Você está na página 1de 54

UNIVERSIDADE UNITIVA

WUTIVI
Departamento do Curso de Direito
Plano Temático da Disciplina de Direito Penal II
(DA) – 2016

HOMICÍDIO SIMPLES
 
1.     Introdução
O crime de homicídio descrito no art. 131º CP constitui o tipo legal fundamental dos
crimes contra a vida.
É a partir deste tipo legal fundamental que a lei edifica os restantes tipos de crimes
contra a vida, ora qualificando-o, ora privilegiando-o, ora especializando as formas de
ataque ao bem jurídico ou tipo subjectivo de ilícito e o tipo de culpa congruente.
O bem jurídico protegido pelo homicídio, não é simplesmente a vida humana, mas,
mais rigorosamente, a vida de pessoa já nascida.
É a Constituição a impor a defesa da vida humana. O direito à vida funda-se na
norma constitucional que consagra a sua inviolabilidade e proíbe a pena de morte (art.
24º/2 CRP). Decorre da consagração deste direito o comando ao legislador ordinário
para que incrimine o homicídio e os comportamentos perigosos para a vida alheia mais
relevantes.
 
2.     O tipo objectivo de ilícito
O tipo objectivo de ilícito do homicídio consiste em matar outra pessoa. Atrás desta
aparente simplicidade esconde-se uma série de problemas dos mais complexos e de
difícil e contestável solução com que depara a doutrina do direito penal; e não só do
direito penal ou mesmo do direito, senão que de todo o pensamento filosófico e
científico que tem a ver com o homem.
 
3.     O início da vida ou início da vida extra-uterino
Duas teses se apresentam como possíveis e têm, na verdade, sido defendidas na
literatura jurídico-penal. Segundo uma dessas teses a vida começaria, tal como para o
direito civil é prescrito pelo art. 66º/1 CC, com a completação do processo de
nascimento (o “nascimento completo e com vida”). Segundo uma outra tese a
protecção dispensada pelo crime de homicídio iniciar-se-ia não com a conclusão, mas
pelo contrário com o início do acto de nascimento.
A vida relevante para efeitos de homicídio ou de crimes de perigo para a vida do
capítulo I é a vida extra-uterina.
O momento de início da vida verifica-se quando se iniciar contracções
ritmadas, intensas e frequentes que previsivelmente conduzirão à expulsão do
feto.

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 1

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
A capacidade de vida autónoma do feto não é pressuposto da qualidade de pessoa
para efeito de integração do tipo objectivo de ilícito. Suficiente é que a criança, no
referido momento inicial do nascimento, esteja viva. Por isso o crime de homicídio é
possível relativamente a crianças que, pelos mais diversos motivos não tenham
nenhuma possibilidade de continuar a viver fora do ventre materno.
 
4.     O termo da vida
O momento a partir do qual cessa a tutela jurídico-penal dispensada por aquele tipo.
A qualidade da pessoa para efeito do tipo de ilícito objectivo do homicídio termina com
a morte. O critério adoptado é o da morte cerebral. Morte é assim, para este efeito, a
destruição anatómica estrutural do cérebro na sua totalidade; nunca, portanto, uma
mera lesão cerebral ou mesmo a chamada “morte neocortical”.
O tipo objectivo de ilícito do homicídio deve pois, dizer-se que ele se realiza com
a morte de uma pessoa, isto é, com o causar a morte de pessoa diferente do agente.
O “causar morte” significa que tem de se estabelecer o indispensável nexo de
imputação objectiva do resultado à conduta.
 
5.     O tipo subjectivo de ilícito
O tipo subjectivo de ilícito do homicídio previsto no art. 131º CP, exige o dolo, em
qualquer das suas formas contempladas no art. 14º CP, directo, necessário ou
eventual. Trata-se por isso de um tipo relativamente ao qual se verifica aquilo que a
doutrina chama de total congruência entre a sua parte objectiva e a parte subjectiva.
Importa todavia sublinhar que, para se verificar dolo eventual relativamente a condutas
objectivamente e mesmo extremamente perigosas, não basta que o agente preveja o
perigo de resultado e se conforme com ele, tornando-se antes sempre necessário que
aquele preveja e se conforme com o próprio resultado; e o mesmo se dirá para as
acções cometidas em estado de afecto, por mais que as regras da experiência
mostrem que as acções como a levada a cabo se segue normalmente o resultado
morte
 
6.     As causas de justificação
Consentimento: seja ele presumido ou consentido (arts. 38 e 39 CP) não exclui, em
caso algum, a ilicitude do homicídio doloso, mas pode conduzir a que a punição venha
ocorrer, antes que pelo art. 131º CP, pelo art. 134º CP.
 
7.     As formas especiais do crime
a)     Tentativa
A tentativa do cometimento do homicídio é sempre punível por força do disposto no
art. 23º/1 CP. Dada a particular gravidade do crime em questão, há por vezes
tendência jurisprudencial para antecipar o mais possível o início da tentativa, reputando
actos de execução o que verdadeiramente não passa de actos preparatórios, em
princípio não puníveis1.
b)     Comparticipação
1

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 2

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
Em matéria de autoria e de cumplicidade valem completamente as regras gerais.
Particulares dificuldades suscita todavia a questão de saber se, relativamente a um
mesmo crime de homicídio, pode um comparticipante ser punido por homicídio simples
e outro por homicídio qualificado ou privilegiado.
c)     Concurso
O crime de homicídio do art. 131º cede sempre relativamente à sua qualificação
como homicídio privilegiado (art. 133º CP) ou qualificado (art. 132º CP).
Uma tentativa de homicídio (nomeadamente sobre a forma de tentativa impossível,
nos termos do art. 23º/3 à contrario CP) pode porem já concorrer, em concurso
efectivo, com um homicídio por negligência nos termos do art. 137º CP. Já porem
relativamente ao homicídio doloso consumado, o crime do art. 137º CP só
aparentemente pode concorrer com o do art. 131º CP

8.     Tipos de culpa “exclusivas”


A estrutura dos homicídios é refractária a que sejam “puros” tipo de ilícito, ou seja,
erguidos em função do maior ou menor desvalor material dos comportamentos
homicidas que registam, e só nessa base consideráveis.
A lei usa terminologia de onde se conclui que é a culpa que desencadeia a aplicação
destas normas. Tem de haver maior censurabilidade ou perversidade do agente para
que o homicídio qualificado (art. 132º CP) produza efeitos; tem de haver menor culpa,
para que o privilégio do art. 133º CP actue; o mesmo acontece nos arts. 134º e 136º
CP.
Os homicídios dolosos são tipos de ilicitude e culpa, ou seja: eles não contêm só,
nem determinadamente, aspectos da figura-de-delito que respeitem à danosidade do
comportamento contêm aspectos que retratam a atitude do autor, mais ou menos
censurável.
2
Esta tendência é injustificável e deve ser decididamente combatida.

HOMICÍDIO QUALIFICADO
 
9.     Introdução
O critério generalizador, dos exemplos-padrão consubstancia-se num tipo de culpa,
cuja função é a de caracterizar de forma autónoma uma atitude do agente actualizada
no facto como especialmente censurável ou perversa.
A delimitação da noção do tipo de culpa é fundamental na apreensão do critério
generalizador utilizado pelo legislador. A sua existência e a sua missão no âmbito de
um conceito material de culpa, capaz de converter-se numa medida susceptível de
elevação ou diminuição para além dos limites fixados pela graduação da ilicitude.
O homicídio qualificado não é mais que uma forma agravada do homicídio
“simples” previsto no art. 131º CP.
A qualificação deriva da verificação de um tipo de culpa agravado assente numa
cláusula geral extensiva e descrito com recurso a conceitos indeterminados: a
2

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 3

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
“especial censurabilidade ou perversidade” do agente referida no art. 132º/1 CP,
verificação indiciada por circunstâncias ou elementos uns relativos ao facto, outros ao
autor, exemplarmente elencados no art. 132º/2 CP. Elementos estes assim, por um
lado, cuja verificação não implica sem mais a realização do tipo de culpa e a
consequente qualificação; e cuja não verificação, por outro lado, não impede que se
verifiquem outros elementos substancialmente análogos aos descritos e que integrem o
tipo de culpa qualificador. Deste modo devendo afirmar-se que o tipo de culpa supõe a
realização dos elementos constitutivos do tipo orientador que resulta de uma imagem
global do facto agravada correspondente ao especial conteúdo de culpa tido em
conta no art. 132º/2 CP.
Estes elementos são típicos de certas classes de crimes, designadamente das que
constituem grupos valorativos que exprimem um maior ou menor desvalor da atitude
relativamente ao tipo fundamental. Ou seja, são típicos os crimes a que se pode
chamar variantes que constituem especificações dependentes através da adição ao
tipo fundamental de elementos que exprimem uma agravação ou uma atenuação quer
do conteúdo da ilicitude quer do conteúdo da culpa dando origem a tipos qualificados
ou privilegiados.
Face ao art. 132º CP não parece porém que se possa defender outra doutrina que
não seja a de ver ali, elementos constitutivos do tipo de culpa. É exacto, que muitos
dos elementos constantes das diversas alíneas do art. 132º/2 CP, em si mesmos
tomados, não contendem directamente com uma atitude mais desvaliosa do agente,
mas sim com um mais acentuado desvalor da acção e da conduta, com a forma de
cometimento do crime. Ainda nestes casos, porém, não é esse maior desvalor da
conduta o determinante da agravação, antes ele é mediado sempre por um mais
acentuado desvalor da atitude: a especial censurabilidade ou perversidade do agente é
dizer, o especial tipo de culpa do homicídio agravado. Só assim se podendo
compreender e aceitar que haja hipóteses em que aqueles elementos estão presentes
e, todavia, a qualificação vem em definitivo a ser negada. Tido isto tudo na conta
devida não há objecções de princípio a que se defenda que a agravação da culpa é em
todos os casos suportada por (ou se reflecte necessariamente em) uma
correspondente agravação (gradual-quantitativa) do conteúdo de ilícito. 
 
10.Princípio da legalidade
O que está aqui em causa é o maior grau de culpa e não de ilicitude porque nem
todas as condutas do n.º 2 envolvem uma maior ilicitude. A ilicitude tem que estar
definida e não estar em aberto “são estas entre outras”, por isso a técnica legislativa
pelo legislador é incompatível com a ilicitude. A atitude interna do agente tem a ver com
a individualidade (culpa).
O fundamento de qualificação é a culpa agravada devido a especial censurabilidade
ou perversidade porque o ilícito é o mesmo do 131º, e por isso o n.º 2 tem um carácter
exemplificativo, exemplos padrão, “são estas entre outras”. O n.º 1 do 132º é que
tipifica, é que qualifica o homicídio e o n.º 2 apenas nos ajuda a orientar quanto ao
fundamento para qualificar o crime, o n.º 1 é que é o critério para qualificar.

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 4

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
Primeiro vou ao n.º 2 para ver se se levantam indícios e depois ao n.º 1 para ver se
preenche o critério da especial censurabilidade ou perversidade. Pode-se preencher o
n.º 1 qualificando o crime sem preencher o n.º 2 porque são exemplos.
Há autores que entendem que é um tipo misto de ilicitude e culpa (Teresa Beleza,
Costa Pinto, Fernanda Palma).
A qualificação assenta na culpa, critério para qualificar é a “especial
censurabilidade ou perversidade”, o agente actuou com uma exigibilidade acrescida.
Os exemplos do n.º 2 só levam à qualificação se estiver preenchido o n.º 1, o agente
actua com culpa agravada, o facto típico e ilícito é o mesmo do 131º a diferença está
na culpa (é mais grave a culpa do agente).
Para Fernanda Palma, Teresa Beleza e Costa Pinto a culpa agravada é um critério
para a qualificação, mas não é o único fundamento, integram também uma ilicitude
acrescida (há um misto de ilicitude e culpa). Na alínea a) o comportamento do agente
revela um maior desvalor da acção (da conduta), é um grau mais grave de ilícito e se
fosse só a culpa não era necessário descrever as situações porque a culpa é um juízo
de censura. Na regra de determinação da pena (moldura penal) não se pode ter um
tipo de crime que assenta só na culpa (art. 71º n.º 2), tem de ter também como
fundamento a ilicitude.
Na posição defendida pelo Prof. Fernando Silva é exclusivamente um tipo de culpa,
a alínea a) envolve um maior desvalor da acção, mas nem todas as alíneas o envolve,
o preenchimento do n.º 2 não implica a qualificação, tem que estar presente o critério
qualificador. O legislador deu-nos exemplos padrão para nos orientar no n.º 2. O art.
71º CP funciona no âmbito da determinação concreta da pena, e ao integrar o agente
no 132º a determinação concreta da medida da pena é abstracta (de 12 a 25 anos) e
só depois na determinação concreta da pena é que se chama à colação o art. 71º.
Estrutura do homicídio qualificado:
Começa-se pelo art. 131º (homicídio doloso), depois vai-se ao art. 132º n.º 1 (é
preciso especial censurabilidade ou perversidade), de seguida vai-se ao n.º 2 para ver
se a conduta se integra nalguma das alíneas, e de seguida volta-se ao n.º 1 para ver se
o critério está presente.
Duas características do n.º 2 do art. 132º:
1)    “É susceptível” (não funciona automaticamente), o facto de o n.º 2 estar
preenchido não significa que seja homicídio qualificado, só o é se estiver
preenchido também o n.º 1.
Contêm apenas elementos indiciadores (duplo efeito):
-         Positivo (só se integra numa das alíneas, em principio revela especial
censurabilidade ou perversidade, indicia a circunstância mas pode não revelar).
-         Negativo (se o caso não se integra em nenhuma das alíneas, a partida não
revela especial censurabilidade ou perversidade, mas pode revelar)
2)    “Entre outras” – carácter exemplificativo, não há um carácter taxativo, pode-se
fazer uma analogia orientada.
Fundamentos:
-       Relação entre o agente e a vítima, n.º 2 a)
-       Motivações do agente, n.º 2 c)

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 5

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
-       Modos de praticar o facto, n.º 2 c)
Duplo critério para aplicar o art. 132º num caso não previsto nas alíneas:
        Aproximação quantitativa, (se se pode aplicar analogamente numa das
alíneas).
        Integração do critério qualitativo, (saber se revela especial censurabilidade ou
perversidade).
Para o Prof. Fernando Silva – é compatível com a constituição, porque mesmo que
se integre no n.º 2 tem de se ver se a conduta revela especial censurabilidade ou
perversidade (faz-se analogia para chamar à colação certas circunstâncias), não é
inconstitucional, porque o critério está presente no n.º 1.
Para Figueiredo Dias – não se viola um princípio constitucional (princípio da
legalidade), porque estamos a falar da culpa.
Conclusão: As circunstâncias do n.º 2 não funcionam automaticamente, e as
circunstâncias têm um carácter meramente exemplificativo.
 
11.Do ilícito penal
A estrutura do ilícito penal não pode deixar de reflectir a concepção que se adopte
acerca da essência da ilicitude. Esta, por seu turno, depende decisivamente da posição
que se perfilhe sobre a natureza das normas jurídicas, em especial das normas
jurídico-penais.
Assim, uma conduta é ilícita na medida em que contradiz uma norma jurídica
(ilicitude formal) e, ao contrariá-la, lesa ou põe em perigo os bens jurídicos protegidos
pela norma (ilicitude material).
As normas incriminadoras constituem verdadeiros imperativos endereçados a todos,
impondo a quem o seu conteúdo afecta uma conduta conforme ao direito. Daí que se
deva concordar que a vontade dirigida ao fim a alcançar pertence ao tipo de ilícito dos
crimes dolosos.
A norma incriminadora não é só norma de determinação, é também norma de
valoração. Desde logo porque a razão de ser da própria imperatividade deve buscar-se
no valor que há-de ser realizado pela conduta prescrita.
 
12.Da culpa jurídico-penal
A culpa é, ao lado da ilicitude, o outro pressuposto material fundamental da
punibilidade.
Desde logo, importa referir que a problemática da culpa pode ser vista a partir da
sua consideração como categoria dogmática ou dando corpo ao princípio jurídico-
constitucional da culpa. A culpa a apreciar em ambos os casos é, obviamente, uma e a
mesma entidade.
De acordo com aquele princípio, a culpa é fundamento da pena e limite da sua
medida, ou seja, não há pena sem culpa, e a medida da pena não pode ultrapassar a
medida da culpa. Esta decorrência do princípio da culpa, a que há que reconhecer a
natureza de princípio constitucional da política criminal, integrante da Constituição em
sentido material. O princípio da culpa deduz-se do reconhecimento da dignidade da
pessoa humana (art. 1º CRP), do direito à integridade moral e física (art. 25º/1 CRP) e

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 6

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
do direito à liberdade (art. 27º/1 CRP), podendo acrescentar ainda que constitui
pressuposto de várias outras disposições constitucionais. De acordo com este
princípio, a pena pressupõe a culpa, e esta consiste num juízo de censura dirigido ao
agente que, tendo podido actuar segundo o dever, optou por agir ilicitamente,
evidenciando uma atitude contrária ao direito. Ou seja, o fundamento de uma
agravação ou de uma atenuação que altera uma moldura penal pode não ser um
fundamento de ilicitude, mas apenas um fundamento da culpa.
O princípio da culpa visa a realização da justiça, limitando assim as exigências que
de outros pontos de vista se façam à responsabilização do autor, e a maximização da
liberdade individual, duas funções que não têm a ver com a teoria dos fins das penas.
 
