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DIREITO PENAL IV – (5.° ano diurno)


Prof. João Paulo Martinelli

ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR


Art. 214 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir
que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal:

Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

1) Tipicidade objetiva:

A conduta consiste em constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça,


a praticar ato libidinoso diverso da conjunção carnal.
Ato libidinoso é toda conduta perpetrada pelo sujeito ativo que se consubstancie
numa manifestação de sua concupiscência (Regis Prado). É o ato lascivo, voluptuoso, que
objetiva o prazer sexual (Bitencourt).
No entanto, o ato libidinoso do art. 214 deve ser diferente da conjunção carnal,
pois esta é elementar do crime de estupro (art. 213).
O consentimento da vítima, assim como no estupro, exclui o crime. Sobre a
resistência da vítima, valem as mesmas observações do crime no art. 213.

“A introdução de dedos na vagina da ofendida caracteriza o delito de atentado violento ao pudor,


e não o de estupro, pois que neste é componente do tipo a conjunção carnal” (TJRS – AC – Rel. Ladislau
Röhnelt – RT 594/382).

“Caracteriza o tipo do art. 214 do Código Penal – atentado violento ao pudor – o fato de o
agente haver abraçado e beijado a vítima, tirando-lhe a roupa e despindo-se para, a seguir, colocar o
órgão genital entre as pernas da primeira” (STF – 2.ª T. – HC 76.992 – Rel. Marco Aurélio)

“O ato de ‘encostar o pênis’ nas nádegas de uma menor constitui, do ponto de vista objetivo e
finalístico, um ato sexual, de desafogo da libido. Inclui-se, portanto, entre as atitudes libidinosas do
atentado violento ao pudor” (TJSP – AC 113.999-3 – Rel. Luiz Betanho).

“Simples solicitação verbal, repudiada pelo destinatário, não configura ato de libidinagem. O
mesmo se pode dizer do ato que não chega a ofender o pudor do ‘homo medius’, embora praticado
‘propter obletationem carnis’”(TJRJ – AC – Rel. Raul Quental – RT 404/353).

“Fazer cócegas na barriga, pura e simplesmente, não se traduz, prima facie, em manifestação
sexual. Pode tratar-se de brincadeira inocente, sem nenhuma conotação libidinosa. É verdade que em
determinadas situações esse gesto pode ter conteúdo lúbrico. Basta, para tanto, que o agente, através de
um contato físico ativo (dele para com a vítima) ou passivo (da vítima para com ele), vise a satisfação de
um impulso sexual. (TJSP – AC 113.999-3 – Rel. Luiz Betanho).

2) Tipicidade subjetiva:

O dolo é a consciência e a vontade de praticar atos libidinosos contra a vontade da


vítima. Assim como o estupro, trata-se de delito de tendência, ou seja, a finalidade de
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satisfação da libido não faz parte do tipo subjetivo, mesmo que faça parte da intenção do
agente.
Não há previsão da modalidade culposa.

3) Sujeitos do delito:

a) Sujeito ativo: pode ser qualquer pessoa, homem ou mulher.


“O tipo penal do art. 214 é ‘constranger alguém’. Sendo impessoal o tempo verbal do enunciado
típico, pode o sujeito ativo ser, indiferentemente, qualquer pessoa, ou seja, homem ou mulher” (TJSP – AC
– Rel. Correa Dias – RT 619/277).

b) Sujeito passivo: qualquer pessoa, homem ou mulher. Não há distinção na lei,


podendo ser vítima a mulher, o homem, a prostituta, a virgem, o homossexual.
“No atentado violento ao pudor a tutela jurídica objetiva tão-somente o pudor da vítima, que
também poderá ser o homem, e não apenas a mulher” (TJSP – EI – Rel. Xavier Homrich – RT 346/348).

4) Consumação de tentativa:

“O momento consumativo do atentado violento ao pudor coincide com a prática do ato


libidinoso. Se empregada violência, ou exteriorizada a ameaça, o agente é impedido de prosseguir,
frustrando-se, de todo, o momento libidinoso, o que se pode reconhecer é a simples tentativa, posto que
pelas circunstâncias, seja inequívoco o fim da lascívia” (TJSP – Ap. – Rel. Andrade Cavalcanti – RT
722/434).

