída a partir de um enfoque que acusava a religião, tão importante na formação dos
valores da nação, como historicamente defensora do nazismo e do racismo.
Seguindo a linha defendida pelo reverendo, setores conservadores viam com temor o
crescimento dessa nova cultura popular e ampliavam a retórica de que os religiosos estavam
sendo, a cada dia, mais perseguidos por essa elite liberal, que pretendia destruir os valores da
religião e da nacionalidade. Entretanto, essa visão conspiratória não crescia apenas em setores
mais conservadores da sociedade, de maneira que, do outro lado da disputa cultural,
movimentos vistos como liberais adotavam uma postura similar, acusando a direita religiosa e
os conservadores sociais de serem intolerantes, sexistas e racistas.
Foi em meio a esse cenário que Hunter (1991) escreveu seu livro a respeito da Guerra
Cultural, despertando uma rápida atenção por parte da mídia e de alguns setores do país para a
sua tese. Como consequência, pouco mais de um ano após o lançamento de sua obra, a
importância do debate em torno da Guerra Cultural já era tamanha, que, durante a Convenção
Nacional Republicana de 1992, vários políticos e membros da direita religiosa discursaram
sobre a sua existência.
Para compreender esse evento é necessário, primeiramente, resgatar a tática
empregada pela Christian Coalition e pela direita religiosa para conseguir uma expansão de
sua participação na política do país, ao qual, a partir do seu quase desaparecimento no final da
década de 1980, o movimento passou a focar sua mobilização no controle dos escritórios

546
Que mostra um Jesus humanizado que se apaixona e sente remorsos por produzir cruzes para o Império
Romano em sua carpintaria.
547
A comédia ficou no ar na NBC de 1987 até 1990 e narrava o cotidiano de dois homens solteiros que criavam
uma garota, após a morte da mãe dela, por não saberem qual deles era o pai biológico.
204

locais republicanos e nas campanhas eleitorais para os conselhos escolares municipais (até
então disputadas sem o apoio de grandes estruturas políticas548).
De acordo com Martin (1996), um exemplo clássico desse método foi a eleição de Pat
Hart para o conselho educacional de Lake County, Flórida. A participação de Hart é
importante para a compreensão de como funcionava essa nova forma de mobilização da
direita religiosa, pois ela demonstrou, em sua atividade como conselheira educacional, que
existia uma forte ligação de apoio entre as organizações que formavam o movimento durante
a década de 1990.
Hart mostrou que existia uma grande rotatividade de membros entre várias
organizações do movimento e que muitos ativistas faziam parte de mais de uma organização.
Nesse sentido, a ativista conservadora, que anteriormente esteve envolvida na campanha de
Pat Robertson em 1988 e com Beverly LaHaye e o seu Concerned Women for America, ao
vencer por doze votos a eleição para uma das cinco vagas para o Conselho Escolar e iniciar
uma forte campanha para livrar a cidade do humanismo secular549. Porém, como apontou
Togneri (1996), isolada entre quatro membros não conservadores, os dois primeiros anos da
ativista foram de frustrações, ao ponto dela, buscar apoio político em um variado número de
organizações de caráter conservador, afiliando-se ao Eagle Forum, ao qual, recebeu todo um
programa de educação sexual pautado pela ideia de abstinência e contatando James Jobson e
seu Focus on Family.
Martin(1996) narrou que, logicamente, apesar do apoio de todos essas organizações, a
conservadora pouco conseguiu avançar em suas propostas, sofrendo uma forte resistência dos
outros quatro membros do conselho. Todavia, com o aproximar de uma nova eleição, em
1992, ela conseguiu ser reeleita e junto com mais duas conservadoras que foram endossadas
pela Christian Coalition, Claudia Ramsey e Judy Pearson. Assim, a direita cristã tomou o
controle do conselho escolar e, já na primeira reunião, Hart conseguiu ser eleita presidente do
conselho.
A maioria conservadora começou a seguir um programa escolar profundamente
conservador, concentrado em salas de aulas reduzidas e um enfoque total no conteúdo
acadêmico tradicional. Para elas, a escola deveria concentrar-se apenas no que era básico na

548
De acordo com Utter e Storey (2007), em 1993 era estimado que dos 95.000 conselhos educacionais 7.153
eram controlados por conservadores.
549
Sua primeira medida foi proibir nas escolas o livro When Itchy Witchy Sneezes, um livro infantil muito
popular nos EUA que ensina a sonoridade das palavras para crianças que estão começando a lei, narrando o
que ocorre quando uma bruxa espirra. Para a ativista conservadora o livro devia ser banido por influenciar as
crianças ao ocultismo.
205

educação, deixando de debater questões pedagógicas influenciadas pelos modismos como


novas descobertas cientificas, temáticas multiculturais e a educação sexual.
Esse posicionamento, rapidamente, se tornou um conflito na mídia, principalmente,
após os legisladores do estado aprovarem uma lei que definia que as escolas deveriam inserir
conteúdo escolar que valorizasse a questão do multiculturalismo, o que foi mal recebido pelo
conselho de educação conservador, pois defendia que os professores deveriam ensinar que a
cultura estadunidense era superior a de outros países. A proposta de Hart causou revolta entre
os professores e atraiu atenção da mídia do país. Isso gerou uma série de reportagens
investigativas a respeito de como a direita religiosa vinha tomando o controle da educação do
país. Com a pressão da mídia, Hart desistiu de concorrer para uma nova reeleição em 1994.
Utter e Storey (2007) apontaram que, de acordo com uma reportagem do New York
Times, a tática da Christian Coalition consistia em vencer as disputas eleitorais, sem provocar
grandes alardes a respeito do conteúdo ideológico defendido por seus candidatos. Por isso,
eles evitavam se declarar membros do movimento, apenas, revelando a natureza de suas
intenções após assumirem seus mandatos. Essa estratégia política causou um grande
desconforto para os outros membros dos conselhos educacionais e dos escritórios locais do
Partido Republicano, que foram rapidamente tomados sob a liderança de membros da direita
religiosa.
Esse processo de expansão da direita religiosa, liderado pela Christian Coalition, foi o
principal motivo para a radicalização do discurso republicano durante a convenção de 1992. A
questão para o movimento era que, seguindo a transportação da ideia de Guerra-Fria para a
batalha entre os partidos, a política estadunidense passava a colocar-se como uma batalha
entre o bem e o mal pela alma da América, o que apontava o casal Clinton550 do lado do mal e
Bush do lado do bem.
Para que se possa compreender um pouco melhor esse processo é importante retomar
um pouco as prévias republicanas, em que, o então presidente teve como principal adversário
o comentarista conservador católico Pat Buchanan. A vitória de Bush, que deveria ser fácil
devido as suas recentes conquistas internacionais, transformou-se em uma desgastante
batalha, uma vez que, Buchanan chegou a pressioná-lo em New Hampshire, primeiro estado a
votar nas prévias, ao conseguir 37% dos votos, contra 53% de Bush. Essa votação à Buchanan

550
Bill Clinton tinha sido indicado como o candidato democrata à presidência no mês anterior e, juntamente
com a sua esposa e seu candidato à vice-presidência Al Gore era visto como um grande inimigo pela direita
religiosa.
206

somente não foi maior, porque o presidente fez quatro dias de intensa campanha no estado,
recuperando a confiança de uma parte de seu eleitorado.
Segundo o relatório da Anti-Defamation League (1992), Buchanan se candidatou para
as prévias republicanas de 1992, sem nunca ter sido eleito para outro cargo governamental551.
Sua plataforma pautava-se em influências nativistas552 (com o lema American First), defendia
o isolacionismo, atacava os imigrantes553, as minorias e realizava inúmeras críticas à política
econômica do presidente republicano. Durante sua participação nas prévias, que duraram
quarenta dias, o comentarista conservador gastou cerca de um milhão e novecentos mil
dólares e conseguiu o apoio de grande parte dos movimentos de ativistas ligados à direita
religiosa, porém, mesmo com a força inicial de sua campanha554, ele foi derrotado em todos
os estados, conseguindo, apenas cerca de três milhões de votos em todo o país, muitos deles
eram votos de protestos contra Bush.
A dificuldade enfrentada pela campanha de Bush foi explicada por Dowd (1992), que
percebia que o presidente sofria para explicar como, de 1988 para 1992, a economia do país
entrou em queda livre e, principalmente, como o candidato não conseguia convencer a
população de que ele realmente se importava com o desespero das pessoas que perdiam seus
empregos. Segundo a Anti-Defamation League (1992), durante o período das prévias em New
Hampshire, o desemprego no estado, quando Bush chegou para fazer sua campanha, tinha
crescido de 2.3% para 7%555, as falências ampliaram 300% e cinco dos seus sete maiores
bancos faliram556.
Com esse quadro econômico, os ataques à administração Bush, durante as prévias,
concentravam-se no excessivo enfoque dado pelo então presidente para as questões de política
externas do país557. Essa crítica manteve-se, mesmo durante a campanha presidencial,
rondando o candidato republicano, como exemplo disso, Lieven (2005) argumentou, ao
retomar os motivos da derrota na tentativa de reeleição do presidente republicano, que ao

551
Buchanan tinha participado ativamente das administrações Nixon e Reagan e tinha um papel de destaque
como um controverso comentarista em seu programa na TV a cabo chamado Crossfire.
552
É interessante perceber que ao longo dos anos o termo nativista sofreu algumas transformações, afinal se no
final dos anos 1800, a ideia pautava-se na rejeição de católicos por protestantes, agora o que passava a ser
considerado como legitimamente americano era a herança europeia.
553
Entre as plataformas de Buchanan estava a construção de um muro em toda fronteira entre EUA e México
que, segundo ele, impediria cerca de 90% da imigração ilegal para o país.
554
Nagourney (2012) citou que, para conservadores, como Newt Gingrich, o recuo do apoio à Buchanan estava
muito mais associado ao teor provocativo de sua fala, do que, ao conteúdo sugerido pelo candidato
conservador.
555
O estado perdeu cerca de 48.000 empregos.
556
A realidade dos outros estados da federação não eram muitos diferentes no período.
557
Que era fortemente influenciada pela corrente neoconservadora.
207

enfatizar as questões de política externa, ele tentava aproveitar a boa imagem trazida com o
fim URSS e pela rápida vitória sobre o Iraque na Guerra do Golfo.
Voltando a pensar os motivos da radicalização na Convenção Nacional Republicana
de 1992, destaca-se que, com a derrota de Buchanan nas prévias, o candidato conservador
rapidamente passou a apoiar George H. W. Bush, defendendo que sua oposição tinha sido
importante para que o presidente fortalecesse a sua candidatura. O apoio de Buchanan a Bush
fez com que grande parte dos conservadores e da direita religiosa enxergasse a convenção
como uma maneira de demonstrar, ao candidato escolhido pelo partido, a preocupação do
movimento sobre temas socioculturais. Pensando a respeito disso, Cromartie (1993) indicou
que, de acordo com o Washington Post, a direita religiosa tomou a convenção com o
comparecimento de mais de dois mil de seus delegados que, constantemente, direcionaram os
discursos para o debate cultural.
Aqui vale notar que, mais uma vez, o método de mobilização da direita cristã teve o
resultado desejado e, como resposta, a ideia de Guerra Cultural esteve fortemente presente na
fala dos políticos e ativistas durante a convenção, resultando exacerbados discursos nas
plenárias, que eram recebidos com uma grande comoção pela plateia, em grande parte
composta pelos próprios delegados da direita cristã.
Essa tática causou a nítida impressão de que o Partido Republicano tinha as questões
culturais como norte de sua agenda política, resultando em uma nova atração de
conservadores religiosos para o partido. Para Wilcox e Bartkowski (in Dionne; Diiulio, 2000)
os ativistas conservadores/protestantes/brancos passaram a migrar de forma desproporcional
para o Partido Republicano, tendo uma identificação 50% maior com ele do que outros
americanos.
Entre as falas de maior destaque na convenção estava a de Pat Robertson, que
comemorou a vitória republicana sobre a União Soviética, argumentando: “Setenta e cinco
anos atrás uma praga cobriu as nações da Europa Ocidental como uma nuvem negra”
(ROBERTSON apud BALMER, 2008, p.136) e completou: “Foi Ronald Reagan, George
Bush e as políticas republicanas que colocaram o comunismo de joelhos.” (ROBERTSON
apud BALMER, 2008, p.136). Ainda sobre a fala do reverendo, Balmer (2008) acrescentou
que pelo raciocínio do líder da Christian Coalition, o Partido Democrata passou a ser o
transportador dessa praga, representando um braço do comunismo nos Estados Unidos da
América que precisava ser derrotado.
Seguindo a linha de Robertson, Buchanan fez o que seria lembrado como o discurso
mais marcante da convenção, apontando, pela primeira vez em um palanque político, a
208

existência de uma Guerra Cultural no país e defendendo que, apesar de ter discordado de
George H. W. Bush durante as prévias, seus três milhões de eleitores deveriam apoiar o
candidato republicano:
Sim, nós discordamos do presidente Bush, mas estamos com ele pela
liberdade para escolher as escolas religiosas, estamos com ele contra a ideia
amoral que os casais gays e lésbicas deveriam ter a mesma posição na lei do
que homens e mulheres casados. Nós estamos com o presidente Bush a favor
do direito à vida e pela oração voluntária nas escolas públicas. Nós somos
contra colocarem nossas esposas, filhas e irmãs nas unidades de combate do
exército dos Estados Unidos. Nós também estamos com o presidente a favor
do direito das cidades pequenas e comunidades de controlar o esgoto bruto
da pornografia, que é tão terrível que polui nossa cultura popular. Nós
estamos com o presidente Bush a favor de juízes federais que interpretem a
lei como está escrita e contra juízes da Suprema Corte como Mario
Cuomo558 que pensam ter um mandato para reescrever a Constituição.
(BUCHANAN, 1992).

O discurso de Buchanan (1992) foi totalmente construído sobre uma ideia de nós
contra eles, constantemente, apontando o Partido Democrata como o grande mal do país e
defendendo que a convenção democrata, realizada no mês anterior, era na verdade uma
reunião de cerca de vinte mil liberais e radicais, tentando se passar por moderados e centristas.
Sua fala mostrava uma forte rejeição ao legado construído pelo Partido Democrata, durante
seu período de domínio na política do país, e exaltava que, de maneira alguma, o povo
americano voltaria para o fracassado liberalismo.
Nesse cenário de crescente polarização contra o Partido Democrata, Bill e Hillary
Clinton eram particularmente atacados durante a convenção, sendo vistos como os grandes
representantes do sórdido liberalismo. Dentro dessa lógica, Marilyn Quayle, esposa do vice-
presidente Dan Quayle559, atacou o discurso de Clinton sobre a necessidade de se procurar
novas lideranças para o país, dizendo que “nem todos tinham desistido, utilizado drogas,
participado da revolução sexual560 ou se esquivado da convocação561” (Purdum apud Quayle
(2004)).

558
Cuomo era governador de Nova York e tinha uma longa trajetória como um político liberal, sendo um dos
responsáveis por impedir o retorno da pena de morte no estado. De acordo com Molloy (2012), ele nunca
chegou a aceitar a nomeação de Clinton para que fizesse parte da Suprema Corte alegando estar
comprometido com o estado.
559
Quayle foi também o candidato à vice-presidência na eleição de 1992.
560
Rother (1992) citou que Quayle constantemente utilizou os termos família e valores, defendendo que
homens e mulheres tinham um papel diferente na sociedade e embora, não falasse claramente que faltava
confiança e caráter para Clinton, ela deixava a entender que esse era exatamente o problema do candidato.
561
Constantemente durante a campanha de George H. W. Bush contra Bill Clinton em 1992 os republicanos
acusavam o candidato democrata de não ser patriota, por ter enviado uma carta para escapar da Guerra do
Vietnã.
209

Pela análise realizada por Willians (2010), os ataques do Partido Republicano, que
colocavam o Partido Democrata como o grande inimigo, iniciou-se ainda durante a campanha
de 1984 de Reagan, em que, a plataforma republicana acusou os democratas de atacarem os
valores básicos da nação. Porém, agora em 1992, esse discurso se tornou ainda mais
agressivo, ao ponto, do vice- presidente Dan Quayle atacar o relativismo moral, mulheres não
casadas e os baixos padrões morais da classe média e de Bush criticar os democratas por
omitirem Deus de sua plataforma política.
Para Buchanan (1992), a eleição era uma questão de valores, ela opunha o candidato
republicano, patriota562, defensor da vida e dos valores judaico-cristãos, sobre os quais a
América foi fundada563, contra um casal que defendia o casamento homossexual564, o aborto,
os gastos desenfreados565, a proteção do meio ambiente acima da vida das famílias e o
feminismo radical566:
Amigos essa eleição é mais do que quem recebe o que, trata-se de quem
somos. É sobre o que nós acreditamos e aquilo que defendemos como
americano. Há uma guerra religiosa acontecendo nesse país. É uma Guerra
Cultural tão crítica para o tipo de nação que desejamos ser como foi a
própria Guerra-Fria. Essa guerra é pela alma da América. (BUCHANAN,
1992).

No mesmo discurso, ele também se posicionou contra o levante social ocorrido meses
antes em Los Angeles, o que, de acordo com Lieven (2005), fez ele declarar que os
americanos deveriam retomar suas cidades, sua cultura e seu país, da mesma maneira como o
exército americano retomou a cidade de Los Angeles. O debate envolvendo o episódio trazia
novamente à tona, da mesma maneira como nos anos 1960, o pavor conservador contra o
crescimento da violência popular e delimitava a necessidade de se garantir a ordem a qualquer
custo, ao ponto de, na mesma conferência, Ralph Reed encorajar os cristãos a tomarem o seu
país de volta, pedaço por pedaço, cantão por cantão.
Pensando especificamente nas disputas políticas no interior do Partido Republicano,
existiam claramente duas vertentes em disputa na convenção de 1992, de uma lado, estava a

562
Ele apontava que após o ataque japonês a Pearl Harbor, Bush rapidamente se alistou no exército, sendo um
dos pilotos mais jovens dos EUA, enquanto que, Clinton se escondeu da Guerra do Vietnã, enviando cartas para
que fosse poupado da convocação. Balmer (2008) citou que durante a campanha Bush acusou Clinton de falta
de patriotismo por ter evitado a seleção durante a Guerra do Vietnã e por ter visitado Moscou, enquanto,
Clinton rebateu argumentando que a família Bush tinha apoiado o Macarthismo.
563
Como mostramos no capítulo anterior, essa visão de Bush foi construída após sua indicação para a vice-
presidência de Reagan, uma vez que, ele não era antiaborto ou mesmo um religioso fervoroso.
564
De acordo com Schmalz (1992) a retórica anti-homossexuais esteve presente em toda a convenção.
565
A crítica do comentarista conservador cita o candidato à vice-presidência Al Gore como o senador mais
gastador do país.
566
Buchanan (1992) acusou Hilary de considerar o casamento como uma escravidão ou como a vida em uma
aldeia indígena.
210

exaltada direita cristã (que radicalizou o debate cultural) e de outro, o grupo ligado a Ronald
Reagan que discursava em defesa dos avanços conseguidos pelo governo e sobre a
importância das vitórias na política internacional. Isso era claro, no discurso de Reagan
(1992), em que, o ex-presidente defendeu a importância da vitória na Guerra-Fria e apontou
que o país somente não teve outros avanços devido ao controle democrata no Senado. Assim,
para ele, se existia a necessidade de mudanças, como o Partido Democrata vinha frisando em
sua campanha, elas deveriam ocorrer no legislativo, com a retomada do Senado do país pelo
Partido Republicano.
Com essa divisão de ideias no Partido Republicano, é importante aprofundar como o
discurso cultural, radicalizado na convenção, acabou sendo incluído na campanha de George
H. W. Bush. Uma vez que, se percebe, ao menos em seu momento inicial, ela era embasada
em um caminho semelhante ao defendido pelo discurso do ex-presidente Ronald Reagan.
Mais do que isso, pode-se concluir que a inserção da ideia de uma Guerra Cultural se tornou
prejudicial para o político republicano, criando uma forte tendência de oposição política no
país e, finalmente, estabelecendo o Partido Republicano como o espaço atrativo para os
conservadores religiosos.
Nagourney (2012) argumentou que, durante a convenção, o Partido Republicano foi
empurrado para a direita pelos movimentos conservadores Grass-Roots567. O fato é que Bush,
realmente, tentou se aproximar de setores da direita religiosa, o que ocorreu, segundo Martin
(1996), através de um discurso do candidato republicano na Second Anual Road to Victory da
Christian Coalition e em uma entrevista exclusiva que o presidente deu para o 700 Club. Esse
novo direcionamento parecia tão influente que, Pat Buchanan, apesar de se dizer surpreendido
com a recepção de seu discurso na convenção, acreditava que Bush teria derrotado Clinton, se
o candidato republicano tivesse levado a disputa para o debate sobre os temas que estavam
presentes em sua campanha nas prévias republicanas. Seguindo essa mesma leitura, Conge
(2009) citou que muitos conservadores atribuíram a derrota de Bush em 1992 à ausência de
consistência e convencimento conservador em sua campanha. Nesse sentido, para Buchanan,
Clinton era completamente vulnerável quando se debatia questões relacionados a valores
culturais e morais.
Essa vulnerabilidade de Clinton era muito maior do que um problema exclusivo do
candidato e atingia todo o Partido Democrata, que parecia realmente ter dificuldades para
responder os ataques e as acusações advindas do partido rival. Klein (2002) afirmou que, após

567
Nome dado aos movimentos ativistas.
211

doze anos consecutivos de vitórias presidenciais republicanas, o Partido Democrata tinha


grande dificuldade para disputar ideologicamente com os conservadores, que estavam
fortemente estruturados na produção de pensamento em Think Tanks como a Heritage
Foundation e o American Enterprise Institute.
Com isso, a indicação de Clinton fazia parte de uma vital reformulação do partido e de
um projeto de revitalização do liberalismo. Essa perspectiva resultou na criação de novos
Think Tanks liberais como o Progressive Policy Institute568, lançado pelo Democratic
Leadership Council569em 1989. De acordo com a leitura de Black e Black (2008), para
apaziguar a pressão exercida pelos conservadores sobre o termo liberal, Clinton não concorreu
à presidência definindo-se como um democrata liberal (no estilo McGovern, Mondale ou
Dukakis), estruturando toda sua campanha como um candidato novo democrata, cujo o
discurso, mesclaria ideias liberais e conservadoras.
Somada a dificuldades de combater ideologicamente o Partido Republicano, o Partido
Democrata enfrentava a enorme popularidade de George H. W. Bush 570.Sobre isso,
Blumenthal (2003) argumentou que a aprovação do presidente, antes da campanha eleitoral,
era tão alta que nenhum senador ou governador democrata queria disputar as eleições de 1992
contra ele. Esse temor da força política de Bush foi o principal motivo para a indicação de
Clinton, um governador do Arkansas, pouco conhecido em Washington e muito mais novo do
que outras figuras mais influentes do partido, para a disputa presidencial571.
Deste modo, em meio aos discursos radicais e a crise econômica, Bush foi derrotado
por Clinton e essa eleição foi especialmente contundente para o Partido Republicano. O
motivo para isso foi que a disputa entre os dois candidatos parecia tão desproporcional que a
derrota de George H. W. Bush fez com que muitos republicanos vissem-na como algo contra
a ordem natural, o que resultou em acusações contra a direita cristã e seu discurso radical572e,
até mesmo, contra Bush pela derrota nas eleições de 1992.
Somado a isso, a participação na eleição de um terceiro candidato, o empresário Ross
Perot, acabou tornando-se determinante para a derrota de Bush. Perot teve uma rápida
participação nas prévias republicanas e, após elas, lançou-se como um candidato independente

568
<http://www.progressivepolicy.org/>.
569
<http://www.dlc.org/>.
570
Após a rápida vitória na Guerra do Golfo, Bush tinha uma das popularidades mais altas entre todos os que já
tinham sidos presidentes do país.
571
O que ocorria devido ao alto índice de aprovação conseguido por Ronald Reagan que fazia com que nomes
importantes do Partido Rival vicem como improdutiva a tentativa de derrotar George H. W. Bush nas urnas.
572
Nagourney (2012) mostrou que muitos dos partidários de George H. W. Bush debateram que uma das
razões para que ele fosse derrotado por Clinton foi exatamente o tom utilizado durante as prévias republicanas
daquele ano, que fez com que os eleitores moderados votassem em massa em Clinton.
212

à presidência, com uma plataforma totalmente focada em suas habilidades, no


desenvolvimento tecnológico e na desconfiança da população com Washington 573. Contudo,
sua candidatura parecia ser muito mais um fruto da revolta contra Bush, surgida dentro do
Partido Republicano, do que, propriamente, uma real luta pela vitória.
Segundo a reportagem da Businessweek, escrita por Dunham, Harbrecht e Zellner
(1992), Perot chegou a liderar a corrida presidencial no momento do lançamento de sua
campanha, em junho de 1992, tendo 39% das intenções de votos, contra 31% de Bush e 25%
de Clinton. Porém, a intenção de votos para o candidato independente rapidamente começou a
se enfraquecer com a meteórica ascensão de Bill Clinton. Em meio a pouca repercussão que
sua campanha trazia, Perot brevemente abandonou a disputa eleitoral, após o final da
Convenção Nacional Democrata574, retomando-a apenas um mês antes da eleição em
outubro575.
O fato é que, a participação do candidato independente na eleição acabou colaborando
com a divisão dos votos dados a Bush, fazendo com que o Perot conseguisse no final do
processo eleitoral 19% dos votos populares, principalmente, de eleitores conservadores
econômicos.
Dentro dessa leitura, muitos analistas políticos observaram que, o não controle de
Bush sobre crise econômica576 e seu enfoque excessivo em questões de política externa, foram
determinantes para os resultados da eleição. O peso da questão econômica foi apontado por
Martin (1996) que indicou, dos 41% entrevistados nas pesquisas de boca de urna que
indicaram ter votado preocupados com a economia, dois em cada três preferiram votar em
Clinton e apenas 16%577 dos eleitores apontaram que estavam preocupados com questões
como valores familiares e cada três em quatro votaram em Bush.
Dentro desse quadro, a convenção republicana foi um ponto importantíssimo para a
vitória democrata. Clymer (1992) discutiu, a partir de uma pesquisa de opinião divulgada logo
após a convenção pela Times/ CBS News Poll, que a população preferia ouvir Clinton debater
sobre economia e sua proposta de reforma no sistema de saúde, do que, sobre tópicos como
valores da família e homossexualidade que eram constantemente levantados pelos

573
Assim como Carter, Perot utilizava a ideia de não ser um político profissional, o que combatia muito mais a
imagem de George H W. Bush, a doze anos no poder entre presidência e vice-presidências, do que a de Clinton.
574
Ocorrida entre os dias 13 e 16 de julho de 1992.
575
Toner (1992) apontou que o candidato retornou a disputa somente em outubro, alegando ter feito isso em
honra aos voluntários de sua campanha.
576
Boston (1996).
577
Esse número chegou a chocar Ralph Reed que acreditava que a porcentagem da população preocupada com
esse tema comparecendo as urnas seria maior.
213

republicanos. Isso refletiu na campanha de ambos os candidatos, onde, após os quatro dias de
convenção republicana, Clinton dominava a preferência dos votos dos entrevistados com 51%
contra 36% de George H. W. Bush578.
O autor defendeu que os ataques a Clinton surtiram um efeito quase nulo, visto que, a
rejeição ao candidato democrata, mesmo após toda a visibilidade do evento republicano,
ampliou apenas 4%, saltando de 24% para 28%. Rejeição que vinha em queda constante,
desde os 34% apontados semanas antes da convenção e somava-se ao crescimento da
desaprovação da população com a administração Bush, que chegou a 53% após a convenção.
Blumental (2003) acrescentou que do final da Guerra do Golfo até a Convenção Nacional
Republicana a aprovação de Bush tinha caído cinquenta e seis pontos percentuais.
É importante destacar, também, que a não eficiência do discurso radical da convenção
também foi causada por uma rápida resposta por parte de intelectuais e comentaristas ligados
ao Partido Democrata. Como exemplo disso, Seelye (2007) citou que, como resposta a fala de
Buchanan, a colunista liberal Molly Ivins579 escreveu, nos dias que se seguiram a convenção,
que o discurso do político republicano provavelmente soaria melhor na original Alemanha.
Outra análise, feita por Toner (1992), mostrou que a queda na popularidade da
administração Bush vinha em uma crescente durante o ano da eleição e apontava que, em
cerca de um período de um mês, o número de entrevistados que apoiavam a maneira como ele
conduzia seu governo caiu de 42% para 37%. Esses números se tornavam mais significativos
quando descreviam que apenas 16% dos entrevistados apoiavam a política econômica do
presidente republicano, o que forçou uma mudança na sua campanha, obrigando o Partido
Republicano a abandonar a tentativa de valorização dos legados de seus quatro anos no
governo e torná-la bastante negativa contra o candidato adversário.
Após compreender o cenário estabelecido com a convenção republicana, pode-se partir
para uma análise sobre os resultados da eleição e a consequente revolta republicana contra
Clinton, para isso, inicia-se a segunda parte desse capítulo.

578
Tradicionalmente a convenção dos partidos é o momento oficial de apresentação dos candidatos e de sua
proposta política. Clinton teve uma ampliação da sua popularidade após a convenção democrata e era
esperado que Bush ampliasse fortemente o número de seus apoiadores após a convenção republicana, o que
acabou não ocorrendo.
579
Falecida em 2007, Ivins foi uma das principais comentaristas contra a reeleição de George W. Bush em 2004
e contra a Guerra do Iraque, escrevendo no Texas Observer.
214

5.2 Bill Clinton (1993-2001): o presidente amoral e a Guerra Cultural.

Como descrevemos na passagem anterior de nosso capítulo, Clinton era visto pelos
conservadores como um liberal, antipatriótico e libertino, que vencera a eleição de uma
maneira incompreensiva e que não merecia ocupar o cargo mais importante do país. Isso
significava que, após sua eleição, ele certamente seria o alvo central das críticas do Partido
Republicano, que após doze anos perdera o controle do executivo do país, e da direita
religiosa. A partir disso, essa passagem do trabalho retoma um pouco a trajetória do
presidente para explicar os motivos que ocasionaram essa feroz oposição a ele e entender os
resultados dela durante os seus dois mandatos.
Dentro desses objetivos, o primeiro ponto a ser debatido é a relação de Clinton com a
religião, afinal, a principal crítica dos movimentos conservadores a ele era a fomentação de
que ele era imoral. A questão aqui é que essa visão de imoralidade não estava de maneira
alguma ligada a uma ausência de uma relação de Bill Clinton com a religiosidade. Ou seja,
por trás da imagem construída pela oposição, Clinton era muito mais ativo em sua vida
religiosa do que George H. W. Bush, o que foi apontado por Balmer (2008), ao narrar a
experiência do democrata como um batista do sul.
Para o autor, apesar de vir de uma família que não era uma frequentadora religiosa
assídua, Clinton se interessou pela religião durante a sua infância, quando começou a
frequentar a Park Place Baptist Church em Hot Springs (1955). Sua relação com a fé
intensificou-se após a sua participação em uma das cruzadas de Billy Graham, que ocorreu no
War Memorial Stadium em Little Rock, Arkansas (1959), no qual, o jovem ficou encantado
ao ver o pastor defender o tema da integração racial.
Segundo o documentário da PBS dirigido por Barack Goodman e Chris
Durance(2012), Clinton via, na religião, uma forma de resgatar sua família envolta em sérios
problemas provocados pelo alcoolismo de seu padrasto. Por esse motivo, sua relação com fé
ocorreu de uma forma tão abrupta que aos nove anos de idade ele já participava da Southern
Baptist Convention. O democrata, apenas, deixou a organização após o fortalecimento das
correntes conservadoras, que motivou o afastamento de religiosos moderados e liberais dela.
Dessa forma, como explicou Allen (2008), Clinton somente voltou a ter contato com a
215

organização, após ter sido eleito presidente, quando, em 16 de setembro de 1993, Ed Young580
teve uma reunião com o presidente para discutir questões a respeito da sua religiosidade581.
Com a trajetória religiosa de Clinton, pode-se pensar que a rejeição dos movimentos
conservadores religiosos com relação ao presidente, não ocorria propriamente pela sua não
relação com a religião, já que, mesmo após eleito, Clinton continuou tendo uma frequência
religiosa bastante regular. Na verdade, os reais motivos para os ataques a Clinton vinham de,
após ele ser eleito, os líderes da direita religiosa ficarem furiosos pelo fato do presidente
interromper o livre acesso do movimento a Casa Branca. Desse modo, a não proximidade com
o presidente significava perda de visibilidade para esses pastores conservadores, em um
momento, em que, eles se recuperavam dos escândalos envolvendo televangelistas que
ocorreram no final dos anos 1980.
Como reação, esses pastores partiram para o ataque a Clinton, o que pode ser
percebido pelo esforço realizado por Jerry Falwell que, mesmo passando por sérios problemas
financeiros582, financiou, produziu e distribuiu o vídeo-tape chamado The Clinton
Chronicles583, que acusava o presidente, recém-eleito, de tráfico de cocaína, realização de
negócios com a União Soviética584 contra os Estados Unidos da América e, até mesmo, por
arranjos para o assassinato de seus críticos.
Para Lieven (2005), as críticas pela qual Clinton passava não estavam ligadas as ações
que ele tomou durante sua carreira política, e sim, elas eram direcionadas a quem ele era. De
maneira que, ele era visto como representante de uma cultura pluralista, moderna e
multicultural, que o percebia como um estrangeiro em seu próprio país, e, isso ocorria mesmo
quando após eleito, o presidente constantemente, reforçava em sua política externa a ideia da
hegemonia estadunidense nas organizações globais.
Em sua carreira política, antes de tentar se candidatar à presidência, Clinton foi
governador de Arkansas por cinco mandatos de dois anos (de 1979-1981)585 e depois de 1983-
1992)586, e se tornou um nome em ascensão no Partido Democrata. Após sua experiência