13.Tipos de culpa agravadores da pena
O especial tipo de culpa do homicídio doloso é em definitivo conformado através da
verificação da “especial censurabilidade ou perversidade” do agente. À primeira vista
dir-se-ia que, traduzindo-se a culpa jurídico-penal, em último termo, em um juízo de
censura, apelar tipicamente para uma especial censurabilidade só poderia ter o
significado tautológico e, como tal, inútil e equívoco, de apelar para uma culpa especial.
A ideia de censurabilidade constitui conceito nuclear sobre o qual se funda a
concepção normativa da culpa. Culpa é censurabilidade do facto ao agente, isto é,
censura-se ao agente o ter podido determinar-se de acordo com a norma e não o ter
feito. No art. 132º CP trata-se de uma censurabilidade especial: as circunstâncias em
que a morte foi causada são de tal modo graves que reflectem uma atitude
profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de
acordo com os valores. Nesta medida, pode afirmar-se que a especial censurabilidade
se refere às componentes da culpa relativas ao facto, ou seja, funda-se naquelas
circunstâncias de um maior grau de ilicitude.
Com a referência à especial perversidade tem-se em vista uma atitude
profundamente rejeitável, no sentido de ter sido determinado e constitui indício de
motivos e sentimentos que são absolutamente rejeitados pela sociedade. Significa isto,
pois, um recurso a uma concepção emocional da culpa e que pode reconduzir-se “à
atitude má, eticamente falando, de crasso e primitivo egoísmo do autor”.
Importa salientar que a qualificação de especial se refere tanto à censurabilidade
como à perversidade. A razão da qualificação do homicídio reside exactamente nessa
especial censurabilidade ou perversidade revelada pelas circunstâncias em que a
morte foi causada.
A natureza jurídica que se atribui aos exemplos-padrão, no art. 132º CP é a de
determinação de uma moldura penal agravada, e, de modo algum, a de elementos do
tipo. A relação entre uma especial maior culpa e uma moldura penal agravada está
perfeitamente de acordo com o princípio da culpa.
a)     Artigo 132º/2-a CP: “ser descendente ou ascendente, adoptado ou adoptante, da
vítima”:
Neste, se tem pretendido encontrar uma particular justificação para a ideia de que
circunstâncias como esta seriam particularmente indicativas de que a agravação do

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 7

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
homicídio tem de que ver também com um maior desvalor do tipo de ilícito, só por essa
via relevando para a verificação de um tipo de culpa especialmente agravado.
b)     Artigo 132º/2-b CP: “praticar o facto contra a pessoa particularmente indefesa,
em razão da idade, deficiência, doença ou gravidez”:
Consagrou-se neste exemplo-padrão cuja estrutura valorativa se liga, de forma clara,
à situação de desamparo da vítima em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez,
independentemente do carácter insidioso ou não do meio utilizado para matar.
c)     Artigo 132º/2-c CP: empregar tortura ou acto de crueldade para aumentar o
sofrimento da vítima”:
Traduz-se em o agente se servir de uma forma de actuação causadora da morte em
que o sofrimento físico ou psíquico infligido, pelo acto de matar ou pelos actos que o
antecedem, ultrapasse sensivelmente, pela sua intensidade ou duração, a medida
necessária para causar a morte, com a precisão, em todo o caso de que o acto de
crueldade tem de ter lugar para aumentar o sofrimento da vítima: relação meio/fim.
d) Artigo 132º/2-d CP: “ser determinado por avidez, pelo prazer de matar ou de
causar sofrimento para excitação ou para satisfação do instinto sexual ou por
qualquer motivo torpe ou fútil”:
É estruturado com apelo a elementos estritamente subjectivos, relacionados com a
especial motivação do agente. Ser determinado matar por:
        Avidez: significa a pulsão de satisfazer um desejo ilimitado de lucro à custa de
uma desconsideração brutal da vida de outrem;
        Pelo prazer de matar: significa o gosto ou a alegria sentidos com o aniquilamento
de uma vida humana, sem que todavia eles devam reconduzir-se a uma
“anomalia psíquica” nos termos e para os efeitos do art. 20º CP;
        Para excitação ou para satisfação do instinto sexual: significa que a motivação
requerida se verifica não apenas quando a morte da vítima visa determinar a
libertação do agente da pulsão sexual, mas também sempre que aquela serve a
prática de actos necrófilos ou simplesmente visa despertar do instinto sexual;
        Por qualquer motivo torpe ou fútil: significa que o motivo da actuação, avaliado
segundo as concepções éticas e morais ancoradas na comunidade, deve ser
considerado pesadamente repugnante, baixo ou gratuito, de tal modo que o facto
surge como produto de um profundo desprezo pelo valor da vida humana.
e)     Artigo 132º/2-e CP: “ser determinado por ódio racial, religioso ou político”;
f)       Artigo 132º/2-f CP: “ter em vista preparar, facilitar, executar ou encobrir um outro
crime, facilitar a fuga ou assegurar a impunidade do agente de um crime”:
Não é necessário que este outro crime venha a ter lugar, ainda que mesmo só sob a
forma tentada, bastando que, no plano do agente, o homicídio surja (relação meio/fim)
como determinado, ainda que só de forma eventual, pela perpetração de um outro
crime. Como necessário não é, por outro lado, que o homicida seja agente do outro
crime, podendo este ser cometido por “terceiro”. Como necessário é ainda que o
homicídio seja cometido com dolo intencional ou directo, bastando dolo eventual.
g)     Artigo 132º/2-g CP: “praticar o facto juntamente com, pelo menos, mais duas
pessoas ou utilizar meio particularmente perigoso ou que se traduza na prática de
crime de perigo comum”:

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 8

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
Juntam-se nesta alínea três constelações que se deixam reduzir à mesma estrutura
através da ideia da particular perigosidade do meio empregado e da consequente
maior dificuldade de defesa em que se coloca a vítima.
i)       Praticar o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas:
Constitui uma circunstância cujo exacto sentido pode dar lugar a fundadas dúvidas.
Pode pensar-se desde logo que, para que ela tenha lugar, necessário se torna que
ocorra no quadro de uma associação criminosa que tenha pelo menos três membros.
O teor literal do preceito, nomeadamente na parte em que se serve do adjectivo
“juntamente”, parece indicar que o exemplo-padrão só deverá considerar-se preenchido
quando no facto comparticipem pelo menos três agentes em co-autoria: “juntamente
com outro ou outros” é precisamente a expressão de que se serve o art. 25º CP para
definir a co-autoria; além de que o cúmplice verdadeiramente não pratica um facto de
homicídio, mas participa em um facto praticado por outrem.
ii)     Utilizar meio particularmente perigoso: é servir-se para matar de um
instrumento, de um método ou de um processo que dificultem significativamente
a defesa da vítima e que crie ou sejam susceptíveis de criar perigo de lesão de
outros bens jurídicos importantes.
iii)   Crimes de perigo comum: são os constantes dos arts. 272º a 286º CP sendo
certo que a ligação entre este exemplo-padrão e o tipo de culpa deve fazer-se
através da falta de escrúpulo em princípio revelada pela utilização de um meio
adequado à criação ou produção de um perigo comum.
h)     Artigo 132º/2-h CP: “utilizar veneno ou qualquer outro meio insidioso”:
Meio “insidioso” será todo o meio cuja forma de actuação sobre a vítima assuma
características análogas à do veneno – do ponto de vista pois do seu carácter
enganador, sub-reptício, dissimulado ou oculto.
i)       Artigo 132º/2-i CP: “agir com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios
empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de 24 horas”;
j)       Artigo 132º/2-j CP: “praticar o facto contra membro de órgão de soberania, do
Conselho de Estado, Ministro da República, magistrado, membro de órgão do
governo próprio das Regiões Autónomas ou do território de Macau, Provedor de
Justiça, governador civil, membro de órgão das autarquias locais ou de serviço
ou organismo que exerça autoridade pública, comandante de força pública,
jurado, testemunha, advogado, agente das forças ou serviços de segurança,
funcionário público, civil ou militar, agente de força pública ou cidadão
encarregado de serviço público, docente ou examinador, ou ministro de culto
religioso, no exercício das suas funções ou por causa delas”;
l)       Artigo 132º/2-l CP: “ser funcionário e praticar o facto com grave abuso de
autoridade”.
 
14.Relações entre tipo objectivo, o tipo subjectivo de ilícito e o tipo de culpa.
O homicídio qualificado é, tal como o homicídio simples um tipo unicamente punível
a título de dolo sob qualquer uma das suas formas inscritas no art. 14º CP: intencional,
directo ou eventual. Uma vez que os exemplos-padrão não fazem parte do tipo de
ilícito, uma de duas: ou se mantém em plena congruência entre o tipo objectivo e tipo

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 9

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
subjectivo de ilícito – caso em que o dolo não será necessária nem a representação,
nem a vontade de realização dos elementos integradores dos exemplos-padrão, tudo
se passando nesta sede como se de um homicídio simples se tratasse; ou, em nome
de argumentos específicos de protecção e defesa do agente, análogos aos que dão
corpo ao princípio da legalidade, se exige que o agente tenha representado e querido
os elementos que constituem os exemplos-padrão, pelo menos aqueles “que respeitem
ao lado objectivo do ilícito, isto é, ao desvalor objectivo da conduta”.
 
15.As formas especiais do crime
a)     Tentativa
Se o tipo objectivo de ilícito do homicídio qualificado é, como tem vindo a defender-
se, exactamente o tipo objectivo de ilícito do homicídio simples, então nada haverá
nesta matéria a apontar de particular quanto à necessária caracterização dos actos
constitutivos de uma tentativa como actos de execução para efeito do disposto no art.
22º CP; nem tão-pouco quanto ao dolo que os deve abranger. Questão será saber se –
partindo uma vez mais da factualidade representada pelo agente – os actos de
execução praticados revelam já a especial censurabilidade do agente. Em caso
afirmativo o agente deve ser punido por tentativa de homicídio qualificado (arts. 22º,
23º e 132º CP); em caso negativo por tentativa de homicídio simples (arts. 22º, 23º e
131º CP).
Situação diversa será a de o homicídio simples se ter consumado mas as
circunstâncias que fundamentam o exemplo-padrão terem sido apenas tentadas.
A concepção vincadamente objectiva que caracteriza a tentativa no Código Penal
refere-se igualmente nos critérios em que se funda a definição de actos de execução,
nas diversas alíneas do art. 22º/2 CP; são actos de execução:
1)     Os actos que “preenchem um elemento constitutivo de um tipo de crime”;
2)     Os actos que “são idóneos a produzir o resultado típico; e
3)     Os actos que “segundo a experiência comum e salvo circunstâncias
imprevisíveis, são de natureza a fazer esperar que se lhe sigam os actos das
espécies indicadas nas alíneas anteriores”, ou seja, os que preenchem um
elemento constitutivo de um tipo de crime ou são idóneos a produzir o resultado
típico.
Característica comum a esta definição tripartida de actos de execução é a referência
aos elementos constitutivos do tipo de crime, integrando, deste modo, “a exigência da
criação de um perigo de lesão do bem jurídico tutelado para se afirmar a existência de
um acto executivo”.
Existe uma norma na parte geral que prevê a punibilidade da tentativa. Esta resulta,
assim, da conexão daquela norma da parte geral (o art. 23º CP) com cada um dos tipos
da parte especial, atento o art. 74º CP que contem os termos da atenuação especial ex
vi art. 23º/2 CP. Deste modo se estende à tentativa a punibilidade do crime
consumado. O homicídio tentado é sempre punível (arts. 131º e 23º/1 e art. 132º CP).
b)     Comparticipação
A técnica utilizada pelo Código Penal em matéria de qualificação do homicídio
simplifica altamente as questões relativas à autoria e participação em matéria do

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 10

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
homicídio qualificado. Se todas as circunstâncias contidas no art. 132º/2 CP não são
mais que casos exemplares que podem conduzir à integração do tipo de culpa
agravado consagrado no art. 132º/1 CP, e se, como é indispensável à afirmação do
dolo, para integração daquele tipo tem de partir-se das representações do agente – fica
então próxima a afirmação de que a contribuição de cada um dos agentes para o facto
tem de ser valorada autonomamente, enquanto fundamentadora ou não de uma
especial censurabilidade ou perversidade do agente respectivo.
A apreciação a efectuar deverá incluir a contribuição de cada comparticipante,
valorando-a autonomamente enquanto reveladora ou não de uma especial
censurabilidade ou perversidade 3. A acessoriedade prescreve a aplicação da moldura
penal modificada apenas quando se trate de uma modificação com natureza típica, ou
seja, de uma regulamentação legal fechada das circunstâncias modificativas da pena.
No art. 132º CP a cláusula geral exemplificada – a especial censurabilidade ou
perversidade – integra um tipo de culpa. O que significa que o legislador entendeu
fornecer ao juiz um critério decisivo, à luz do qual têm, de ser consideradas as diversas
alíneas do art. 132º/2 CP e a própria noção de Leitblid dos exemplos-padrão do
homicídio qualificado. Daí que não baste um aumento – ainda que essencial – do grau
de ilicitude para se afirmar a especial censurabilidade ou perversidade do agente,
devendo também verificar-se uma atitude particularmente rejeitável ou desviada
relativamente aos valores.
Dir-se-á que um aumento essencial da ilicitude se reflecte, em regra, num aumento
também ele essencial da culpa.
c)     Concurso
Não pode aceitar-se a existência de problemas de concurso nem entre a verificação
de diversos exemplos-padrão, nem entre tipo fundamental (art. 131º CP) e regra de
determinação da moldura penal do grupo valorativo de homicídio especialmente grave,
nem entre esta e a regra de determinação da moldura penal contida no art. 133º CP. E
isto é assim, em virtude destes preceitos não conterem verdadeiros tipos de crime, mas
apenas regras modificativas das molduras penal do homicídio.
Dai que não possa encarar-se como concurso ideal o caso do homicídio qualificado
em que se verifica o preenchimento de dois ou mais exemplos-padrão.
d)     A proibição da dupla valoração
A proibição do duplo aproveitamento ou da dupla valoração de elementos do tipo de
crimes na determinação da medida concreta da pena está prevista no art. 72º/2 CP.
Nestes termos é proibido aproveitar mais uma vez circunstâncias que levaram à
formação da moldura penal, e que são pressupostos da sua aplicação, na fixação da
medida da pena no caso individual. A fundamentação desta proibição é evidente: os
elementos do tipo de crime foram já ponderados no âmbito da determinação da
moldura penal, e deste modo, constituem já pressupostos da medida concreta da pena,
que há-de ser escolhida dentro dos limites daquela moldura, sem que os referidos
elementos a possam voltar a influenciar.
 

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 11

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
4
Teoria da acessoriedade limitada

HOMICÍDIO PRIVILEGIADO
 
16.Fundamento e consequências
O art. 133º CP é construído com base em três conceitos-tipo de natureza emocional,
embora de forma mais acentuada nuns casos que noutros – a emoção violenta; a
compaixão e o desespero; e com base num conceito-tipo de natureza ético-social – um
motivo de relevante valor social ou moral. Qualquer destes conceitos-tipo deve sempre
ser entendido objectivamente, isto é, é matéria de facto que, ou não exige o recurso a
valorações, ou então exige o recurso a valorações em boa medida extra-jurídicas.
O art. 133º CP assenta ainda em duas cláusulas de valoração. Uma delas é
particular e refere-se apenas à emoção violenta, a compreensibilidade, e a outra é
geral, a diminuição sensível da culpa do agente.
O art. 133º CP consagra hipóteses de homicídio privilegiado em função, em último
termo, de uma cláusula de exigibilidade diminuída legalmente concretizada. A emoção
violenta compreensível, a compaixão, o desespero ou um motivo de relevante valor
social ou moral privilegiam o homicídio quando e apenas quando “diminuam
sensivelmente” a culpa do agente. Esta diminuição não pode ficar a dever-se nem a
uma imputabilidade diminuída, nem a uma diminuída consciência do ilícito, mas
unicamente a uma exigibilidade diminuída de comportamento diferente.
Sempre que o juiz considere verificados os pressupostos de que depende o
privilegiamento, deve necessariamente renunciar a uma atenuação especial da pena. O
princípio da proibição da dupla valoração de que o disposto no proémio do art. 71º/2
CP constitui apenas uma manifestação, proíbe que o mesmo substrato considerado
para integração do art. 133º CP seja de novo valorado para efeito de atenuação
especial da pena. Mas é evidente que, para além dos elementos descritos no art. 133º
CP, podem no caso convergir outros e diferentes elementos relevantes para efeito dos
arts. 71º e 72º CP. Nada impede nestes casos que, determinada a medida da pena
face ao art. 133º CP aquela seja depois especialmente atenuada face às regras
especiais de determinação da pena contidas nos arts. 72º e 73º CP.
 
17.Os elementos privilegiadores
a)     Compreensível emoção violenta que domina o agente
Ao colocar como circunstância privilegiante do crime o estado emocional do autor, o
art. 133º CP acentua: no grau de emoção e a necessidade de ela se verificar no
momento da prática do facto, como causa do crime (“foi levado a matar”). Trata-se pois,
de um estado psicológico que não corresponde ao normal do agente, encontrando-se
afectadas a sua vontade, a sua inteligência e diminuídas as suas resistências éticas, a
sua capacidade para se conformar com a norma.
A compreensível emoção violenta é um forte estado de afecto emocional
provocado por uma situação pela qual o agente não pode ser considerado e à qual
também o homem normalmente “fiel ao direito” não deixaria de ser sensível.
4

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 12

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
O requisito da “compreensibilidade” da emoção representa por isso ainda uma
exigência adicional relativamente ao puro critério de menor exigibilidade subjacente a
todo o preceito.
b)     Compaixão
Há casos de homicídio por compaixão em que o autor age em autêntica situação de
desespero ou dele próxima: a decisão homicida só surge ao fim de uma longa e
desgastante luta interior que acaba por se tornar insuportável.
Nas basta a valia objectiva da compaixão, como se o homicídio fosse menos ilícito
pela realização de um valor, embora de menor valia que a vida, a ordem jurídica quer
proteger. É necessário que o motivo exerça uma forte pressão sobre o agente de
forma a alterar a sua capacidade de determinação, afectar a sua vontade diminuir as
suas capacidades.
c)     Desespero
Embora muito próximo da emoção violenta, distingue-se dela porque coincide, em
geral, com situações que se arrastam no tempo, fruto de pequenos ou grandes conflitos
que acabam por levar o agente a considerar-se numa situação sem saída, deixando de
acreditar, de ter esperança.
A lei, mais uma vez, não exige apenas que o agente esteja desesperado, mas que
tal desespero diminua sensivelmente a sua culpa.
Os casos de desespero não podem identificar-se com os casos de emoção violenta
compreensível quanto ao fundamento da atenuação. Nos casos de desespero o art.
133º CP além dessa emoção, exige que ela diminua consideravelmente a culpa, o que
só poderá entender-se se levar em conta os motivos do autor. Motivos que ter a ver
com o amor maternal ou a salvaguarda da própria dignidade, em casos em que não é
exigível que alguém suporte um tal grau de humilhação que ponha em causa aquela
dignidade.
d)     Motivo de relevante valor social ou moral
Esta é uma cláusula cujo conteúdo é manifesto e tem a ver com sociedades
concretas e com morais concretas. Não poderão estar em causa apenas os valores
sociais dominantes ou a moral dominante. Em qualquer caso a cláusula há-de ter
conteúdo objectivo. Esse conteúdo deve ser positivamente valorado, sob pena de se
abrir porta a todo o tipo de fanatismos ou de fundamentalismos. Está aqui em causa
uma menor ilicitude, dado o valor que a ordem jurídica atribui àqueles motivos. Porém,
esse menor grau de ilicitude não basta para fundamentar o privilégio, funcionando
como mero indício da diminuição sensível da culpa. Também se exige que o agente
esteja dominado pelos motivos em causa, para que eles revistam um carácter de
essencialidade e, por isso, afectem o seu normal discernimento e a sua capacidade de
se determinar de acordo com essa vontade.
 
