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Ética e Educação

Leituras Complementares

Consequencialismo
1. Dicionário de Filosofia Moral e Política. Consequencialismo.

O consequencialismo é a perspetiva normativa segundo a qual as consequências das nossas


opções constituem o único padrão fundamental da ética. Esta perspetiva corresponde a um
conjunto muito abrangente e diversificado de teorias da obrigação moral, do certo e do errado, e
não há um acordo perfeito quanto às condições que uma teoria tem de satisfazer para ser
classificada como “consequencialista”.
Três características importantes das teorias consequencialistas (mais puras):
 aplicam-se diretamente a atos individuais;
 prescrevem a maximização do bem, isto é, afirmam que os agentes morais estão sob a
obrigação permanente e ilimitada de dar origem aos melhores estados de coisas ou situações;
 pressupõem uma teoria do valor que resulta numa avaliação dos estados de coisas em
termos estritamente impessoais.
Os utilitaristas clássicos terão defendido que agir acertadamente é escolher, entre as opções
disponíveis, aquela que resulta no maior total de prazer.
O utilitarismo parte sempre de uma teoria welfarista do valor, ou seja, sustenta que o bem a
promover consiste exclusivamente no bem-estar dos indivíduos que poderão ser afetados pela
nossa conduta. O utilitarista pressupõe sempre que só as entidades dotadas de estados mentais
conscientes possuem bem-estar no sentido relevante: só essas entidades têm uma vida que pode
ser boa ou má para si próprias.
De acordo com o consequencialismo objetivo ou atualista, o ato certo ou obrigatório é
sempre aquele que efetivamente maximiza o bem, independentemente daquilo que o agente
previu ou poderia ter previsto. O consequencialismo subjetivo ou probabilista, pelo contrário,
identifica o ato obrigatório atendendo à perspetiva epistémica do agente: agir corretamente é
seguir o curso de ação que, ponderadas as probabilidades à luz dos dados disponíveis, se
apresenta mais promissor.
O consequencialismo costuma ser entendido explicitamente não como uma perspetiva sobre
a forma correta de tomar decisões morais, mas como um padrão que visa indicar as
propriedades ou fatores que tornam uma ação moralmente certa ou errada.
Existem duas subjeções fundamentais ao consequencialismo que apontam o seu caráter
fortemente contraintuitivo:
 objeção da integridade: o consequencialismo é uma perspetiva demasiado exigente
(implica que devemos dedicar todos os nossos recursos à promoção estritamente imparcial

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do bem, de tal maneira que qualquer ato que não maximize o bem terá de ser considerado
errado);
 objeção dos direitos: o consequencialismo falha por propor um padrão moral demasiado
permissivo (o consequencialismo não reconhece a existência de quaisquer direitos que
imponham limites àquilo que é permissível fazer em nome do maior bem).

2. Dicionário de Filosofia Moral e Política. Utilitarismo.

O utilitarismo é uma corrente agnóstica, esclarecida e radical, que pretende denunciar a


tirania do poder e do privilégio, bem como o aperfeiçoamento espiritual e material do género
humano. O utilitarismo está ligado em Bentham, seu fundador, a uma espécie de militância que
implica o compromisso com o aperfeiçoamento da humanidade.
Mill considera que os seres humanos procuram simultaneamente a sua felicidade pessoal e a
dos seus semelhantes (hedonistas psicológicos universalistas). Para Mill, os maiores gozos são
aqueles que derivam, não apenas do autodesenvolvimento moral e da autonomia, da agência, da
personalidade ou do respeito, mas também do trato solidário entre os seres humanos.
Três núcleos principais de críticas ao utilitarismo:
 Moore (1903), Principia Ethica, acusou Mill de incorrer na falácia naturalista, pela
passagem, ao que parece indevida, do “desejado” ao “desejável”;
 Rawls (1971), A Theory of Justice, acusou o utilitarismo de esquecer a justiça
contentando-se com a máxima prodição de bem-estar sem se importar com o seu modo de
distribuição, apresentando assim o utilitarismo como uma teoria ética muito deficiente;
 William e Griffin acusaram o utilitarismo de ser uma teoria excessivamente ambiciosa,
por exigir de nós uma preocupação constante pelo bem-estar de toda agente, esquecendo as
lealdades e objetivos particulares.

3. Stuart Mill. Utilitarismo.

Autores desde Epicuro a Bentham defenderam a teoria da utilidade, não entendendo por ela
algo a contradistinguir do prazer, mas o próprio prazer em conjunção com a isenção de dor, e,
em vez de oporem o útil ao agradável ou ao ornamental, declararam sempre que estes se contam
entre aquilo que é abrangido pelo útil.
O credo que aceita a utilidade, ou o Princípio da Maior Felicidade, como fundamento da
moralidade, defende que as ações estão certas na medida em que tendem a promover a
felicidade, erradas na medida em que tendem a produzir o reverso da felicidade. Por felicidade,
entende-se o prazer e a ausência de dor; por infelicidade, a dor e a provação de prazer. A ideia
de que o prazer e a isenção de dor são as únicas coisas desejáveis como fins, e de que todas as
coisas desejáveis (que são tão numerosas no esquema utilitarista como em qualquer outro) são