580
Presidente da Southern Baptist Convention em 1992 e 1993.
581
Clinton era mal visto por muitos pastores ligados a organização pelo seu apoio ao direito de homossexuais.
582
Falwell iniciou os anos 90 com o risco de perder a Liberty University, ao mesmo tempo em que, seu
programa religioso com uma abrangência local deixava de arrecadar as mesmas volumosas quantias de meados
dos anos 1980.
583
O vídeo pode ser assistido em: <http://www.youtube.com/watch?v=eLnZwwYlYP0>.
584
Clinton tinha feito uma visita ao país, algo que, durante e após a campanha, foi utilizado pelos conservadores
em acusações contra o presidente.
585
Clinton foi derrotado em sua primeira tentativa para a reeleição, após criar um projeto para recuperar as
estradas do Arkansas que ampliou os pedágios do estado e foi muito mal visto pela população.
586
Sua terceira campanha eleitoral para governador em 1982, mostrava a capacidade de se reinventar do
democrata, que proporia uma reforma educacional das escolas públicas do estado e contou com uma forte
216

como governador, ele conseguiu a indicação para disputar a corrida presidencial de 1992, em
uma prévia contra outros democratas que, assim como ele, não tinham uma grande
visibilidade política nacional, como Jerry Brown (Califórnia), Paul Tsongas (Massachusetts),
Bob Kerry (Nebraska) e Tom Harkin (Iowa)587.
Desde o início, sua candidatura parecia repleta de pontos de fragilidade, como a defesa
de pontos polêmicos588 e as suas relações extraconjugais589, que ganharam destaque logo após
o lançamento de sua candidatura quando a jornalista Gennifer Flowers590alegou manter, há
doze anos, relações extramaritais com o candidato.
Clinton sabia que políticos americanos não sobreviviam quando envolvidos com esse
tipo de escândalo e que uma grande parte da sociedade esperava que os seus representantes
fossem um espelho moral para o país. Assim, em um primeiro momento, ele foi
profundamente evasivo sobre o tema, esperando que seus opositores, a mídia e os eleitores
simplesmente esquecessem o assunto. Entretanto, a mídia rapidamente ampliou a divulgação a
respeito do tema, causando um impacto arrasador e transformando a campanha do candidato
democrata em um possível fracasso.
Para Clinton, a solução para o problema foi pensada de uma maneira totalmente
oposta a forma como qualquer outro político se defenderia. O candidato apareceu, junto com
sua esposa Hillary, no dia 26 de janeiro de 1992, no programa de notícias da CBS 60 minutes,
onde, em uma entrevista para Steve Kroft, negou o envolvimento com Flowers e assumiu já
ter causado “dor” em seu casamento, mostrando um profundo arrependimento por isso.
Contudo, ao ser pressionado para assumir a traição, Clinton e Hillary argumentaram que não
faria diferença alguma para a mídia se ele assumisse ou não as relações extraconjugais, uma
vez que, se negasse, apareceriam novas pessoas oferecendo mais dinheiro para descobrir
novas acusações e tentar mostrar que ele havia mentido e, da mesma forma, se ele
confirmasse isso repercutiria de uma maneira monstruosa, fazendo com que muitas pessoas
apontassem para ele, definindo-o a partir disso.
Vale lembrar que Clinton foi o primeiro presidente a governar o país após o pleno
desenvolvimento do sistema de televisão a cabo, que, a partir da década de 1990, passou a ter

participação de sua esposa Hillary Clinton que visitou escola por escola do estado para se aprofundar das
dificuldades pela qual elas passavam.
587
O favorito à indicação democrata Mario Cuomo se recusou a ser o candidato democrata à presidência.
588
Como sua defesa aos direitos dos homossexuais e sua visão favorável aos resultados do processo judicial Roe
contra Wade.
589
Junto a isso o vídeo The Clinton Chronicles o acusou de ter um relacionamento com sua assessora Paula
Jones durante o tempo em que ele era governador.
590
Que tornou-se famosa após posar nua para a revista Penthouse.
217

programações de notícias 24 horas por dia. Essa nova maneira de noticiar, motivada pela
competição entre as emissoras, transformava qualquer comentário, medida ou suspeita em
horas intermináveis de debates, análises e investigações sobre a vida das figuras públicas do
país. Klein (2002) mostrou que essa transformação midiática no país ocorreu devido ao
sucesso que o papel determinante dos jornalistas Bob Woodward e Carl Bernstein (do The
Washington Post) tiveram durante a década de 1970, ao conseguir provas sobre o escândalo
Watergate.
Dentro dessa lógica, a brilhante participação investigativa dos dois jornalistas abriu
um precedente que, nos anos seguintes, foi responsável por inúmeras distorções na cultura do
jornalismo no país, pois, a nova geração de jornalistas e editores se tornou tão obcecada para
repetir os seus feitos que passaram a buscar qualquer notícia a respeito de figuras públicas.
Isso gerou uma competição desenfreada entre as emissoras e entre os jornalistas que
ampliaram e transformaram tudo em um grande furo de reportagem.
Como resultado, a visibilidade da vida pública e privada dos políticos do país começou
a ser, exaustivamente, exposta nos noticiários do país, que para vender notícias colocavam em
confronto as falas dos políticos de partidos rivais, ampliando, assim, a rivalidade entre os
partidos. Em meio a essa concorrência jornalística tão radical, os políticos eram
constantemente considerados culpados de qualquer boato, antes mesmo que se tivesse alguma
prova de que eles realmente tinham cometido algum deslize. Para exemplificar isso, Klein
(2002), citando o trabalho de Kovach, discutiu a questão em torno da mídia tinha se tornado
uma disputa para ver quem conseguia a notícia mais negativa, transformando a maneira de
enxergar a classe política, dado que, enquanto em 1960, 75% das notícias sobre candidatos
eram positivas, em 1988, 60% delas eram negativas.
O reflexo disso nas campanhas políticas foi que, para os candidatos, deixou de ser
vantajoso mostrar exclusivamente os pontos positivos de suas trajetórias ou os possíveis
benefícios de seus projetos e se tornou importante mostrar o quanto seus adversários eram
falhos em seu caráter. A conclusão disso, para o autor, foi que a batalha jornalística fez com
que se enfatizasse o conflito entre os candidatos, que cresceu 300% do início dos anos 1970
para o final dos anos 1980.
Retomando a questão envolvendo Clinton e seus supostos relacionamentos
extraconjugais, após as declarações da entrevista para Kroft (1992), para os analistas políticos,
a campanha de Clinton estava acabada. Não obstante, apesar de um início virtualmente frágil,
a campanha do ex-governador do Arkansas possuía uma grande habilidade para aproximar-se
dos americanos comuns, e isso, mostrou-se de forma, ainda mais clara, quando ao vir a
218

público mostrar arrependimento por sua falha e debater sobre o direito de defender seu
casamento de maneira privada, ele enfraqueceu as acusações da oposição e renovou a maneira
como os eleitores o enxergavam. Sua imagem passou de um libertino sem caráter, por
supostamente trair a sua esposa e desrespeitar o casamento, para a de um homem capaz de
assumir seus erros e pecados e recomeçar.
Essa transformação da imagem de Clinton estava totalmente vinculada a tradição
religiosa Born Again, em grande crescimento nos Estados Unidos no período, e apontava para
a capacidade de abrir mão dos pecados cometidos durante a vida e iniciar uma nova jornada
ao lado de Jesus.
Vindo ao encontro dessa ideia, é importante destacar que o período marcou um
aprofundamento da relação dos americanos com a religião, ao qual, Lieven (2005) mostrou
que uma sondagem Gallup de 1993 apontava que 43% dos americanos se diziam Born Again
e que um estudo, feito pelo Barna Institute em 1996, revelou que 66% dos americanos diziam
ter um engajamento pessoal com Jesus Cristo, um crescimento de 6% para a década de 1980.
Essa aproximação popular com a religião era sinalizada também pelo crescimento no número
de membros das igrejas evangélicas que ganharam mais de seis milhões de membros de 1971
até 1990, enquanto que os protestantes tradicionais perderam cerca de dois milhões e
seiscentos mil.
De acordo com o documentário de Goodman e Durance (2012), Clinton, desde os
tempos de governador, se tornou mestre em trabalhar com essas ideias cristãs de culpa e
arrependimento, conseguindo sempre retomar sua carreira com grande prestígio, toda vez que
ele era acusado ou derrotado em seus projetos políticos. Junto a isso, o suporte dado a ele por
sua esposa parecia motivá-lo, deixando-o sempre pronto para voltar com força para as
disputas políticas e no episódio em questão, indicava que ele tinha conseguido o perdão da
principal lesada pelo seu comportamento.
Assim, se Hillary acreditava na mudança de Clinton e em seu casamento, porque o
resto do país não acreditaria? Isso ela deixou claro na entrevista para a CBS, no momento em
que Kroft tentou relacionar o aparecimento dos dois juntos no programa a um arranjo político
para não prejudicar a campanha de Clinton, ao qual, ela respondeu estar sentada lá porque
amava e respeitava seu marido e completou afirmando que, se isso não fosse suficiente para
colocar um fim no assunto, as pessoas poderiam escolher não votar nele.
Para além dos escândalos envolvendo a campanha do futuro presidente, um dos pontos
centrais da eleição de Clinton estava em ele mostrar muita sensibilidade com os problemas
219

das pessoas e sempre conseguir se colocar como uma esperança591, o que fazia com que
muitos, apesar de achá-lo inexperiente para comandar o país, depositassem sua confiança
nele. Nesse cenário, com o decorrer da disputa presidencial de 1992, Clinton teve um forte
apoio do eleitorado afro-americano, ao ponto, dele ser visto por alguns como o primeiro
presidente afro-americano dos Estados Unidos da América592.
Somado a isso, ele foi o primeiro presidente da geração dos anos 1960 a chegar ao
poder, o que trazia questionamentos sobre como ele enxergaria questões relativas a grupos
minoritários, pró-aborto e aos direitos LGBTS, que eram respondidas com um forte apoio do
presidente a eles e, consequentemente, com o retorno do apoio de ativistas desses movimentos
em sua campanha.
Para Conger (2009), essa relação do presidente com esses grupos serviu de
combustível para a oposição da direita religiosa nos dois primeiros anos de seu governo. Ao
mesmo tempo, sua facilidade para falar nas igrejas congressionais alavancou um grande
número de votos entre os evangélicos o que, mais uma vez, impediu o projeto político-
religioso conservador que procurava uma unidade entre os votos evangélicos.
Pensando exclusivamente no crescimento da direita religiosa no período, o fato dos
evangélicos não votaram em um mesmo candidato não significava que o movimento estava
fadado ao declínio no país, já que, apesar da dificuldade para manter a unidade dos votos, a
influência do movimento sobre as votações e sobre uma parcela da sociedade continuou em
alta por toda a década de 1990. Para comprovar isso, Martin (1996) descreveu que, de acordo
com a estimativa do People for the American Way, cerca de quinhentos candidatos pró-
família foram eleitos em níveis locais durante a eleição de 1992, em sua maioria para cargos
em conselhos escolares e para legisladores estaduais, ou ainda pela leitura de Sine (1995):

De fato, a eleição de Bill Clinton deu uma nova vida dramática para o
movimento conservador. Pela sua não intencional atração de membros
revoltados da direita cristã, devido a temas como aborto e gays no exército,
presidente Clinton deu ao movimento exatamente o que ele precisava: um
novo inimigo. Mais uma vez isso foi furiosamente propagandeado na direita
cristã sobre uma elite liberal que queria socializar a América. (SINE, 1995,
p.17).

591
Colocada de maneira bastante similar à que Obama utilizou 16 anos depois, a campanha de Clinton
propunha saídas à crise econômica iniciada durante a administração de um dos membros da família Bush.
592
Morrison (1998) disse que muitos consideravam isso, pelo fato de Clinton, em um período até então
impensado que um afro-americano pudesse ser presidente, ter tido uma trajetória similar a maioria dos afro-
americanos do país, afinal, ele tinha os país divorciados, uma infância pobre, tocava saxofone, amava Junk Food
como os lanches do Mcdonalds, ou seja, era semelhante em seus gostos e vida a qualquer outro garoto do
Arkansas.
220

Apesar dos avanços no projeto de ramificação da direita religiosa pelo país, para
Martin (1996), a questão mais ampla entre os conservadores, após a vitória de Clinton, passou
a ser uma busca pela unidade dentro do movimento que possibilitasse a ampliação da união
entre as correntes conservadoras religiosas e econômicas, que tinha se estremecido durante os
governos Reagan e Bush. Essa preocupação transparecia na fala do porta voz da principal
organização da direita religiosa a Christian Coalition, Ralph Reed, que declarou, após a
eleição de Clinton, que algo havia ocorrido593 e que conservadores sociais e econômicos
precisavam conseguir trabalhar juntos em defesa de pontos comuns em suas agendas.
Com isso, se Jerry Falwell perdeu a liderança da direita cristã, durante o final dos anos
1980, ao destacar as questões relativas a política externa na Moral Majority como uma
tentativa de adaptar o movimento à agenda do executivo do país. Agora, as lideranças da
Christian Coalition procuravam inserir pontos específicos de sua agenda como parte do
programa político republicano, sem que isso alterasse o enfoque dado pelo movimento em
questões como da defesa da ideia de família tradicional. Assim, como fruto da oposição à
Clinton e da surpreendente derrota de George H. W. Bush, conservadores econômicos e
religiosos procuravam criar uma plataforma que juntasse as vontades das duas correntes, o
que se desencadeou no debate para o projeto Tax Cut for Middle-Class Families (corte de
impostos para famílias de classe média).
Esse tema, que é agora peça central da agenda republicana, permitiu
conservadores econômicos e religiosos se unissem em algo que ambos
concordavam. Eles apoiavam um corte de impostos porque eles eram contra
governos grandes e a favor de baixos impostos. Nós apoiamos isso porque
nós somos pró-família. Nós trouxemos isso para a liderança republicana.
Eles não eram todos entusiastas sobre isso, mas nós continuamos a
pressionar e trabalhar. (REED apud MARTIN, 1996, p.331).

Esse projeto de união entre os variados grupos conservadores foi vital para a
construção da sólida oposição a Clinton, sendo destacado como uma visão embrionária do que
viria a ser o Contract For America (Contrato pela América), plataforma republicana
responsável pela vitória do partido nas eleições congressionais de 1994, que ficou conhecida
como a Revolução Republicana.
Para que se torne claro os motivos que levaram à construção dessa aliança, é
importante retomar os primeiros meses da administração Clinton, onde, percebe-se que o
presidente iniciou seu governo sob uma forte oposição de setores conservadores, porém, ele
contava com um grande apoio popular que se somava a sua base de apoio e era suportado por
movimentos sociais que, além dos afro-americanos e de evangélicos liberais, já citados,
593
Em referência a surpreendente vitória do candidato democrata.
221

também se inseria um forte apoio de outros grupos que vinham em uma crescente na
participação política no início dos anos 1990, como o caso dos movimentos LGBT.
Schmalz (1992), citando a pesquisa realizada pelo Voter Research and Survey,
noticiou que os homossexuais inscreveram-se em peso para apoiar Clinton594 durante as
eleições. Para o comentarista, em torno de 2,4% a 5%595 dos votantes na eleição de 1992
declararam-se homossexuais e, entre eles, 72% escolheram Clinton, contra 14% para Bush e
14% para Ross Perot. A identificação de Clinton com os movimentos homossexuais era
tamanha que, de acordo com a reportagem do New York Times, escrita pelo autor, as
principais lideranças do movimento comemoraram a sua vitória, ao ponto de Urvashi Vaid596
declarar que, pela primeira vez na história, eles tinham um parceiro declarado no governo.
Novamente aqui, é interessante pensar o tipo de comprometimento que Clinton
conseguia causar em seus eleitores, ao qual, grupos que apoiaram a sua candidatura acabavam
vendo nele um membro do grupo, ao ponto de apoiá-lo sobre as circunstâncias mais adversas.
Esse apoio em peso fez com que Clinton, logo após eleito, declarasse que acreditava que os
homossexuais tinham direito de servir no exército, o que, dentro do espírito de batalhas
culturais que o país vivia, se transformou em um grande problema para o primeiro ano de sua
administração. A fala de Clinton revoltou lideranças e membros das instituições militares e
fez com que os congressistas republicanos utilizassem a polêmica, em torno do tema, para
impedir o avanço de outros projetos da agenda presidencial, como as questões de reformas
econômicas necessárias para tirar o país da crise.
O teor da polarização sobre o tema dos homossexuais no exército foi tão intenso, que o
Congresso, rapidamente, discutiu legislações a respeito da não aceitação deles, que
culminaram na lei “Don’t ask, Don’t tell, Don’t Pursue” (não pergunte, não fale, não
persiga), que proibia homossexuais de declarar ou mostrar, de alguma forma, sua sexualidade
em instituições militares. O projeto foi rapidamente aprovado no Congresso e no Senado e
recebeu a assinatura do presidente para se tornar lei.
De acordo com Klapper (2013), no dia 19 de julho de 1993, Clinton deu uma
declaração, explicando os motivos para a sua assinatura de aprovação da legislação,
defendendo que, embora ela não fosse a melhor solução e não estar de acordo com o que ele
acreditava, a aprovação do projeto ocorreu como uma forma de diminuir as tensões que
cresciam em torno do tema.

594
Além dos votos eles doaram mais de 2.5 milhões de dólares para a campanha.
595
Em 1992, 2,4% dos votantes se definiram como homossexuais, porém a pesquisa considera que esse número
poderia chegar até a 5% já que muitos deles não se identificavam como tal.
596
Diretor executivo do National Gay and Lesbian Task Force.
222

A assinatura de Clinton chocou muitos dos ativistas homossexuais que o apoiaram em


sua campanha, contudo, ela era claramente resultado das dificuldades geradas pela
polarização, a partir da fala do presidente nos meses anteriores, o que abriu um precedente
ainda maior para os ataques da oposição, que percebeu que, quanto mais pressionasse a
administração mais conseguiriam impedir que ela tivesse sucesso.
Se do lado republicano esta tática era clara, sobretudo, quando surgiam temas culturais
polêmicos, no caso da administração Clinton, como uma forma de evitar novos
questionamentos que pudessem ampliar ainda mais a polarização política do país, criou-se
uma versão governamental do não pergunte e não fale, ao qual, membros do governo
passaram a evitar comentários sobre temas culturais polêmicos.
A rejeição à Clinton por parte do Partido Republicano era tão intensa que dificultou a
própria organização do governo em sua chegada a Casa Branca. Ao ponto de, segundo o
documentário de Goodman e Durance (2012), o primeiro ano de seu governo foi apontado
como um verdadeiro caos, uma vez que, ele precisava organizar o país para sair da crise
econômica e aprovar as reformas políticas necessárias para fazer isso. Assim, para os cargos
mais importantes da economia do país, Clinton trouxe Robert Rubin, em 1993, para ser
secretário do tesouro e manteve Alan Greenspan no Banco Central.
Para Pfiffner (s/d), a estratégia econômica do presidente focava-se em manter suas
principais promessas de campanha, trabalhando na recuperação da economia, através da
redução do déficit e da promoção de novos investimentos sociais. Para isso, sua equipe criou
um plano econômico que se pautava na redução de gastos, corte de impostos da classe média,
além de investimentos em infraestrutura e incentivo à educação e para a qualificação de
trabalhadores. Porém, enquanto Clinton preparava a aprovação de seu primeiro orçamento
(Reconciliation Bill), encontrou algumas estimativas econômicas que mostravam que a crise
econômica era ainda mais grave, visto que, elas indicavam uma projeção de crescimento do
déficit governamental para um aumento para trezentos e sessenta milhões até 1997 e para
quinhentos milhões até 2000, forçando o presidente a inserir uma proposta de aumento de
impostos, como o da gasolina, com o intuito de aumentar a arrecadação, e mantivesse uma
forte proposta de corte de gastos.
O projeto foi rapidamente rejeitado, tanto pelos congressistas liberais, que
desconfiavam que os cortes de gastos do Governo Federal atingiriam diretamente os
programas sociais e pelos conservadores, que atacaram a proposta de aumento da carga
tributária, entendendo-a como uma tentativa de extensão do poder do Executivo. Essa rejeição
ao projeto, fez com que a sua aprovação fosse realmente penosa para Clinton, que sabia que
223

não contaria com nenhum dos votos republicanos no Congresso ou no Senado e, ainda, corria
o risco de perder votos importantes dentro de seu próprio partido.
A estratégia do presidente para aprovar o orçamento foi conseguir um voto de cada
vez dentro de seu próprio partido, o que o forçava a constantemente barganhar favores com
senadores e congressistas. Entre esse plano destacou-se a negociação com a congressista
democrata Marjorie Margolies597, que somente aceitou votar a favor do orçamento quando o
então presidente dispôs-se a visitar seu distrito, tradicionalmente republicano. Pfiffner (s/d)
mostrou que na primeira votação no Congresso, em 27 de março de 1993, envolto em um
clima de grande polarização, o orçamento foi aprovado por duzentos e dezenove a duzentos e
treze, com trinta e oito democratas contra e nenhum republicano a favor. Se no Congresso a
votação foi dura, no Senado ela foi ainda mais radicalizada, com o projeto sendo aprovado no
voto de desempate (49-49) dado pelo vice-presidente Al Gore.
Apesar de aprovado nas duas casas, o orçamento precisou retornar para ser votado
novamente, pois, o Senado somente aceitou aprovar a medida com a retificação da cláusula a
respeito do imposto sobre a gasolina, com uma redução para 4.3 centavos por galão598, o que
fez com que fossem aprovados dois textos diferentes, impossibilitando que ele virasse lei. As
votações foram novamente vitoriosas em julho, passando no Congresso por 218-216 e no
Senado por cinquenta e um a cinquenta (novamente precisando do voto de Al Gore para
desempatar). Em agosto o plano de redução de déficit finalmente foi assinado, com a
característica marcante de não ter contado com o apoio de nenhum dos cento e sessenta e sete
republicanos no Congresso e com a rejeição de todos os seus quarenta e quatro Senadores.
Se não bastasse as dificuldades para administrar as suas novas funções e a luta diária
contra o Partido Republicano pela aprovação orçamentária, a mídia, que durante sua
campanha o apoiara contra Bush, agora se voltava contra ele. Essa combinação de mídia e
opositores ferrenhos, no caso de Clinton, se tornou bastante explosiva, uma vez, que os
escândalos envolvendo o presidente pareciam intermináveis, Travelgate, Whitegate, 599, entre
outros, pipocavam nas transmissões midiáticas, ao ponto do presidente indicar Vince Foster
para defendê-lo, contudo, as pressões eram tão grandes que Foster acabou se suicidando.

597
Foi congressista pela Pensilvânia de 1993 a 1995. O apoio dado ao orçamento do presidente custou sua
reeleição nas eleições de 1994.
598
Allen (1996) mostrou que Clinton arrecadou com o crescimento da carga tributária 241 bilhões nos cinco
anos seguintes a aprovação do projeto, contudo, 65% da arrecadação vinha de casais com renda maior que
140.000 dólares ao ano e solteiros com uma renda maior que 115.000 dólares ao ano e 15% veio de impostos
sobre empresas.
599
Que envolvia uma investigação sobre um negócio fracassado do casal Bill e Hillary Clinton durante as
décadas de 1970 e 1980, que voltou a cena durante as campanhas eleitorais de 1992.
224

Após o suicídio, alguns documentos simplesmente desapareceram de seu escritório e as


teorias conspiratórias passaram a considerar um suposto envolvimento do presidente no que
seria um plano de limpeza de arquivo que culminou no assassinato do advogado.
A pressão exercida pela oposição foi tão determinante, que Clinton somente conseguiu
avançar algumas propostas a partir do outono de 1993. Em meio a polarização política
existente no país, ele tentou deixar seu nome na história com um projeto que garantiria a sua
reeleição, assim, ainda em 1993, ele iniciou a força tarefa para uma reforma nacional no
sistema de saúde, que pretendia ampliar o acesso a saúde para pelo menos quarenta milhões
de americanos. Mais uma vez, assim como na vitoriosa reforma educacional realizada pelo
presidente durante o período em que foi governador do Arkansas, o projeto teve a liderança de
sua empenhada esposa Hilary Rodhmam Clinton.
Contudo, dessa vez, além de sofrer com os constantes ataques de conservadores, que o
percebiam como uma tentativa de ampliação do poder do Governo Federal em detrimento dos
estados600, o projeto, também, enfrentou a oposição da indústria médica e suas acusações de
que a administração queria acabar com um sistema de saúde que funcionava muito bem.
Como resultado, a reforma acabou sendo derrotada, ainda em 1994, e um grande movimento
de repúdio à administração Clinton começou a tomar forma no país, ao mesmo tempo, a
postura do presidente e de seus aliados também passou a ser mais agressiva contra seus
opositores.
Em meio a esse movimento, Newt Gingrich ganhou força na política republicana,
principalmente, por sua tentativa de desmascarar o que ele chamava de Welfare State Liberal.
Blumenthal (2003) apontou que, no dia 24 de junho de 1994, em meio aos crescentes ataques,
Clinton veio a público declarar que o país não necessitava de uma Guerra Cultural. Esse
cenário atingiu as eleições legislativas de 1994, onde, o presidente enfrentou a poderosa
oposição republicana liderada por Newt Gingrich e a sua revolução republicana, que chegou a
acusá-lo de inimigo da América normal.
Assim, durante as eleições para o Congresso e Senado, pela primeira vez desde
Eisenhower (1954), o Partido Republicano conseguiu a maioria nas duas casas, ampliando seu
número de senadores de quarenta e quatro para cinquenta e dois, o de congressistas de cento e
setenta e seis para duzentos e trinta. Dentro dessa vitória republicana, novamente se destacou

600
Blumenthal (2003) apontou que entre os principais críticos ao projeto estavam o senador Daniel Patrick
Moynihan, presidente do Comitê de Finanças, que deixou claro que os números utilizados por Clinton para
justificar uma reforma no sistema de saúde eram fantasiosos e Robert Dole que defendeu que não existia uma
crise no sistema de saúde, mas que haveria se fossem aceitas as medidas propostas pelo presidente que
levariam ao crescimento do controle dos estados pelo Governo Federal.
225

a participação da direita cristã, principalmente, ao que se refere a participação da Christian


Coalition nessa eleição. Como argumentamos no capítulo anterior, a organização estruturou-
se sobre duas figuras centrais Ralph Reed e Pat Robertson. Blumenthal(2003) discutiu que nas
eleições de 1994, Ralph Reed se aproximou de Gingrich colocando em marcha o projeto de se
estabelecer uma unidade entre as agendas conservadoras econômicas e religiosas, enquanto
que, Robertson manteve seu papel radical em prol da arregimentação de setores religiosos
fundamentalistas e com isso insistiu na existência de uma conspiração comunista/secular no
interior do Partido Democrata e que a separação entre a Igreja e o Estado era uma mentira.
Em meio a esse grande crescimento eleitoral do Partido Republicano, Conger (2009)
explicou que o sistema federalista foi profundamente fértil para a ampliação da relevância da
direita cristã nos níveis estaduais, conquistando, através do treinamento e motivação de uma
minoria fortemente engajada, muitos cargos e conseguindo que muitos dos seus apoiadores
fossem eleitos para as secretárias de ensino locais. O autor destacou que, embora, a maioria
dos republicanos eleitos para o Congresso tivessem uma afiliação ligada ao conservadorismo
econômico, muitos deles somente foram eleitos devido ao apoio do movimento.
Dentro desse quadro, é importante compreender que, como debateram Utter e Storey
(2007), os conservadores cristãos tomaram a liderança do Partido Republicano em vários
estados como o Texas, Oregon, Washington, Iowa, Carolina do Sul, Minessota e conseguiram
ter substancial força em Nova York, Califórnia e em praticamente todos os estados sulistas.
Durante as eleições legislativas de novembro de 1994, a organização contribuiu com a
produção e a distribuição de trinta e três milhões de guias de votos e com uma grande
campanha eleitoral através de ligações telefônicas para eleitores. Junto a isso, a organização
aperfeiçoou seu Congressional Score Cards601, ao qual, vinte e seis senadores e cento e
quatorze congressistas republicanos eleitos atingiram a pontuação máxima dada pela
organização e outros cinquenta e oito tiveram uma pontuação total alta, acima dos 85%, pela
sua classificação.
Os autores mostraram que, com esse método, a Christian Coalition trouxe vários
novos nomes para os quadros do Partido Republicano, como: Randy Tate602 por Washington,
Lindsey Graham603 pela Carolina do Sul, Helen Chenoweth604 por Idaho, Steve Largent605 por
Oklahoma, Mark Souder606 por Indiana e Van Hilleary607 pelo Tennesse.

601
Projeto que mantinha a tradição de divulgar pontuações de conservadorismo para os candidatos.
602
Que depois virou líder da Christian Coalition.
603
Atualmente senador pela Carolina do Sul, ele teve uma importante participação como congressista em 1996
na aprovação do Defense of Marriage Act e fez parte do comitê de justiça do Congresso durante a tentativa de
impeachment do presidente Clinton.
226

Assim, fica claro que a Christian Coalition ofereceu um forte suporte ao Contrato com
a América (Contract With America), contudo, muitos dos ativistas da direita religiosa
continuavam desapontados com a ausência de suas prioridades nas listas de medidas que
seriam discutidas no legislativo do país, o que fazia com que as temáticas culturais
continuassem sendo fortemente vinculadas pelo movimento.
Para que se possa entender essa questão é importante aprofundar um pouco a
discussão sobre o que defendia a plataforma republicana vitoriosa nas eleições de 1994.
Segundo Garret (2005), o Contrato com a América foi ratificado no dia 27 de setembro de
1994, diante da frente oeste do U.S Capitol (Capitólio), e contou com a assinatura de trezentos
e trinta e sete republicanos, muitos deles candidatos para as eleições congressionais daquele
ano. De acordo com o comentarista do It’s All Politics, Elving (2010), o contrato tinha um
forte apelo ao marketing político, uma vez que, ia além de uma simples promessa política e
entregava um documento assinado pelos candidatos, delimitando uma plataforma política, que
segundo eles, foi construída a partir de pesquisas populares sobre temas que representavam a
vontade de, pelo menos, 60% da população.
A plataforma era constituída de duas partes, a primeira tinha um caráter simbólico e
pretendia restaurar a fé e a confiança da população no legislativo do país e a segunda consistia
de uma agenda política com dez pontos. Pela concepção de Newt Gingrich e de outras
lideranças do Partido Republicano ela seria aprovada durante os cem primeiros dias de
domínio republicano no legislativo e teriam a intenção de que todos os republicanos eleitos,
que participaram dela, votassem em bloco para a aprovação dos seus pontos.
Assim, o Contrato com a América compreendia os seguintes pontos: 1-
responsabilidade fiscal e uma emenda de balanço orçamentário, realizando um grande corte
nos gastos do governo. 2- o projeto Taking Back Our Streets (Tomando de Volta Nossas
Ruas) que consistia em legislações mais duras contra a criminalidade através da expansão da
pena de morte e de sentenças de prisões mais longas. 3- um projeto de responsabilidade
pessoal, que forçava os auxiliados pelo Welfare State a deixar o programa após dois anos. 4- o
Family Reinforcement Act (Lei de Refortalecimento Familiar), com o objetivo de criar

604
Ela foi uma das primeiras congressistas a sugerir que Clinton deveria perder o cargo após o envolvimento
dele como Monica Lewinsky, contudo, depois foi descoberto que ela também mantinha uma relação
extraconjugal.
605
Foi um famoso jogador da NFL que se tornou congressista de 1994 até 2002.
606
Também eleito em 1994, foi congressista até 2010, quando renunciou devido a um caso com uma estagiária.
607
Ele tem uma importante carreira dentro do Partido Republicano, sendo eleito pela primeira vez para o
Congresso na eleição de 1994 e atuando em questões conservadoras como a defesa do controle das escolas
pelas comunidades locais, redução de impostos e crescimento do orçamento para as forças armadas.
227

incentivos em reduções de impostos para quem adotasse ou tivesse um idoso como


dependente 5- o American Dream Restauration Act (Lei de Restauração do Sonho
Americano) que destinava 500$ de isenção de impostos por criança para os pais casados,
isentava impostos para poupanças com fins educacionais, para a compra da primeira
residência e para despesas médicas. 6- o National Security Restauration Act (Lei de
Restauração da Segurança Nacional) que propunha o refortalecimento dos setores de defesa
do país, a não participação de tropas estadunidenses em missões da ONU e a implantação de
um escudo antimísseis no país. 7- o Senior Citizens Fairness Act (Lei de Equidade para
Cidadãos Seniores) que pretendia ampliar o limite dos rendimentos da segurança social e
impedir o aumento de impostos proposto por Clinton em 1993. 8- O Job Creation and Wage
Enhancement Act (Lei para a Criação de Empregos e Aprimoramento Salarial) que dava
incentivos para as pequenas empresas e eliminava uma série de regras burocráticas e a falta de
comunicação entre estados e o Governo Federal. 9- The Common Sense Legal Reforms Act
(Lei de Reformas Legais pelo Senso Comum) que responsabilizava os produtos608 em caso de
acidente e limitava o valor de indenizações609. 10- The Citizens Legislature Act (Lei
Legislativa do Cidadão) que tinha como intenção limitar a carreira dos Senadores e
Congressistas.
Obviamente, muitos dos tópicos defendidos pela plataforma tinham apenas uma
caráter simbólico, mas entre eles existiam demandas tradicionais dos libertários, como a
diminuição dos gastos públicos e redução de impostos e, até mesmo, pautas inseridas pela
direita religiosa como o Family Reinforcement Act.
Após a eleição e a vitória republicana, Newt Gingrich foi escolhido presidente da
Câmara dos Deputados e, em seu primeiro dia após a posse no Congresso, foi recebido aos
aplausos em pé, pelos congressistas republicanos, discursando sobre a baixa qualidade da
educação, sobre como acabar com a burocracia para dar uma chance aos jovens, entre outros
temas, incentivando com isso, que os congressistas republicanos rapidamente colocassem em
marcha os tópicos assinados na nova agenda.
Segundo o documentário do canal A&E sobre Newt Gingrich dirigido por Curtis
(2008), sob a liderança do presidente da Câmara, o Partido Republicano avançou as votações
da nova agenda em um ritmo alucinante, conseguindo, aprovar nove reformas que incluíam a
eliminação de três comitês, de vinte e cinco subcomitês e com o fim de mais de seiscentos

608
No início dos anos 1990 existiam muitas disputas judiciais contra empresas cujo o produto causava danos
físicos a população, como no caso do copo de café para viagem da rede de lanchonetes Mcdonalds que
constantemente ao ser derrubado causava graves queimaduras.
609
De acordo com Becker (1995), foi definido um valor de indenização de 250 mil dólares.
228

empregos isentos de impostos no Congresso, conseguindo uma economia de trinta e cinco


milhões logo no primeiro mês de trabalho. Logo em seguida foi aprovada a legislação que
definia que todos os congressistas seriam julgados pelas mesmas legislações dos americanos
comuns (o projeto passou com uma votação unanime com trezentos e noventa e dois votos).
Esse corte de gastos e retirada de privilégios dos congressistas acabaram, em um
primeiro momento, recebendo elogios públicos do presidente. Contudo, em menos de um
mês, a estratégia republicana passou a causar um grande incomodo para a minoria democrata,
visto que, Gingrich encaminhava os projetos ao Congresso de uma maneira autoritária e
intolerante. Assim, a maioria republicana direcionava as votações sem se preocupar em
debatê-las e utilizava seu domínio da Câmara para rejeitar qualquer projeto vindo dos
democratas. Um exemplo clássico disso ocorreu com a congressista democrata Carrie P.
Meek que, ao discursar sobre os riscos que as mudanças sugeridas nos programas de auxílios
governamentais causaria sobre a população, teve seu microfone cortado. Isso trouxe uma clara
ideia de que ocorria no Congresso estadunidense uma ditadura da maioria, que transformou a
congressista democrata em uma espécie de mártir para o partido e fez com que a minoria
democrata reagisse ao controle republicano.
Gingrich via a revolução republicana como uma porta para que ele pudesse construir
uma carreira política que um dia o levaria à presidência, por isso, a cada novo projeto
aprovado no Congresso, ele tentava trazer mais os holofotes para si. Assim, se de janeiro a
fevereiro de 1995, o Congresso aprovou as medidas de responsabilidade fiscal e uma
ampliação do orçamento militar, no mesmo período, Gingrich lançou um livro sobre o
Contrato com a América, deu uma entrevista para Larry King e participou do programa de
Rush Limbaugh.
Junto a isso, a proposta republicana de corte de gastos governamentais continuava
atingindo os programas de cortes de auxílios e serviços governamentais e, até mesmo, no
sistema de saúde, que, de acordo com o documentário dirigido por Curtis (2008), fez com que
uma série de protestos iniciassem nas ruas do país, principalmente, após a proposta de reajuste
que diminuiria o gasto com a alimentação escolar. Apesar dos republicanos defenderem que a
redução ocorreria através do controle do desperdício e na diminuição sobre a maneira
burocrática como o dinheiro chegaria às escolas, a oposição democrata agora ganhava o apoio
nas ruas e da própria mídia.
Com isso, em meio a crescente polarização, congressistas democratas passaram a
utilizar dos meios de comunicação para opor-se aos métodos republicanos, ao mesmo tempo
em que, se esforçavam para criar dificuldades para a aprovação e procuravam investigar a
229

rápida ascensão de Gingrich. Essa oposição democrata somada a agressividade do projeto


republicano fizeram com que o presidente da Câmara passasse a ser visto pela opinião pública
com uma imagem bastante arrogante, muito ocasionado pela saturação da imagem do político
na mídia com sua imagem profundamente forte.
Essa imagem passou a ser utilizada pela propaganda democrata e atingia, até mesmo, a
postura do presidente Clinton, que dizia que realmente gostaria de poder trabalhar junto com a
maioria republicana no Congresso, mas devido ao pouco espaço para o diálogo concedido
pelos seus opositores ficava realmente difícil isso acontecer. O fato é que, essa transformação
da imagem pública de Newt Gingrich rapidamente o transformou no principal alvo da mídia e
ampliou a rejeição da população a ele, ou seja, ele passou a ser vítima de seus próprios
métodos. Contudo, diferentemente de Clinton, o congressista republicana passou a acusar seus
adversários e a impressa do país de uma conspiração para derrubá-lo, o que ampliou ainda
mais a rejeição popular a ele.
É importante destacar que muito da polarização exacerbada nesse período era
resultado dos novos congressistas republicanos partirem para o enfrentamento, muito mais,
com o enfoque em paralisar qualquer medida advinda do partido rival, do que, com a intensão
de criar um debate em torno de uma política positiva, que estimulasse o debate entre as
diferenças dos partidos e valorizasse o domínio do partido na Assembleia. Isso rapidamente
criou duvidas na opinião pública sobre o bom senso das lideranças republicanas e reenergizou
a presidência de Clinton.
Pela leitura de Garrett (2005), muitos comentaristas, nos anos que se seguiram ao
Contrato com a América, passaram a apontar que os congressistas republicanos eram tão
ideológicos, que não faziam cálculos políticos sobre o quão irrealistas eram algumas das
medias defendias por eles. Entre elas estavam propostas como o fechamento de departamentos
de educação, comércio e energia com o intuito simples de cortar gastos governamentais.
O fato é que, muito desse posicionamento vinha da inexperiência dos novos
congressistas republicanos, já que, setenta e três congressistas, entre os republicanos eleitos,
ocupavam uma cadeira no Congresso pela primeira vez e sentiam a pressão de tentar mostrar
trabalho, dentro de um projeto político de corte de gastos tão agressivo. Essa urgência para
colocar o projeto republicano em andamento ocorria por essa ser uma das primeiras
oportunidades em anos que o Partido Republicano tinha para aprovar legislações com um
230

caráter realmente conservador610. Pelo seu lado, democratas continuaram defendendo que o
partido também queria reformas, mas que os republicanos estavam indo longe demais para
consegui-las.
O balanço final do Contrato com a América foi que mais de dois terços de suas
propostas acabaram não sendo aprovadas, principalmente, devido ao balanço entre os poderes,
visto algumas propostas foram barradas no Senado (que necessitava de uma votação maior do
que uma simples maioria para ser aprovada) e outras foram barradas pelo presidente.
Contudo, algumas legislações envolvendo crime, defesa, corte de impostos, entre outras foram
aprovadas. Essas poucas aprovações eram vistas com uma certa tranquilidade por Gingrich
que considerava que, nas eleições de 1996, eles conseguiriam ter todas as cadeiras necessárias
para aprovar o restante do contrato em 1997.
É importante compreender que o surpreendente controle republicano no legislativo já
vinha sendo pensado desde o início dos anos 1990, com os seminários dados por Newt
Gingrich para membros do GOPAC611. Essa relação do político com a organização acabou
sendo desmascarada a partir das investigações, realizadas pelo Comitê de Ética do Congresso,
que apontou, em 6 de dezembro de 1995, sérios problemas de arrecadação na campanha do
candidato republicano. Segundo Murphy (2011), ao todo, oitenta e quatro queixas foram
apresentadas contra o candidato republicano, que iam da utilização do GOPAC para promover
cursos com o intuito de arregimentar eleitores para Gingrich, até, a utilização de instituições
de caridade612 e cursos em universidade públicas613 para arrecadação de verbas e propaganda
pessoal do político republicano.
Com o fortalecimento das acusações contra o presidente da Câmara, Gingrich assinou,
no dia 21 de dezembro de 1996, uma carta, assumindo ter violado as regras da instituição ao
enviar declarações de arrecadação incorretas, incompletas e pouco confiáveis. Menos de um

610
Vale lembrar que apesar de ter conseguido algumas presidências seguidas, o Partido nunca tinha conseguido
o controle do legislativo do país.
611
O GOPAC foi fundado pelo ex-governador do Delaware Pierre S. du Point, não tendo grande destaque na
política do país, até Newt Gingrich assumir a chefia da organização em 1986 e utiliza-la como uma ferramenta
para colocar em prática seu plano para a tomada do legislativo do país.
612612
Em 1990, Gingrich retomou o projeto “Land of Opportunity Speaking Competition”, que originalmente
consistia de uma competição entre crianças carentes com o intuito educacional de ensinar a elas o amor ao
capitalismo e virtudes cívicas (funcionando de 1984 até 1987). A nova versão organizada pelo congressista,
pagava para ele ensinar ativistas como eleger congressistas republicanos e criava uma base republicana entre
os jovens.
613
Gingrich criou e ministrou um curso na Kennesau State College da Geórgia, que possuía uma grade
claramente partidária. O acordo entre o congressista e a Universidade era que ela disponibilizaria o espaço e
contaria créditos para garantir a participação dos estudantes e o conservador ministraria as classes. Contudo,
com a aprovação da legislação estadual que proibia que as Universidades Públicas aceitassem cursos dados por
funcionários eleitos a um cargo político, Gingrich transferiu o curso para a Reinhardt College.
231

mês depois, em 07 de janeiro de 1997, foi divulgado o relatório final sobre o escândalo
chocante para a maioria republicana no Congresso, que acreditava que os resultados das
investigações contra Gingrich seriam bem mais leves. Com a comprovação das fraudes
iniciou-se o processo de votação para decidir a punição para o congressista, que foi concluído
com trezentos e noventa e cinco votos a favor da condenação e apenas vinte e oito contra,
votação que contou com a maioria dos republicanos contra ele e decidiu por uma multa de
trezentos mil dólares para o político conservador.
Se a maioria republicana parecia dar sinal de desgaste a partir de 1997, quando se
pensa na participação da direita religiosa nesse processo, percebe-se que ela não sofreu
grandes transformações entre as décadas de 1980 para a de 1990, continuando sua
arregimentação de membros a partir do discurso de exclusão, perseguição e discriminação dos
cristãos da vida pública e social do país motivadas pelo fato deles não fazerem mais parte do
que seria uma ampla cultura americana que passava a não mais aceitar suas visões morais. Ao
mesmo tempo, o Partido Republicano continuou durante toda a década de 90 utilizando a
mesma estratégia de arregimentação para atrair religiosos conservadores para sua base. Nesse
sentido, para Wald e Calhoun-Brown (2011), republicanos se tornaram mestres em utilizar a
ampliação de temas culturais para encorajar a participação evangélica, o que pode ser
percebido pelo esforço realizado por estrategistas republicanos como Karl Rove e Lee
Atwater, que tentaram vincular as campanhas do partido a uma luta entre pessoas descentes
tementes a Deus contra uma coalizão maldita de gays, feministas radicais e pessoas ligadas à
arte durante o final da década de 1990.
Contudo, o discurso radical da direita cristã não passou ileso às críticas durante a
década. Com o crescimento da visibilidade da Christian Coalition, líderes religiosos
protestantes, católicos e judeus se uniram para formar a Interfaith Alliance, criada com o
intuito de combater a intolerância da direita religiosa. Pela definição da própria
organização614, sua fundação ocorreu para promover políticas que protegessem a religião e a
democracia e unissem diversas vozes para combater o extremismo. O movimento rapidamente
se colocou como opositor da Christian Coalition, combatendo a tática de expansão silenciosa
do movimento.
Em uma entrevista para a CNN, ao qual, também estava presente Ralph Reed, o porta
voz da Interfaith Alliance, Joan Campbell, denunciou que apesar da direita religiosa manter
uma face democrática ela era uma organização extremista. A acusação foi rapidamente

