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A ética ou filosofia moral é a área da filosofia que se dedica aos problemas relacionados

com o modo como devemos viver.

A ética normativa é o ramo da ética que lida diretamente com o problema do critério ético
da moralidade de uma ação: “O que é que torna uma ação moralmente certa ou
errada?”.

No que diz respeito ao seu estatuto moral, os atos podem ser:


- impermissíveis: aquilo que é errado fazer;
- permissíveis: não é errado fazer;
- facultativos: aquilo que não é errado fazer, mas também não é errado não fazer;
- obrigatórios: aquilo que é errado não fazer;
- moralmente neutros: realmente indiferentes, de um ponto de vista moral;
- reprováveis: atos,que embora não sejam proibidos,seria melhor que não os
realizássemos;
- recomendáveis: atos, que embora não sejam obrigatórios, seria bom que os
realizássemos, pois estaríamos a ir além do nosso dever, ou seja, a fazer mais do
que aquilo que é moralmente exigido por nós.

★ Algo tem valor intrínseco se, e só se, tem valor em si mesmo e por si mesmo, isto
é, independentemente daquilo que possa por seu intermédio ser alcançado.

★ Algo tem valor instrumental se, e só se, tem valor apenas como meio para alcançar
certos fins. ex: dinheiro

A ética normativa procura determinar:


I. O que tem intrinsecamente valor (ou desvalor); ou seja, procura desenvolver,
comparar e avaliar diferentes teorias do valor;
II. O que é certo ou errado fazer; ou seja, procura desenvolver, comparar e avaliar
diferentes teorias de obrigação.

Utilitarismo de John Stuart Mill


O utilitarismo de John Stuart Mill caracteriza-se por defender que:
I. a única coisa que tem valor intrínseco é a felicidade;
II. a ação correta é aquela, de entre as alternativas disponíveis, que mais promove a
felicidade.
A felicidade
- Segundo Mill, o fundamento da moralidade é aquilo a que ele decidiu chamar
Princípio da Utilidade ( ou “Princípio da Maior Felicidade). Este princípio
estabelece que:
- as ações são corretas na medida em que tendem a promover a felicidade;
- as ações são incorretas na medida em que tendem a produzir o inverso da
felicidade.

- Argumento da felicidade
1) A única prova de que algo é visível (ou audível) é o facto de ser visto (ou
ouvido) por alguém.
2) Logo, a única prova de que algo é desejável é o facto de ser desejado por
alguém.
3) A única coisa que cada pessoa deseja, por si mesma, é a sua felicidade.
4) Se a única prova de que algo é desejável é o facto de ser desejado por
alguém, e a única coisa que cada pessoa deseja, por si mesma, é a sua
felicidade, então a felicidade individual é a única coisa que é, por si mesma,
desejável para cada pessoa.
5) Logo, a felicidade individual é a única coisa que é, por si mesma, desejável
para cada pessoa.

- Princípio da Utilidade (ou da Maior Felicidade)


1) A felicidade individual é a única coisa que é, por si mesma, desejável para
cada pessoa. (Conclusão do argumento anterior)
2) Se a felicidade individual é a única coisa que é, por si mesma, desejável para
cada pessoa, então a felicidade geral é a única coisa que é, por si mesma,
desejável para o agregado das pessoas.
3) A felicidade geral é a única coisa que é, por si mesma, desejável para o
agregado das pessoas.
4) Se a felicidade geral é a única coisa que é, por si mesma, desejável para o
agregado das pessoas, então a felicidade é o único fim da ação humana, e a
sua promoção é o teste para julgar toda a conduta humana.
5) Logo, a felicidade é o único fim da ação humana, e a sua promoção é o teste
para julgar toda a conduta humana.

Avaliação crítica do argumento a favor do Princípio da Maior Felicidade


- Na premissa 2 do argumento, os críticos veem aí uma falácia da composição, ou
seja, é um erro argumentativo que consiste em atribuir ao todo características que
apenas podem ser legitimamente atribuídas a cada uma das partes.

- Outros filósofos criticam Mill, pois apesar da felicidade ser boa para um indivíduo,
isso não implica que seja bom para um todo.
O hedonismo de Mill
- O utilitarismo de Mill é uma teoria hedonista, o que significa que considera que a
felicidade consiste apenas no prazer e na ausência de dor. Contudo, segundo Mill,
os prazeres não valem todos o mesmo, existem prazeres qualitativamente
superiores e prazeres qualitativamente inferiores.
- Mill, na sua opinião, além da quantidade de prazeres era fundamental ter em conta a
sua qualidade.Isto significa que, contrariamente ao seu antecessor, Mill defendeu
uma versão qualitativa de hedonismo. Segundo Mill, existem prazeres
qualitativamente superiores a outros.
- Os prazeres superiores correspondem aos prazeres intelectuais/espirituais, e os
prazeres inferiores correspondem aos prazeres corporais.