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desejáveis ou pelo prazer inerente em si mesmas ou enquanto meios para a promoção do prazer
e da prevenção da dor.
Tem de se admitir que, de uma maneira geral, os autores utilitaristas atribuíram a
superioridade dos prazeres mentais sobre os corporais sobretudo à maior permanência e
segurança, bem como à menor dispendiosidade, isto é, às suas vantagens circunstanciais e não à
sua natureza intrínseca. É totalmente compatível com o princípio da utilidade reconhecer o
facto de que alguns tipos de prazer são mais desejáveis e valiosos do que outros.
Um ser com faculdades superiores precisa de mais para ser feliz, provavelmente é capaz de
um sofrimento mais agudo e certamente é-lhe vulnerável em mais aspetos.
O padrão utilitarista não é a maior felicidade do próprio agente, mas o maior total de
felicidade em termos globais, e, embora seja possível duvidar que um caráter nobre seja sempre
mais feliz devido à sua nobreza, não pode haver dúvida que ele torna as outras pessoas mais
felizes e que o mundo em geral ganha imensamente com ele. O utilitarismo só pode atingir o
seu fim através da cultura geral da nobreza de caráter – e isto seria verdade mesmo que cada
indivíduo fosse beneficiado apenas pela nobreza dos outros, e a sua própria, no que diz respeito
à felicidade, constituísse uma simples subtração do benefício.
Segundo o Princípio da Maior Felicidade, o fim último, em relação ao qual e em função do
qual todas as outras coisas são desejáveis (independentemente de estarmos a considerar o nosso
próprio bem ou o bem das outras pessoas), é uma existência tanto quanto possível livre de dor e,
também na medida do possível, rica em deleites no que respeita à quantidade e à qualidade – e o
teste da qualidade, bem como a regra para a confrontar com a quantidade, é a preferência
sentida por aqueles que, em virtude das suas oportunidades de experiência, às quais têm de se
acrescentar os seus hábitos de consciência e observação de si próprios, dispõem dos melhores
meios de comparação. Sendo isto o fim da ação humana, é necessariamente, segundo a opinião
utilitarista, também o padrão da moralidade. Este padrão define as regras e os preceitos da
conduta humana, cuja observância pode assegurar aos seres humanos, no maior grau possível,
uma existência como a que descrevemos – e não só a eles, mas, na medida em que a natureza
das coisas o permite, a todas as criaturas sencientes.
A moralidade utilitarista reconhece nos seres humanos o poder de sacrificarem o seu
próprio maior bem pelo bem de outros. Só se recusa a admitir que o próprio sacrifício seja um
bem. Para ela, um sacrifício que não aumenta nem tende a aumentar o total de felicidade é um
desperdício. A única renúncia pessoal que aplaude é a devoção à felicidade – ou a alguns meios
para a felicidade – dos outros, seja da humanidade considerada coletivamente ou de alguns
indivíduos dentro dos limites impostos pelos interesses coletivos da humanidade.
Tratar os outros como queremos que nos tratem e amar o nosso próximo como nós mesmos
constituem a perfeição ideal da moralidade utilitarista. A utilidade prescreve, em primeiro lugar,
que as leis e estruturas sociais coloquem tanto quanto possível a felicidade ou o interesse de

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qualquer indivíduo em harmonia com o todo, e, em segundo lugar, que a educação e a opinião,
que têm um poder tão grande sobre o caráter humano, usem esse poder para estabelecer na
mente do indivíduo uma associação indissolúvel entre a sua própria felicidade e o bem comum,
especialmente entre a sua própria felicidade e a prática daqueles modos de conduta, negativos e
positivos, que a consideração pela felicidade universal prescreve, não só de maneira a que o
indivíduo seja incapaz de conceber consistentemente a possibilidade de ser feliz agindo contra o
bem geral possa ser um dos habituais motivos para agir em todos os indivíduos, e que os
sentimentos ligados a esse impulso possam ocupar um lugar amplo e proeminente na existência
senciente de todos os seres humanos.

4. Jussi Suikkanen. Consequentialism and Kantian Ethics.

O consequencialismo é mais bem entendido como uma família de perspetivas éticas, que
partilham a mesma estrutura. A ideia fundamental do consequencialismo é que aquilo que é
bom é sempre prioritário e mais importante do que aquilo que tu vais fazer e daquilo que é certo
ou errado.
As teorias consequencialistas têm sempre dois elementos distintos: a teoria do valor e o
elemento deôntico. A teoria do valor tenta captar as coisas que são boas. Teorias deste tipo tem
um papel crucial em todas as formas de consequencialismo. Todas as teorias consequencialistas
devem descrever qual a melhor consequência. O elemento deôntico é utilizado para avaliar as
opções e especificar que opções são corretas ou erradas de escolher.
O utilitarismo demonstra as estrutura básica do consequencialismo. De acordo com esta
teoria, a felicidade e apenas a felicidade tem valor. Desta forma, o utilitarismo prioriza as nossas
opções tendo em conta quanta felicidade elas trazem, não importando quem experimenta a
felicidade ou quando. Uma ação é correta se e apenas se ela tiver as melhores consequências –
ou seja, quando a ação traz mais felicidade geral que outra ação que poderia ser realizada nas
mesmas circunstâncias.
Os utilitaristas pensam que apenas a felicidade é boa e eles entendem a felicidade como o
equilíbrio entre prazer e dor. As ações corretas maximizam sempre a quantidade de prazer e
minimizam a quantidade de dor.