“Não ocorre o atentado violento ao pudor, mesmo na forma tentada, se o acusado não chega a
praticar ato algum que o caracterize, escusando-o sua desistência. Aplica-se o instituto da desistência
voluntária” (TJSP – AC – Rel. Silva Leme – RT 563/304).

5) Atentado violento ao pudor e proporcionalidade:

Alguns autores alertam para a proporcionalidade entre a conduta praticada e a


pena imposta pela lei dos crimes hediondos. Cezar Bitencourt diz que beijo lascivo,
tradicionais “amassos”, toques nas regiões pudendas, “apalpadelas” não possuem a
danosidade proporcional que mereceriam a pena.
Estes casos configuram a contravenção penal da importunação ofensiva ao pudor,
pois nesta norma há uma pena menos grave, compatível com estas condutas de menor
lesividade.
Lei de Contravenções Penais:
Art. 61. Importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor:
Pena – multa

Caso a conduta seja praticada fora de local público ou acessível ao público, desde
que seu grau de lesão ao bem jurídico não seja relevante, o fato é atípico (alguns autores
aplicam o princípio da insignificância no caso). Por exemplo, o agente apalpa levemente
os seios da vítima em local particular, sem acesso ao público.
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“O ato de apalpar os seios de da vítima merece reprimenda, mas na proporcionalidade com a


gravidade do fato que, diferentemente de outros, não atinge as características de violência e repúdio do
atentado violento ao pudor. A resposta jurisdicional pretendida daria ao fato a mesma sanção de um
homicídio simples, o que evidencia a desproporção entra a ação e sanção alvitrada no recurso da
acusação. A presunção de violência não pode atingir o injusto. Reprimenda necessária que se faz com a
desclassificação do delito, tal como promovida na sentença. O crime é de ato obsceno tipificado no art.
233” (TJRS – AC 70000765230 – Rel. Aramis Nassif – j. 22.03.2000).

“O toque superficial e fugaz em partes pudendas da mulher, por sobre as vestes, não configura o
crime de atentado violento ao pudor, mas sim a contravenção penal prevista no art. 61 da LCP” (TJSP –
Ap. – Rel. Geraldo Xavier – RT 754/600).

6) Atentado violento ao pudor como crime hediondo:

A Lei 8.072/90 incluiu o atentado violento ao pudor no rol dos crimes hediondos.
Por isso, a necessidade de analisar o caso concreto no momento de classificar a conduta,
a fim de evitar conseqüências graves a condutas sem grande lesividade.
Assim como no estupro, o atentado violento ao pudor praticado mediante
violência presumida não é crime hediondo. A hediondez está tanto em sua forma simples
quanto na forma qualificada (se resulta lesão corporal grave ou morte).

“Exsurge claramente da redação da Lei 8.072, art. 1.°, que o crime de atentado violento ao pudor
foi considerado hediondo em qualquer de suas formas, simples e qualificada” (STJ – RE 136.504/SP – Rel.
Edson Vidigal).

7) Concurso de delitos:

“Coito anal não é elemento constitutivo, conduta inicial ou meio para a realização estupro; mas,
sim, autônomo, distinto deste em seus aspectos subjetivos e materiais. Portanto, possível o concurso entre
os crimes de estupro e atentado violento ao pudor” (TACRIM-SP – AC – Rel. Valentim Silva –
JUTACRIMSP 57/334).

“Constrangimento ilegal – Absorvido pelo atentado violento ao pudor – “O atentado violento ao


pudor já traz em si um constrangimento, tanto que o verbo constranger é o núcleo do tipo do crime do art.
214. Não se caracteriza o concurso de delitos” (TJSP – AC – 105.792-3/0 – Rel. Renato Nalini)

“Sendo diverso o modo de agir e havendo um lapso temporal superior a um mês nos crimes de
atentado violento ao pudor cometidos contra menores, tem-se caracterizado o concurso material e não a
continuidade delitiva, que necessita de unidade de desígnios” (STJ – REsp – Rel Anselmo Santiago – RT
756/538).