614
Em seu site oficial: <http://www.interfaithalliance.org/about>.
232

rebatida por Reed que afirmou: “Eu não tenho ideia sobre o que o Rev. Campbell está
falando” e continuou: “A Christian Coalition é uma organização política que é uma simples
porta voz de temas sobre os quais a maioria dos americanos se importa”. (SINE, 1995, p.18).
Pensando propriamente nas vitórias da direita cristã na administração Clinton, em
meio a crescente polarização, percebe-se que o período entre 1994 e 1996 foi marcado por
inúmeras derrotas do presidente, trazendo um cenário profundamente pessimista para o
governo que, com o domínio republicano no legislativo, via como nulas as possibilidades de
aprovar projetos importantes. Dessa forma, com o Congresso e o Senado dominados pelo
Partido Republicano e com o crescimento de legisladores ligados a direita cristã, alguns
projetos de lei favoráveis ao grupo começaram a ser aprovados, entre eles, estava a reforma
no Welfare State conhecida como Charitable Choice. A legislação proibia o governo de
discriminar organizações sem fins lucrativos com base em sua natureza religiosa, garantindo,
também, o direito das organizações religiosas com enfoque na caridade dispor de símbolos
relacionados a sua fé e contratar funcionários que compartilhassem suas perspectivas de
mundo.
Pela leitura realizada por Sider e Unruh (in Dionne e Diiulio (2000)), o projeto
desenvolveu-se a partir da vitória na Suprema Corte de estudantes religiosos no caso
Rosenberger contra Rector and Visitors of the University of Virginia(1995), ao qual, decidiu-
se que o acesso à estrutura e benefícios governamentais não podiam ser negados a grupos
religiosos. O processo, que foi desencadeado devido à Universidade ter se recusado a
financiar uma revista de alunos evangélicos foi considerado pela Suprema Corte, que decidiu
que os alunos evangélicos deveriam ter o mesmo direito de terem a sua publicação que os
alunos não religiosos tinham. A questão envolvendo o processo pautou-se pelo debate de até
que ponto o Estado pode se envolver com a religião e qual o limite para se separar a religião
do Estado sem discriminar os fiéis religiosos.
Após o projeto virar lei, Sider e Unruh (in Dionne e Diiulio (2000) apontaram que a
reforma permitiu o surgimento de inúmeras Faith-Based Organization (Organizações
Baseadas na Fé) que passaram a ter acesso aos principais auxílios governamentais para
financiar seus programas assistenciais.
Outro tópico relacionado aos temas das batalhas culturais que estiveram presentes no
governo Clinton, ocorreu em meio da disputa do presidente pela reeleição em 1996, quando o
Defense of Marriage Act615 (DOMA) foi aprovado pelo Congresso com uma votação de

615
Lei em Defesa do Casamento.
233

trezentos e quarenta e dois contra sessenta e sete e no Senado com oitenta e cinco votos contra
quatorze e foi sancionado por Clinton em setembro de 1996. O projeto escrito pelo
republicano Robert L. Barr Jr.616 consistia em dois pontos fundamentais: o primeiro definia
que os estados não seriam obrigados a respeitar casamentos entre pessoas do mesmo sexo
realizados em outros estados, mesmo se a esse casamento for realizado em um estado onde
esse casamento fosse legalizado. Já o segundo definia que o Governo Federal não poderia
reconhecer um casamento entre pessoas do mesmo sexo ou um casamento poligâmico, mesmo
se eles fossem realizados em estados que aceitassem esse tipo de casamento.
O ponto central dessa legislação não estava na previsível vitória da proposta em um
Congresso e um Senado dominado pelo Partido Republicano e com a presença de alguns
membros da direita religiosa, e sim, pela assinatura de Bill Clinton transformando-a em lei.
Como falamos anteriormente a eleição do presidente democrata foi vista com empolgação
pelos movimentos homossexuais do país e o endossamento dele ao projeto causou um forte
desconforto no movimento. Como solução para isso, Clinton publicou uma nota junto com a
assinatura da lei, colocando-se como um defensor dos direitos civis e justificando que sua
aceitação do projeto não era motivada pela questão da proibição do casamento homossexual,
mas, que o projeto debatia uma questão simples do federalismo e do direito dos estados de
defenderem suas legislações contra o Governo Federal.
Anos depois, em 2011, Barack Obama se posicionou contrário à lei, dizendo que ela
era inconstitucional e em 2013 o projeto foi derrubado pela Suprema Corte. Em meio a
discussão, Clinton veio a público admitindo que o projeto foi um grande equívoco.
Ginsberg617 (2013) criticou a fala de Clinton, lembrando que o presidente também tinha
assinado a legislação “Don’t Talk, Don’t Tell” durante os debates em torno da presença de
homossexuais no exército e que isso indicava que os homossexuais não deviam temer apenas
os conservadores, já que, mesmo presidentes profundamente liberais acabavam restringindo
os seus direitos.
Blumenthal (2003) afirmou que a tensão entre ativistas homossexuais e ativistas
heterossexuais vinha em uma crescente no período618, e que o presidente, apesar dos dois

616
Bob Barr Jr. foi congressista pela Geórgia de 1995 até 2003 pelo Partido Republicano, deixando o Partido em
2006 para filiar-se ao Partido Libertário, ao qual, concorreu à presidência nas eleições de 2008.
617
Heather Ginsberg é uma comentarista da publicação conservadora Townhall.com. Segundo os dados do site
ele foi fundado em 1995 como o primeiro website de notícias e comentários com um enfoque conservador sob
a tutela da Heritage Foundation. Hoje o site foi vendido, fazendo parte do Salem Communications Corporation
618
Principalmente, após o espancamento até a morte do jovem homossexual Mathews Shephard no ano de
1998 em Laramie, Wyoming. A história foi contada no drama The Laramie Project, dirigido por Kaufman (2002)
e resultou em legislações mais rígidas contra crimes de ódio assinada por Barack Obama em 2009.
234

projetos aparentemente contrários aos homossexuais também se moveu em direção aos


interesses do movimento, dando em 08 de novembro de 1997 o primeiro discurso presidencial
que colocava o direito dos homossexuais como parte da tradição americana. Ao mesmo
tempo, Clinton deu forte apoio ao Employment Non-Discrimination Act (Lei de Não
Discriminação no Trabalho), ampliou o fundo para pesquisa da AIDS e deu ordem para que
os homossexuais não fossem discriminados no Governo Federal.
Esses episódios demonstram que, apesar da pressão dos ativistas, as decisões
governamentais são muito mais levadas em consideração da conjuntura política, econômica e
social do que exclusivamente por polarizações de ativistas culturais. O que significa que
apesar da participação incisiva de ativistas, governos tendem esperar uma maior aprovação da
população para tomar alguma medida sobre decisões culturais polêmicas. Isso explica os
motivos para a decisão do “liberal” Clinton contra o casamento homossexual, assim como,
trinta anos antes, a decisão do “conservador” Ronald Reagan pró-aborto, que indicam que, no
jogo político estadunidense, as decisões são tomadas de uma maneira racional em defesa da
manutenção da governabilidade.
Retornando um pouco para discutir a reeleição de Clinton em 1996, torna-se
interessante apontar que os resultados dela pouco alteraram a composição dos poderes no
país, uma vez que, Clinton foi vencedor, com um total de 49,2% dos votos populares contra
40.7% de Robert Dole619 e 8.4% de Ross Perot (que concorreu pelo Reform Party). No
legislativo, os republicanos mantiveram o controle das duas casas, ganhando duas novas
cadeiras no Senado, de cinquenta e três para cinquenta e cinco 620, e perdendo três cadeiras no
Congresso passando de duzentas e trinta para duzentas e vinte e sete 621. Essa mudança, quase
nula, acaba indicando que os republicanos apesar de continuarem com a maioria não
conseguiriam aprovar suas principais medidas sem que ocorresse um diálogo com o
presidente e com os senadores democratas, o que prometia a diminuição da polarização nas
casas. Junto a isso a desconfiança sobre Gingrich continuava em uma crescente, pois, apesar
de manter o cargo de presidente do Congresso ele passava a ser questionado pelos próprios
republicanos.
Se a eleição manteve a política do país estável ela foi péssima para a Christian
Coalition. Como debateram Utter e Storey (2007), a eleição de 1996 não foi tão boa para a

619
Dole tinha vencido as prévias Republicanas após derrotar Pat Buchanan que teve novamente sua campanha
endossada por lideranças conservadoras como Phyllis Schlafly e conseguiu obter 20.76% dos votos da prévia
Republicana, vencendo em 4 estados Alaska, Missouri, New Hampshire e Louisiana.
620
Os democratas passaram de 47 para 45.
621
Os democratas passaram de 204 para 206. A casa contava ainda com 2 independentes.
235

Christian Coalition quanto a de 1994, assim, apesar deles gastarem cerca de vinte e seis
milhões de dólares na campanha, doze dos seus novos candidatos ao Congresso e seis dos que
tentaram a reeleição foram derrotados. Isso ocorreu porque a política negativa fomentada por
eles no Congresso impossibilitava a visão de suas características positivas, o que atingiu a
imagem do movimento para a opinião pública, onde, ampliou-se a percepção de que suas
lideranças eram intolerantes à visões diferentes das suas, incapazes de comprometer-se e
determinados a impor suas vontades sobre a da opinião pública.
Para os autores, os maus resultados das eleições e a grande rejeição da população ao
movimento estabeleceu uma nova crise na direita cristã, que resultaram em uma queda das
contribuições de vinte e seis milhões e quatrocentos mil para dezessete milhões durante o
início de 1997. Como resultado disso, Ralph Reed abdicou ao seu cargo, em abril, fundando
uma firma de consultoria política, a Century Strategies. Em seu lugar assumiu Randy Tate um
dos poucos congressistas que conseguiu atingir 100%, tanto pelos índices da organização,
quanto pelos da National Rifle Organization. Mesmo com a troca de diretores a organização
continuou decadente e em 1998 perdeu cerca de setecentos mil membros.
Junto a essa crise, denúncias de corrupção atingiram a organização como as
envolvendo Jeanne Delli-Carpins em janeiro de 1998, que foi sentenciada a seis anos de
prisão pelo desvio de 40.346 dólares em 1996 e 1997 da Christian Coalition. Somado a isso, a
organização passou a sofrer devido a sua forte ligação com o Partido Republicano, atraindo a
atenção do Federal Election Commision que removeu o status de organização religiosa não
lucrativa e fez com que em 1999 a organização devolvesse para o Internal Revenue Service622
entre 300.000 e 400.000 dólares em taxas.
O segundo mandato de Clinton trouxe poucas novidades para a política do país,
destacando-se uma melhora na economia, um maior prestígio do país na política internacional
e uma ampliada preocupação com a segurança e contra o terrorismo, motivados pelos
atentados ocorridos durante o seu primeiro mandato ao World Trade Center (1993), no de
Oklahoma City (1995) e o da embaixada estadunidense na Nigéria, arquitetado pela Al-
Qaeda.
Esses novos temas somados ao fato de Clinton ter aprendido a lidar com a pressão da
mídia e da oposição republicana, evitando grandes debates em torno de questões culturais e
focando sua energia em seu trabalho no executivo do país trouxeram um curto período de
tranquilidade. Contudo, essa calmaria durou apenas até o início de 1998 e o início da crise

622
Agência governamental responsável pela fiscalização e arrecadação de tributos.
236

envolvendo Monica Lewinsky. O escândalo acabou sendo a ferramenta perfeita para que a
direita religiosa (enfraquecida pelos resultados da eleição de 1996) e os conservadores
republicanos conseguissem atacar novamente o presidente.
O caso que se tornou público após Paula Jones ter acusado Clinton de assédio,
enquanto ele ainda era governador do Arkansas, e culminou com uma atuação persistente do
jurista Kenneth Starr e sua tentativa de mostrar que Clinton havia mentido, rapidamente
transformou-se, por parte da oposição republicana, em tentativas para o seu impeachment.
Após a investigação, as questões começaram a ser debatidas no Senado em 07 de janeiro de
1999 e em 12 de fevereiro e o Senado rejeitou os dois artigos. Vale apontar que a primeira
votação foi vitoriosa a favor do impeachment do presidente, terminando cinquenta e cinco a
quarenta e cinco e o segundo empatou em cinquenta votos contra cinquenta, o que não foi
suficiente para o impeachment, pois, a constituição exigia uma votação com uma maioria de
dois terços para se realizar um impeachment. Do mesmo modo, o Congresso votou os dois
artigos a favor do impeachment do presidente, que de acordo com o critério constitucional,
apontavam as falhas de Clinton como um alto crime e contravenções.
O mais interessante em torno desse caso foi a sua importância para mostrar o quanto o
debate “moralista” assumido pela direita religiosa e pelo Partido Republicano não se
sustentava, afinal, se durante todo o ano de 1998 o escândalo foi central nas discussões
políticas do país, ao ponto de envolver grande parte da corrida eleitoral para o legislativo de
novembro daquele ano623, rapidamente, no período após a eleição.
Como uma caraterística da constante polarização, que era comum a outros episódios
da Guerra Cultural para a maioria da opinião pública, o escândalo envolvendo o presidente,
era apenas uma irrelevante telenovela sobre casos extraconjugais envolvendo pessoas
poderosas, ou ainda, muitos deles enxergavam apenas como uma perseguição política ao
presidente. Nesse sentido, dois pontos são importantes para que possamos compreender os
motivos da fomentação da Guerra Cultural para as eleições nos Estados Unidos da América
do período. O primeiro, parte da ideia de que a maioria da população do país não era
favorável a tentativa de impeachment de Clinton, contudo, como argumentou Carver (1999),
os republicanos mais linha dura levaram o caso à frente, ignorando as pesquisas de opinião
que apontavam para um certo desconforto da população com a constante repercussão sobre o
tema624. Já o segundo ponto que auxilia na compreensão do tema encontra-se na pesquisa

623
Que manteve o Congresso e o Senado sobre o controle republicano.
624
Segundo a pesquisa da CNN de 12 de outubro de 1998, 62% dos entrevistados eram contra o impeachment
do presidente e 55% deles desaprovavam a maneira como os republicanos lidavam com o assunto. Ao mesmo
237

realizada por Dionne e Diiulio (2000), que explicaram que as batalhas em torno do
impeachment do presidente agravaram a relações entre liberais (seculares e religiosos) e as
organizações religiosas conservadoras possibilitaram uma pequena vantagem dos
republicanos nas eleições congressionais de 1998.
Ao analisar, esses dois pontos conclui-se que, a ideia de polarização entre ativistas
pouco relaciona-se com a maneira de pensar da população, assim como, o fato da maioria da
população se mostrar contrária a algum tema não significa que ele vai repercutir nas eleições
de uma maneira favorável a candidatos que defendam esse tema. Ou seja, apesar da maioria
da população mostrar-se claramente contrária a maneira como os republicanos levavam os
ataques a Clinton, isso não se refletiu nas urnas durante a eleição de 1998, simplesmente,
porque as eleições nos Estados Unidos da América estão muito mais ligadas à maneira de
mobilizar eleitores do que propriamente no projeto defendido pelos candidatos e, nesse
sentido, a fomentação da polarização cultural mostrou-se realmente positiva no sentido de
levar eleitores a urna.
Contudo, mais uma vez, se a polarização foi importante para levar eleitores a urna ela
se enfraqueceu nos dias que se seguiram a eleição e, já no final de 1998, a pressão sobre o
presidente começou a dar sinais de enfraquecimento. Uma forma de explicar isso pode ser
feita a partir de um fato, um tanto inusitado, ao qual, no dia 04 de outubro, Larry Flynt, dono
da Hustler625publicou um anúncio no Washington Post, oferecendo uma recompensa que
chegaria a um milhão de dólares para alguém que, alguma vez, teve um encontro
extraconjugal com congressistas, senadores e altos funcionários do governo e estivesse
disposto a comprovar esse relacionamento626.
Logicamente, o método aplicado por Flynt, construído como uma grande anedota,
tinha como intuito principal arrecadar boas história para apimentar e ampliar as vendas da
principal revista do seu império. Porém, em seu discurso, ele se colocava como uma espécie
de vingador, prometendo provar a hipocrisia dos conservadores republicanos, que faziam um
verdadeiro estardalhaço sobre a imoralidade do presidente, enquanto, muitos deles tinham
relações extraconjugais.
Os anúncios provocaram milhares de ligações, muitas delas apenas o parabenizando
pela atitude, e outras, cerca de duzentas e cinquenta ligações, denunciando assuntos sexuais,
que, em sequência, foram reduzidas para trinta casos que pareciam ser mais verídicos e

tempo a imagem do presidente continuava estável com 65% de aprovação. Dados disponíveis em:
<http://www.cnn.com/ALLPOLITICS/stories/1998/10/13/poll/>.
625
Um grande negócio de conteúdo adulto composto por revistas, produtoras de filmes e sites de internet.
626
Junto ao anúncio ele inseriu um número para que as testemunhas pudessem ligar gratuitamente.
238

acabaram encaminhados para uma agência de investigação627. De acordo com Kurtz (1998),
com o decorrer das investigações e a promessa de Flynt de divulgar o nome dos investigados,
muitos conservadores entraram em pânico admitindo estarem envolvidos em algum caso de
infidelidade nos últimos meses, entre os políticos envolvidos estavam Robert Livingston, Dan
Burton, Helen Chenoweth e Harry Hyde.
Com isso, Flynt realmente conseguiu provar o quão hipócrita era a crítica republicana
ao Presidente, entretanto, ele conseguiu mais do que isso, visto que, entre os atingidos pelas
investigações estava Newt Gingrich, que renunciou à Presidência da Câmara, antes que algo
fosse publicado contra ele. Ross e Schwartz (2012) mostraram que Gingrich tinha uma
relação extraconjugal de longa dada com Callista que anos depois, após o divórcio do
congressista, acabou se tornando sua terceira esposa628.
É claro que com a publicação dos escândalos sexuais entre os conservadores
republicanos, muito da vontade de prosseguir com a tentativa de impeachment do Presidente
perdeu o fôlego, ao mesmo tempo em que, os escândalos pareciam causar um impacto maior
para os republicanos do que para os democratas, afinal, parecia ser mais incomodo para a
população quando uma figura pública agia de maneira cínica do que quando ela se envolvia
em algum escândalo.
Após as votações fracassadas nas tentativas de impeachment, alguns líderes da direita
religiosa mostraram-se impacientes e furiosos com a inabilidade para remover Clinton, ao
ponto de, Paul Weyrich declarar: “Eu não acredito que a maioria dos americanos
compartilham seus valores”. (WEYRICH apud, Balmer, 2008, p.142). Junto a ele, Wolfe (in
Dionne e Diiulio) apontou que a Christian Coalition defendia que os americanos que
insistiam em manter Clinton no governo eram como ele, imorais. Essa percepção advinda do
movimento era motivada pela crença deles de que era impossível separar religião de
moralidade e consequentemente a moralidade da política. Contudo, como argumentou Carver
(1999) mesmo Pat Robertson, após a absolvição do Presidente e seu discurso após ser
inocentado, recuou.
Essa somatória de escândalos entre os republicanos, a vitória de Clinton e o recuo da
direita religiosa sinalizava o fim da revolução republicana. O que foi favorecido pela postura
de Clinton durante todo o episódio, que com o avolumar das acusações contra ele aproximou-
se de alguns evangélicos como Gordon MacDonald (Pastor da Grace Capel in Lexington,

627
Flynt defendia que o papel da agência era o de transformar as denúncias em algo realmente comprovado.
628
Anos depois, em 2012, enquanto tentava a candidatura para a presidência, Gingrich sofreu um forte ataque
de sua ex-mulher que deu uma entrevista dizendo que apesar de defender o casamento em sua campanha, na
época em que ocorreu o seu adultério, ele chegou a sugerir para ela um casamento aberto.
239

Massachusetts), Rex Horne (Pastor da Baptist Church in Little Rock) e de Bill Hybles
(fundador da Willow Creek Community Church). Essa aproximação do presidente com
lideranças religiosas fez com que, após o escândalo, a trajetória de Clinton como presidente
desse uma volta completa e retornasse para os primeiros meses de sua campanha, onde, ele
tentava se defender das acusações de adultério. Agora, com o apoio desses pastores, ele
continuava desenvolvendo a ideia de pecado e arrependimento, que havia norteado toda sua
carreira política. Dentro dessa ideia, Dionne e Diiulio (2000) mostraram que a importância da
religião foi ressaltada para ambos os lados do disputa envolvendo Clinton, indicando que eles
eram movidos por justificativas e retóricas religiosas, ao ponto de, nos meses finais da
controvérsia, existirem facções religiosas que defendiam argumentos contrários e favoráveis a
Clinton.
Isso é importante de ser destacado, pois, até o governo Clinton, nunca na história
termos como arrependimento, perdão e simbologias religiosas estiveram tão presentes no
debate do dia-a-dia do país, o que foi confirmado por Wolfe (in Dionne e Diiulio (2000)) que
debateu que o uso de termos como arrependimento e perdão, durante os escândalos, foram tão
fortemente explorados que chegaram a incomodar grande parte dos religiosos, que
reclamavam da constante exploração da fé em prol de vantagens políticas pelos dois lados da
disputa.
Fazendo um balanço final sobre a administração Clinton e sobre a atuação da direita
religiosa durante a década de 1990, podemos perceber que novamente a direita religiosa
acabou sendo enfraquecida pelo seu discurso radical, uma vez que, ele dificultou o trabalho da
maioria republicana no legislativo. Isso novamente ocorreu por causa dos temas de sua pauta
continuarem a ser deixados para segundo plano dentro da política do país. Ao mesmo tempo,
o movimento conseguiu um grande avanço em questões envolvendo a educação, ao tomar o
controle educacional, porém mesmo com relação a essas vitórias o movimento continuava
com dificuldades para se manter no poder.
Assim, a partir de 1996 o movimento entrou novamente em crise com o declínio da principal
liderança da direita religiosa e movimento se reorganizou em 1999, com o fortalecimento de
outras organizações como a Family Research Council. Em abril de 2000 a Christian Coalition
finalmente resignou629.
Pelo outro lado da disputa, apesar de toda a polarização e do domínio republicano no
legislativo durante a maior parte de seu governo, a administração Clinton conseguiu os

629
Com a saída de alguns de seus principais membros a organização terminou por um curto espaço de tempo
retornando logo em seguida.
240

resultados econômicos expressivos, destacando-se o crescimento da renda per capita, que


passou de trinta e oito mil em 1994 para quarenta e cinco mil em 2001630 e o declínio do
déficit nacional que passou de 66% em 1994 para 56% em 2001631. Junto a isso, Clinton
conseguiu terminar seu mandato como uma aprovação alta, sendo lembrado não apenas pelos
seus escândalos sexuais, mas também, pelos avanços do país no campo da política externa e
em questões sociais.

Capítulo 6 De George W. Bush à Obama; a estranha morte da direita religiosa e da


Guerra Cultural.

No último capítulo de nossa tese damos sequência a análise sobre a influência da ideia
de Guerra Cultural e da polarização política durante o período que vai da eleição de George
W. Bush (2000) aos primeiros anos de Barack Hussein Obama (2008-2010). Esse período é
vital para a pesquisa, pois, traduz dois momentos profundamente antagônicos da relevância da
polarização cultural na política estadunidense.
Ao qual, o primeiro ocorreu durante a administração Bush, onde se iniciou um acirramento da
fomentação da ideia de Guerra Cultural, com a ampliação da visibilidade de questões relativas
à religião e cultura durante a sua campanha e sua administração. Em seguida, um segundo
momento marcou a acentuada queda na visibilidade do debate em torno de questões culturais
na política do país, a partir dos últimos anos da administração do presidente republicano, e se
tornou significativo para a eleição de Obama em 2008, após ampliação da crise econômica e
uma rápida transformação da sociedade que passou a rejeitar o debate cultural radicalizado e
tornando-se mais tolerante com o decorrer da presidência republicana. Essa transformação
culminou em mais uma reorganização da direita religiosa que enfraqueceu seu papel na
política do país632.

630
<http://research.stlouisfed.org/fred2/graph/?id=USARGDPC>.
631
<http://research.stlouisfed.org/fred2/graph/?id=GFDEGDQ188S>.
632
É importante destacar que a diminuição da influência da direita religiosa na sociedade estadunidense não
significa necessariamente uma queda na importância do conservadorismo no país, visto que, ela indica apenas
uma redução da visibilidade de uma das vertentes do conservadorismo e, consequentemente, direciona à um
ganho de espaço para outras vertentes conservadoras como o conservadorismo econômico e fiscal que veio
durante os últimos anos avolumando-se em torno de movimentos como o Tea Party e, até mesmo, o
fortalecimento de setores libertários que vem recebendo uma maior aceitação de suas ideias por parte da
população, defendendo valores culturais liberais associados a ideias como a redução do tamanho do Governo
Federal e um fortalecimento dos estados que compõe a federação e uma cada vez maior liberdade econômica.
Em uma entrevista que realizamos com o vice-presidente do Cato Institute, em Boaz (2013), ele indicou o
crescimento da aceitação das ideias libertárias e pontou que embora eles dividam-se entre o Partido
241

Dentro dessa lógica, se Bush representou um esforço para utilizar a polarização


cultural como forma de atrair eleitores, a campanha eleitoral de 2008 entre Obama e McCain
indicou um quase total desaparecimento das temáticas culturais na fala dos dois candidatos.
Para fazer essa análise, dividimos o capítulo em cinco partes. A primeira (George W.
Bush entre o radicalismo religioso e a moderação política) dialoga a respeito da relação do
presidente republicano com as correntes conservadoras religiosas, mostrando como ele
constantemente se utilizou de discursos com um caráter religioso, durante sua campanha
presidencial, defendendo tópicos da agenda conservadora, ao mesmo tempo em que,
demonstrava uma face de moderação e defesa do pluralismo com o intuito de atrair eleitores
moderados. Junto a isso, ele se colocava como um candidato totalmente oposto a Clinton,
afirmando suas fortes convicções morais, enraizadas em sua conversão religiosa. Assim, nessa
passagem percorremos a trajetória da controversa disputa eleitoral entre Bush e Gore, desde
as prévias enfrentadas pelos candidatos em seus partidos, com o intuito de demonstrar como a
disputa entre eles refletiu a própria estrutura polarizada vivenciada pelo país.
A segunda parte (George W. Bush e o último suspiro da direita religiosa) indica o
caminho percorrido pelo presidente eleito e pela direita cristã durante sua trajetória de acessão
e declínio, partindo de uma retrospectiva do governo George W. Bush. Com isso, demonstra-
se como ele passou, após os atentados terroristas de 2001, de um governo pouco popular para
um governo com grande apoio popular até sua reeleição em 2004. Nesse sentido, destaca-se
como os mesmos posicionamentos da administração Bush dentro de uma conjuntura
específica, em alguns momentos, ampliaram a sua popularidade e fizeram com que o Partido
Republicano liderasse as eleições de 2000, 2002 e 2004 e, em outros, se transformaram em
uma incrível rejeição, ao presidente e ao Partido Republicano, resultando na derrota eleitoral
como nas eleições de 2006.
Dentro dessa abordagem, como um complemento da parte anterior, a terceira parte
desse capítulo (A Guerra Cultural em George W. Bush.) aborda como Bush se relacionou com
os temas culturais, provocando uma ampliação da visibilidade deles no país. Nela
estabelecemos como o governo ampliou a participação dos conservadores culturais e
religiosos na sociedade através de um forte financiamento às instituições conservadoras e de
um importante apoio em temas chaves para os defensores de uma polarização cultural.
A quarta parte (o fim da Guerra Cultural o Renascer de uma nova América) debate
como ocorreu a crise na ideia de Guerra Cultural, reforçando os principais motivos do

Democrata e o Partido Republicano o número de pessoas que se definem como libertárias vem em uma
crescente no país.
242

enfraquecimento dos discursos culturais radicalizados, sobretudo, devido ao esforço de


intelectuais, religiosos moderados e dos próprios políticos em demonstrar que existia um
caminho entre o secularismo radical e o extremismo propagandeado pela direita religiosa, o
que refletia as transformações ocorridas entre a própria população do país e o temas culturais
e religiosos.
Já o quinto, questiona o declínio da polarização cultural durante a eleição de Barack
Obama, considerando que isso não significou o fim da polarização entre os dois principais
partidos do país ou mesmo entre conservadores e liberais, demonstra que apesar da campanha
eleitoral de 2008 ter um forte caráter de incentivo ao debate bipartidário e um discurso contra
a excessiva polarização política, a intensa disputa entre democratas e republicanos e entre
conservadores e liberais continuou presente na primeira administração de Obama. Contudo,
essa disputa deixou de ser travada em torno de temas culturais/morais/religiosos, que
praticamente desapareceram da campanha, e ganharam força a partir da oposição entre grande
governo contra pequeno governo, uma das bases da disputa entre conservadores e liberais no
debate econômico-social do país.

6.1 George W. Bush entre o radicalismo religioso e a moderação.

Com o fim da bem sucedida administração Clinton, outra disputa eleitoral se


aproximou em torno da escolha de um novo presidente para o país, colocando frente a frente o
vice-presidente Al Gore contra George W. Bush. A importância dessa eleição, para nossa
pesquisa, é destacada em virtude da oposição entre o legado econômico deixado pela
administração democrata e os reflexos da pressão em torno do debate moral que se avolumou
no país após o caso extraconjugal do ex-presidente e de seus consequentes subterfúgios para
não assumi-lo.
Para entender isso, é importante analisar as diferenças centrais entre os caminhos
percorridos pelos dois presidenciáveis até as eleições de novembro de 2000. Nesse sentido,
Blumenthal (2003) discutiu que a carreira de Al Gore, desde seu princípio, foi
minuciosamente projetada para que, um dia, ele se tornasse o presidente do país. Isso
significava uma sólida trajetória dentro da política democrata, iniciada no período do pós-
Guerra do Vietnã, onde, ele ocupou o cargo de congressista de 1977 até 1985 e de senador de
1985 até 1993 pelo estado do Tennesse. Além disso, ele já havia disputado uma prévia
243

presidencial pelo Partido Democrata em 1988633 e somente não foi o nome mais forte do
Partido Democrata a enfrentar Clinton nas prévias de 1992, porque desistiu da disputa para
acompanhar o tratamento médico de seu filho recém-acidentado.
A partir dessa trajetória, fica claro que a influência de Gore entre os democratas era
tão intensa que ele era apontado como um dos favoritos do partido para concorrer à
presidência naquele ano, isso fez com que em 1992, mesmo estando afastado das prévias do
partido, ele fosse indicado como candidato à vice-presidência compondo a chapa de Clinton
para as eleições, ou seja, ele somava a seu currículo um experiência de oito anos como o
segundo homem no comando do executivo do país.
Do outro lado da disputa, George W. Bush era o atual governador do Texas634 e se
destacava em seu governo, mesmo com seu início tardio na carreira política. Antes de ser
eleito governador, Bush envolveu-se com o Serviço Militar, com negócios de petróleo e, até
mesmo, dirigiu um time de beisebol635, o que fazia com que ele não possuísse um extenso
currículo político e acumulasse alguns fracassos em outras áreas de atuação 636. Assim, suas
únicas participações em disputas eleitorais foram a derrota como candidato nas eleições
legislativa em 1978637 e a participação na coordenação da campanha eleitoral profundamente
agressiva que levou seu pai638à presidência em 1988639.
Mesmo sem uma vasta experiência na vida política, Bush conseguiu ser eleito
governador do Texas pelo Partido Republicano, um estado que, até então, era fortemente
controlado pelos democratas640. Para isso, ele articulou, sob a orientação do estrategista
político Karl Rove, uma campanha construída com um forte apoio de grandes empresários 641,
estruturada a partir de pontos como a melhoria da educação, reformas legais, modificações na
segurança social e na implementação de leis de justiça juvenil mais rígidas, que surtiu um
grande efeito sobre os eleitores.
633
Gore ficou em 4º lugar na disputa dessa primeira prévia presidencial.
634
Bush ocupou o cargo de 1994 até 2000.
635
Esses episódios são narrados no filme W. dirigido por Oliver Stone (2008).
636
Seu envolvimento com o time de beisebol Texas Rangers foi o primeiro empreendimento do futuro
presidente a dar resultados financeiros positivos, junto a isso, trouxe para Bush uma boa experiência
administrativa que foi muito utilizada como exemplo para sua campanha como governador já na década de
1990.
637
Bush concorreu como deputado contra Kent Hance, sendo derrotado por uma pequena quantidade de votos.
638
Bush sempre foi pressionado a ser grandioso e superar o sucesso de seu pai e de seu irmão.
639
Bush era tão desconhecido politicamente durante sua primeira eleição para o governo do estado que era
chamado de candidato improvável.
640
Para além da imagem recentemente construída de que o Texas é um estado profundamente alinhado ao
Partido Republicano e ao conservadorismo, George W. Bush rompeu um extenso predomínio do Partido
Democrata no Texas, com exceção do ex-governador republicano Bill Clements eleito duas vezes (1979-1983 e
1987-1991), todas as outras eleições governamentais do século XX foram dominadas pelo Partido Democrata.
641
Principalmente ligados ao petróleo.
244

Após eleito, sua atuação como governador avançou de maneira significativa esses
quatro temas, ao mesmo tempo em que, o político republicano dava um interessante toque
pessoal as decisões tomadas pelo seu governo, parecendo sempre próximo e preocupado com
os problemas enfrentados pela população do estado, postura que garantiu sua reeleição em
1998e o credenciou para se candidatar a disputa presidencial.
Um dado interessante sobre a decisão de Bush de se candidatar à presidência foi citado
por Perlstein (2004) que descreveu que sua candidatura não agradava nem a grande maioria
dos republicanos, nem a sua família642, contudo, sua experiência com a religião fazia com que
ele a visse como um chamado divino. Isso ocorreu enquanto ele ouvia uma pregação do pastor
Mark Craig643 que narrava como Moisés liderou os israelitas através do deserto para que eles
abandonassem a escravidão, nela o pastor relacionava o evento bíblico com a necessidade que
os americanos tinham de um líder.
Essa pregação motivou Bush a pensar sobre a possibilidade de se candidatar, iniciando
um projeto que tomou uma forma definitiva quando ele chamou o televangelista James
Robinson e lhe disse que Deus queria que ele concorresse à presidência.
Pensando propriamente na eleição presidencial de 2000, a partir do histórico dos dois
candidatos até suas nomeações, percebe-se que as prévias eleitorais indicavam que Gore teria
um caminho bem mais tranquilo para chegar à presidência, especialmente, após sua vitória
sobre o senador Bill Bradley644 de New Jersey, com mais de 75% dos votos a seu favor. No
caso de Bush, as prévias foram muito mais árduas, já que, ele enfrentou John McCain, um
candidato bem mais consolidado dentro da política republicana, vencendo com cerca de 62%
dos votos contra 31,2% de McCain e 5,8% de Alan Keyes645, porém, diferentemente do
candidato democrata, Bush foi derrotado em sete estados.
Duas questões são centrais para que se possa entender a vitória que credenciou Bush
para ser o candidato republicano. A primeira foi, sem dúvida alguma, o apoio financeiro
conseguido pelo candidato republicano que, de acordo com Reymond (2004), em janeiro de
2000, já atingia 62 milhões de dólares em doações para a sua campanha, o que significava que
McCain dificilmente teria força para competir em nível de igualdade com os fartos recursos
de seu oponente.

642
O filme W. dirigido por Oliver Stone (2008), mostrou que a família Bush preferia que Jeb Bush, devido a sua
maior experiência política, disputasse a presidência na eleição de 2000.
643
Craig era pastor na Highland Park United Methodist Church.
644
Gore foi vencedor em todos os estados da federação durante as prévias do Partido Democrata.
645
Um ativista político afro-americano, que foi também senador pelo Partido Republicano.
245

Vale destacar que, de acordo com a estrutura do sistema eleitoral estadunidense, com
eleições disputada estado por estado, a capacidade de arrecadação de um candidato é vital
para que ele consiga manter as seguidas campanhas em cada um dos estado sem perder a
intensidade. Com isso, não é incomum candidatos, que conseguiram destaque nos primeiros
estados da prévias eleitorais, abrirem mão da disputa eleitoral por dificuldades financeiras em
suas campanhas646.
A segunda questão pode ser analisada a partir do apoio recebido por Bush por parte de
movimentos ativistas conservadores e de lideranças da direita religiosa, o que era um dos
grandes diferenciais entre a sua campanha e a do seu adversário. McCain sofria com uma
intensa rejeição por parte dessas correntes no interior do Partido Republicano, essa rejeição
ocorria por ele ser divorciado, profundamente discreto com relação à crenças religiosas 647 e,
sobretudo, em virtude do seu apoio648 a uma proposta de lei de reforma financeira que
restringia a atuação dos grupos de pressão e afetava diretamente as organizações ligadas a
direita religiosa649.
Dentro dessa lógica, existia uma estratégia profundamente bem organizada pelo
comitê da campanha de Bush, com intenção de atrair o apoio desses grupos para a campanha
do governador texano. Blumenthal (2003) debateu que esse era um dos dados mais relevantes
para a vitória de George W. Bush sobre McCain, principalmente, após a repercussão que uma
visita de Bush a Bob Jones University causou.
Segundo Willians (2010), o candidato visitou a universidade após ter sido derrotado
em New Hampshire650 por McCain, o que o obrigava a vencer no próximo estado das prévias,
a Carolina do Sul651, para que continuasse com chances de ser o candidato republicano para as
eleições de novembro652. Por isso, Bush tentou atrair o eleitorado religioso conservador,

646
Outros realizam um grande investimento para ter visibilidade apenas nos primeiros estados a votarem nas
prévias para conseguir ampliar sua visibilidade na política partidária.
647
Vale acrescentar que, durante a década de 1980, ser divorciado e não parecer muito religioso não foi um
problema para que a direita religiosa apoiasse Reagan. E nesse sentido, McCain era um defensor muito mais
ferrenho de temas conservadores como ser antiaborto do que Reagan.
648
Ainda durante seu mandato como Senador.
649
O Lobbying Disclosure Act de 1995 foi profundamente defendido por McCain com o intuito de dar
transparência as campanhas eleitorais, apontando os grupos que influenciavam o governo e obrigando lobistas
e PACs a divulgar suas doações. Em 2005, McCain introduziu o The Lobbying Transparency and Accountability
Act que previa a divulgação de relatórios mais rápidos e dava acesso público as doações.
650
A prévia ocorrida em 01 de fevereiro de 2000, indicou a vitória de McCain com 49% contra 30% de Bush.
651
Segundo estado a votar nas prévias republicanas, no dia 19 de fevereiro.
652
O medo dos estrategistas da campanha de Bush era que se ele perdesse, também, no segundo estado das
prévias ocorreria uma reação em cadeia que faria com que os ativistas que trabalhavam em sua campanha
perdessem o empenho por considerar que ele seria derrotado de qualquer maneira.
246

muito presente no estado653 e com forte ligação com a instituição654. Todavia, essa visita foi
mal interpretada devido aos episódios de intolerância que corriqueiramente envolviam a
universidade, entre eles, como descreveu Martin (2000), no ano anterior, a direção da
instituição proibiu a matrícula de um casal em virtude da diferença racial existente entre eles e
enviou uma carta intimidadora para um aluno que, após a sua graduação, foi descoberto
homossexual, ameaçando que ele seria acusado de invasão de propriedade655 se voltasse a
pisar na Universidade.
Tapper (2000) reportou que embora o porta voz da campanha de George W. Bush,
Mindy Tucker, tenha declarado que o candidato não compactuava com as ideias da
instituição, o republicano foi acusado por grande parte de seus opositores, pela mídia e, até
mesmo, por conservadores como o neoconservador Bill Kristol, que declarou que existiam
diferenças em uma guinada para a direita e um retorno a sessenta anos atrás. Junto a isso, a
visita foi mal vista por grande parte dos evangélicos e por vários membros da direita religiosa
que possuíam uma histórica rusga com os fundamentalistas da instituição656.
Aproveitando a repercussão dessa visita, McCain atacou Bush, utilizando-se do longo
histórico de racismo e perseguição à católicos da Universidade. A intenção dele era atrelar
Bush aos valores defendidos por ela, atraindo, com isso, o apoio de republicanos católicos e
de protestantes moderados para a sua campanha e, consequentemente, abdicando dos votos de
setores ligados ao fundamentalismo religioso e aos evangélicos mais conservadores. Como
mostrou Martin (2000), Bush não foi o único candidato a fazer campanha na Universidade
durante as prévias eleitorais daquele ano, candidatos republicanos como Steve Forbes e o
afro-americano Alan Keyes e, até mesmo, o candidato democrata às prévias Jim Hodges
tinham visitas agendadas a instituição.
As críticas à Bush tinham um efeito especial, uma vez que, sua campanha era
fortemente estruturada sobre a aproximação do candidato dentro do seu Compassionate
Conservatism a grupos minoritários que historicamente apoiavam o partido rival como os
afro-americanos657 e o eleitorado latino, o que foi colocado em dúvida após a visita.

