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Armindo Moisés Kasesa Chimuco

AS NORMAS DEÓNTICAS PROFISSIONAIS DOS ADVOGADOS E A


CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE ANGOLA

Trabalho apresentado à Ordem dos Advogados de


Angola para obtenção destinado à avaliação para a
Passagem à Categoria de Advogado.

Patrono: Dr. Armindo Gideão Kunjiquiisse Jelembi

HUAMBO, MAIO DE 2016


AGRADECIMENTOS

A Deus pelos acasos, que determinaram os casos da minha vida.

Aos meus pais e familiares que fizeram as escolhas iniciais e mais


importantes da minha vida e não cessaram em me ajudar a tomar e
executar as minhas decisões.

Ao meu patrono, o Dr. Armindo Jelembi, por me ter acolhido e me ter


dado as ferramentas para formar e seguir o meu próprio caminho da
advocacia, e me ter acompanhado no início do percurso deste caminho.

A todos os membros, presentes e passados, do Escritório Armindo


Jelembi e Advogados, pelo auxílio no percurso dos primeiros passos na
advocacia.

Aos dirigentes locais da Ordem dos Advogados de Angola pela


organização institucional dos estágio e pelo acesso a alguns
constituintes.

Às pessoas que acorreram a mim (espontaneamente e por indicação de


outras entidades: o Patrono, outros advogados do AJA ou da
Representação local da OAA), para que vissem tutelados os seus
interesses, pois são eles os criadores originários das oportunidades para
a prática dos actos que junto ao presente trabalho se apresentam como
relatório de fim de estágio.

INTRODUÇÃO
Ao se deparar com um tema como este a primeira pergunta que o
leitor pode fazer é: O que a Constituição tem a ver com a Deóntica1
Profissional do Advogado? Aparentemente nada. Mas ao apreciador de
pensamentos jurídicos, em especial àquele a quem se reconhece a
função de erguer a dúvida do Juiz e, por isso, trazer a matéria-prima do
juízo ou da sentença, os advogados2, não se espera que se contentem
com o aparente. E é por isso que conseguimos ver uma relação ou
melhor um género de relações entre a Constituição e a Deóntica
Profissional dos Advogados. Este género de relações para que se possa
perceber carece de concentração, o que sucede essencialmente
mediante a abnumeração das espécies que o género comporta. A
primeira espécie de relação entre a Constituição e os Deveres
Profissionais dos Advogados (a Deóntica Profissional dos Advogados),
provocada pela omnipotência jurídica da Constituição que transforma a
toda a norma vigente em seu concretizador, fazendo com que, as
normas contendo os deveres profissionais do advogado em Angola
devam ser concretizadoras da luz ou melhor vis da Constituição. Que
assim seja é consensual, mas dessa resposta brota uma pergunta que
só aos criadores da dúvida do Juiz poderia parecer previsível: seriam as
normas deontológicas normas jurídicas? Ou normas meramente éticas?
E se não forem jurídicas pode a Constituição se impor sobre elas? Ou
deverão elas manter o carácter de densificadoras concretizantes do
Conteúdo da Constituição? Procuraremos resposta a esta pergunta
adiante. A resposta a esta pergunta nos pode dirigir a outra espécie de
relação entre a Constituição da República de Angola e a Deóntica
Profissional, seria uma relação de paralelismo. Mas até ao
estabelecimento destas relações apenas teremos preparado condições
para darmos um passo.

1 É mais comum referir-se à ideia de deóntica como deontologia. Esta expressão tem
subjacente a si a ideia de estudo ou análise de deveres. Mas o que está aqui em causa
é o sistema de deveres e não o estudo ou a lógica dos deveres. E justamente por isso
preferimos deóntica a deontologia. É certo, entretanto, que a única expressão
inequívoca quanto ao sistema de deveres é a própria expressão deveres.
2 CARNELUTTI, Francesco, Arte do Direito, Escolar editora, Lisboa, 2012 p. 47.
Mas daremos o passo apenas quando analisarmos se há
efectivamente as normas deontológicas concretizam a força das normas
constitucionais ou não e se tais normas mantêm a sua validade ou não.

O problema de que nos ocupamos nesta investigação fica assim


em termos resumidos definido da seguinte forma: as normas
deontológicas devem respeitar a Constituição e em que termos? E as
normas deónticas dos advogados concretizam as normas
constitucionais? Caso a resposta for negativa qual é o valor das normas
deónticas vigentes e se disso resultar a sua invalidade qual deverá ser o
caminho para a sua validação?

A resposta ao problema exige uma formulação intencionada pela


construção de simetria de suas disposições que procuramos realizar
mediante o que a seguir se apresenta:

Um primeiro capítulo dedicado à caracterização da Constituição e


da Deóntica, dividido, por isso, em duas secções: A inicial dedicada à
primeira e a final à segunda respectivamente.

O segundo capítulo sob a epígrafe A Relação entre a Constituição


da República de Angola e as Normas Deontológicas dos Advogados é
nele que, caracterizamos o género da relação entre estas duas
naturezas de normas as suas espécies.

Um terceiro capítulo foi dedicado à efectiva verificação concreta


das espécies de relação entre a Constituição e as normas deontológicas
e o seu valor em face da desta relação efectiva e;

Culminamos com um quarto capítulo dedicado ao que deve ser


feito para garantir uma harmonia mutuamente concretizante entre a
Constituição da República de Angola e as normas deónticas do
advogado em Angola.

Caminhemos e talvez consigamos dar o passo que nos motivou a


pensar neste tema: contribuir para que os deveres assumidos pelos
advogados sirvam no melhor que possível para a materialização da
dignidade humana.
CAPÍTULO

I
GENERALIDADES

Secção

Breve Caracterização da Constituição da República de Angola

Não nos é dado aqui fazer uma retrospecção do que é e de como


se caracteriza a Constituição em termos gerais e de forma
pormenorizada. Essa é uma vocação própria às obras mais completas
ou tendencialmente mais completas de cultores de Direito
Constitucional dentre os quais merecem destaque Gomes Canotilho3 e
Jorge Miranda4.

Faremos uma abordagem apenas necessária e adequada ao


trabalho que empreendemos essencialmente baseada no texto
constitucional aprovado pela Assembleia Constituinte de Angola no
princípio do ano de 2010.

A definição de Constituição, e os sentidos que pode tomar; a


característica da Constituição da República de Angola como lei
fundamental e a Constituição especial dos Advogados no ordenamento
jurídico angolano; constituem questões essenciais às quais
procuraremos trazer neste primeiro capítulo do nosso trabalho.

1. Definição de Constituição

Pode com Gomes Canotilho entender-se que a Constituição é a


ordenação sistemática e racional da comunidade política através de um
documento escrito no qual se declaram as liberdades e os direitos e se
fixam os limites do poder político. Segundo o mesmo Autor, podemos
desdobrar este conceito de forma a captarmos as dimensões
fundamentais que ele incorpora: (1) ordenação jurídico‑política

3 CANOTILHO, J. J. G. Direito Constitucional e Teoria da Constituição 6.ª ed., Coimbra, 1993


4 MIRANDA, J. Manual de Direito Constitucional, Vol. II, 4ª ed., Coimbra, 1990.
plasmada num documento escrito; (2) declaração, nessa carta escrita,
de um conjunto de direitos fundamentais e do respectivo modo de
garantia; (3) organização do poder político segundo esquemas tendentes
a torná‑lo um poder limitado e moderado. Este conceito de constituição
converteu‑se progressivamente num dos pressupostos básicos da
cultura jurídica ocidental, a ponto de se ter já chamado "conceito
ocidental de constituição" segundo Rogério Soares5. A constituição pode
ser definida como sendo o sistema de princípios e normas jurídicos que
disciplinam os aspectos nucleares da ordem jurídica de um país. A
constituição é o núcleo essencial de um Estado. A expressão
Constituição pode ser percebida de modos diferentes.

Assim, em sentido material a Constituição corresponde ao


sistema de princípios e normas que pelas suas natureza e importância
para a comunidade ou sociedade a que se destina se reputam
essenciais.

Numa outra perspectiva, a formal, Constituição é o sistema de


princípios e normas que foram aprovadas por um órgão especial e
segundo um ritual ou procedimento específico como sendo
constitucionais.