8) Causa de aumento de pena:

Valem as mesmas observações ao art. 224 feitas ao crime de estupro. Lembre-se


que o inciso III foi revogado pela Lei 11.106/2005.
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POSSE SEXUAL MEDIANTE FRAUDE

Art. 215. Ter conjunção carnal com mulher, mediante fraude:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.

Parágrafo único - Se o crime é praticado contra mulher virgem, menor de 18 (dezoito) e maior
de 14 (catorze) anos:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.

1) Considerações iniciais:

A redação dada ao tipo penal foi modificada pela Lei 11.106/2005. Foi retirado o
termo “honesta”, para ficar claro que qualquer mulher pode ser sujeito passivo do delito.
O conceito de “mulher honesta” é dos mais subjetivos. Trata-se de um juízo de
valor revelado por determinada sociedade, dentro de certos padrões ético-sociais
vigentes. Não havia mais sentido o direito diferenciar a vítima por fundamentos
irrelevantes aos seus princípios.
Conforme Hungria, a mulher honesta é aquela que ainda não rompeu com o
mínimo de decência exigido pelos bons costumes. Como não se pode determinar qual é
esse mínimo de decência, o legislador optou pela revogação do conceito na legislação
penal.

2) Tipicidade objetiva:

A ação tipificada consiste em ter conjunção carnal com mulher, mediante fraude,
ou seja, manter cópula vagínica de modo fraudulento.
Fraude, no sentido do tipo penal, é o artifício que leva ao engano, é o meio idôneo
para enganar a mulher sobre a identidade do agente ou sobre a legitimidade da conjunção
carnal.

“A posse sexual mediante fraude é de difícil caracterização, pois não é qualquer meio enganoso
que serve de suporte a essa entidade criminal. É preciso emprego de artifícios e estratagemas, uma
situação de fato ou uma disposição de circunstâncias que torne insuperável o erro” (TJPB – AC –
870004692-2 – Rel. José Norat).

“A fraude, tal como posta no art. 215 do CP, não se confunde com as promessas dolosas de
sedução, mas exige mais que isso, vale dizer, o engano da mulher sobre a identidade pessoal do agente ou
sobre a legitimidade da conjunção carnal a que se presta” (TJSP – AC – Rel. Coelho de Paula – RT
548/305).

“A posse sexual mediante fraude se apresenta quando a mulher é levada a erro, pelo meio
empregado pelo agente, a consentir na conjunção carnal. O apelante armou um cenário iludente, fazendo-
se passar pelo marido da vítima, para possuí-la sexualmente. Aproveitou-se do fato de estar viajando o
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marido da vítima, apagou as luzes, desligando a chave geral e se introduziu no quarto como se fosse o
marido. Deitou-se ao lado da mulher e a possuiu sexualmente. Só depois de completado o ato é que se
percebeu a fraude, tendo a mulher gritado por socorro aos vizinhos” (TJMG – AC – Rel. Maurício
Delgado – JM 104/214).

“Por fraude, se deve entender todo meio astucioso, o ardil, o engano, ou outras práticas exigentes
de apreciação ‘in concreto’ para serem consideradas como tais. São consideradas a simulação do
casamento, substituir-se ao marido na escuridão da alcova ou ainda casar-se somente na igreja,
convencendo a vítima de ser tal casamento o único válido” (TJSP – HC – Rel. Goulart Sobrinho – RT
114/410).

“Crime contra os costumes – Posse sexual mediante fraude – Apelante que fazia-se passar por
‘pai-de-santo’ – Hipotética incorporação de uma entidade e pedidos para que as ofendidas se despissem e
praticassem relações sexuais. Narração harmônica e coerente das vítimas. Réu que é um verdadeiro
‘estelionatário sexual’” (TJSP – AC – 197.613-3 – Rel. Lineu Carvalho – Boletim IBCCrim n.° 40, p. 136).