Consequencialismo: intenção e consequências

- O utilitarismo é uma teoria consequencialista, pois sustenta que o estatuto moral


dos atos depende exclusivamente das suas consequências.
- Além disso, trata-se de uma teoria agregacionista, pois defende que a ação correta
é aquela que produz o maior total de bem-estar agregado, independentemente da
forma como este se encontra distribuído pelos diferentes indivíduos.
- A ética de Mill abrange todos os seres não se limitando a escolher.
- Na altura de Mill, causar infelicidade a um animal não racional não era tido em conta,
mas na ética de Mill causar infelicidade a um animal não racional não é correto, pois
também sentem prazer e dor, logo os animais são afetados pelas nossas ações e
isso também deve ser tido em conta.
- Convém destacar, que ao contrário do que alguns críticos afirmam, o padrão da
maior felicidade prescrito pelo utilitarismo não se refere apenas à maior felicidade
do próprio agente, mas sim à maior felicidade geral, ou seja, à felicidade de todos
aqueles que são afetados pela nossa ação. Para Mill, se tivermos de sacrificar o
nosso bem pessoal para garantir uma maior quantidade total de felicidade, então é
precisamente isso que devemos fazer.

Segundo o quadro da Maior Felicidade seria a opção C pois


tem uma maior quantidade de indivíduos felizes. Contudo, a
intensidade dos dois indivíduos da opção A é maior.
Consequentemente é a correta vista pelo ponto de padrão
utilitarista. Na soma do prazer, o número maior é o correto
independentemente do modo distribuído.

Princípios secundários: a inexistência de regras morais absolutas


- Mill não considera que devemos estar permanentemente a calcular a utilidade de
cada ato, pois podemos adotar certos princípios secundários, que a experiência já
demonstrou serem tendencialmente conducentes à maior felicidade, como guias
relativamente seguros para a nossa conduta. Mas estes princípios secundários
não devem ser encarados como regras morais absolutas.
- Para Mill, o mais importante é a qualidade e não a quantidade.

Críticas à ética de Mill


- Objeção ao hedonismo
O hedonismo é falso, pois não estamos apenas interessados em obter o maior saldo
possível de experiências aprazíveis.

1) Se o hedonismo fosse verdadeiro, estaríamos apenas interessados em obter


o maior saldo possível de experiências aprazíveis.
2) Se estivéssemos apenas interessados em obter o maior saldo possível de
experiências aprazíveis, aceitaríamos ligar-nos a uma máquina que
subjetivamente nos desse o maior saldo possível de experiências aprazíveis.
3) Não estamos dispostos a ligar-nos a uma máquina como essa.
4) Logo, não estamos apenas interessados em obter o maior saldo possível de
experiências aprazíveis. (De 2 e 3, por Modus Tollens)
5) Logo, o hedonismo é falso. (De 1 e 4, por Modus Tollens)

- Críticas ao agregacionismo

- O problema de separação entre indivíduos: não têm em conta a separação


entre os indivíduos;
- O argumento da conclusão repugnante: implica que é sempre possível
melhorar um estado de coisas apenas aumentando o número de indivíduos com um
nível minimamente positivo de bem-estar.

1) Se o agregacionismo fosse verdadeiro, então uma ação que resultasse numa


sociedade com um maior número de indivíduos, que vivessem vidas que
quase não merecem ser vividas, seria preferível a uma sociedade com
menos indivíduos, ainda que estes tivessem vidas com elevados níveis de
bem-estar.
2) Ora, é falso que uma ação que resultasse numa sociedade com um maior
número de indivíduos, que vivessem vidas que quase não merecem ser
vividas, seria preferível a uma sociedade com menos indivíduos, ainda que
estes tivessem vidas com elevados níveis de bem-estar.
3) Logo, o agregacionismo é falso.

Contraexemplos ao Princípio da Maior Felicidade

- Contraexemplo da exigência extrema: é demasiado exigente, pois, por maiores


que sejam os sacrifícios pessoais que isso implique, nunca é permissível fazer
menos do que maximizar a felicidade geral;
- Contraexemplo da permissividade extrema: é demasiado permissiva, pois
considera que é permissível cometer injustiças em nome da promoção da maior
felicidade.
A ética deontológica de Immanuel Kant

- A ética deontológica de Kant caracteriza-se por defender que:


I. a única coisa que tem valor intrínseco é a boa vontade;
II. uma ação é moralmente correta se, e só se, podemos consistentemente querer que
a máxima por detrás da mesma se transforme numa lei universal.

