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O CONCEITO DE BEM PÚBLICO NA TEORIA DA AÇÃO COLETIVA

DE MANCUR OLSON

Maria José Soares

RESUMO

Discorrer sobre o conceito de bem público desenvolvido por Mancur Olson


implica em uma referência explícita a crítica efetuada por este autor à teoria
tradicional dos grupos, que define grupo social como sendo constituído por
indivíduos que compartilham interesses comuns. De acordo com a lógica da
teoria tradicional haveria uma correlação direta entre os interesses particulares
dos indivíduos que compõem um determinado grupo e os interesses do grupo
como um todo, uma vez que ao agirem em busca da satisfação dos seus
próprios interesses, os indivíduos estariam contribuindo para a satisfação dos
interesses do grupo ao qual pertencem. Sendo assim, contrariamente ao que
supõe a teoria tradicional a lógica da ação individual no interior dos grupos com
vistas ao provimento do bem comum tende a operar na perspectiva de Olson
em outro sentido: o da maximização dos benefícios e minimização dos custos.
Ou seja, o indivíduo membro de um grupo tende a não participar da ação
coletiva pois, entende que poderá usufruir do bem coletivo alcançado por ela,
sem no entanto, arcar com os custos envolvidos para a realização do mesmo.
Na perspectiva de Olson, portanto, a lógica da ação coletiva com vistas à
produção do bem público fundamenta-se na racionalidade individual
maximizante de benefícios e minimizante de custos, donde decorre a sua
afirmativa de que o interesse individual é diferente do interesse grupal.