18.As formas especiais do crime
a)     Tentativa
Nos termos combinados dos arts. 23º/1 e 133º CP a tentativa é punível.
b)     Comparticipação

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 13

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
Se o homicídio se torna privilegiado por força de circunstâncias que actuam ao nível
da culpa, então é perfeitamente possível que um comparticipante deva ser punido por
homicídio privilegiado, outro por homicídio simples ou qualificado.
c)     Concurso
Só pode dar-se entre os elementos objectivos, nunca entre tipos de culpa
respectivos, jamais pode coincidir uma especial censurabilidade ou perversidade do
agente com uma diminuição sensível da sua culpa. 
 
19.Tipo subjectivo
O crime do art. 133º CP é doloso, como resulta da sua conjugação com o art. 13º
CP. Qualquer das modalidades do dolo, previstas no art. 14º CP (directo, necessário ou
eventual) permite preencher o tipo subjectivo.
O dolo deve abranger todos os elementos que integram o tipo objectivo – deve
referir-se à acção e ao objecto da acção.
Assim qualquer problema de erro sobre as circunstâncias do facto deve resolver-se
nos termos do art. 16º/1 e 3 CP.
 
20.Culpa
As várias situações previstas no art. 133º CP são elementos subjectivos do tipo de
culpa, isto é, é exigida uma circunstância externa, mesmo que só representada pelo
autor, que haja efectivamente incidir na formação da vontade. Mas, verificados os
elementos subjectivos do tipo de culpa, nem por isso se presume uma diminuição
sensível da culpa do agente. Ela deve ser comprovada em cada caso concreto.

HOMICÍDIO A PEDIDO DA VÍTIMA


 
21.Introdução, razão de ser do art. 134º CP
O homicídio a pedido da vítima é um homicídio sui generis neste aspecto: há um
diálogo do homicida com a vítima, por via do qual esta lhe exprime o seu
consentimento para que a mate e provoca até, em princípio, a própria decisão do
homicida, de modo a torná-lo sensível às suas razões para não querer viver mais.
Há uma margem jurídica de relevância do consentimento que leva a retirar efeitos
jurídicos da opção de prescindir de viver, para além daqueles que no art. 134º CP
directamente retirou, mas segundo um critério de concordância com a axiologia dessa
norma.
O homicídio a pedido da vítima configura uma forma privilegiada do crime
fundamental de homicídio.
A caracterização da infracção como forma não autónoma do crime fundamental,
significa que o homicídio a pedido da vítima reproduz o núcleo essencial do ilícito
típico de um crime (“matar outra pessoa”).

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 14

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
O art. 134º CP configura uma norma especial, mesmo em relação ao art. 132º
CP, face ao qual emerge como “mais especial”. Em caso de concurso de ambas
as normas, o art. 134º CP afasta (por razões de especialidade) o art. 132º CP.
O regime de privilégio radica, por seu turno, no “pedido sério, instante e expresso”
da vítima, que determina tanto a redução do ilícito como da culpa do agente. No
pedido actualiza-se a autonomia e a autodeterminação da vítima bem como a sua
renúncia à tutela (penal) do bem jurídico. Com a consequente redução do conteúdo
do ilícito – ao menos na vertente do desvalor da acção. Enquanto isto é do lado do
agente, avulta o “pensamento fundamental de que, face à insistência da vítima, ele
terá agido sob a influência de representações de algum modo altruístas e será, por vias
disso, menos merecedor de pena do que o homicida comum”.
 
22.Conduta típica
Para além de matar outra pessoa, elemento de comunicabilidade com o crime
fundamental do homicídio (art. 131º CP), o que singulariza o homicídio a pedido da
vítima e explica o regime de privilégio que a lei lhe dispensa, é o facto de a produção
da morte resultar do exercício autoresponsável da autodeterminação da vítima. Para
tanto prescreve a lei um conjunto de exigências adicionais, vertidas na fórmula:
“determinado por pedido sério, instante e expresso que ela lhe tenha feito”.
Com a exigência do pedido quer a lei significar que não basta o simples
consentimento da vítima ou qualquer atitude passiva equivalente. Pedido, só por si,
significa que a vítima tem de intervir activamente no processo de formação da decisão
do agente. Com o pedido, a vítima tem de dar a conhecer a sua vontade de morrer e de
receber a morte das mãos da pessoa concretamente indicada.
Autonomia da vítima, o pedido tem de existir antes e durante a actuação do agente.
E pode ser revogado a todo o tempo. Para além disso, é o pedido que determina o
quem, quando e como da acção de produção da morte.
No que ao agente especificamente respeita, não pode desatender-se o alcance do
inciso “que ela lhe tenha feito”. O agente tem de ser individualmente determinado pela
vítima, que não pode dirigir o pedido a um conjunto, maior ou menor, e mais ou menos
heterogéneo de pessoas. Por outro lado e complementarmente, o pedido tem de ser
directamente dirigido ao agente e não pela mediação de um intermediário.
A seriedade – que aponta para a vontade verdadeira, não-influenciada e
amadurecida – desempenha um papel de travão ou inibição. Visa impedir a actuação
apressada ou precipitada, nomeadamente o aproveitamento da incapacidade duradoira
ou ocasional ou de um pedido inquinado por vícios da vontade. Pela positiva, trata-se
de assegurar um pedido sustentando por uma vontade livre, consciente do fim-de-
produção-da-morte e para ele finalisticamente orientada.
No que toca à capacidade, a vítima deve, pelo menos satisfazer as exigências de
que a lei (art. 38º/3 CP) faz depender a validade e eficácia do consentimento. Por vias
disso, não será nem relevante o pedido feito por menor de quatorze anos. Para além
disso, tudo dependerá de a vítima possuir ou não o discernimento necessário para
avaliar o sentido e alcance do acto e a liberdade para se decidir de acordo com aquela
valoração.

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 15

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
O pedido terá de ser instante, seguramente a qualificação que, em definitivo, marca
a diferença entre o pedido relevante para efeitos de homicídio a pedido da vítima e o
normal consentimento. É a partir dela que, com algum fundamento, se pode
caracterizar este pedido como uma forma de consentimento qualificado.
O pedido tem de ser expresso, quer dizer inequívoco. Para ser expresso, o pedido
não tem de ser feito por palavras podendo ser transmitido por gestos, desde que
unívocos.
Só pode beneficiar do regime do art. 134º CP o agente que tiver praticado o facto
determinado pelo pedido da vítima. Entre o pedido da vítima e a decisão do agente terá
de mediar um nexo de causalidade correspondente ao da doutrina da instigação. Por
vias disso, não pode considerar-se determinado pelo pedido o agente que, já antes (do
pedido) estava decidido à prática do facto e a quem o pedido apenas confirmou no seu
propósito.
 
23.O tipo objectivo
Para se verificar a infracção, o agente tem de “matar outra pessoa”. Isto é, têm de se
verificar aqui todos os pressupostos do tipo objectivo do crime de homicídio, para
cujo regime cabe, por isso, uma remissão generalizada. O que vale sobretudo para as
matérias atinentes ao bem jurídico, objecto da acção, conduta típica, causalidade,
imputação objectiva, etc. A exigência da realização do ilícito típico do homicídio
determina, por outro lado, a exclusão do âmbito do homicídio a pedido da vítima dos
factos que possam levar-se à conta de suicídio, auxílio ao suicídio ou mesmo à
chamada eutanásia indirecta.
 
24.O tipo subjectivo
O homicídio a pedido da vítima pressupõe o dolo do agente, normalmente, o dolo
directo. Embora excepcionais, sempre é possível representar hipóteses de dolo
eventual.
O elemento intelectual do dolo exige a representação de todos os elementos
pertinentes ao tipo objectivo. Se o agente actua sem ter tido conhecimento da
existência do pedido, será punido por homicídio nos termos normais, não pode
beneficiar do regime de privilégio do art. 134º CP desde logo por não se poder afirmar
que ele se decidiu determinado pelo facto; se, inversamente, o agente actuou
erradamente convencido da verificação dos pressupostos objectivos da incriminação,
não pode deixar de beneficiar, nos termos da doutrina do erro, do regime de privilégio
do art. 134º CP.
 
25.Ilicitude e justificação
De acordo com o sentido e a intencionalidade do preceito – pois, se até o pedido
sério, instante expresso (o chamado consentimento qualificado) só atenua a pena –
está excluída a possibilidade de o consentimento valer como causa de justificação.
Uma exclusão que se comunica a toda a ordem jurídica. Resumidamente, o
consentimento nunca será bastante para excluir a ilicitude da morte de outra pessoa:

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 16

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
seja qual for a sua idade, seja qual for o seu estado de saúde; e trate-se de homicídio
doloso ou negligente.
 
26.As formas especiais do crime
a)     Tentativa
É punível nos termos do art. 134º/2 CP. Em caso de concurso entre tentativa de
homicídio a pedido da vítima e ofensa corporal (consumada), há concurso aparente,
excluindo-se a punibilidade pelas ofensas corporais.
Já será diferente o regime em caso de desistência da tentativa (do homicídio a
pedido da vítima) se entretanto se tiverem verificado ofensas corporais: é a chamada
tentativa qualificada. Aqui, a desistência não parece prejudicar a punibilidade a título de
ofensas corporais. Tal parece resultar, desde logo, da intencionalidade normativa do
art. 134º CP apenas orientado para sancionar uma solução de privilégio para homicídio
a pedido da vítima. Acresce que, por via de regra, as lesões corporais não são cobertas
pelo consentimento. E se o fossem, estaria-se perante um consentimento contrário aos
bons costumes.
b)     Comparticipação
Autor pode ser qualquer pessoa, desde que destinatária do pedido. Na definição do
âmbito da autoria suscitam-se problemas na linha de fronteira com o incitamento ou
ajuda ao suicídio; para além disso, suscitam-se aqui problemas no âmbito da
comparticipação.
A relação especial do agente, sobre que assenta o regime do homicídio a pedido da
vítima, releva também da ilicitude e é, qua tale, comunicável.
Quem fica sempre impune é a vítima que sobrevive à tentativa não consumada do
homicídio a pedido.
c)     Concurso
Entre homicídio a pedido da vítima e as ofensas corporais valem as regras gerais
relativas ao concurso entre o homicídio e os crimes contra a integridade física e que,
em princípio, prescrevem a consunção destes por aquele. Devem em qualquer caso,
ressalvar-se os problemas específicos suscitados pela chamada tentativa qualificada.
Para além disso, o homicídio a pedido da vítima afastará normalmente (concurso
aparente ex vi relação de especialidade) as demais formas de homicídio. Isto vale
também para o homicídio privilegiado (art. 133º CP). Será concretamente, assim,
sempre que o pedido e as circunstâncias que o acompanham despertarem no agente;
por exemplo, aquela “compreensível compaixão” a que se refere o art. 133º CP.

INCITAMENTO OU AJUDA AO SUICÍDIO


 
27.Generalidades
O art. 135º CP pune quem incitar ou ajudar outrem ou suicídio.
Suicídio só pode ser a diminuição da própria vida pelo respectivo titular, tendo este o
domínio do acontecimento.
Segue-se que uma tal atitude tem de ser consciente e voluntária porque
“incitamento” tem a ver ou com a formação da decisão – o que obviamente não anula a

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 17

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
vontade – ou com um seu encorajamento; e “ajuda” significa cooperação em algo que o
ajudado conhece e pretende bem como reforço de tal pretensão.
Suicídio é pois um comportamento voluntário dirigido à própria morte, possuindo o
autor o domínio do acontecimento e um limiar de consciência bastante para
compreender o sentido existencial de tal conduta.
 
28.O bem jurídico
O bem jurídico típico é a vida humana e, mais precisamente a vida de outra pessoa.
É precisamente a identificação da vida humana (de outra pessoa) como bem jurídico
tutelado que empresta à incriminação do incitamento ou ajuda ao suicídio a
indispensável ligação material. Uma legitimação que alguns pretendem poder
questionar ou mesmo minar, a partir da irrelevância ou indiferença do suicídio para a
ordem jurídico-penal.
A circunstância de o art. 135º CP que incrimina autonomamente formas de
participação no suicídio, estar inserido no capítulo dos crimes contra a vida, não
significa que ali se proteja exclusivamente a vida humana.
Na verdade, se há indícios que, embora arrumados noutros títulos, por protegerem
outros valores, não deixam de prever condutas também violadoras da vida humana,
nada obsta que no art. 135º CP classificado pelo legislador como “crime contra a vida”,
estejam em causa outras razões, para além da perigosidade para essa mesma vida
das condutas ali incriminadas.
O significado de suicídio no art. 135º CP:
O incitamento ou a ajuda, para se manterem dentro do quadro legal do preceito
referido, não podem ir ao ponto de negar, entendido o termo como privar, toda a
autonomia e toda a parcela de liberdade de decisão. No suicídio tem de existir ainda
vontade. Ora, quando há nele uma participação trata-se já de uma vontade que,
embora não anulada, foi atingida por uma interferência com um sentido específico. A
ilicitude de tais interferências reside, não só no perigo ou aumento de perigo para a
vida, mas também na intervenção numa esfera de autonomia própria, maxime tratando-
se de um acordo tão dramaticamente decisivo.
No art. 135º/1 CP suicídio consciente e livre tem na origem um desejo de morte não
patológico. A capacidade de valoração e determinação da vítima não está
sensivelmente afectada.
No art. 135º/2 CP suicídio com vontade imperfeita. Para além dos casos de ser
efectuado por menores de 16 anos em que há presunção legal de incapacidade, tem
na sua origem factos psicológicos mórbidos formalmente redutores do instinto de
conservação. Tais circunstâncias, embora não supressoras da vontade geram
estreitamento da liberdade.
 
29.A fronteira entre o suicido e o homicídio (autoria mediata)
A identificação das situações concretas de suicídio como pressuposto típico do crime
de incitamento ou ajuda ao suicídio postula a definição de duas linhas divisórias que,
com Roxin pode-se designar como fronteira externa e fronteira interna. A fronteira
externa separa as águas entre o incitamento ou ajuda ao suicídio e o homicídio a

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 18

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
pedido da vítima a partir da definição e valoração dos contributos da vítima e do
terceiro, vistos no seu perfil exterior. Por seu turno, na fronteira interna procura
determinar-se em que medida e independentemente do recorte exterior, as coisas se
extremam a partir da situação psíquica ou espiritual da vítima.
Relativamente a esta questão, os autores e os tribunais têm acolhido
privilegiadamente a duas correntes: a chamada solução da culpa (ou da exculpação) e
a solução do consentimento.
A doutrina da culpa, a solução tradicional, é hoje particularmente representada por
Roxin. Chama-se solução da culpa porque recorre à aplicação analógica das regras ou
princípios da exclusão da culpa, nomeadamente a inimputabilidade e o estado de
necessidade desculpante. Segundo ela, deverá afirmar-se a responsabilidade por
homicídio em autoria mediata do terceiro quando a vítima actua em circunstâncias tais
que, na hipótese de ela lesar bens jurídicos alheios, veria afastada a sua culpa. Na
síntese de Roxin: “Não há suicídio quando o suicida se encontra numa situação que,
segundo as regras correntes do direito penal, excluíra a culpa”.
A solução do consentimento, em vez de apelar para as regras e critérios da culpa,
esta doutrina apela para as regras e critérios do consentimento e concretamente do
consentimento “qualificado” subjacente ao homicídio a pedido da vítima. Que são
critérios claramente mais exigentes e, por vias disso, a resultar num alargamento do
universo dos casos de autoria mediata de homicídio, isto é, em alargamento da punição
da comparticipação na autodestruição de outrem. Na verdade, agora só poderá falar-se
de suicídio quando a vítima satisfaz as exigências do consentimento – livre e
esclarecido – reforçadas sob a forma de pedido “sério, instante e expresso” (art. 134º
CP).
Mais do que meros expedientes dogmáticos alternativos preordenados à superação
do problema em exame, a solução da culpa e a solução do consentimento revelam dois
grandes paradigmas de compreensão ética ético-jurídica do suicídio e da
comparticipação do suicídio. E como tais susceptíveis de emergir em afloramentos
próprios em praticamente todas as áreas problemáticas do regime jurídico-penal da
comparticipação no suicídio.
Como resulta do art. 135º/2 CP a lei portuguesa afastou-se tanto da solução da
culpa, como da solução do consentimento. Ao prescrever que o auxílio a menor de
16 anos determina a agravação da pena (do incitamento e ajuda ao suicídio) a lei
admite eo ipso que possa haver suicídio de inimputável, nessa medida desrespeitando
a solução da culpa (e, por maioria de razão, a solução do consentimento).
À luz do direito português vigente o que é decisivo é a capacidade para
representar o carácter autodestrutivo da sua conduta e a liberdade para se decidir
naquele sentido. Tal capacidade terá seguramente de denegar-se a um menor de 14
anos. É certo que também a inimputabilidade por anomalia psíquica há-de valer, em
geral, como um sintoma daquela incapacidade. Só que aqui tudo dependerá, em
definitivo, das circunstâncias pessoais do agente em concreto.
 