“Aquele que, na qualidade de curandeiro, aproveitando-se da credulidade da ofendida mediante


manobras enganosas, mantém com ela conjunção carnal, pratica o crime de posse sexual mediante fraude
e não estupro, principalmente se não há provas suficientes a corroborar a alegação da vítima do emprego,
pelo agente, de violência física para a consumação do ato sexual” (TJDF – RT 759/662).

3) Tipicidade subjetiva

O dolo é a consciência e a vontade de manter conjunção carnal com mulher


mediante fraude.

4) Sujeitos do delito:

a) Sujeito ativo: somente o homem;


b) Sujeito passivo: somente a mulher; se a vítima tiver idade entre os 14 e os 18
anos, configura-se a qualificadora; se for menor de 14 anos, é estupro com violência
presumida.

5) Consumação e tentativa:

Para que se verifique a consumação do crime, basta o início da conjunção carnal


após a fraude contra a mulher. Não há necessidade da relação sexual ser completa. Se
antes da introdução do pênis na vagina a vítima percebe o engano, e o agente é impedido
de prosseguir, dá-se a tentativa, posto que inequivocamente revelado pelas circunstâncias
o fim de conjunção carnal (Hungria).

6) Forma qualificada:

Se o crime for praticado contra mulher virgem, maior de 14 e menor de 18 anos,


configura-se a qualificadora. Se a vítima é menor de 14 anos, é crime de estupro com
violência presumida.
Nesta hipótese, o erro sobre a virgindade da mulher incide no erro de tipo (erro
sobre a elementar do crime). No caso, o agente responde pela forma simples do crime.
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7) Promessa de casamento: discute-se na doutrina se a promessa de casamento pode ou


não incidir no tipo. Entende-se, majoritariamente, que não é possível.
ATENTADO AO PUDOR MEDIANTE FRAUDE

Art. 216. Induzir alguém, mediante fraude, a praticar ou submeter-se à prática de ato libidinoso
diverso da conjunção carnal:

Pena - reclusão, de um a dois anos.

Parágrafo único. Se a vítima é menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (quatorze) anos:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.

1) Considerações iniciais:

Não há crime de atentado violento ao pudor mediante fraude, uma vez que
inexiste violência ou grave ameaça. Somente há o atentado ao pudor.
O termo “mulher honesta” foi substituído por “alguém” pela Lei 11.106/2005. Ou
seja, o homem também pode ser sujeito passivo.

2) Tipicidade objetiva:

A conduta é similar ao art. 215, com a diferença que o ato visado pelo agente é
outro que não seja a conjunção carnal. Valem as mesmas observações ao crime de
atentado violento ao pudor.
Há necessidade de fraude para a consumação do crime.

“Comete o delito do art. 216 do CP aquele que se vale da condição de enfermeiro para abusar da
doente, submetendo-a a atos de libidinagem a pretexto de aplicar-lhe as injeções de que necessitava”
(TJSP – AC – Rel. Acácio Rebouças – RT 380/155).

“Atentado violento ao pudor mediante fraude – O réu dizendo-se parapsicólogo, “o único


reconhecido pelo Papa”, ludibriou diversas moças (menor, uma delas), algumas com formação
universitária, tomando-lhes jóias, dólares, etc., e com elas praticando atos libidinosos, tudo sob a
promessa de evitar que males abatessem sobre elas e seus entes queridos” (STJ – REsp. 32.217-4 – Rel.
Adhemar Maciel).
*OBS: Há um erro do julgador, pois o atentado não é violento se houve fraude.

“Réu que abusa da ingenuidade da vítima e, a pretexto de dar-lhe ‘aula de ginecologia’, com ela
pratica atos libidinosos diversos da conjunção carnal. Aquiescência da vítima exclui o crime de atentado
violento ao pudor” (TJSP – AC – Rel. Adriano Marrey – RJTJSP 19/443).

3) Forma qualificada:

Valem as mesmas observações ao crime de posse sexual mediante fraude.

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