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As primeiras formulações da Teoria Econômica do Bem-estar tiveram como base o

individualismo metodológico, sendo o conceito de bem-estar centrado na avaliação do bem-


estar (wellbeing) do indivíduo. Este conceito foi fortemente influenciado pelas ideias
utilitaristas, em especial pelas de Jeremy Bentham, tendo, portanto, emergido de outro campo
de estudo que não a própria Economia, a saber, a filosofia. No entanto, diferentemente do que
havia sido advogado pelos filósofos utilitaristas, a Economia Neoclássica, à qual muitos dos
economistas da Teoria Econômica do Bem-estar estavam vinculados, associou a centralidade
no indivíduo à concepção de hedonismo egoísta, no sentido de que a utilidade representava a
maximização da felicidade pessoal, sem considerar as questões éticas (SEN, 1999; GARCIA,
1996).

Na perspectiva do individualismo metodológico, o indivíduo é visto como um ser naturalmente


racional que age visando o auto interesse e, ao agir assim, garante o bem-estar coletivo. Ou
seja, admite-se que o indivíduo possui características naturais intrínsecas que o levam a agir de
forma racional, características estas que não são determinadas pelo contexto histórico em que
ele está inserido. Dentre essas características, está a propensão à troca, que motiva o
estabelecimento de relações comerciais entre os indivíduos. Fatores que inibam a liberdade do
indivíduo em atuar no sistema econômico são compreendidos como violação ao direito
natural.

Entre as primeiras contribuições à teoria do Bem-estar, está o modelo proposto por Walras.
Para Reis (2016), Walras fez uma síntese de quatro proposições que muito influenciaram os
pensadores econômicos do século XIX. Trata-se da Fábula das Abelhas, de Bernard de
Mandeville; da mão invisível, mencionada por Adam Smith; da lei de Say, segundo a qual toda
oferta gera sua própria demanda; e do utilitarismo de Bentham. Essa estrutura de análise
atendia às prerrogativas da ciência moderna, bem como aos princípios políticos liberais de
liberdade individual e de Estado mínimo.

Deste modo, Walras foi o teórico que desenvolveu a construção do modelo de equilíbrio geral,
fundamentado em pressupostos como a autonomia individual dos agentes, racionalidade,
mercado de concorrência perfeita e considerando que os recursos produtivos são distribuídos
entre os proprietários dos fatores de produção, o que permitiria que o sistema econômico
chegasse a um resultado de equilíbrio de pleno emprego. Assim, a partir da ação individual e
maximizadora dos agentes (máximo de bem-estar possível), dados os recursos disponíveis, a
tecnologia e os gostos e preferências dos consumidores, alcançar-se-ia o máximo das
possibilidades produtivas da sociedade (REIS, 2016).
O modelo desenvolvido por Walras recebeu críticas de alguns teóricos e foi aprimorado por
outros, a exemplo de Vilfredo Pareto, que deu relevante contribuição lógica ao modelo de
Equilíbrio Geral. Autores como Bergson, Kaldor, Samuelson, Arrow, dentre outros, também
contribuíram para o desenvolvimento e aprofundamento da Teoria do Bem-estar social.
Dentre as contribuições de Pareto à Ciência Econômica destacam-se três para esta análise: a
criação de uma teoria ordinal de bem-estar; o desenvolvimento da teoria do equilíbrio geral de
Walras; e a criação de um critério de avaliação do bem-estar social (Ótimo de Pareto), que
inaugurou uma nova linha de pesquisa (GARCIA, 1996). Segundo Garcia (1996), Pareto partiu
do conceito de utilidade marginal desenvolvido por Jevons, Menger e Walras. A utilidade
marginal é o adicional de utilidade proveniente do incremento de consumo, que seria positivo
e decrescente. Como a utilidade, nessa abordagem, está relacionada com o consumo, há uma
restrição ao seu crescimento imposta pela renda, pois não é possível consumir para além do
limite de renda (Lei de Walras).