Com base num critério essencialmente conteudístico, poderemos


divisar outros sentidos para a expressão constituição (importa referir
que é a este critério que mais daremos importância), nomeadamente
sentido subjectivo e sentido objectivo. O sentido subjectivo (O Estatuto
Fundamental dos indivíduos e dos órgãos do Estado bem como as
regras sobre o seu funcionamento) pode ser subjectivo individual
(incluindo os direitos e os deveres ou o Estatuto essencial dos sujeitos
constitucionais, os individuais e os colectivos) e subjectivo orgânico
(relativo ao funcionamento dos órgãos essenciais). E o sentido objectivo
pode, por sua vez, ser objectivo prescritivo (em que incluiríamos todas
as normas constitucionais que prescrevem uma conduta) ou objectivo

5 Cfr. CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Direito Constitucional e Teoria da


Constituição, p. 2.
proibitivo (incluindo normas e princípios contentoras de comandos que
restringem determinadas condutas).

2. Caracteres da Constituição

A Constituição possui uma multiplicidade de elementos


característicos. Mas para nós e para a abordagem que aqui
empreendemos será indispensável apenas uma, a fundamentalidade ou
a Constituição como a Paramount Law.

2.1. A Constituição como Paramont Law ou Fundamentalidade da


Constituição

O Direito é um sistema. E como qualquer sistema precisa de


organizar a si mesmo e de possuir elementos que modelam a
fundamentam a sua organização e a relação entre os seus elementos.

O Direito possui a particularidade de regular a sua própria


criação. Isso pode operar-se de tal forma que apenas uma categoria de
normas determine o processo por que outra norma é produzida. Mas
também é possível que seja determinado ainda - em certa medida - o
conteúdo da norma a produzir. Como, dado o carácter dinâmico do
Direito, uma norma somente é válida porque e na medida em que foi
produzida segundo determinado procedimento, isto é, pela maneira
determinada por uma outra norma. Esta outra norma representa o
fundamento imediato de validade daquela. A relação entre a norma que
regula a produção de uma outra e a norma assim regularmente
produzida pode ser figurada pela imagem espacial da supra-infra-
ordenação. A norma que regula a produção é a norma superior, a
norma produzida segundo as determinações daquela é a norma inferior.
A ordem jurídica não é um sistema de normas jurídicas ordenadas no
mesmo plano, situadas umas ao lado das outras, mas é uma
construção escalonada de diferentes ca madas ou níveis de normas
jurídicas. A sua unidade é produto da conexão de dependência que
resulta do facto de a validade de uma norma, que foi produzida de
acordo com outra norma, se apoiar sobre essa outra norma, cuja
produção, por sua vez, é determinada por outra; e assim por diante, até
abicar finalmente na norma fundamental - pressuposta. A norma
fundamental - hipotética, nestes termos - é, portanto, o fundamento de
validade último que constitui a unidade desta interconexão criadora. Se
começarmos levando em conta apenas a ordem jurídica estadual, a
Constituição representa o escalão de Direito positivo mais elevado. A
Constituição é aqui entendida num sentido material, quer dizer: com
esta palavra significa-se a norma positiva ou as normas positivas
através das quais é regulada a produção das normas jurídicas gerais.
Esta Constituição pode ser produzida por via consuetudinária ou
através de um acto de um ou vários indivíduos a tal fim dirigido, isto é,
através de um acto legislativo. Como, neste segundo caso, ela é sempre
condensada num documento, fala-se de uma Constituição “escrita”,
para a distinguir de uma Constituição não escrita, criada por via
consuetudinária. A Constituição material pode consistir, em parte, de
normas escritas, noutra parte, de normas não escritas, de Direito criado
consuetudinariamente. As normas não escritas da Constituição, criadas
consuetudinariamente, podem ser codificadas; e, então, quando esta
codificação é realizada por um órgão legislativo e, portanto, tem carácter
vinculante, elas transformam-se em Constituição escrita. Da
Constituição em sentido material deve distinguir-se a Constituição em
sentido formal, isto é, um documento designado como “Constituição”
que - como Constituição escrita – não só contém normas que regulam a
produção de normas gerais, isto é, a legislação, mas também normas
que se referem a outros assuntos politicamente importantes e, além
disso, preceitos por força dos quais as normas contidas neste
documento, a lei constitucional, não podem ser revogadas ou alteradas
pela mesma forma que as leis simples, mas somente através de
processo especial submetido a requisitos mais severos. Estas
determinações representam a forma da Constituição que, como forma,
pode assumir qualquer conteúdo e que, em primeira linha, serve para a
estabilização das normas que aqui são designadas como Constituição
material e que são o fundamento de Direito positivo de qualquer ordem
jurídica estadual.

A produção de normas jurídicas gerais, regulada pela


Constituição em sentido material, tem, dentro da ordem jurídica
estadual moderna, o carácter de legislação. A sua regulamentação pela
Constituição compreende a determinação do órgão ou dos órgãos que
são dotados de competências para a produção de normas jurídicas
gerais e abstractas - leis e decretos. Quando os tribunais também são
considerados competentes para aplicar Direito consuetudinário, eles
têm de receber da Constituição poder para isso - tal como o recebem
para a aplicação das leis. Quer dizer: é preciso que a Constituição
institua o costume, que é constituído pela conduta habitual dos
indivíduos submetidos à ordem jurídica estadual - os súbditos do
Estado - como facto gerador de Direito. Se a aplicação do Direito
consuetudinário pelos tribunais é considerada como legal, embora na
Constituição escrita não exista uma tal atribuição de poder ou
autorização, essa autorização não pode ser dada numa norma da
Constituição não escrita, produzida consuetudinariamente, mas, tem de
ser pressuposta. Assim como, tem de ser pressuposto que a
Constituição escrita tem o carácter de norma objetivamente vinculante
sempre que se consideram como normas jurídicas vinculativas as leis e
os decretos de conformidade com ela editados. Nesse caso, a norma
fundamental - como Constituição em sentido lógico-jurídico - institui
como facto produtor de Direito não apenas o acto do autor da
Constituição, mas também, o costume constituído pela conduta dos
indivíduos sujeitos à ordem jurídica constitucionalmente criada (…). É
possível que o órgão que é competente para estabelecer, revogar e
modificar leis constitucionais no sentido formal específico, seja diferente
do órgão que é competente para estabelecer, revogar ou modificar as
leis ordinárias. Para a primeira função, pode ser chamado por exemplo,
um órgão especial, diferente do órgão competente para a segunda
função quanto à sua composição e quanto ao processo de eleição: v. g.:
um parlamento constituinte (melhor: um parlamento legislador da
Constituição). No entanto, geralmente as duas funções são
desempenhadas pelo mesmo órgão. A Constituição que regula a
produção de normas gerais, pode também determinar o conteúdo das
futuras leis. E as Constituições positivas não raramente assim
procedem ao prescrever ou ao excluir determinados conteúdos. No
primeiro caso, geralmente apenas existe uma promessa de leis a fixar e
não qualquer obrigação de estabelecer tais leis, pois, já mesmo por
razões de técnica jurídica, não pode facilmente ligar-se uma sanção ao
não-estabelecimento de leis com o conteúdo prescrito. Com mais
eficácia, podem ser excluídas pela Constituição leis de determinado
conteúdo. O catálogo de direitos e liberdades fundamentais, que forma
uma parte substancial das modernas constituições, não é, na sua
essência, outra coisa senão uma tentativa de impedir que tais leis
venham a existir. É eficaz quando pelo estabelecimento de tais leis - v.
g., leis que violem a chamada liberdade da pessoa ou de consciência, ou
a igualdade - se responsabiliza pessoalmente determinado órgão que
participa na criação dessas leis - chefe do Estado, ministros - ou existe
a possibilidade de as atacar e anular. Tudo isto sob o pressuposto de
que a simples lei não tenha força para derrogar a lei constitucional que
determina a sua produção e o seu conteúdo. Esta lei, somente pode ser
modificada ou revogada sob condições mais rigorosas, como sejam uma
maioria qualificada ou um quorum mais amplo. Quer isto dizer que, a
Constituição prescreve para a sua modificação ou supressão um
processo mais exigente, diferente do processo legislativo usual; que,
além da forma legislativa, existe uma específica forma constitucional
(Hans Kelsen)6.

