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Docente: Micaela Bragadeste Lopes

Responsável da unidade curricular de Introdução ao Direito


Ano letivo 2020/2021

TEXTO DE APOIO N.º 6

INTRODUÇÃO AO DIREITO

PONTOS 6.1 e 6.2 DO PROGRAMA

I - O sistema jurídico

1. Noção de sistema jurídico

Sabemos que o Direito é um conjunto sistematizado de normas de comportamento social, de origem


estadual, assistidas de proteção coativa.

As normas não existem independentes e desligadas umas das outras. As normas têm ligações entre si,
para além de terem uma hierarquia e relações de prevalência de umas sobre as outras.

Sistema jurídico, sistema legal ou ordenamento jurídico, é o conjunto de normas jurídicas


interdependentes, reunidas segundo um princípio unificador. Essas regras utilizam uma linguagem
prescritiva, cujo objetivo é regular a vida em sociedade. O sistema jurídico implica em um conjunto de
normas reunidas por um elemento unificador, sendo esse elemento responsável pelas normas fazerem parte
de um ordenamento jurídico. Na atualidade, o sistema jurídico está vinculado aos valores da Constituição,
funcionando como uma rede cujo objetivo é o cumprimento dos princípios e objetivos do Estado
Democrático de Direito. Podemos dizer que o sistema jurídico é uma unidade.

2. O princípio da plenitude e da perfeição do sistema jurídico

O sistema jurídico está sujeito a um princípio de plenitude, ou seja, regula todas as situações que
carecem de regulamentação jurídica.
Para além de o sistema ser pleno, o sistema é também perfeito. Perfeito porque não tem falhas, perfeito
porque devemos presumir que o legislador, ao legislar, exprimiu corretamente e em termos adequado o seu
pensamento, tal como decorre do disposto no n.º 3 do artigo 9º do C.C.

3. A obrigação de julgar e o dever de obediência à lei

Decorre do disposto no artigo 8º do C.C. que o juiz não pode abster-se de julgar invocando a falta ou
obscuridade da lei.

No mesmo preceito se refere que o juiz não pode deixar de aplicar a lei, devendo-lhe obediência, não
podendo dizer que não aplica uma lei por a considerar injusta ou imoral.

4. A Integração de lacunas

Apesar do princípio da plenitude e perfeição do sistema jurídico, de devermos partir do princípio que
o sistema regula todas as situações da vida social que carecem de regulamentação, a verdade é que há
situações da vida social que o legislador não previu, há situações que a lei não regula. As situações que a
lei não prevê, designam-se tecnicamente de lacunas.

Atendendo a que existe o dever de julgar e o dever de obediência à lei e que o juiz não pode deixar de
julgar invocando falta de lei para julgar, a situação é resolvida de acordo com as regras constantes dos
artigos 10º e 11º do C.C. e que estabelecem o critério de integração de lacunas. Assim, as lacunas são
reguladas segundo as normas aplicáveis aos casos análogos, isto é, aos casos que, sendo diferentes, são, no
entanto, semelhantes, conforme disposto no n.º 1 do artigo 10º do C.C. O intérprete e o julgador devem
procuarar, na lei, casos semelhantes, relativamente aos quais procedam as mesmas razões, para aplicar essa
lei ao caso omisso, ou seja, ao caso não regulado.

Exemplificando: 1Durante muito tempo não houve regulamentação para a navegação aérea, mas havia
regulamentação para a navegação e transporte marítimos; uma vez que os dois tipos de transportes tinham
muitas semelhanças, aplicou-se, por analogia, a regulamentação do transporte marítimo aos transportes
aéreos, que não tinham regulamentação.

Atenção que as normas excecionais não podem ser aplicadas por analagia, apesar de ser possível
interpretá-las extensivamente. Dito de outra forma, não podemos recorrer a uma norma excecional (uma

1
Exemplo de João de Castro Mendes, citado por Germano Marques da Silva, pág. 280, in INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO.
norma que regula um conjunto de situações de modo oposto ao regime regra) para integrar uma lacuna. Tal
resulta do disposto no artigo 11º do C.C. e é o que significa “as normas excecionais não comportam
aplicação analógica”.