A contribuição de Pareto para a Teoria Econômica do Bem-estar não se limitou à mensuração


da utilidade, avançando para unir o estudo do equilíbrio geral com as propriedades de bem-
estar coletivo da economia. Na sua visão crítica, estabelecer comparações interpessoais de
bem-estar era um abuso lógico e permitia julgamentos de valor moral duvidoso. Considerando
que não é possível comparar sensações de prazer e de sofrimentos e somá-las, tal como
suponha o critério tradicional da economia do bem-estar (SEN, 1999), Pareto contestou essa
possibilidade e introduziu o conceito ordinal de bem-estar social.

Pareto deixou evidente na sua análise que o equilíbrio de uma economia em concorrência
perfeita leva ao máximo de bem-estar da sociedade, reforçando a defesa de liberdade
econômica e não intervenção no mercado. Dado que cada estado social Pareto-ótimo é um
equilíbrio perfeitamente competitivo, tal instrumento analítico ―[...] permite discernir
profundamente a natureza do funcionamento do mecanismo de preços, explicando a natureza
mutuamente vantajosa da troca, produção e consumo regidos pelo auto interesse‖ (SEN, 1999,
p. 50). Com essa inovação analítica é possível comparar diferentes estados da economia, a
partir da observação do bem-estar de cada indivíduo, ou seja, se em uma situação o bem-estar
é maior ou menor do que em outra (GARCIA, 1996).

Araújo e Mendonça (2003) afirmam que a contribuição de Bergson à análise econômica


consistiu em incorporar a função de bem-estar social para a escolha da política ótima. Segundo
esses autores, ―na interpretação de Bergson, a função de bem-estar social seria capaz de
permitir a um planejador governamental incorporar à sua função objetivo a visão individualista
e ética do economista como forma de obter um máximo bem-estar social‖ (ARAÚJO;
MENDONÇA, 2003, p. 9)

Com base na definição de Bergson da função de bem-estar social, Samuelson elaborou, em


1947, uma análise na qual o critério de valor foi incorporado na análise econômica (ARAÚJO;
MENDONÇA, 2003). Considerando que a racionalidade dos indivíduos permite que eles saibam
o que é melhor para si mesmos, o problema da escolha individual não é relevante. No entanto,
a questão da escolha social ou coletiva traz alguns questionamentos sobre o que seria melhor
para a coletividade e como julgar quais critérios seriam aplicados ao processo de escolha.
Outro teórico que também trouxe contribuição relevante para a economia do bem-estar foi
Arrow (1951), que buscou analisar o processo por meio do qual a função de bem-estar social
de Bergson e Samuelson poderia ser alcançada (ARAÚJO, MENDONÇA, 2003). Nicholas Kaldor
ao estudar a economia do bem-estar, estabeleceu o critério da compensação. Segundo este
critério, ―[...] uma mudança é uma melhoria se, a pessoa que ganha, avalia seus ganhos a um
valor mais alto da unidade monetária, do que o valor desta, para os perdedores‖ (SOUZA,
2011, p. 21). Ou seja, aquele que ganha compensa as perdas dos perdedores, deixando-os em
melhores condições que antes. O critério de Kaldor é um aprimoramento do critério de Pareto,
já que a compensação aos perdedores garante que todos participantes do sistema saiam
ganhando ou, no mínimo, permaneçam melhores do que antes. Para Kaldor, se os ganhadores
compensam os perdedores de forma que resulte um ganho líquido, então uma variação
constitui uma melhoria de eficiência econômica ou de bem-estar social (SOUSA, 2011)

As contribuições posteriores à teoria do Bem-Estar tentam aprimorar as limitações da análise


paretiana de otimização. Há uma vasta literatura internacional que analisa os problemas
relativos à questão de agregar preferências individuais para maximizar uma dada função de
bem-estar social, ou satisfazer a algum aspecto normativo. Na Economia moderna do Bem-
estar, o ponto central da análise é o cálculo da política ótima, fundamentada em uma função
objetivo da sociedade definida de maneira exógena. Em geral, não se considera a
heterogeneidade dos indivíduos, bem como os efeitos sobre a escolha da política. Nessa forma
de modelagem, os prováveis conflitos entre grupos não merecem atenção, tampouco são
capazes de influenciar os resultados econômicos. Além disso, assume-se que o Estado é
possuidor de todas as informações e meios necessários para a maximização da função de bem-
estar social.