30.A conduta típica

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 19

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
Incrimina-se duas modalidades de conduta: o incitamento e a ajuda ao suicídio.
Trata-se de condutas de sentido e compreensão idênticas às da instigação e
cumplicidade, só que aqui não podem ser nomeadas em tais, uma vez que o suicídio
não é um facto criminalmente típico e ilícito.
Não podem, em qualquer caso, valer como típicas condutas que correspondem ao
exercício de um direito ou ao cumprimento de um dever.
        Incitar
Significa determinar outrem à prática do suicídio. A conduta do agente tem de
desencadear um processo causal, sob a forma de influência psíquica sobre a vítima,
despertando nela a decisão de pôr termo à vida. Tem de se tratar de uma decisão até
ali inexistente: se a vítima já estava decidida a suicidar-se, a acção do agente já só
poderá valer como ajuda. Pode incitar-se por qualquer meio desde que de meio
idóneo e eficaz se trate. Por via de regra o incitamento será pessoal e individualizado,
não estando porém, excluída a possibilidade de um incitamento colectivo.
        Ajudar
É toda a forma de cooperação que, não constituindo um incitamento, é causal em
relação à conduta do suicida na sua conformação concreta. Pode ser ajuda “material
ou moral” (art. 27º CP), física ou psíquica.
Incitar ou ajudar estão inscritas na factualidade típica como condutas alternativas,
sendo qualquer delas bastante para, só por si realizar o ilícito típico.
 
31.Tipo subjectivo
As condutas de incitamento ou ajuda ao suicídio têm um sentido final nelas
incorporado como qualidade própria e referido, justamente, à comissão do autocídio da
vítima. No art. 135º CP não está pressuposto qualquer outro momento anímico
autonomizável e fundamentador do ilícito. E nem um entendimento da vontade num
sentido estrito, que não a deixe superar os limites dentro dos quais se explica o seu
domínio, põe em causa esta afirmação. O objecto do dolo pode abranger um resultado
material cuja realização seja efectuada por um terceiro no qual incidirá a atitude
psicológica do autor, pelo menos enquanto representação.
O dolo no crime de incitamento ou ajuda ao suicídio compreende, no seu aspecto
volitivo, uma atitude anímica tendente a provocar noutra pessoa uma decisão de
suicídio ou a contribuir para a execução de um propósito suicida.
A infracção só é punível a título de dolo5, sendo suficiente o dolo eventual. O dolo
tem de abranger o suicídio: para além de compreender o incitamento ou a ajuda, tem
de abarcar também a realização do suicídio. Se o agente sabe que a sua decisão não é
livre e responsável, então ele “quer” cometer homicídio, devendo ser punido como tal.
Já se o agente pensa, erradamente, que a decisão da vítima é livre e responsável ou
que ainda há uma vontade de suicídio, então ele tenta cometer incitamento ou ajuda ao
suicídio, quando, objectivamente, está a praticar homicídio. Contudo ele só poderá ser
punido pela infracção menos grave, a do art. 135º CP. 
 

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 20

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
32.O resultado típico do art. 135º CP
O art. 135º CP prevê um crime de resultado.
Num crime de mera actividade, o dolo “deve abranger unicamente circunstâncias
relativas à acção do agente, não sendo necessário que este queira ou conheça
qualquer resultado não compreendido no tipo”. Portanto, para se considerar o art. 135º
CP como prevendo um crime formal, o dolo do agente teria de dirigir-se apenas à
própria acção idónea para o incitamento ou (e) para a ajuda ao suicídio.
Deve atender-se a que a relevância jurídico-penal dos comportamentos,
tecnicamente classificados de determinação ou de cumplicidade, depende de ter
havido actos executivos por parte do autor material.
 
33.As formas especiais do crime
a)     Comparticipação
Não punibilidade da vítima sobrevivente da tentativa de suicídio. Não punibilidade
que se mantém mesmo que tenha sido ela a determinar o agente à ajuda ao suicídio.
b)     Tentativa
O facto só é punível “se o suicídio vier efectivamente a ser tentado ou a consumar-
se”. A partir daqui questiona-se se a tentativa é ou não punível converte-se em boa
medida num problema de índole prevalentemente dogmático-categorial. Tudo depende
da estrutura típica da infracção, nomeadamente do sentido e alcance da consumação
no complexo iter da incriminação.
c)     Concurso
Se o agente incitar e ajudar a mesma pessoa cometerá apenas um crime de
incitamento ou ajuda ao suicídio. Pode haver concurso ideal com outras infracções
quando o meio utilizado para ajudar ou incitar configura um ilícito criminal, como o
incêndio. Também pode haver concurso ideal na hipótese de suicídio de uma mulher
grávida, em caso de aborto punível.
Pode haver concurso real com o homicídio a pedido da vítima. É o que acontece se
o agente aceita, a pedido da vítima, dar o “golpe de misericórdia”. Também pode haver
concurso real com o crime de homicídio. Tal será mesma a regra no chamado
“suicídio alargado” que se dá quando o suicida arrasta para a morte outras pessoas,
normalmente filhos menores ou outros dependentes.
 
34.Agravação
O art. 135º/2 CP prescreve a qualificação da infracção por circunstâncias atinentes à
pessoa da vítima: ser menor de 16 anos ou ter a sua capacidade de valoração ou
de determinação sensivelmente diminuída. Pelo menos ao nível da pena abstracta,
não revelam as circunstâncias atinentes ao agente, nomeadamente o facto de ele ter
agido por motivos egoístas. A qualificação está prevista para uma fenomenologia
relativamente extensa, onde podem ocorrer situações de homicídio em autoria
mediata: a utilização da vítima da autodestruição como um “instrumento”. Antes de se
proceder à subsunção do caso no regime do art. 135º/2 CP, há-de por isso, apurar-se
se, em concreto, se está perante uma situação de autêntico suicídio. Ou se,
inversamente, o caso não há-de, antes, ser levado à conta de homicídio.

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 21

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
6
A negligência não é punível

INFANTICÍDIO
 
35.O privilegiamento e os seus elementos típicos
O fundamento do privilegiamento do homicídio da criança é pois, o estado de
perturbação em que se encontra a mãe durante ou logo após o parto. E estes são
simultaneamente os elementos constitutivos do tipo objectivo de ilícito. O estado de
perturbação pode ser condicionado tanto endogenamente como exogenamente.
O objecto do facto é o filho. Do ponto de vista do bem jurídico trata-se pois aqui da
vida de outra pessoa, nos precisos termos em que o elemento vale para efeito do tipo
de homicídio, não da vida intra-uterina que constitui o bem jurídico do crime de aborto
(art. 140º CP).
 
36.Conduta
A conduta consiste em a mãe matar o filho durante ou logo após o parto e estando
ainda sob a sua influência perturbadora.
a)     Matar
Assume, no presente contexto, precisamente o mesmo significado que igual
elemento típico no crime de homicídio. Apenas se salientará que a conduta deve ter
lugar durante ou logo após o parto, enquanto o resultado (a morte) pode ter lugar em
momento posterior.
O crime pode ser cometido por omissão.
b)     A conduta tem lugar durante o parto
Se ela ocorre, a partir do momento em que se inicia o processo de nascimento, quer
dizer desde que se iniciam as contracções ritmadas, intensas e frequentes que
previsivelmente conduzirão à expulsão da criança ou, em alternativa, desde que tem
início o processo cirúrgico correspondente.
Que a conduta possa ter lugar logo após o parto é elemento relativamente ao qual
suscita dúvidas se deve conferir-se uma conotação especificamente temporal ou antes
psicológica, uma vez que, além deste requisito, se torna necessário que a mãe se
encontre ainda sob a influência perturbadora do parto; de outro modo a lei não teria
referido as exigências de que o facto ocorra durante ou logo após o parto e a mãe se
encontre ainda sob a sua influência perturbadora, mas apenas esta última. A conduta
tem por isso de ter lugar durante o qual é razoável supor segundo os pontos de vista
objectivos dos conhecimentos da medicina, que a influência perturbadora deste ainda
subsiste.
 
37.As formas especiais do crime
a)     Tentativa
É punível nos termos do art. 23º CP. Ela pressupõe que os actos de execução
tiveram lugar, ou persistiram, durante ou logo após o parto e sob a sua influência
perturbadora.
6

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 22

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
b)     Comparticipação
Autora pode ser apenas a mãe da criança. Autoria mediata é possível, por
exemplo, no caso de a mãe se servir de terceiro de boa fé para administrar uma poção
fatal à criança. E o mesmo se diga da instigação nos casos em que esta deva ser
considerada dentro do quadro da autoria (art. 26º in fine CP). Não se está por isso
perante um crime de mão própria, mas apenas perante um tipo que pressupõe
determinada qualidade especial de autoria, ser mãe da criança. Consequentemente
não é punível – por este preceito mas eventualmente pelos arts. 131º, 132º ou 133º CP
– a autoria mediata de terceiro que se serve da mãe para matar a criança durante ou
logo após o parto e sob a sua influência perturbadora. O mesmo devendo afirmar-se
para a cumplicidade de terceiro.
 c)     Concurso
O infanticídio consome a exposição ou abandono do art. 138º CP 7. Discutível pode
ser as relações de concurso do crime de infanticídio com crimes contra a integridade
física.
8
Concurso aparente.

HOMICÍDIO POR NEGLIGÊNCIA


 
38.Introdução
O Código Penal na sua parte geral (art. 15º CP) tipifica duas modalidades da mesma
negligência: aquela em que o agente representa como possível a realização de um
facto que preenche um tipo de crime, mas actua sem se conformar com essa
realização (alínea a)); e aquela outra em que ele nem sequer representa tal
possibilidade de realização (alínea b)). São respectivamente os casos de negligência
consciente e de negligência inconsciente. De comum, têm a conduta, activa ou
omissiva, não cuidada, a que o agente está obrigado (segundo as circunstâncias e de
que é capaz).
Este homicídio tem dois efeitos constitutivos, um típico especial e outro
típico/dogmático geral.
Consagra a punição por negligência do homicídio, o que sempre seria necessário,
atendendo à excepcionalidade de tal incriminação, nos termos do art. 13º CP.
 
39.Os elementos constitutivos
Relativamente aos elementos constitutivos do tipo objectivo do ilícito não se depara
aqui com quaisquer especialidades notáveis, face ao tipo de ilícito do homicídio doloso.
O objecto do facto é outra pessoa, assumindo neste contexto uma importância
ainda maior que no homicídio doloso9.

7
8

9
Portanto o homicídio por negligência é punível, mas não o aborto por negligência.

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 23

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
No que toca à conduta nada haverá que acrescentar ao que cuja foi referida no
homicídio doloso. Ela pode ter lugar tanto por acção, como por omissão. 10
 
40.Critérios de imputação objectiva e a sua concretização
O tipo de ilícito do homicídio negligente não é preenchido quando o agente, com a
sua conduta, não criou, não assumiu ou não potenciou um perigo típico para a vida da
vítima: ou porque o perigo não chegou ao limite do judicialmente relevante; ou porque,
sendo embora a conduta em si perigosa, se manteve dentro dos limites do risco
permitido, ou mesmo porque o agente se limitou a contribuir para a autocolocação em
perigo dolosa de outra pessoa.
Na concretização dos critérios de imputação objectiva da morte à conduta cabe
desde logo particular relevo a violação de normas de cuidado da mais diversa ordem
à “falta de observância de algum regulamento”. Uma tal violação pode por isso
constituir legitimamente indício do preenchimento do tipo de ilícito, mas não pode em
caso algum fundamentá-lo.
A esta problemática – dos domínios especializados da vida – se liga estreitamente a
questão chamada da negligência na assunção ou na aceitação. Trata-se em geral,
da assunção de tarefas ou da aceitação de responsabilidades para as quais o agente
não está preparado, nomeadamente porque lhe faltam as condições pessoais, os
conhecimentos ou mesmo o treino necessário ao desempenho cuidadoso de uma
actividade perigosa.
O critério fundamental de delimitação do tipo do ilícito negligente é hoje constituído
pelo chamado princípio da confiança. Segundo este princípio, que se comporta no
tráfico de acordo com as normas deve poder confiar que o mesmo se sucederá com os
outros; salvo se tiver razão concretamente fundada para pensar de outro modo.
O princípio da confiança vale na medida em que, por regra, o agente deve poder
contar com que outros não cometerão factos ilícitos-típicos dolosos. Salvo se, uma
vez mais as circunstâncias concretas do caso derem fundado motivo para pensar que
um tal consentimento pode muito bem ocorrer.
 
41.A questão do “critério generalizador” ou “individualizador” no homicídio
negligente
A doutrina dominante vai no sentido de considerar que o tipo de ilícito negligente se
preenche com a violação de um dever objectivo de cuidado, enquanto toda a questão
da capacidade individualizada do agente para o observar deve ser remetida para a
culpa.
Essa faceta tem a ver com o relevo – ou com a falta dele –, logo ao nível do tipo de
ilícito do homicídio negligente, das capacidades individuais do agente, quando
superiores ou inferiores às do homem médio.
Em matéria de tipo de ilícito negligente vale um critério generalizador relativamente
aos agentes dotados de capacidades médias ou inferiores à média, um critério

10
Omissão impura nos termos do art. 10º CP.

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 24

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
individualizador relativamente a todos os agentes dotados de especiais capacidades
(superiores à média).
 
42.As causas da exclusão da culpa
Compreende-se que, relativamente ao homicídio negligente, funcione como causa
de exclusão da culpa a incapacidade individual do agente para corresponder aos
deveres ínsitos no tipo de ilícito (sobre o critério individualizador na culpa negligente,
todavia restringido, sem razão bastante, à incapacidade de compreensão). Haverá em
todo o caso que ressalvar as hipóteses da negligência na assunção ou a aceitação
que, neste contexto, assumirão particular relevo.
 
43.A negligência grosseira (art. 37º/2 CP)
A negligência grosseira constitui um grau essencialmente aumentado ou
expandido de negligência. Para além disso porém é importante decidir se o carácter
grosseiro da negligência constituir uma mera circunstância modificativa da moldura
penal exclusivamente operante ao nível da medida legal da pena; uma forma de culpa;
uma característica da atitude do agente; ou uma graduação do ilícito em função do
especial dever de cuidado violado, do perigo aumentado e (ou) da probabilidade de
verificação do resultado.
A razão existe, entre outros, a Roxin quando defende que o conceito implica uma
especial intensificação da negligência não só ao nível da culpa, mas também ao nível
do tipo de ilícito. A este último nível torna-se indispensável que se esteja perante uma
acção particularmente perigosa e de um resultado de verificação altamente provável à
luz da conduta adoptada. Mas daqui não pode deduzir-se sem mais que também o tipo
de culpa resulta logo dali inevitavelmente aumentado, antes se tem de alcançar a prova
autónoma de que o agente, não omitindo a conduta, relevou uma atitude
particularmente censurável de leviandade ou descuidado perante o comando jurídico-
penal.

44. As formas especiais do crime


a)     Comparticipação
Autor pode ser não apenas o autor imediato, como o autor atrás do autor, sob
várias formas concretas. Assim, desde logo, o mandante ou o incitador de um
comportamento que vem a terminar por um homicídio negligente. Frequentes são na
verdade os casos de autoria paralela, nomeadamente sob a forma em que o resultado
é produzido imediatamente por um mas só porque outro anteriormente violou um dever
objectivo de cuidado ou o risco permitido.
b)     Concurso
Se através de uma mesma acção são mortas várias pessoas estar-se-á perante uma
hipótese de concurso efectivo, sob a forma de concurso ideal, com absoluta
indiferença porque a negligência tenha sido consciente ou inconsciente.
Concurso efectivo, sob a forma de concurso real, é possível entre o homicídio
negligente e a omissão de auxílio (art. 200º CP). Concurso aparente existirá em regra
– se não mesmo sempre – com crimes qualificados por evento mortal (art. 18º CP); a

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 25

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
questão é própria porém de cada um dos concretos crimes agravados pelo evento
morte.

EXPOSIÇÃO OU ABANDONO
 
45.O tipo legal objectivo
O bem jurídico protegido no presente tipo legal é a vida humana. Trata-se porém,
não de um tipo de dano, mas sim de um crime de perigo concreto.
O agente tem de colocar em perigo a vida de uma pessoa, através de uma das duas
modalidades de conduta descritas no art. 138º CP. Este elemento típico implica
evidentemente que com o acto do agente, se crie um perigo ou se potencie um perigo.
Assim, não haverá crime quando o perigo já exista e não se encontre mais à disposição
do agente qualquer meio de diminui-lo ou atenuá-lo.
a)    Exposição
O agente tem de expor a pessoa em lugar que a sujeite a uma situação de que não
se possa só por si defender. A exposição implica que a vítima deva ser transferida de
um local11 para um outro menos seguro – o que significa que se tem de verificar uma
qualquer12 deslocação espacial produzida pelo agente; dessa deslocação deve resultar
um agravamento de riscos de tal ordem que a vítima fique numa situação em que seja
incapaz de, por si só, defender-se13. Dois factores para se aferir o perigo:
        Atender ao local onde a vítima é exposta ou colocada;
        Características da própria vítima.
O agente tem uma conduta que faz nascer para a vítima uma situação de perigo.
Esta modalidade de conduta pode ser cometida por qualquer pessoa 14. Pode
também ser cometida por omissão15.
b)      Abandono
Consiste em o agente abandonar a vítima sem defesa sempre que tenha um dever
de a guardar, vigiar ou assistir.
O abandono tem de ser realizado por um agente sobre o qual impenda um especial
dever16 – com o que se trata de um crime específico próprio.
Este dever tem de ser pré-existente à situação de abandono e deve estar em directa
conexão com a ausência de defesa da vítima; ou seja: é necessário que o dever que
sobre o agente impende tenha por finalidade garantir o auxílio para situações de risco
em que incorpora a vítima.
Do abandono tem que resultar uma situação de agravamento de riscos 17 para o qual
a vítima não tenha, por si, capacidade de se defender.