- Para Kant, a boa vontade é aquela que age motivada pelo puro cumprimento do
dever, e não por qualquer interesse ou inclinação pessoal. Ou seja, a boa vontade
faz a coisa certa por reconhecer que é a coisa certa, por reconhecer que é a coisa
certa e não porque espera obter algum tipo de benefício em troca.

- Argumento de Kant
1) Quer os dons naturais (como os talentos de espírito e as qualidades do
temperamento), quer os dons da fortuna (como a riqueza,a honra, a saúde e
a felicidade) só têm valor se estiverem associados a uma boa vontade.
2) Se quer os dons naturais (como os talentos do espírito e as qualidades do
temperamento), quer os dons da fortuna (como a riqueza, a honra, a saúde e
a felicidade) só têm valor se estiverem associados a uma boa vontade, então
a boa vontade é apenas instrumentalmente valiosa como meio para outra
coisa que tem valor intrínseco, ou é ela própria a única coisa que tem valor
intrínseco.
3) A boa vontade é apenas instrumentalmente valiosa como meio para outra
coisa que tem valor intrínseco, ou é ela própria a única coisa que tem valor
intrínseco. (De 1 e 2, por Modus Ponens)
4) A boa vontade não é apenas instrumentalmente valiosa como meio para
outra coisa que tem valor intrínseco.
5) Logo, a boa vontade é a única coisa que tem valor intrínseco. (De 3 e 4 por
Silogismo Disjuntivo).

- Para Kant, a própria felicidade não possui valor intrínseco,pois só pode ser
considerada boa se estiver associada a uma boa vontade; caso contrário, pode ter
uma má influência sobre o nosso comportamento, pois esse tipo de satisfação e
contentamento pode tornar-nos desleixados e preguiçosos. Além disso, se a
felicidade não estiver associada a uma boa vontade não tem qualquer tipo de valor,
pois não é merecida.

Avaliação crítica do argumento da boa vontade


- Um utilitarista, como Mill, poderá rejeitar a premissa 1 do argumento da boa vontade,
defendendo que a felicidade tem valor intrínseco independentemente do facto de
estar associada a uma boa vontade ou não.

Ações conforme o dever e ações por dever

- Ações contrárias ao dever: ações imorais, que violam a lei, que não cumprem o
dever e surgem sempre por inclinações sensíveis. Ex: Mentir.
- Ações conformes ao dever movidas por inclinações sensíveis: ações que
cumprem o dever, não por respeito puro pelo dever, mas porque o agente pode
retirar algum benefício ou satisfação pessoal. São ações movidas pelas inclinações
sensíveis. Ex: Não mentir apenas para ser reconhecido socialmente como uma
pessoa honesta.
- Ações realizadas por puro respeito pelo dever (motivadas pelo cumprimento
do dever: ações que cumprem o dever porque assim o dever o indica. O único
motivo da ação é o cumprimento da lei moral (valor moral intrínseco). São ações que
decorrem de uma exigência puramente racional. Ex: Não mentir porque é errado
mentir.

Máximas, imperativos hipotéticos e imperativos categóricos

- Uma máxima é uma regra ou um princípio que nos manda agir de uma determinada
maneira.
- Assim, as máximas correspondem a imperativos que seguimos quando agimos.
- Imperativos hipotéticos: “Faz x, se queres y!” (ou “Não faças x, se não queres y!”)
- Nestes casos, a ação não é realizada por si mesma, mas sim tendo em vista um
determinado fim. Só subscrevemos os imperativos hipotéticos se tivermos adotado
certos desejos ou se tivermos adotado certos desejos ou se tivermos certos fins em
vista.

- Isto significa que uma ação prescrita por um imperativo hipotético pode, na melhor
das hipóteses, ser uma ação conforme o dever, mas nunca será uma ação realizada
por dever e, por conseguinte, nunca poderá ter qualquer tipo de valor moral.

- Imperativos categóricos: “Faz x!” (ou “Não faças x!”)