Se, e só se, não houver caso análogo previsto na lei, dispõe o artigo 10º n.º 3 C.C., a lacuna é
integrada de acordo com a norma que o intérprete criaria dentro do espírito do sistema, ou seja, tendo em
conta os seus valores e princípios. Apesar desta previsão, a verdade é que, atendendo ao elevado número
de leis existentes no ordenamento jurídico português e à existência de uma hiperegulamentação dos mais
variados aspetos da vida social, é muito raro recorrer ao disposto no n.º 3 do artigo 10º do C.C. para inetgrar
uma lacuna, pois geralmente existe caso análogo.

5. A codificação

Um código é, nada mais, nada menos, do que uma lei (em sentido material). Do ponto de vista
formal, um código tanto pode ser uma lei, um decreto-lei ou outro ato normativo. Simplesmente chama-se
código porque tem um objetivo: reunir num único diploma legal, de modo tendencialmente completo,
organizado, sistematizado e científico, toda a regulamentação de um ramo de Direito ou de uma parte muito
significativa de um ramo de Direito.

A codificação é muito útil pois facilita a consulta das normas relativas a uma determinada matéria,
facilita a interpretação sistemática e permite arrumar princípios que são comuns a todo um ramo de Direito.

II - A Norma Jurídica

1. Conceito de norma

Sabemos que o Direito é um conjunto sistematizado de normas de comportamento social, de origem


estadual, assistidas de proteção coativa.

Da definição de Direito podemos concluir que as normas são um dos elementos do conceito.

O que devemos entender por norma?

Uma norma é uma regra, um comando, um preceito ou uma instrução sobre como nos devemos
comportar.

2. As características das normas


As normas jurídicas têm 4 características essenciais, a saber: a imperatividade, a violabilidade, a
generalidade e abstração e a coercibilidade.

A imperatividade é uma característica das normas jurídicas no sentido em que todas as normas jurídicas
contêm uma ordem, uma instrução ou comando que regula uma situação social.

A violabilidade é uma característica das normas jurídicas na medida em que as normas são violáveis,
isto é, como somos seres livres e dotados de livre arbítrio, temos a liberdade de cumprir ou não cumprir as
normas. Naturalmente que, em caso de incumprimento das normas, o próprio Direito contém normas que
reagem e sancionam o incumprimento.

As normas jurídicas são formuladas de modo geral e abstrato, por isso se diz que a generalidade e
abstração são características das normas. Isto significa que os comportamentos que o legislador pretende
ver adotados pelos cidadãos são formulados de modo abstrato, indicando-se apenas um modelo ou padrão
de comportamento e de modo geral, por serem pensados para uma generalidade de pessoas e não para uma
pessoa concreta. Esta característica é bem visível na formulação das normas através da utilização de
expressões que demonstram a generalidade e abstração e em que se pretende abarcar um número
indeterminado de pessoas e situações. Exemplo: aquele que matar outrem é punido (…); quem é aquele ou
quem é outrem? Podem ser qualquer pessoa.

Finalmente, a coercibilidade é uma característica, não apenas de cada norma jurídica em concreto, mas
de todo o sistema jurídico, significando que se pode usar a força, se necessário for, para impedir, prevenir
ou reprimir a violação das normas jurídicas.

3. A estrutura da norma

Existem diferentes tipos de normas, mas as normas jurídicas estruturam-se essencialmente em duas
partes.

A previsão da norma é uma das partes da sua estrutura e é aquela em que se prevê uma situação da vida
social. Essa é a situação que carece de regulação jurídica.

A estatuição é a parte da estrutura da norma em que se regula qual o comportamento a adotar perante
a situação prevista.

Tomemos como exemplo a norma constante do artigo 1323º do C.C.


• Aquele que encontrar animal ou coisa móvel perdida e souber a quem pertence (…) é a
previsão da norma ou, dito de outro modo, é a situação da vida social que necessita de uma
regulação, que necessita de instruções sobre como nos devemos comportar na situação prevista
e descrita.
• (…) deve restituir o animal ou a coisa a seu dono ou avisá-lo do achado é a estatuição da
norma, isto é, é a instrução propriamente dita, a regra, o comportamento que devemos adotar
na situação prevista.

Apesar da estrutura clássica bipartida da norma, temos de ter presente que as normas não são todas
iguais quanto à sua estrutura, pois existem vários tipos de normas, com diferentes propósitos e finalidades,
razão pela qual esta estrutura bipartida não é, por exemplo, aplicável às chamadas normas interpretativas.