5. Pedro Galvão. Éticas de Princípios e a Abordagem Particularista.

De acordo com o consequencialismo de atos, o princípio fundamental da ética é bastante


simples: devemos agir sempre da forma que resulte em consequências imparcialmente
melhores. O nosso único dever básico é promover o bem de uma forma imparcial no máximo
grau possível. Um ato será errado sempre que exista um ato alternativo cuja realização tivesse
resultado numa situação globalmente melhor.

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A versão mais influente do consequencialismo dos atos é, sem dúvida, a utilitarista,
representada por Stuart Mill. Para os utilitaristas, o bem a promover consiste simplesmente no
bem-estar ou felicidade dos indivíduos afetados pelas nossas escolhas. Um ato certo, então, é
aquele que conduz ao máximo bem-estar agregado. O dever de beneficência, que é apenas um
dos deveres prima facie na lista rossiana, apresenta-se, no utilitarismo, como um dever absoluto
que suplanta todos os outros.
A ética consequencialista tem sido criticada tanto por ser excessivamente permissiva como
por, noutros aspetos, se afigurar demasiado exigente ou proibitiva.
O consequencialismo de regras defende que devemos agir segundo as regras ou princípios
cuja aceitação geral resultaria em consequências imparcialmente melhores. Ao passo que o
consequencialista de atos avalia cada ato diretamente em função da promoção do bem, o
consequencialista de regras reserva essa avaliação para princípios éticos. O melhor conjunto de
princípios (ou seja, o código moral ideal) é aquele que, caso fosse aceite pela generalidade dos
agentes morais, resultaria num maior bem. Aquilo que, em última análise, torna um ato errado é
o facto de não estar em conformidade com esses princípios.
Os consequencialistas de regras sustentam que a sua perspetiva, além de ser uma alternativa
genuína ao consequencialismo de atos, oferece a melhor justificação para os direitos,
prerrogativas e obrigações especiais habitualmente reconhecidos na moralidade do senso
comum.

6. Harry Gensler. Consequencialismo.

O consequencialismo diz que temos apenas um dever básico: fazer o que quer que tenha as
melhores consequências. O consequencialismo é a visão geral de que devemos fazer tudo o
que maximiza as boas consequências. Esta orientação tem várias abordagens, sendo que diferem
quanto a maximizar bons resultados apenas para nós mesmos (egoísmo) ou para todos os
afetados pela nossa ação (utilitarismo) – e quanto a avaliar as consequências apenas em termos e
prazer e dor (hedonismo) ou em termos de uma variedade de bens (pluralismo). O hedonismo
defende que apenas o prazer é intrinsecamente positivo (bom em si mesmo, abstraindo-se de
outras consequências) e apenas a dor é intrinsecamente má.
O consequencialismo diz que devemos fazer tudo o que maximiza boas consequências. Um
tipo popular de consequencialismo é o utilitarismo clássico (hedonista).
O utilitarismo clássico (hedonista) defende que devemos sempre fazer o que traz o maior
equilíbrio de prazer e de dor para todos os afetados pela nossa ação. Este defende que o
principal objetivo da moralidade é promover a felicidade e diminuir a dor. O utilitarismo
clássico diz que devemos fazer o que traz o maior equilíbrio entre prazer e dor para todos os

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afetados pela nossa ação. Essa visão poderia estar baseada na regra de ouro, que nos leva a
preocupar-nos com a felicidade e a miséria dos outros.
Podemos aplicar o utilitarismo diretamente (primeiro estimando as prováveis consequências
de cada opção e depois escolher a opção com as melhores consequências) ou indiretamente
(aplicando uma “regra de ouro” sobre que tipos de ação tendem a ter bons ou maus resultados).
Muitos utilitaristas rejeitam regras sem exceção. Eles acham que qualquer regra deve ser
quebrada quando tem melhores consequências quando é quebrada. Assim, eles veem as regras
morais apenas como “regras práticas” vagas.
O utilitarismo tem muitas implicações bizarras; isso torna difícil manter a visão de maneira
consistente.
O utilitarismo de regras (pluralista) defende que devemos avaliar as consequências em
termos de vários bens, incluindo a virtude, o conhecimento, o prazer, a vida e a liberdade.
Devemos fazer o que seria prescrito pelas regras com as melhores consequências para as
pessoas na sociedade a tentarem seguir.
O utilitarismo de regras é uma forma modificada de utilitarismo, que rejeito o hedonismo
(que só o prazer é intrinsecamente bom). Em vez disso, aceita uma visão pluralista de valor (que
muitas coisas são intrinsecamente boas, incluindo, a virtude, o conhecimento, o prazer, a vida e
a liberdade). Essa visão diz que devemos fazer o que seria prescrito pelas regras com as
melhores consequências para as pessoas na sociedade tentarem seguir. Os utilitaristas de
regras afirmam que a sua abordagem evita as implicações bizarras e produz melhores
consequências.

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Deontologismo
1. Pedro Galvão. Éticas de Princípios e a Abordagem Particularista.