Neste texto bastante esclarecedor o Autor descreve não só a


característica da Paramount Law ou da fundamentalidade ou ainda da
supremacia da Constituição mas descreve ainda, dois seus corolários
desta característica. A supremacia da constituição, no sentido que a

6KELSEN, Hans; Teoria Pura do Direito, traduzido por MACHADO, João Baptista, 6ª
Edição 3ª Tiragem, Martins Fontes, São Paulo, 1999 p. 155 a 157.
temos entre nós, vai implicar necessariamente que, por um lado, a
Constituição é lei sobre a criação das outras normas jurídicas e por
outro que é uma lei rígida.

Sob a epígrafe supremacia da Constituição e legalidade, o artigo


6.º da Constituição da República de Angola7 adopta no seu essencial
estas lições de Kelsen. Assume em primeiro lugar que a Constituição é a
lei suprema da República de Angola (n.º 1). Disto decorre que o Estado
(incluindo os sujeitos públicos e privados, individuais e colectivos)
deverá submeter a sua conduta social à Constituição e deverá fundar-se
na legalidade (por alguma razão o legislador constituinte entendeu
deixar isso expresso no n.º 2); decorrerá ainda que nenhum acto
jurídico será válido se tiver um conteúdo que não seja conforme à
Constituição (o legislador constituinte entendeu, no entanto ser de
submeter a este requisito de validade apenas os actos jurídicos públicos
– vide n.º 3 do artigo 6.º da CRA).

Pode haver, portanto, uma percepção passiva e uma activa da


característica da supremacia da Constituição.

A percepão passiva passa apenas pela consideração da não


contrariedade à constituição pelos demais actos jurídicos. Não há aqui
outra preocupação senão a de evitar que uma norma infra-
constitucional tenha um conteúdo contrário ao da constituição ou
venha a ser aprovada por um procedimento contrário ao previsto na
constituição.

A percepção activa da supremacia da Constituição passa pela


consideração da concretização densificadora da Constituição mediante
os demais actos jurídicos num ordenamento jurídico. A preocupação
aqui é de garantir que, os actos infra-constitucionais efectivamente

7 6º
(Supremacia da Constituição e legalidade)
1. A Constituição é a lei suprema da República de Angola.
2. O Estado subordina-se à Constituição e funda-se na legalidade, devendo respeitar e
fazer respeitar as leis.
3. As leis, os tratados e os demais actos do Estado, dos órgãos do poder local e dos
entes públicos em geral só são válidos se forem conformes à Constituição.
concretizem o conteúdo da Constituição e sejam válidos apenas na
medida que o façam. Para esta forma de percepção não há aqui
preocupação com a conformidade à constituição; está em causa a
concretização do conteúdo da Constituição pelas demais leis.

Apesar de a Constituição consagrar a conformidade à


Constituição como sendo requisito de validade dos demais actos
jurídicos, temos que a percepção passiva não é bastante, uma vez que,
pode haver actos que não sejam contrários à constituição mas que
também não contribuam para a realização do seu conteúdo normativo.
A perceção activa da supremacia da constituição também tem a
dificuldade de nos permitir aceitar um acto que não seja necessária e
directamente conforme à Constituição, mas que possa ser
concretizadora em termos de resultados, do conteúdo da Constituição.
Pelo que a forma mais adequada de perceber a supremacia da
Constituição é mediante uma percepção que combine as duas
anteriormente descritas.

Assim teremos que a supremacia da Constituição implica não só


a conformidade dos demais actos à Constituição, mas também e
simultaneamente a realização abstrata ou concreta consoante a
natureza do acto, do Conteúdo da Constituição. Só assim a supremacia
da constituição poderá garantir a concretização da sua ratio: a unidade
do sistema jurídico.

3. Constituição Especial do Advogado

A Constituição do Advogado é o sistema de princípios e normas


consagradas na Constituição que relativas ao Advogado. É a disciplina
jurídica fundamental do Advogado e da sua actividade.

A Constituição da República de Angola consagra os seus artigos


193.º a 195.º à disciplina específica da Advocacia. Pode ser afirmado
que está ali consagrada a constituição do Advogado. Há, entretanto, e
como em parte veremos adiante outras normas na Constituição, que
disciplinam aspectos da advocacia. A vocação do presente trabalho,
deixa por fora a abordagem da Constituição do Advogado8. Pelo que nos
bastaremos com as disposições essenciais à descrição da relação entre
a Constituição e os deveres profissionais do Advogado.

3.1. Constitucionalidade da Deóntica do Advogado? (Recolocação


do Problema)

A deóntica ou os deveres do advogado não estão expressamente


previstos na constituição. À moda dos míopes Bill of rights, o legislador
Constituinte limitou-se na específica constituição da advocacia a referir
os direitos e garantias do advogado. Apesar disso deixou pistas para a
verificação de pelo menos um dever profissional do advogado bem como
remeteu a disciplina dos demais institutos da advocacia aos planos
legal e estatutário.

De todos os deveres o único que notamos com consagração


constitucional é o de sigilo profissional. É no artigo 40.º que ao se
proteger o direito à informação e à expressão se consagra
expressamente o sigilo profissional (segredo de justiça) como sendo um
limite àquele direito.

Esta situação leva-nos mais directamente ao problema de saber


sobre a constitucionalidade dos deveres profissionais do advogado. Se a
CRA planta a infraestrutura do regime jurídico da advocacia e como se
viu não consagra os deveres profissionais nem sequer remete a sua
disciplina concretamente a outros planos, qual é a fundamentação das
normas legais ou estatutárias consagradoras dos deveres profissionais
dos advogados? A resposta depende essencialmente de como
encararmos as normas designadas deontológicas. O que a seguir
veremos. Analisemos as normas designadas comummente como sendo
deontológicas.

8Neste âmbito pode ser de ajuda o nosso Mandato Constitucional da Ordem dos
Advogados de Angola, 2013, Luanda, disponível em:
pt.slideshare.net/mobile/macklionchimuco/o-mandato-constitucional-da-ordem-dos-
advogados-de-angol1-36303234
Secção

II

A Deóntica Profissional dos Advogados: Breve Nota

A deóntica é correspondente ao que se designa por deontologia.


Temos, pelas razões referidas na nota 1, preferência por aquela
terminologia em detrimento desta. Mas o que queremos dizer é mesmo
deveres profissionais do advogado. O estudo dos deveres profissionais
do advogado exige muito mais do que o que aqui podemos, pretendemos
e fazemos. Nos bastaremos com uma brevíssima caracterização dos
deveres profissionais dos advogados, desde a sua definição, sua
natureza, o seu fundamento e sua descrição.

4. Definição de Deóntica Profissional do Advogado

A Deóntica profissional do advogado é o sistema de regras, cuja


maioria tem conteúdo ético, fundadas na lei ou na tradição forense,
pelas quais o Advogado deve pautar o seu comportamento público,
profissional e cívico9. É uma moral localizada, um conjunto de deveres
(para além dos legais) e regras de conduta que a si mesmo se impõem
os profissionais de um determinado sector de actividade.10

Está subjacente à deóntica uma preocupação ética. A ética


antecede, fundamenta e sistematicamente interroga a deontologia. Mas
esta não esgota a exigência de um comportamento ético.

9 Em sentido análogo vide COSTA Orlando Guedes da, Direito Profissional do


Advogado, 6.ª Edição, Almedina, 2008, p. 6. Apud PEREIRA, Flávio Mendes e
CASTILHO, João Maia, Preparação para a Agregação do Advogado Estagiário, 2ª
Edição Coimbra Editora, Coimbra, 2014, p. 25.
10 FIDALGO, Joaquim Manuel Martins, O Lugar da Ética e da Auto-regulação na

Identidade Profissional dos Jornalistas, Tese de Doutoramento apresentada ao


Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, p. 298.
5. Natureza e Fundamentos da Deóntica Profissional do
Advogado
5.1. Positivismo Jurídico: Direito = Lei

O pensamento jurídico positivista científico especialmente


desenvolvido por Kelsen procurou desenvolver uma teoria pura do
Direito que o separasse da moral. É isso que depreendemos da ideia do
Autor que entende que:

A tese de que o Direito é, segundo a sua própria essência, moral,


isto é, de que somente uma ordem social moral é Direito, é rejeitada
pela Teoria Pura do Direito, não apenas porque pressupõe uma Moral
absoluta, mas ainda porque ela na sua efectiva aplicação pela
jurisprudência dominante numa determinada comunidade jurídica,
conduz a uma legitimação acrítica da ordem coercitiva estadual que
constitui tal comunidade. Com efeito, pressupõe-se como evidente que a
ordem coercitiva estadual própria é Direito. O problemático critério de
medida da Moral absoluta apenas é utilizado para apreciar as ordens
coercitivas de outros Estados. Somente estas são desqualificadas como
imorais e, portanto, como não-Direito, quando não satisfaçam a
determinadas exigências a que a nossa própria ordem da satisfação, v.
g.: quando reconheçam ou não reconheçam a propriedade privada,
tenham carácter democrático ou não-democrático, etc. A nossa própria
ordem coercitiva é Direito, ela tem de ser, de acordo com a dita tese,
também moral. Uma tal legitimação do Direito positivo pode, apesar da
sua insuficiência lógica, prestar politicamente bons serviços. Do ponto
de vista da ciência jurídica ela é insustentável. Com efeito, a ciência
jurídica não tem de legitimar o Direito, não tem por forma alguma de
justificar - quer através de uma Moral absoluta, quer através de uma
Moral relativa - a ordem normativa que lhe compete - tão-somente -
conhecer e descrever (Hans Kelsen).11

11KELSEN, Hans; Teoria Pura do Direito, traduzido por MACHADO, João Baptista, 6ª
Edição 3ª Tiragem, Martins Fontes, São Paulo, 1999 p. 49.
Pode pensar-se que uma tal percepção não admite dentro do
Direito normas com conteúdo ético ou moral. Mas a única verdade é
que esta perspectiva de percepção do Direito não admite apenas que se
entenda que o Direito deva realizar um fim moral. A universalidade
inerente à moral, em especial a moral kantiana, dominante na altura
em alguns círculos ainda hoje, não se compatibiliza com a
particularidade do Direito. Entretanto pode o Direito conter normas
éticas ou morais. Assim e diante do positivismo jurídico as normas
deontológicas podem ser entendidas como sendo normas jurídicas de
conteúdo moral. Sendo que são normas conteudisticamente morais mas
cuja juridicidade resulta do facto de terem sido integradas na ordem
estadual coerciva. Para uma tal concepção as normas deónticas têm
uma natureza dupla: uma jurídica e outra moral. Sendo jurídica por
integrarem a ordem social coerciva do Estado. E éticas por serem
motivadas e terem um conteúdo que interessa naturalmente ético
moral.

E o seu fundamento é igualmente dualístico, sendo que quanto à


natureza jurídica terá por fundamento a sua integração na ordem social
coerciva do Estado através da lei (e só será jurídica na medida em que
seja aprovada por lei independentemente do seu conteúdo), a que
designam Direito e quanto à natureza moral terá, como se disse acima,
um fundamento ético.

Outros posicionamentos desfilam no sentido de propor-se uma


nova e mais adequada concepção do Direito. De uma diferente
concepção do Direito resultará igualmente outra concepção sobre a
natureza e o fundamento das normas deónticas.

5.2. Superação do Positivismo: O Direito Além da Lei.


A separação do jurídico ao legal deu-se essencialmente pelo
predomínio do pensamento associado às escolas designadas
naturalistas.

Hoje o direito e a lei são aceites como conceitos naturalmente


diferentes. O Direito já não é uma ordem social Estadual coerciva. O
Direito reconheceu-se como conceito meramente jurídico e a lei além de
jurídico um conceito político12.

O Direito é hoje um conceito que não se presta a definições. Mas


que seria entendido como sendo a ligação entre o homem económico
que a tudo busca para si e o homem moral que a tudo deixa para os
outros13.

Com efeito, não se pode dar uma definição estritamente lógica de


Direito, no sentido dum conceito formado por elementos unívocos e
fechados. Apenas se pode explicitar com maior ou menor exactidão o
que se entende por Direito, dependendo da perspectiva por que se
encara o Direito14. Havendo uma multiplicidade de conceitos, nenhum
dos quais válido por si mesmo.

O Direito pode ser compreendido como a correspondência entre o


dever ser e o ser (KAUFMANN). É o conjunto de normas positivas gerais
para a vida social (RADBRUCH).

Deixa de ser determinante para a consideração do Direito a sua


integração na Ordem social coerciva do Estado, por um acto político e
as leis passam a ser analisadas na sua conformidade realizante da
justiça para que se possam considerar Direito. Voltamos com isso a um
conceito de Direito que nos leva a um plano em que a sua validade está
necessariamente anexada à sua capacidade ou não de realizar a justiça.
Uma indexação do Direito à justiça. Esta que pressupõe a liberdade.
Mas não liberdade arbitrária. Apenas liberdade que pressupõe a
realização do dever de arcar com as consequências resultantes dos

12CARNELUTTI, Francesco, Arte do Direito, Escolar Editora, Lisboa, 2012, p. 21.


13Idem pp. 18 e 19.
14Cfr. KAUFMANN, Arthur, Filosofia do Direito, 5ª Edição, Fundação Calouste

Gulbenkian, tradução de António Ulisses Cortês, Lisboa, 2014 p. 202.


actos. É nesta medida que pensamos com KAUFMANN em
correspondência do dever com o ser. O dever que pressupõe a existência
de um direito de outrem representará o pressuposto para que se
reconheça a liberdade de cada indivíduo. E o ser pura e geralmente
caracterizado pela liberdade, deve entretanto adequar-se à capacidade
de arcar com as consequências de suas investidas ou de seus actos ou
ainda de suas intervenções. Há aqui uma preocupação ética
omnipresente que não permite mais uma separação cirúrgica do Direito
à Moral ou da ética. Na verdade o Direito passa ele mesmo a ter um
fundamento e um critério de compreensão ético.

Uma tal percepção do Direito vai implicar que necessariamente


todas as normas terão subjacente a si um fundamento ético. Isto é as
normas jurídicas em geral, terão necessariamente um conteúdo, e só
serão atendíveis se tiver um conteúdo axiológico.

E por força desta concepção as normas deónticas terão natureza


necessária e simultaneamente jurídica e ética. E terão um fundamento
necessariamente ético.

Mas as normas deónticas não cumprem apenas os valores de


justiça. Elas cumprem outras funções, essencialmente associadas a
garantir a união harmoniosa dos seus membros de uma profissão.
Podemos dizer que ninguém colocou a função destas normas melhor
que Sun Tzu ao referir que a lei moral é um dos cinco factores que
regem a arte de guerra, e faz com que o povo esteja em perfeita
harmonia com o seu governante, tal que o siga, sem temor pelas
próprias vidas resoluto ante todo e qualquer perigo15. Esta ideia
desenvolvida para guerras lideradas por comandantes tendencialmente
absolutistas deve, para ser aplicável ao campo das normas ser
“civilizado”. E por esta civilização teríamos que as normas deónticas dos
advogados fazem com que os advogados estejam em perfeita harmonia
com a advocacia (substituímos pessoas por valores ou ideias), tal que a

15 TZU, Sun, A Arte de Guerra, Introdução de Tom Butler-Bowdon, Clássica Editora,


Lisboa, 2012, p. 36.
procurem realizar, sem temor pelas próprias vidas resolutos ante todo e
qualquer perigo.

6. Natureza e Fundamento da Deóntica Profissional do Advogado


em Angola

A realidade jurídica angolana está no essencial mais aproximada


ao positivismo que à sua superação. Havendo, entretanto, algumas
manifestações que nos levam admitir o anúncio do fim deste apego ao
positivismo jurídico. A confusão do Direito com a lei é manifesta e
mesmo a admissão de outras fontes pressupõe a prévia aceitação pela
lei. A interpretação jurídica configura-se ainda como um problema de
interpretação da lei e não como um problema de realização do Direito.

Cremos por isso ser admissível que se afirme que as normas


deontológicas em Angola são necessariamente normas jurídicas e têm
necessariamente um fundamento legal e um fundamento ético, este
último mais relevante que o primeiro16. A juridicidade dos deveres
profissionais é instrumental ao fim ético de moldar a consciência e
disciplinar a conduta do advogado de tal forma que ele possa realizar os
fins que lhe são conferidos pela Constituição: a realização do Estado de
Direito17.