- Estes imperativos são absolutamente incondicionais, isto é, representam a ação
como objetivamente necessária, independentemente do tipo de pessoa que somos,
dos desejos que temos ou dos fins que procuramos alcançar. Assim, apenas os
imperativos categóricos podem levar a ações por dever, isto é, ações realizadas por
se reconhecer que é aquilo que objetivamente deve ser feito e não porque delas
resulta um benefício ou a satisfação de um interesse ou inclinação pessoal; por
conseguinte, apenas essas ações podem ter valor moral.

Deontologia: o dever, a lei moral e o Imperativo Categórico

- A ética de Kant é uma ética deontológica, pois sustenta que as consequências não
são o único fator relevante para determinar o estatuto moral das nossas ações.

- De acordo com a ética de Kant, o princípio fundamental de toda a moralidade é o


Imperativo Categórico, que recomenda o seguinte: “age sempre segundo uma
máxima tal que as possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei
universal”.Isto significa que, para Kant, uma ação é correta se, e só se, podemos
consistentemente querer que a máxima subjacente à mesma se converta numa lei
universal.
1) As nossas ações têm valor moral se, e só se, são conforme o dever ou por
dever.
2) Se as nossas ações são apenas conforme o dever, mas por interesse, então
a máxima subjacente às mesmas corresponde a um imperativo hipotético.
3) Se a máxima subjacente às nossas ações for um imperativo hipotético, então
estas não têm valor moral.
4) As nossas ações têm valor moral se, e só se, são por dever.
5) As nossas ações são por dever se, e só se, podemos consistentemente
querer que a máxima subjacente às mesmas se converta numa lei universal.
6) Logo, as nossas ações têm valor moral se, e só se, podemos
consistentemente querer que a máxima subjacente às mesmas se converta
numa lei universal.

Avaliação crítica do argumento a favor do Imperativo Categórico

- A premissa 3 afirma que os imperativos hipotéticos não podem conduzir a ações


com valor moral. Porém, um utilitarista, como Mill, pode defender que a motivação
para agir é apenas importante para determinar o valor do agente,mas é irrelevante
para o valor da ação.

O teste do Imperativo Categórico

- O teste de universalização imposto pelo Imperativo Categórico tem duas


componentes: o teste da consistência da máxima e o teste da consistência da
vontade. Uma ação só será moralmente correta se a máxima subjacente à mesma
passar nestas duas etapas do teste de universalização.

Deveres perfeitos e deveres imperfeitos

- Os deveres perfeitos são indicados por máximas que não passam no testes de
consistência da máxima, isto é, por máximas que nem sequer podem ser concebidas
como leis universais, pois seriam autocontraditórias.
- Não admitem qualquer exceção em favor da inclinação, isto é, devem ser
observados em toda e qualquer circunstância. Os deveres deste tipo prescrevem um
respeito total pelos direitos fundamentais das pessoas e, por conseguinte,
estabelecem, de uma forma perfeitamente delineada, um conjunto de restrições
absolutas, ou seja, de coisas que nunca podemos intencionalmente realizar,
independentemente das suas consequências. Por esse motivo, os deveres perfeitos
são, geralmente, formulados na negativa.

- Os deveres imperfeitos são indicados por máximas que não passam no teste da
consistência da vontade, isto é, por máximas que, embora possam ser concebidas
como leis universais, nenhuma vontade pode consistentemente querer que isso
aconteça, pois, nesse caso, estaria a cair em contradição consigo mesma.
- Estes deveres são considerados imperfeitos, pois limitam-se a estabelecer certos
fins obrigatórios , isto é, dizem-nos que devemos procurar alcançar certas coisas,
designadamente o nosso aperfeiçoamento pessoal e felicidade geral. Os deveres
imperfeitos são, geralmente, formulados na positiva, porque recomendam que se
procure fazer certas coisas.

- Os deveres perfeitos têm sempre prioridade sobre os deveres imperfeitos.

Heteronomia e autonomia da vontade

- Kant defende que devemos respeitar a autonomia da vontade em todas as nossas


ações.
- Uma vontade é autónoma se, e só se, age segundo leis que formula para si mesma.
- Uma vontade é heterónoma quando, em vez de se autodeterminar por um
imperativo moral de natureza racional, segue regras que lhe são impostas a partir de
fora.
- A consequências que Kasnt retira de tudo isto é que, ao contrário de tudo o resto
que existe na natureza, as pessoas têm valor intrínseco incondicional: a dignidade
humana. Daí Kant sugerir uma outra formulação do Imperativo Categórico, que
recomenda o seguinte: “age de tal maneira que trates a humanidade, tanto na tua
pessoa como na pessoa de qualquer outra, sempre e simultaneamente como fim em
si e nunca simplesmente como meio.”

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