653
Vale lembrar que além da Bob Jones University o estado também conta com a Christian Baptist Network e a
Regency University, ambas comandadas por Pat Robertson e seu filho.
654
Muitos dos principais nomes ligados ao conservadorismo e a religião na Carolina do Sul tiveram sua
formação na Bob Jones University, entre eles Billy Graham.
655
Junto a isso, Kuo (2006) apontou que membros da universidade haviam chamado o papa de anticristo e
acusado a Igreja Católica de ser um “culto satânico”.
656
Como foi apontado no capítulo 2 de nossa tese e que ocorria devido a recusa dos fundamentalista da
instituição à proposta de diálogo entre conservadores protestantes e de outras religiões.
657
A campanha de Bush sempre o mostrava com crianças afro-americanas em seus braços.
247

Como resposta, durante as semanas que envolveram a questão, Bush aproximou-se


também de católicos658 e de protestantes moderados, insistindo que ele não era intolerante e
que a visita tinha sido apenas mais um compromisso de sua campanha, o que aliviou o mal-
estar provocado e possibilitou que, especialmente, os evangélicos deixassem de lado o
incidente e retornassem a combater a candidatura de McCain que, devido ao seu esforço pelo
controle da influência de grupos sobre o governo, parecia muito mais assustadora para eles do
que a suposta ligação de Bush com os fundamentalistas.
De acordo com Willians (2010), Bush foi vitorioso na Carolina do Sul com um forte
apoio da direita religiosa e, especialmente, da Christian Coalition, conseguindo 2/3 dos votos
entre os eleitores que se identificavam com a organização, algo em torno de 33% de todo o
eleitorado do estado. Para McCain, após a derrota na Carolina do Sul e dentro da tentativa de
atrair os eleitores moderados, a solução foi partir para o ataque contra os líderes da direita
religiosa que deram maior apoio a Bush, como Pat Robertson e Jerry Falwell659.
Essa tática funcionou com maestria, em um primeiro momento, fazendo com que ele
vencesse no estado de Michigan, todavia, ela rapidamente deixou de atingir o resultado
esperado, pois, ao mesmo tempo em que, o equívoco de Bush ao visitar a instituição
fundamentalista ia perdendo a visibilidade na mídia, sendo substituído por outras notícias, as
críticas de McCain motivaram, cada vez mais, a participação dos evangélicos conservadores
na campanha de George W. Bush660.
Dentro dessa lógica, a campanha de Bush se construiu a partir de duas imagens
complementares, pensadas desde 1998 por Karl Rove como parte de um projeto de atração de
uma vasta leva de eleitores para o candidato republicano. Para o eleitor independente, Bush
era retratado como um candidato totalmente diferente de Clinton, pois, tinha como sua
principal característica a sinceridade e distanciava-se de ser um político profissional habituado
a Washington661.
Para Reymond (2004), isso ocorria, porque, os estudos republicanos, realizados antes
da eleição, indicavam que apesar dos eleitores independentes terem perdoado as “falhas
morais” de Clinton, eles reprovavam a sua falta de honestidade e votariam em um candidato

658
Kuo (2006) afirmou que isso ocorreu através do envio de uma carta de Bush para o cardeal John O’Connor,
argumentando que devia ter deixado mais claro a sua não associação com grupos anticatólicos.
659
Conger (2009) citou que McCain chegou a acusar Falwell e Robertson de serem agentes da intolerância.
660
É importante explicar que, embora Falwell e Robertson possuíssem uma grande rejeição por parte da
maioria da população do país, eles ainda arregimentavam uma extensa gama de seguidores dispostos a ir às
urnas em defesa dos projetos dos reverendos.
661
Aqui novamente tática utilizada pelos democratas para eleger Jimmy Carter, mostrando-o como um homem
comum e com uma grande fé, foi utilizada pela campanha republicana.
248

que fosse mais sincero. Essas qualidades eram destacadas para mostrar uma imagem
moderada e não ameaçadora de Bush para esses eleitores, contrastando com a deixada por
Newt Gingrich nos anos anteriores, porém, sem deixar de dar sequência a tópicos importantes
da “revolução republicana”.
Somado a isso, apostava-se na conversão religiosa adulta de Bush, reforçando os
“valores” morais do candidato. Deste modo, para a direita religiosa, a campanha de Bush
mostrava esse seu lado de cristão convertido, com indicações que ele era contrário ao aborto e
aos estudos de células troncos e que não se opunha a uma maior participação de religiosos na
vida pública do país. Essa imagem se tornou ainda mais positiva para a direita religiosa,
sobretudo, após os ataques de McCain às lideranças do movimento, o que reenergizou o apoio
do movimento a Bush.
Dentro dessa tática, Willians (2010) descreveu alguns eventos que pautaram a
aproximação de Bush com o movimento, destacando que, ainda em outubro de 1999, ele se
reuniu com membros do Christian Right Council for National Policy662 para discutir assuntos
culturais. Em novembro, ele declarou para o correspondente Tim Russert663que,
provavelmente, não iria receber representantes do Log Cabin Republicans664 (grupo de defesa
dos direitos homossexuais ligados ao Partido Republicano). Em dezembro, o candidato
afirmou que Jesus era o seu filósofo político favorito e ainda proclamou, em 10 de junho de
2000, a data comemorativa conhecida como o Jesus Day (Dia de Jesus) no Texas.
Pelo lado da direita religiosa, Ralph Reed665 encarregou-se de liderar a resposta contra
McCain, que ocorreu a partir de um papel profundamente participativo da Christian Coalition
durante as prévias republicanas de 2000. Como exemplo disso, Reymond (2004) citou a
distribuição de cerca de duzentos mil folhetos contra McCain apenas no estado do Arizona, ao

662
Organização da direita cristã fundada em 1981 por Tim LaHaye.
663
Falecido em 2008, Russert era um conhecido jornalista da NBC, apresentando o programa Meet the Press.
664
O movimento iniciou em 1970 e teve uma importante participação na defesa dos direitos dos homossexuais
no Partido Republicano. Segundo o seu site oficial, <http://www.logcabin.org/about-us/our-history/>, Bush se
reuniu com representantes homossexuais na campanha de 2000 e declarou ser um homem melhor por ouvir
suas histórias e suas preocupações, junto a isso, o movimento deu forte apoio a Bush durante a campanha de
2000 e a eleição legislativa de 2002 e o presidente aprovou um orçamento de 15 bilhões para um programa de
contenção da epidemia de AIDS pelo mundo. O movimento rompeu com o presidente durante a campanha de
2004 devido a radicalização do discurso de Bush contra homossexuais
665
Langston (1997) explicou que embora Reed tivesse deixado a Christian Coalition, ele mantinha o mesmo
papel, colaborando na eleição de republicanos ligados à direita religiosa, com isso, ele continuava agindo nos
bastidores da política republicana, sendo apoiado tanto pela Christian Coalition quando por outras
organizações do movimento.
249

mesmo tempo em que, Pat Robertson utilizava seu programa televisivo para atacar, de uma
maneira disfarçada666, o adversário republicano de Bush.
Dentro dessa aproximação de Bush com a direita religiosa, a ideia de Compassionate
Conservatism667 (conservadorismo com compaixão) tinha um importante papel para a
campanha eleitoral do republicano. Segundo Orwin (2011b), Bush abraçou a ideia como uma
forma de se diferenciar de seus adversários republicanos e flanquear seus adversários
democratas, através de um forte sentimento assistencialista. Por outro lado, leituras sobre o
tema também apontavam a plataforma como uma forma de romper a separação Igreja e
Estado:

Esse lema era denominado para dar uma impressão que ele se referia a novas
formas de assistência para pobres, minorias e necessitados, mas sua real
substancia envolvia a criação de patrocínio governamental para a direita
religiosa, rompendo o muro de separação entre Igreja e Estado.
(BLUMENTHAL, 2003, p.720).

Shimabukuro (in SILVA, 2008) explicou que o Compassionate Conservatism


basicamente consistia de eficientes iniciativas governamentais que ajudariam pessoas em
dificuldade, mas, que não se pautariam pela criação de dependência ao Estado. O que deveria
ser realizado, pela leitura Orwin (2011c), a partir do direcionamento dos auxílios
governamentais diretamente para as instituições que atuavam nos bairros com maiores
dificuldades, eliminando as experiências de auxílios advindos de cima para baixo, fazendo,
por esse motivo, com que os pobres fossem ajudados a se ajudar.
Essa ideia desenvolvia-se a partir de duas crenças; a primeira que via o Estado de
bem-estar social como responsável pela criação de um ciclo de dependência que impedia os
necessitados de se recuperarem e uma segunda que via a importância das instituições nas
comunidades locais para auxiliar os necessitados668.
Nesse sentido, o enfoque central da proposta de Bush era a transferência de verba
governamental para instituições de caridade, associações de moradores de bairros e para as
Faith Based Iniciatives (Iniciativas Baseadas na Fé), que derivavam da legislação Charitable

666
Para não se envolver novamente em problemas legais por utilizar um programa de caráter religioso para
apoiar um candidato, Robertson dedicava programas descrevendo e criticando características de McCain sem
citar o nome do candidato.
667
De acordo com Orwin (2011c), o termo foi utilizado pela primeira vez pelo líder afro-americano, democrata e
liberal Vermon Jordan, em 1981, com a intenção de atacar conservadores do governo Reagan, partindo da ideia
de que eles precisavam ter mais compaixão.
668
Para Orwin (2011a) essas ideias chegaram até Bush a partir da obra de Myron Magnet (considerado o livro
mais importante depois da Bíblia para o político republicano) e das pesquisas de Marvin Olaski.
250

Choice (escolha caridosa) aprovada durante o final da administração Clinton e que vivenciava
o auge de sua influência durante as eleições de 2000.
Finguerut (in SILVA, 2008) mostrou que o debate em torno das Faith Based
Iniciatives eram tão significativos no período que, tanto o candidato republicano quanto o
democrata aprovavam a existência delas. Nesse sentido, acrescenta-se que o período foi
fortemente marcado pela crença de que essas iniciativas poderiam acabar com a pobreza e
com a violência nas comunidades669 e que isso ocorreria devido à proximidade dessas
instituições com elas, o que possibilitaria uma melhor compreensão das necessidades de seus
moradores.
Sorman (2004) explicou os motivos para a crença em torno das instituições sem fim
lucrativo, pois, poderiam ter um papel tão importante no fim da pobreza nos Estados Unidos,
indicando o fato da caridade ser algo profundamente presente na vida do americano. Segundo
o autor, no ano de 2002, enquanto, um europeu doou em média cinquenta e sete dólares, um
americano doou em média novecentos e cinquenta e três dólares670, ou seja, a caridade é uma
característica da população do país e, para ele, ela se desenvolveu devido à desconfiança com
relação ao Governo Federal. Nesse sentido, a população estadunidense ama as instituições que
parecem próximas a ela, como o exemplo de suas igrejas, mas, odeia seu governo, o que faz
com que qualquer programa de auxílio advindo dele seja criticado ou visto com desconfiança.
Pela leitura realizada por Lambert (2008), Bush acreditava mais do que outros
presidentes republicanos, como Reagan e seu pai George H. W. Bush, que grupos religiosos
poderiam participar ativamente da vida pública671 e receber dinheiro público para isso. Por
isso, no dia 22 de julho de 1999, ele declarou:
Em cada instância onde minha administração ver a responsabilidade de
ajudar pessoas, nós vamos primeiro olhar para as Faith-Based
Organizations, organizações de caridade e grupos comunitários que
mostrarem suas habilidades para salvar e transformar vidas. (BUSH apud
WALLIS (in DIONNE; DILULIO (org.), 2000, p.147).

Apesar de, na campanha de Bush, a defesa das Faith-Based Iniciatives ser


constantemente reforçada como uma forma de atrair eleitores religiosos, ela não era, de

669
De acordo com Wallis (in DIONNE; DIIULIO (org.), 2000), isso era profundamente defendido por Gore que
chegou a dar uma declaração favorável a esse ponto de vista em maio de 1999.
670
O autor apontou que mesmo quando são retiradas as deduções de impostos e incentivos governamentais, os
americanos são grandes doadores, acrescentando que cerca de 80 milhões de americanos dedicavam uma
parte do seu tempo para atividades não lucrativas e 60 milhões devotavam seu tempo à outras pessoas.
671
Vale apontar, como destacou o historiador da religião Becker(2013), em uma entrevista para o autor, que
antes da grande depressão de 1929 as igrejas eram responsáveis pela maioria dos projetos assistenciais,
mantinham hospitais e realizavam grandes campanhas de combate à fome. A crise de 1929 transformou isso
forçando a participação do Estado nessas questões.
251

maneira alguma, uma retórica com caráter exclusivamente eleitoreiro, afinal, o político
republicano realmente acreditava na importância da religião para o resgate de pessoas que
enfrentavam dificuldades, mais do que isso, ele era um exemplo de que a transformação
através da fé era possível e sempre destacava que seu comportamento antes de se tornar um
renascido religioso aos quarenta anos, deveria ser perdoado e esquecido.
O envolvimento de Bush com a fé era tão autentico que os evangélicos conservadores
rapidamente viraram seus fiéis seguidores, porque, o republicano transmitia sinais que eram
profundamente naturais ao dia-a-dia da experiência evangélica. Um exemplo disso ocorreu
quando ele foi questionado, em um debate, se poderia explicar para as pessoas como Jesus
mudou sua vida, respondendo: “Bem, se eles não sabem, isso vai ser difícil de explicar”.
(BUSH, apud, DIONNE; DILULIO, 2000, p.2).
A resposta de Bush, apesar de parecer bastante vaga para alguém que não seja um
Born Again, é repleta de simbologias que indicam a relação entre o fiel e Jesus. Ela mostra
como a conversão é algo realmente intenso para vida do cristão, sendo, deste modo, uma
experiência única para cada um dos convertidos.
Esse tipo de experiência, também, refletiu-se na fala de um dos alunos da Liberty
University, em uma entrevista realizada pelo autor, quando os estudantes foram questionados
se consideravam que sofriam algum tipo de discriminação por parte de pessoas de fora da
Universidade, um deles prontamente respondeu a respeito da necessidade de se entender a
perfeição que é fazer parte de uma escola cristã como a Liberty University. Nesse sentido, o
enfoque na experiência de conversão e de pertencimento advindos da fé trazem consigo uma
relação de proximidade que apenas os fiéis tem entre si, uma marca de pertencimento, um
sentido de ser especial por ter descoberto Jesus.
Retomando a fala de Bush, ele refletiu claramente esse relacionamento, indicando essa
marca de proximidade com o eleitorado evangélico, assinalando seu pertencimento ao grupo,
pois tinha vivenciado e valorizava as mesmas experiências que eles, e isso, por si só, pela
lógica evangélica, moldava seu caráter como um homem de bem. Dentro desse cenário, como
mostrou Silva (2008), Bush foi, sem dúvida, o presidente americano que mais utilizou a
questão religiosa como arma eleitoral.
Após vencer as prévias com forte apoio da direita religiosa, a estratégia da campanha
de George W. Bush sofreu uma pequena correção que tinha o intuito de evitar a ampliação da
polarização motivada pela ideia de Guerra Cultural como ocorrida na Convenção Nacional
Republicana de 1992. Por esse motivo, a direita religiosa deixou de ter visibilidade na
campanha do presidente, não participando da Convenção Nacional Republicana de 2000.
252

Conger (2009) lembrou que é importante perceber que a estratégia republicana nessa
convenção era exatamente pregar um discurso de união, de defesa da diversidade e de
inclusão, propondo um especial foco nas questões domésticas e no corte de impostos como
um reforço à tática de atração dos eleitores moderados.
Porém, se na convenção transparecia a moderação, desde o início da campanha de
Bush, Rove recrutou líderes da direita religiosa a partir de suas igrejas para auxiliarem no
recrutamento de eleitores e ativistas para trabalharem nela. O estrategista também foi hábil em
criar uma estrutura de antipropaganda, aproveitando a polarização que cresceu durante os oito
anos de mandato de Clinton entre conservadores e liberais. Com isso, a campanha de Bush
mostrava principalmente para o eleitorado sulista e religioso que votar nos democratas seria
votar, também, no casamento gay, no protocolo de Kyoto, no reconhecimento da força da
ONU em detrimento do poder americano, no evolucionismo, na supervalorização da ciência
que poderiam levar à clonagem humana e à perseguição aos religiosos.
Dentro desse novo cenário de afastamento e proximidade entre Bush e a direita
religiosa, Utter e Storey (2007) apontaram que Bush não fez a sua usual visita ao principal
evento da Christian Coalition, chamado The Christian Coalition’s Annual Gathering
(ocorrido em setembro de 2000), fazendo apenas um comentário sobre a importância do
evento pela televisão, enquanto ainda estava no Texas.
Vale analisar que, se levar em conta o histórico da relação entre direita religiosa e
governos nas administrações anteriores a George W. Bush, percebe-se que esse
distanciamento entre o futuro presidente e o movimento seria visto, em períodos anteriores,
pelas lideranças da direita cristã como uma grande traição672, não obstante, como os autores
especificaram que a direita religiosa, no início dos anos 2000, não parecia se incomodar com
o afastamento, o que foi destacado pelos autores como um sinal de amadurecimento do
movimento. Agora suas lideranças percebiam que existia a necessidade de que Bush atraísse
os eleitores moderados para conseguir ser eleito:
O movimento tinha se tornado mais pragmático, reconhecendo que precisava
dar um pouco e se comprometer um pouco mais para vencer as eleições.
Algumas concessões para a vitória faziam mais sentido do que a pureza
moral na derrota. (UTTER; STOREY, 2007, p.22).

Clarkson (2001) fez uma leitura bastante interessante sobre o papel da direita religiosa
no período, considerando que ela passou por um processo de institucionalização na sociedade,

672
O exemplo claro disso foi mostrado com Reagan e com o seu não comprometimento com o movimento após
eleito que se tornou motivo de rompimento de parte da direita religiosa com o seu governo.
253

sendo, por esse motivo, incorporada ao Partido Republicano. Isso ocorreu por causa do
surgimento de uma nova geração ligada ao movimento que jamais vivenciou a política
estadunidense sem a presença da direita cristã. Esse novo grupo, formou-se em escolas e
universidade cristãs com uma intenção central de ocupar cargos governamentais, produzir
pensamento conservador e defender os direitos dos cristãos. Ou seja, os líderes dessa nova
geração eram bem menos extremistas que seus antecessores, visto que, eles conheciam mais
profundamente os meandros da política, tendo uma compreensão maior sobre a necessidade
de dialogar e, em alguns momentos, barganhar para alcançar um objetivo.
É interessante pensar o despertar desse novo posicionamento do movimento, visto que,
o fim dos anos 1990 foi novamente problemático para as organizações conservadoras
religiosas, especialmente, para a Christian Coalition que teve uma forte queda na arrecadação
que passou de 25 milhões de dólares em meados da década de 1990 para cerca de metade
disso em 2000. Clarkson (2001) apontou que, junto a isso, após o final vitorioso da
administração Clinton muitos dos comentaristas passaram a decretar que a Guerra Cultural
estaria acabada, assim como, determinavam também que a direita religiosa estava morrendo.
A queda de arrecadação da Christian Coalition, contudo, não indicava perda de sua
influência política, visto que, Pat Robertson continuava ampliando a Christina Broadcast
Network e a Regent University, de maneira que, essa redução no tamanho da organização
parecia mais uma manobra para se livrar dos problemas judiciais e fugir da vigilância do IRS
do que um caminho para sua extinção. A prova disso estava no fato de que seus métodos de
divulgação de cartões eleitorais de avaliação de candidatos, em 2000, continuavam
profundamente influentes na escolha de candidatos conservadores pelo eleitorado. Esse
método, foi copiado por outras organizações como a Focus on the Family que também
começou a utilizar uma versão similar.
A questão para a direita religiosa estava exatamente na pluralidade de suas
organizações e na aliança entra elas, o que indica que, embora existissem organizações do
movimento que se destacavam durante alguns períodos e, até mesmo, de existir uma certa
rivalidade entre as organizações, a questão crucial do sucesso do movimento estava na sua
capacidade de associação entre pequenas e grandes organizações em defesa de uma agenda
comum.
Pensando a partir disso, Clarkson (2001) discutiu, através de uma análise do relatório
ECFA673 de 1999, o quão impressionante era a arrecadação de alguns dos principais grupos da

673
Órgão fundado em 1979 para dar transparência as organizações religiosas sem fins lucrativos.
254

direita cristã, destacando que a Concerned Women for America tinha um orçamento anual de
12 milhões de dólares, a Family Research Council chegava a 14 milhões de dólares, a
American Family Association tinha 15 milhões, a Promise Keepers67451 milhões, a Regent
University com 52 milhões, a Focus on the Family chegava a 121 milhões anuais, a Christian
Broadcasting Network a 196 milhões e a Campus Crusade for Christ675 a 360 milhões de
dólares. O autor acrescentou que a maior parte desses recursos eram utilizados em ações
políticas, ou seja, quando se pensa na campanha de Bush era claro que o apoio desses grupos
seria determinante para a sua eleição.
Nesse sentido, se a direita religiosa não estava enfraquecida, como se acreditava no
final dos anos 1990, a questão central para a aceitação do distanciamento do movimento com
a campanha do futuro presidente republicano estava exatamente na previsão de que o novo
presidente indicaria dois ou mais juízes para a Suprema Corte do país. Assim, para líderes
como Pat Robertson existia a preferência de que Bush, devido as suas crenças, fizesse essas
indicações. Por essa leitura, o significado do controle da Suprema Corte por juízes alinhados à
direita religiosa tinha, no início dos anos 2000, o mesmo peso simbólico que a crença de que
tudo se resolveria no país com a eleição de um presidente religioso e conservador durante a
maior parte da década de 1980, ou seja, valia a pena perder visibilidade para alcançar os
objetivos.
Pensando na campanha de Gore, é importante destacar que, apesar dos avanços
econômicos conseguidos durante a sua administração com Clinton676, era muito difícil para o
candidato democrata fazer a ponte entre a aprovação conseguida pelo ex-presidente677 e o seu
trabalho como vice-presidente. Ou seja, Gore e o Partido Democrata realmente se esforçavam
para mostrar que o candidato teve um papel ativo nas decisões que recuperaram a economia
do país, mas, isso não garantia uma transferência direta dos votos favoráveis a Clinton para
ele.
Junto a isso, Blumenthal (2003) discutiu que o candidato democrata batalhava para
não ser associado pelos eleitores, que eram mais preocupados com questões “morais”, aos

674
Fundada em 1990 por Bill McCartney, a organização tem um forte caráter de luta pelo cristianismo, ao ponto
de, em seu site oficial, <http://www.promisekeepers.org/>, a inscrição de novos filiados ser chamada de
Unleashing the Warrior (Liberando o Guerreiro).
675
Uma organização cristã que existe desde 1951 e tem em seu principal papel o trabalho missionário pelo
mundo. Dados sobre ela pode ser encontrado em: <http://www.cru.org/>.
676
Responsável por uma significativa redução no desemprego, principalmente, entre os afro-americanos e
latinos.
677
Que no final do seu mandato em 2000 era maior do que a de Ronald Reagan em 1988 e trazia consigo um
recorde de prosperidade e paz.
255

mesmos defeitos de Clinton. Por esse motivo, Gore afastava-se de Clinton com medo de ser
visto como alguém que suportava ou compartilhava os “valores” do presidente.
Dentro desse conflito presente na campanha, Willians (2010) debateu que, para
contornar essa questão, Gore concentrava-se em sua trajetória política de combate as
legislações favoráveis ao aborto e em ressaltar sua frequência religiosa como um Batista do
Sul. Essa leitura foi realizada, também, por Reymond (2004) que discutiu a importância do
legado Clinton na eleição de 2000 e concluiu:
Portanto, o eleitorado, persuadido que Bush e Gore se assemelhavam,
concentravam sua atenção sobre os “valores”. O episódio Lewinsky tinha no
fundo deixado traços na consciência americana. Mesmo se uma grande
maioria havia perdoado Bill Clinton, as pesquisas de opinião demonstravam
que, doravante, os eleitores desejavam um substituto que restaure o prestigio
da função presidencial. (REYMOND, 2004, p.47).

Essa nova preocupação do eleitorado estadunidense fez com que, no dia 16 de junho
de 1999, Gore, durante o anúncio de sua candidatura para as prévias do partido, criticasse o
comportamento de Bill Clinton. A crítica reforçou o dilema envolvendo o candidato que
perdeu votos ao tentar afastar sua imagem dos escândalos de Clinton, uma vez que, alguns
eleitores o viam como ingrato por fazer isso, e, também, quando ele tentou se aproximar dos
bons frutos da administração. A questão aqui é que, em uma eleição onde a sinceridade foi
supervalorizada esse jogo político ambíguo de Gore era visto, muitas vezes, como defeito ou
falsidade.
Como um reforço a isso é importante destacar que, como argumentou Silva (2008), os
opositores de Clinton comprometeram-se decididamente na campanha de George W. Bush,
apontando no novo candidato democrata os mesmos defeitos de seu antecessor, pouco
importando se Gore tinha ou não os mesmo “problemas morais” atribuídos a Clinton678.
Dentro desse engajamento, Blumenthal (2003) apontou que, de fato, a campanha
republicana teria começado muito antes da disputa eleitoral, onde, já em 1997, o Partido
Republicano iniciou uma série de ataques ao vice-presidente através da divulgação de
noticiais, sátiras e acusações que constantemente eram vinculadas em publicações como o The
Washington Times e outros jornais e sites de opinião do país.
De acordo com essas acusações Gore era um mentiroso, compulsivo e exagerado, de
maneira que, como mostrou Reymond (2004), a imprensa não hesitava em questionar a sua
saúde mental. Um exemplo disso, foi registrado pelo autor através do caso envolvendo a

678
Silva (2009) acrescentou que Gore era casado com uma ativista conservadora que tinha lutado durante anos
contra letras de músicas “pornográficas”.
256

suposta invenção da internet pelo democrata, episódio que veio à tona no dia 09 de março de
1999, onde, durante seus tempos como legislador, Gore liderou a aprovação de alguns
projetos de lei que favoreceram a implementação da internet 679 e por isso disse, anos depois,
que se considerava um dos seus criadores.
A fala de Gore rapidamente tornou-se motivo de piada por parte dos republicanos,
como o exemplo do senador Trent Lott que, ridicularizando o candidato democrata, declarou
ter inventado o clipes de papel e do deputado Dick Armey que afirmou ter criado o sistema
interestadual de rodovias. Reymond (2004) explicou que as piadas em torno do tema só
perderam força quando Robert Khan e Vinton Cerf, considerados os pais da internet
declararam, mostrando-se bastante surpresos com os motivos da polêmica, que Al Gore foi o
primeiro político a reconhecer a importância da internet e a ajudar a promover seu
desenvolvimento.
Como outro exemplo da satirização ao candidato, Blumenthal (2003) narrou que, no
dia 22 de julho de 1999, Gore tentou chamar a atenção para a questão ambiental, durante sua
campanha na Nova Inglaterra, para isso, sua equipe fez uma foto dele remando no rio
Connecticut em New Hampshire. No dia seguinte, ele foi acusado em uma notícia do The
Washington Times de, para conseguir uma foto, liberar cerca de 4 bilhões de litros de água, ao
abaixar o nível da represa, para melhorar a paisagem de fundo para a sua fotografia. Com isso,
além de acusar o candidato ambientalista de desperdiçar água, eles ainda defendiam que a
despesa relacionada ao desperdício causado por ele seria repassada para a população680.
A propaganda negativa criada pela imprensa e pelo Partido Republicano contra Gore
era tamanha que, Reymond (2004) afirmou681 que, entre março de 1999 até novembro de
2000, existiam na internet cerca de 2.684 artigos contendo falsas acusações contra o candidato
democrata. Isso posto, o autor mostrou que, segundo um estudo do The Project for Excellence
in Jornalism, na cobertura da eleição de 2000 a maioria das notícias relacionadas à Gore eram
negativas, entre elas, 42% apontavam que ele estaria envolvido em algum escândalo e 34%
indicavam que ele tinha o hábito de mentir.
Essa rejeição à Gore por parte da imprensa foi observada, pelo autor, como um
resultado do distanciamento e da aparente falta de paixão que o candidato transparecia.
Seguindo essa mesma linha de raciocínio, Gore não foi o único exemplo de presidenciável a
ser recusado pela mídia devido seu baixo carisma, durante a campanha presidencial de 2012,

679
Como o The Supercomputer Network Study Act (em 1986) e a High Performance Computing Act (em 1991)
680
A Newsweek chamou a foto de “Photo-op from Hell” (Foto para o Inferno).
681
A partir de uma pesquisa simples feita no sistema de busca Google.
257

Mitt Romney também foi acusado de sofrer do mesmo problema e, consequentemente, afastar
seus eleitores por causa disso.
Em uma entrevista que realizamos com membros da American For Tax
Reforms682(ATR),Lorenzo Motanari, Adam Radman e Ryan Ellis (2013), Ellis comentou que
esses mesmos motivos foram responsáveis pela derrota de Mitt Romney para Barack Hussein
Obama, chegando a comparar o candidato republicano ao tradicional troféu do campeonato de
futebol americano (NFL), que é uma representação de um jogador correndo com uma bola em
uma das mãos e com a outra mão à frente como se estivesse pronto para repelir quem se
aproximasse. Para ele, a população tinha motivos suficientes para não reeleger Obama e isso
somente não ocorreu porque o Partido Republicano não conseguiu um candidato que
possuísse carisma suficiente para ser o presidente do país683.
O fato é que, como indicou Reymond (2004), esses ataques a Gore, em meio a tantos
outros, foram profundamente impactantes para o candidato democrata, ao ponto de, com a
crise em sua imagem, estima-se que ele perdeu cerca de 3,5 milhões de votos, recebendo,
segundo o Center for Political Studies da Universidade de Michigan, apenas 57% dos votos
dos simpatizantes aos liberais.
Em meio a essa intensa disputa, Bush foi eleito em uma das mais intrigantes disputas
eleitorais vivenciada pelo país, pois, Gore venceu a votação popular com 51.003.926 contra
50.460.110 votos de Bush684 e o candidato republicano venceu a disputa pelos colégios
eleitorais por 271 a 266685. Aqui é importante destacar que de acordo com a leitura de Pereira
(in Silva, 2008) o candidato republicano recebeu um total de 56% dos votos protestantes
contra 42% para Gore, entre os evangélicos o resultado da votação foi de 68% para Bush
contra 30% para Gore e a votação dos que se diziam secularistas foi 30% para Bush contra
61% para Gore.

682
De acordo com o seu site oficial, a ATR é uma organização fundada em 1986 (a pedidos do presidente
Reagan) por Grover Norquist e tem um forte caráter contra o aumento da carga tributária, controle de gastos
governamentais e defesa do livre mercado. Atualmente ela tem escritórios na maioria dos estados do país e
iniciou um projeto de expansão de suas ideias pelo mundo.
683
O que coloca o futuro do movimento conservador e do próprio Partido Republicano atrelado a necessidade
de encontrar um candidato carismático.
684
Outros candidatos obtiveram uma quantidade mínima de votos, com destaque para Ralph Nader, do Green
Party (Partido Verde), que teve cerca de 2.882.955 votos e Pat Buchanan que após tentar a indicação nas
prévias republicanas concorreu pelo Reform Party, porém, com um sucesso bem menor do que o das eleições
anteriores, obtendo apenas 448.895 votos.
685
Essa foi a quarta vez que isso ocorreu na história dos EUA. Episódios semelhantes aconteceram na eleição de
1824 que elegeu John Quincy, na de 1876 de Rutterford B. Hayes e na de 1888 com a vitória de Benjamin
Harrison.
258

Nesse sentido, quando pensamos a respeito da ideia da existência de uma separação


total entre religiosos e secularistas na sociedade estadunidense, mesmo no exemplo da eleição
considerada a mais polarizada da história do país, não encontramos uma total separação, ou
seja, mais uma vez, não existiu uma unidade em torno dos votos religiosos, ou secularistas no
país. Berlet (2003) mostrou que apesar da direita cristã, mais uma vez, tentar enfatizar, em sua
campanha através de malas diretas, uma união eleitoral entre os evangélicos do país, isso não
se mostrou tão claro nos resultados eleitorais. Para explicar isso, ele citou o exemplo dos
eleitores evangélicos afro-americanos, que embora defendessem muitos pontos da agenda
cultural conservadora686, de uma maneira geral, votavam em candidatos democratas. Outro
exemplo, apontado pelo autor, que é bastante ilustrativo sobre essa não unidade foi o fato de
que, dos eleitores que se declararam alinhados à direita religiosa, apenas 79% votaram em
Bush, o que mostrou que, mesmo dentro do movimento, não existia um direcionamento total
das votações no Partido Republicano.
Contudo, o fato é que para a mídia e para os defensores da existência de uma Guerra
Cultural no país a imagem de polarização continuava em alta, ao ponto da proximidade entre
os candidatos levantar uma série de dúvidas sobre a eficiência687 e honestidade da contagem
de votos no país, sobretudo, porque a decisão em torno da eleição ficou, justamente para a
Flórida, que era governada por Jeb Bush (irmão do candidato republicano), e indicou George
W. Bush como o vencedor no estado688 com 2.912.790 contra 2.912.253 do candidato
democrata.
De acordo com o documentário dirigido por Richard Ray Pérez (2010), muitos dos
eleitores do estado, principalmente afro-americanos, que votavam em peso no Partido
Democrata, tiveram seus nomes retirados das listas de votação, sendo impedidos de votar689.
Apesar de toda a lógica conspiratória existente nesses argumentos, eles são importantes pois
trazem à tona o forte caráter ideológico presente na polarização política do país que fazia com
que tudo fosse visto como um resultado da manipulação de um dos lados da disputa.

686
No geral evangélicos afro-americanos são mais conservadores que evangélicos brancos principalmente em
temas como a homossexualidade.
687
O principal questionamento a respeito da recontagem de votos na eleição estava no fato de que muitas das
cédulas de votação eram extremamente confusas, o que dificultavam o trabalho, ao mesmo tempo em que,
muitos votos foram descartados pelo fato dos eleitores as assinalarem no lugar errado.
688
Com isso, Bush conseguiu os 25 delegados do colégio eleitoral do estado.
689
O documentário acrescentou que não foi a primeira vez que o fato ocorreu no estado, constando que, na
eleição de 1998, que elegeu Jeb Bush como governador da Flórida, reclamações semelhantes foram apontadas,
indicando que alguns eleitores chegaram a ser presos sem aparente motivo para não comparecerem as
votações.
259

Logicamente, em um processo eleitoral que vivia o auge da fomentação da polarização


política e, em um momento, onde era constantemente afirmada a existência de uma Guerra
Cultural, a disputa em torno da recontagem dos votos ganhou em proporção, primeiro devido
aos 19 dias690 que ela demorou para se chegar no resultado final691 e depois, porque a decisão
ficou acabo da Suprema Corte692.
Como apontaram Hetherington e Weiler (2009) as teorias mais conspiratórias davam
conta de que a decisão a favor de Bush ocorreu motivada pela composição da instituição,
repleta de juízes conservadores indicados pelo Partido Republicano durante os governos
Reagan e George H. W. Bush.
O fato é que essa disputa eleitoral tão próxima auxiliou a crença na ideia de que o país
estava totalmente dividido e o crescimento do debate em torno de temas culturais e de
questões religiosas na campanha de Bush faziam com que a ideia da existência de uma Guerra
Cultural continuasse extremamente presente, sobretudo, quando era representado o mapa
eleitoral (Mapa III) pós eleição:

Mapa III Separação Bush (vermelho) e Gore (azul) eleição de 2000.

Fonte:<http://politicalpulse.wordpress.com/>.

690
O documentário Jorneys With George, dirigido por Pelosi e Lubarski (2002), ao qual, a jornalista Alexandra
Pelosi acompanhou a campanha de George W. Bush desde as prévias até a sua eleição, apontou a frustração
que o final das eleições sem um presidente causou no país.
691
Deixando no ar uma incerteza sobre quem realmente teria vencido as eleições e proporcionando uma
incessante cobertura sobre o caso que ajudava na produção de comentários que levantavam dúvida sobre o
pleito.
692
Os republicanos venceram o primeiro julgamento e, após os democratas recorrerem, eles foram vitoriosos
também no segundo.
260

É importante destacar nesse mapa, a forte divisão espacial marcada pelo controle do
candidato republicano nos estados que pertenciam ao antigo sul, o que foi utilizado como
argumento pelos defensores da existência de uma Guerra Cultural no país para justificar uma
separação cultural entre o sul conservador/religioso e o norte liberal/secular. Aqui reforçamos
que essa separação não é algo tão concreto assim, porque os mapas eleitorais apenas indicam
a vitória do candidato em uma eleição específica. O sistema eleitoral estadunidense contribui
para esse tipo de confusão, pois, o candidato que consegue mais delegados em um estado
ganha o voto de todos os delegados desse estado693, ou seja, um estado visto como
vermelho/conservador/republicano pode, facilmente, ter os votos de sua população divididos
em 49% contra 51% e, mesmo assim, ser indicado nos mapas eleitorais como um estado
vermelho.
No caso da eleição de 2000, a vitória apertada no executivo, foi acompanhada por um
controle republicano no legislativo do país, onde, o partido conseguiu 221 deputados contra
212 democratas e no Senado a nova disputa eleitoral foi ainda mais dividida com 50
senadores republicanos contra 50 democratas, o que deixava a maioria com os republicanos,
visto que, o voto de desempate ficaria a cargo do vice-presidente eleito Dick Cheney. A
questão aqui é que, se nos anos anteriores, a revolução republicana foi barrada pelo presidente
e pelo Senado, agora ela continuava impossibilitada, pois, os republicanos não tinham os 2/3
do Senado para aprovar projetos de maneira inquestionável, o que novamente forçava o
debate em torno das principais decisões do país.