11
Relativamente seguro.
12
Por mínima que seja.
13
Face aos novos riscos criados pela exposição e que colocam em perigo a sua vida.
14
É um crime comum.
15
Segundo as regras gerais.
16
De guardar, assistir ou vigiar.
17
Para a vida da vítima.

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 26

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
 
46.O tipo legal subjectivo
O tipo legal só se preenche com dolo, bastando o dolo eventual. Este dolo tem
evidentemente de abarcar a criação de perigo para a vida da vítima, bem como a
ausência de capacidade para se defender por parte da vítima.
O dolo (do agente) tem que pressupor o conhecimento do perigo, o agente tem que
querer o perigo para a vítima, mas não quer a morte. O dolo de perigo é por natureza
algo difícil de verificar, o legislador tem que ver que o agente admitiu o perigo mas não
se conformou com a lesão.
A conduta, para além de abandono ou exposição, tem que vir a produção
efectivamente um perigo para a vida da vítima. O resultado tem que se autonomizar, se
não houver a consumação do perigo não é crime.
 
47.As formas especiais do crime
a)     Tentativa
É punível a tentativa deste crime. Dada a especial configuração do tipo de crime, a
desistência pode ser relevante se o agente voluntariamente impedir a produção de
resultado não compreendido no tipo; ou seja, tendo já colocado em perigo a vida da
vítima, haverá desistência relevante se o agente diminuir o perigo criado, impedindo o
efectivo dano.
b)     Comparticipação
São aplicáveis as regras gerais da comparticipação, no caso de exposição. No caso
de abandono, tratando-se de um crime específico, em princípio, haverá a derrogação
daquelas regras.
c)     Concurso
O art. 138º CP é um crime de perigo concreto, pelo que, verificando-se dolo quanto
ao dano, não deverá ser aplicado.
Pode ser discutível a correcta ligação entre este crime (em especial no caso da
modalidade de conduta de abandono) e o crime de omissão de auxílio (art. 200º CP).
A correcta destrinça deve ser realizada em função do facto de o dever de auxílio
(vigilância e guarda), no caso de abandono, ser pré-existente à criação do risco,
enquanto no crime de omissão o dever de auxílio é exactamente consequência da
situação de risco. Poderá, contudo, verificar-se uma situação de concurso entre
omissão de auxílio e exposição ou abandono. Assim, no caso de, estando a vítima
numa situação descrita no art. 200º CP, o agente, além de não prestar auxílio, deslocar
a vítima para outro local, criando ou agravando o perigo para a vida da vítima.
 
48.As agravações
O art. 138º/2 e 3 CP prevê a agravação das molduras legais. Uma primeira
agravação resulta da especial qualidade do agente: ascendente, descendente,
adoptante ou adoptado.
Uma segunda agravação reside na agravação da pena por um evento mais grave
(crime praeterintencional). Nestes dois casos (produção da morte ou uma ofensa à
integridade física da vítima) são aplicáveis as regras gerais de agravação da pena (art.

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 27

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
18º CP). De qualquer modo, decisivo para a verificação do crime praeterintencional é
que o resultado produzido (a morte ou uma ofensa à integridade física grave, nos
termos do art. 144º CP) seja imputável à situação de perigo criado e directamente
conexionada com a ausência de capacidade de defesa por parte da vítima. Verificado
um destes resultados, mas em consequência de uma outra fonte de perigos, o princípio
será o de afirmar um concurso entre crimes e o crime negligente produzido.
 

ABORTO
 
49.Introdução
Tal como decorre da própria lei, o legislador português adoptou a solução
correspondente ao modelo das indicações. Partindo do princípio da dignidade penal
do bem jurídico da vida intra-uterina, o legislador consagrou situações medicamente
indicadas em que este valor pode ser sacrificado face a outros valores
constitucionalmente relevantes. Isto significa essencialmente que a solução adoptada
pelo legislador português se baseia na impunidade da interrupção da gravidez fundada
numa ideia de conflito de valores. A concretização da solução desse conflito de valores
dá-se exactamente pela regulamentação das indicações 18.
Deste modelo resulta um princípio de punibilidade do crime de aborto, em
correspondência com a ideia de dignidade de protecção, constitucionalmente fundada,
da vida intra-uterina.
 
50.O bem jurídico
O bem jurídico protegido no crime de aborto é a vida humana intra-uterina. Trata-
se de um bem jurídico autónomo e também eminentemente pessoal. A autonomia do
bem jurídico resulta da consideração de que, no crime de aborto, não está protegida a
vida humana que é protegida nos crimes de homicídio, isto é, a distinção entre o crime
de homicídio e de aborto não é uma mera distinção de objectos da conduta criminosa.
Ao poder-se afirmar que o bem jurídico principal é a vida intra-uterina, resultam daí
imediatamente algumas consequências em termos de definição do objecto de
protecção: tem que estar em causa a vida humana implantada no útero da mãe.
Pode dizer-se, em suma, que o bem jurídico fundamental dos crimes de aborto é a
vida intra-uterina. Mas por forma diversa, intervêm ainda outros bens jurídicos na
concreta conformação típica do crime de aborto, em especial os valores da liberdade e
da integridade da mulher grávida.
 
51.O tipo objectivo de ilícito
Embora o tipo objectivo de ilícito não o refira expressamente, objecto de crime de
aborto é o feto ou o embrião. O crime de aborto não distingue, para efeitos de
punibilidade, entre feto e embrião, como cientificamente acontece.

18
A indicação médica – em sentido estrito – e em sentido lato; a indicação feteopática e a indicação criminológica.

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 28

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
O crime de aborto só se pode verificar até ao momento em que não se possa falar
mais de vida intra-uterina e se verifique o início da vida humana para efeitos de tutela
penal; pelo que a morte de uma criança após o início do acto de nascimento deverá ser
equacionada no âmbito dos crimes contra a vida.
A acção tem que consistir em fazer abortar. A expressão utilizada pelo legislador
português não é de todo inequívoca, pois abortar tanto significa expulsar o feto do
ventre materno, como a eliminação do feto. Dada a configuração do tipo legal e o bem
jurídico em causa, parece que o aspecto essencial é o resultado: morte do feto. O
crime de aborto é pois um crime de resultado.
A forma por que se provoca a morte do feto é irrelevante. Tanto pode ser por
intervenção directa sobre o feto como por intervenção indirecta, por actuação sobre a
mulher grávida. Decisivo é que aquela actuação torne o feto incapaz de vida.
O tipo de crime de aborto, como crime de resultado que é, pode também ser
cometido por omissão segundo as regras gerais (art. 10º CP). Saliente-se que o dever
de garante recai sobre a mulher grávida, mas recai também sobre o médico e,
eventualmente, sobre o pai.
O crime de aborto assume distintas ilicitudes consoante o agente em causa e
consoante a mulher grávida preste o consentimento ao aborto ou não.
No caso mais grave, o crime pode ser praticado por qualquer pessoa (crime
comum), tanto por um leigo, como por um médico 19, mas sem o consentimento da
mulher grávida. Neste caso, aplicam-se as regras gerais da autoria e comparticipação.
A segunda hipótese é a de se verificar um crime comum, mas em que o aborto é
realizado com o consentimento da mulher grávida. Agente e mulher grávida constitui
um factor de redução do ilícito.
A terceira hipótese é a de ser a própria mulher grávida a realizar o aborto. O art.
140º/3 CP distingue a realização por facto próprio ou por facto alheio. Isto significa que
a realização pela mulher grávida do aborto pode assumir a forma de autoria mediata,
co-autoria ou autoria individual. Por outro lado, a mulher grávida pode, da mesma
forma, ser responsabilizada pelo assentimento dado ao aborto. Naturalmente que,
neste caso, para se verificar o assentimento é irrelevante saber de quem a iniciativa
partiu.
 
52.O tipo subjectivo de ilícito
O crime de aborto tem de ser realizado dolosamente, sendo suficiente o dolo
eventual. O dolo tem evidentemente que se referir também ao resultado: a morte do
feto. Este aspecto pode contribuir para a resolução de problemas atinentes à
punibilidade, ou não, do aborto nas hipóteses de tentativa de suicídio da mulher
grávida.
No art. 140º CP vêem consideradas três modalidades de aborto:
1)     Aborto consentido: é praticado com o consentimento da mãe (art. 140º/2 CP),
neste tipo legal de crime o consentimento é um elemento positivo do tipo, para
estar preenchido o tipo tem que haver consentimento.

19
Se não se verificar uma das indicações previstas no art. 142º CP.

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 29

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
2)     Aborto passivo: vem tipificado no art. 140º/1 CP, a diferença é a ausência do
consentimento, é um elemento negativo do tipo. O tipo para estar preenchido é
necessário a ausência do consentimento.
3)     Aborto activo: o art. 140º/3 CP refere-se à conduta da mãe, ou ao dar
consentimento que se faça o aborto (o que é por si crime) ou à conduta de ela
própria se fazer abortar. Dar consentimento para praticar o aborto é uma conduta
que é crime.
 
53.As formas especiais do crime
a)     Tentativa
Não haverá punibilidade da tentativa seja para terceiro, seja para a mulher grávida –
nos casos em que a mulher grávida tente abortar ou der assentimento a um aborto
tentado. Mantém-se porém, punível a tentativa do crime de aborto mais grave,
portanto, sem consentimento da mulher grávida. Em regra, a tentativa iniciar-se-á com
a intervenção corporal sobre a mulher, em ordem a produzir o aborto. São pensáveis
as tentativas impossíveis e são também aplicáveis as regras gerais da desistência.
b)     Comparticipação
A mulher grávida é quase exclusivamente punível como autora. É possível a
afirmação da cumplicidade por um terceiro.
 c)     Concurso
Uma vez que o bem jurídico protegido pelo crime de aborto é um bem jurídico
pessoal, a pluralidade de abortos implicará por regra a pluralidade de crimes.
As hipóteses de concurso de crimes podem manifestar-se de forma algo complexa
nos casos de aborto sem consentimento. De facto, o preenchimento do art. 140º/1
CP envolverá necessariamente o preenchimento de crimes contra a integridade física e
contra a liberdade. Aplicar-se-ão aqui as regras gerais para esta forma de concurso de
crimes.
No caso do aborto consensual já não serão pensáveis – além dos casos previstos
no art. 141º CP – hipóteses de concurso. Eventualmente pode estar associado a
crimes como o de usurpação de funções (art. 358º-b CP) etc.

 
ABORTO AGRAVADO
 
54.O crime de aborto agravado pelo resultado (art. 141º/1 CP)
O fim protectivo da norma é facilmente perceptível: agravar a punição por abortos
realizados em situação de particular risco para a vida e integridade física da
mulher grávida. É indiscutivelmente um caso praeterintencional, resultante da
combinação entre um crime fundamental doloso (o crime de aborto, art. 140º/1 e 2 CP)
e um evento agravante (a morte ou a ofensa à integridade física da mulher) que, nos
termos gerais do art. 18º CP deve ser imputado a título de negligência.
 
55.O tipo de ilícito

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 30

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
Pressupostos de realização do tipo legal de aborto agravado é, em primeiro lugar, a
realização de um crime de aborto pelo agente, podendo este ser realizado com ou
sem consentimento da mulher grávida.
Deve fazer-se notar que, a despeito de alguma equivocidade na descrição típica, o
crime de aborto tem de ser consumado, ou seja, tem de verificar-se a morte do feto.
De facto, embora o tipo legal refira o aborto ou os meios empregues, a verdade é que
a pena (agravada) é aplicável “àquele que a fizer abortar”. Assim a circunstância (o
evento) agravante pode estar associada aos meios utilizados, mas tem de verificar-se
sempre um aborto.
É necessário que do aborto ou dos meios nele empregues resulte um evento
agravante: a morte ou a ofensa à integridade física grave da mulher grávida. Para
ambos os casos o evento tem de ser imputado a título de negligência. O agente tem de
cometer pela forma descrita um homicídio negligente (art. 137º CP) ou uma ofensa à
integridade física grave por negligência (art. 148º/3 CP).
 
56.As formas especiais do crime
a)     Tentativa
É possível a tentativa do crime de aborto agravado quando se tiver verificado um dos
eventos agravantes em razão dos meios empregues, não se verificando, porém, o
aborto; mas só é possível a tentativa, no caso do art. 141º/1 CP, havendo tentativa do
crime fundamental doloso com verificação do evento agravante.
b)     Comparticipação
É admissível nos termos gerais em que esta é admissível nos crimes
praeterintencionais. As duas únicas excepções residem em que não é punível a
comparticipação da mulher grávida (sob qualquer forma), nem é concebível a
cumplicidade, para este tipo de crime, quando o aborto tenha sido realizado pela
própria mulher grávida.
c)     Concurso
Uma vez que o crime praeterintencional constitui uma derrogação às regras do
concurso de crimes, não se colocam quaisquer problemas, em geral, de concurso. A
situação mais corrente de concurso será eventualmente com as outras circunstâncias
agravantes do aborto, previstas no art. 141º/2 CP.
 
57. Agravação por habitualidade ou intenção lucrativa na prática de aborto

punível (art. 141º/2 CP)

A primeira circunstância agravante é constituída pelo facto de o agente se dedicar


habitualmente à prática do aborto punível.
Para que se verifique a habitualidade é necessário que o agente tenha praticado,
pelo menos, dois factos que estejam por qualquer forma entre si conexionados. No
direito português o conceito de habitualidade estava sobretudo ligado aos crimes contra
o património.

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 31

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
A segunda circunstância agravante é o facto de o agente actuar com intenção
lucrativa. O ânimo do lucro coincide, neste contexto, com o enriquecimento e significa
o propósito de melhoramento, por qualquer forma, da situação patrimonial tal como
decorre do elemento intenção, é necessário que o agente actue com dolo previsto no
art. 141º/1 CP, não sendo necessário que o lucro seja o motivo principal, nem,
evidentemente, que o agente obtenha a melhoria da situação patrimonial.

 
INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ NÃO PUNÍVEL
 
58.A indicação médica (ou terapêutica) em sentido estrito
A interrupção da gravidez encontra-se justificada nos termos do art. 142º/1-a CP. A
interrupção tem de constituir não um meio simplesmente possível ou (e) adequado, não
o meio porventura mais pesado, física ou (e) psicologicamente, para a grávida, mas o
único meio de tutela dos valores ou interesses tipicamente protegidos, em suma, um
meio sem alternativa. É preciso que o perigo não seja removível de outro modo.
Necessário se torna, em segundo lugar, que a interrupção se revele indispensável
não simplesmente para evitar, mas para remover o perigo. É preciso por isso que o
perigo seja actual e não meramente potencial, que ele se encontre já “instalado” no
momento em que a intervenção tem lugar.
O perigo existente tem, por outro lado, de dizer respeito à vida ou ao corpo ou à
saúde física ou psíquica da mulher grávida.
Indispensável é ainda que o perigo se refira a uma lesão grave e irreversível do
corpo ou da saúde, devendo ter-se em atenção que estes requisitos são cumulativos
e não alternativos.
Verificada a existência de uma indicação médica em sentido estrito, a interrupção
pode ser levada a cabo em qualquer momento temporal de evolução da gravidez.
 
59.A indicação médica (ou terapêutica) em sentido lato
A interrupção de uma gravidez pode ser justificada, em segundo lugar nos termos do
art. 142º/1-b CP. Há aqui um alargamento dos limites da indicação médica ou
terapêutica.
Para além de se requerer que seja grave, não se exige aqui o carácter irreversível
da lesão do corpo ou da saúde mas sim que ela seja duradoura.
 
60.A indicação embriopática ou de fetopática
Encontra-se justificada no art. 142º/1-c CP. Exige-se, que recaía um juízo de
previsão fundada em motivos seguros. Esta previsão não pode deixar de ser
medicamente fundada.
À verificação da indicação torna-se necessário que o juízo de previsão se dirija a
uma doença grave ou malformação congénita incurável, isto é, a uma lesão do
estado de saúde que ou deixa ao nascituro pequenas hipóteses de sobrevivência ou
lhe causa danos irreparáveis físicos ou psíquicos.
 

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 32

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
61.A indicação criminal
Encontra-se justificada no art. 142º/1-d CP. Sérios indícios têm o significado de
crença fundada que o médico deve inquirir acerca de a mulher ter sido vítima de crime
sexual e deste ter resultado a gravidez.
 
62.Pressupostos comuns da justificação relativos à intervenção
O primeiro dos pressupostos é que ela seja “efectuada por um médico ou sob a sua
direcção” (art. 142º/1, 1ª parte CP). A razão de ser desta exigência é claramente a de,
no interesse da grávida, afastar a possibilidade de a interrupção ser feita por qualquer
pessoa não completa e oficialmente capacitada para levar a cabo diagnósticos e
intervenções médicas particularmente melindrosas.
O segundo pressuposto é o de que a interrupção tenha lugar “em estabelecimento
de saúde oficial ou oficialmente reconhecido” (art. 142º/1, 2ª parte CP). Ainda aqui se
trata principalmente de proteger o interesse da grávida assegurando-lhe um serviço
que dê garantias de qualidade e de responsabilização.
Um terceiro pressuposto é o de que a indicação se verifique “segundo o estado dos
conhecimentos e da experiência da medicina”.
 
63.Pressupostos comuns de justificação relativos ao consentimento
A interrupção da gravidez deve ter lugar “com o consentimento da mulher grávida”
(art. 142º/1, 3ª parte CP).
Especialidades relativamente ao consentimento geral existem desde logo em
matéria de capacidade. Com efeito, capaz de consentir não é a mulher de 14 anos que
possua o discernimento necessário para avaliar o seu sentido e alcance; capaz de
consentir é só a mulher de 16 anos ou mais que seja psiquicamente capaz (art.
142º/3-b, 1ª parte CP).
Se a mulher for incapaz o consentimento é prestado “respectiva e sucessivamente,
conforme os casos pelo representante legal, por ascendente ou descendente ou, na
sua falta por quaisquer parentes da linha colateral” (art. 142º/3-b, 2ª parte CP).
 