Um princípio ético propriamente dito tem uma forma universal, mesmo que esta nem
sempre esteja explícita. Num princípio ético, estabelece-se uma relação entre uma propriedade
moral, M, e outra ou outras propriedades, P, geralmente não-morais. Afirma-se que tudo o que
seja P também tem (ou não tem) a propriedade M.
Embora qualquer princípio ético tenha uma forma universal, isto não significa que todos os
princípios éticos sejam muito gerais. A generalidade, ao invés da universalidade, é uma questão
de grau – e alguns princípios éticos, em virtude de respeitarem a propriedades muito específicas,
têm um grau elevado de especificidade.
Alguns princípios éticos são axiológicos, pois concernem ao que é intrinsecamente valioso
ou desvalioso, sem afirmar nada quanto ao que aos agentes devem ou podem fazer. A teoria do
valor é o campo da ética filosófica onde se enquadra a busca dos princípios axiológicos
corretos. A teoria da obrigação, pelo contrário, centra-se na procura dos princípios deônticos
corretos. Estes são, grosso modo, aqueles princípios que determinam o que é certo ou errado
fazer.
Generalismo rossiano
A perspetiva mais específica conhecida por generalismo rossiano, exemplificada pela teoria
de David Ross, é a versão mais modesta de generalismo (acreditam na existência de princípios
éticos corretos e com importância prática), na medida em que se define pelas teses: (a) não
existe um princípio ético fundamental que seja correto e (b) todos os princípios éticos corretos
são princípios prima facie.
Um princípio ético fundamental (concebido como o único princípio básico) diz-nos o que,
no fundo, têm em comum todos os atos errados, e só eles – e assim, claro, o que têm em comum
todos os atos certos, e só eles. Um princípio fundamental visa explicar-nos o que torna errados
todos os atos errados, bem como o que torna certos todos os atos certos.
Ross apresenta-nos uma lista dos nossos deveres mais gerais, reconhecendo que esta poderá
estar incompleta: (1) dever de lealdade, que é o de honrar os nossos compromissos; (2) dever de
reparação, que se nos coloca quando agimos erradamente; (3) dever de gratidão, que é relativo a
quem nos beneficiou; (4) dever de justiça, que respeita à distribuição da felicidade em
conformidade com o mérito; (5) dever de desenvolvimento pessoal, que é o de aperfeiçoar as
nossas capacidades intelectuais e morais; (6) dever de beneficência, que se cumpre promovendo
a felicidade dos outros; (7) dever de não-maleficência, cujo cumprimento exige não prejudicar
os outros de determinadas formas. É por intuição racional que sabemos ter estes deveres. Todos

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são autoevidentes. Nenhum deles, no entanto, é absoluto: todos correspondem a princípios
prima facie.

Princípios fundamentais
Em oposição à abordagem de Ross, muitos filósofos julgam existir um princípio fundamental
correto acerca do que é certo ou errado fazer. À luz desse princípio, poderemos definir melhor
os contornos dos nossos deveres mais específicos, resolver pelo menos alguns dos conflitos
entre esses deveres e tentar responder racionalmente às questões situadas no campo da ética
aplicada.
A principal alternativa ao consequencialismo dos atos é a perspetiva deontológica. Os
deontologistas costumam reconhecer um dever de beneficência, mas afirmam a existência de
diversos limites éticos à promoção imparcial do bem. Alguns desses limites consistem nas
chamadas restrições centradas no agente, entre as quais se inclui, no mínimo, uma restrição
contra maltratar os outros. As pessoas têm direitos morais negativos – isto é, direitos a não
sofrer certas formas de interferência na sua vida. E estes direitos, alega o deontologista, não
podem ser infringidos sempre que fazê-lo seja necessário para realizar um maior bem.
O deontologista normalmente defende a existência de prerrogativas centradas no agente. Em
virtude da existência de restrições, em alguns atos que promovem o bem na verdade são errados.
Em virtude da existência de prerrogativas, muitos atos que não promovem o bem na verdade
nada têm de errado: são eticamente opcionais. Contrariamente ao que o consequencialista de
atos supõe, não é errado um agente dar uma prioridade muito considerável aos seus interesses e
aos interesses dos que lhe são mais próximos.
Em oposição ao ideal de imparcialidade proposto pelo consequencialista de atos, o
deontologista afirma ainda a existência de múltiplas obrigações especiais. Estas consistem em
deveres que alguns agentes têm para com apenas alguns indivíduos (e não para com as pessoas
em geral) em virtude de manterem com eles certas relações eticamente significativas.
Não é difícil reconhecer todos os traços de uma ética deontológica na lista rossiana de
deveres prima facie. Ao invés de Ross, no entanto, muitos deontologistas defendem um
princípio ético fundamental.
Ética Kantiana
No campo das perspetivas deontológicas, Kant continua a sobressair entre os que defendem
um princípio ético fundamental. Designando esse princípio por imperativo categórico,
formula-o de diversas formas. As duas “fórmulas” mais emblemáticas correspondem aos
seguintes princípios: (a) devemos agir segundo os princípios, ou máximas, que possamos querer
como leis universais – Fórmula da Lei Universal – e (b) devemos tratar as pessoas não como
meros meios, mas como fins – Fórmula da Humanidade.