Palavras chave: Bem Público, Grupo Social, Ação Coletiva


Discorrer sobre o conceito de bem público desenvolvido por Mancur
Olson implica em uma referência explícita a crítica efetuada por este autor à
teoria tradicional dos grupos, que define grupo social como sendo constituído
por indivíduos que compartilham interesses comuns. Apresentando uma nova
taxonomia dos grupos, o autor tem como preocupação primordial, a tentativa
de explicar os mecanismos empreendedores da ação coletiva no exterior dos
grupos. Objetivamente trata-se, portanto, de discutir como se processa a ação
coletiva no interior dos grupos. Ou seja, quais as dificuldades para se gerar e
produzir uma ação coletiva.
De acordo com a lógica da teoria tradicional haveria uma correlação
direta entre os interesses particulares dos indivíduos que compõem um
determinado grupo e os interesses do grupo como um todo, uma vez que ao
agirem em busca da satisfação dos seus próprios interesses, os indivíduos
estariam contribuindo para a satisfação dos interesses do grupo ao qual
pertencem. Nesta direção, a satisfação de interesses comuns apresentar-se-ia
como sendo o objetivo de todo grupo social, sendo o seu correlato a concepção
do indivíduo como um ser racional que age em busca da maximização de seus
interesses, gerando em contrapartida, uma maximização do interesse do grupo
como um todo. O que está implícito na caracterização dos grupos fornecida
pela teoria tradicional é, portanto, a visão da ação coletiva como sendo o
produto da participação voluntária de todos os membros do grupo com vistas
ao provimento de interesses comuns.
Este raciocínio só é possível porque se pressupõe uma
coincidência direta entre interesse individual e interesse grupal que facilitaria o
empreendimento da ação coletiva uma vez que os custos envolvidos para a
realização da ação são sempre menores do que os benefícios que dela
decorrem. Sob este ponto de vista, o comportamento auto interessado longe de
se apresentar como um aspecto problemático constitui um componente
extremamente benéfico para o empreendimento da ação coletiva, visto que a
busca da satisfação do interesse próprio resulta indiretamente no provimento
do bem coletivo, o que reafirma a tese inicial de que a satisfação de interesses
comuns constitui o objetivo básico da formação do grupo.
Embora concorde com o princípio norteador básico da teoria tradicional
de que, os indivíduos ao formarem um grupo assim o fazem por
compartilharem interesses comuns que os mantêm unidos, Olson critica alguns
aspectos que daí decorrem no que se refere a análise da forma como se
processa a ação coletiva no interior dos grupos. Mais especificamente, refuta o
fato da teoria tradicional pressupor uma correlação direta entre interesse
individual e interesse grupal.
Contrariamente a este procedimento, Olson alega que tal correlação
nem sempre existe em função do fato de que os grupos são detentores de uma
complexidade interna que requer uma análise mais acurada das dificuldades
dai advindas no que toca ao empreendimento e produção da ação coletiva.
Segundo a perspectiva olsoniana, embora o indivíduo possa compartilhar de
interesses comuns com os outros indivíduos no interior de um determinado
grupo, não há garantia direta de que sua ação se dará sempre com vista a
realização do interesse do grupo ao qual pertence.
O eixo sob o qual se assenta tal consideração ancora-se na antítese
apresentada por Olson entre indivíduo e grupo que inviabiliza a aceitação da
idéia de que motivos maximizadores deduzidos a partir de comportamentos
individuais e racionais baseados no auto interesse seriam os responsáveis pela
realização da ação grupal.
Não se trata segundo Olson, de negar a existência do auto interesse,
mas apenas de reconhecer que sua lógica de funcionamento difere daquela
apresentada pela teoria tradicional. Isto é, justamente por ser racional é que a
lógica da ação individual com vistas à obtenção do bem coletivo se dará no
sentido de adquirir maiores benefícios dispendendo o menor custo possível. Tal
como uma empresa que procura maximizar seus lucros no mercado
competitivo, o individuo procura maximizar seus benefícios no interior do grupo
ao qual pertence.
Sendo assim, contrariamente ao que supõe a teoria tradicional a lógica
da ação individual no interior dos grupos com vistas ao provimento do bem
comum tende a operar na perspectiva de Olson em outro sentido: o da
maximização dos benefícios e minimização dos custos. Ou seja, o indivíduo
membro de um grupo tende a não participar da ação coletiva pois, entende que
poderá usufruir do bem coletivo alcançado por ela, sem no entanto, arcar com
os custos envolvidos para a realização do mesmo.
Com isso, Olson nos acena para um dos problemas básicos envolvidos
com uma perspectiva analítica que considera a ação coletiva como produto
resultante das trocas voluntárias e espontâneas entre os indivíduos que
compõem um determinado grupo.
Enquanto ser racional, o indivíduo tenderá a agir em busca da satisfação
de seu auto interesse, aqui representado pela minimização dos custos em prol
da maximização dos benefícios. Ou seja, como o empreendimento da ação
coletiva sempre implica custos, o indivíduo racional tende a não participar da
mesma na esperança de que os demais membros do grupo assim o façam.
Sendo assim, poderá usufruir dos benefícios do bem coletivo gerado sem que
tenha, no entanto, pago pelos custos envolvidos com a produção do mesmo.
Na perspectiva de Olson, portanto, a lógica da ação coletiva com vistas
à produção do bem público fundamenta-se na racionalidade individual
maximizante de benefícios e minimizante de custos, donde decorre a sua
afirmativa de que o interesse individual é diferente do interesse grupal.
A contradição que se apresenta ancora-se no fato de que, enquanto o
interesse grupal é provimento do bem coletivo para todo o grupo, o que implica
na participação de todos os membros com vistas a promoção do interesse
comum; o interesses dos membros, enquanto indivíduos racionais é o usufruto
do bem sem que se contribua com os custos da produção.
Neste sentido, pode-se, pois afirmar que a natureza de um bem público
produzido pela ação coletiva, implica segundo Olson na presença dos free-
riders (caronas) de acordo com a terminologia da Teoria dos Jogos. Os
indivíduos tendem a agir no interior do grupo, em função da maximização de
seus próprios interesses, não pagando pelos custos em relação aos benefícios
que recebe pelo usufruto do bem público produzido.
Diferentemente, portanto, da teoria tradicional que pressupõe uma
coincidência direta entre interesse individual e interesse grupal, a perfectiva de
Olson, advoga uma posição oposta: a lógica da racionalidade individual
maximizante faz com tais interesses entrem em choque, dificultando, por
conseguinte, o empreendimento da ação coletiva.
Neste ponto Olson ressalta que, as dificuldades para a produção da
ação coletiva seria tanto maiores quanto maior for o tamanho do grupo, em
função da Complexidade envolvida com a distribuição dos custos. Ou seja,