Mas importante mesmo para a nossa abordagem é a consideração


de que os deveres profissionais do advogado que estão consagrados em

16 Esta ideia resulta clara na afirmação do Bastonário da Ordem dos Advogados de


Angola em sua alocução no âmbito da IV Conferencia Nacional dos Advogados em que
afirmou: … estamos condenados à materialização do Estado de Direito em Angola, por
que ele não existe sem uma advocacia acutilante, mas com marcos de actuação
assentes nos limites dos deveres éticos e deontológicos, cfr CACHIMBOMBO,
Hermenegildo, Ética: a Grande Exigência da Advocacia, in OAA - IV Conferência
Nacional dos Advogados ADVOCACIA & CONSTITUIÇÃO, 19 &20 DE SETEMBRO
2013 HUAMBO 2013 p. 23.
17 As regras deontológicas servem para garantir, mediante livre aceitação pelos

membros da Ordem dos Advogados de Angola, o cumprimento perfeito, por cada


Advogado nela inscrito, de uma missão reconhecida como essencial na sociedade. A
inobservância dessas regras pelo Advogado deve, em princípio, conduzir à aplicação de
uma sanção disciplinar. Cfr. N.º 2 do Preâmbulo do Código de Ética e Deontologia
Profissional da Ordem dos Advogados de Angola. Só não admitimos esta ideia de livre
aceitação pelos membros da Ordem dos Advogados de Angola.
um acto público provado pelo Conselho de Ministros, é tem a natureza
de norma jurídica.

Pois, a natureza meramente ética dos deveres nos levaria a ter


que deixar de lado o tema que aqui empreendemos, pois a constituição
em nada se relaciona com o meramente ético.

7. Os Deveres Profissionais do Advogado

Os deveres profissionais do advogado estão consagrados nos


Estatutos da Ordem dos Advogados de Angola (E-OAA) no seu Capítulo
V e no Código de Ética e Deontologia Profissional da Ordem dos
Advogados de Angola (CEDP-OAA).

O Bastonário da Ordem dos Advogados de Angola na ocasião e no


texto referido no ponto anterior referiu que da triple de categorias de
deveres éticos dos advogados (para com os clientes, para com a
comunidade e para com a Ordem), e no contexto actual da advocacia
angolana deve-se dar particular atenção aos deveres de: (i) estudar com
cuidado e tratar com zelo a questão de que sejamos incumbidos; (ii)
guardar segredo profissional, (iii) não advogar contra lei expressa nem
usar de meios ou expedientes ilegais; (iv) protestar contra as violações
dos direitos humanos e combater as arbitrariedades de que tiver
conhecimento e, (v) não prejudicar os fins e o prestígio da Ordem. Pois
este elenco de deveres concentra os valores fundamentais para que em
qualquer latitude se possa falar de uma advocacia engajada e
comprometida com os valores conaturais aos Estados de Direito,
máxime, o valor supremo da justiça18.

Reconhecemos o mérito intelectual tanto da triple categoria de


deveres profissionais dos advogados e, dentro destas do elenco de
deveres descritos pelo Bastonário como sendo o essencial nos anos que
correm. Mas reconhecemos ser importante, para uma advocacia
eticamente comprometida, o cumprimento de todos os deveres

18 CACHIMBOMBO, cit. p. 22.


profissionais do advogado, por um lado, e por outro, em vez desta triple
categorização dos deveres profissionais, o reconhecimento de ma tripla
dimensão em cada dos deveres profissionais do advogado sendo todos
eles deveres para com os clientes, com a ordem e com a sociedade. A
realização de um dever com o cliente, é simultaneamente a realização
de um dever com a ordem, e com a sociedade. Só isso garantirá a
efectiva realização dos fins da advocacia: a realização da justiça. Que é
o dever supremo do advogado.

O tempo e o espaço inerentes ao presente trabalho não nos


permitem descrever adequadamente cada um dos deveres profissionais
do advogado19.

Pois, o que nos interessa é saber que relação há entre as normas


sobre deveres profissionais e a Constituição. E, para isso, importa saber
se os deveres profissionais do advogado limitam ou não os direitos
fundamentais e em que medida.

8. Os Deveres Profissionais como Limites aos Direitos


Fundamentais

Para a nossa abordagem importa mesmo é saber se e de que


forma podem os direitos fundamentais. E desta forma disposições
constitucionais. Já vimos que as normas jurídicas constitucionais são
supremas no nosso ordenamento jurídico. Vimos também que as
normas deontológicas são necessariamente jurídicas sendo que a dita
aceitação livre pelos membros da ordem não passa de uma figura
fictícia20.

19 Importa porém referir que os deveres profissionais do advogado são regulados no


artigo 193.º n.º 2 da CRA, nos artigos 12.º n.º 2 e 4; 13.º n.º 1; 15.º n.º 1; 53.º n.º 1 a
3; 54.º; Capítulo V: 60.º a 73.º; 94.º n.º 1 EOAA e no Código de Ética e Deontologia
Profissional aprovado em Assembleia Geral dos Advogados de 20-21 de Novembro de
2003.
20 Assim não seria se fosse possível ser-se advogado sem assumir as ditas normas

deontológicas. A assumpção das normas deontológicas é uma decorrência necessária


da adesão a advocacia em Angola.
Com efeito algumas das normas deónticas possuem um conteúdo
que limita o conteúdo de algumas normas jurídicas constitucionais
consagradoras de direitos fundamentais.

Assim por exemplo o artigo 54.º do EOAA ao consagrar o dever de


não exigir uma parte do objecto da dívida ou de outra pretensão, limita
o conteúdo do direito à liberdade económica consagrada nos artigos
38.º e 14.º da Constituição da República de Angola (CRA).

CAPÍTULO

II
A RELAÇÃO ENTRE A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE ANGOLA
E AS NORMAS DEONTOLÓGICAS DA ORDEM DOS ADVOGADOS DE
ANGOLA COMO DEVE SER

Recolocação do Problema

Já dissemos que as normas deónticas profissionais dos advogados


de Angola devem respeitar e realizar a Constituição da República de
Angola.

Deixamos de dizer de que modo tal relação deverá ser realizada


tendo em conta o específico conteúdo da Constituição e das normas
deontológicas profissionais do Advogado.

Este é o tempo e o espaço que dedicamos a este problema.

Secção

Constituição Subjectiva e as Normas Deónticas

A constituição Subjectiva é o conjunto de normas da constituição


que versam sobre a Constituição e funcionamento das entidades e dos
órgãos constitucionais.

Como nos referimos à normas deónticas profissionais dos


advogados a nossa abordagem estará mais associada aos órgãos
constitucionais que interessam à advocacia.

A advocacia está hoje regulada nos artigos 193.º e seguintes da


CRA. Esta disposição constitucional no seu n.º 3 refere que compete à
Ordem dos Advogados a regulação do acesso à advocacia, bem como a
disciplina do seu exercício e do patrocínio forense, nos termos da lei e do
seu estatuto.