6.2 George W. Bush e o último suspiro da direita religiosa.

Para realizar uma análise sobre a importância da ideia de Guerra Cultural para a
presidência George W. Bush, a segunda parte do capítulo propõe estabelecer um rápido
roteiro, dialogando com as transformações ocorridas durante os oito anos da administração,
destacando assim a influência dos atentados terroristas nesse processo. Nesse sentido,
pretende-se esclarecer como o primeiro mandato do governo representou um grande ganho
para os movimentos conservadores que fomentavam a ideia de Guerra Cultural.
Com isso, a primeira questão a ser debatida aqui é como, Bush foi, no decorrer do
primeiro ano de seu mandato, cercado por uma constante desconfiança em torno de sua

693
Sistema The Winner Takes All (o vencedor leva tudo).
261

vitória, afinal, ele era o presidente eleito contra a vontade da maioria da população e isso, por
si só, motivava uma aprovação relativamente baixa de seu trabalho694, que variou entre 50 e
60%695 a partir do mês de fevereiro de 2001 e início de setembro de 2001.
Muito dessa rejeição vinha do simples fato dele ser texano, um estado que durante os
últimos anos ganhou um rótulo de ser profundamente conservador, além disso, o presidente
era visto como esnobe e elitista por ser um membro da família Bush, ao mesmo tempo em
que, devido a sua relação com setores religiosos conservadores, grande parte da população do
país e do mundo o relacionava a baixa inteligência e a pouco estudo696.
Em meio essa grande rejeição, as primeiras ações da administração Bush procuravam
estabelecer um diálogo com o Partido Democrata, rompendo um pouco da exagerada
polarização que havia sido fomentada pelo seu próprio partido durante a administração
Clinton697. Como reflexo disso, Bush indicou um gabinete a partir de três bases centrais que
consistiam em um foco estratégico (em torno de Karl Rove), outro que se preocupava com a
ampliação do diálogo com legislativo (com a indicação de Nick Calio698) e um terceiro
centrado na comunicação (com Karen Hughes).
Em consequência, as suas primeiras indicações para formar a equipe de governo
tiveram uma característica bastante pluralista, englobando a indicação de várias mulheres,
como a própria Hughes, além de, Gale A. Norton (2001-2006) como Secretária do Interior,
Ann Veneman (2001-2005) para a Secretaria de Agricultura, Cristine Todd Whitman (2001-
2003) para a Agência de Proteção Ambiental, a imigrante chinesa Elaine Chao (2001-2009)
para a Secretaria do Trabalho699.
Dentro desse espírito, Bush foi o primeiro presidente a indicar um exilado cubano para
um cargo importante do governo, com Melquiades Rafael Martinez (2001-2003) como
secretário da habitação e desenvolvimento urbano e incluiu os afro-americanos Colin Powell
na Secretaria de Estado (2001-2005) e Roderick Paige (2001-2005) para a Secretaria de
Educação. Essa tendência pluralista manteve-se após a sua reeleição em 2004, com a entrada

694
Dados do Gallup.com disponíveis em: <http://www.gallup.com/poll/116500/presidential-approval-ratings-
george-bush.aspx>.
695
Valores baixos para um presidente recém-eleito.
696
O fato dele ser presidente logo após Bill Clinton, que primava pela sua imagem bem educada, dificultava
ainda mais a imagem do novo presidente.
697
É claro que isso era motivado pelo controle da política do país pelo partido que, ao deixar de ser uma das
oposições mais ferrenhas, agora discursava em prol da união política.
698
Calio é um dos principais lobistas dos EUA e ocupou o cargo de assistente do presidente para assuntos
legislativos.
699
O nome da neoconservadora Linda Chavez foi cogitado para assumir a pasta, mas, ela se envolveu em um
escândalo por ter auxiliado uma imigrante ilegal e foi descartada.
262

de Condoleeza Rice (2005-2009) para a vaga de Powell e a indicação do latino Alberto


Gonzáles (2005-2007) para o cargo de procurador geral.
A importância de se destacar a pluralidade presente nos principais cargos da
administração existe para que se possa discutir as suas transformações. Nesse sentido, é
importante destacar o retorno da aliança do presidente com a direita religiosa, que certamente
interferiu em seus principais posicionamentos sobre temas culturais.
Em um caminho paralelo ao posicionamento, inicialmente, moderado da
administração, Lieven (2005) citou que a direita religiosa, especialmente, a Christian
Coalition, novamente ampliou seu prestígio durante as eleições de 2000, sobretudo, pelo seu
apoio aos candidatos republicanos eleitos. Para o autor, 29 senadores e 125 deputados
elegeram-se com alguma forma de apoio da organização, ou ainda, votavam alinhados aos
princípios dela, entre eles, 15 senadores e 64 deputados vinham do “grande sul”, reforçando a
ideia de divisão territorial do país.
Dentro dessa conjuntura, após Bush ser eleito, vários evangélicos tiveram acesso a
cargos em diversos níveis de sua administração. Contudo, Shogan (2002) mostrou que as
lideranças da direita religiosa tinham profundo interesse em conseguir a indicação para dois
cargos no governo a Secretaria de Saúde e Serviços Humanos700 e a indicação de um de seus
membros para a Procuradoria Geral701. Logicamente, o controle desses dois gabinetes fariam
com que a direita religiosa colocasse em prática os principais programas vinculados a ideia de
Guerra Cultural, afinal, todas as discussões relacionadas à saúde, auxílio social e todos os
apontamentos legais da administração passariam por uma análise do movimento antes de
chegar ao presidente.
Bush indicou o ex-governador de Wisconsin, o católico Tommy Thompson702 para a
Secretaria de Saúde e Serviços Humanos, que apesar de ser antiaborto703 não era propriamente
ligado à direita religiosa. Sua indicação não foi bem aceita pela minoria democrata no
legislativo, porém, a indicação que causou a maior polêmica, foi a escolha de John Ashcroft
como procurador geral (2001-2005). Utter e Storey (2007) explicaram que Ashcroft era um
cristão bastante conservador, membro da Assembleia de Deus, que não bebia, não fumava,
não dançava, se opunha ao aborto e aos programas de ação afirmativa, apontando também

700
Que teria como função auxiliar o presidente em questões como saúde e programas assistenciais.
701
Fazendo a intermediação entre todos os assuntos ligados a questões legais para o presidente. Ashcroft teve
um papel central anos depois para a aprovação do Patriotic Act.
702
Que ficou no cargo de 2001 até 2004.
703
O que motivou a oposição de organizações pró-aborto a sua indicação.
263

que, sua indicação foi muito comemorada por Robertson e por outros líderes da direita
religiosa como Louis P. Sheldon da Traditional Values Coalition704.
Assim, Bush organizou seu governo entre duas tendências, uma que mostrava
moderação e pluralidade e outra que incluía setores conservadores e religiosos e ampliava a
participação desses grupos na política do país. Nesse sentido, em termos de indicações, a
administração Bush dava um passo importante para o fim da polarização política no país e
outro em direção ao crescimento dela.
Os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 foram um ponto central para a
transformação da administração, uma vez que até eles, o presidente republicano não possuía
uma grande aprovação popular ao seu governo. Nesse sentido, é importante destacar que
mesmo com relação a política externa, Bush defendia pontos diferenciados dos que ficaram
anos depois marcados como característicos de sua administração, onde em muitos momentos,
ainda durante sua campanha, ele questionava o excessivo envolvimento de Clinton em
conflitos pelo mundo e considerava que os Estados Unidos deveriam se relacionar o mínimo
possível com questões de segurança internacional, até mesmo, sugerindo que o país não
participasse de missões de paz da ONU705. Ao mesmo tempo, a política externa de Bush
focava na retirada do país de acordos internacionais como o protocolo de Kyoto, do Tribunal
Internacional Penal e do Tratado Antimísseis Balísticos706.
Como explicou Lieven (2005), a questão envolvendo segurança não era uma das
maiores preocupações do país durante a campanha presidencial de 2000 e, mesmo entre os
partidários de George W. Bush, apenas 6% tinham segurança nacional como principal
preocupação707, de maneira que, a maioria dos seus eleitores se preocupava com questões
como a redução dos impostos e dos números de abortos, sendo apontadas por 22% dos
consultados para cada tema.
Assim, é importante destacar o tanto que os atentados de 11 de setembro de 2001
subverteram a lógica do país e o direcionaram para uma estranha efervescência social que
levou os EUA a uma agressiva reação, que ia além do pavor pelos acontecimentos e se

704
Segundo o site oficial da organização, eles foram fundados em 1980 pelo reverendo Louis P. Sheldon e
atualmente é o maior grupos não confessional de ativistas religiosos, atuando em 43.000 igrejas e falando para
milhões de patriotas pelo país. <http://www.traditionalvalues.org/content/about>.
705
Apesar de Lieven (2005) acrescentar que tanto Bush, quanto Gore defendiam em suas campanhas o papel
messiânico dos EUA no mundo, que o país deveria ser um líder para o mundo, ou seja, essa liderança passaria
longe do uso da força militar.
706
Que possibilitaria a implementação do escudo antimísseis no país.
707
O tema ocupava apenas a sétima posição como a principal preocupação da população do país.
264

pautava em uma explosão de novas teorias conspiratórias que colaboraram com a entrada do
país na Guerra.
O sociólogo Barkun (2003) mostrou como a ideia de conspiração sempre esteve
presente na imaginação estadunidense, como exemplo destacam-se: a dúvida sobre o governo
esconder a existência de óvnis, a incredibilidade sobre a versão oficial do assassinato de
Kenedy, até as constantes crenças a respeito do fim do mundo708. Para o autor, elas
historicamente concentram-se dentro de três premissas que se resumem em: nada acontece por
acaso, nada é o que se vê e por último a ideia de que tudo está conectado, definindo: “Para
nosso propósito, a crença na conspiração é a crença que uma organização composta por
indivíduos ou grupos estava ou está atuando encoberta para um fim malévolo”. (BARKUN,
2003, p.3).
Nesse sentido, o autor discutiu que as teorias de conspiração refletiram-se no dia-a-dia
do país após os atentados, o que trouxe consigo uma série de suposições em torno do evento,
que iam dos boatos de que o governo teria facilitado (ou realizado) os atentados, até a ideia de
que Nostradamus previu os atentados em suas profecias. Como exemplo disso, destacou-se a
tradicional imagem que circulou na internet após o atentado, onde, das fumaças do destruído
World Trade Center surgia a imagem do demônio. Junto a isso, o autor acrescentou que
evangelistas como John Hagee709 observaram que os ataques eram um sinal de que a Terceira
Guerra Mundial estaria à caminho e, pelo mesmo motivo, outro evangelista, Arno Froese710,
pregou que o ataque era uma mensagem clara, para quem acreditava em Deus, de que estaria
chegando o fim dos tempos.
Dentre todas essas teorias sem dúvida a mais recorrente era a ideia de que o mundo
caminhava para o final dos tempos, o autor acrescentou que, mesmo para muitos ao redor do
mundo, o dia após o 11 de setembro era visto como algo de proporções apocalípticas, como
exemplo, ele destacou a reportagem de capa do London Daily Mail que trazia a manchete
“Apocalipse”.

708
Crenças que durante a história dos EUA apareceram em episódios assustadores como o massacre que levou
a morte 914 seguidores de Jim Jones, em 1978, e foi retratado no documentário da PBS, Jonestown. The Life
and Death of Peoples Temple, dirigido por Stanley Nelson (2006).
709
Hagee é um televangelista estadunidense que tem como uma de suas causas principais o apoio a Israel, mais
sobre o pastor pode ser encontrado no site do seu ministério: <http://www.jhm.org/>.
710
Froese é diretor executivo do Midnight Call, que tem como objetivo divulgar a bíblia e preparar as pessoas
para a segunda vinda de Jesus. Ele defende que a vinda do anticristo está próxima, a partir do momento em
que a Igreja for removida da vida da população, suas teorias sobre o apocalipse são sempre presentes e a cada
novo grande acontecimento da história mundial ele surge apontando ser um sinal do final dos tempos. Mais
informações sobre o ministro podem ser encontrada no site: <http://www.midnightcall.com/>.
265

Essa efervescência era ampliada com a constatação de que grupos terroristas do


Oriente Médio foram responsáveis pelos ataques, o que colaborava com as crenças pré-
milenaristas que percebiam a região como o lugar onde ocorreria a batalha do final dos
tempos e o final da história. Barkun (2003) destacou que após a queda da União Soviética e a
primeira vitória sobre o Iraque (em 1991), a região tornara-se politicamente marginalizada e
após os atentados ela voltou ao centro da atenção pública.
A ideia de conspiração espalhou-se, rapidamente e é lógico que não passaria sem
motivar estrondos dentro das principais lideranças da direita religiosa no país, o que pode ser
visto, pela reação de Falwell, sob forte concordância de Pat Robertson, que rapidamente,
dentro da agenda polarizada defendida por eles, acusou a ACLU, a agenda liberal e os
homossexuais de serem responsáveis pelo ataque, clamando que Deus somente permitiria a
ocorrência de uma tragédia como essa no país, como uma espécie de punição aos
pecadores711. A fala do pastor chocou o país, que sem sombra de dúvida, necessitava de
argumentos mais apaziguadores no momento, como a declaração de Billy Graham (2011) que
em um sentido oposto e seguindo seu papel de consolador da nação, declarou ser um
momento para a união, e que embora não conseguisse explicar os motivos para Deus permitir
que algo assim ocorresse, ele acreditava que Deus cuidava dos americanos, não importando
qual era a origem étnica, religiosa ou política.
De acordo com Shogan (2002), após a fala de Falwell e Robertson, líderes de
movimentos feministas e homossexuais como Katherine Spillar712, Gwen Baldwin713 e Ralph
Neas714 aproveitaram a oportunidade para denunciar o extremismo religioso no país. Junto a
isso, com o descontentamento de grande parte da população com a fala dos pastores
conservadores, Bush declarou, através de seus assessores da Casa Branca, que ele não
compactuava com essas visões e que as considerava inapropriadas, o que foi seguido pela
declaração do presidente que apontava que os únicos culpados pelos atentados eram os
terroristas715.
Após a repercussão negativa, Robertson veio a público novamente, só que, desta vez,
em um tom de desculpa, declarando que a fala de Falwell veio em um momento de
incompreensão do que estava ocorrendo no mundo716. Esse pedido de desculpa foi motivado

711
Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=H-CAcdta_8I>.
712
Vice-presidente da Feminist Majority Foundation.
713
Diretor do Los Angeles Gay & Lesbian Center.
714
Presidente do People from American Way.
715
Bush fez um grande esforço para desvincular a imagem dos mulçumanos ao terrorismo, chegando a visitar
mesquitas e a recriminar ataques ocorridos a elas no pós 11 de setembro.
716
Falwell manteve seu posicionamento durante os anos que se seguiram a tragédia.
266

por um sentimento que parecia crescer nos EUA após o ataque e que indicava para uma união
em torno de um forte sentimento de doação que se expandia entre os americanos no pós-
atentados. Shimabukuro (in Silva, 2008) apontou que cresceram as doações de sangue e o
apoio às famílias vítimas da tragédia, a ampliação da participação de pessoas na busca de
sobreviventes e uma verdadeira explosão na audiência dos cultos religiosos717.
Junto a isso, muito do discurso cultural polarizado e das dúvidas em torno da eleição
do presidente republicano foram soterrados sob os escombros dos atentados, sendo
substituídos por um forte sentimento patriótico que colocava a ideia de ser americano como
algo mais importante do que qualquer outra opinião, valor ou crença para a população.
Diferenças de opinião sobre temas como aborto, embriões congelados
para pesquisa de células-tronco, e mesmo a controversa eleição do
presidente Bush (e a legitimidade de ele estar no poder) foram
deixadas de lado. A noção de uma América conservadora e uma
América liberal (respectivamente Red America e Blue America, as
cores que representam respectivamente os Partidos Republicano e
Democrata em mapas eleitorais) passou a ser ignorada: agora havia
apenas a América. (SHIMABUKURU (in SILVA, 2008, p.163).

Ao mesmo tempo, a resposta formulada pela administração Bush aos ataques


terroristas estava intimamente ligada a uma lógica conservadora religiosa, que vinha
crescendo no país durante as últimas décadas, e, claramente, estabelecia a luta contra o
terrorismo como uma nova batalha entre o bem e o mal. Como consequência, ela pontuava
para os seus opositores uma ideia de você está conosco ou contra, e isso se refletia, tanto com
relação a outros países, como dentro da disputa entre democratas e republicanos. Nesse
sentido, a entrada dos EUA nas guerras tinha um apoio inconteste da maioria dos políticos718,
da mídia e da população do país.
Novamente a lógica da existência de um inimigo externo era imposta na história
estadunidense, o que possibilitava aos partidários de Bush analisar que as críticas advindas da
oposição e de outros países, como de alguns membros da União Europeia, eram motivadas
por atributos religiosos, ou no caso antirreligiosos, já que, para eles o ateísmo estaria em alta
no velho continente.
Se a política externa se tornou nebulosa após os atentados, era, sobretudo, no medo do
que acontecia no interior das fronteiras que residia as principais preocupações de setores
conservadores do país, nesse sentido, uma forte preocupação com a definição de quem

717
Que para o autor durou apenas durante algumas semanas depois do evento, como um reflexo natural da
necessidade de apoio espiritual após a tragédia e retornando aos níveis normais depois disso.
718
Vale apontar que quando Bush anunciou a entrada na Guerra do Iraque ele foi fartamente aplaudido, tanto
por democratas quanto por republicanos.
267

realmente eram os americanos acabava se destacando dentro de leituras como a de Buchanan


(2002)719, Huntington (2004)720, entre outras.
Em meio ao crescimento das temáticas conservadoras ocorreu também uma forte
ampliação do fechamento em torno da educação de jovens cristãos dentro de uma ideia de
fomentação de Guerra Cultural no país. Exemplos como o Kids on Fire mostrado no
documentário Jesus Camp, dirigido por Edwing (2006), mostram como as crianças cristãs
estão sendo treinadas para serem “guerreiros de Deus”. Essa percepção é destacada pela
atuação das universidades cristãs721e pelos programas de Homeschooling722, o que indica que
jovens cristãos são educados, não apenas, para enxergar a Bíblia como única verdade, mas
também, para argumentar quando sua fé é confrontado pelos não-crentes. Esses novos jovens
cristãos vêm se tornando incrivelmente hábeis para debater a respeito de temas como a teoria
da evolução, questões como aquecimento global e para defender o casamento e o modo de
vida cristão conservador.
Nesse sentido, percebesse que existem dois caminhos derivados da ideia de Guerra
Cultural, um primeiro que pode ser apontado dentro de uma lógica de confrontamento, que
podemos identificar no documentário, a partir da fala da missionária Beck Fisher. Ela destaca
que o enfoque da educação no acampamento Kids on Fire constrói-se a partir do argumento
de que no mundo todo, crianças são treinadas para serem soldados e pegar em armas e que
nos Estados Unidos as crianças devem ser treinadas para pegar a Bíblia e defender a família e
a religião.
Aqui a separação acaba se tornando clara, uma vez que, essas crianças são educadas
para acreditar que existem dois tipos de pessoas no mundo, as que amam Jesus e as que não
amam Jesus. Assim, novamente o binômio polarizado é inserido na educação das crianças que
crescem acreditando que não podem acreditar ou gostar de nada além do que lhes é dito na
Igreja723.
O segundo enfoque pode ser destacado pela atuação das universidades cristãs, onde,
esse modelo radical é constantemente colocado à prova, pois, a necessidade de se criar

719
Que fazia uma análise bastante contundente a partir de dados demográficos, indicando que a Civilização
Ocidental caminhava para seu extermino devido a fatores como imigrações, envelhecimento e expansão do
islamismo (especialmente na Europa).
720
Que defendia que a identidade cultural e política do país vinham sendo ameaçadas por uma identidade
hostil advinda das crescentes levas de imigrantes, lançando por esse motivo um manifesto em defesa da
cultura anglo-saxã e fortes críticas contra projetos como a educação bilíngue.
721
Como a Liberty University e a Regent University.
722
75% das crianças educadas exclusivamente em casa são evangélicos.
723
Como podemos perceber no exemplo clássico dado no filme, onde, as crianças não podem gostar de Harry
Potter por ele ser um bruxo e por lidar com magia.
268

competitividade e profissionais para conviver com o mundo exterior faz com que estipulem
regras rígidas aos alunos724, ao mesmo tempo em que, modernizam a maneira de defender os
temas cristão e as instituições725. Dentro dessa lógica, foi com grande estranhamento que nos
deparamos com esse mundo726, quando visitamos a Liberty University e encontramos uma
grande quantidade de normas com estudantes em dormitórios separados por gênero, vivendo
sobre a proibição do contato físico entre namorados e declarando abertamente que o sexo
existia apenas para a reprodução.
Por outro lado, com o desenvolvimento da educação cristã, jovens pelo país são
educados para argumentar intelectual em defesa de suas crenças. Essa postura diminui o
radicalismo e traz a disputa cultural para uma questão intelectual, uma vez que deixa para
segundo plano o embate físico, como no exemplo das vigílias em frente as clínicas de aborto e
transfere seu enfoque para o desenvolvimento de políticas públicas alternativas que possam
reduzir a necessidade das mulheres de realizar abortos, como programas que defendem a
abstinência e projetos que incentivam a adoção727.
Do mesmo modo, Wilcox e Bartkowski (in DIONNE; DILULIO, 2000) mostraram
que a defesa da família tradicional protestante, por parte de setores religiosos conservadores,
vem alterando a própria concepção de família. Agora a família protestante faz com que o pai
tenha um papel crucial, também na educação dos filhos, como uma forma de salvar a família a
partir da autoridade parental e por um maior envolvimento na casa e na vida dos filhos. Nesse
sentido, estende-se uma rede de proteção à família formada pela autoridade dos país,
associada a um forte suporte social por parte da comunidade religiosa e um controle das
igrejas sobre o dia-a-dia das famílias.
Retornando ao debate em torno da administração Bush, em meio a exaltadas reações
pós-ataques e a invasão do Afeganistão em 2001, o final do ano representou um ganho de
724
Nesse sentido, o livro de Roose (2009) que narrou a experiência do autor no tempo em que era aluno da
Brown University e decidiu fazer um semestre de intercambio na Liberty University, fingindo ser um cristão, é
profundamente esclarecedor sobre as normas da universidade.
725
O caso da Liberty University é o mais destacado nesse sentido, visto que, em nossa visita guiada na
instituição nos deparamos com uma universidade totalmente digitalizada, onde, o professor passa o conteúdo
das disciplinas para os alunos através de um tablet que projeta as equações na lousa e as envia diretamente
para os aparelhos dos alunos. A utilização desse modelo parte da ideia de que isso acelera o processo de
aprendizado, pois, os alunos não precisam perder tempo copiando e nem o professor precisa virar as costas
para os alunos durante as aulas. Nesse sentido, a utilização da tecnologia dentro da universidade a coloca
como uma das mais modernas do país.
726
Em nosso trabalho de campo tivemos a oportunidade de fazer uma visita guiada pela instituição e de
entrevistar dois de seus alunos.
727
A intelectual conservadora, do Concerned Women for America, Janice Shaw Crouse, em entrevista para o
autor, quando questionada dos motivos que fizeram a ideia de Guerra Cultural desaparecer, disse que os
movimentos conservadores ganharam em sofisticação por isso eles passaram a preferir outros temas para
denominar suas lutas.
269

confiança para ela e impulsionou as eleições legislativas do ano seguinte, já que, a aprovação
do trabalho do presidente variou, durante os meses que se seguiram aos atentados até o final
de 2001, em torno de 85 e 90% e, durante o ano de 2002, ela esteve sempre acima de 60%728.
Esse apoio popular fazia com que o Partido Republicano ampliasse seu domínio no Senado,
contando agora com 51 senadores contra 48 democratas, e na Câmara de Deputados com 229
contra 212 do partido rival.
Nesse cenário novamente as lideranças da direita religiosa tiveram um importante
papel, aproveitando-se do revivamento religioso e do forte senso patriótico que os atentados
provocaram, eles mobilizaram os conservadores religiosos para apoiar a entrada do país nas
guerras contra o Afeganistão e posteriormente contra o Iraque. Assim, a hoje tão criticada
Guerra do Iraque teve em seu início um forte apoio popular, comprovado a partir da análise da
pesquisa publicada pelo Gallup729 sobre a opinião pública a respeito dela730, realizada entre os
dias 21e 23 junho de 2004 a porcentagem de entrevistados que consideram um erro ter
enviado tropas para o Iraque ultrapassou a dos que não acreditavam ser um erro.
Pelos dados presentes no relatório, a opinião da população sobre o tema era bastante
dividida, de maneira que, a contrariedade a respeito do envio das tropas atingiu seu valor
máximo em abril de 2008, chegando a 63% dos entrevistados, porém, o índice de contrários
na maioria das pesquisasse manteve abaixo de 60%. A pesquisa mostrou que a maioria dos
entrevistados considerava que o Iraque se tornou um país de certa forma melhor após a
invasão.
Apesar de ser praticamente inevitável discutir os episódios envolvendo as duas guerras
iniciadas durante a administração Bush, a intenção desse capítulo não se concentra em
debater, propriamente, a participação dos EUA nelas. Mesmo sendo a principal memória de
muitos sobre a administração do presidente republicano e o papel que tiveram no
fortalecimento de correntes neoconservadoras apenas algumas questões se mostram relevantes
para a pesquisa.
Com isso, é mais importante para nossa análise entender que a Guerra Contra o Terror
teve uma importância fundamental nas eleições de 2002, ampliando a liderança do Partido
Republicano no legislativo do país e que ela colaborou com a contundente reeleição do
presidente em uma disputa contra o democrata John Kerry em 2004, do que, propriamente, os
motivos que fizeram os EUA intervirem no Iraque sob a alegação de que o país armazenava

728
Segundo o relatório do Gallup, disponível em: <http://www.gallup.com/poll/116500/presidential-approval-
ratings-george-bush.aspx>.
729
Disponível em: <http://www.gallup.com/poll/1633/iraq.aspx>.
730
Que ia de março de 2003 à março de 2013.
270

armas químicas731. Dessa forma, para fechar a questão envolvendo a Guerra Contra o Terror e
possamos retornar à explicação dos efeitos sobre a política do país, vale ainda destacar o
impacto que elas causaram dentro de legislações que reprimiam a liberdade individual732,
ampliavam a rejeição aos imigrantes e o controle sobre a imigração e como enfraqueceu os
principais projetos sociais governamentais para destinar um orçamento cada vez maior para os
setores militares.
Dentro deste quadro, a segunda eleição de Bush foi bastante emblemática, por trazer,
novamente, uma significante discussão em torno da existência de uma Guerra Cultural no
país, desta vez, a partir de leituras que apontavam o enorme papel da religião na disputa.
Lieven (2005) destacou alguns dados que indicavam o crescimento da religiosidade nos EUA
durante o período, para o autor, a religião foi tão significativa para as campanhas que muitos
candidatos democratas passaram a dizer que tinham descoberto Jesus e cerca de 7 a 12% da
população branca do país apoiou abertamente a direita cristã no decorrer do pleito.
O autor chamou atenção à respeito de como isso ampliou o poder dos movimentos
conservadores religiosos na sociedade, pois, sua influência consiste em mobilizar um
eleitorado fortemente motivado a comparecer às urnas, o que foi reforçado pelos efeitos da,
cada vez maiores, da baixa participação nas eleições americanas. O exemplo da eleição de
2002, para o Senado e para a Câmara, é determinante para se entender essa relação afinal, os
republicanos foram vitoriosos, conseguindo muitas cadeiras em uma eleição, ao qual, apenas
aproximadamente 15% dos americanos que poderiam votar compareceram às urnas,
representando um total de 41.689.666 eleitores. Com isso, pode-se concluir que a relação
entre baixa participação nas eleições, somadas ao crescimento do apoio de grupos específicos
da população à direita religiosa favoreceriam a ampliação da relevância de grupos radicais nas
eleições.
Pensando propriamente na eleição de 2004, George W. Bush venceu com 62.028.285
votos populares (50.7%) contra 59.028.109 (48.3%) de Kerry, e também conseguiu uma
vitória por 286 a 251 nos colégios eleitorais. Isso indicava que, finalmente, Bush conseguira
ser eleito sem dúvidas ou questionamentos, mais do que isso, ele não foi, em momento algum,
ameaçado pelo candidato democrata durante a sua campanha. O sucesso dessa nova eleição
estendia-se para todo o Partido Republicano que ampliou seu domínio no Senado, agora
atingindo 55 senadores contra 44 democratas, e na Câmara, com o seu número de

731
Que com o passar do tempo nunca foram encontradas.
732
Como o exemplo do Patriotic Act, liderado por procurador geral John Ashcroft.
271

representantes saltando para 232 contra 202 democratas, o que representava um controle ainda
maior do partido sobre o país.
A incontestável vitória republicana somada ao crescimento dos movimentos de caráter
conservador religioso, motivou o surgimento de uma série de pesquisas que procuravam
identificar, até que ponto, a religião era determinante para os partidos políticos, para os EUA
e para as eleições de 2004. Entre elas, destacam-se as análises realizadas pelo The Pew
Religion Forum on Religion & Public Life, como a de Green (2007), que constatava que a
afiliação e a frequência religiosa tinham um forte impacto nas eleições, afinal, Bush recebeu
79% dos votos evangélicos733, enquanto Kerry teve 83% dos votos dos protestantes afro-
americanos. A importância desses números se tornaram ainda maior quando se inseria a
variável frequência religiosa na análise e constatava-se que 82% dos evangélicos, que
frequentavam a igreja pelo menos uma vez por semana, votaram em Bush e 92% dos
protestantes afro-americanos, que iam ao culto pelo menos uma vez na semana, votaram em
Kerry.
Entretanto, apesar desses dados serem profundamente conclusivos em sua indicação
de uma forte diferenciação entre o apoio das congregações religiosas a cada um dos
candidatos, considera-se aqui que outros fatores além da questão religiosa, contribuíram para
tão forte divisão entre o apoio desses grupos a cada um dos candidatos. Com isso, destaca-se
o forte peso do componente racial, historicamente notável, que, apesar de protestantes afro-
americanos serem tradicionalmente mais conservadores do que os protestantes brancos734,
afro-americanos tem uma ligação histórica com o Partido Democrata. Da mesma forma, o
grupo de evangélicos, composto majoritariamente por brancos conservadores, estabeleceu
uma ligação eleitoral com Partido Republicano desde a campanha de Goldwater em 1964, o
que pode explicar de outra maneira a questão envolvendo os motivos que fizeram os dois
grupos religiosos votar em bloco durante a eleição de 2004.

733
Em outra leitura, Silva (2008) mostrou que os renascidos (Born Again) votaram maciçamente em Bush em
sua reeleição, com 78% deles apoiando o republicano, junto a isso, entre os eleitores que consideravam a fé
religiosa como a qualidade mais importante para se eleger um candidato (que representavam 9% do total dos
eleitores que votaram no país) 91% votou para Bush.
734
O conservadorismo dos protestantes afro-americanos é tão grande que, em uma entrevista que realizamos
com o comentarista político Michael Barone (2013) ele indicou que com a maior aceitação de valores liberais
pela sociedade e com uma reestruturação dos partidos no último ano. Marcada pelo apoio de Barack Obama e
também vários políticos republicanos conservadores ao casamento homossexual, o grupo que permaneceu
mais fortemente contrário a união entre pessoas do mesmo sexo foram os afro-americanos em geral, de
maneira que, o comentarista enxerga a possibilidade da reestruturação do conservadorismo no país a partir da
aproximação de setores da direita religiosa com o grupo, o que seria responsável por uma possível perda de
uma importante base de apoio do Partido Democrata.
272

Nesse sentido, a presença de uma identificação religiosa do país vinha em uma


crescente nas pesquisas científicas e sondagens de opinião durante os últimos anos e
constantemente expandia a preocupação em relação a existência de uma unidade entre votos
dos grupos religiosos ou para análises de como eles enxergavam questões relativas a religião.
Dentro dessa tendência, Lieven (2005) destacou, a partir de uma sondagem do The Pew
Religion Forum on Religion & Public Life de 2004, que 40% dos americanos acreditavam na
Bíblia ao pé da letra, contra 42% que diziam que as parábolas de Deus não eram realmente
verdades. Outro ponto destacado pelo autor foi que 36% dos americanos acreditavam que o
apocalipse não era apenas uma metáfora.
A questão a ser destacada aqui é que, apesar de existir uma forte divisão entre as
diferentes crenças religiosas apresentadas pela população em geral, isso não representa
necessariamente que exista uma polarização política que dividia a população do país em duas.
Um exemplo simples disso é que se pode acreditar que o aborto é um crime contra a lei de
Deus, mas não necessariamente essa crença motiva uma participação política mais ativa ou a
uma postura de enfrentamento para impedir que ele seja realizado.
Retornando ao debate em torno da influência da religião na eleição de 2004, segundo
outra pesquisa, realizada pelo The Pew Religion Forum on Religion & Public Life em agosto
de 2004, apesar de “valores morais” serem vistos como importantes para a escolha de um
presidente para 64% dos entrevistados e o Partido Republicano ser visto como mais amigável
à religião do que o Partido Democrata, isso não indicava que as pessoas religiosas votariam
exclusivamente no Partido Republicano, ou seja, essa divisão cultural indicada pelos
intelectuais, pela mídia e pelos ativistas em torno de temas culturais era profundamente
distante da maneira de enxergar o país da maioria da população e dos eleitores. Assim, apesar
de não se descartar o papel da religião e das questões culturais/morais para a escolha eleitoral,
ela é apenas uma variável de uma série de questões que direcionam o voto, o que indica que a
crença divulgada de que o Partido Republicano representaria exclusivamente os interesses de
grupos conservadores/religiosos e de que o Partido Democrata representaria exclusivamente o
interesse de liberais/seculares é no mínimo exagerada.
Para comprovar essa questão, alguns dados dessa mesma pesquisa são esclarecedores,
como exemplo, quando questionados a respeito de qual candidato poderia melhorar o clima
moral do país, os entrevistados indicaram que o democrata Kerry tinha uma ligeira vantagem
sobre Bush (com 45% contra 41%). Junto a isso, os temas presentes na ideia de Guerra
Cultural novamente não foram apontados como a principal preocupação da população, como
exemplo, enquanto 34% dos entrevistados respondiam que a questão do casamento
273

homossexual poderia ser um fator importante para a escolha de um candidato, o dobro desses
apontavam fatores como economia, Guerra no Iraque, terrorismo, saúde e educação como os
fatores mais importantes.
A percepção de que temas culturais não estavam entre as preocupações da maioria da
população trazia uma importante constatação sobre os reflexos da polaridade em torno desses
temas no país, de maneira que, apesar de Bush conseguir o apoio de uma parcela de eleitores
conservadores que consideravam vital o posicionamento do presidente contra o casamento
homossexual, certamente, ele perdeu votos de eleitores favoráveis ao tema, principalmente,
coma constante divulgação da posição radicalizada do presidente em 2003 e 2004. Ao mesmo
tempo, em outras questões presentes na ideia de uma Guerra Cultural, como o caso
envolvendo o estudos com células troncos, o presidente, também, perderia e ganharia votos,
pois, ele se opôs aos estudos, em um momento em que, a pesquisa indicava que 52% dos
americanos viam seus potenciais benefícios. Dentro dessa lógica, a fomentação de temas
culturais polarizados em campanhas políticas tendiam a atingir, no cálculo eleitoral, uma
soma zero, pois, o candidato ao apresentar um posicionamento radical sobre um determinado
tema dividia a opinião da população encontrada nas extremidades conservadoras e liberais
eleitores que estariam, devido ao seu interesse pelo tema, dispostos a apoiá-lo e também a
repudiá-lo.
Se a fomentação de ideias radicais sobre temas culturais polarizados, pouco ajudava
nas eleições, a importância do presidente ser religioso pesava muito na opinião dos eleitores,
com 72% dos entrevistados declarando ser importante que o presidente tivesse fortes crenças
religiosas, mas, ao mesmo tempo, 65% deles eram contrários que as igrejas endossassem
candidatos, o que significava um desacordo com a maneira como a direita religiosa vinha
conduzindo a arregimentação de eleitores. Ou seja, a religião como uma fonte de
direcionamento moral é profundamente bem vinda pelo eleitorado estadunidense, mas, isso
não significa que a população do país era tolerante com a mobilização de uma corrente
religiosa específica para tentar capturar o poder no país.
Seguindo a análise desses dados, vale destacar que, com relação aos partidos e a
separação Estado-Religião, 86% dos republicanos e 64% dos democratas consideravam
adequado que prédios públicos exibissem os Dez Mandamentos, o que indicava uma certa
tolerância e fluidez entre a total separação Igreja e Estado no país.
Em meio a tantos dados que indicavam uma mescla entre aceitação e negação da
religião nas campanhas de 2004, Purdum (2004) apontou que durante a Convenção
Republicana para a reeleição de George W. Bush, ocorrida no Madson Square Gardem,
274

novamente o Partido Republicano tentou criar uma atmosfera de moderação semelhante a


tática utilizada durante a campanha de 2000. O motivo, para isso, continuava sendo um forte
empenho para afastar a imagem de radicalização estabelecida durante a convenção
republicana de 1992. Contudo, desta vez, em meio a uma conjuntura social, política e
econômica que pressionava a polarização, o autor defendeu que existiam muitas similaridades
entre a eleição de 2004 e os anos 1960.
Nesse sentido, se nos anos 1960 existia uma forte questão em torno de liberdades para
as mulheres, agora, o tema dos direitos homossexuais e da aceitação do casamento entre
pessoas do mesmo sexo parecia tomar grandes proporções e, se a década de 1960 foi marcada
pelo debate em torno da Guerra do Vietnã, agora a sociedade polarizava-se em torno da
Guerra do Iraque. Para o autor, o que ocorreu em 2004 era uma continuidade das disputas
ocorridas durante a década de 1960. Com isso, citando o historiador da Universidade de
Georgetown, Michael Kazin, ele defendeu que a polarização em torno dessas questões
culturais tendia a continuar presente, especialmente, enquanto as pessoas envolvidas no
princípio das batalhas culturais, durante os anos 1960, ainda estivessem vivas.
Em meio a vitória de Bush em 2004 e do crescente destaque dado a importância dos
movimentos religiosos conservadores nessa eleição, a segunda posse do presidente foi tomada
por um estranho caráter religioso nunca visto no país. Segundo Noonan (2005), a posse do
presidente republicano ia de God Bless America cantada por um cantor gospel, até um
discurso presidencial totalmente focado na política externa e na maneira como Deus era
implacável, movendo o que queria e escolhendo da maneira como queria. Com isso Bush
colocava Deus como o autor da liberdade e destacava que ele tinha um papel de acabar com a
tirania no mundo. Essa transposição indicava os EUA como o exército de um Deus que tinha
como caraterística principal a punição, em um sentido, muito semelhante à figura presente no
antigo testamento da Bíblia, um Deus que castigaria as pessoas que não obedecessem sua
vontade.
Na mesma linha, Kirpatrick (2005) mostrou que as comemorações em torno da posse
de Bush trouxeram grupos conservadores cristãos de todo o país, como o Faith Action, Focus
On Family, Family Research Council, American Values e a Christian Coalition. Esses grupos
observavam a posse presidencial de Bush como uma expressão pública de fé, por esse motivo,
a presença deles na posse do presidente tinha duas intenções, uma primeira que comemorava e
lembrava ao presidente a importância desses grupos para a sua eleição. E uma segunda que se
esforçava para mostrar que muito pouco da agenda cristã conservadora tinha saído do papel,
275

alegando, como foi destacado pelo autor, através da fala de Gary Bauer735, que a visão de
mundo secular ainda prevalecia na elites culturais. Esse descontentamento era também
reforçado pelo reverendo Patrick Mahoney, novo diretor da Christian Coalition, que
preparou, paralelamente à posse do presidente, uma manifestação, cujo, membros da
organização desenhavam com giz no chão da Pennsylvania Avenue corpos humanos para
lembrar o presidente dos fetos abortados.
Os anos que se seguiram à estrondosa vitória de Bush não foram tão animadores para
o presidente que teve que conviver com a crescente oposição a ocupação estadunidense no
Iraque, reforçada pelo número de soldados americanos mortos e pelos crescentes problemas
econômicos que atingiram seu auge com a explosão da crise econômica em 2008736.