É possível identificar dois conceitos de bem-estar predominantes na Teoria Econômica do


Bemestar. O primeiro deles, associado à teoria tradicional, define bem-estar em termos de
utilidade e é diretamente relacionado com a filosofia utilitarista. O segundo conceito está
relacionado à eficiência e à otimização, com base na estrutura paretiana de análise econômica,
e fundamenta a chamada Moderna Economia do Bem-Estar. Ao se tratar o bem-estar em
termos de utilidade, assume-se que o critério estabelecido para definir a condição de bem-
estar de um indivíduo é a satisfação dos seus desejos ou prazer. São aspectos subjetivos, que
podem se diferenciar entre os indivíduos. É necessário, portanto, caracterizar o indivíduo,
normatizar o seu comportamento, a fim de possibilitar a análise científica e formal da condição
de bemestar. Conforme já exposto na seção anterior, o indivíduo se comporta de modo
racional e esse comportamento racional representa o comportamento real. Agir racionalmente
é agir buscando a maximização do auto interesse, não importa qual seja a motivação ou as
consequências de tal maximização. Se todos agem motivados pelo auto interesse, então os
indivíduos sempre preferirão mais a menos e não haverá espaço para o altruísmo ou para
renunciar a algo em benefício do outro. Tal comportamento seria irracional

Uma vez que a sociedade (o todo) é vista como a soma dos indivíduos (as partes), para analisar
o

nível de bem-estar social basta que os pressupostos adotados para o comportamento


individual sejam

expandidos para o comportamento social. Assim, o bem-estar social pode ser definido como o
conjunto

de maximizações do auto interesse individual. Haveria uma força equilibradora natural que
garantiria que

se os indivíduos de todas as sociedades agissem de modo racional, o bem-estar geral seria


alcançado e

mantido.

Observa-se que nessa estrutura de análise não há referência às dotações iniciais, sejam dos

indivíduos ou das sociedades (conjunto dos indivíduos). Ao se admitir a existência de um


indivíduo

representativo, que maximiza sua utilidade e que age racionalmente, não se considera a
heterogeneidade

existente entre as pessoas, tampouco que os interesses dos indivíduos e dos grupos ou classes
sociais a que

estes indivíduos pertençam sejam conflitantes.

A condição de bem-estar ótimo paretiana, atualmente muito difundida na teoria econômica

convencional, reforça a ideia de racionalidade como maximização do auto interesse. Sen


(1999) afirma que

a otimalidade de Pareto é um critério bastante limitado de avaliação de bem-estar. Para o


aludido autor, in

verbis, ―Um estado pode estar no ótimo de Pareto havendo algumas pessoas na miséria
extrema e outras

nadando em luxo, desde que os miseráveis não possam melhorar suas condições sem reduzir o
luxo dos
ricos‖ (SEN, 1999, p. 48). Ou seja, a definição de um ponto ótimo não leva em consideração
nenhum

elemento distributivo

Na tentativa de dar à Economia um caráter mais científico e positivista, a complexidade da

natureza humana foi abandonada pelos teóricos da teoria econômica ortodoxa e, por
consequência, por

muitos dos estudiosos da Moderna Economia do Bem-Estar. Com o intuito de se construir leis
de

funcionamento do sistema econômico baseadas no comportamento dos agentes, a análise


econômica se

tornou cada vez mais distante da realidade. Paradoxalmente, a sofisticação matemática – cada
dia mais

formalizada e complexa – foi acompanhada pela simplificação do modo de agir do indivíduo,


resumido na

maximização do auto interesse

A caracterização do comportamento individual e a conceituação do bem-estar feitos pela

Economia do Bem-estar repercutem diretamente nas demais áreas do conhecimento


econômico. Embora

muitos não percebam, é sobre esses pressupostos que a maioria das políticas e ações
econômicas são

estruturadas. Não surpreende, portanto, o distanciamento não raro que tais políticas
apresentam da

realidade concreta das sociedades nas quais elas atuam ou para as quais foram formuladas. A
ausência de

elementos distributivos, históricos, sociais e éticos – este último muito bem argumentado por
Sen (1999) –

contribuem para que as formulações propostas sejam muito mais abstratas do que reais
Na teoria microeconÙmica convencional, ao determinar as alocaÁıes de

equilÌbrio em mercados competitivos, estabelece-se os dois teoremas do bemestar. Estes


teoremas s„o fundamentais, pois identificam sob quais condiÁıes o

equilÌbrio de mercado leva a resultados desejados economicamente, ao mesmo

tempo que d„o o instrumental necess·rio para se identificar as falhas de mercado.