64.Justificação da interrupção sem consentimento
A lei renúncia à exigência de consentimento da grávida como condição de
justificação (art. 142º/4 CP) no pressuposto da verificação cumulativa de dois
pressupostos:
1)     Que não seja possível obter o consentimento nos termos do art. 142º/1; e
2)     Que a efectivação da interrupção se revista de urgência.
Não é possível obter o consentimento, relativamente a mulher maior de 16 anos e
psiquicamente capaz (art. 142º/3-a CP) se aquela se não encontrar em estado de
poder exprimir ou transmitir validamente a sua vontade.
A efectivação da interrupção é urgente quando o seu retardamento representa a
criação ou potenciação de um risco para os interesses que a lei tem em vista proteger
ou permitir a interrupção.
A decisão sobre a urgência pertence ao médico e deve ser encontrada tendo em
atenção o estado dos conhecimentos e da experiência da medicina.

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 33

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
 
65.Conhecimento da (e erro sobre a) justificação
Como em geral, também aqui o agente precisa de actuar no conhecimento dos
pressupostos de que depende a justificação. Se os não conhece, o agente deve ser
punido pelo art. 140º CP; se a título de aborto consumado, ou apenas tentado por
aplicação analógica do disposto no art. 39º/4 CP é questão que deve considerar-se não
assumir aqui qualquer especialidade relativamente à solução que se defenda, em geral,
para as causas de justificação.
Também se deve afirmar que o disposto no art. 16º/2, 1ª parte CP (“o erro sobre um
estado de coisas que, a existir, excluiria a ilicitude do facto…” exclui o dolo – e aqui a
punição) tem plena aplicação nestas hipóteses. Particularmente importante será
verificar se é efectivamente de um tal erro que se trata, ou se diferentemente o erro
versa sobre o âmbito ou os limites da justificação; neste último caso, como se sabe, o
erro não constitui um erro que exclui o dolo, nos termos do art. 16º/2 CP, mas sim um
erro que só pode revelar pela via da falta de consciência do ilícito, nos termos do art.
17º CP.

OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA SIMPLES


 
66. Generalidades
O crime de ofensa à integridade física simples surge como o tipo legal
fundamental em matéria de crimes contra a integridade física. É a partir da “ofensa ao
corpo ou à saúde de outrem” que se deixa constituir uma série de variações
qualificadas, como ofensa à integridade física grave (art. 144º CP), agravada pelo
resultado (art. 145º CP), qualificada (art. 146º CP), privilegiada (art. 147º CP) e por
negligência (art. 148º CP). De realçar a similitude entre a forma como passam a ser
estruturados no Código Penal os crimes contra a integridade física e contra a vida.
 
67.O bem jurídico
O bem jurídico protegido é a integridade física da pessoa humana.
Relativamente ainda ao conceito de integridade física e ao seu conteúdo cabe não
perder de vista que se, por um lado, não lhe deverá reconhecer uma amplitude
excessiva, que possa contender inclusivamente com a protecção dispensada a outros
bens jurídicos pelo Código Penal, por outra banda, é inegável que certas lesões do
corpo ou da saúde, certos “maus-tratos físicos”, acarretam necessariamente consigo
consequências psíquicas, e que é de considerar como lesão da saúde o abalo
psicológico de certa gravidade.
Trata-se de um crime material e de dano. O tipo legal em análise abrange com
efeito um determinado resultado que é a lesão do corpo ou da saúde de outrem,
fazendo-se a imputação objectiva deste resultado à conduta ou omissão do agente de
acordo com as regras gerais. Está-se também perante um tipo legal de realização
instantânea, bastando para o seu preenchimento a verificação do resultado descrito.
 

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 34

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
68.O tipo objectivo de ilícito
A lei distingue duas modalidades de realização do tipo:
a)     Ofensas no corpo;
b)     Ofensas na saúde.
Muitas das vezes haverá coincidência entre estas duas formas de realização do tipo.
O tipo legal do art. 143º CP fica preenchido mediante a verificação de qualquer
ofensa no corpo ou na saúde, independentemente da dor ou sofrimento causados, ou
de uma eventual incapacidade para o trabalho.
Por ofensa no corpo poder-se-á entender “todo o mau trato através do qual o
agente é prejudicado no seu bem-estar físico de uma forma não insignificante”.
Objecto da acção é o corpo humano. Contemplam-se aqui unicamente “ofensas
contra o físico ou contra a parte corporal do homem”. O elemento típico “corpo” é ainda
susceptível de abranger próteses quando estas se encontrem ligadas à pessoa com
carácter de permanência.
A ofensa ao corpo não poderá ser insignificante. Sob o ponto de vista do bem
jurídico protegido não será de ter como relevante a agressão e ilícito o comportamento
do agente, se a lesão é diminuta. A apreciação da gravidade da lesão não se deve
deixar fundar em motivos e pontos de vista pessoais do ofendidos, necessariamente
subjectivos e arbitrários, antes deverá partir de critérios objectivos, se bem que não
perdendo totalmente de vista factores individuais.
Como lesão da saúde deve considerar-se “toda a intervenção que ponha em causa
o normal funcionamento das funções corporais da vítima, prejudicando-a”. É de
considerar como lesão da saúde, em primeiro lugar, a criação de um estado de
doença, seja através de uma infecção, do contágio de uma doença sexualmente
transmissível, ou por qualquer outra via.
Objecto da agressão é apenas empregando a expressão utilizada pelo legislador
no art. 143º CP, “outra pessoa”. As chamadas auto-lesões não são puníveis como
ofensa à integridade física.
O preenchimento do tipo legal, tanto pode ter lugar por acção como por omissão
quando sobre o omitente recaía um dever jurídico que pessoal o obrigue a evitar o
resultado (dever jurídico de garante – art. 10º CP).
 
69.O tipo subjectivo de ilícito
O tipo legal do art. 143º CP exige o dolo em qualquer das suas modalidades (art. 14º
CP). O dolo de ofensa à integridade física refere-se às ofensas no corpo ou na saúde
do ofendido. A motivação do agente é irrelevante sob este ponto de vista, embora
possa ser tida em conta para efeitos de determinação da medida da pena.
Em matéria de erro sobre o tipo são aqui pensáveis várias situações, todas elas no
entanto recondutíveis às soluções vertidas pelo legislador no art. 16º CP.
 
70.Causas de justificação
O consentimento funciona aqui como uma verdadeira e própria causa de exclusão
da ilicitude, uma vez que, não obstante reconhecido o valor da autonomia do titular do

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 35

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
bem jurídico e penalmente tolerada a conduta, está em causa uma manifestação de
danosidade social que a ordem jurídica não pode ser indiferente.
O consentimento em causa tanto pode ser expresso (art. 38º CP) como presumido
(art. 39º CP).
 
71.As formas especiais do crime
a)     Tentativa
O crime de ofensa à integridade física simples não é punível no estádio da tentativa.
De facto, o limite mínimo previsto para a punibilidade da tentativa (art. 23º CP) não é
atingido pela moldura penal do art. 143º CP que tem como limite máximo os três anos.
b)     Comparticipação
É um crime individual, pelo que se aplicam as regras gerais sobre a comparticipação
criminosa.
c)      Concurso
Encontram-se em concurso legal ou aparente com o tipo legal de ofensa à
integridade física simples os tipos legais de crime correspondentes aos arts. 144º, 145º,
146º, 147º e 148º CP. Da mesma forma mostra-se passível de excluir a aplicação do
art. 143º CP, desta feita em virtude de interceder entre os respectivos tipos legais uma
relação de consunção, a participação em rixa (art. 151º CP), os maus-tratos ou
sobrecarga em menores, de incapazes ou do cônjuge (art. 152º CP), a coacção (art.
154º CP), o roubo (art. 210º CP). Pode haver concurso efectivo com o crime de
difamação (art. 180º CP), violação de domicílio (art. 190º CP), violação (art. 164º CP),
ameaça (art. 153º CP) entre outros.
Bastante discutida tem sido a questão do concurso entre os crimes de homicídio
(art. 131º CP) e de ofensa à integridade física. O problema não terá grande relevância
sempre que o homicídio venha a consumar-se, pois que aqui funcionam as regras
gerais do concurso aparente sob a forma da relação de subsidiariedade. Diferente será
a situação se se consuma o crime de ofensa à integridade física, tendo lugar ao
mesmo tempo uma desistência da tentativa relevante em relação ao crime de
homicídio. Neste caso deve punir-se o agente pelo crime doloso, na medida em que o
dolo de homicídio parece conter em si o dolo de ofensa à integridade física (aquele que
pretende matar outrem tem que ferir, envenenar, ou por outra forma lesar a integridade
física de outrem). Envereda-se assim pela aceitação de uma relação de
subsidiariedade entre o tipo legal de ofensa à integridade física e o de homicídio,
independentemente de em relação a este último se ter agido com dolo eventual ou
outro qualquer tipo de dolo.

 
OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA GRAVE
 
72.Generalidades
O crime de ofensas à integridade física grave surge, em termos latos, como um
delito qualificado pelo resultado, que apresenta, precisamente pelo resultado a que

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 36

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
conduz, uma ilicitude mais grave do que a corresponde ou subjaz ao tipo de ilícito
fundamental, ofensas à integridade física simples. Não assume qualquer relevância o
meio pelo qual o resultado qualificado foi atingido.
 
73.O tipo objectivo de ilícito
Em causa terá que estar uma ofensa ao corpo ou saúde de outrem.
É susceptível de constituir uma ofensa à integridade física grave a conduta do
agente que “privar outrem de importante órgão ou membro ou que o desfigurar grave e
permanentemente”. Por órgão deve considera-se “toda a parte ou componente de um
corpo organizado, que tem uma função particular”. Membro será, toda a parte do corpo
com ele relacionada exteriormente através de articulações. Desfiguração está aqui em
causa uma alteração substancial da aparência do lesado. Terá de ser além disso
permanente. A permanência não vale aqui como exigência de perpetuidade, mas
apenas pretende significar que os efeitos da lesão sofrida são duradoiros, sendo
previsível que perturbem por um período de tempo indeterminado.
 
74.O tipo subjectivo de ilícito
O dolo tem que abranger não só o delito fundamental, como as consequências que
o qualificam. O dolo eventual é suficiente. Relativamente ao art. 144º-d CP, exige-se o
conhecimento das circunstâncias que tornam o comportamento perigoso sob o ponto
de vista do bem jurídico protegido (neste caso, a vida), não se tornando necessário a
vontade da lesão efectiva do mesmo bem jurídico.
 
75.As causas de justificação
Assume aqui particular relevo como causas de justificação o consentimento do
ofendido, colocando-se questões particulares como o da sua eficácia em relação a
tratamentos médicos que não assumem, pela sua novidade, o carácter de intervenção
curativa, no sentido do art. 150º CP, o da possibilidade de consentir numa dádiva de
órgãos que vem a beneficiar terceiros.
 
76.As formas especiais do crime
a)     Tentativa
É possível e punível nos termos do art. 23º CP. Terá lugar sempre que o agente
actua em relação ao resultado (ofensa à integridade física grave) pelo menos com dolo
eventual. É indiferente sob esse ponto de vista se se assuma ou não o crime
fundamental de ofensa à integridade física simples (art. 143º CP). Acerca de todas
aquelas situações em que o crime projectado inicialmente vem a dar lugar a um
resultado mais grave, por exemplo, morte, art. 145º CP.
b)     Concurso
O crime de ofensas à integridade física do art. 144º CP, cede sempre na sua
aplicação face aos tipos legais qualificados dos arts. 146º e 147º CP. Ofensas à
integridade física grave pode ter tido lugar negligentemente, caso em que encontrará
aplicação a moldura penal prevista no art. 148º/3 CP. Relativamente ao crime
fundamental descrito no art. 143º CP tem aqui lugar um concurso aparente sob a

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 37

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
forma de uma relação de especialidade, pelo que a ofensa à integridade física simples
determinar-se-á em via residual.
Também poderá existir concurso aparente com o tipo legal dos arts. 151º CP
(participação em rixa), 158º/2-b) ou e) (sequestro), 160º/2-b (tomada de reféns), 210º
(dano com violência), 239º (genocídio), 241º (crimes de guerra contra civis), 244º
(tortura e outros tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos graves), 321º-b
(mutilação para isenção de serviço militar), entre outros.

 
AGRAVAÇÃO PELO RESULTADO
 
77.Generalidades
Está-se perante um delito qualificado pelo resultado que se caracteriza por uma
especial combinação de dolo e negligência 20. O delito fundamental doloso é por si só
susceptível de punição, no entanto a pena é substancialmente elevada com base numa
especial censurabilidade do agente, uma vez que o perigo específico que envolve esse
comportamento se concretiza num resultado agravante negligente.
 
78.O bem jurídico
Através deste tipo legal protege-se a integridade física e a vida, uma vez que a não
existir essa disposição a punição seria feita através das regras do concurso, o que
implicaria a consideração autónoma e diferenciada dos dois bens jurídicos. Existe uma
punição agravada em relação aos dois crimes que pressupõe bens jurídicos distintos.
 
79.O tipo objectivo de ilícito
As condutas previstas por este tipo legal são as que correspondem ao
preenchimento dos tipos legais de lesões à integridade física simples e de lesões à
integridade física graves. O comportamento lesivo da integridade física tanto se pode
traduzir numa acção, como numa omissão; ponto é, que nesta última hipótese, recaía
sobre o agente um dever jurídico de garante.
 
80.O tipo subjectivo de ilícito
A lesão da integridade física tem que ter sido praticada a título doloso (o dolo
eventual é suficiente).
Em relação ao resultado morte deve o agente ter actuado pelo menos com
negligência. A questão que se coloca é a de saber se o evento agravante pode ter sido
dolosamente produzido. Embora genericamente esta combinação crime fundamental
doloso-evento agravante doloso possa ser uma possibilidade de acordo com a regra
geral do art. 18º CP, a solução mais acertada neste caso consiste em proceder à
punição do agente de acordo com as normas do concurso legal ou aparente de crimes,
vale dizer, por homicídio doloso consumado.
 
20

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 38

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
81.As causas de justificação
Relativamente ao consentimento do ofendido valem inteiramente as regras gerais
(arts. 38º e 149º CP). Assim, onde o resultado último da conduta do agente é a morte, e
dada a natureza indisponível do bem jurídico em causa, a antinomia do titular do bem
jurídico não é relevante, vale dizer que o consentimento não se mostra susceptível de
dirimir a ilicitude. O ofendido poderá pois permitir a lesão da sua integridade física, e
estar-se sob essa perspectiva das coisas perante uma disposição relevante, mas cuja
eficácia justificativa cede onde intervém o resultado mortal.
 
82.As formas especiais do crime
a)     Tentativa
A punibilidade da tentativa não é compatível com o que vem de afirmar-se, uma vez
que a verificação do resultado agravante supõe sempre a consumação do crime
fundamental doloso (ofensas à integridade física simples ou grave). Isto porquanto só
uma vez consumado este crime é que se poderá avaliar o perigo específico que aí se
encerra para posterior imputação do evento agravante. Se este tem lugar
independentemente da verificação da lesão dolosa ganha autonomia como crime
negligente.
b)     Comparticipação
Os comparticipantes serão punidos de acordo com a moldura praeterintencional
sempre que tiverem a consciência de que a ofensa estava ligado um perigo típico,
perigo esse que se podia concretizar num homicídio ou em ofensas à integridade física
graves.
c)      Concurso
Poderá haver concurso efectivo com o art. 200º CP se o agressor, além ter
causado a morte ou as ofensas à integridade física graves, omitiu as medidas
necessárias para o afastamento do perigo para a vida ou a integridade física do
ofendido e que poderia tomar sem grave risco para si. O dolo do agente, ainda que
eventual, abrange a morte da vítima, passará a existir concurso legal ou aparente
entre esta disposição e os arts. 131º ou 132º CP. Inversamente o homicídio negligente
previsto no art. 137º CP é consumido pelo art. 145º CP.
21
Crime praeterintencional.

 
OFENSAS À INTEGRIDADE FÍSICA QUALIFICADA
 
83.Fundamento e âmbito de aplicação do tipo qualificado
Repousa este tipo legal no mesmo pensamento que presidiu à construção do tipo
legal de homicídio qualificado (art. 132º CP), ou seja, a ideia de “uma especial
censurabilidade ou perversidade do agente”.

21

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 39

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
A aplicação deste art. 146º CP e o funcionamento da qualificação que aqui se prevê
supõem a verificação de uma lesão da integridade física simples (art. 143º CP), grave
(art. 144º CP), ou a ocorrência de um dos resultados que nos termos do art. 145º CP
são susceptíveis de conduzir a uma agravação da responsabilidade do agente.
Além da verificação de qualquer destes resultados, necessário se torna que a
conduta do agente revele uma censurabilidade acrescida, uma “especial
censurabilidade ou perversidade”, para utilizar a expressão do legislador no art. 146º/1
CP, e que se mostra susceptível de decorrer de uma das circunstâncias previstas no
art. 132º/2 CP, entre outras.
 
84.O tipo de culpa
Todas as circunstâncias referentes no art. 132º/2 CP são relativas à culpa, e é feita a
gravidade desta culpa assim indiciada que justifica, ou deixa fundar, a agravação de
que fala o art. 146º/1 CP. E esta última proposição é certa, quer enveredemos pela
caracterização destas circunstâncias como elementos da culpa, quer consideremos
que todas estas circunstâncias dizem respeito ao tipo de ilícito, uma vez que mesmo
sufragando esta última posição se terá que reconhecer que não basta o grau mais
grave do ilícito, é necessário que este reflicta uma especial censurabilidade do agente,
vale dizer, uma atitude não conforme com os valores fundamentais defendidos pelo
ordenamento jurídico-penal.
O crime de ofensa à integridade física qualificada apenas é punível a título de dolo; o
dolo eventual é suficiente.
 