Qual o sentido prático desta norma? Entendemos que são três as


principais consequências desta norma:
1. A ordem dos Advogados é a entidade competente para regular o
acesso à advocacia, o exercício da advocacia, incluindo o patrocínio
forense;
2. Que o faz conforme disciplina constante da legislação aplicável à
advocacia (Leis e o seus Estatuto);
3. Legislação (Leis e Estatuto), cuja aprovação não é da competência
da Ordem dos Advogados de Angola.
Está aqui o primeiro, mas não mais importante, órgão
constitucional da advocacia, cujas funções estão relacionadas com a
regulação do acesso à, e do exercício da, advocacia, nos termos da lei e
do seu Estatuto.
Desponta daqui uma outra questão. Qual é o órgão que nos
termos da Constituição deve aprovar a legislação da Advocacia? Será o
mesmo órgão para as leis em geral sobre a advocacia e para Estatuto?
Ou serão diferentes órgãos?
É no do artigo 164.º da Constituição da República de Angola,
sobre a reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia
Nacional, na sua al. d) que divisamos a resposta. Refere a norma que à
Assembleia Nacional compete legislar com reserva absoluta sobre as
seguintes matérias: Eleições e estatuto dos titulares dos órgãos de
soberania, do poder local e dos demais órgãos constitucionais, nos
termos da Constituição e da lei.
A Ordem dos Advogados de Angola é, como vimos, um órgão
constitucional, tem o seu regime infra-estrutural ou nuclear previsto na
Constituição (vide artigos 293.º e seguintes da CRA). Assim, a
aprovação do seu Estatuto é da Reserva absoluta de competência da
Assembleia Nacional. Esta mesma solução pode ser conseguida por
outra via:
Se assumirmos, como de resto, se verificou que é as normas
deónticas profissionais constam dos Estatutos, e que as mesmas
limitam direitos fundamentais. Haverá a necessidade de sabermos que
órgão constitucional tem competência par limitar direitos fundamentais
para sabermos que órgão deve aprovar os Estatutos da Ordem dos
Advogados de Angola.
A resposta a esta pergunta vem igualmente do artigo 164.º na sua
alínea c) dos quais resulta que à Assembleia Nacional compete legislar
com reserva absoluta sobre as restrições e limitações aos direitos,
liberdades e garantias dos cidadãos; Não é indispensável que sejam
direitos, liberdades ou garantias fundamentais, basta que sejam direitos
do cidadão que para que a sua restrição ou limitação seja da exclusiva
competência da Assembleia Nacional.
Temos assim que o outro órgão Constitucional para a normas
deónticas profissionais dos advogados é a Assembleia Nacional. Pois é a
ela que cabe a aprovação dos Estatutos da Ordem dos Advogados de
Angola.
Falta-nos então saber que órgão aprova a lei ou as leis em matéria
de advocacia. A resposta a esta pergunta pressupõe, por um lado, saber
se tal lei consagra e limita direitos fundamentais e dos cidadãos (critério
conteudístico), e por outro, saber que órgão da constitucional aprova
actos que têm o nome de lei (critério formal).
A primeira pressuposição só diante de uma lei em concreto
poderá ser respondida. Sendo que se restringir direitos dos cidadãos já
o dissemos é a Assembleia Nacional o órgão exclusivo com competência
para disciplinar tais matérias, nos termos do artigo 164.º c) da CRA. O
mesmo sucederá caso a lei consagre direitos fundamentais (cfr. Artigo
164.º al. b)).
Ademais, a própria CRA no seu artigo 195.º n.º 2 estabelece que a
lei regula a organização das formas de assistência jurídica, acesso ao
direito e patrocínio forense, como elemento essencial à administração da
justiça, devendo o Estado estabelecer os meios financeiros para o efeito.
Esta norma em si não nos coloca em lugar mais seguro quanto ao órgão
constitucional com competência para a aprovação de lei. Apenas remete
para aquela forma de acto público (lei), a disciplina das matérias
relacionadas com a advocacia.
A segunda questão pressuponente encontra resposta no artigo
166.º21 n.º 2 alíneas a) a e) em especial a d), que atribui forma de lei aos
actos da Assembleia Nacional.
Temos assim como resposta que é a Assembleia Nacional o órgão
constitucional vocacionado à aprovação de lei em qualquer matéria
incluindo a advocacia.
Uma pergunta adicional surge depois deste cenário delineado. A
ordem limita-se a cumprir o que a Assembleia Nacional tiver
disciplinado? Obviamente não. Reza o artigo 167.º da CRA no seu n.º 2
que os órgãos do poder judicial podem apresentar contribuições sobre
matérias relacionadas com a organização judicial, o estatuto dos
magistrados e o funcionamento dos tribunais.
A disciplina constitucional da Ordem dos Advogados de Angola
está integrada no Título IV sobre a Organização do Poder do Estado, no
seu capítulo IV sobre o Poder Judicial, na sua secção IV sobre as
Instituições Essenciais à Justiça.
Podemos assim inferir do artigo 167.º n.º 2 da CRA que a Ordem
dos Advogados pode apresentar contribuições sobre matérias
relacionadas com a advocacia. Pois esta não só é um órgão/instituição

21 Artigo 166.º
(Forma dos actos)
1. A Assembleia Nacional emite, no exercício das suas competências, leis de
revisão constitucional, leis orgânicas, leis de bases, leis, leis de autorização
legislativa e resoluções.
2. Os actos da Assembleia Nacional praticados no exercício das suas
competências revestem a forma de:
a) Leis de revisão constitucional, os actos normativos previstos na alínea a)
do artigo 161.º da Constituição;
b) Leis orgânicas, os actos normativos previstos na alínea a) do artigo 160.º
e nas alíneas d), f), g) e h) do artigo 164.º;
c) Leis de bases, os actos normativos previstos nas alíneas i) e j) do artigo
164.º e nas alíneas a), b), e), f), i), l) p), q) e r) do n.º 1 do artigo 165.º,
todos da Constituição;
d) Leis, os demais actos normativos que versem sobre matérias da
competência legislativa da Assembleia Nacional e que não tenham que
revestir outra forma, nos termos da Constituição;
e) Leis de autorização legislativa, os actos normativos previstos na alínea c)
do artigo 161.º;
f) Resoluções, os actos previstos nas alíneas b) e c) do artigo 160.º, nas
alíneas g), h), i), j), k), l) e m) do art. 161.º, n as alíneas b), c) e d) do
artigo 162.º e nas alíneas a), b), c), d) e e) do artigo 163.º e as demais
deliberações em matéria de gestão corrente da actividade parlamentar,
bem como as que não requeiram outra forma, nos termos da Constituição.
do poder judicial, como a advocacia está estritamente relacionada com a
organização judicial, e o funcionamento dos tribunais22.
Além destes órgãos constitucionais, três outros apresentam como
órgãos constitucionais eventuais em matéria de advocacia. Tais órgãos,
com poderes de iniciativa legislativa, são o Presidente da República, os
Deputados e os Grupos Parlamentares, cuja iniciativa pode ser própria
ou impulsionada por outra entidade pública ou privada incluindo a
Ordem dos Advogados de Angola.
As normas deónticas profissionais dos advogados, devem, em
respeito à, e realização da, CRA, ser aprovadas por lei da Assembleia
Nacional. A não observância deste respeito importa, nos termos do
artigo 6.º n.º 3 da CRA, a sua invalidade23. As normas deónticas devem
não só submeter-se, mas, acima de tudo complementar as normas
constitucionais subjectivas.

22 Isso mesmo é confirmado pelo legislador ordinário que ao disciplinar no artigo 35.º
do Código de Processo Civil possui normas sobre a Advocacia, no artigo 14.º da Lei
das Medidas Cautelares em Processo Penal, aprovada pela Lei n.º 25/ 15 de 18 de
Setembro, e ainda na Lei sobre a Organização e Funcionamento dos Tribunais da
Jurisdição Comum, aprovada pela Lei n.º 2/15 de 2 de Fevereiro, dedicou o Capítulo
XI aos advogados e Defensores Públicos, num total de 5 artigos, do 86.º ao 90.º.
23 3. As leis, os tratados e os demais actos do Estado, dos órgãos do poder local e

dos entes públicos em geral só são válidos se forem conformes à


Constituição.
Secção

II

A Constituição Objectiva e as Normas Deónticas

As normas constitucionais objectivas ou materiais são as normas


previstas na constituição referentes a matérias não relacionadas com a
constituição e o funcionamento dos órgãos do Estado, mas se refiram a
aspectos essenciais ao Estado.

As normas constitucionais objectivas relativas à deóntica


profissional do advogado são essencialmente duas:

Uma, já referida na secção anterior, relaciona-se com a norma do


artigo 193.º n.º 2 da CRA.

Segundo aquela disposição, o Advogado é um servidor da justiça e


do direito, competindo-lhe praticar em todo o território nacional actos
profissionais de consultoria e representação jurídicas, bem como exercer
o patrocínio judiciário, nos termos da lei.

Todas as normas deónticas profissionais do advogado devem


contribuir para a adequada realização da função de servidor da justiça e
do direito, isto é, do dever de praticar actos de profissionais de
consultoria e representação jurídica incluindo o patrocínio forense.

Esta norma constitucional é o fundamento mas também o limite


de compreensão das normas deónticas profissionais dos advogados.

Uma outra, é provocada pelo facto de os deveres deónticos dos


profissionais da advocacia possuírem uma relação estreita com os
direitos dos cidadãos, incluindo os fundamentais. Esta relação estreita
consiste na susceptibilidade de os deveres deónticos profissionais dos
advogados poderem limitar ou mesmo coartar os direitos dos cidadãos
incluindo os fundamentais.

Assim, as normas deónticas profissionais dos advogados não


podem ter um conteúdo que coarte direitos dos cidadãos. Entretanto,
pode ter conteúdo limitativo, desde que a limitação obedeça às normas
constitucionais subjectivas.

Do elenco dos direitos do cidadão alguns merecem atenção tendo


em atenção as normas deónticas profissionais do advogado.

A dignidade humana (prevista no artigo 1.º da CRA), o Estado de


Direito (previsto no artigo 2.º da CRA), a propriedade e livre iniciativa
privada (artigo 14.º da CRA), e os demais valores e direitos consagrados
nos artigos 22.º a 87.º impõem concretização ao legislador e aos
operadores práticos das normas deónticas profissionais dos
advogados24.