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A primeira versão do imperativo categórico, conhecida por Fórmula da Lei Universal, diz-
nos que a nossa obrigação básica é agir segundo princípios que passem um determinado teste de
universalização. Alguns princípios não passam este teste (isto é, não são universalizáveis)
porque seria impossível que todos os seguissem. Kant entende também que alguns princípios,
mesmo que sejam concebíveis como lei universal, não passam o teste de universalização: ainda
que sejam pensáveis como lei universal, na verdade não podemos querer que tosos os sigam.
A segunda versão do imperativo categórico, conhecida por Fórmula da Humanidade,
consiste numa exigência de respeito pelas pessoas, mais precisamente pela sua “humanidade”
ou natureza racional. Negativamente, a Fórmula da Humanidade diz-nos que não devemos fazer
das pessoas meros meios, ou seja, que nunca devemos tratá-las de formas que elas não poderiam
consentir. Pela positiva, a fórmula exige que tratemos as pessoas como fins em si, o que implica
apoiar os projetos e os propósitos dos outros, reconhecendo assim a sua dignidade como seres
racionais e autónomos.

2. Elliott Sober. A teoria moral de Kant.

Kant rejeita a ideia de senso comum de que a razão tem apenas um papel “instrumental”
como guia de ação. A razão não te diz quais devem ser os teus objetivos, em vez disso, diz-te o
que deves fazer dados os objetivos que já tens. Dizer que a razão é puramente instrumental é
dizer que ela é simplesmente um instrumento que te ajuda a atingir objetivos que foram
determinados por outra coisa diferente da razão.
David Hume defende que a “razão é e deve ser escrava das paixões”. Ou seja, a ideia de
Hume é que as ações nunca derivam apenas da razão; elas têm de ter uma fonte não racional.
A teoria moral de Kant rejeita a doutrina de Hume. Segundo Kant, apenas por vezes é
verdadeiro que as ações são produzidas pelas crenças e desejos não racionais do agente, ou seja,
agimos por inclinação. Quando agimos por dever, ou seja, quando as nossas ações são guiadas
por considerações morais em vez de o serem pelas nossas inclinações, o que se passa é
inteiramente diferente. Quando a moralidade guia as nossas ações, a razão determina não só os
meios, mas também o fim. Kant pensava que a moralidade deriva a sua autoridade apenas da
razão. Só a razão determina se uma ação é boa ou má, independentemente dos desejos que as
pessoas possam ter.
Kant defendeu que as regras morais são categóricas na sua forma, e não hipotéticas. Um ato
que é errado, é errado. As regras morais dizem “Não faças X.”. Não dizem “Não faças X se o
teu fim é Y.”. Kant tentou mostrar que as regras morais – os imperativos categóricos –
derivam da razão tão seguramente como os hipotéticos.
As regras morais que tomam a forma de imperativos categóricos descrevem o que temos de
fazer, queiramos ou não fazê-lo; têm uma autoridade bastante diferente das nossas inclinações.

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Logo, Kant pensava que quando agimos moralmente somos guiados pela razão e não pela
inclinação. Neste caso, a razão tem mais do que um papel puramente instrumental.
Outro ingrediente fundamental da filosofia moral de Kant é a ideia de que as leis morais e as
leis científicas têm algo profundamente em comum. As leis morais dizem como as pessoas
devem comportar-se, não dizem o que as pessoas de facto farão. As leis morais são normativas,
enquanto as leis científicas são descritivas. Apesar desta diferença, Kant pensava que havia uma
semelhança profunda entre elas. As leis científicas são universais – envolvem todos os
fenómenos de um tipo específico. Não estão limitadas a lugares ou instantes. Além disso, uma
proposição que enuncia uma lei não faz menção a qualquer pessoa, lugar ou coisa particular.
Kant pensava que também as leis morais têm de ser universais e impessoais. Se está certo que
eu faça uma determinada coisa, então está certo para qualquer pessoa nas mesmas
circunstâncias fazer a mesma coisa.
Kant não concebia a moralidade como algo que se centra em maximizar a felicidade. Em
particular, não via as consequências da ação como o verdadeiro teste das suas propriedades
morais. O que para ele era central é a “máxima que a ação incorpora”.
Não é difícil perceber por que razão precisamos de considerar os motivos do agente e não as
consequências da ação. Para descobrir o valor moral de uma ação, temos de ver por que razão o
agente a realiza, o que as consequências não revelam. O valor moral depende dos motivos e os
motivos são dados pela máxima que o agente aplica ao decidir o que fazer.
Kant está correto ao dizer que conhecer os motivos das pessoas é importante para a avaliação
de algumas propriedades morais da ação. Se queremos avaliar o caráter moral de um agente,
conhecer os seus motivos é importante; as consequências da ação são um guia imperfeito.
Afinal, uma pessoa boa pode causar prejuízos a outros sem intenção; e sem intenção, uma
pessoa malevolente pode beneficiar outros. Todavia, é importante perceber que isto não implica
que as consequências da ação são irrelevantes. Kant sustenta a seguinte tese: o que torna uma
ação certa ou errada não é se as consequências são prejudiciais ou benéficas – Kant rejeita o
consequencialismo em ética.
A ação moral terá de incorporar uma máxima universalizável. Para decidir se estará certo
realizar uma ação particular, Kant diz que deves perguntar se queres que a tua máxima se torne
uma lei universal. A universalidade é a base de todos os imperativos categóricos, de todas as
prescrições morais: os atos morais podem ser universalizados; os atos imorais não. A ideia
acerca das ações imorais não é que seria mau que todos as realizassem; a ideia é que é
impossível que todos as realizem (ou que é impossível para ti querer que todos as realizem).
Há um problema no próprio critério de universalidade. Um objeto singular exemplifica
vários tipos, isto significa que uma dada ação pode ser descrita como incorporando diferentes
propriedades. Kant parece pressupor que cada ação incorpora apenas uma máxima, de maneira
que podemos testar a moralidade de um ato universalizando a sua máxima. O problema é que há