85.As formas especiais do crime
a)     Tentativa
A tentativa deste crime é punível sempre que o agente pratica actos de execução do
crime de ofensa à integridade física, sem que este chegue a consumar-se, em
circunstâncias susceptíveis de revelar especial censurabilidade. Será todavia
necessário que em causa estejam lesões da integridade física graves, uma vez que a
moldura penal prevista para as lesões da integridade física simples não admite a
punição da tentativa, e, por outra banda, afasta-se a consideração da tentativa
relativamente ao crime praeterintencional do art. 145º CP.
b)     Comparticipação
A qualificação das lesões da integridade física deixa-se fundar numa maior censura
do agente, ou seja, é ao fim ao cabo um problema de maior culpa. Assim sendo, em
caso de comparticipação encontra aplicação no art. 29º CP e não o art. 28º CP, sendo
cada comparticipante punido segundo a sua culpa.
c)     Concurso
Verificando-se simultaneamente as circunstâncias objectivas de que depende a
qualificação (art. 146º CP), ou o privilegiamento (art. 147º CP), da ofensa à integridade
física tem plena aplicação as referencias ao homicídio privilegiado.

 
OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA PRIVILEGIADAS

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 40

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
 
86.Fundamento e âmbito de aplicação do tipo privilegiado
A aplicação deste art. 147º CP coloca ao juiz duas diferentes questões: a primeira
relacionada com o âmbito de aplicação desta disposição e com a análise dos seus
pressupostos; a segunda, uma vez que se tenha enveredado pela aplicação do tipo
privilegiado, com a atenuação especial da pena, a levar a cabo de acordo com as
regras gerais nesta matéria.
 
87.As formas especiais do crime
A não ser que se trate de lesões da integridade física enquadráveis no art. 143º CP
a tentativa deste crime é possível e punível.
Está-se nestes casos perante um concurso de circunstâncias modificativas
atenuantes, sendo à partida de admitir o funcionamento sucessivo de cada uma delas.

 
OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA POR NEGLIGÊNCIA
 
88.O bem jurídico
É intenção do legislador proteger aqui a integridade física da pessoa viva contra
ataques negligentes, pelo que o bem jurídico protegido é idêntico ao que subjaz aos
tipos dolosos de ofensas à integridade física.
 
89.O tipo objectivo de ilícito
Está-se perante um tipo legal de resultado, que se analisa em concreto na prática
de ofensas à integridade física simples ou graves.
Acerca das condutas que integram cada um destes tipos legais de crime (arts. 143º
e 144º CP). O tipo legal tanto pode ser preenchido por acção como por omissão,
desde que, neste último caso, se possa afirmar em relação ao agente a existência de
um dever jurídico que pessoalmente o obrigue a evitar o resultado (art. 10º/2 CP).
A lesão da integridade física terá que ser objectivamente imputada à conduta (ou
omissão) do agente. O que supõe, pelo menos no caso de comportamento
negligentes, a violação de um dever objectivo de cuidado.
É preciso ainda ter em conta aquelas situações em que, não tendo o agente
respeitado o deve objectivo de cuidado que sobre ele impendia, vem a causar um
resultado que provavelmente se produziria de igual modo se se tivessem
observado todas as cautelas impostas pela ordem jurídica.
Não parece todavia ser de excluir a imputação do resultado ao agente em todo e
qualquer caso em que provavelmente ele viria a verificar por outra via, como defende a
teoria da evitabilidade (há cuidados que têm que ser observados mesmo com
probabilidade não evitem o resultado), mas apenas naqueles casos em que a violação
do dever de cuidado não traduza uma potenciação do risco relativamente ao
comportamento esperado e exigido pela ordem jurídica (teoria da potenciação do
risco).

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 41

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
Se desta forma (apurando o âmbito de protecção da norma, risco permitido,
comportamentos alternativos conforme ao direito, princípio da confiança) se afastam
todas aquelas situações em que o resultado não se deixa associar, sob um ponto de
vista normativo, à violação do dever de cuidado, nem por isso deixa de ser necessário
recorrer a um princípio de adequação para proceder à imputação do resultado
produzido à conduta do agente. Fala-se assim de previsibilidade objectiva, sendo de
imputar ao agente a lesão do bem jurídico sempre que esta surgir como uma
consequência previsível e normal da violação do dever de cuidado.
 
90.O tipo subjectivo de ilícito
Para que se possa punir o agente por ofensa à integridade física negligente é
necessário que este se encontre em condições de reconhecer as exigências de
cuidado que lhe dirige a ordem jurídica e de as cumprir. Trata-se de uma medida
individual, subjectiva, aferida de acordo com as suas possibilidade e capacidades
concretas e que, em certos casos, poderá revelar-se susceptível de afastar a
responsabilidade penal.
É necessário ainda que ao agente fosse possível actuar de outro modo. 22.

22
Exigibilidade de um comportamento conforme à ordem jurídico-penal.

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 42

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
91.As formas especiais do crime
a)     Tentativa
De acordo com o art. 22º CP, há tentativa quando “o agente pratica actos de
execução de um crime que decidiu cometer”. Ao incorporar por esta via na tentativa um
elemento subjectivo, afastou-se a consideração deste instituto em relação aos crimes
negligentes. Rejeitou-se a construção da tentativa como mero “perigo para os bens
jurídicos tutelados”, concebido de forma geral e objectiva, e independentemente do seu
reconhecimento por parte daquele que actua 23, para assim se optar por uma
construção dualista da tentativa, ligada a um particular tipo de culpa que exclui a
negligência.
b)     Comparticipação
Se bem que o domínio do facto ainda esteja remotamente presente na negligência
consciente, não é por apelo a esta teoria que se deixa caracterizar a autoria nos
crimes negligentes, mas sim através da violação do dever jurídico de cuidado, que
recai sobre o agente.
c)     Concurso
Intercede entre este tipo legal e a disposição sobre o roubo um concurso legal ou
aparente, sob a forma de uma relação de consumação, sendo de punir o agente
através do art. 210º CP. Entre o art. 148º CP e o art. 200º CP, bem como o art. 259º
CP, pode-se afirmar um concurso efectivo de crimes, sendo por conseguinte, de
aplicar as regras gerais sobre o concurso.

CONSENTIMENTO
 
92.Generalidades
Em rigor, este preceito não seria indispensável, tendo em conta o regime geral do
consentimento previsto nos arts. 38º e 39º CP. Este é, de resto, um dos aspectos que
singulariza o Direito Penal em matéria de consentimento: a previsão de um regime
geral da figura, no contexto da disciplina das derimentes gerais. A tendência do direito
comparado é para inscrever o consentimento como uma causa de justificação
exclusivamente associada às ofensas corporais e, por vias disso, arrumada no capítulo
correspondente da parte especial do Código Penal.
 
93.Tipicidade e ilicitude
Trata-se seguramente de uma causa de justificação.
A existência de um consentimento justificante, no contexto de um paradigma dualista
da concordância do portador concreto, pressupõe naturalmente o preenchimento da
factualidade típica das ofensas corporais. E tanto do tipo objectivo como do tipo
subjectivo. O art. 149º CP não se aplica, por isso, a factos ou eventos que, contendo
embora com a integridade física ou a saúde, não configurem, todavia, ofensas
corporais típicas.
 

23
Tentativa enquanto tipo de ilícito.

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 43

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
94.Objecto do consentimento
À semelhança do que, em geral, acontece em relação às ofensas corporais se põe,
com particular relevo doutrinal e pragmático, o problema do objecto do consentimento.
E também aqui tem de se subscrever a resposta sustentada pela opinião dominante.
No sentido de que o consentimento tem de abranger cumulativamente:
a)     O resultado lesivo, já pelo seu relevo como dimensão do ilícito penal e como
referente de segurança e estabilização do intersubjectiva; já, sobretudo,
porquanto o poder de controlo sobre o resultado, como expressão concreta da
lesão e da renúncia à tutela penal, é um elemento irredutível no regime do
consentimento enquanto estatuto jurídico-penal da autonomia do portador
concreto do bem jurídico.
b)     A acção entendida como a identificação do agente e a determinação das
pertinentes circunstâncias de tempo, lugar, etc.
 
95.Vícios da vontade
Para ser eficaz o consentimento tem de ser “livre e esclarecido” (art. 38º/2 CP).
Por vias disso, o consentimento nas lesões corporais pressupõe normalmente um
dever de esclarecimento ainda mais exigente do que o consagrado (art. 157º CP) para
as intervenções médico-cirúrgicas. Além do mais, porquanto aqui não intervém nem faz
sentido a invocação de qualquer limite correspondente ao chamado privilégio
terapêutico, previsto para as intervenções médico-cirúrgicas (art. 157º CP).
Deve considera-se ineficaz o consentimento em dois grupos de casos:
1º     Erro sobre a finalidade altruística;
2º     Situação análoga à do direito de necessidade.
Apesar de tudo, é o erro espontâneo não dolosamente provocado, que suscita as
maiores divergências. Descontada a orientação tradicional, propensa a dar relevância a
todo o erro, perfilam-se duas correntes divergentes.
A primeira privilegiando a posição do agente (e destinatário da declaração do
consentimento) e, por vias disso, considerando irrelevante o erro, salvo duas
excepções:
a)     Quando o erro é conhecido do agente, que dele se aproveita;
b)     Quando sobre o agente impende o dever jurídico de esclarecer o ofendido.
A segunda entende, pelo contrário, que “o problema da origem do erro, saber se ele
foi fraudulentamente provocado ou ficou a dever-se a outra razão, não tem significado
para a eficácia do consentimento”. Por vias disso, estende a tese da invalidade do
consentimento a todo o erro referido ao bem jurídico, mesmo espontâneo. O que
significa tornar relevante o chamado erro na declaração e o erro sobre o conteúdo.
 
96.Bons costumes
A lei portuguesa exige os “bons costumes” em limite e eficácia do consentimento. O
intérprete e aplicador do direito acabarão, assim, por se confrontar com as dificuldades
conhecidas da experiência jurídico-penal comparatística.
Um dado, à partida, avulta como líquido: à vista da sua indeterminação e dos
pertinentes comandos constitucionais (legalidade/determinabilidade), a cláusula dos

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 44

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
bons costumes terá de ser interpretada restritivamente. De resto, não se trata de fazer
depender a validade do consentimento da conformidade com os bons costumes. O que
tem de se provar é, antes, que o facto contraria os bons costumes, devendo superar-se
a favor do arguido – isto é: da validade do consentimento – os casos de dúvida.
Para além disso, parece igualmente pacífico que o referente dos bons costumes é o
facto – a lesão da integridade física – e não o consentimento em si.
Antes de uma definição positiva de bons costumes, uma aproximação pela negativa,
que se projecta em duas conclusões decisivas:
a)     Ao contrário do entendimento dominante durante um logo período, a cláusula dos
bons costumes não pode abrir porta à punição de lesões corporais (consentidas)
em nome da sua imoralidade;
b)     Em segundo lugar, os bons costumes não podem sustentar a punibilidade de
lesões corporais consentidas só porque preordenadas à prática de condutas
ilícitas, mesmo criminalmente ilícitas.
Pela positiva, a fronteira dos bons costumes passa pela distinção entre ofensas
ligeiras e graves. Precisamente a divisória subjacente à separação entre os arts. 143º
e 144º CP e, por vias disso, entre os crimes semi-públicos e públicos. “Feitas todas as
contas, parece ser o carácter grave e irreversível da lesão que deve servir para
integrar, essencialmente, embora não só, a cláusula dos bons costumes”. No sentido
de que as lesões ligeiras escaparão, em princípio, à censura dos bons costumes. Só
não será assim nos casos excepcionais em que a lesão consentida viola uma expressa
proibição legal directamente referida ao bem jurídico típico das ofensas corporais, isto
é, ditada pelo propósito de proteger a integridade física.
O quadro é radicalmente outro do lado das ofensas graves e irreversíveis, que, por
via de regra, serão contrárias aos bons costumes. Só não será assim nos casos em
que a lesão esteja ao serviço de interesses de superior e inquestionável dignidade,
reconhecida pela ordem jurídica.

 
INTERVENÇÕES E TRATAMENTOS MÉDICO-CIRÚRGICOS
 
97.Generalidades
O art. 150º CP deve ser lido numa relação de integração sistemática e de
complementaridade normativa com os arts. 156º CP (intervenções e tratamentos
médico-cirúrgicos arbitrários) e 157º CP (dever de esclarecimento). Três preceitos que,
no seu conjunto, dão corpo positivado ao regime jurídico-penal das intervenções e
tratamentos médico-cirúrgicos. Trata-se, resumidamente, de um regime que se analisa
em dois enunciados fundamentais: em primeiro lugar, a proclamação da atipicidade das
intervenções médico-cirúrgicas na direcção dos crimes de ofensas corporais e de
homicídio; em segundo lugar, a punição dos tratamentos arbitrários como um
autónomo e especifico crime contra a liberdade.
O art. 150º CP ganha um duplo alcance normativo:

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 45

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
a)     Por um lado, cabe-lhe dar expressão normativa à decisão político-criminal de
excluir as intervenções médico-cirúrgicas do alcance das incriminações das
ofensas corporais;
b)     Por outro lado, cabe-lhe definir o sentido e alcance do conceito jurídico-penal de
intervenção médico-cirúrgica, e, por vias disso, delimitar a área problemática
coberta pelo regime jurídico-penal das intervenções médico-cirúrgicas.
 
98.A definição legal e os critérios da atipicidade
O enunciado da lei portuguesa – “não se consideram ofensa à integridade física” – é
unívoco no sentido da atipicidade das intervenções médico-cirúrgicas na perspectiva
das ofensas corporais. E é assim tanto nos casos em que a intervenção tem sucesso
como nos casos em que ela falha.
A lei portuguesa assumiu, de forma consequente, a solução doutrinal que coloca a
intervenção medicamente indicada e prosseguida segundo as leges artis fora da área
de tutela típica das ofensas corporais e do homicídio. A produção dos resultados
indesejáveis só relevará como ofensa corporal típica, quando representar a
consequência adequada da violação das leges artis.
Para exclusão das intervenções médico-cirúrgicas da factualidade típica das ofensas
corporais é igualmente irrelevante a existência ou não de consentimento.
A definição legal de intervenção médico-cirúrgica integra um conjunto de elementos
subjectivos e objectivos. Concretamente: dois elementos subjectivos e outros tantos
de índole objectiva. Na síntese de Englisch, “só pode falar-se de intervenção
terapêutica nos casos em, que se verifica, não apenas a indicação objectiva e a
execução segundo as leges artis, mas também a direcção da vontade do agente para a
terapia”. Numa aproximação mais analítica, do lado subjectivo exige-se, para além da
específica qualificação do agente (há-de tratar-se de “médico ou pessoa legalmente
autorizada”), a intenção terapêutica, compreendida pela lei portuguesa em termos
particularmente amplos, abrangendo tanto o diagnóstico como a prevenção. Enquanto
isto é do lado objectivo, exige-se a indicação médica e a realização segundo as leges
artis.
Os quatro elementos são de verificação necessariamente cumulativa, resultando,
por isso, reciprocamente redutores.
 
99.Criação de perigo por violação das “leges artis”
O art. 150º/2 CP, pôs de pé a criação de um perigo “para a vida” ou de “grave
ofensa para o corpo ou para a saúde”, como consequência de violação das leges artis.
Com a sua consagração, o legislador quis assumidamente alargar o arsenal de meios
punitivos dos ilícitos imputáveis aos médicos. Para além de responderem por ofensas
corporais negligentes (art. 148º CP) e por intervenções e tratamentos médico-cirúrgicos
arbitrários (art. 156º CP), os médicos passariam a responder também por um novo
crime, que terá sido pensado como um crime de perigo concreto.
No plano objectivo, a infracção configura um crime específico próprio com a estrutura
de um crime de perigo concreto. No tipo subjectivo só é punível o dolo, que tem de

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 46

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
abarcar para além da intervenção com violação das leges artis, o perigo (para a vida,
para o corpo ou para a saúde).

 
PARTICIPAÇÃO EM RIXA
 
100.    Generalidades
A interpretação desenvolvida do tipo de crime de participação em rixa, bem como a
mediação sobre as razões de política criminal que nortearam o legislador, a par da
análise da técnica legislativa utilizada para prosseguir a protecção dos bens jurídicos
são os principais instrumentos para alcançar a dilucidação relativa à qualificação e
classificação deste tipo de crime.
 
101.    Os bens jurídicos
A rixa pressupõe uma desordem, uma contenda física entre duas ou mais pessoas
com golpes de reciprocidade. A conduta prevista no tipo de crime consiste em “intervir”
ou “tomar parte”, assentando num envolvimento pessoal de cada um dos
intervenientes, que contribuem desse modo para a desordem. É possível identificar, a
partir desta ideia de rixa três elementos:
1)     A existência de uma contenda, ou seja, uma briga envolvendo agressões físicas;
2)     A participação de duas ou mais pessoas;
3)     A vontade de intervir, ou tomar parte na rixa, pois está-se na presença de um tipo
doloso.
O tipo legal de crime do art. 151º CP, pode interpretar-se como sendo pluriofensivo,
integrando um leque de bens jurídicos que de forma mediata ou imediata conhecem
nesta incriminação uma tutela penal.
Os bens jurídicos protegidos pelo art. 151º CP, são a vida (art. 131º CP) e a
integridade física (art. 144º CP).
 
102.    O tipo objectivo de ilícito
O tipo objectivo de ilícito consiste em intervir ou tomar parte em rixa de duas ou
mais pessoas. É que a ocorrência da morte ou de uma ofensa à integridade física
grave, embora seja um elemento do tipo legal condicionante da punibilidade, não
integra, todavia, o conteúdo do ilícito da participação em rixa.
Considera-se que este tipo de crime deve ser classificado como crime de perigo, a
conduta de intervir ou tomar parte na rixa revela-se por si perigosa para a vida e para a
integridade física, para além de ameaçar toda uma série de bens jurídicos que de
forma mediata surgem acautelados. No entanto, só pode responsabilizar-se a conduta
dos que intervêm na rixa nos casos em que essa perigosidade assume maiores
proporções, concretizadas na verificação de uma morte ou de um ofensa grave à
integridade física. As condições objectivas de punibilidade, neste caso, constituem uma
indicação de quais os bens jurídicos tutelados pela norma.