Devemos, também, ter em conta que as normas jurídicas integram uma sanção, uma consequência, para
o seu não cumprimento. É na sanção da norma que se manifesta a sua coercibilidade. A sanção não integra
necessariamente a estrutura da norma, embora exista, eventualmente noutra norma, noutro ponto do sistema
jurídico, como veremos adiante.

4. Classificação das normas

Podemos classificar as normas quanto aos seguintes aspetos:

a) Quanto ao interesse que visam prosseguir;


b) Quanto ao seu âmbito territorial de aplicação;
c) Quanto ao seu conteúdo e relação entre si;
d) Quanto à autonomia privada enquanto princípio de referência.

4.1. Normas de interesse público e normas de interesse privado

No ordenamento jurídico podemos encontrar normas de interesse público e normas de interesse


privado, distinguindo-se os dois tipos consoante o interesse que o legislador visa prosseguir e alcançar com
a norma.

As normas de interesse público são aquelas que pretendem proteger toda a comunidade, o interesse
público em geral, para além do interesse particular ou privado das pessoas que se encontram no seu âmbito
de aplicação.
As normas de interesse privado ou particular, por seu turno, são aquelas que pretendem proteger
o interesse particular ou privado das pessoas que se encontram no seu âmbito de aplicação.

Exemplificando:

A norma constante do artigo 1602º do C.C., alíneas a) e c), que impede o casamento entre si das
pessoas que tenham relações de parentesco na linha reta e no segundo grau da linha colateral, são normas
de interesse público.

Porquê?

Para a compreendermos, temos de saber qual foi o pensamento do legislador quando formulou esta
regra, isto é, temos de interpretá-la tendo em conta o seu elemento teleológico.

Para além de chocar a moral social judaico-cristã, o impedimento ao casamento entre pessoas com
tão grande proximidade familiar, existe por uma razão de interesse público que é visada com esta norma e
que consiste em evitar a procriação com laços de consanguinidade tão próximos que sejam suscetíveis de
causar problemas e doenças cromossómicas nos filhos que resultem dessas relações. Ora, para além de se
proteger o interesse da família concreta que se encontra no âmbito de aplicação da norma, protege-se o
interesse de toda a comunidade, na medida em que as doenças cromossómicas acabam por constituir um
encargo para o Estado e para toda a comunidade em geral.

Já a norma constante o artigo 877º do C.C., que regula a celebração de contratos de compra e venda
entre pais e filhos e entre avós e netos, é uma norma de interesse privado, pois regula a situação das pessoas
privadas, particulares, concretas, que se encontram na situação de celebração desses contratos de compra e
venda, sendo irrelevante, do ponto de vista coletivo, qual o destino e validade dos contratos celebrados
entre pais e filhos e avós e netos.

4.2. Normas universais, regionais e normas locais

A distinção entre as normas universais, regionais e locais prende-se com o seu âmbito territorial de
aplicação.

As normas universais aplicam-se em todo o território nacional, as normas regionais aplicam-se apenas
na região autónoma em que foram aprovadas e as normas locais (normas dos municípios), tal como o nome
indica, aplicam-se apenas localmente (no âmbito territorial do município que as elaborou e aprovou).

Exemplificando
As normas do C.C. são normas universais no sentido em que se aplicam em todos o território
nacional. Já as normas constantes dos decretos legislativos regionais, são normas regionais na medida em
que se aplicam apenas dentro do âmbito territorial da Região Autónoma a que respeitam.

O Decreto-lei 167/2019, de 21 de novembro, atualizou para o ano de 2020, o valor da retribuição


mensal mínima garantida para € 635,00. Esta é uma norma universal, porém, o Decreto Legislativo
Regional n.º 8/2015/A, de 30 de março de 2015, da Assembleia Legislativa Regional dos Açores, estabelece
que o montante da retribuição mínima mensal garantida, estabelecido ao nível nacional para os
trabalhadores por conta de outrem, tem, na Região Autónoma dos Açores, o acréscimo de 5 %. Assim, o
salário mínimo a vigorar em 2020 na Região Autónoma dos Açores, é fixado em € 666,95.

A relevância desta distinção reside na circunstância de saber qual a norma que prevalece.

No exemplo do salário mínimo, considerando que a Região Autónoma dos Açores é, também,
território nacional, pode colocar-se a questão de saber qual dos valores de salário mínimo deve prevalecer
naquela região. A regra é a de que prevalece a regra regional dentro do território da Região Autónoma.