Esta concretização é tão imperiosa que a sua omissão vai implicar


a invalidade dos instrumentos contentores dos deveres deónticos
profissionais dos advogados e, por consequência, dos respectivos
deveres, por força do artigo 6.º n.º 3 da CRA.

Aqui chegados importa perguntar será que a realidade é assim


mesmo? As normas deónticas profissionais dos advogados realizam
mesmo os imperativos objectivos e subjectivos constitucionais a que
devem estar vinculados?

24 Em sentido análogo e mais para a ideia de ser a tutela do Estado de Direito o


fundamento e o limite dos deveres deónticos dos advogados vide CACHIMBOMBO, cit.
p. 23.
CAPÍTULO

III

A EFECTIVA RELAÇÃO ENTRE A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA


DE ANGOLA E A DEÓNTICA PROFISSIONAL DO ADVOGADO

9. Elementos Preliminares

A distância entre a teoria e a prática é sobejamente conhecida.


Em Direito ela toma a forma de Dever e Ser.

Se partirmos da ideia do Professor Castanheira Neves, que o


Direito é um dever-ser que é25. Então teremos diferentes cenários:

Um em que os imperativos legais são concretizados pelos factos:


aqui o dever resultante dos comandos legais é efectivado e temos um
perfeito encaixe entre o dever e o ser. Num outro cenário podemos ter
comandos legais que indicam um sentido, mas a realidade jurídica
materializa outros comandos.

Assim, não é Direito uma norma legal ou de qualquer ordem que


não é concretizada, pois, apesar de dever-ser, não é26. E é na realidade
que conheceremos o Direito.

Procuraremos aqui saber se a Constituição da República de


Angola é relativamente às normas deónticas, e estas, tal como descritas
são Direito ou não? Se as primeiras são realizadas pelas segundas?
Mais interessante era saber se a realidade jurídica concretiza as
segundas, mas o tempo e o espaço que nos circundam aconselham a
nos ocuparmos apenas da relação entre a CRA e as normas deónticas
profissionais do Advogado. É então à pergunta – Diante das normas

25 Análoga a esta é a ideia de KAUFMANN cit. p. 219, que entende que o direito é a
correspondência entre o dever e o ser.
26 Como dizia Ihering, A realização é a vida e a verdade do Direito. Ela é o próprio

Direito. O que não passa à realidade, o que não existe senão nas leis, e sobre o papel,
não é mais do que um fantasma de direito, não são senão palavras. Ao Contrário o que
se realiza como Direito, isto é Direito. Cfr. NEVES, A. Castanheira, O Actual Problema
Metodológico – Da Interpretação Jurídica I, Coimbra Editora, 1ª Edição Reimpressão,
2010, p. 12.
deónticas profissionais do advogado em Angola será que a Constituição
da República de Angola é Direito? Se concluirmos que esta é realizada
por aquelas então responderemos positivamente, caso contrário, será a
Constituição não será Direito e será necessário e indispensável tomar
providências para que ela se torne Direito.

Alguns analistas da utilização da ética nas profissões liberais


apresentam cenários críticos, tais como a:

a) A utilização meramente formalista e estratégica da ética


que constitui um dos factores mais frequentemente apontados para a
erosão do prestígio associado ao profissionalismo nas diversas áreas de
actividade em que ganhou raízes (a utilização da ética) e às quais
concedeu poder tanto simbólico como real27.
b) A Questionabilidade da Auto-disciplina dos Profissionais:
entende-se que é questionável até que ponto os profissionais liberais,
eles próprios cada vez mais integrados em instituições burocráticas
ligadas à administração pública ou em estruturas empresariais
competindo numa agressiva economia de mercado, não vão relegando os
imperativos éticos a um segundo plano, valorizando antes de tudo o
sucesso material, a concorrência na carreira e a notoriedade pública.
Associada a um notável cepticismo, quanto à genuína capacidade e até
vontade de os grupos de profissionais se controlarem efectivamente nesta
matéria (em matéria ética), uma vez que as práticas concretas mostram
como a tentação corporativa é ainda muito forte, acabando, não raro, por
desculpar os prevaricadores em nome de uma sensibilidade inacessível
aos leigos, ou por digerir silenciosamente as falhas do círculo reservado
dos pares, em nome de uma imagem pública de coesão, prestígio e
credibilidade28.

27 FIDALGO, Joaquim Manuel Martins, O lugar da ética e da Auto-regulação na


Identidade profissional dos Jornalistas, Tese de Doutoramento apresentada ao
Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, p. 278.
28 FIDALGO, Joaquim Manuel Martins, O Lugar da Ética e da Auto-regulação na
Identidade Profissional dos Jornalistas, Tese de Doutoramento apresentada ao
Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, p. 279.
Tanto uma apreciação como a outra são de utilidade geral
manifesta. Entretanto, para as específicas exigências do presente
trabalho, contribuem muito pouco. Pois as duas apreciações referem-se
essencialmente à aplicação das normas deónticas em si, quando nós
nos situamos no plano da validade das normas deónticas e, em
especial, da sua submissão à Constituição. Entretanto, dão-nos uma
ideia da tendência de pouca preocupação com a materialização da ética
na determinação de normas deónticas pelos profissionais liberais.

Mas este facto abona muito pouco à nossa abordagem se


considerarmos que, como vimos, não são os profissionais da actividade
liberal de advocacia que definem as normas a si aplicáveis. Esta
definição é da alçada doutras entidades estes apenas contribuem para a
definição do conteúdo da proposta do conteúdo do texto normativo e
depois de aprovado, o executam.

A resposta para a questão aqui interessante será conseguida


mediante a análise da conformidade das normas deónticas profissionais
dos advogados à Constituição da República de Angola.

10. Com a Constituição Subjectiva/Orgânico-Formal

Já vimos o regime subjectivo constitucional da aprovação de


normas deónticas dos advogados. Cabe-nos agora apenas ver se as
normas deónticas em vigor cumprem ou não os seus ditames.

Os EOAA foram aprovados pelo Conselho de Ministros mediante o


Decreto n.º 28/96, de 13 de Setembro, e modificado por Decreto n.º
56/05, de 15 de Agosto.

Com isto notamos que relativamente as normas deónticas


profissionais dos advogados, as normas constitucionais subjectivas ou
formais não são Direito.

As normas deónticas constitucionais não concretizam a


constituição subjectiva, e a ela se opõem. Tanto relativamente à alínea
d) como à alínea c) do artigo 164.º da CRA.
Assim as normas deónticas profissionais dos advogados são
inconstitucionais e por força do artigo 6.º n.º 3 da CRA inválidos.

Poderia, entretanto, argumentar-se que os EOAA são anteriores à CRA,


e que no momento da sua aprovação vigorava uma Constituição que
permitia a sua aprovação pelo Conselho de Ministros mediante Decreto.

Ora no momento da aprovação do diploma vigorava a


Constituição de 1992 aprovada pela Lei Constitucional n.º 23/93 de 16
de Setembro. Esta lei não previa a Ordem dos Advogados de Angola
como órgão constitucional. Entretanto, tinha já uma norma idêntica à
constante do artigo 164.º al. b) e c) da CRA.

Esta norma constava da alínea b) do artigo 89.º daquela Lei


fundamental, no qual se dispõe que à Assembleia Nacional compete
legislar com reserva absoluta de competência legislativa sobre direitos,
liberdades, e garantias fundamentais dos cidadãos.

Pelo que mesmo, no circunstancialismo infraestrutural jurídico


em que os EOAA foram aprovados eles são subjectiva/formalmente
inconstitucionais.

A relação que as normas deónticas profissionais dos advogados


estabelecem entre si, é uma relação de contrariedade viciante, pois
deixaram de observar o procedimento constitucional para a sua
aprovação e isto implica a sua invalidade jurídica.

11. Com a Constituição Objectiva/ Material

Se a abordagem generalizante é eficaz para a determinação, em


abstracto da relação entre as normas deónticas profissionais dos
advogados e a constituição subjectiva, importa dizer que o mesmo não
se vai verificar com a constituição objectiva.

