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Isabela Furtado Guiotti

CORRIMENTO VAGINAL
Secreção vaginal fisiológica:
Características: transparente ou branco, de aspecto mucoide, homogêneo ou grumoso, pouco ou nenhum
odor, conforme a fase do ciclo menstrual em que a mulher se encontra. O pH vaginal é ácido (3,5 a 4,5), o
teste de aminas é negativo e no exame à fresco a flora vaginal é composta predominantemente por
lactobacilos, células epiteliais descamativas e pequena quantidade de leucócitos
Composição do meio vaginal normal:
 Resíduos fisiológicos: muco cervical (secreções intrauterinas), secreções transudatas através da parede
vaginal, secreções das glândulas sebáceas de Bartholin e Skene (são glândulas externas)
 Restos celulares: células epiteliais vaginais e cervicais descamadas
 Microrganismos: predomina a flora aeróbica. A flora bacteriana vaginal pode incluir patógenos oportunistas
que não ocasionam doença nos tecidos sadios da hospedeira:
 Lactobacilos facultativos (Doderlein): são bastonetes gram positivos e correspondem à 90% das
bactérias presentes na flora normal. São considerados os responsáveis pela manutenção do pH ácido
vaginal a partir do metabolismo de glicose obtida do glicogênio do epitélio vaginal. Vários fatores
podem alterar o pH vaginal: muco cervical, sêmen, sangue menstrual, crescimento excessivo de outros
microrganismos da flora, cremes vaginais, DST, alterações hormonais causadas pela menopausa ou
gravidez
 Staphylococcus epidermidis, Streptococcus do grupo B (agalactiae), Gardnerella vaginalis, E. coli e
bactérias anaeróbias: correspondem aos outros 10%

Investigação de corrimento vaginal:


 Exame especular
 Microscopia direta (exame a fresco em solução salina)
 Teste do pH
 Teste das aminas (KOH ou Wiff-test)

VULVOVAGINITES E VAGINOSES INFECCIOSAS


1) Vaginose Bacteriana:
Epidemiologia: é a principal causa de corrimento vaginal na mulher adulta. Não é considerada DST
Etiologia: Gardnerella vaginalis
Fisiopatologia: por razões desconhecidas, ocorre supercrescimento da flora bacteriana anaeróbia da vagina
(Gardnerella, Ureaplasma, Micoplasma, Mobiluncos), em substituição aos lactobacilos (desequilíbrio da flora).
A redução dos lactobacilos resulta em aumento do pH e o aumento das bactérias anaeróbias resulta em
aumento da produção de aminas decorrente do metabolismo anaeróbio
Fatores de risco: duchas vaginais, inicio precoce de atividade sexual, novos ou múltiplos parceiros sexuais
Diagnóstico: devem estar presentes 3 dos 4 critérios de Amsel
 Corrimento vaginal aumentado, bolhoso, fino, homogêneo, branco ou acinzentado e com odor semelhando
ao de pescado (piora ao coito), vagina sem sinais de irritação ou prurido e colo sem alterações. Ausência de
dispareunia
 Microscopia direta evidencia Clue-cells/células alvo (células epiteliais vaginais com
muitas bactérias aderidas à sua superfície - borda celular pontilhada mal definida).
Leucócitos ausentes
 pH vaginal maior que 4,5
 Teste das aminas positivo (microrganismos anaeróbios proliferados produzem aminas
que quando entram em contato com o meio alcalino se volatizam e ocasionam o odor
de peixe)
Complicações: trabalho de parto prematuro, corioamnionite, endometrite
Tratamento: deve ser instituído apenas nas mulheres sintomáticas (não tratar assintomáticas) e nas gestantes
(devido associação com prematuridade). Não tratar o parceiro
 Metronidazol VO 500mg 12/12h por 7 dias: é a primeira escolha. Deve-se evitar o uso de álcool durante o
tratamento (efeito antabuse)
 Clindamicina VO: utilizada nas gestantes, no 1º trimestre de gestação
 Clindamicina creme vaginal
 Metronidazol gel intravaginal