6.3 A Guerra Cultural em George W. Bush.

O Diabo colocou dinossauros aqui


Jesus não gosta de bichas
O Diabo colocou dinossauros aqui
Sem problemas com a fé apenas medo.
The Devil put dinosaurs here. Alice In Chains737.

Para que se compreenda a relação de George W. Bush e a ideia de Guerra Cultural é


importante perceber a importância de temas culturais no dia-a-dia da administração. É claro
que aqui não conseguiremos abarcar todos os temas que envolvem a ideia de Guerra Cultural,
mas, queremos traçar um perfil dos principais pontos abraçados pela agenda da direita
religiosa e de conservadores sociais.
Partimos de alguns pontos específicos que compreendem o apoio governamental as
Faith Based Iniciatives, a visão do presidente sobre o aborto, a sua objeção com relação à
pesquisa envolvendo células tronco, o seu incentivo a aceitação do Intelligent Design no

735
Um dos fundadores da American Values.
736
A crise teve seu início exatamente na ampliação dos gastos militares, visto que, enquanto o país dava sinal
de recessão desde 2001 e a economia marcava o crescimento das importações e a diminuição das exportações,
o governo como solução baixou os juros para 1% em 2003, os bancos do país continuaram expandindo o
crédito e financiando e refinanciando imóveis o que fez com que o preço dos imóveis tivessem uma disparada,
o que ocorreu em 2006 junto com o crescimento das taxas de juros para 5.25%, com juros mais altos e preços
altos a maioria da população que havia contraído hipotecas não tinha mais como pagá-las.
737
The devil put dinosaurs here
Jesus don't like a queer
The devil put dinosaurs here
No problem with faith just fear.
276

ensino de biologia nas escolas públicas, a disputa em torno do casamento homossexual e, por
último, o debate envolvendo o direito a eutanásia, marcado pelo caso Terri Schiavo.
Percebe-se que as Faith Based Iniciatives, como foi destacado por Berkowitz (2002),
eram vistas como a pedra angular de sua agenda para a política interna do país. O projeto
pretendia ser uma solução para a forte imagem de assistência social deixada pelo partido rival,
ao mesmo tempo, que instituía apoio às organizações religiosas que tanto ajudaram na eleição
do presidente. Pelo mesmo caminho, Wald e Calhoun-Brown (2011) afirmaram que a
administração “pagou” pela lealdade da base evangélica através de várias iniciativas políticas
como o apoio em várias campanhas durante seus dois mandatos e, entre elas, destaca-se a
expansão dos Faith Based Governmental Service que teve início logo após a posse do
presidente.
O cientista político Orwin (2011c) debateu que, apesar do peso que as Faith Based
Iniciatives tiveram durante a campanha eleitoral, sofreram grandes dificuldades após sair do
papel, o que as levaram de principal solução social da administração para questões sociais
para uma pequena parte do sistema de auxílio governamental nos anos que se seguiram. O
autor assinalou que, após eleito, Bush recomendou o cientista político democrata John J.
Dilulio Jr para tomar a frente do projeto, junto a equipe, dois evangélicos fizeram parte do
projeto Michael Gerson738 e David Kuo739.
A indicação de Dilulio ocorreu devido a sua experiência em políticas públicas, tanto
liberais quanto conservadoras, sendo um dos principais nomes do país sobre o tema, junto a
isso, ela ligava-se a ideia de moderação e pluralismo presente nos primeiros meses da
administração Bush. Dilulio aceitou liderar os seis primeiros meses do projeto, ainda durante
a campanha de Bush, chegando a auxiliar o candidato em alguns discursos sobre o tema, mas
deixando claro que retornaria as suas funções como pesquisador depois desse período740.

738
Que no período escrevia discursos para George W. Bush e era responsável pelo elo entre o discurso oficial do
governo e a busca por uma base política conservadora.
739
Que depois assumiu a direção do Office of Faith-Based and Community Initiatives.
740
Em uma carta que explicou seu afastamento, Dilulio (2007) afirmou os motivos que o levaram a deixar o
governo, dando alguns detalhes profundamente interessantes sobre o dia-a-dia da administração e sobre o
presidente. Para Dilulio, Bush era um político que realmente se preocupava com os outros e que amava seu
país com paixão, porém, em termos administrativos, ele era totalmente diferente de seu antecessor Bill
Clinton, pois, enquanto Clinton cercou-se de grandes profissionais e analisava exaustivamente cada medida a
partir de vários enfoques, Bush tinha uma grande dificuldade de avançar propostas de seu governo por causa
de sua equipe (os únicos projetos advindos do presidente foi um de corte de impostos e outro educacional
que, para o pesquisador, tinha sido originalmente criado pelo democrata Ted Kennedy). Dilulio isentou o
presidente dos problemas iniciais da administração, citando que Bush era muito mais esperto do que muitas
das pessoas, de seus apoiadores e conselheiros acreditavam ser, de maneira que, as dificuldades da
administração ocorriam porque muitos dos funcionários seniores simplificavam as análises sobre todos os
projetos, evitando que as discussões chegassem ao presidente e a seus funcionários mais próximos como Karl
277

Apesar de um forte caráter religioso ambos os partidos observavam o projeto com


profundo interesse, pois percebiam-no como um programa de caráter secular, que utilizava da
estrutura das igrejas e das comunidades de bairro para promover o auxílio aos necessitados.
Grupos religiosos percebiam que o projeto poderia ampliar a sua capacidade de atuação no
país, assim, como discutiu Berkowitz (2002), quando Bush lançou o programa, em 29 de
janeiro de 2001, estava cercado de lideranças cristãs, judias e muçulmanas.
Apesar do projeto parecer um grande consenso no país, o apoio a ele não foi tão
incondicional. O projeto era visto por alguns grupos como uma maneira de eliminar todas as
barreiras que impossibilitavam que o governo financiasse diretamente grupos religiosos e isso
incomodava a maioria das lideranças de defesa da separação entre Igreja e Estado, como
exemplo, do diretor executivo da Americans United for Separation of Church and State Barry
Lynn, que o atacou duramente, alegando que o texto do projeto propunha o repasse de verba
para as organizações, sem garantir nenhuma forma de responsabilidade fiscal por parte delas,
ao mesmo tempo em que, não existia nenhuma prova conclusiva de que as organizações
religiosas poderiam desempenhar o trabalho de caridade de uma forma melhor do que as
instituições que não eram ligadas a religião.
Se não bastasse o ataque por parte desses grupos, Berkowitz (2002) mostrou que,
importantes lideranças da direita religiosa, como Jerry Falwell e Pat Robertson, se colocaram
contrários ao programa, pois temiam que o projeto apoiasse organizações como a Igreja da
Cientologia, a Nação do Islã e a Sociedade Internacional de Consciência de Krishina.
Vale apontar que se existiam opositores, pela leitura realizada por Kuo (2006), outras
organizações historicamente rivais, tanto pertencentes à direita religiosa, como grupos vistos
como liberais, como a ACLU, eram profundamente favoráveis ao projeto, afinal, ele
colaboraria, não apenas com instituições religiosas ou conservadoras, mas com várias
organizações de caridade com um enfoque liberal, podendo ser importante caminho para a
diminuição da pobreza no país.
Em termos gerais, Kuo (2006) explicou que o projeto consistia em uma proposta de
financiamento governamental, em torno de 200 milhões de dólares por ano, para as
organizações de caridade, através do Compassion Capital Fund (Fundo de Capitais da
Compaixão) e de duas medidas que seriam essenciais para ampliar a participação dos grupos
de auxílio espalhados pelo país. A primeira consistia no Charity Tax Credit (Crédito de
Impostos para Caridade) que permitia a qualquer americano doar parte de seus impostos

Rove, transformando projetos que poderiam se tornar medidas importantes em novas versões excessivamente
direcionadas à direita, o que dificultava que eles se tornassem leis quando chegavam ao legislativo.
278

diretamente para grupos humanitários e a segunda que consistia em estimular que os 70% da
população que não reivindicavam deduções de impostos começassem a pedi-las como os
americanos mais ricos tradicionalmente faziam.
Após o projeto ser lançado, ele rapidamente passou a ter dificuldades devido às
mudanças na conjuntura socioeconômica e a algumas decisões políticas da administração. O
autor apontou que o grande problema envolvendo o projeto foi que, já em 2000, a recessão
começou a dar sinais de que voltaria a atingir o país, o que forçou, nos anos que se seguiram,
a administração a propor significativos cortes de impostos para incentivar a economia. Se por
um lado, esses cortes de impostos serviam como um auxílio para que diminuíssem os efeitos
da recessão sobre os empresários, eles também reduziam a possibilidade de transferência
desses impostos para projetos de caridades. Ou seja, eles favoreciam os ricos em detrimento
da população mais pobre do país, ou, como indicou Kuo (2006), isso ocasionou uma perda de
5 bilhões de dólares por ano para os programas humanitários.
Junto a isso, Orwin (2011c) debateu que o sucesso do projeto durou até o 11 de
setembro de 2001 e seus reflexos culminaram com as Guerras do Afeganistão e do Iraque,
pois, em 2001, Bush assumiu o governo do país com um grande superávit que facilitava a
criação de programas com o intuito de acabar com a pobreza, recuperar dependentes
químicos, proteger crianças em situação de risco, melhorar a saúde pública, contudo, com o
crescimento dos gastos com as guerras e o aumento do déficit do país os programas passaram
a ser deixados em segundo plano.
Embora progressivamente ocorresse o enfraquecimento dos programas ligados ao
projeto, de acordo com a análise realizada por Lambert (2008), ocorreu uma constante
remessa de renda para as Faith Based Iniciatives, principalmente, através do Compassion
Capital Fund (Fundo de Capitais da Compaixão) que chegou a distribuir cerca de 150 milhões
de dólares de 2002 até 2005. Na maioria das vezes, isso ocorria com o direcionamento de
verba para organizações conservadoras, a Operation Blessing741que recebeu mais de 20
milhões de dólares do fundo e do Departamento de Agricultura no período. Blumenthal
(2005) mostrou que os repasses do governo para a organização de Robertson 742 foram ainda

741
A Operation Blessing é uma organização humanitária cristã, fundada em 1978 por Pat Robertson, que
atualmente está presente em 23 países pelo mundo, logicamente, em paralelo ao seu princípio humanitário a
organização tem um forte caráter de expansão do discurso da direita religiosa pelo mundo.
742
Essa não foi a primeira vez que Robertson esteve envolvido em mal uso de dinheiro destinado a caridade,
segundo Blumenthal (2005), em 1994 o pastor pediu dinheiro para a Operation Blessing através do programa
de televisão 700 Club, dizendo que ele seria empregado para a contratação de aviões para levar refugiados da
Guerra da Ruanda para o Zaire (atual Congo). Após uma investigação do jornalista Bill Sizemore foi denunciado
279

maiores a partir de 2005, durante os auxílios às vítimas do Furacão Katrina743 em Nova


Orleans744, o jornalista do The Nation, defendeu que ela recebeu 60 milhões de dólares do
governo para prestar auxílio às vítimas745.
Para Lambert (2008), Bush defendia que durante as últimas décadas o governo federal
tinha auxiliado instituições religiosas de cunho liberal como o Exército da Salvação e a
Planned Parenthood (que recebeu milhões do governo federal para implementar um programa
de controle de fertilidade).
Ao fortificar as organizações conservadoras e liberais, Bush acabou favorecendo os
grupos que diziam travar uma Guerra Cultural no país, ampliando dessa forma a visibilidade
de inúmeras dessas organizações, que aproveitaram de seu status de inseridas na 501c3 746e
passaram a utilizar as doações de impostos com intuito humanitário para divulgar material
político em prol das disputas culturais. Logicamente, é difícil afirmar que essa era a intenção
da administração Bush, de maneira que a polarização pareceu muito mais um efeito colateral
do projeto do que uma questão direcionada ou pensada pela presidência.
Um exemplo clássico disso, foi a Caudill Charitable Foundation, criada pelo
empresário Kip Caudill, no Tennesse, com o intuito de defender o modo de vida cristão e
incentivar o patriotismo. Durante a administração Bush, a organização publicou um manual,
Caudill e Swarthout (2003), chamando os cristãos para travar uma guerra no país. O livro
contêm pouco mais de 100 páginas, divide-se em sete partes uma introdução que delimita de
uma maneira geral o conteúdo do texto, em seguida discorre sobre as raízes da religião na
América, um capítulo que indica o princípio da guerra pela liberdade religiosa no país a partir
da legislação Engle contra Vitale de 1962, a outra capítulo que discute como a 1ª emenda foi
resignificada para banir a religião da esfera pública, a quinta aponta o secular humanismo
como o principal inimigo do país, uma que acusa a ACLU de defender a imposição de uma

que o pastor usou os aviões para transportar equipamentos para sua empresa de mineração de diamante, um
empreendimento do pastor com o antigo ditador do Zaire Mobutu Sese Seko.
743
Um dos argumentos que circularam como justificativa para a demora do auxílio do governo federal na cidade
estava no fato de que muitos conservadores religiosos enxergavam o furacão como uma punição para a cidade
que historicamente era vista como um lugar libertino.
744
É interessante observar que Robertson, ao mesmo tempo em que, recebeu dinheiro com a alegação de
auxiliar a cidade, deu uma declaração em seu programa 700 Club, afirmando que o furacão era resultado da ira
de Deus contra o aborto e, também, por causa da assumidamente homossexual Ellen DeGeneres, nascida na
cidade, apresentar o Emmy Awards daquele ano.
745
Blumenthal citou que junto com a Operation Blessing outras organizações religiosas receberam a maior parte
destinada aos auxílios e que apenas duas organizações não religiosas constavam entre as que receberam verba
do Federal Emergency Management Agency (FEMA) para auxiliar na tragédia, o que era profundamente
chocante devido a incompetência e demora no auxílio a cidade.
746
Legislação que definia fundações de caridade.
280

cultura secular para os americanos e a última que destaca a importância dos cristãos
acordarem e se mobilizarem.
O mais importante para se destacar nesse livro, é o teor profundamente agressivo
presente em seu conteúdo, se comparado com o status de instituição de caridade dado para a
organização, em nenhum momento, em seu conteúdo, existe qualquer relação de auxílio
humanitário, mas na última página do livro a seguinte citação chama atenção: “A Caudill
Foundation é uma fundação de caridade 501c3. Suas doações são deduzíveis de impostos. Eu
estimulo você a considerar a doação para ajudar que esse trabalho continue” (CAUDILL;
SWARTHOL, 2003, p.112).
Nesse sentido, Bush subverteu a lógica de financiamento governamental, ao partir do
pressuposto que organizações liberais representavam o secular humanismo (que para ele,
dentro da lógica estabelecida anos antes pela direita religiosa, era também uma religião) e
transferiu grande parte da verba do programa, diretamente, para as organizações
conservadoras. Outro exemplo clássico disso envolveu a organização antiaborto Heritage
Community Services de Charleston na Carolina do Sul que, durante a metade da década de
1990, funcionava com um orçamento anual de aproximadamente 55.000 dólares e, após o
governo Bush, passou a receber cerca de 3 milhões por ano, expandindo seu programa
pautado na abstinência sexual para os ginásios e colegiais de toda a Carolina do Sul, Geórgia
e Kentucky.
Dentro desse engajamento da administração com as organizações conservadoras, outro
ponto de significativo destaque foi a questão envolvendo o aborto, visto que além da
administração financiar organizações antiaborto, ela também restringiu as instituições
favoráveis ao tema. Para Danforth (2006), esse posicionamento já transparecia na fala do
presidente desde sua campanha tanto que, quando foi perguntado sobre o tipo de juiz que ele
indicaria para a Suprema Corte, Bush respondeu que indicaria alguém que fosse um strict
constructionist, ou seja, que apenas interpretasse a lei e não criasse novas.
Para o autor, a resposta de Bush indicava mais uma vez o seu comprometimento com
os conservadores, pois, a principal crítica dos movimentos contra o aborto era que os reflexos
da decisão Roe contra Wade não eram interpretações da lei, para eles nada na constituição
apoiava a decisão, o que fazia com que ela fosse uma criação da Suprema Corte. Nesse
sentido, para o autor, a resposta de Bush “... era tudo que os defensores pró-vida precisavam
ouvir”. (DANFORTH, 2006, p.85).
No mesmo caminho, Kuo (2006) mostrou que Bush havia se pronunciado de forma
alinhada aos movimento conservadores contra o aborto, defendendo que o procedimento
281

poderia ser realizados apenas em casos especiais e posicionando-se a favor da emenda


constitucional que bania os abortos no país. Dentro desse comprometimento do presidente
com o tema, tomou medidas contra o aborto, quando enviou, logo após ser eleito, um
memorando para a USAID (U. S. Agency for International Development), afirmando que
agência não poderia financiar projetos que envolvessem controle familiar a partir de
abortos747.
A questão acabou ganhando um novo capítulo após a reeleição do presidente em 2005,
momento em que Bush já começava a sofrer uma forte pressão devido à continuidade das
guerras no Afeganistão e Iraque, quando o presidente teve a oportunidade de fazer a sua
primeira indicação para a Suprema Corte Federal. Isso ocorreu devido a aposentadoria da
juíza indicada por Ronald Reagan, Sandra Day O’Connor e, para a sua vaga, Bush indicou a
juíza Harriet Miers, em 03 de outubro de 2005, assegurando para as bases conservadores que
ela era um evangélica cristã, sugerindo que teria uma visão contrária ao aborto e que isso
influenciaria seu voto na Suprema Corte.
Essa indicação foi mal recebida tanto pela sua base conservadora que a acusava de não
ser conservadora o suficiente para ocupar o cargo e por não ter experiência para ocupar um
cargo de tamanha importância748, como pelos democratas que deixavam claro que sua
indicação só ocorrera porque ela era uma comparsa de longa data de George W. Bush, sendo
sua advogada no Texas, anos antes.
Outro ponto em que Bush colaborou com a agenda de luta cultural conservadora foram
as severas limitações para o uso de fundos federais em pesquisas de células tronco indicadas
pelo presidente. Segundo Stolberg (2007), Bush se colocou contra por considerar que o
método utilizado na pesquisa necessitava da destruição da vida humana, o que fez com que o
presidente por três vezes vetasse legislações que permitiam a pesquisa, a primeira ocorreu
assim que ele assumiu a presidência em 2001 e a última durante o início das prévias para a
sua sucessão em 2007. O jornalista noticiou que o tema foi debatido na campanha que elegeu
Barack Hussein Obama em 2008, onde, nas prévias eleitorais o futuro presidente e Hillary
Clinton se mostraram favoráveis à pesquisa e os candidatos republicanos tinham opiniões
divididas sobre o tema, com John McCain e Rudholp W. Giuliani favoráveis e com Mitt
Romney contrário a ela.

747
A decisão valia para todas as organizações que recebessem dinheiro governamental para auxilio fora do país.
Ela foi invalidada por Obama logo após ele ser eleito em 2008.
748
Um dos principais críticos da indicação era o ex-candidato a Suprema Corte Bork que em uma entrevista para
a NBC, em Carlson (2005), declarou ser um equívoco a indicação da juíza devido a sua pouca experiência
política.
282

Ao mesmo tempo, Bush protagonizou um rápido debate ao defender publicamente a


inclusão do ensino do “Intelligent Design” (ID) na biologia como uma concorrente à teoria da
evolução. Segundo a reportagem do The Washington Post, escrita por Baker e Slevin (2005),
a discussão surgiu quando em uma entrevista para alguns repórteres do Texas, realizada na
Casa Branca, Bush defendeu que “Parte da educação é expor as pessoas a diferentes escolas
de pensamento” (BUSH, apud BAKER; SLEVIN, 2005).
Apesar do presidente defender esse ponto de vista, jamais tomou qualquer medida que
indicasse que seu governo tomaria iniciativa em relação a inserção do Intelligent Design nas
escolas, deixando claro que considerava que o conteúdo escolar deveria ser decidido
exclusivamente pelos conselhos de educação, mas, sua fala acabou repercutindo fartamente
entre apoiadores e opositores à inclusão. Bush foi duramente criticado pelos opositores que
diziam que o Intelligent Design era apenas um esforço habilmente comercializado para
introduzir a religião na educação, não sendo uma teoria científica comprovada e não tendo
bases educacionais para ser ensinada para as crianças. Baker e Slevin (2005) apontaram que
entre os principais oposicionistas a fala do presidente estava Barry W. Lynn, diretor da
American United for Separation of Church and State, que acusou a baixa compreensão do
presidente sobre ciência como o motivo dele defender o ensino das duas teorias
simultaneamente.
É interessante entender que, apesar da administração não apoiar medidas favoráveis ao
conteúdo educacional, ela colaborava com os defensores do Intelligent Design, visto que, na
década anterior conservadores cristãos haviam tomado os conselhos educacionais e recheado
o currículo do país com materiais que defendiam o criacionismo. Ao mesmo tempo que
algumas diretorias de escolas do país já adotavam simultaneamente as duas teorias
educacionais, outras que tentavam retirar o Intelligent Design de sua grade escolar sofriam
forte oposição na Suprema Corte Federal, onde juízes conservadores impediam a retirada do
conteúdo. Como exemplo disso, Moran (2006) citou o caso ocorrido em Dover, onde a
diretoria de ensino tentou retirar o livro Of Pandas and People749 e foi barrada por uma
decisão judicial.
Outro tópico ao qual Bush avançou propostas conservadoras foi com relação a uma
emenda constitucional contra o casamento homossexual em 2004. Para Conger (2009) o ano
de 2004 marcou o surgimento de um novo tema crítico para a direita cristã, após a aprovação,

749
Livro que defende o Intelligent Design foi lançado em 1989 pela Foundation for Thought and Ethics, uma
organização sem fins lucrativos fundada em 1981 no Texas com publicações sobre temas como o Intelligent
Design, abstinência sexual e nacionalismo cristão.
283

no ano anterior, pela Suprema Corte de Massachusetts da extensão da possibilidade de


casamentos para os homossexuais, ao defender que a sua proibição era inconstitucional no
estado. Em sequência a decisão, 13 outros estados passaram referendos favoráveis ao
casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Como resposta a essa decisão, o autor esclareceu que a direita cristã aproveitou para
mobilizar ativistas para votarem nos referendos contra o casamento homossexual. O
argumento central dos conservadores religiosos era que a aprovação do casamento entre
pessoas do mesmo sexo enfraqueceria o valor simbólico do casamento. Dentro desse debate,
Danforth (2006) criticou o argumento da direita religiosa, explicando que a taxa de divórcio
no país antes da decisão judicial estava em torno de 50%, ao mesmo tempo, problemas como
dificuldades financeiras, promiscuidade750, álcool, drogas, pressões no trabalho e a própria
aceitação cultural do divórcio já causavam problemas suficiente para o casamento
heterossexual.
O esforço da direita religiosa contra o tema acabou tendo um duplo papel, primeiro
recrutou uma grande quantidade de cristãos para votar no referendo e depois para participar
da campanha de reeleição de George W. Bush, fazendo uma grande diferença para a
ampliação da participação de conservadores religiosos na segunda campanha do presidente
republicano nos estados.
O último caso destacado nessa passagem do trabalho ocorreu em torno da disputa
judicial contra a não remoção do tubo de alimentação de Terri Schiavo. Schiavo foi uma
mulher de São Petersburgo, Flórida, que devido a anorexia em 1990, teve uma parada
cardíaca ficando em um estado vegetativo. Em 1998 seu marido entrou com um pedido na
justiça para desligar os aparelhos de alimentação, mas foi combatido judicialmente pelos país
dela. Segundo Danforth (2006) o debate em torno do tema cresceu quando os país de Terri
publicaram um vídeo onde ela acompanhava um balão de ar vermelho com os olhos, o que
indicaria que ela interagia com a realidade.
A discussão atraiu uma série de ativistas ligados ao direto à eutanásia e contrários a ele
e percorreu grande parte da presidência de George W. Bush, que se posicionou favorável à

750
Como percepção da queda da moralidade pode-se identificar o constante aumento da indústria
pornográfica que agora disponibilizava seu conteúdo pela internet, criando um constante debate sobre os
riscos que o seu acesso a jovens tem ocasionado no país, entre um dos casos mais marcantes sobre o debate
sobre a pornografia na internet estava o caso do extinto site WhiteHouse.com que era um site pornográfico e
constantemente era acessado por crianças do país enquanto faziam pesquisas escolares sobre o governo. O
fato é que após o fracasso das tentativas de coibir a pornografia pelos governos Nixon e Reagan, ela veio em
uma crescente chegando a ser na década de 1990 30% dos filmes locados no país e, em 2002, enquanto
Hollywood lançou 467 filmes foram lançadas 11.303 produções pornográficas.
284

manutenção dos aparelhos e incentivou para que o legislativo do país aprovasse uma lei para
que o caso deixasse de ser julgado na Suprema Corte da Flórida e passasse para a Suprema
Corte Federal.
Danforth (2006) apontou que Bush chegou a voar do Texas para Washington para
acelerar a votação no Congresso, mas, que mesmo com a aprovação da medida a Suprema
Corte Federal se recusou a aceitar o caso por considerar que ele já tinha sido julgado na
Flórida. Em 2005 os aparelhos foram finalmente desligados após a decisão judicial e que após
sua autopsia os médicos concluíram que realmente ela estava em estado vegetativo, sendo
inclusive cega.
É importante entender a importância simbólica do caso e os resultados da contundente
exibição das notícias sobre ele na mídia. A sua exposição foi tamanha que os três dias que ela
demorou para falecer após a retirada dos tubos de alimentação foram praticamente
transmitidos ao vivo, com constantes comentários de que ela estava sendo assassinada,
enquanto ativistas acompanhavam sua morte em frente ao hospital. O caso virou a principal
bandeira tanto dos defensores da eutanásia quanto contrários a ela, tendo inúmeros
documentários no Youtube contando diferentes versões sobre ele. A visibilidade excessiva do
caso motivou uma extensa mobilização dos dois lados que disputavam o tema, para a
população comum ele causou um incrível desconforto, motivando o crescimento da rejeição
ao acirramento cultural presente no país.
Pensando em relação à polarização de temas culturais, em meio da exploração cada
vez maior desses temas, como uma tentativa de mobilizar eleitores e a consequente rejeição
da população, pode-se reinterpretar os EUA da atualidade e debater os motivos para a queda
na popularidade de George W. Bush e da ideia de Guerra Cultural no país.

6.4 O fim da Guerra Cultural o Renascer de uma nova América.

A aliança profana entre a direita política e a direita


religiosa ameaçou destruir a América que nós
amamos. Ela também ameaçou gerar uma repulsão
popular contra Deus e contra a religião pela
identificação deles com o militarismo,
irresponsabilidade ecológica, antagonismo
fundamentalista a ciência e ao pensamento racional e
insensibilidade as necessidades dos pobres e dos
menos poderosos. (LERNER, 2006, p.1)

O que se seguiu após a reeleição de Bush em 2004, foi a constatação de que o discurso
cultural radicalizado passava a perder seu efeito e isso era colaborado com o esforço de
285

intelectuais como Wolfe, Fiorina, entre outros, em desmistificar a existência de uma Guerra
Cultural no país. Um exemplo clássico disso foi que após a publicação do livro organizado
por Hunter e Wolfe (2006) ocorreu um virtual período de “trégua” na visibilidade das
discussões em torno de temas culturais.
O período relaciona-se com o declínio da popularidade de George W. Bush e com a
desorganização de setores conservadores e da direita religiosa, o que resultou na vitória do
Partido Democrata nas eleições legislativas de 2006. Assim, pela primeira vez desde 1994, os
democratas conseguiram um domínio no Senado com 49 senadores democratas contra 49
republicanos751, o que foi recebido com grande desânimo por Bush, principalmente, porque o
Partido Republicano não conseguiu eleger nomes importantes de sua base como Rick
Santorum.
De acordo com o comentarista do site de notícias US Politics, Murse (sd), Santorum,
que tentava a sua reeleição como senador da Pensilvânia, perdeu a disputa eleitoral por uma
diferença de mais de 17% para o candidato democrata Robert P. Casey Jr.752. Para o autor,
entre os principais motivos para a derrota do republicano estavam o seu forte apoio e
proximidade à Bush, sua defesa à Guerra do Iraque e suas agressivas declarações contra
homossexuais, ao ponto dele comparar o relacionamento de pessoas do mesmo sexo com
bigamia, poligamia e incesto. Junto a isso, os eleitores do estado estavam profundamente
insatisfeitos com as tentativas de aumento salarial por parte dos seus representantes, o que
refletiu na não reeleição de muitos candidatos que ocupavam cargos pelo estado.
Junto a vitória no Senado os democratas elegeram 233 deputados contra 202 do
Partido Republicano, conquistando assim a presidência da Câmara que ficou com Nancy
Pelosi753. Apesar do controle das duas casas, Willians (2010) mostrou que existia um esforço
do Partido Democrata em manter um clima de moderação, principalmente, no que se referia
às correntes religiosas, que o Partido fizesse algumas indicações voltadas para a atração desse
público, como o senador Harry Reid754, para liderar a maioria democrata no Senado, o batista
do sul James Clyburn, para organizar o Democratic Faith Working Groups755(Grupo de
Trabalho Democrata da Fé),e Jim Wallis para ser um porta voz dos evangélicos dentro do
Partido Democrata.

751
O Partido Democrata acabou tendo a maioria devido aos senadores independentes eleitos Bernie Sanders e
Joe Lieberman que votavam com o partido.
752
Casey Jr. era filho do popular ex-governador da Pensilvânia Robert P. Casey.
753
Pelosi nos anos que se seguiram se tornou um dos nomes mais importantes da administração Obama.
754
Senador que era Mórmon, antiabortos e antieutanásia.
755
Que tinha a intenção de atrair o apoio de líderes religiosos para o Partido Democrata.
286

O fato é que, apesar do discurso bipartidário presente no período pós-eleição, cercado


de promessas de que o presidente e o legislativo trabalhariam juntos pelo país, a maioria
democrata barrou os principais projetos do governo durante os dois últimos anos de seu
mandato, ampliando com isso a imagem de ineficiência de Bush para resolver os problemas
do país, como no exemplo do projeto de origem bipartidário de reforma de imigração.
Essa nova tendência na política do país era reflexo da crescente queda na popularidade
do presidente, de transformações nas estratégias de mobilização de conservadores culturais e
religiosos e no próprio eleitorado do país, o que pode ser compreendido a partir de quatro
motivos principais. O primeiro foi causado devido ao reflexo da mudança que a atuação da
direita religiosa e os movimentos conservadores vinham sofrendo, em um sentido de
desenvolver formas e termos mais sofisticados para incluir suas demandas na política do país
que iam além da ideia de Guerra Cultural.
Isso ocorreu com o surgimento de novas lideranças e pelo afastamento de antigos
líderes que pensavam a política de uma maneira mais combativa dos anseios da comunidade
evangélica. Dentro dessa lógica, o enfraquecimento da ideia de Guerra Cultural passou a ser
associada ao nível mais intolerante de disputa política, por causa de sua constante
reverberação pela mídia concentrava-se exclusivamente nas disputas e pontos de vistas mais
radicais como uma forma de conseguir audiência. Com isso, definir-se como um guerreiro
cultural passou a ser visto como algo desconfortável para alguns evangélicos e conservadores
que preferiam mostrar que suas ideias poderiam ser inseridas nas políticas públicas do país.
Nesse sentido, quando se analisa o período percebe-se que muitas das lideranças
conservadoras passaram a perder espaço na vida do país, devido ao falecimento de alguns dos
principais pensadores e lideranças conservadoras no período como o Jerry Falwell em 15 de
maio de 2007 e Samuel Huntington em 2008 e do afastamento de outros como Tim LaHaye756
e Pat Robertson757, que paulatinamente foi deixando a frente de suas principais iniciativas
políticas como a Christian Coalition em 2001, anos depois da Operation Blessing e até
mesmo da CBN, aparecendo com menos frequência no programa 700 Club, que passou a ser
liderado pelo seu filho Gordon Robertson.
Junto a isso, Willians (2010) afirmou que, novamente, pessoas ligadas à direita cristã
passaram a ter sua imagem envolvida em escândalos políticos, como os exemplos de
congressistas como Tom Delay758 um dos articuladores entre o governo e a direita religiosa,

756
Que hoje tem 87 anos e durante a primeira eleição de Bush em 2000 apoiou fortemente o republicano.
757
Hoje com 83 anos.
758
Que foi deputado pelo Texas de 1984 até 2006.
287

que renunciou após a descoberta de suas ligações ilegais com o lobista Jack Abramoff759,
Randy “Duke” Cunningham e Bob Ney que renunciaram após acusações de suborno, Mark
Foley que renunciou após descobrirem que ele estava enviando mensagens sexuais para
menores de idades, os pastores como Ted Haggard da National Association of Evangelicals
que deixou o cargo após admitir ter dado dinheiro a um garoto de programa para conseguir
metanfetamina e para ter relações sexuais com ele.
Escândalos como os citados faziam com que a população ficasse profundamente
insatisfeita com os políticos republicanos e com a direita religiosa, porém, era outro fenômeno
que ocorreu paralelamente que mais afetava a administração Bush e pode ser percebida com a
constatação de que em meio a base de apoio do presidente crescia uma rejeição à
administração do presidente republicano devido seu excessivo enfoque na política externa,
tanto, ativistas como Phyllis Schlafly760, quanto os libertários e até mesmo neoconservadores
como Francis Fukuyama romperam com a administração.
Após apontar o enfraquecimento da direita religiosa e o abandono de setores
conservadores a administração Bush parte-se para indicar o segundo ponto que explica os
motivos da ideia de Guerra Cultural perder força no período. Isso destaca a percepção, de
ambos os partidos, que as disputas culturais pouco contribuíam para o avanço de seus projetos
de governo e, com isso, procurassem evitar os temas culturais. Nesse sentido, o
enfraquecimento da ideia de Guerra Cultural estaria associado ao fato de que os jovens se
tornaram mais tolerantes aos temas chaves relacionados a ela, ou seja, “Para esses eleitores a
Guerra Cultural seria uma relíquia do passado.”(HARRIS, 2009).
Então o fenômeno estaria perdendo força na sociedade estadunidense devido ao
surgimento de uma nova geração que estava totalmente ambientada com as mudanças
socioculturais iniciadas a partir dos anos 1960761, como Friedman (2013) explicou, isso
ocorria porque a estratégia política baseada no medo e na nostalgia, de que o periodo anterior
aos anos 1960 tinham uma sociedade melhor, associada aos bons e velhos tempos um dia
começou a morrer. Com o decorrer dos anos 2000, a direita religiosa passou a perder força,
porque os eleitores jovens entre um faixa de 16 e 30 anos não se preocupavam tanto com o

759
Ralph Reed também foi envolvido em escândalos com o lobista por aceitar dinheiro para mobilizar
conservadores cristãos contra os cassinos abertos por nativos americanos.
760
Que em uma entrevista realizada com a conservadora, em Phyllis Schlafly (2013), declarou que Bush fez
muito mal ao país por ser muito globalista.
761
Ou seja, a maioria das pessoas nascidas no pós 1962 nunca tinham estudado em uma escola que realizasse
orações, a maioria das pessoas nascidas após 1973 conviviam com a existência de aborto, e mesmo se fossem
contrários a elas não sentiam o choque de velas pela primeira vez, ou ainda, a maioria das pessoas nascidas
nesse período conhecia homossexuais assumidos e vivenciou a trajetória de conscientização pela defesa de
seus direitos.
288

peso dos escândalos sexuais envolvendo o presidente Bill Clinton e sim com o legado deixado
pelas guerras e a crise economica ocorrida durante a administração George W. Bush.
Da mesma forma, ocorria uma constante rejeição ao radicalismo religioso
conservador. De acordo com a pesquisa realizada por Marwell e Demerath III (2003), o
aparente crescimento do secularismo na sociedade estadunidense, onde, inúmeros americanos
definiam-se como sem religião, ou como não crentes em Deus, devia-se muito mais ao
radicalismo dos pregadores cristãos do que a descrença na existência de Deus. Nesse sentido,
outra pesquisa realizada por Kinnaman e Lyons (2007) mostrou que cerca de 40% dos jovens
entre 16 e 29 anos (cerca de 24 milhões) se diziam sem religião762, a explicação para isso
estava no fato de que a nova geração de jovens era muito mais cética, mais bem informada e
tinha uma vida bem mais complexa do que a de seus pais.
Os autores apontaram dados interessantes sobre a relação desses jovens com a religião
que indicam alguns motivos para o fim da importância de temáticas culturais na política do
país. Segundo Kinnaman e Lyons (2007) enquanto, em 1996, 85% dos americanos diziam ter
uma imagem favorável ao cristianismo, em 2007, 38% dos jovens tinha uma imagem negativa
e, entre deles, um em cada seis tinha uma imagem muito negativa. Esses dados eram ainda
mais significativos quando destacavam a imagem do cristianismo para os jovens763 que se
definiam sem religião, onde, 49% deles tinham uma imagem negativa do cristianismo e
apenas 3% tinham uma imagem positiva. Isso ocorria, pois a maioria desses jovens tinha
alguma experiência negativa relacionada com a religião, defendendo que os cristão tinham
uma mentalidade contra eles, sempre os diminuindo ou demonizando. Assim, 98% deles
defendiam que os cristãos são contra os homossexuais, 87% diziam que eles julgam, 85%
diziam que eles são hipócritas764, fora isso, esses jovens viam os cristãos demasiadamente
focados na conversão e na política.
Em somatória a esse período de escândalos, abandonos das bases do governo e
mudanças nas novas gerações, o processo de formação de novas lideranças fez com que os
movimentos conservadores culturais/religiosos procurassem outras formas de influir na
política do país. Vale analisar o recuo do conservadorismo religioso, a partir da leitura da
alternância de gerações debatida por Miguel (1978), destacando que se a sociedade
estadunidense foi historicamente marcada por fortes rupturas entre correntes de pensamentos

762
Logicamente os autores apontaram que historicamente existe uma tradição dos jovens se definirem sem
religião por desafiarem as normas, voltando a frenquentar igrejas com o decorrer da vida.
763
Entre 16 e 29 anos.
764
O que era associado aos constantes escândalos envolvendo figuras políticas que pautavam sua carreira em
uma moralidade excessiva.
289

de uma geração para outra e a ascensão do conservadorismo foi motivada pela cooptação e
pelo falecimento de muitos intelectuais ligados ao pensamento liberal e da esquerda no
país765, agora, com o enfraquecimento dos movimentos conservadores religiosos que haviam
dominado a política do país durante as últimas décadas, abria-se a possibilidade do
surgimento de uma nova maneira de pensar em relação política e religião no país.
Dentro dessa nova perspectiva, aponta-se o terceiro motivo que contribuiu para a
queda da influência da ideia de Guerra Cultural no país. No espaço deixado pela rejeição da
população à excessiva polarização cultural e à constante imposição de um debate radicalizado
pela direita religiosa. Alguns intelectuais e religiosos passaram a se opor a visão de religião e
de Deus proposta pelos televangelistas conservadores, interpretando a fé em um sentido
oposto a polarização em torno de temas culturais, destacando uma preocupação com a
caridade e o auxílio ao próximo. Segundo Willians (2010), isso ocorria devido à falha das
antigas lideranças da direita religiosa em trazer justiça social ao país, o que fez com que uma
nova geração de evangélicos visse, novamente, essas questões como centrais para o país.
Jovens evangélicos tinham chegado a um acordo com o pluralismo cultural
de sua geração, eles viam a sua religião não como um local para protestar
contra as tendências sociais, mas como um meio de mostrar sua cultura de
amor a Cristo através de serviços. (WILLIANS, 2010, p.270-271).