alguns membros componentes do grupo tendem a arcar com maiores custos
ao passo que outros, ficariam isentos do pagamento dos mesmos, o que
representa, portanto, um incentivo ao comportamento dos free-riders (caronas).
Além disso, em grupos maiores existe uma expectativa por parte dos indivíduos
de que seu comportamento isoladamente considerado não trataria
conseqüências Prejudiciais para o dos demais membros do grupo.
Tal situação não ocorreria em grupos menores, onde se observa uma
tendência maior a favor da socialização dos custos, já que em função dos
contatos serem mais próximos e diretos, o indivíduo encontra-se mais exposto
e, portanto, mais sujeito a vigilância e controle dos demais membros. Nesta
situação é possível pensar em certa estabilidade na relação entre custos e
benefícios a partir da racionalidade individual, já que um desvio
comportamental poderia resultar em uma sanção moral imposta ao não
participante da ação coletiva pelos outros indivíduos pertencentes ao mesmo
grupo.
De acordo com a lógica interna de funcionamento dos grupos
apresentada por Olson, a questão que permanece, portanto, refere-se ao
problema do controle dos free-riders, que remete para a necessidade da
criação de mecanismos de coação e coerção que forcem os indivíduos a
arcarem com os custos envolvidos para o empreendimento da ação coletiva
com vistas à obtenção do bem público.
Sendo assim, tem-se que na perspectiva de Olson, a produção de uma
ação coletiva que envolva a inclusão de um grande número de indivíduos só se
dá pela intervenção (ação) de um agente externo que mediante incentivos e
coação é capaz de intervir produzindo uma ação que individualmente seria
impossível.
Isso ocorre, pois sendo o indivíduo um maximizador de benefícios, o
empreendimento de sua ação só se dará na medida em que se sinta
recompensado pelos custos nela implicados. Ou seja, sua ação só se dá na
medida em que os benefícios a serem auferidos sejam maiores que os custos a
serem pagos. Daí a importância de se criar incentivos seletivos que possam
funcionar como uma forma de recompensa pelo esforço despendido no
empreendimento da ação coletiva.
É com base nestas considerações acerca da taxonomia e da lógica que
move o funcionamento dos grupos, que Olson nos apresenta a sua definição
de bem publico como sendo todo bem que uma vez provido não pode excluir
de seu usufruto nenhum membro pertencente ao grupo.
Além da não exclusão, um bem público se caracteriza também segundo
a definição olsoniana pela sua constante indivisibilidade na oferta. Ou seja, o
consumo de um bem público por algum membro do grupo, não impede que o
mesmo bem esteja disponível e, portanto, possa ser consumidos pelos demais
membros ainda que, estes últimos não tenham contribuído para a obtenção do
mesmo.
Novamente o problema do controle dos free-riders se faz presente ao
mesmo tempo em que a existência dos mesmos se torna justificável do ponto
de vista da lógica da ação coletiva. Isto é, levando-se em conta os dois
princípios que regem a definição do bem público, é compreensível à
preferência pelo comportamento do carona, uma vez que a não participação no
provimento do bem coletivo, não se apresenta como um critério que excluiria
de forma a impedir o usufruto dos benefícios por ele então gerados. A
distribuição dos custos envolvidos com a produção do bem público no interior
dos grupos na lógica deste raciocínio, se dá sempre de forma sub-ótima em
relação aos benefícios auferidos, uma vez que a definição do mesmo, não
exclui a possibilidade de sem consumo por parte dos free-riders.
Além destas características Já apontadas, Olson ressalta a importância
de se definir o bem público em função do grupo ao qual ele se encontra
referido. Sendo assim, o bem provido só poderá ser considerado como público
para os membros no grupo que custearam o seu provimento, sendo em
contrapartida, um bem privado para os demais membros que não contribuíram
com os custos necessários ao seu provimento.
Por não congregar em torno de si uma unanimidade em termos dos
interesses da sociedade como um todo, a produção de um bem público para
um determinado grupo pode resultar em um mal público para outros grupos
cujos interesses não se afinem com os do primeiro. Isto posto, o Estado se
apresenta para 0lson Como o único grupo capaz de prover bens públicos para
os seus cidadãos. Constitui-se como um grupo altamente inclusivo, já que o
bem público provido é estendido a todos os membros da Nação. Nenhum
membro cidadão do Estado poderá ser excluído do usufruto do bem público por
ele produzido.
Neste sentido, pode-se pois, afirmar, que o Estado é necessário para
produzir aqueles bens que de acordo com os termos aqui indicados ninguém
produziria isoladamente. Isto é, os bens da intervenção, traduzidos na prática
nos chamados bens de segurança ou política de Defesa e Proteção Policial.
Sua função, portanto, seria promover o ordenamento jurídico que garantisse
políticas de segurança, defesa e ordem.
Sendo um macro-agregado de indivíduos, o Estado como os demais
grupos, não sobrevivem apenas da contribuição voluntária e espontânea de
seus membros. Em função do seu tamanho, torna-se necessário mais
organização para mantê-lo, o que se dá mediante o uso de mecanismos de
coerção e incentivos seletivos que sejam capazes de forçar os indivíduos a
contribuírem e, portanto, a pagarem pelos custos necessários ao provimento do
bem público estatal.
Há que se ressaltar, entretanto, que a produção do bem público estatal
nunca se dá de forma ótima, já que também o Estado, conta no seu interior
com a existência dos free-riders, que têm acesso' privilegiado ao mesmo sem
cooperaram com o custeio necessário ao provimento dos bens públicos por ele
gerados.
Desta forma a produção será sempre sub-ótima e coerciva, o que nos
permite perceber de acordo com a perspectiva analítica de Olson, que a
organização estatal compartilha com as grandes organizações privadas, os
mesmos obstáculos e dificuldades no que se refere ao empreendimento da
ação coletiva com vistas ao provimento de bens calcados em interesses
comuns.
Sendo assim, um bem público estatal pode ser considerado um bem
privado se levarmos em conta os privilégios concedidos a determinados grupos
em detrimento de outros. Tais privilégios tornam os grupos beneficiários
privados dos serviços estatais, como bem ilustra a política de subsídios e
incentivos fiscais concedidos a determinadas empresas ou a prática de
concessão de monopólios de um bem público a determinados grupos que deles
se beneficiam, uma vez que se tornam mais competitivos no mercado. Em
contrapartida, os demais grupos alijados de tais práticas, uma vez expostos à
livre competição do mercado tendem a encarar um bem cuja natureza é pública
como um mal público.

Bibliografia:
OLSON, Mancur. The logic of collective Action – Cambridge/Mass:
Harvard University Press, 1974.
SILVA, Ari de Abreu. A ´Predação do Social`- Tese de Doutorado,
IEI/UFRJ, 1995.

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