O primeiro teorema do bem-estar diz que dado o preÁo de equilÌbrio e a

alocaÁ„o que representa um equilÌbrio competitivo, esta alocaÁ„o È pareto Ûtimo.

Como este teorema sÛ È v·lido sob certas hipÛteses, ele estabelece as condiÁıes

sob as quais o equilÌbrio de mercado È necessariamente Ûtimo. A principal

condiÁ„o para a validade deste teorema È a de que os mercados sejam completos,

no sentido que existe um mercado para cada bem relevante e que todos os

participantes do mercado sejam tomadores de preÁo.

O segundo teorema do bem-estar estabelece que para qualquer nÌvel pareto

Ûtimo de utilidades, existe uma transferÍncia de riqueza (T1, ..., TI) satisfazendo

ΣiTi=0, tal que o equilÌbrio competitivo alcanÁado apÛs a redistribuiÁ„o de riqueza

est· associado aos nÌveis de utilidade anteriores a transferÍncia de renda. AlÈm de

todas as hipÛteses necess·rias para a validade do primeiro teorema do bem-estar,

para que o segundo teorema seja v·lido È necess·rio tambÈm que exista

convexidade das preferÍncias e do conjunto de produÁ„o.1

No entanto, existem falhas de mercado, isto È, situaÁıes nas quais algumas

hipÛteses que sustentam os teoremas de bem-estar deixam de existir e, como

conseq¸Íncia, o equilÌbrio de mercado deixa de ser uma alocaÁ„o pareto eficiente.

Uma das hipÛteses implÌcitas nos teoremas fundamentais do bem-estar que pode

ser violada È aquela que afirma que as caracterÌsticas de todos os bens s„o

observadas por todos os participantes do mercado. Sem esta hipÛtese, mercados

distintos para bens com diferentes caracterÌsticas podem deixar de existir e ocorre

uma violaÁ„o da hipÛtese de mercados completos. Neste caso, a falha de mercado

È decorrente de um problema de informaÁ„o assimÈtrica.

Diversos autores procuram entender as imperfeiÁıes creditÌcias como


decorrentes de problemas de informaÁ„o assimÈtrica, como Jaffe e Russel (1976),

que explicam o racionamento de crÈdito usando os princÌpios de ìmoral hazardî e

seleÁ„o adversa.2

Estes autores constrÛem um mecanismo simples e direto,

baseado na existÍncia de dois tipos de tomadores de emprÈstimos: os honestos,

que aceitam somente contratos de emprÈstimo que possam pagar e os desonestos,

que n„o cumprem os contratos se os custos da inadimplÍncia forem baixos. Os

emprestadores sabem da existÍncia dos dois tipos de tomadores, mas n„o possuem

informaÁıes sobre eles a priori. Assim, ao aumentarem a taxa de juros ou

ofertarem uma grande quantidade de emprÈstimos, os emprestadores podem atrair

somente o tipo desonesto, portanto preferem uma taxa de juros mais baixa, que

reduz o risco. Logo, para evitar o problema de seleÁ„o adversa, eles preferem

restringir o acesso ao crÈdito, deixando de financiar projetos que lhes dariam uma

taxa de juros mais alta.

Stiglitz e Weiss (1981), e Bell (1988) analisam o papel do colateral no

cumprimento de contratos, enfatizando que, caso os tomadores de emprÈstimos

pudessem oferecer um colateral cujo valor excedesse o principal, a taxa de juros e

os custos de transaÁ„o, e que fosse independente do resultado do investimento

realizado, a assimetria de informaÁ„o n„o teria mais import‚ncia e n„o haveria o

problema de racionamento de crÈdito. PorÈm, se os emprestadores exigem um

colateral maior, isto pode aumentar o risco do projeto, desencorajando os

investidores mais seguros ou induzindo os tomadores de emprÈstimos a investir

em um projeto mais arriscado, que possua um alto retorno. Portanto, mesmo com

a exigÍncia de colateral, pode ocorrer o racionamento de crÈdito.