2) Candidíase Vulvovaginal:
Epidemiologia: é a segunda causa mais frequente de corrimento na mulher adulta. Não é DST
Etiologia: causada pela cândida, que é um fungo leveduriforme. A Candida albicans é a responsável pela
maioria dos episódios sintomáticos
Fisiopatologia: desequilíbrio na flora vaginal
Fatores de risco: clima quente, imunossupressão, uso recorrente de antibióticos, diabetes
Diagnóstico:
 Corrimento de cor branca (nata de leite), grumoso, aderido às paredes vaginais, ausência
de odor, prurido vaginal, eritema vaginal, dispareunia, disúria (reação inflamatória)
 Microscopia direta evidencia psuedo-hífas e leucócitos aumentados
 pH vaginal normal (< 4,5)
 Teste das aminas negativo
Tratamento: o tratamento da paciente só é recomendado caso seja sintomática
 Tratamento não farmacológico: não usar calça apertada, não dormir de calcinha, evitar ducha vaginal, usar
calcinha de algodão, evitar biquíni molhado
 O tratamento tópico deve ser a primeira opção. É feito com creme vaginal (clotrimazol, butoconazol,
miconazol) por 7 a 14 noites. O corticoide tópico pode ser utilizado para reduzir prurido
 O tratamento oral é a segunda opção e é feito com fluconazol 150mg VO dose única ou com itraconazol
200mg VO 12/12h por 1 dia (duas doses). O tratamento oral é contraindicado nas grávidas
Candidíase de repetição: 4 ou mais episódios por ano. Pode estar relacionado à presença de diabetes mellitus.
A cultura pode ser realizada para confirmar o tipo de cândida (albicans ou não albicans). O tratamento é feito
com fluconazol 150mg VO, 1 comprimido nos dias 1, 4 e 7 + 1 comprimido por semana, durante 6 meses
(existem diversos esquemas)
3) Tricomoníase
Epidemiologia: é uma DST
Etiologia: Trichomonas vaginalis, que é um protozoário flagelado que não faz parte da flora
vaginal normal
Diagnóstico:
 Corrimento amarelo esverdeado, bolhoso, não aderido às paredes vaginais, fétido. Há
também disúria, dispareunia, prurido, dor, eritema vaginal, colo em morango à colposcopia
 Microscopia direta evidencia o protozoário flagelado móvel e leucócitos aumentados
 pH vaginal aumentado (maior que 4,5)
 Teste das aminas pode ser positivo
Complicações: aumenta risco de rotura prematura de membranas, parto pré-termo
Tratamento: Metronidazol VO 500mg 12/12h por 7 dias ou Metronidazol VO 2g dose única. Deve-se tratar o
parceiro e rastrear outras DST (HIV, hepatite B, sífilis)

Vaginose Bacteriana Candidíase Vulvovaginal Tricomoníase


Etiologia Gardnerella vaginalis (não é DST) Cândida (não é DST) Trichomonas vaginalis (é uma DST)
Fator de Duchas vaginais Calor, imunossupressão, Múltiplos parceiros sexuais, não uso de
risco antibióticos, diabetes preservativo
Corrimento Branco-acinzentado, bolhoso, Brancacento grumoso, aderido, Corrimento amarelo-esverdeado, bolhoso,
fino, homogêneo fétido sem odor fétido
Vulva e Sem sinais inflamatórios Eritema vulvar, prurido, disúria, Eritema vulvar e vaginal, colo em
vagina dispareunia framboesa, prurido e dispareunia
Microscopia Clue-cell Pseudo-hifas Protozoário flagelado
pH vaginal Aumentado (> 4,5) Normal (< 4,5) Aumentado (> 4,5)
Aminas Positivo Negativo Pode ser positivo
Tratamento Metronidazol VO 500mg 12/12h Creme vaginal imidazólico por 7 Metronidazol VO 500mg 12/12h por 7 dias
por 7 dias a 14 noites