Esse movimento foi percebido nos EUA como o renascimento de uma esquerda
religiosa e tinha como principal intenção desconstruir as imposições morais da direita
religiosa, a partir de um evangelismo progressista. Froidevaux-Metterie (2009) indicou que
movimentos com caráter religiosos progressistas já existiam no país desde a década de 1970
em grupos como o Sojourners, fundado em 1975 pelo pastor Jim Wallis, a Evangelical for
Social Action, fundada por Ron Sider em 1978, e o Call for Renewal, também iniciada por
Jim Wallis e por Tony Campolo em 1995, mas devido a constante visibilidade da direita
religiosa, eles pareciam inexistentes durante as últimas décadas. O crescimento da rejeição da
população à agenda da direita religiosa possibilitou que ocorresse o fortalecimento desses
movimento e surgissem novos, como a Network Spiritual Progressives fundada em 2005 pelo
rabino Michael Lerner.
Para a autora, o fortalecimento desses movimentos aconteceu através de um “contrato
com a América”, pautado em uma política com enfoque nas ideias de justiça social, ecologia,

765
Como debatemos no segundo capítulo de nossa tese.
290

valorização da família e da comunidade e paz766. Isso ocorria porque 70% dos evangélicos
passaram, nos últimos anos, a não se definir mais como cristãos conservadores e o Partido
Republicano rapidamente vinha deixando de ser visto como o partido mais favorável à
religião, pois, segundo o Pew Research Center em menos de um ano, de 2005 para 2006, a
porcentagem de entrevistados que afirmavam isso caiu de 63% para 49%.
A obra de Lerner (2006) é profundamente esclarecedora com relação ao crescimento
da visibilidade desse movimento, pois mostrou que a constante reverberação do discurso da
direita religiosa, durante as décadas anteriores, construiu uma imagem de Deus e da religião
que afastava a população da fé. Pela leitura do rabino, a sociedade americana durante as
últimas décadas moveu-se para promover o materialismo, o individualismo e a desconexão,
como resultado as pessoas precisavam desesperadamente se reconectar com seu lado
espiritual. Nesse sentido, que realizamos com o professor da Charleston Southern University,
em Bryan (2013), é bastante esclarecedora, pois, ao afirmar-se como um conservador
religioso ele afirmou que a religião tem um importante papel de trazer paz e senso de perdão,
mas que, ao mesmo tempo, é preciso encontrar maneiras de impedir que ela seja utilizada para
acabar com o direito das pessoas de praticarem a liberdade religiosa, ou que seja utilizada
para dominar e manipular os outros.
A questão para Lerner (2006) é que, as religiões são estruturadas a partir de duas
visões, a primeira representaria a mão direita de Deus e destacaria a dominação, o poder e o
medo, construindo, com isso, a imagem de um Deus vingador, que utiliza a violência contra
as forças do mal e que pune os culpados. Já a segunda, seria o que ele chama de a mão
esquerda de Deus e encorajaria o amor ao próximo, a tolerância e a paz.
Para Lerner (2006) o que ocorreu nos Estados Unidos durante as últimas décadas foi
que a direita religiosa dominou o paradigma do medo767 e com isso dominou a política do
país, onde, isso ocorria, pois, através desse domínio prevaleceu na sociedade, apenas, o que
seria a mão direita de Deus, de maneira que, toda a percepção de espiritualidade do país
transferiu-se para a direita religiosa. Para ele, isso fez com que grande parte da população, nos
momentos de dificuldade procurassem na direita religiosa uma forma de preencher
espiritualmente sua vida. O papel de movimentos como o Network of Espiritual Progressives

766
O período marcou o ressurgimento de inúmeros grupos anti-guerra como o West Virginia Party for Peace
apontado em nossa entrevista com Jim Lewis (2013) como um dos movimentos que surgiram no país após o
crescimento da rejeição a Guerra do Iraque.
767
O que pode ser reforçado pela constante utilização durante a história recente do país como o medo da União
Soviética, com relação aos imigrantes, com os terroristas, com a destruição das famílias, com a
homossexualidade e com a violência.
291

era ser, para o Partido Democrata, o que a direita religiosa foi para o Partido Republicano,
promovendo com isso uma aliança entre secularistas, pessoas espiritualizadas, mas não
religiosos e religiosos de esquerda em uma corrente progressista no país.
Como quarto motivo, estava a percepção de que as discussões em torno de questões
culturais ganhavam importância nos momentos em que existia uma maior prosperidade
econômica como no exemplo dos anos Clinton e perdiam relevância em momentos onde
cresciam a crise econômica e a recessão. Como foi mostrado durante nossa tese,
historicamente as principais preocupações da população durante os períodos eleitorais
envolviam questões econômicas e de política externa, o que fazia as temáticas culturais,
apesar de recorrentes durante a maioria das campanhas eleitorais, praticamente desaparecerem
após as eleições e governos declaradamente conservadores como o de Reagan, George H. W.
Bush e George W. Bush chegassem a ser acusados, por parte de conservadores sociais e
membros da direita religiosa, de abandonarem a agenda cultural.
Durante o final da administração Bush, período onde o debate em torno do fim da
Guerra Cultural ganhou visibilidade não era diferente disso, visto que, o crescimento da crise
economica e a ocupação no Iraque e Afeganistão ocupavam a maior parte da agenda dos
últimos dois anos da administração.

6.5 A eleição de Obama e o retorno do conservadorismo econômico.

A campanha eleitoral de 2008 ocorreu em meio ao cenário de transformações


apontados na passagem anterior desse capítulo, um momento que o Partido Republicano se
deparava com sérias dificuldades, tendo que lidar com a rejeição à administração Bush e com
os resultados da desorganização de sua base de apoio, por causa do enfraquecimento da direita
religiosa e de outros grupos conservadores como os neoconservadores e, consequentemente,
indicava uma perda significativa em sua capacidade de organização na campanha eleitoral.
Vale destacar que o próprio país passava por mudanças drásticas se tornando, a cada
ano, menos branco768 e menos homogêneo, com mulheres que eram mais educadas, tinham
menos filhos e engravidavam mais tarde, o país se tornou mais urbano e com um número cada
vez maior de pessoas que se definiam como não tendo nenhuma religião769. Essa nova

768
Friedman (2013) apontou, que a partir dos dados do Census Bureau, cerca de 50,4% dos jovens menores de
18 anos eram pertencentes a alguma minoria.
769
Agora girando em torno de 20% da população.
292

configuração do país fazia com que o grupo de pessoas considerados pertencentes a grupos
minoritários representassem 26% da população em 2008770 e em sua maioria eles votavam em
Obama e no Partido Democrata.
Parecia claro que o domínio republicano que ocorrera durante anos a partir da
fomentação da polarização cultural, não se repetiria nas eleições de 2008. Como
argumentaram Hetherington e Weiler (2009) a polarização presente na campanha foi muito
maior na disputa entre Barack Obama e Hilary Clinton771durante as prévias democratas, do
que entre o Partido Democrata e o Partido Republicano. No caso, os autores debateram que
ela representava uma polarização sem ideologias, já que, ambos os candidatos às prévias
democratas defendiam pontos semelhantes, como o fim da ocupação no Iraque, a reforma no
sistema de saúde e se mostravam contrários ao corte de impostos dos mais ricos, realizado por
Bush em 2001.
Pensando propriamente na eleição, de uma maneira diferente das campanhas de 2000 e
2004, ela não opunha um candidato visto como liberal, como os casos de Gore (2000) e Kerry
(2004), contra um identificado ao conservadorismo como George W. Bush. McCain era
constantemente rejeitado pelos conservadores e pelos líderes da direita religiosa desde os
tempos de sua prévia contra Bush em 2000, essa resistência ao candidato republicano
mantinha-se ainda durante a sua candidatura em 2008, apontada por Willians (2010) onde o
pastor James Dobson que declarou que de maneira alguma votaria em McCain.
A solução republicana contra a forte rejeição a McCain, por parte das correntes
conservadoras foi a inserção de Sarah Palin com sua candidata a vice-presidência. Assim, se
McCain era visto como um candidato não suficientemente conservador, Palin era abertamente
antieutanásia, antiaborto e defendia o ensino do Intelligent Design nas escolas públicas do
país e o mais importante, como acrescentou Willians (2010), ela recebia apoio de 61 a 71%
dos evangélicos772.
Pelo lado democrata, a vitória nas prévias que indicaram Obama como o candidato
para a eleição de 2008 trazia significativas mudanças na política do país, afinal, ele era o
primeiro afro-americano com reais condições de ser eleito presidente, sendo filho de uma mãe
branca do Kansas e de um pai queniano que tinha deixado a família ainda durante a infância
do candidato. Junto a isso, seu nome do meio causava dúvidas se ele era realmente americano
e se ele era cristão ou muçulmano, ao ponto, dele mesmo brincar com isso durante um jantar

770
Nas eleições de 2012 eles chegaram a 28% dos eleitores e 80% deles votaram em Obama.
771
Onde, Hillary tentava mostrar Obama como um elitista.
772
Mesmo Dobson após a indicação de Palin disse que poderia votar nos republicanos.
293

beneficente de sua campanha, dizendo: “Eu recebi meu nome do meio de alguém que
obviamente não pensou que eu iria concorrer para presidente”. (OBAMA apud
HETHERIGNTON; WEILER, 2009, p.178).
Segundo os dados do Pew Research Religion & Public Life Project (2008), com
relação à agenda proposta por ambos os candidatos, principalmente, no que se referiam a
questões culturais existiam grandes diferenças entre eles. McCain se colocava contra o aborto
defendendo a revogação das decisões envolvendo o caso Roe contra Wade e apoiando a
realização apenas quando era resultado de estupro, incesto ou poderia causar a morte da mãe.
Obama era favorável ao aborto, rejeitando-o apenas em casos de gravidez avançada, contudo,
apesar do seu apoio, o candidato democrata propunha medidas em sua campanha com o
intuito de diminuir a incidência deles, prometendo a ampliação da educação sexual, tanto a
favor da abstinência quanto na intensificação da contracepção e defendendo uma política de
incentivo a adoção.
Em outro tema relacionado a questões envolvendo a vida, McCain apoiava a pena de
morte para crimes federais e terrorismo, mas, era contra a pena de morte para menores.
Obama considerava a pena de morte pouco funcional para deter crimes, mas a apoiava em
casos em que a comunidade via justificativa na medida.
Em questões educacionais, McCain era favorável que auxílios governamentais fossem
alocados em escolas religiosas e defendia a introdução do Intelligent Design, a partir de
argumentos similares aos de Bush, considerando a necessidade dos alunos terem acesso aos
mais variados pontos de vistas. Pelo lado democrata, apesar de Obama ser contrário ao
financiamento governamental a escolas privadas (o que incluía as instituições religiosas), pois
ele duvidava que isso solucionasse o problema educacional do país, defendia que tanto a
teoria da evolução quanto o criacionismo não eram incompatíveis com a fé cristã.
Quando as questões eram em torno de direitos homossexuais, McCain se opunha ao
casamento entre pessoas do mesmo sexo, tendo defendido o Defense of Marriage Act de 1996
e o Don’t ask don’t tell no exército em seus tempos como senador durante o governo Bill
Clinton. Obama, pelo seu lado, dizia que casamento deveria ser apenas entre homens e
mulheres, mas apoiava que a igualdade moral era interpretativa e deveria ser decidida pelos
estados, de maneira que ele era favorável que o Defense of Marriage Act fosse repelido, pois,
uma lei federal não deveria discriminar um casal homossexual.
Junto a isso, ambos os candidatos defendiam a ampliação das Faith Based Iniciatives e
discordavam com relação ao uso de células troncos, com McCain rejeitando qualquer técnica
294

que se baseasse na clonagem de embriões humanos e Obama defendendo o relaxamento das


restrições legais para as pesquisas sobre o tema.
Apesar da clara divergência entre os candidatos a respeito de alguns temas culturais, a
preocupação da campanha passava longe do debate em torno desses temas. Assim, mesmo
quando as posições de ambos os candidatos sobre temas culturais eram vinculadas quase
sempre vinham acompanhadas de um posicionamento não radicalizado, que analisava os
temas para além das crenças pessoais dos candidatos.
Como resultado final das eleições, Obama venceu com 53% dos votos populares, com
um total de 66.882.230 votos, contra 46% de McCain, que obteve 58.343.671. Nos colégios
eleitorais Obama foi vitorioso com 365 votos contra 173 votos para McCain. Entre os votos
que fizeram Obama vencedor destacavam-se, principalmente, os 66% da população mais
jovens entre 16 e 29 anos que apoiaram o candidato democrata.
Apesar da derrota a estratégia republicana possibilitou que, mais uma vez, como
Willians (2010) apontou, McCain e o Partido Republicano ganhassem a maioria dos votos dos
evangélicos brancos, conseguindo 73% dos votos desse grupo, contudo, Obama conseguiu
ampliar a votação geral de protestantes em um candidato democrata dos 40% conseguidos por
Kerry em 2004 para 45% nas eleições de 2008 e venceu entre os votos católicos, (com 54%
dos votos), judeus (com 78% dos votos), de outras fés (com 73% dos votos) e nos votos dos
sem religião (com 75% dos votos).
Dentro da vitória de Obama destacou-se o seu discurso contra a polarização, motivado
pela crescente crise econômica que afligiu o país, o que colocou como secundária as
discussões sobre valores na sociedade, afinal, a disputa por duas culturas pelo legado do país
só teria significado se ela ocorresse em uma sociedade que se via como vencedora. Ou seja,
quando Obama posicionou-se em sua campanha eleitoral como um candidato que diminuiria a
polarização ele construiu uma imagem de que a única forma de vencer a crise econômica seria
através do diálogo, o que colocaria as divergências culturais, já enfraquecidas, em segundo
plano pela salvação do país. Além disto, Obama durante o período estudado recusou-se a
debater questões culturais, ou como argumentou Beinart (2009) para o The Daily Beast:
“Aqui Obama ficou mudo”, ou pelas palavras do presidente “é tempo de nós acabarmos com a
politização destes temas” (OBAMA apud BEINART, 2009).
Segundo Kuhner (2009), esse posicionamento de Obama, afastando-se do debate sobre
questões culturais, foi visto por alguns conservadores, como uma atitude que demonstrava a
falsidade do presidente, pois, ao mesmo tempo em que rejeitou as discussões sobre temas
culturais, demonstrou uma preocupação pública sobre certos aspectos do conflito, como a
295

participação no evento realizado pelo reverendo Rick Warren sobre a necessidade de diminuir
o número de abortos, além de também, tomar medidas extremamente liberais, como a
indicação de Thomas Perrelli773 para o posto número três do departamento de Justiça como
procurador-geral associado, o que levou a oposição de inúmeros grupos de interesse, como o
Tradition Values Coalition e o The Family Research Council. Para os conservadores este tipo
de atitude mostrava que Barack Obama teria um lado claro na disputa cultural, foi apontado
por Kuhner (2009), que defendia que a seleção de Perreli é um sintoma do radicalismo social
de Barack Obama que estaria inserindo em sua administração radicais pró-aborto, pró-diretos
homossexuais e pró-eutanásia774.
Essa percepção de que Obama evitaria discutir a questão dos temas da Guerra
Cultural, enquanto avançaria propostas liberais apareceu de maneira realmente forte no
imaginário conservador, todavia não dava conta da maneira como o governo Obama
enxergava a questão envolvendo a possível existência de uma Guerra Cultural, como se
percebe na questão em torno do aborto. Nela existiu uma visível rejeição do presidente em
aprovar medidas políticas com implicações culturais, já que Obama disse em sua campanha
que a aprovação do Freedon Choice Act seria sua primeira medida se fosse presidente775,
porém, após o período eleitoral ele não avançou a ideia, argumentando que o projeto não era
prioridade do seu governo.
Assim, apesar de um virtual afastamento do presidente, a visão do avanço das
propostas liberais apresentou-se com grande força na retórica conservadora, o que colocou
que o desaparecimento da ideia de Guerra Cultural no governo Obama, indicaria o caminho
para o avanço significativo de um modelo mais progressista de governo e de uma possível
reclusão da revolução conservadora que desde Goldwater se expandia no país. Essa ideia
partiu de alguns conservadores como Dunn (2008), que perceberam que os liberais seguindo
uma estratégia Gramsciana, estariam após os anos 1960 infiltrando-se nas instituições,
buscando a “hegemonia cultural”, e, assim transformando o governo estadunidense em um
governo de esquerda. Esta leitura compreende os motivos da tão rápida reorganização dos
movimentos conservadores no período pós- eleição de Obama, já que podemos pensar em

773
Perrelli foi um dos advogados pró-eutanásia no conhecido caso Terry Schiavo que ocorreu em 2005 e
suscitou uma forte batalha entre a ACLU e movimentos pró-vida.
774
Kuhner (2009) citou exemplos como Dawn Johnsen diretor da National Abortion and Reproductive Rights
League (NARAL), Tom Dascle (democrata pró-aborto) e a própria Hillary Clinton considerada pelo autor, uma
feminista pró-aborto.
775
Como podemos perceber no discurso do então candidato disponível em:
<http://www.youtube.com/watch?v=pf0XIRZSTt8>.
296

movimentos como Tea Party como uma possível resposta aos avanços deste modelo
progressista.
O fato significativo para nossa pesquisa é que o primeiro ano da administração Obama
não realizou nenhum avanço significativo em relação ao término da polarização entre os
partidos e nem com a questão envolvendo a disputa entre conservadores e liberais, já que as
mobilizações de ambos os grupos mantem o seu funcionamento; o que ocorreu foi apenas
uma diminuição da visibilidade destes movimentos no que se refere a temas culturais devido
ao grande estardalhaço causado pelos novos atores conservadores e liberais como o
movimento Tea Party e Ocuppy Wall Street. Todavia, uma mudança nos grupos e nos temas
envolvidos na polarização política presente no país não significava o fim desta polarização,
por este motivo, precisamos tentar compreender qual seria a nova Guerra Cultural vivenciada
durante o governo Obama? Quais os grupos que teriam participação nestas disputas?
Para responder esta questão, é necessário compreender como a ideia de Guerra
Cultural apresentou-se na sociedade estadunidense, assim como, aprofundar como os
movimentos conservadores atuaram durante esta história já que, segundo Nash (1996) os
movimentos conservadores estadunidenses teriam sua origem em uma grande pluralidade de
ideias. Como argumentamos a primeira grande visibilidade do fenômeno denominado Guerra
Cultural apresentou-se durante as décadas de 1960 e 1970 com a rejeição às questões sobre
educação sexual, liberdade sexual e aborto na sociedade. Apesar da grande visibilidade destes
temas, a resistência conservadora do período apresentava-se de forma muito mais plural que
isto, nela existia um forte caráter de defesa do liberalismo econômico, focado na luta contra os
programas assistencialistas que cresciam, assim como uma forte luta contra o comunismo e o
contra o crescimento do estado.
Na década de 1980 percebemos que outros aspectos do conservadorismo ganharam
força na questão da Guerra Cultural, ou seja, ela passou por uma expansão de suas questões
morais, agora a questão não era somente o medo da sexualidade excessiva, dos
contraceptivos, da luta pelo direito a vida, ela passou a ser também uma luta contra o estado
benfeitor, em muitos momentos, associado ao fato de que as famílias que recebiam auxílios
governamentais eram destruídas776, e que muitos dos que recebiam estes auxílios jamais
voltavam a trabalhar. Assim confundem-se questões religiosas e econômicas dentro de uma
mesma ideia de caráter. Esta disputa prolongou-se com a crescente chegada de imigrantes

776
A ideia aqui se concentra em uma visão de que os auxílios governamentais as mães solteiras contribuíam
para a dissolução da família, já que, tiravam a responsabilidade dos pais do sustento das crianças.
297

vistos como impossíveis de serem assimilados e com o forte choque moral, na década de
1990, do escândalo sexual do presidente Clinton.
Esta percepção do crescimento de novas temáticas da Guerra Cultural pode ser muito
útil para a compreensão da situação do fenômeno durante o governo Obama. Obama é fruto
da revolução liberal, ele representa o afro-americano assimilado, a possibilidade de qualquer
pessoa possa ser integrada a sociedade estadunidense, de qualquer pessoa se tornar presidente.
Neste sentido, quando percebemos as crescentes oposições ao seu governo percebemos que
esta oposição está claramente ligada a expansão dos temas clássicos do conservadorismo.
Principalmente, se focarmos que entre as bandeiras dos movimentos que afloraram após a
eleição de Obama estão a questão da imigração e da crítica à expansão do Estado777.
Por esse motivo, Obama teria muitas dificuldades para criar um diálogo com membros
do Partido Republicano, como exemplo destaca-se a votação da reforma de saúde778 que não
obteve nenhum voto republicano, sendo o primeiro projeto aprovado sobre uma polarização
partidária total, e a não aprovação do seu projeto de reforma da imigração 779. Mas do que isto,
Obama foi acusado por seus opositores de agir de forma arrogante ao recusar-se a debater a
fundo os projetos, rompendo assim com a imagem conciliadora construída em sua campanha.
O fato é que, com o crescimento da oposição ao seu governo, Obama buscou os meios de
comunicação, tentando falar diretamente com a população, acusando os seus opositores de
obstrucionismo, ao invés tentar aprofundar o diálogo sobre as necessidades de seus projetos, o
que dava indícios de que a polarização entre os partidos continuaria em alta nos anos que se
seguiram a eleição do presidente.

Considerações finais: o futuro da tradição conservadora na política estadunidense.

Quando nos propomos a analisar a ideia de Guerra Cultural e os movimentos


conservadores nos EUA era sabido que encontraríamos uma grande pluralidade de
movimentos, ideias e autores que eram definidos ou se definiam como conservadores.

777
Apontado por Boaz (2013), em entrevista para o autor, que descreveu que uma mobilização libertária contra
o crescimento do Estado vem sendo espontaneamente formada e que ela é contrária tanto ao Obama como ao
Tea Party (por considerar que o movimento esquece questões sociais importantes).
778
Que deveria expandir o sistema de saúde para toda a população, e como argumentamos em Souza (2011)
sofreu forte oposição de setores conservadores a partir de argumentos de que o governo estaria fazendo mais
do que deveria e que o projeto favoreceria os descendentes dos ilegais.
779
Como argumentamos, em Souza e Finguerut (2010), Obama não conseguiu a aprovação de uma reforma de
imigração, tendo o projeto derrotado e conseguindo apenas 46 votos favoráveis contra 53 contrários, faltando
14 para os 60 necessários para a aprovação. Logo em seguida o Estado do Arizona aprovou uma lei de
imigração de forte influência conservadora.
298

Iniciamos o trabalho no momento em que, grande parte dos setores conservadores


culturais/religiosos encontrava-se em retração, pautado pela reestruturação de suas bases, por
transformações em suas estratégias e por um deslocamento deles para fora do centro de
influência do país, pela primeira vez em cerca de 30 anos.
Como apontamos no desenvolvimento dessa tese, nossa análise não teve a intensão
decretar o fim do conservadorismo nos EUA. A pluralidade desses movimentos possibilita
que quando alguma vertente perde influência outras passam a se destacar, fazendo com que,
demandas conservadoras mantenham-se presentes no debate do país.
Assim, nosso intuito foi demostrar como um grande ciclo de utilização questões
culturais polemicas perdeu sua funcionalidade, de maneira que a fomentação da ideia de
Guerra Cultural parou de ser politicamente vantajosa. Nesse sentido, é importante reafirmar
que na prática, as plataformas políticas construídas a partir de temas culturais trouxeram
pouco resultado nos períodos pós-eleitoral, onde, prevaleceram as discussões em torno de
questões econômicas e relacionadas com a política externa.
Apesar de aprofundarmos esse debate em nossa tese, aproveitamos essas últimas
páginas do trabalho para lançar alguns questionamentos sobre o seu futuro na sociedade
estadunidense. Primeiramente, pretendemos pensar rapidamente a respeito do processo de
reestruturação do Partido Republicano com a crise na fomentação da ideia de Guerra Cultural
no país. A questão aqui é, como analisou Teixeira (2013), se do final do governo George W.
Bush até o pós-reeleição de Barack Obama em 2012 a ideia de Guerra Cultural perdeu
relevância para a política do país, ao ponto de, mesmo o candidato republicano Mitt
Romney780 se esforçar para ficar distante de questões culturais em sua campanha, isso não
significava que os debates em torno de temas culturais deixaram de ocorrer na política do
país, o que pode ser apontado com o decorrer do segundo mandado do presidente democrata.
Dentro dessa ideia, os anos que seguiram a sua reeleição trouxeram o retorno do
debate de temáticas culturais, como as recentes discussões sobre o casamento entre pessoas do
mesmo sexo e sobre a reforma da imigração781. Para Teixeira (2013), a ideia da existência de
Guerra Cultural continuou sendo utilizada tanto por grupos conservadores como por liberais
em uma tentativa de mobilizar eleitores, porém, o uso agressivo de temas especificamente

780
Durante a campanha de 2012.
781
Aqui acrescentamos que mesmo o debate em torno da reforma do sistema de saúde que iniciou-se ainda
durante o primeiro mandato de Obama, em alguns momentos, adentrou temas culturais como no exemplo
dados por Carney (2013), em entrevista para o autor, sobre a obrigatoriedade de hospitais controlados por
grupos religiosos de participar de campanhas de controle de natalidade que iam além da abstinência e do caso
ocorrido no Novo México, onde, uma loja de flores foi obrigada judicialmente a decorar um casamento
homossexual.
299

culturais com o intuito de dividir o eleitorado do país tende a ficar, cada vez mais,
incomuns782.
No caso específicos dos dois temas citados acima, apesar de existirem grupos que se
colocaram contrários às duas questões, existia no debate entre os dois principais partidos do
país uma polarização que, se construía muito mais preocupada com os frutos eleitorais em
torno da aprovação dessas medidas, do que, por um forte empenho na rejeição a elas, por
causa de uma tentativa de defesa de valores. Nesse sentido, a análise realizada pelo Partido
Republicano sobre o período consiste em evitar que o Partido Democrata termine o governo
Obama como o único responsável pela aprovação de medidas que auxiliem os dois grupos
(homossexuais e latinos) que vêm crescendo em importância na sociedade. Opor-se aos dois
projetos significaria para os republicanos correr o risco de, assim como com os afro-
americanos nos anos 1960, criar uma forte base de apoio ao partido rival. Isso por si só
justifica, as recentes declarações de alguns líderes republicanos que mudaram seu
posicionamento em um sentido favorável ao casamento homossexual783.
Se o Partido Republicano, vem caminhando para o centro com relação a termos
culturais, com relação a questões econômicas a ruptura entre os dois partidos parece cada vez
mais crescente, onde, a oposição a reforma de saúde, questões orçamentárias e críticas ao
crescimento dos programas de auxilio governamental do governo vêm se tornando frequentes.
Assim, pensar a reestruturação da política dos Estados Unidos durante os próximo anos torna-
se uma questão interessantíssima, porém, não pretendemos divagar sobre as possibilidades
presentes nessa discussão, pois, corremos o risco de entrar em um campo coberto de
especulações que pouco contribuiriam para essa tese.
Pensando na reestruturação da direita religiosa no país é importante destacar que as
principais organizações ligadas ao movimento continuam fortemente ativas como os casos da
Focus on Family, a Eagle Forum, a Concerned Women for America784, entre outras,
mantendo-se influentes no Partido Republicano, principalmente, em seus diretórios estaduais
e municipais.

782
Dentro dessa leitura, Boaz (2013), em uma entrevista para o autor, apontou que a polarização em torno de
temas culturais era muito mais violenta durante os anos 1960 do que hoje em dia e que nos EUA de hoje existe
uma polarização política e midiática. Acrescentando que existem sim diferenças com relação a crença religiosa,
ou se as pessoas são favoráveis ao porte de arma, mas que as pessoas estão começando a viver próximas umas
às outras e a compartilhar seus valores.
783
Como nos foi dito em uma entrevista que fizemos com o comentarista político Michael Barone, em Barone
(2013).
784
Willians (2010) argumentou que o Concerned Women for America foi uma das poucas organizações que
sobreviveram desde os primeiros dias da direita cristã, frequentemente recrutando em Igrejas e grupos de
mulheres conservadoras.
300

Esta dinâmica repete-se em nível municipal, estadual e federal, quando


candidatos republicanos moderados devem enfrentar primárias internas com
republicanos mais conservadores, antes mesmo de chegar ao pleito com os
democratas. Estas primárias têm levado a um desgaste financeiro e moral do
partido, aprofundando suas fragmentações e deserções da parte dos
moderados que, na maioria das vezes tem perdido estes confrontos para os
conservadores que, posteriormente, são facilmente derrotados pelos
democratas. (PECEQUILO, 2009, p.12).

Ao mesmo tempo, pastores ligados a direita religiosa como David Barton vem
tentando fazer a ponte entre os conservadores religiosos e o Tea Party, indicando a
possibilidade de uma nova tentativa de aliança conservadora entre conservadores econômicos
e religiosos no país. Logicamente, essa aproximação não é tão simples, como Marsden (in
Cromartie, 1993) colocou, um dos grandes problemas da direita religiosa é que as questões
dogmáticas não são desejáveis para serem bases de grandes coalizões políticas, especialmente
em uma nação com tantas tradições divergentes como a América.
Dentro desse quadro, vale a pena analisar a próxima eleição presidencial do país,
pensando que ela coloca em disputa a reestruturação do Partido Republicano com o legado de
acertos e erros deixado pela administração Barack Obama.

Referências:
AIKMAN, D. Billy Graham. His life and Influence. Nashville: Thomas Nelson, 2007.
ALLEN, B. Clinton Details 1993 Meeting with President of Southern Baptist Convention.
EthicsDaily.com. 04 fev. 2008. Disponível em: <http://www.ethicsdaily.com/clinton-details-
1993-meeting-with-president-of-southern-baptist-convention-cms-10043>. Acesso em:25 jan.
2014.
ALLEN, J.T. The Biggest Tax Increase in History. Slate Magazine. 16 ago. 1996. Disponível
em:
<http://www.slate.com/articles/news_and_politics/the_gist/1996/08/the_biggest_tax_increase
_in_history.html>. Acesso em:10 mai. 2012.
ANDERSEN, M. L.; TAYLOR, H. F. Sociology. The essentials. Wadsdworth: Cengage
Learning, 2013.
ANTI-DEFAMATION LEAGUE. From Columnist to Candidate: Pat Buchanan’s
Religious War. New York. 1992. Disponível em:
<http://archive.adl.org/special_reports/pb_archive/pb_92-94.pdf>. Acesso em: 09 set. 2013.
301

ANTLE III, W. J. America's Culture Wars Will Never End. The National Interest. 26 dez.
2013. Disponível em: <http://nationalinterest.org/commentary/americas-culture-wars-will-
never-end-9623>. Acesso em: 05 jan. 2014.
BAKER, P.; SLEVIN, P. Bush Remarks On 'Intelligent Design' Theory Fuel Debate. The
Washington Post. 03 ago. 2005. Disponível em: <http://www.washingtonpost.com/wp-
dyn/content/article/2005/08/02/AR2005080201686.html>. Acesso em: 22 fev. 2014.
BALMER, R. God in the White House. How Faith Shaped the Presidency from John F.
Kennedy to George W. Bush. New York: Harper Collins E-book, 2008.
BANWART, D. Jerry Falwell the Rise of the Moral Majority, and the 1980 Election.
Western Illinois Historical Review. Vol. V, Spring (2013).Disponível em:
<http://www.wiu.edu/cas/history/wihr/pdfs/Banwart-MoralMajorityVol5.pdf>. Acesso em: 03
dez. 2013.
BARKUN, M. A Culture of Conspiracy. Apocalyptic Visions in Contemporary America.
Berkeley: University of California Press, 2003.
BECKER, S.J. "Common Sense Legal Reforms Act" Takes Center Stage. 20 Litigation
News. nº. 4 (April-May 1995), p. 4. Disponível em:
<http://engagedscholarship.csuohio.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1156&context=fac_articl
es>. Acesso em: 03 dez. 2013.
BEINART, P. The End of the Culture Wars. The Daily Beast. 26 Jan. 2009. Disponível em:
<http://www.thedailybeast.com/articles/2009/01/26/the-end-of-the-culture-wars.html>.Acesso
em: 3 mar. 2010.
BENDER, D.; LEONE, B. (org.) Culture Wars. Opposing Viewpoints. San Diego:
Greenhaven Press, 1994.
BERLET, C. Religion and Politics in the United States: Nuances You Should Know. The
Public Eye Magazine. Vol. XVII, nº.2, (Summer 2003), p. 13-16. Disponível em:
<http://www.publiceye.org/magazine/v17n2/v17n2.pdf>. Acesso em: 29 ago. 2012.
BERKOWITZ, B. Tilting at Faith-Based Windmills. Over a Year in the Life of President
Bush's Faith-based Initiative. The Public Eye Magazine. Vol. XVI, nº. 2, (Summer 2002),
p.22-26. Disponível em: <http://www.publiceye.org/magazine/v16n2/v16n2.pdf>. Acesso em:
29 ago. 2012.
BETZ, H. États-Unis: une nation divisée. Guerre culturelle et idéologique. Tad. Geneviève
Brzustowski. Paris: Autrement, 2008.
BLACK, E.; BLACK, M. Divided America. The Ferocious Power Struggle in American
Politics. New York: Simon &Schuster Paperbacks, 2008.
302

BLASI, A.J. (org.) American Sociology of Religion. Histories. Leiden/Boston: Brill, 2007.
BLOOM, A. O Declínio da Cultura Ocidental: da Crise da Universidade à Crise da
Sociedade. Trad. João Alves dos Santos. São Paulo: Best Sellers, 1989.
BLUMENTAL. S. The Rise of the Counter-establishment. From Conservative Ideology to
Political Power. New York: Harper& Row, 1988.
_______________ The Clinton Wars. New York: Plume Book, 2003.
____________. M. Pat Robertson's Katrina Cash. The Nation. 19 set. 2005. Disponível em:
<http://www.thenation.com/article/pat-robertsons-katrina-cash#>. Acesso em: 22 fev. 2013.
BOOTH, W. Doctor Killed During Abortion Protest. Washington Post. Washington, 11 mar.
1993. Disponível em: <http://www.washingtonpost.com/wp-
srv/national/longterm/abortviolence/stories/gunn.htm>. Acesso em: 01 nov. 2011.
__________ How Larry Flynt Changed the Picture. Washington Post. 11 jan. 1999.
Disponível em: <http://www.washingtonpost.com/wp-
srv/politics/special/clinton/stories/flynt011199.htm>. Acesso em: 01 nov. 2011.
BOSTON, R. The Most Dangerous Man in America? Pat Robertson and the Rise of the
Christian Coalition. New York: Prometheus Books, 1996.
BUCHANAN, P. Address to Republican Convention. American Rhetoric. 17 ago. 1992.
Disponível em: <http://www.americanrhetoric.com/speeches/patrickbuchanan1992rnc.htm>.
Acesso em: 12 mar. 2010.
_______________ The Death of West. How Dying Populations and Immigrations Invasions
Imperil Our Country and Civilization. New York: Thomas Dune Books, 2002.
CARLSON, T. Bork Calls Miers Nomination a “Disaster”. Former Supreme Court Nominee
Gives Take On Newest Pick For The Bench. NBC News. 14 out. 2005. Disponível em:
<http://www.nbcnews.com/id/9623345/#.Uv0T8vldVUU>. Acesso em: 12 set.2012.
CARROL, P. N.; NOBLE, D.W. The Free and the Unfree. A New History of the United
States. New York: Penguin Books, 1988.
CARVER, T. Analysis: What saved Bill Clinton? BBC News. 12 fev.1999. Disponível em:
<http://news.bbc.co.uk/2/hi/events/clinton_under_fire/fall_out/278467.stm>. Acesso em: 15
ago.2010.
CAUDILL, K.; SWARTHOUT, D. Wake Up America! The Ongoing War on Christian
America. New York: Crave, 2003.
CETRON, M.; DAVIES, O. American Renaissance. Our Life at the Turn of the 21ST
Century. New York: ST. Martin’s Press, 1989.
303

CLARKSON, F. The Culture Wars Are Not Over: The Institutionalization of the Christian
Right. The Public Eye Magazine. Spring 2001. Vol. XV, nº.1. Disponível em:
<http://www.publiceye.org/magazine/v15n1/PE_v15n1_TOC.html>. Acesso em: 11 set.
2011.
CLYMER, A. The 1992 Campaign; Bush's Gains From Convention Nearly Evaporate in
Latest Poll. The New York Times. 26 ago. 1992. Disponível
em:<http://www.nytimes.com/1992/08/26/us/the-1992-campaign-bush-s-gains-from-
convention-nearly-evaporate-in-latest-poll.html>. Acesso em: 03 jun. 2010.
CNN. Falwell apologizes to Gays, Feminists, Lesbians. 14 fev.2001. Disponível em:
<http://articles.cnn.com/2001-09-14/us/Falwell.apology_1_thomas-road-baptist-church-jerry-
falwell-feminists?_s=PM:US>. Acesso em: 13 Jul. 2012.
COMMAGER, H. O Espírito Norte-Americano: Uma Interpretação do Pensamento e do
Caráter Norte-Americano desde a década de 1880. Trad. Jorge Fortes, São Paulo: Cultrix,
1950.
CONGER, K. H. The Christian Right in Republican State Politics. New York: Palgrave
Macmillan, 2009.
CORBETT, J. M. Religion in America. New Jersey: Prentice Hall, 1990.
COURIC, K. 'I hope they'll say that he was faithful'. The Rev. Billy Graham talks with NBC's
Katie Couric about his final crusade in the U.S., his legacy and the difficulties of growing old.
Today.com. 23 jun. 2005.Disponível em:
<http://www.today.com/id/8326362#.Ue8gIo2fjqs>. Acesso em: 10 jul. 2013.
CRAWFORD, A. Thunder on the Right. The “New Right” and the Politics of Resentment.
New York: Pantheon Books, 1980.
CROMARTIE, M. (org.) No Longer Exiles. The Religious New Right in American Politics.
Washington: Ethics and Public Policy Center, 1993.
DALLEK, M. The Right Moment. Ronald Reagan’s First Victory And The Decisive
Turning Point In American Politics. New York: Oxford University Press, 2004.
DANFORTH, J. Faith and Politics. How the “Moral Values” Debate Divides America and
How to Move Forward Together. New York: Penguin Group, 2006.
DAVIDSON, O. G. Bush's Most Radical Plan Yet. With a vote of hand-picked lobbyists, the
president could terminate any federal agency he dislikes. Rolling Stones. 23 abr. 2005.
Disponível em: <http://www.commondreams.org/views05/0423-21.htm>. Acesso em: 11 fev.
2014.
304