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várias máximas que podem conduzir a uma determinada ação; alguma podem ser
universalizadas, enquanto outras não.
Evidentemente que um facto importante acerca da moralidade é que, se uma ação particular
está certa para mim, então está certa para qualquer pessoa numa situação semelhante. Esta é a
ideia de que as leis morais – os princípios gerais que ditam o que está certo fazer – são
universais e impessoais. O problema é que esta exigência não é suficiente para mostrar que as
generalizações morais são verdadeiras.
Kant pensava que uma importante consequência do teste da universalidade é que devemos
tratar as pessoas como fins em si e não como meios. Kant queria dizer com isto que não
devemos tratar as pessoas como meios para fins que elas racionalmente não poderiam consentir.
A teoria kantiana parece fornecer bases mais sólidas do que o utilitarismo para a ideia de que as
pessoas têm direitos que não podem ser ultrapassados por considerações de utilidade. Não é a
maximização da felicidade que está em jogo na teoria de Kant: é de esperar que a razão por si só
dite princípios de equidade, imparcialidade e justiça.
A ideia de que as pessoas têm direitos é uma correção plausível da ideia de que qualquer
aspeto da vida de uma pessoa tem de passar o teste da maximização da felicidade global.
Todavia, a teoria de Kant enfrenta sérias dificuldades lógicas e o caráter absoluto das suas
declarações parece ser bastante questionável para as convicções morais fortemente defendidas
pelo senso comum.
Para Kant, a ação moral é guiada por princípios que têm um tipo especial de justificação
racional. A linguagem comum talvez se já um pouco enganadora, uma vez que podemos falar
do desejo de agir moralmente e do desejo de ter prazer ou vantagens como se ambos tivessem a
mesma base. Mas Kant não pensava na determinação de agir por dever como uma inclinação
entre outras; ele via a moralidade e a inclinação como esferas inteiramente diferentes. Para
identificar a coisa moralmente certa a fazer, a pessoa terá de pôr de lado as suas inclinações.
Fixando a nossa atenção em leis universais e impessoais, podemos ter a esperança de diminuir o
grau em que o interesse próprio distorce o nosso juízo a respeito do que devemos fazer.

3. Jussi Suikkanen. Consequentialism and Kantian Ethics.

As teorias éticas não-consequencialistas (deontológicas) têm de especificar o que é certo


ou errado sem se basearem naquilo que é bom.
A ideia de Kant era que a forma como elogiamos e culpamos os outros parece ter pouco a
ver com as consequências das suas ações. Em vez disso, o que parece importar é o que as
pessoas tencionam fazer. É por isso que ele pensava que o facto de agirmos corretamente
depende mais da qualidade da nossa vontade do que da qualidade das consequências das nossas
ações.

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As nossas ações são moralmente admiráveis apenas se primeiro testarmos se a máxima que
nos guia pode ser universalizada – Imperativo categórico: “nunca aja de forma a que possa
também desejar que a sua máxima se torne uma lei universal”. Assim, de acordo com Kant,
devemos apenas louvar os nossos atos se estivermos a agir de acordo com uma máxima que tem
de ser testada para ver se também podemos querer que essa máxima seja também uma lei
universal.
Há duas formas de não conseguir que uma máxima se torne numa lei universal. Por vezes,
quando se tenta desejar que a máxima seja uma lei universal, falha-se o teste da contradição na
conceção. Outras vezes, quando se tenta fazê-lo, falha-se o teste da contradição na vontade. Em
ambos os casos, essa máxima não pode ser consistentemente desejada para ser uma lei universal
e o imperativo categórico proíbe-o de agir de acordo com essa máxima.

4. Andrew Chapman. Deontology: Kantian Ethics.

O deontlogismo é o tipo de teoria moral que nega que a moralidade é exclusivamente sobre
as consequências. A teoria ética deontológica mais famosa foi desenvolvida por Immanuel
Kant. De acordo com Kant, as pessoas são, essencialmente, criaturas racionais que são
merecedoras de respeito. Esta racionalidade fundamenta aquilo a que Kant chama o imperativo
categórico, a regra ética fundamental da qual derivam todas as regras éticas particulares. Este
imperativo é categórico na medida em que temos de o seguir, mesmo que não o queiramos.
O imperativo categórico pode ser elaborado a partir de duas fórmulas. A primeira fórmula
baseia-se na ideia de ‘máxima’: um princípio para agir de uma certa forma para atingir um certo
objetivo. Se a máxima for uma lei universal, então todos devem agir segundo esta máxima. A
segunda fórmula encontra-se relacionada com a racionalidade da pessoa – nós nunca somos
autorizados a usar meramente uma pessoa: as pessoas devem ser respeitadas como um fim em
si. Usar as pessoas como “meros meios” envolve tratar as pessoas como objetos ou em tratá-las
de forma que elas não permitem nem consentem, o que é desrespeitá-las.
Parece haver algo de essencialmente correto numa ética kantiana, ou seja, que o respeito e a
racionalidade são fundamentalmente importantes para a nossa vida ética. No entanto, a teoria de
Kant, como outras teorias éticas, possui os seus desafios teóricos e práticos.