CERVICITE
Epidemiologia: é uma DST. No homem é chamada de uretrite

Fatores de risco: outras DSTs, múltiplos parceiros, inicio precoce de atividade sexual

Etiologia: Neisseria gonorrhoeae (diplococo gram negativo intracelular) e Chlamydia trachomatis (bactéria
gram negativa, anaeróbia, intracelular obrigatória). Não fazem parte da flora vaginal normal

Fisiopatologia: transmissão sexual. Acomete epitélio glandular

Diagnóstico: é clínico. Manifesta-se através de corrimento cervical (exterioriza pelo orifício externo do colo
uterino – endocérvice), colo hiperemiado e friável, podendo haver sinusorragia (sangramento após relação
sexual) e dispareunia. A dor abdominal não está presente

Tratamento: dose única de ceftriaxona IM 500mg (cobre gonococo) + azitromicina VO 1g (cobre clamídia –
pode-se utilizar também doxiciclina 100mg VO 12/12h por 7 dias). Antigamente era utilizado ciprofloxacino
para tratamento do gonococo (não é mais utilizado devido desenvolvimento de resistência)

Complicações: Doença inflamatória pélvica (DIP)


Conceito: infecção do trato genital feminino superior (salpingite/endometrite), a partir da ascensão de
bactérias provenientes do trato genital inferior (nem toda DIP cursa com corrimento vaginal)
Etiologia: é uma infecção causada por agentes polimicrobianos (gram negativos e anaeróbios). Os principais
microorganismos são Neisseria gonorrhoeae e Chlamydia trachomatis
Diagnóstico: é clínico. Devem estar presentes 3 critérios maiores + 1 critério menor ou 1 critério elaborado
(isolado)
 Critérios maiores (mínimos): dor hipogástrica, dor à palpação anexial, dor à mobilização do colo
 Critérios menores (adicionais): febre, corrimento cervical, leucocitose, VHS ou PCR aumentados
 Critérios elaborados (definitivos): abscesso tubo-ovariano ou no fundo de saco, endometrite (na biópsia),
achados videolaparoscópicos compatíveis
Complicações: infertilidade, gravidez ectópica, dor pélvica crônica, síndrome de Fitz-Hugh-Curtis (aderência
perihepática em cordas de violino, que manifesta-se por dor em quadrante superior, febre)
Classificação de Monif:
I. Sem peritonite
II. Peritonite
III. Abcesso tubo-ovariano ou oclusão da tuba uterina
IV. Abcesso tubo-ovariano > 10cm ou ruptura
Tratamento: tratar o parceiro e rastrear outras DSTs

Ambulatorial Hospitalar
Indicações DIP I DIP II, III ou IV; gestantes; imunocomprometidos;
sem melhora após 72h
Medicamento Ceftriaxona IM 500mg dose única + doxiciclina Clindamicina EV + Gentamicina EV. Realizar
100mg VO 12/12h 14 dias ± metronidazol 500mg VO exame de imagem (USTV). Se ruptura, realizar
12/12h 14 dias também tratamento cirúrgico

URETRITE
Conceito: corrimento uretral (na mulher pode ocorrer tanto uretrite quanto cervicite)

Etiologia: Neisseria gonorrhoeae (diplococo gram negativo intracelular) e Chlamydia trachomatis (bactéria
gram negativa, anaeróbia, intracelular obrigatória)

Diagnóstico sindrômico de acordo com o MS: pode ser feito através da bacterioscopia
 Presença de diplococos gram negativos intracelulares: tratar clamídia e gonorreia
 Ausência de diplococos gram negativos intracelulares: tratar clamídia
 Bacterioscopia não disponível: tratar clamídia e gonorreia

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