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 47

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
A morte ou às ofensa à integridade física graves constituem condições objectivas de
punibilidade do tipo legal de crime. O preenchimento do tipo esgota-se com a
intervenção ou com o facto de tomar parte numa rixa de duas ou mais pessoas, não
constituem por isso resultado típicos do crime. A exigência da verificação dos
respectivos bens jurídicos, bem pelo contrário, só seria incompatível a consideração da
morte ou da ofensa grave como resultado do tipo.
  
103.    O tipo subjectivo de ilícito
Exige o dolo em qualquer das suas formas contempladas no art. 14º CP: directo,
necessário ou eventual. Mas este dolo refere-se exclusivamente à perigosidade da
rixa e não ao resultado morte ou lesão corporal. Assim, é indiferente a representação
ou não da eventualidade do resultado, indiscutível e suficiente é a representação e
conformação com a perigosidade da rixa: dolo de perigo concreto. Sendo a morte ou a
lesão corporal grave uma condição objectiva de punibilidade, evidente se torna a
irrelevância da não representação ou da não conformação com um tal resultado.
Considerada a acção descrita no art. 151º/1 CP como um tipo legal de crime de
perigo concreto, então não basta, para afirmação do respectivo dolo, a representação e
conformação com a perigosidade abstracta da participação na rixa, mas exige-se o
conhecimento do perigo que concretamente a rixa, em que se participa, constitui para
a vida ou integridade física substancial.
 
104.    As causas de justificação
Dadas as particularidades do crime de participação em rixa (contribuição causal e
voluntária de cada um dos participantes na criação da situação de perigo para os bens
vida e integridade física substancial), resulta complexa a questão da justificação, tanto
mais quanto é certo que a prática de uma tal conduta de verdadeira participação em
rixa nunca está ao serviço da realização de qualquer interesse juridicamente protegido.
Não tem sentido a invocação do consentimento, uma vez que, sendo este
pressuposto pelo próprio conceito de rixa, mesmo assim a lei considera a rixa como
crime. Além desta decisiva razão, acresce ainda o facto de estarem em causa bens
jurídicos indisponíveis: a vida e a integridade física (art. 144º CP).
A única causa de justificação que é pensável em relação à participação em rixa é a
legítima defesa, própria ou alheia. Todavia, em relação à legítima defesa própria, uma
vez que cada um dos participantes é, simultaneamente, agressor e agredido, nunca
poderá um participante na rixa exercer qualquer direito de legítima defesa, enquanto
não abandonar, manifestamente, a rixa.
Diferente já é o caso da justificação de uma acção mortal praticada por um dos
participantes sobre um outro que, no decurso da rixa constituída por ofensas corporais
mesmo que graves, se decide e prepara para matar aquele. Aqui, poderá considerar-se
justificado o homicídio com base no direito de necessidade defensiva, mas não a
acção de participação em rixa.
Diferente é o tratamento da intervenção de um terceiro com o objectivo de separar
os contendores ou de defender um deles. O art. 151º/2 CP contém uma disposição
específica para estas situações: “a participação em rixa não é punível quando for

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 48

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
determinada por motivo não censurável nomeadamente quando visar reagir contra um
ataque, defender outrem ou separar os contendores”. Esta norma consagra
expressamente um direito de intervenção de um terceiro alheio à criação ou
desenvolvimento da situação de rixa.
Apesar de na simples rixa (tipo legal de perigo abstracto que, como não está
previsto no art. 151º/1 CP) serem afectados apenas bens jurídicos disponíveis (a
integridade física simples: arts. 143º e 149º/1 CP), deve entender-se que mesmo em
relação a esta rixa mantém-se o direito de intervenção de terceiro, direito que, nesta
hipótese, se traduz em separar os contendores.
Considerar-se-á agora, o direito de intervenção de terceiro, quando a rixa constitui
um perigo concreto de lesão de vida ou da integridade física grave dos contendores:
a)     A primeira hipótese prevista no art. 151º/2 CP – “quando visar reagir contra
um ataque”. Quando alguém se vê obrigado a envolver-se fisicamente com
outrem que o vai agredir, não está a participar ou a tomar parte numa rixa (nem
sequer a pôr-lhe termo), mas pura e simplesmente a reagir contra uma agressão,
face à qual tem o direito de legítima defesa ou, pelo menos, o direito de
necessidade defensiva.
b)     Segunda hipótese prevista no art. 151º/2 CP – “quando visar […] defender
outrem” – contempla as situações em que, no decurso da rixa um ou alguns dos
corrixantes se vêem na impossibilidade física de reagir contra as agressões do
outro ou outros. A partir de um tal momento, a intervenção de um terceiro pode
configurar-se como um direito de necessidade defensiva (“legítima defesa
limitada”) alheia.
c)     A terceira hipótese – “quando visar […] separar os contendores” – configura
um direito de necessidade defensiva alheia. Cada um dos contendores, dada a
indisponibilidade dos bens jurídicos lesados pela rixa, ou em risco de o serem, é
simultaneamente agredido e agressor. Assim, o terceiro tem em relação a todos
eles, enquanto agressores, o direito de impedir essas agressões. E, na medida
em que todos são agressores, tem esse direito em relação a todos eles
(contendores). A forma de impedir essas mútuas agressões é separá-los, pondo,
assim, termo à rixa.
Esta intervenção positiva (no sentido de impedir danos ainda mais graves num dos
rixantes ou de pôr termo à rixa) pode converter-se de um direito num dever, quando
sobre o terceiro recaia um dever de garante, nos termos do art. 10º/2 CP, face aos
rixantes ou algum deles. É claro que este dever de intervenção está condicionado à
inexistência de riscos graves para a vida ou integridade física do terceiro.
 
105.    As causas de exclusão de culpa
Nesta matéria, pouco há que registar de específico. Quanto aos verdadeiros
participantes na rixa (art. 151º/1 CP), apenas haverá que ter em conta a eventual
inimputabilidade (art. 20º/1 CP) dos ou de algum dos participantes. Quanto à
intervenção de terceiro (art. 151º/2 CP), poderá haver situações de excesso no
exercício do direito de intervenção, devido a eventuais perturbações não censuráveis

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 49

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
(excesso do direito de necessidade defensiva), aplicando-se, analogicamente, o art.
32º/2 CP.
 
106.    Morte ou ofensa corporal grave como condições objectivas de punibilidade
Por condições objectivas de punibilidade stricto sensu, entende-se as condições que
se têm de verificar para que aqueles que praticam um facto típico ilícito e culposo
possam ser punidos.
Integram a categoria analítica da punibilidade e constituem situações positivas de
cuja verificação depende a possibilidade de responsabilização dos agentes. Para além
de se registar a existência de algumas destas condições com carácter geral, alguns
tipos legais, exigem especificamente que, para além da conduta do agente ter de
preencher os elementos objectivos e subjectivos do tipo, tenha ainda de provocar a
verificação de determinada situação objectiva.
No tipo legal de crime de participação em rixa a morte e a ofensa à integridade física
constituem condições objectivas de punibilidade. Neste crime a conduta do agente
consiste em intervir ou tomar parte na rixa, para o preenchimento do tipo de ilícito basta
que alguém dolosamente intervenha ou tome parte na rixa de duas ou mais pessoas.
Para a punibilidade dos participantes, quer o dano se verifique num dos
participantes, quer se verifique em terceiro que nada tenha a ver com a rixa; a única
ligação necessária é de carácter puramente objectivo, e traduz-se na existência de uma
imputação objectiva com a rixa. Podendo ocorrer a qualquer título de imputação
subjectiva e em qualquer vítima.
 
107.    As formas especiais do crime
a)     Comparticipação
É um tipo legal de crime de comparticipação necessária.
b)     Concurso
Excluída fica à partida, qualquer possibilidade de concurso com o crime de ofensas
corporais simples (art. 143º CP). É que, pressupondo a participação em rixa a
aceitação livre de recíprocas ofensas corporais, estas, quando simples, não podem ser
consideradas ilícitas (art. 149º/1 CP).
Em rigor não se pode falar de verdadeiro concurso de crimes, mas tão só em
concurso de normas (concurso legal) o que se traduz num problema de determinação
da norma aplicável.
A relação de concurso aparente consagra-se por conexões de subordinação e
hierarquia, podendo identificar-se essencialmente três tipos de relações:
especialidade (sempre que um dos tipos incorpore os elementos essenciais do outro
acrescentando-lhe elementos especializadores que pretendem conceder maior
precisão àquela situação. Uma norma prevalece sobre a outra por particularizar dentro
daquele tipo de crime a forma de cometimento do mesmo. Centra-se numa conexão de
relatividade, uma norma é especial em relação a outra que é geral, ou então é ainda
mais especializada do que outra já de si especial. Uma das normas contém todos os
elementos da outra, aditando-lhe elementos suplementares que constituem a
especialização); subsidiariedade (nos casos em que uma norma vê a sua

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 50

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
aplicabilidade condicionada pela não aplicabilidade de outra norma, só se aplicando a
norma subsidiária quando a outra não se aplique. A norma prevalente condiciona de
certo modo o funcionamento daquela que lhe é subsidiária. Está-se perante um
concurso por força da subsidiariedade nos casos em que as normas se condicionam
expressamente, ou seja, por imposição da própria lei – subsidiariedade expressa; ou
nos casos em que há uma relação lógica detectada através de um raciocínio
interpretativo que permite extrair essa conclusão – subsidiariedade implícita.);
consunção (sempre que um tipo de crime faça parte, por definição, de um outro. A
descrição típica de uma norma é de tal forma ampla que acaba por abranger
elementos da descrição típica da outra. O âmbito de protecção visado por uma das
normas acaba por ser consumida pela norma mais abrangente, tornando dispensável a
sua aplicação, uma vez que os interesses que pretende salvaguardar estão
assegurados pela aplicação da outra. A relação de consumação acaba por colocar em
conexão os valores protegidos pelas normas criminais. Não deve confundir-se com a
relação de especialidade, pois ao contrário do que se verifica naquela relação de
concurso de normas, a norma prevalente não tem necessariamente de conter na sua
previsão todos os elementos típicos da norma derrogada).
Quanto ao concurso existente entre o tipo legal de crime de participação em rixa e o
de homicídio. Sempre que esteja em causa determinar a responsabilidade daquele que
durante uma rixa mata alguém, deve proceder-se no apuramento da sua
responsabilidade criminal, a um concurso aparente, fruto da relação de consunção
em que os tipos legais de crime de participação em rixa e de homicídio se encontram.
A relação concursal aqui existente estabelece-se entre um crime de dano e um crime
de lesão para o mesmo bem jurídico24.
O tipo legal de crime previsto no art. 151º CP procura tutelar a vida e a integridade
física, e o âmbito desta tutela fica salvaguardado se for possível imputar ao agente a
prática de um crime de homicídio, cuja abrangência envolve a tutela que a participação
em rixa pretende proteger.
No que diz respeito ao crime de ofensa à integridade física grave, previsto no art.
144º CP, e à sua relação com a participação em rixa, entende-se haver igualmente um
concurso aparente por força da consunção. As razões invocadas para o homicídio
aplicam-se, mutatis mutandis, para este crime. O agente deve ser punido pelo crime
mais grave por ele praticado, ou seja, o de ofensas corporais graves. Uma vez que
esta situação configura um exemplo de dispensa de aplicação do crime de participação
em rixa. Pois também aqui se pune a consumação da lesão e se deve afastar a
incriminação do simples perigo por esta estar abrangida pela primeira.
Tratando-se de crimes que tutelam o mesmo bem jurídico, o crime de homicídio e o
de participação em rixa, têm um campo de aplicação que se entrecruza. A participação
na rixa protege a vida e a integridade física, nomeadamente em situações que
envolvem perigo para esses bens jurídicos, mas só faz sentido responsabilizar o
agente que com a sua conduta preenche os pressupostos desta incriminação se a sua
conduta não lesou efectivamente a vida ou a integridade física de outros intervenientes

24

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 51

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
ou de terceiro. Pois, neste caso, ele deverá ser incriminado pela norma mais
abrangente e mais grave.
 
25
Se o bem jurídico colocado em perigo e o que for efectivamente lesado não corresponderem, ou seja, se não se estiver
perante o mesmo, o concurso será necessariamente efectivo, pois o desvalor do facto não pode ser abarcado por um só dos tipos
de crime mas apenas por ambos em conjunto.

MAUS-TRATOS E INFRACÇÃO DE REGRAS DE SEGURANÇA


 
108.    Generalidades
A função do art. 152º CP é prevenir as frequentes e, por vezes, tão “subtis” quão
perniciosas – para a saúde física e psíquica e/ou para o desenvolvimento da
personalidade ou para o bem-estar – formas de violência no âmbito da família, da
educação e do trabalho. A necessidade prática da criminalização das espécies de
comportamentos descritos neste art. 152º CP resultou de um duplo factor: por um lado,
o facto de muitos destes comportamentos não configurem em si o crime de ofensas
corporais simples (art. 143º CP), como é o caso das condutas descritas no art. 152º/1-
b) e c) CP; por outro lado, a criminalização destas condutas, com a consequente
responsabilização penal dos seus agentes, resultou da consciencialização ético-social
dos tempos recentes sobre a gravidade individual e social destes comportamentos.
 
109.    O bem jurídico
A ratio do tipo não está, na protecção da comunidade familiar, conjugal, educacional
ou laboral, mas sim na protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana. O
âmbito punitivo deste tipo de crime inclui os comportamentos que, de forma reiterada,
lesam esta dignidade. Se, em tempos passados, se considerou que o bem jurídico
protegido era apenas a integridade física, constituindo o crime de maus-tratos uma
forma agravada do crime de ofensas corporais simples, hoje, uma tal interpretação
redutora é, manifestamente, de excluir.
 
110.    O tipo objectivo de ilícito
O crime de maus-tratos, de sobrecarga ou de violação das normas de segurança no
trabalho pressupõe um agente que se encontre numa determinada relação para com o
sujeito passivo daqueles comportamentos. É, portanto um crime específico. Crime
específico que será impróprio ou próprio, consoante as condutas em si mesmas
consideradas já constituam crime, ou consoante as condutas não configurem em si
mesmas qualquer crime.
Sujeito passivo ou vítima só pode ser a pessoa que se encontre, para com o
agente, numa relação de subordinação existencial, de subordinação laboral, ou numa
relação de coabitação conjugal ou análoga. Relativamente aos que se encontram numa
relação de subordinação existencial, exige-se, ainda, que seja menor (de 18 anos) ou
particularmente indefesa, em razão da idade, doença, deficiência física ou psíquica, ou
gravidez.

25

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 52

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
 
111.    O tipo subjectivo de ilícito
Este crime exige dolo. Todavia, uma vez que este crime tanto pode ser um crime
de resultado (caso de maus-tratos físicos) como de mera conduta, como ainda noutra
perspectiva, tanto pode ser um crime de dano como crime de perigo, o conteúdo do
dolo é variável em função da espécie de comportamento do agente.
 
112.    As formas especiais do crime
a)     Comparticipação
O crime previsto no art. 152º CP é um crime específico, que tanto pode ser próprio
como impróprio, isto é, a especial relação existente entre o agente e a vítima
fundamenta, nuns casos, a ilicitude do comportamento, e, noutros, apenas agrava a
ilicitude deste. Ora, atendendo-se quer à gravidade da pena, quer ao facto de poderem
subsumir-se ao tipo legal condutas pela incomunicabilidade das relações especiais,
funcionando, pois, a excepção prevista na parte final do art. 28º/1 CP. Autor ou
cúmplice deste crime só pode ser, pois, quem estiver, para com o sujeito passivo, na
relação prevista no tipo legal.
Relativamente a pessoas que estejam nas relações de protecção previstas, então já
são possíveis as diversas espécies de autoria (nomeadamente a co-autoria) e a
cumplicidade.
b)     Concurso
Entre o crime de maus-tratos físicos ou psíquicos (art. 152º/1-a CP) e o crime de
ofensas corporais simples (art. 143º/1 CP) existe uma relação de especialidade, só se
aplicando, portanto, a pena estabelecida para aquele. O mesmo se diga da relação
entre o crime de maus-tratos (psíquicos) através de ameaças (art. 152º/1-a, 2ª parte
CP), e o crime de ameaça (art. 153º CP), de difamação (art. 180º CP) ou de injúria (art.
181º CP), em que também o concurso é aparente, cedendo estes àquele.
Entre o crime de maus-tratos e o crime de ofensas corporais graves (art. 144º CP)
há uma relação de consumação, aplicando-se somente a pena prevista para este
crime.
 
113.    Agravação pelo resultado
O art. 152º/4 CP prevê duas hipóteses de agravação da pena dos crimes descritos
no art. 152º/1, 2 e 3 CP. De acordo com o princípio geral de exclusão da
responsabilidade penal objectiva, o resultado mais grave e não representado pelo
agente tem de poder ser imputado ao agente a título de negligência (art. 18º CP).
A agravação da pena para prisão de 2 a 8 anos pressupõe o seguinte: lesão grave
da integridade física (art. 152º/4-a CP); relação de adequação, segundo o juízo ex
ante, entre a conduta ofensiva ou as múltiplas acções ofensivas da integridade física, a
perigosidade das actividades ou a perigosidade resultante da não observância das
regras de segurança no trabalho e a lesão corporal grave; não representação do
resultado, embora o devesse ter representado (negligência inconsciente) ou
representação, do risco da ocorrência de tal resultado, mas sem a conformação com tal
risco (negligência consciente), pois caso o agente aceite o risco de tal resultado há o

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 53

Mail: mucusserimaj@yahoo.com
crime de ofensas corporais graves (art. 144º CP), aliás como refere a parte final do art.
152º/1-c CP.
A agravação da pena para prisão de 3 a 10 anos (art. 152º/4-b CP) pressupõe, do
mesmo modo, que entre o resultado morte e os maus-tratos, físicos ou psíquicos, as
actividades perigosas, o trabalho excessivo ou a não observância das regras de
segurança haja uma relação de adequação (previsibilidade objectiva) e uma violação
do dever subjectivo de cuidado.

Programa de Direito PenalI/ Universidade WUTIVI – P. Laboral Docente : Mucusserima Joã o Page 54

Mail: mucusserimaj@yahoo.com

Você também pode gostar