5. Harry Gensler. Deontologismo.

Visão prima facie de Ross: Os princípios morais básicos dizem que devemos, em igualdade
de condições, fazer ou não certos tipos de ação: manter as nossas promessas, fazer o bem aos
outros, não prejudicar os outros e assim por diante.
O deontologismo diz que alguns tipos de ação (como matar inocentes ou quebrar promessas)
são errados em si mesmos, e não apenas errados porque têm más consequências. Tais coisas

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podem ser excecionalmente erradas, ou podem apenas ter algum peso moral independente
contra elas.
Um dever prima facie é um dever que se mantém se outras coisas forem iguais. Mais
precisamente, é um fator que tende a tornar algo nosso dever, mas às vezes pode ser substituído
por outros fatores. A visão prima facie de Ross diz que os princípios morais básicos são sobre
deveres prima facie. Outras coisas sendo iguais, devemos manter as nossas promessas, fazer o
bem aos outros, não prejudicar os outros, e assim por diante. Nesta abordagem o que importa na
ética não são apenas as consequências, mas também o tipo de coisa que fazemos.
Ross era pluralista e aceitava três principais bens intrínsecos: virtude, conhecimento e prazer.
Este reconhecia sete deveres prima facie básicos: fidelidade (cumpra as suas promessas),
reparação (compensa o dano que se causa no outro), gratidão (retribua o bem àqueles que lhe
fizeram bem), justiça (distribuições perturbadas de prazer ou felicidade não estão de acordo com
o mérito), beneficência (fazer o bem aos outros), autoaperfeiçoamento (melhore a sua virtude e
conhecimento), não-maleficência (não prejudique os outros).
Os princípios morais básicos de Ross dizem que devemos, outras coisas sendo iguais, fazer
ou não fazer certos tipos de ação. Há deveres de fidelidade, reparação, gratidão, justiça,
beneficência, autoaperfeiçoamento e não-maleficência. Quando estes deveres entram em
conflito, temos de pesar um dever contra o outro e ver qual é o mais forte na situação.
A visão prima facie de Ross é uma forma popular de deontologismo. Esta tenta evitar as
implicações extremas da visão dos “deveres em exceção” e do utilitarismo. Ross concentra-se
no nosso dever de cumprir as promessas. Este dever não se aplica de forma isenta de exceção,
pois pode ser substituído por outros deveres. E, no entanto, não é apenas uma regra prática que
podemos quebrar sempre que houver boas consequências para fazê-lo. Esta visão, embora
pareça aceitável, tem vários pontos fracos. Primeiro, é vago quando o aplicamos a questões
morais específicas. Em segundo lugar, precisa de um princípio de justiça melhor. E, em terceiro
lugar, as suas objeções às normas sem exceção são simplistas, poderíamos melhorar a visão
adicionando insights do utilitarismo de regras sobre princípios estritos.

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Ética das Virtudes
1. David Merry. Virtue Ethics.

As virtudes são excelentes traços de caráter. Elas moldam a forma como agimos, pensamos
e sentimos. Fazem de nós aquilo que somos. As virtudes são adquiridas através de bons hábitos,
durante um longo período.

Segundo Aristóteles (384-322 a.C.), as virtudes são aqueles, e só aqueles, traços de caráter
de que precisamos para sermos felizes. Estes defensores da ética das virtudes são designados
por eudaimonistas, segundo a palavra grega eudaimonia, geralmente traduzida por “felicidade”,
“florescimento” ou “bem-estar”.

Para os eudaimonistas, a felicidade é mais do que um sentimento: implica viver bem com os
outros e perseguir objetivos que valham a pena. Isto inclui cultivar relações fortes e ser bem
sucedido em projetos como criar uma família, lutar pela justiça e desfrutar do prazer (moderado
mas entusiasta). Os eudaimonistas acreditam que a nossa felicidade não é facilmente separada
da felicidade das outras pessoas.

Se os eudaimonistas têm razão quanto à felicidade, então é plausível que precisemos de


virtudes como a honestidade, a bondade, a gratidão e a justiça para sermos felizes.

Os eudaimonistas acreditam que as emoções são essenciais para a felicidade e que as nossas
emoções são moldadas pelos nossos hábitos. Os bons hábitos emocionais são uma questão de
equilíbrio. Porque a virtude exige um equilíbrio entre considerações concorrentes, como dizer a
verdade e ter em conta os sentimentos dos outros, a virtude também requer experiência na
tomada de decisões morais. Os defensores da ética das virtudes chamam a esta capacidade
intelectual inteligência prática ou sabedoria.

Os defensores da ética das virtudes acreditam que podemos utilizar a virtude para
compreender como devemos agir, ou o que torna as ações corretas. De acordo com alguns
especialistas em ética das virtudes, uma ação é correta se, e só se, é o que uma pessoa virtuosa
faria caracteristicamente nessas circunstâncias.

Os defensores da ética das virtudes recomendam que se reflita sobre os traços de caráter de
que necessitamos para sermos felizes. Esperam que isso nos ajude a tomar melhores decisões

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morais. A ética das virtudes pode nem sempre produzir respostas claras, mas talvez reconhecer
a incerteza moral não seja um vício.