Podemos entender o racionamento de crÈdito de uma forma mais geral como

um problema de cumprimento de contratos, as pessoas que n„o tÍm riqueza

suficiente para investir em seus projetos precisam tomar emprÈstimos, porÈm,


devido a informaÁ„o assimÈtrica, os emprestadores ir„o exigir deste indivÌduo

uma sÈrie de garantias, como um colateral. Como as pessoas que detÍm pequena

riqueza n„o tÍm como dar estas garantias, elas n„o conseguem crÈdito, investindo

seus ativos em projetos com retornos menores ou em projetos com escala

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ineficiente e taxas de retorno muito altas.3

N„o sÛ a natureza das imperfeiÁıes no mercado de crÈdito foram objeto de

estudo de diversos autores, mas tambÈm a existÍncia de relaÁıes entre as

restriÁıes creditÌcias e a desigualdade na distribuiÁ„o de riqueza.

As teorias sobre desigualdade de renda apontam diversas razıes para a

permanÍncia de uma distribuiÁ„o de renda desigual, como por exemplo, dotaÁıes

iniciais de riqueza distintas entre os indivÌduos, que associadas ‡s imperfeiÁıes no

mercado de crÈdito, impedem que os indivÌduos com menor renda inicial

consigam empregar seus ativos nos projetos mais eficientes, devido a

indisponibilidade do capital mÌnimo necess·rio ao investimento. Assim, a

desigualdade de renda inicial iria perpetuar-se ao longo do tempo devido ‡s

restriÁıes de crÈdito impostas aos agentes mais pobres. Neste caso, os ativos da

economia n„o estariam sendo aplicados da forma mais eficiente possÌvel,

causando uma perda de produto potencial e um menor crescimento econÙmico.

Banerjee e Newman (1991) atenuam esta hipÛtese, apresentando as

imperfeiÁıes no mercado de seguro como um problema de incentivo presente nos

contratos financeiros. O seguro total de um projeto arriscado com altos retornos

n„o seria possÌvel devido a um problema de ìmoral hazardî. Estes autores

desenvolvem um modelo din‚mico para a distribuiÁ„o de renda, enfatizando o

papel do seguro incompleto na geraÁ„o da desigualdade. Baseando-se em agentes

altruÌstas em relaÁ„o aos seus descendentes, avessos ao risco, com preferÍncia e

dotaÁ„o de trabalho idÍnticas que derivam utilidade do consumo e da heranÁa


deixada, novamente chega-se a uma distribuiÁ„o de renda invariante.

A introduÁ„o do risco no modelo se faz atravÈs da existÍncia de dois ativos:

um arriscado e um seguro. Este ativo arriscado È um projeto de investimento que

paga um alto retorno estoc·stico, caso se coloque uma certa quantidade de esforÁo

n„o observado nele. Assume-se a existÍncia de uma grande quantidade de agentes,

de modo que poderia haver um seguro completo do projeto. No entanto, o

mercado nunca promove este seguro total, pois o mesmo gera uma perda de

incentivo das pessoas em se esforÁarem. Como os agentes s„o avessos ao risco,

eles querem compartilh·-lo com outros investidores, entretanto, quanto maior a

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divis„o, menor a fraÁ„o do retorno individual e menor o incentivo a se esforÁar.

Logo, a diversificaÁ„o de todo o risco dos projetos individuais n„o ocorre. Usando

este modelo, os autores demonstram que existe um nÌvel de riqueza abaixo do

qual todas as pessoas podem investir no projeto. As pessoas com renda acima

deste nÌvel s„o aposentados que investem no ativo seguro e seus filhos ser„o mais

pobres que eles. Existe um outro nÌvel de renda, abaixo do qual a riqueza das

pessoas aumenta ao longo das geraÁıes independente da realizaÁ„o da incerteza.