DEJEAN, J. Antigos Contra Modernos. As Guerras Culturais e a construção de um fin de


siècle. Trad. Zaida Maldonado. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
DIAMOND, S. Spiritual Warfare. Boston: South End Press, 1989.
DILULIO, J. J. JR. John Dilulio's Letter. John Dilulio was the first senior Bush adviser to
resign. Esquire. 23 mai. 2007. Disponível em: <http://www.esquire.com/features/dilulio>.
Acesso em: 11 nov. 2013.
DIONNE, E. J. JR.; DILULIO, J. J. JR. (org.).What’s God Got to Do With the American
Experiment? Washington, Brookings Institution Press, 2000.
DJUPE, P. A.; OLSON, L. R. Encyclopedia of American Religion and Politics. New
York: Facts on File, 2003.
DOLBEARE, K. N.; MEDCALF, L. J. American Ideologies Today. From neopolitics to
New Ideas. New York: Randon House, 1988.
DOWD, M. The 1992 Campaign: Republicans; Immersing Himself in Nitty-Gritty, Bush
Barnstorms New Hampshire. The New York Times. 06 jan. 1992. Disponível em:
<http://www.nytimes.com/1992/01/16/us/1992-campaign-republicans-immersing-himself-
nitty-gritty-bush-barnstorms-new.html>. Acesso em: 05 mar. 2012.
DROZ, J. Histoire de L’Allemagne. Paris: Presses Universitaires de France, 1958.
DUFFY, M. Jerry Falwell, Political Innovator. Time. 15 mai. 2007. Disponível em:
<http://content.time.com/time/nation/article/0,8599,1621300,00.html>. Acesso em: 07 mar.
2010.
DUNHAM, R.S.; HARBRECHT, D.; ZELLNER, W. Is Perot After the Presidency or the
President? Businessweek. 06 abr. 1992. Disponível em:
<http://www.businessweek.com/stories/1992-04-05/is-perot-after-the-presidency-or-the-
president>. Acesso em:12 mar. 2011.
DUNN, J.R. Obama and the Culture Wars. American Thinker. 06 fev.2008. Disponível em:
<http://www.americanthinker.com/2008/02/obama_and_the_culture_wars.html>. Acesso em:
04 mar. 2010.
EAGLETON, T. A Ideia de Cultura. Trad. Sandra Castello Branco. São Paulo: Editora
Unesp, 2003.
EBERT, R. Interview with Marjoe Gortner.25 set. 1972. Disponível em:
<http://www.rogerebert.com/interviews/interview-with-marjoe-gortner>.Acesso em: 15 out.
2011.
EDGAR, B. Middle Church. Reclaiming the Moral Values of the Faithful Majority from the
Religious Right. New York: Simon & Schuster, 2007.
305

ELVIN, R. GOP's 'Pledge' Echoes 'Contract'; But Much Myth Surrounds '94 Plan. It’s All
Politics. 23 set. 2010. Disponível em:
<http://www.npr.org/blogs/itsallpolitics/2010/09/23/130068500/watching-washington-gop-
pledge>. Acesso em: 28 out. 2010.
FARIA, L. Ideologia e utopia nos anos 60. Um olhar Feminino. Rio de Janeiro: UERJ, 1997.
FELTEN, D. E. (org.). A Shining City. The Legacy of Ronald Reagan. New York: Simon &
Schuster, 1998.
FETZER, J. Render Unto Darwin. Philosophical Aspects of the Christian Right’s Crusade
Against Science. Peru: Open Court, 2007.
FICHOU, J.P. A Civilização Americana. Trad. Maria Carolina F. de Castilho Pires.
Campinas: Papirus, 1987.
FINN, S. Kanawha County Textbook Controversy Early Battle in Culture War. West
Virginia Public Broadcasting. Virginia, 7 out. 2009.
<http://www.wvpubcast.org/newsarticle.aspx?id=11568>. Acesso em: 19 out. 2012.
FIORINA, M. P.; ABRAMS, S. J.; POPE, J.C. Culture Wars. The Myth of a Polarized
America. New York: Pearson Longman, 2006.
FLETCHER, M. A.; BABGINTON, C. Miers, Under Fire From Right, Withdrawn as Court
Nominee. The Washington Post. 28 out. 2005. Disponível em:
<http://www.washingtonpost.com/wp-
dyn/content/article/2005/10/27/AR2005102700547.html>. Acesso em: 15 out. 2012.
FRIEDMAN, A. The culture wars are over. Why liberals have won the battles on gay and
abortion rights, immigration and drug legalization. Time Out Chicago. Disponível em:
<http://www.timeout.com/chicago/things-to-do/the-culture-wars-are-over?pageNumber=3>.
Acesso em: 16 jan. 2014.
FROIDEVAUX-METTERIE, C. Politique et religion aux États-Unis. Paris: La Découverte,
2009.
FUKUYAMA. F. Confiança as virtudes sociais e a criação da prosperidade. Trad. Alberto
Lopes. Rio de Janeiro: Rocco, 1996.
_______________O fim da história e o último homem. Trad. Aulyde Soares Rodrigues,
Rio de Janeiro: Rocco, 1992.
GARCIA, G. Reagan’s Comeback. Four Weeks in Texas That Changed American Politics
Forever. San Antonio: Trinity University Press, 2012.
GARRET, M. The Enduring Revolution: How the Contract with America Continue to
Shape the Nation. New York: Fox News Report, 2005.
306

GIBSON, J. The War on Christimas. How the Liberal Plot to Plan to Sacred Christian
Holiday Is Worse Than You Thought. New York: Penguin Group, 2005.
GINSBERG, H. The Bill Clinton Hypocrisy on Gay Marriage. Townhall.com. 27 jun.2013.
Disponível em: <http://townhall.com/tipsheet/heatherginsberg/2013/06/27/the-bill-clinton-
hypocrisy-on-gay-marriage-n1629116>. Acesso em:10 dez. 2013.
GOLDBERG, D. Dispatches From the Culture Wars. How the Left Lost Teen Spirit. New
York: Miramax Books, 2003.
GOLDING, G. Le Procès du Singe. La Bible Contre Darwin. Bruxelas: Editions Complexe,
2006.
GOLDWATER, B. The Conscience of a Conservative. Washington, DC: Regnery
Gateway, 1990.
_________________ Goldwater's 1964 Acceptance Speech. Washington Post Company,
1998. Disponível em:<http://www.washingtonpost.com/wp-
srv/politics/daily/may98/goldwaterspeech.htm>. Acesso em: 9 jan. 2012.
GRAHAM, B. Historical: Billy Graham's Speech to America After 9/11. Charisma News. 09
set. 2011. Disponível em: <http://www.charismanews.com/us/31920-historical-billy-
grahams-speech-to-america-after-911>. Acesso em: 11 fev. 2012.
GREEN, J. C. Religion and the Presidential Vote: A Tale of Two Gaps. The Pew Research
Religion & Public Life Project. 21 abr. 2007. Disponível em:
<http://www.pewforum.org/2007/04/21/religion-and-the-presidential-vote-a-tale-of-two-gaps-
2/>. Acesso em: 20 fev. 2011.
___________ et al. Religion and the 2004 Election: A Post-election Analysis. The Pew
Research Religion & Public Life Project. 03 mai. 2005. Disponível
em:<http://www.pewforum.org/files/2005/02/postelection.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2011.
GREEN, S. T. Becker Amendment. American Business. 22 nov. 2011. Disponível em:
<http://american-civil-liberties.com/legislation-and-legislative-action/3176-becker-
amendment.html>. Acesso em: 11 set. 2012.
HARRIS, P. Barack Obama brings truce in culture war. The Observer. 12 abr. 2009.
Disponível em <http://www.guardian.co.uk/world/2009/apr/12/barack-obama-religion-
homosexuality>. Acesso em: 10 fev. 2010.
HASSON, K.S. The Right to be Wrong. Ending the Culture War Over Religion in America.
San Francisco: Encounter Books, 2005.
307

HERM, W. M. The Human Life Statute: Will It Protect Life or Power? The Denver Post. 21
jun. 1981. Disponível em: <http://www.drhern.com/pdfs/humanlife.pdf>. Acesso em: 15 out.
2013.
HETHERINGTON, M. J.; WEILER J.D. Authoritarianism and Polarization in American
Politics. New York: Cambridge University Press, 2009.
HIMMELAFARB, G. Democratic remedies for democratic disorders. Public Interest,
printemps 1998. Disponível em:
<http://www.nationalaffairs.com/doclib/20080709_19981311democraticremediesfordemocrat
icdisordersgertrudehimmelfarb.pdf>. Acesso em: 16 fev. 2012.
_________________ One Nation, Two Cultures. A Searching Examination of American
Society in the Aftermath of Our Cultural Revolution. New York: Vintage Books, 2001.
HIRSCHMAN, A. O. Retóricas de la Intransigencia. Cidade do México: Fondo de Cultura
Economica, 1991.
HONDERICH, T. Conservatism. San Francisco: Westview Press, 1990.
HOROWITZ, D. The Politics of the Bad Faith. The Radical Assault on America’s Future.
New York: Simon & Schuster, 1998.
HUNTER, J.D. American Evangelicalism. Conservative Religion and the Quandary of
Modernity. New Jersey: Rugters University, 1983.
___________. Culture Wars. The Struggle to Define America. New York: BasicBooks,
1991.
___________. Before the Shooting Begins. Searching for Democracy in America’s Culture
War. New York: The Free Press, 1994.
___________ ; BOWMAN, C. D. The State of disunion. Survey of American Public
Culture. Charlottesville: Institute for Advanced Studies in Culture, University of Virginia,
1996.
__________, WOLFE, A. (Org) Is There a Culture War? A Dialogue on Values and
American Public Life. Washington: Brooking Institution Press, 2006.
HUNTINGTON, S. P. Who Are We? The Challenges to America’s National Identity. New
York:Simon & Schuster, 2004.
HURET, R. (org) Les Conservateurs Américains Se Mobilisent. L’autre culture
contestataire. Paris: Autrement, 2008.
JONES, J. M. Sept. 11 Effects, Though Largely Faded, Persist. Gallup. 09 set.2003.
Disponível em: <http://www.gallup.com/poll/9208/sept-effects-though-largely-faded-
persis.aspx>. Acesso em: 02 abr. 2010.
308

___________Record-High 40% of Americans Identify as Independents in '11. More


Americans identify as Democrats than as Republicans, 31% to 27%. Gallup. 09 jan. 2012.
Disponível em: <http://www.gallup.com/poll/151943/record-high-americans-identify-
independents.aspx> Acesso em: 05 abr. 2012.
JOHSON, L. B. 259 - Remarks on Project Head Start. The American President Project. 18
mai.1965. Disponível em: <http://www.presidency.ucsb.edu/ws/?pid=26973> Acesso em: 07
mar. 2011.
KASPI, A. Les Américains. 2. Les États-Unis de 1945 à nos jours. Paris: Éditions du Seuil,
2002.
KENGOR, P.; DOERNER, P.C. Reagan Darkest Hour. “Therapeutic” Abortion in California.
National Review. 22 jan. 2008. Disponível em:
<http://www.nationalreview.com/articles/223437/reagans-darkest-hour/paul-kengor>. Acesso
em: 10 nov. 2013.
KENNEDY, P. Ascensão e Queda das Grandes Potências. Transformação Econômica e
Conflito Militar de 1500 a 2000. Rio de Janeiro: Campus, 1989.
KEPEL, G. A Revanche de Deus. Cristãos, Judeus e Muçulmanos na reconquista do mundo.
Trad. J. E. Smith Caldas. São Paulo: SICILIANO, 1991.
KINNAMAN, D.; LYONS, G. Unchristian. What a new generation really thinks about
Christianity… and why it matters. Michigan: Baker Books, 2007.
KIRKPATRICK, D. D. Christian Conservatives Embrace Inauguration. The New York
Times. 21 jan. 2005. Disponível em:
<http://www.nytimes.com/2005/01/20/national/nationalspecial2/20religion.html?pagewanted
=1&_r=0>. Acesso em: 29 out. 2013.
KLAPPER, E. On This Day In 1993, Bill Clinton Announced 'Don't Ask, Don't Tell'. The
Huffington Post. 19 set. 2013. Disponível em:
<http://www.huffingtonpost.com/2013/07/19/bill-clinton-dont-ask-dont-
tell_n_3623245.html>. Acesso em: 29 set. 2013.
KLEIN, J. The Natural. The Misunderstood Presidency of Bill Clinton. Londres: Hodder and
Stoughton, 2002.
KUHNER, J. T. Obama’s culture war. The Washington Times. Washington,11 Jan. 2009.
Disponível em: <http://www.washingtontimes.com/news/2009/jan/11/obamas-culture-war/>
Acesso em: 02 abr. 2010.
KUO, D. Tempting Faith. An Inside Story of Political Seduction. New York: Free Press,
2006.
309

KURTZ, H. Larry Flynt, Investigative Pornographer. The Washington Post. 19 dez. 1998.
Disponível em: <http://www.washingtonpost.com/wp-
srv/politics/special/clinton/stories/flynt121998.htm>. Acesso em : 04 mar.2011.
LACORNE, D. De La Religion em Amérique.Essai d’histoire politique. Paris: Gallimard,
2007.
LAMBERT, F. Religion in American Politics. A Short History. Princeton: Princeton
University Press, 2008.
LANG, E. G.; LANG, K. The Battle for Public Opinion. The President, the Press, and the
Polls During Watergate. New York: Columbia University Press, 1983.
LANGSTON, K. B. Reed resigns from Christian Coalition. Freedom Writer. Maio/Junho.
Disponível em: <http://www.publiceye.org/ifas/fw/9705/reed.html>. Acesso em: 05 jan.
2014.
LERNER, M. The Left Hand of God. Taking Back Our Country From The Religious Right.
New York: HarperCollins/HarperSanFrancisco, 2006.
LIEVEN, A. Le Nouveau Nationalisme Américain. Trad. François Boisivon, Paris:
Gallimard, 2005.
LIMONCIC, F.; MARTINHO, F. C. P. (ORG) Os Intelectuais do Antiliberalismo. Projetos
e políticas para outras modernidades. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2010.
LOBE, J. Conservative Christians Biggest Backers of Iraq War. Inter Press Service. 10 out.
2002. Disponível em: <http://www.commondreams.org/headlines02/1010-02.htm>. Acesso
em: 01 dez. 2010.
MARLEY, D. J. Pat Robertson. An American Life. Lanham: Rowman & Littlefields
Publishers, 2007.
MARTIN, P. US Presidential Campaign: George W. Bush Speaks at Racist University.
World Socialist Web Site. 08 fev. 2000. Disponível em:
<https://www.wsws.org/en/articles/2000/02/bush-f08.html>. Acesso em: 21 nov. 2013.
MARTIN, W. With God on Our Side. The Rise of the Religious Right in America. New
York: Broadway Books, 1996.
MARWELL, G.; DEMERATH III, N. J. “Secularization” by any other name. American
Sociological Review, 68 (2): p.314-318, 2003.
MCLAREN, P. Multiculturalismo Crítico. Trad. Bebel Orofino Schaefer. São Paulo:
Cortez, 2000.
MEACHAN, J. American Gospel. God, the Founding Fathers, and the Making of a Nation.
New York: Random House, 2006
310

MESSADIÉ, G. A Crise do Mito Americano. Réquiem para o Super-Homem. Trad. Sergio


Flaksman. São Paulo: Ática, 1989.
MEHLMAN-PETRZELA, N.Y. Origins of the Culture Wars: Sex, Language, School, and
State in California 1968-1978. Ann Arbor: ProQuest LLC, 2009.
MICKLETHWAIT, J.; WOOLDRIDGE, A. The Right Nation: Why America is Different.
New York: Penguin Books, 2004.
MIGUEL, A. El Poder de la Palabra. Lectures sociológica de lós intelectuales em Estados
Unidos. Madri: Editorial Tecnos, 1978.
MILLS, C. W. A Elite do Poder. Trad. Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Zahar Editores,
1981.
MISTRAL, J. La Troisième Révolution Américaine. Paris: Perrin, 2008.
MOLLOY, J. Bill Clinton reveals for the first time that former New York Gov. Mario Cuomo
rejected Supreme Court nomination. Former President drops bombshell during fund-raiser at
Waldorf-Astoria. Daily News. 06 jun. 2012. Disponível em:
<http://www.nydailynews.com/news/politics/bill-clinton-reveals-time-new-york-gov-mario-
cuomo-rejected-supreme-court-nomination-article-1.1090738>. Acesso em: 10 set. 2013.
MORAN, J. P. Designs on the Culture. The Public Eye Magazine. Vol. XX nº 1 (Spring,
2006), p.1 e 9. Disponível em: <http://www.publiceye.org/magazine/v20n1/v20n1.pdf>.
Acesso em: 23 jan. 2013.
MORRISON, T. Talk of the Town. The New Yorker. 05 out. 1998. Disponível em:
<http://www.newyorker.com/archive/1998/10/05/1998_10_05_031_TNY_LIBRY_00001650
4?currentPage=1>. Acesso em 29 mar. 1992.
MURPHY, T. Newt Gingrich's Congressional Ethics Scandal Explained. Everything you need
to know about the allegations that brought down the speaker of the House. Mother Jones. 20
dez. 2011. Disponível em: <http://www.motherjones.com/politics/2011/12/gingrich-
congressional-ethics-scandal-explained-newt-inc>. Acesso em: 04 jan. 2012.
MURRAY, C. Lousing Ground: American Social Policy, 1950-1980. New York: Basic
Books, 1984.
MURSE, T. Santorum Senate Loss. 5 Reasons Santorum Lost His Seat in 2006. US Politics.
Disponível em: <http://uspolitics.about.com/od/CampaignsElections/a/Santorum-Senate-
Loss.htm>. Acesso em: 10 out. 2011.
NAGOURNEY, A. ‘Cultural War’ of 1992 Moves In From the Fringe. The New York
Times. 29 ago. 2012. Disponível em: <http://www.nytimes.com/2012/08/30/us/politics/from-
311

the-fringe-in-1992-patrick-j-buchanans-words-now-seem-mainstream.html?_r=2&hp&>.
Acesso em: 03 fev. 2013.
NASH, G. H. The Conservative Intellectual Movement in America. Since 1945. Delaware:
Intercollegiate Studies Institute, 1996.
NGAI, M. M. Impossible Subjects. Illegal Aliens and the making of the modern America.
Princeton: Princeton University Press, 2005.
NIXON, R. 249- Statement about the Busing of Schoolchildren. The American President
Project. 03 ago. 1971. Disponível em: <http://www.presidency.ucsb.edu/ws/?pid=3098>
Acesso em: 07 mar. 2011.
NOONAN, P. Way Too Much God. Was the president's speech a case of "mission
inebriation"? The Wall Street Journal. 21 jan. 2005. Disponível em:
<http://online.wsj.com/news/articles/SB122462035246255493>. Acesso em: 10 dez.2013.
NORPOTH, H.; RUSK, J.G. Partisan Dealignment in the American Electorate: Itemizing the
Deductions since 1964. The American Political Science Review.
Vol. 76, No. 3 Sep.1982, p.522-537. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/1963729>.
Acesso em: 23 dez. 2012.
ORWIN, C. Compassionate Conservatism, An Idea in Tension. Defining Ideas/ A Hoover
Institution Journal. 22 abr. 2011a. Disponível em:
<http://www.hoover.org/publications/defining-ideas/article/75891>. Acesso em: 05 jan. 2014.
__________ Compassionate Conservatism: A Primer. Defining Ideas/ A Hoover Institution
Journal. 01 mar. 2011b. Disponível em: <http://www.hoover.org/publications/defining-
ideas/article/68921>. Acesso em: 05 jan. 2014.
__________ The Fall of Compassionate Conservatism. Defining Ideas/ A Hoover
Institution Journal. 29 set. 2011c. Disponível em:
<http://www.hoover.org/publications/defining-ideas/article/94606>. Acesso em: 05 jan. 2014.
PECEQUILO, C. S. Cem Dias sem Bush: o Partido Republicano, o Governo Obama e o
Futuro. Meridiano. Vol. 47, Nº 106 (mar. 2009),p.11-14. Disponível
em:<http://seer.bce.unb.br/index.php/MED/article/view/692/412>. Acesso em: 15 mar. 2013.
PERLSTEIN, R. The Divine Calm of George W. Bush. So Iraq's a mess and half the country
hates you. Just keep praying. The Village Voice. 27 abr. 2004. Disponível em:
<http://www.villagevoice.com/2004-04-27/news/the-divine-calm-of-george-w-bush/full/>.
Acesso em 15 set. 2013.
PEW RESEARCH RELIGION & PUBLIC LIFE PROJECT. Religion and Politics ’08: The
Candidates on the Issues. 04 nov. 2008. Disponível em:
312

<http://www.pewforum.org/2008/11/04/religion-and-politics-08-the-candidates-on-the-
issues/>. Acesso em: 11 set. 2011.
______________________________________________. How the Faithful Voted. 10 nov.
2008. Disponível em: <http://www.pewforum.org/2008/11/05/how-the-faithful-voted/>.
Acesso em: 15 set. 2011.
PFIFFNER, J. Deficit Reduction in 1993: Clinton First Budget. The Presidency. S/D.
Disponível em:
<http://www.thepresidency.org/storage/documents/Deficit_Reduction_in_19993.pdf>. Acesso
em: 31ago. 2012.
PIERRUCI, A. F. O desencantamento do Mundo. Todos os passos do conceito em Max
Weber. São Paulo: Editora 34, 2003.
PHAN, K. T. Tens of Thousands to Gather for “America for Jesus” Prayer Rally in
Washington D.C. The Christian Post. 29 set. 2004. Disponível em:
<http://www.christianpost.com/news/tens-of-thousands-to-gather-for-america-for-jesus-
prayer-rally-in-washington-d-c-13161/>. Acesso em: 22 set. 2013.
PHILLIPS, K. American Theocracy. The Peril and Politics of Radical Religion, Oil, and
Borrowed Money in the 21st Century. New York: Penguin Group, 2006.
PURDUM, T. S. The Nation -- The War Within; What They're Really Fighting About. The
New York Times. 29 ago. 2004. Disponível em:
<http://www.nytimes.com/2004/08/29/weekinreview/29purd.html?ei=5090&en=de1677dcd5e
d25d1&ex=1251518400&partner=rssuserland&pagewanted=all&position=>. Acesso em: 22
set.2013.
REAGAN, R. W. Ronald Reagan. An American Life. New York: Simon & Schuster, 1990.
______________Speech of the Former President at the 1992 Republican Convention. 17
Ago. 1992.Disponível em: <http://www.let.rug.nl/usa/presidents/ronald-wilson-
reagan/speech-of-the-former-president-at-the-1992-republican-convention.php>. Acesso em:
23 fev. 2011.
REICH, C. O Renascer da América. A revolução dos jovens. Trad. Pinheiro Lemos. Rio de
Janeiro: Record, 1970.
REICHLEY, A. J. Religion in American Public Life. Washington: The Brookings
Institution, 1985.
REYMOND, W. Bush Land. (2000-2004). Paris: Éditions Flammarion, 2004.
ROBERTSON, P. The New Millennium. 10 Trends That Will Impact You and your Family
by the Year 2000. Dallas: Word Publishing, 1990.
313

______________; BUCKINGHAM, J. The Autobiography of Pat Robertson. Shout It


From the Housetops! Alachua: Bridge-Logos, 2008.
ROOSE, K. The Unlikely Disciple: A Sinner's Semester at America's Holiest University.
New York: Grand Central Publishing, 2009
ROSE, J. E. Bismarck. Trad. Maria Silvia C. Passos. São Paulo: Nova Cultura, 1987.
ROSS, B.; SCHWARTZ, R. Exclusive: Gingrich Lacks Moral Character to Be President, Ex-
Wife Says. ABC News. 19 jan.2012. Disponível em:
<http://abcnews.go.com/Blotter/exclusive-gingrich-lacks-moral-character-president-
wife/story?id=15392899>. Acesso em: 07 mar. 2013.
ROTHER, L. The 1992 Campaign: Candidate's Wife; Unrepentant, Marilyn Quayle Fights for
Family and Values. The New York Times. 28 out. 1992. Disponível em:
<http://www.nytimes.com/1992/10/28/us/1992-campaign-candidate-s-wife-unrepentant-
marilyn-quayle-fights-for-family.html>. Acesso em: 15 nov. 2012.
ROY, S. The End of the Culture War? The Real Winner of Elections 2012. The Huffington
post. 08 nov. 2012. Disponível em: <http://www.huffingtonpost.com/sandip-roy/the-end-of-
the-culture-wa_b_2091899.html>. Acesso em: 16 jan.2014.
SABLOSKY, I. L. A Música Norte-Americana. Trad. Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editor, 1994.
SAINT-JEAN-PAULIN, C. La contre-culture. États-Unis années 60: la naissance de
nouvelles utopies. Paris: Autrement, 1997.
SEARS, A.; OSTEN, C. The ACLU Vs America. Nashville: B&H, 2005.
SEELYE, K. Q. Molly Ivins, Columnist, Dies at 62. The New York Times. 01 fev. 2007.
Disponível em: <http://www.nytimes.com/2007/02/01/washington/01ivins.html?_r=0>.
Acesso em: 15 set. 2012.
SCHMALZ, J. The 1992 Elections: The States – The Gay Issues; Gays Areas Are Jubilant
Over Clinton. The New York Times. 05 nov. 1992. Disponível em:
<http://www.nytimes.com/1992/11/05/nyregion/the-1992-elections-the-states-the-gay-issues-
gay-areas-are-jubilant-over-clinton.html>. Acesso em: 15 set. 2012.
SHEUER, J. The Sound Bite Society. Television and the American Mind. New
York/London: Four Walls Eight Windows, 1999.
SHILLING, P. América. A história e as contradições do Império. Porto Alegre: L&P
Editores, 2004.
SHOGAN, R. War Without End. Cultural Conflict and the Struggle for America’s Political
Future. Boulder: Westview Press, 2002.
314

SIEGEL, R. B., Before (and After) Roe v. Wade: New Questions About Backlash. Faculty
Scholarship Series. Paper 4135. (2011). Disponível em:
<http://digitalcommons.law.yale.edu/fss_papers/4135>. Acesso em: 10 set. 2013.
SILVA, C. E. L. (org.). Uma Nação com Alma de Igreja. Religiosidade e Políticas Públicas
nos EUA. São Paulo: Paz e Terra, 2009.
SMOLLA, R.A. Jerry Falwell v. Larry Flynt. The First Amendment on Trial. Champaign:
University of Illinois Press, 1990.
SINE, T. Cease Fire. Searching for Sanity in America’s Culture Wars. Grand Rapids:
William B. Eerdmans Publishing Company, 1995.
SOFIATI, F. M. Religião e Juventude. Os novos carismáticos. Aparecida: Ideias & Letras,
2011.
SORMAN, G. La Révolution Conservatrice Américaine. Paris: Fayard, 1983.
___________. Made in USA.Regards Sur La Civilização Américaine. Paris: Fayard, 2004.
SOUSA, R. F. A Nova Esquerda Americana. De Port Huron aos Weathermen (1960-1969).
Rio de Janeiro: FGV, 2009.
SOUZA, M. A. D. A Abordagem Neoconservadora da Crise na Sociedade Estadunidense
e sua Influência no Governo George W. Bush. 2007. 94 f. Dissertação (Mestrado em
Sociologia) – Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara,
2007.
______________ Pelos motivos errados, para as pessoas erradas e no momento errado: como
os argumentos conservadores desestabilizaram a reforma de saúde Estadunidense. Revista
Diálogo e Desconexão. Vol. 4, nͦ 1 (2011), Disponível em:
<http://seer.fclar.unesp.br/redd/article/view/5044/4182>. Acesso em: 20/12/2012.
______________; FINGUERUT, A. Raça e Imigração na nova configuração da política
doméstica dos EUA durante os primeiros anos do governo de Barack H. Obama. Revista
Diálogo e Desconexão. Vol. 2, nº 2 (2010), Disponível em:
<http://seer.fclar.unesp.br/redd/article/view/4150/3756>. Acesso em: 20/12/2012.
STANMEYER, W. A. Clear and Present Danger. Church and State in Post-Christian
America. Ann Arbor: Servant Books, 1983.
STOLBERG, S. G. Bush Vetoes Measure on Stem Cell Research. The New York Times. 21
jun. 2007. Disponível em:
<http://www.nytimes.com/2007/06/21/washington/21stem.html?_r=0>. Acesso em: 06 ago.
2013.
315

SULLIVAN, A. The Conservative Soul. Fundamentalism, Freedom, and the Future of the
Right. New York: Harper, 2007.
TAPPER, J. Jonesing for Votes. George W. Bush's Speech at a College that Bans Interracial
Dating Raises Questions About his Compassion. Salon. 03 fev. 2000. Disponível em:
<http://www.salon.com/2000/02/03/bob_jones/>. Acesso em: 21 nov. 2013.
TARPLEY, W.G.; CHAITIKIN, A. George Bush: The Unauthorized Biography. Joshua
Tree: Tree of Life Books, 2004.
TEIXEIRA, R. Are The Culture Wars Coming To An End? Think Progress. 18 mar. 2013.
Disponível em: <http://thinkprogress.org/election/2013/03/18/1710021/are-the-culture-wars-
coming-to-an-end/>. Acesso em: 16 jan. 2014.
TERHORST, J.F. Carter Shows He’s Unusual by his Campaigning Methods. Spokane Daily
Chronicle. 09 ago. 1976. Disponível em:
<http://news.google.com/newspapers?nid=1338&dat=19760809&id=P_pLAAAAIBAJ&sjid
=2PgDAAAAIBAJ&pg=2860,1679291>. Acesso em: 15 abr. 2012.
THE PEW FORUM ON RELIGION & PUBLIC LIFE.GOP the Religion-Friendly Party, But
Stem Cell Issue May Help Democrats. The Pew Forum on Religion & Public Life. 24 ago.
2004. Disponível em: <http://www.pewforum.org/files/2004/08/religion-politics2.pdf>.
Acesso em: 20 fev. 2011.
TOCQUEVILLE, A. De la Démocratie en Amérique I. Paris: Gallimard, 1986.
__________________ De la Démocratie en Amérique II.Paris: Gallimard, 1986.
TOGNERI, W. Organizing Communities: The Christian Right and School Reform. CPN.
Disponível em: <http://www.cpn.org/topics/religion/organizing.html>. 1996. Acesso em: 20
out 2013.
TONER, R. THE 1992 CAMPAIGN: Poll; Poll Finds Hostility to Perot And No Basic Shift
in Race 06 out. 1992. The New York Times. Disponível em:
<http://www.nytimes.com/1992/10/06/us/the-1992-campaign-poll-poll-finds-hostility-to-
perot-and-no-basic-shift-in-race.html>. Acesso em: 15 out. 2010.
UTTER, G.H.; STOREY, J.W. The Religious Right. A Reference Handbook. Santa
Barbara: Grey House Publishing, 2007. VINCENT, B. Histoire des États-Unis. Nancy:
Flammarion, 1997.
WALLIS, J. Bush Budget Lacks Moral Vision. Capital Times. 15 fev. 2005. Disponível em:
<http://www.commondreams.org/views05/0215-27.htm>. Acesso em: 15 set. 2012.
WALD, K. D.; CALHOUN-BROWN. Religion in the United States. Lanham: Rouman &
Littlefield Publishers, 2011.
316

WALKER, S. In Defense of American Liberties. A History of the ACLU. New York/


Oxford: Oxford University Press, 1990.
WATKINS, F.M.; KRAMNICK, I. A idade da ideologia. Trad. Rosa Maria e José Viegas.
Brasília: Universidade de Brasília, 1979.
WEBER, M. A ética Protestante e o espírito do capitalismo. Trad. Pietro Nasseti. São
Paulo: Martin Claret, 2002.
WEBLEY, K. How the Nixon-Kennedy Debate Changed the World. Time. 23 jul.2010.
Disponível em:<http://www.time.com/time/nation/article/0,8599,2021078,00.html>. Acesso
em: 13 jan.2011.
WILCOX, C. Onward Christian Soldiers? The Religous Right in American Politics.
Boulder: WestviewPress, 1996.
WILLIAMS, D. K. God’s Own Party. The Making of the Christian Right. New York:
Oxford University Press, 2010.
WINTERS, M. S. Conservative religious women continue to shape Republican politics.
National Catholic Reporter. 14 ago. 2009. Disponível em:
<http://ncronline.org/news/politics/conservative-religious-women-continue-shape-republican-
politics>. Acesso em: 18 jul. 2012.
WOLFE, A. One Nation, After All. What Middle-Class Americans Realy Think About: God,
country, family, racism, welfare, immigration, homosexuality, work, he right, the left, and
each other. New York: Viking/ Penguin Group, 1998.
__________ America’s Impasse. The Rise and Fall of the Politics of Growth. Boston: South
end Press, 1981.
__________; KATZNELSON, I. (edit.) Religion and Democracy in the United States.
Danger or Opportunity? New York: Princeton University Press, 2010.
WOLFGANG, S. Millennialism and the American Political Dream. Truth Magazine. 28 jan.
1982. Disponível em: <http://www.truthmagazine.com/archives/volume26/GOT26016.html>.
Acesso em: 05 jul.2013.
WRIGTH, R. Faith, Hope and Clarity. The New York Time. 28 out. 2004. Disponível em:
<http://www.nytimes.com/2004/10/28/opinion/28wright.html?_r=0>. Acesso em: 15 set.
2013.
ZENGERLE P. Pesquisa – Frase de Romney sobre os 47% abalou a imagem dele. Reuters
Brasil. 19 set. 2012. Disponível em:
<http://br.reuters.com/article/worldNews/idBRSPE88I08L20120919 Acesso em 21/09/2012>.
Acesso em: 20 set. 2012.
317

ZWIER, R. Born-Again Politics. The New Christian Rigth in America. Downers Grove:
InterVarsity Press, 1982.

Referências Filmes:
Argo. Direção: Bem Afleck. Warner Bros, 2012. 1 DVD (120 min.).
As Bruxas de Salém. Nicholas Hytner. Twentieth Century Fox Films, 1996. 1 DVD (124
min.).
A Última Tentação de Cristo. Martin Scorsese. Universal Pictures, 1988. 1 DVD (164 min.).
Blood Money. The Business of Abortion. David K. Kyle. TAH, 2010. 1 DVD (75min.).
Clinton. Barack Goodman; Chris Durance. PBS, 2012. (240 min.).
Frost/Nixon. Direção: Ron Howard. Universal Pictures, 2009. 1 DVD (122 min.).
Gangues de Nova York. Direção: Martin Scorsese. Columbia Pictures Brasil, 2003. 1 DVD
(167 min.).
How Should We Then Live? Direção: Franky Schaeffer IV; John Gonser. Gospel Films
Production, 1977. (320 min.).
Inherit the Wind. Direção: Daniel Petrie. MGM, 1999. 1 DVD (113 min.).
Inside the Deep Throat. Direção: Fenton Bailey; Randy Barbato. Universal Pictures, 2005. 1
DVD (92 min.).
Jesus Camp. Direção: Heidi Edwing; Rachel Grady. A&E Indie-Films, 2006. 1 DVD (84
min.).
Jonestown. The Life and Death of Peoples Temple. Direção: Stanley Nelson. PBS, 2006. 1
DVD (84 min.).
Journeys with George. Direção: Alexandra Pelosi; Aaron Lubarsky. MSNBC, 2002. 1 DVD
(79 min.).
Marjoe. Direção: Howard Smith; Sarah Kernochan. Docurama, 1972. 1 DVD (88 min.).
Milk. A Voz da Igualdade. Direção: Gus Van Sant. Universal Pictures, 2008. 1DVD (127
min.).
Mr. Conservative: Goldwater on Goldwater. Direção: Julie Anderson. Sweet Pea Films, 2006.
1 DVD (90 min.).
Newt Gingrich and the Republican Revolution. Direção: Bill Curtis. Arts & Entertainment
Network, 2008, 1 DVD (100 min.).
Nixon. Direção: Oliver Stone. Disney/Buena vista, 1995. 1 DVD (192 min.).
O Povo Contra Larry Flynt. Direção: Milos Forman. Columbia Pictures do Brasil, 1996. 1
DVD (130 min.).
318

The Clinton Chronicles. Direção: Patrick Matrisciana. Citzens Video Press, 1994. 1 DVD
(101 min.).
The Laramie Project. Direção: Moises Kaufman. HBO, 2002. 1 DVD (95 min.).
Unprecedent:The 2000 Presidential Election. Direção: Richard Ray Pérez; Joan Sekler.
Shout! Factory, 2002. 1 DVD (49.51 min.).
The Terri Schiavo Story. Direção: Ken Carpenter. Frankilin Springs, 2009. 1 DVD (50 min.).
W. Direção: Oliver Stone. Lionsgate, 2008. 1 DVD (129 min.).
Whatever Happened to the Human Race? Direção: Francis Schaeffer; C. Everet Koop. Vision
Video, 1979. (180 min.).

Referências entrevistas:
BARONE, Michael. [março, 2013]. Entrevistadores: Finguerut, Ariel e Souza. Marco Aurélio
Dias.
BECKER, Peter. [março, 2013]. Entrevistadores: Finguerut, Ariel e Souza. Marco Aurélio
Dias.
BOAZ, David. [março, 2013]. Entrevistadores: Finguerut, Ariel e Souza. Marco Aurélio Dias.
BRYAN, Michael. [março, 2013]. Entrevistadores: Finguerut, Ariel e Souza. Marco Aurélio
Dias.
CARNEY, Timothy. [março, 2013]. Entrevistadores: Finguerut, Ariel e Souza. Marco Aurélio
Dias.
CROUSE, Janice Shaw. [março, 2013]. Entrevistadores: Finguerut, Ariel e Souza. Marco
Aurélio Dias.
ESTUDANTES DA LIBERTY UNIVERSITY. [março, 2013]. Entrevistadores: Finguerut,
Ariel e Souza. Marco Aurélio Dias.
LEWIS, Jim. [março, 2013]. Entrevistadores: Finguerut, Ariel e Souza. Marco Aurélio Dias.
MONTANARI, Lorenzo; RADMAN, Adam; ELLIS, Ryan. [março, 2013]. Entrevistadores:
Finguerut, Ariel e Souza. Marco Aurélio Dias.
SCHALAFLY, Phillips. [março, 2013]. Entrevistadores: Finguerut, Ariel e Souza. Marco
Aurélio Dias.

Você também pode gostar