2. Linda Zagzebski. Ética das Virtudes – Teoria do Exemplarismo.

A construção da teoria do exemplarismo começa com a referência direta a exemplos de


bondade moral. Os conceitos morais básicos estão ancorados em exemplos de bondade moral,
cuja referência direta é fundamental para a teoria. A escolha de exemplos pode fixar a referência
do termo “pessoa boa” sem a utilização de conceitos descritivos. Não é necessário que as
pessoas comuns envolvidas na prática moral conheçam a natureza das pessoas boas – o que as
torna boas.

As práticas de seleção de tais pessoas já estão incorporadas nas nossas práticas morais.
Aprendemos através de narrativas de pessoas ficcionais e não ficcionais que algumas pessoas
são admiráveis e dignas de serem imitadas, e a identificação dessas pessoas é um dos aspetos
pré-teóricos das nossas práticas morais que a teoria tem de explicar. A aprendizagem moral,
tal como a maioria das outras formas de aprendizagem, faz-se principalmente por imitação. Os
exemplos são as pessoas que são “mais imitáveis”, e são mais imitáveis porque são mais
admiráveis. Identificamos as pessoas admiráveis pela emoção da admiração, e essa emoção é
ela própria objeto de educação através do exemplo das reações emocionais de outras pessoas.

Parto do princípio de que a emoção de admiração é geralmente fiável quando a temos após
reflexão e quando resiste à crítica dos outros. Não temos qualquer garantia de que aquilo que
admiramos após reflexão seja admirável, mas também não temos qualquer garantia de que a
nossa visão ou memória seja fiável se resistir à reflexão. Tudo o que podemos fazer é o melhor
que podemos, usando as nossas faculdades tão consicnetemente quanto possível, e a nossa
disposição para a admiração é uma dessas faculdades.

Esta teoria é compatível com a possibilidade de os indivíduos paradigmaticamente bons


serem apenas contingentemente bons, e é também compatível com a teoria de que a nossa
identificação de exemplares é suscetível de revisão.

Uma vez que as narrativas são uma forma de observação detalhada das pessoas, o
exemplarismo dá à narrativa um lugar importante na teoria, análogo á investigação científica na
teoria dos tipos naturais. As narrativas podem até revelar características necessárias do valor,
descobrindo as propriedades profundas de uma boa pessoa.

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O que quero dizer com exemplar é uma pessoa paradigmaticamente boa. Um exemplar é
uma pessoa que é muito admirável. Identificamos o admirável pela emoção da admiração.
Parto do princípio de que a nossa emoção de admiração é geralmente digna de confiança, mas
não parto do princípio de que confiamos sempre nela. Quando confiamos, consideramos que o
objeto de admiração é admirável. Uma pessoa que é admirável nalgum aspeto é imitável nesse
aspeto.

Definição de uma série de conceitos morais básicos:

 uma virtude é uma característica que admiramos numa pessoa admirável. É uma
característica que torna a pessoa paradigmaticamente boa num determinado aspeto.
 um ato correto (um ato que uma pessoa teria a maior razão moral para fazer) num
conjunto de circunstâncias C é o que a pessoa admirável consideraria ser mais favorecido
pelo equilíbrio de razões nas circunstâncias C.
 um dever (um ato que seria errado não fazer) num conjunto de circunstâncias C é o que a
pessoa admirável se sentiria obrigada a fazer em C, no sentido em que, se não o fizesse, se
sentiria culpada por não o fazer.
 um bom estado de coisas (mais precisamente, o subconjunto de estados de coisas que
podem ser o resultado de atos humanos) é um estado de coisas que as pessoas admiráveis
visam.
 uma vida boa (uma vida desejável uma vida de bem-estar) é uma vida desejada por
pessoas admiráveis.

O exemplarismo não torna as virtudes primárias, embora torne as pessoas virtuosas


primárias. A teoria exemplarista da virtude tem a simplicidade teórica e o poder do
fundacionalismo sem os problemas de uma fundação conceptual. O exemplarismo coloca na
base da teoria um elemento crucial da prática moral e, de facto, da experiência moral: a
identificação de pessoas que admiramos e cuja admirabilidade é algo em que estamos
confiantes.

A referência direta a exemplares dá à teoria um gancho que a liga ao mundo real da prática
moral. O exemplarismo fornece uma estrutura teórica no âmbito da qual o lado empírico da
ética pode ser ligado ao lado a priori tradicional da ética. O exemplarismo dá um lugar
importante à ética narrativa dentro da estrutura da teoria.

3. Harry Gensler. Virtudes.

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Uma virtude é um bom hábito. Para influenciar as nossas vidas de maneira mais profunda,
as normas precisam ser internalizadas no nosso caráter. Uma pessoa boa é uma pessoa de
excelentes traços de caráter, uma pessoa de virtude.
Aristóteles discutiu muitas virtudes, mas dividiu-as em dois grupos principais: virtudes
intelectuais e virtudes morais. A virtude é um meio termo entre os extremos; então a coragem,
por exemplo, está a meio caminho entre a covardia (ter muito medo) e a imprudência (ter muito
pouco medo). Precisamos de sabedoria prática para escolher as virtudes e determinar o meio-
termo. As virtudes visam a felicidade, que é o objetivo final das nossas ações.

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