4.3. Normas gerais, normas especiais e normas excecionais

Para compreendermos esta classificação temos de ter presente que as normas se relacionam entre si.

As normas gerais são aquelas que constituem o regime regra, que contém princípios gerais e
fundamentais de Direito e que se aplicam à generalidade das situações.

As normas especiais são aquelas que regulam situações específicas de modo diferente do que está
previsto no regime geral ou regime regra, mas que, no entanto, não consubstanciam o oposto ou o contrário
do regime regra.

As normas excecionais são aquelas que regulam situações específicas de modo diferente do que está
previsto no regime geral ou regime regra e que consubstanciam o oposto ou o contrário do regime regra.

Exemplificando.

O artigo 219º do C.C. estabelece um princípio fundamental do sistema jurídico de acordo com o qual
somos livres para celebrarmos contratos da forma que entendermos, não estando a validade do contrato ou
negócio jurídico dependente da observância de uma forma especial. É esta norma que nos dá a liberdade
para fazermos contratos como muito bem entendermos, por exemplo, de forma gestual ou de forma
meramente verbal. Esta é uma regra geral e um princípio fundamental do sistema jurídico português. Porém,
esta regra tem exceções. Há certos contratos relativamente aos quais não existe liberdade de forma, isto é,
não somos livres para celebrar os contratos da forma que muito bem entendermos, mas apenas de acordo
com formas que a lei prescreve e que são obrigatórias. É o caso da compra e venda ou da doação de bens
imóveis (terrenos/edifícios) que, de acordo com os artigos 875º e 947º do C.C., respetivamente, só são
válidos se forem celebrados por escritura pública ou por documento particular autenticado. Ou seja, nestes
casos, não há liberdade de forma e o regime estatuído por estas normas é o oposto do regime constante do
artigo 219º do C.C. que consagra a liberdade de forma.

4.4. Normas imperativas e normas facultativas

A distinção entre normas imperativas e facultativas justifica-se se tivermos como referência o princípio
da autonomia privada ou liberdade contratual, previsto no artigo 405º do C.C.

De acordo com este princípio, as partes que celebram um contrato têm a liberdade e autonomia para
fazer os contratos que entendem, com o conteúdo que entendem, incluindo criar contratos que não estão
regulamentados, nem previstos na lei, ou reunir, no mesmo contrato, elementos de diferentes tipos
contratuais. Dito de uma forma muito simples, desde que não haja uma proibição expressa, tudo é permitido,
em matéria contratual, sendo uma das áreas do Direito em que podemos ser mais criativos.

4.4.1. As normas imperativas

As normas imperativas são aquelas que impõem um comportamento, não havendo autonomia ou
liberdade por parte dos cidadãos para adotarem o comportamento que entenderem.

As normas podem impor um comportamento proibindo-o ou obrigando à adoção desse comportamento.

Quando as normas imperativas proíbem um comportamento designam-se de normas proibitivas.

Quando as normas imperativas obrigam a um comportamento designam-se de normas precetivas.

Exemplificando

A norma constante do artigo 11º n.º 1 do Decreto n.º 9/2020, de 21 de novembro2, que regulamenta o
estado de emergência e que estatui que “Os cidadãos não podem circular para fora do concelho do

2
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domicílio no período compreendido entre as 23:00 h do dia 27 de novembro de 2020 e as 05:00 h do dia 2
de dezembro de 2020 e entre as 23:00 h do dia 4 de dezembro de 2020 e as 23:59 h do dia 8 de dezembro
de 2020, salvo por motivos de saúde ou por outros motivos de urgência imperiosa”, é uma norma proibitiva.

A norma constante do artigo 4º do mesmo diploma e que estatui no seu n.º 1 que “Sem prejuízo do
disposto no artigo 13.º-B do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, na sua redação atual, e na Lei n.º
62-A/2020, de 27 de outubro, é obrigatório o uso de máscaras ou viseiras para o acesso ou permanência
em locais de trabalho sempre que o distanciamento físico recomendado pelas autoridades de saúde se
mostre impraticável” é uma norma precetiva.

4.4.2. As normas facultativas

As normas facultativas são aquelas que não impõem um comportamento, mas que colocam à nossa
disposição certas possibilidades ou faculdades de comportamento, que se limitam a fixar e delimitar um
conceito jurídico ou que só se vão aplicar quando as partes que celebraram um contrato não tiverem,
aquando da celebração desse mesmo contrato, regulado a situação de modo diferente daquele que está
previsto na lei.