Estes nÌveis de renda n„o persistem ao longo do tempo de modo que a extrema

pobreza È um fenÙmeno transitÛrio. Com isso, toda distribuiÁ„o inicial de renda

ir· convergir para uma distribuiÁ„o de renda est·vel. AlÈm disso, o processo

estoc·stico seguido por cada linhagem n„o È afetado pela distribuiÁ„o inicial de

riqueza, de modo que a distribuiÁ„o limite de cada linhagem È idÍntica a

distribuiÁ„o de longo prazo para a populaÁ„o.

Galor e Zeira (1993) tambÈm enfatizam o papel do mercado de crÈdito na

perpetuaÁ„o da desigualdade de renda, tentando dar uma explicaÁ„o para as

persistentes diferenÁas de produto per capita entre os paÌses. Baseados em

indivÌduos com habilidades idÍnticas e com as mesmas preferÍncias, cuja utilidade

depende do consumo e da heranÁa que ir„o deixar, mas diferentes em relaÁ„o ‡

dotaÁ„o inicial de riqueza, os autores constrÛem um modelo no qual os indivÌduos


vivem por dois perÌodos: no primeiro, podem investir em capital humano e

adquirir educaÁ„o, e no segundo trabalham como m„o-de-obra qualificado ou

desqualificado. As imperfeiÁıes no mercado de crÈdito n„o se d„o via

racionamento de crÈdito para as pessoas que n„o tÍm como cumprir as exigÍncias

do contrato de emprÈstimo, como em Banerjee e Newman (1993), mas atravÈs de

um prÍmio de risco sobre os emprÈstimos, isto È, se d„o atravÈs de uma taxa de

juros maior para os tomadores de emprÈstimos do que para os emprestadores,

devido ao custo de cumprimento do contrato de emprÈstimo. Desde modo, a

dotaÁ„o inicial de riqueza de cada indivÌduo ir· determinar se os indivÌduos

investir„o em capital humano ou n„o e, consequentemente, se ser„o trabalhadores

qualificados ou desqualificados.

O problema deste modelo È que o formato da distribuiÁ„o de renda no

estado estacion·rio dependente completamente da distribuiÁ„o inicial de riqueza,

de modo que se h· igualdade inicialmente, ent„o a sociedade ser· igualit·ria para

sempre. O processo din‚mico da distribuiÁ„o de riqueza È totalmente

determinÌstico, n„o sendo possÌvel identificar como e porque surge a m·

distribuiÁ„o de renda. A tentativa de corrigir este problema foi feita por Aghion e

Bolton (1997), eles endogeinizaram a taxa de juros em seu modelo e mostraram

como a acumulaÁ„o de capital afeta a mobilidade ao longo da distribuiÁ„o de

renda.

Estes ˙ltimos autores baseiam-se em um modelo de ìmoral hazardî, como

Bernejee e Newman (1991), no qual o nÌvel de esforÁo È uma funÁ„o decrescente

do valor do emprÈstimo. Os agentes neste modelo s„o neutros ao risco e a

imperfeiÁ„o no mercado de crÈdito se d· via limitaÁ„o da quantidade emprestada.

Existem trÍs classes de agentes neste modelo: os muitos ricos que se tornam

emprestadores, a classe mÈdia que investe no prÛprio projeto e os pobres que n„o

podem investir no seu projeto devido ao racionamento de crÈdito. A acumulaÁ„o

de capital move o equilÌbrio em favor dos tomadores de emprÈstimo, j· que


aumenta a quantidade de fundos disponÌveis na economia, fazendo com que a

renda da classe mÈdia se aproxime do nÌvel da renda dos ricos e, como o custo do

capital diminui, alguns pobres conseguem investir em seus projetos. Este efeito

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gera uma curva de Kuznets, j· que nos est·gios iniciais os indivÌduos ganham

muito ao emprestar, mas a medida que ocorre a acumulaÁ„o de capital a vantagem

passa para os tomadores de emprÈstimos. Se a acumulaÁ„o de capital for r·pida, a

distribuiÁ„o de riqueza converge para uma ˙nica distribuiÁ„o invariante. Ao

contr·rio dos demais modelos, neste, a taxa de juros È determinada de forma

endÛgena, atravÈs da equalizaÁ„o da demanda e da oferta de fundos para

investimento. Logo, a din‚mica da renda do indivÌduo È n„o-linear, j· que a

evoluÁ„o de cada renda individual ir· depender do comportamento da economia

atravÈs da taxa de juros.