Aqui a relação vai passar necessariamente pela comparação das


normas constitucionais objectivas descritas na secção anterior com as
normas deónticas profissionais dos advogados.
Não nos é permitido tomarmos com mais pormenor a relação
entre os direitos fundamentais e os deveres profissionais dos
advogados. Entretanto, os deveres profissionais devem em primeiro
lugar realizar o comando do artigo 193.º n.º 2 da CRA sobre o Dever de
materialização do Estado de Direito e concretizando o Advogado como
um servidor da justiça e do direito, competindo-lhe praticar em todo o
território nacional actos profissionais de consultoria e representação
jurídicas, bem como exercer o patrocínio judiciário, nos termos da lei.
Todos os deveres profissionais dos advogados, devem alinhar-se com
este dever fundamental dos advogados.

Os deveres profissionais devem ainda estar ao serviço da


realização de valores e direitos fundamentais. Assim, a dignidade
humana; propriedade privada e livre iniciativa; o princípio da igualdade;
o acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva (especial imputação da
Ordem dos Advogados e por isso dos advogados vide artigo 29.º e 195.º
da CRA); a integridade pessoal e os direitos à identidade; à privacidade
e à intimidade; a inviolabilidade do domicílio; a inviolabilidade das
comunicações e da correspondência; o direito à liberdade física e à
segurança pessoal; o direito ao ambiente; as liberdades de expressão e
informação; as liberdades de consciência, religião e culto; as liberdades
de criação cultural e científica; a liberdade de imprensa; as liberdades
de residência, circulação e migração; as liberdades de reunião e
manifestação; a liberdade de associação; a liberdade sindical; o direito à
greve; o direito de participação na vida pública; o direito de acesso a
cargos públicos, o direito de sufrágio; as garantias do processo criminal;
o direito a julgamento justo; o direito a asilo; os direitos de petição,
denúncia, reclamação e queixa; a responsabilidade do Estado e de
outras pessoas colectivas públicas; o direito ao trabalho; o direito à
saúde e protecção social; os direitos do Consumidor; o direito à cultura
ensino e desporto e deveres profissionais dos advogados; o direito à
infância; o direito à juventude; o direito à terceira idade; os direitos das
pessoas portadoras de deficiência; os direitos dos antigos combatentes e
veteranos da pátria; o direito à qualidade de vida incluindo à habitação;
os direitos das comunidades no estrangeiro; o direito ao património
cultural, histórico e artístico e deveres profissionais dos advogados; o
direito à família e o dever de contribuição devem resultar concretizados
pelos deveres profissionais dos advogados. Os deveres profissionais dos
advogados só o são (deveres) na medida em que estejam alinhados com
os direitos fundamentais (vide artigo 6.º n.º 3 da CRA).

12. Conclusão

a) Diante das normas deónticas profissionais dos advogados a


Constituição subjectiva ou formal não passa de um aglomerado de
palavras e papeis sem transposição para a realidade e, por isso, não
mais que fantasmas de Direito.

b) Por consequência, e como a Constituição quando fantasma


de Direito, é um fantasma que exige que seja materializado, conforme
se vê no artigo 6.º da CRA, as normas deónticas profissionais dos
advogados são inconstitucionais e inválidos.

c) Já quanto à Constituição objectiva/material, o tempo


presente não nos permite muitos pormenores concretos. Pelo que,
bastamo-nos por reiterar e afirmar que os deveres profissionais dos
advogados serão válidos apenas na medida em que a concretizem.
Sendo que mesmo quando tais deveres não os concretizem, devem ser,
compreendidos dentro dos parâmetros admitidos pela Constituição
material/objectiva. Sendo certo que, a verificação da
inconstitucionalidade subjectiva-constitucional das normas deónticas
profissionais dos advogados, implica pouca utilidade para análise da
sua validade material/objectiva.

d) Portanto, a relação entre a Constituição da República de


Angola e as normas deónticas profissionais dos advogados não é
harmoniosa. É conflituosa e, por isso viciante das normas deónticas. O
que fazer para garantir a harmonia entre estas duas categorias de
normas jurídicas. Isso veremos no capítulo seguinte e final do nosso
trabalho.
CAPÍTULO

IV

PARA A HARMONIA MUTUAMENTE CONCRETIZANTE ENTRE AS


NORMAS CONSTITUCIONAIS E AS NORMAS DEÓNTICAS DO
ADVOGADO EM ANGOLA

13. Introdução

Pela relação efectiva que descrevemos entre a Constituição e as


normas deónticas profissionais dos advogados inferimos que, por um
lado, a constituição é concretizada, por a realidade normativa deóntica
profissional dos advogados a não concretizar (não sendo Direito) e, por
outro, as normas deónticas têm a sua juridicidade inconcretizável, por
não disporem de validade. Isto é, tanto uma como outra, clamam por
concretização. Qual é a via para esta concretização? Isto responderemos
a seguir.

14. Harmonia Formal/Subjectiva

Impõe a constituição subjectiva ou formal que deva ser a


Assembleia Nacional a aprovar as normas deónticas profissionais do
Advogado. No entanto, os EOAA, depositários naturais do conteúdo dos
deveres profissionais, foram aprovados por Conselho de Ministros. A
concretização das disposições constitucionais e conferência de validade
às normas deónticas impõe que sejam os EOAA aprovados mediante
uma Lei da Assembleia Nacional. Basta aprovar os EOAA ou outro
diploma contendo os deveres profissionais do advogado para que a
constituição subjectiva, nestas matérias, saia do mundo fantasmagórico
para a cidadela do Direito e as normas deónticas emancipem-se da sua
invalidade.
15. Harmonia Material

Mas, o respeito à Constituição Subjectiva não será bastante para


a validade dos deveres profissionais dos advogados.

Será indispensável que as normas deónticas concretizem o


conteúdo da Constituição objectiva da advocacia para que sejam
plenamente válidas e retirem plenamente da invalidade a que estão
condenados e, desta forma, concretizem plenamente a Constituição e
esta se manifeste plenamente como Direito.

Para tanto, deve o conteúdo da lei que aprovar as normas


deónticas profissionais dos advogados concretizar no máximo que
possível, os direitos e deverem fundamentais, o mandato constitucional
dos advogados e todos os demais valores constitucionais.
CONCLUSÕES

I. O Estudo da relação da Constituição com as normas


deónticas profissionais suscita dois problemas essenciais cuja solução
impõe o mais uma cuidada análise dos seus pormenores. Por um lado
se coloca o problema da realização (abstracta) da Constituição pelas
normas deónticas profissionais dos advogados e por outro, o problema
da validade jurídica das normas deónticas profissionais dos advogados.
Problemas que podem ser indicados como sendo mesmo lado da moeda
mas não da mesma moeda.

II. Entretanto, o que aqui se traz é um trabalho bastante breve


adaptado às circunstâncias teleológicas em que é escrito.

III. As normas deónticas são normas jurídicas de conteúdo


ética e como tais deviam procurar concretizar a Constituição.

IV. Apesar de assim deverem ser, as normas deónticas não se


alinham às normas constitucionais e, por isso, não chegam a
concretizar a CRA e por isso, o problema da sua concretização desta
resolve-se pela negativa. As normas deónticas profissionais dos
advogados não concretizam a CRA. Pela mesma via, a negativa se
resolve o prolema da validade das normas deónticas profissionais dos
advogados. Estas normas são inválidas.

V. Surge daqui um novo problema. Não há normas deónticas


juridicamente válidas para os advogados. E os advogados, para que
realizem os fins que lhes são confiados, precisam de um corpo
normativo deóntico. Como resolver este problema?

VI. Mediante a aprovação de um novo corpo de normas


deónticas que concretizem as normas constitucionais subjectuvas e
objectvas vigentes. Até lá, temos um corpo de normas deónticas com
valor meramente ético-moral, totalmente despido de juridicidade e por
isso, injusticiável, incluindo em instâncias próprias do corpo de
advogados. Com o mesmo valor que a obrigação de saudar a um colega
de escola ou a um aluno ou ainda a qualquer pessoa que encontremos,
e, conhecida que é a ineficácia das normas desta natureza, recomenda-
se, a aprovação de novos EOAA, com a máxima urgência.
BIBLIOGRAFIA

Bibliografia Doutrinal

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Advocacia, in OAA - IV Conferência Nacional dos Advogados
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Bibliografia Legislativa

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Estatutos da Ordem dos Advogados de Angola.

Código de Ética e Deontologia Profissional aprovado em Assembleia


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Código de Processo Civil.

Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal, aprovada pela Lei n.º
25/ 15 de 18 de Setembro.

Lei sobre a Organização e Funcionamento dos Tribunais da Jurisdição


Comum, aprovada pela Lei n.º 2/15 de 02 de Fevereiro.

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