As normas dispositivas são aquelas que colocam à nossa disposição certa possibilidade ou faculdade
de comportamento, não nos exigindo que esse comportamento seja adotado.

Por exemplo, a norma constante do artigo 1773º n.º 2 do C.C. prevê a possibilidade, a faculdade de as
pessoas casadas requererem o divórcio por mútuo consentimento, mas, na verdade, esse é um direito que
está à disposição de todos aqueles que sejam casados, não sendo, porém, obrigados a exercê-lo. O mesmo
sucede com a possibilidade ou faculdade de fazermos testamentos dispondo do nosso património após a
nossa morte. Temos o direito de fazer um testamento, mas, na verdade, nada nos obriga a exercer esse
direito.

As normas interpretativas, por seu turno, têm por finalidade delimitar um conceito ou fixar um
determinado regime jurídico.

Exemplificando: a norma constante do artigo 874º do C.C. define o que devemos entender por compra
e venda. Em rigor, essa norma não nos diz como fazer um contrato compra e venda, nem quais os direitos
e deveres das partes que celebram esse tipo contratual. Essa norma apenas nos vem explicitar, para efeitos
jurídicos, o que é que devemos entender por contrato de compra e venda. As normas interpretativas
justificam-se para que consigamos melhor interpretar as outras normas que se seguem e, essas sim, vão
determinar qual o sentido do comportamento a adotar em caso de contrato de compra e venda.
As normas supletivas, por seu turno são aquelas que têm por objetivo suprir a falta de manifestação de
vontade por parte das pessoas que celebraram um contrato.

Para compreendermos as normas supletivas temos de compreender o que é um contrato.

Assim, contrato pode ser definido como um acordo de vontades declaradas ou manifestadas entre
duas ou mais pessoas paraa relização de um objetivo. Salienta-se que não integra a definição de contrato
a existência de documento escrito ou outras formas especiais. As partes que o celebram regulam a relação
jurídica contratual, estipulando cláusulas contratuais. As cláusulas contratuais são, nada mais, nada menos,
do que as regras negociadas pelas partes e que regulam aquela relação jurídica. Sucede, porém, que as partes
que celebram um contrato, muitas vezes, regulam, isto é, estabelecem cláusulas, apenas para os aspetos que
consideram essenciais, por vezes esquecendo-se, ou não dando qualquer relevância, a outros aspetos.
Precisamente porque o legislador sabe que isto sucede, e para evitar litígios, criou uma série de regras legais
que só se vão aplicar se, e quando, as partes não tenham regulado a situação aquando da celebração do
contrato. Dito de outro modo, as regras supletivas existem apenas para suprir a falta de manifestação de
vontade das partes aquando da celebração de um contrato.

Exemplificando

Quando celebramos contratos de compra e venda, especialmente os contratos de compra e venda de


bens imóveis, por vezes, temos certas despesas com a celebração do contrato (para além do pagamento do
preço), tais como, o pagamento ao notário da celebração da escritura pública. Os registos de aquisição, o
pagamento de documentos ou o pagamento de impostos. O certo é que quando as partes negoceiam a
compra e venda do bem imóvel preocupam-se essencialmente com o preço e as características do bem.

No momento do pagamento do serviço prestado pelo notário, quem vai pagar a conta?

Se o comprador e o vendedor tiverem combinado entre si quem efetua esse pagamento, isto é, se tiverem
regulado esse aspeto concreto da sua relação jurídico-contratual, é esse acordo celerado entre as partes que
deve prevalecer.

Porém, se as partes nada tiverem regulado, acordado ou convencionada a esse propósito, a regra
aplicável é a constante do artigo 878º do C.C. e que dispõe justamente que, na falta de convenção em
contrário, as despesas do contratos e outras acessórias ficam a cargo do comprador.

Assim, podemos concluir que a norma constante do artigo 878º é uma norma supletiva. Ou seja, é uma
norma que só se aplica se as partes que celebram aquele tipo de contrato não tiverem
convencionado/acordado algo diferente daquilo que prevê a norma, sendo certo que, se o tiverem feito, é o
seu acordo que vai prevalecer.
Setúbal, 2 de dezembro de 2020

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