Um outro ponto interessante no modelo de Aghion e Bolton (1997) È que,

ao contr·rio do existente na literatura sobre racionamento de crÈdito mais

conhecida, como Stiglitz e Weiss (1981), neste modelo o racionamento de crÈdito

ocorre quando os custos do capital s„o baixos. A raz„o da divergÍncia de

resultados est· no fato de que na literatura de racionamento de crÈdito, os

tomadores de emprÈstimos e emprestadores s„o determinados de forma exÛgena,

enquanto neste modelo a determinaÁ„o ocorre de forma endÛgena, isto È, os

agentes escolhem quando ser emprestadores e quando ser tomadores de

emprÈstimos dependendo da sua dotaÁ„o inicial de riqueza e dos custos do capital.

Quando os custos do capital s„o altos, os pobres preferem emprestar, j· que a taxa

de juros sobre os emprÈstimos È muito alta, prejudicando quem toma emprestado,

principalmente em grandes quantidades. Quando os custos do capital s„o baixos, a

situaÁ„o se torna favor·vel aos tomadores de emprÈstimos e ent„o os pobres

querem tomar emprestado a esta baixa taxa, mas s„o impedidos devido a falta de

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acesso ao crÈdito. Portanto, neste modelo, o racionamento de crÈdito ocorre


quando os custos do capital s„o baixos.

Motivado por estes diversos autores, Piketty (1997) tenta relacionar as

fricÁıes no mercado de crÈdito que levam ao racionamento, com a din‚mica da

taxa de juros e da distribuiÁ„o de riqueza. Este modelo tenta se aproximar ao

m·ximo do modelo de Solow tradicional.5

Ao invÈs de assumir uma tecnologia

cujo investimento possui tamanho fixo, como na maioria dos trabalhos citados

acima, este modelo baseia-se em uma funÁ„o de produÁ„o cÙncava, o que permite

que o efeito da introduÁ„o das imperfeiÁıes no mercado de crÈdito fique separado

de outras hipÛteses, como a introduÁ„o de uma tecnologia n„o-convexa. As

imperfeiÁıes no mercado de crÈdito se d„o exatamente atravÈs do problema de

ìmoral hazardî proposto por Aghion e Bolton (1997), porÈm as conclusıes s„o

bem diferentes. Neste modelo, È possÌvel sustentar altas e baixas taxas de juros.

Altas taxas de juros estar„o associadas a um grande n˙mero de indivÌduos

sofrendo restriÁıes de crÈdito, o que leva a longo prazo a uma baixa acumulaÁ„o

de capital. M˙ltiplos estados estacion·rios podem ocorrer quando as restriÁıes no

mercado de crÈdito s„o suficientemente fortes, de modo que quando as taxas de

juros s„o altas, os indivÌduos que sofrem restriÁıes credÌticias levam um longo

tempo para acumular capital. A cada nÌvel estacion·rio da taxa de juros est·

associada uma ˙nica distribuiÁ„o de renda, podendo surgir in˙meros equilÌbrios de

longo prazo. N„o h· armadilha da pobreza, mas cada estado estacion·rio apresenta

um certo grau de mobilidade social, esta ser· maior quando a taxa de juros for

menor. AlÈm disso, os estados estacion·rios tambÈm diferem em termos de

produto agregado, aqueles que apresentam altas taxas de juros est„o associados a

um menor produto e baixo estoque de capital, j· que nestes uma grande proporÁ„o

dos indivÌduos estar„o sofrendo racionamento de crÈdito, e investindo e

acumulando capital a nÌveis ineficientes. Neste modelo, devido a existÍncia de

m˙ltiplos equilÌbrios, a polÌtica do governo pode ser eficaz, a medida que uma

taxaÁ„o lump sum na riqueza ou uma mudanÁa na taxa de juros pode levar a

economia a atingir um estado estacion·rio que nunca iria ocorrer.


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Recebido em: julho de 2019.

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