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Miguel Gonçalves Lopes - A80548 - Metodologia do Direito

I.
A contraposição das normas interpretativas às normas inovadoras resultam de
regras gerais do direito transitório. Para uma abordagem desta temático é necessária
uma análise do artigo 13º Código Civil (doravante, CC).
Inicialmente caberá distinguir, ainda que superficialmente, normas
interpretativas de normas inovadoras. Ora, as normas interpretativas serão serão, a
priori, normas que vêm interpretar ou esclarecer o sentido de uma norma já existente, a
norma interpretada e, por isso, se integram nelas. Já as normas inovadoras são as
normas “normais”, ou seja, e como o nome indica, normas que não se relacionam
umbilicalmente (a priori) com uma outra norma e que vêm trazer algo de novo. No
entanto, a partir desta abordagem ligeira, conseguimos perceber que daqui vão resultar
diversos problemas de aplicação da lei no tempo, tanto não seja que uma norma
inovadora pode estar mascarada de interpretativa.
Partindo do art.º13º, às normas interpretativas não se coloca o problema de
aplicação da lei no tempo, já que estas se integram e, portanto, não há que aplicar o
princípio da não retroatividade do art.º 12º. Como estas surgem como “bengala” ou
apoio de outra norma, salvo os casos previstos no artigo em análise, integra-se na norma
interpretada. Já quanto às normas inovadoras diz-nos o artigo 12º que “a lei só dispõe
para o futuro”, sendo uma consagração do princípio da não retroatividade. Assim, é
essencial esta distinção entre normas inovadoras e interpretativas já que as
interpretativas gozam de um “visto” de retroatividade. Se as inovadoras se fantasiarem
de interpretativas, vamos ter um problema de retroatividade do 12º.
Diz-nos Baptista Machado que “(…) são de natureza interpretativa aquelas leis
que, sobre pontos ou questões em que as regras jurídicas aplicáveis são incertas (…)
vem consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adoptado.”. Este mote é
fundamental para este confronto. Partindo daqui, podemos dizer então que se uma
norma “interpretativa” vier contrariar uma corrente jurisprudencial uniforme, ou seja,
trazer uma solução diferente das que os tribunais teriam adotado, essa norma não será
realmente interpretativa mas inovadora. É necessário que haja alguma incerteza na
interpretação da norma interpretada e que a norma interpretativa pudesse ser retirada por
interpretação e aplicação daquela disposição, ou seja, se existir um forte sentido
jurisprudencial, que não o contrarie. Se contrariar ou trazer uma solução para aquela
incerteza que não era retirável a partir de interpretação e aplicação, estamos perante uma
norma inovadora.
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Quanto à questão da retroatividade, o art.13º ao consagrar que a norma


interpretativa se integra na interpretada, “defende” que tem efeito retroativo, mas não
parece ser uma verdadeira retroatividade. Não é substancialmente retroativa pois não
atinge os efeitos já produzidos ou outras situações “finalizadas”, não afetando
segurança, certeza ou expectativas fundadas.
Por fim, e no mesmo jeito que Baptista Machado, uma norma pode ter
disposições inovadores e interpretativas.

II.
A questão remete-nos para um problema relacionado com lacunas. É importante,
neste sentido, referir que existem 3 sentido de interpretação jurídica: sentido restrito,
amplo ou global. O sentido restrito exclui a integração de lacunas, já que apenas faz
uma interpretação exegética. O sentido amplo reconhece a integração e o global
reconhece a integração e acrescenta a intenção de uma procura constitutiva de critérios
jurídicos.
Seria injusto assumir que um legislador conseguia prever tudo. Como
assumimos esta realidade de humanidade e impossibilidade de um direito que preveja
tudo, temos de reconhecer a possibilidade de lacunas na lei, quanto mais não seja por a
sociedade evoluir mais rápido do que o direito. Quanto às lacunas, consideramos lacuna
uma “incompletude contrária a um plano” de direito vigente (Baptista Machado cita).
Haverá uma lacuna quando, depois de interpretação e indo mesmo ao limite desta, não
existir uma resposta a uma questão numa determinada ordem ou plano do Direito
vigente, melhor dizendo. Vamos utilizar a estrutura de Baptista Machado quanto às
lacunas, sendo que podem estar ao nível das normas, ao nível da teleologia (rationes
legis) e, por fim, ao nível ou na camada dos princípios e valores jurídicos gerais
(rationes iuris). As lacunas de normas ou teleologia são lacunas da lei e são lacunas de
direito as relacionadas com princípios e valores gerais do Direito.
As lacunas ao nível das normas relacionam-se com as contradições normativas,
quando duas normas no mesmo plano se “anulam” ou contradizem. As lacunas
teleológicas dividem-se em lacunas patentes e lacunas latentes. Patentes são as lacunas
que não contém uma regra ou previsão de uma norma que, pela teleologia da norma, se
inseriria na lei, devia ter regulamentação. A lacuna latente ou oculta é aquela lacuna
onde a lei prevê uma regra para um determinado problema mas, analisando a finalidade,
esse problema devia ser tido noutra norma, especial devido ao carater particular da
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situação. A lacuna do Direito, que tem em conta princípios e valores jurídicos gerais
será aquela em que falta um ramo de Direito no seu todo. São constatadas e podem ser
preenchidas com recurso a critérios extralegais. Todos os OJ têm princípios e valores
chave que alicerçam todo um sistema único, sólido e coerente. É natural existirem
lacunas de direito, já que a sociedade se desenvolve mais rapidamente que o Direito.
Quanto às respostas a dar a lacunas, diz-nos o art.º 10º que devemos recorrer à
analogia ou formar uma norma ad hoc, dependendo do caso. Focando no caso em
análise, para recorrer ao art.º 10º CC teríamos de reconhecer uma lacuna. Essa
interpretação parece radical e errada, já que o legislador prevê expressamente a
impossibilidade de um casamento novo quando há um por dissolver, no 1601º/c). Cabe
referir que a interpretação não se cinge ao elemento gramatical, à letra da lei. Há um
espírito da lei, que se divide no elemento histórico, sistemático e teleológico. Uma
interpretação com base na ratio e na letra da lei mostra que não existe uma lacuna, já
que seria contra o nosso sistema e colocaria em causa os princípios fulcrais e basilares
da nossa ordem jurídica (elemento sistemático) e é impensável retirar da disposição, a
nível da sua ratio teleológica, uma interpretação que assume a existência de uma lacuna.
Parece-nos uma interpretação para lá do razoável. Podemos considerar a letra menos
ampla que o espírito e considerar razoável uma interpretação extensiva, no sentido de
proibir o casamento poligâmico. A interpretação extensiva é a interpretação ainda
razoável dentro do espírito da norma, mas que transcende a letra. A ratio é mais extensa
que a letra da lei, mas a meu ver pouco. Uma interpretação noutro sentido ia contra
princípios fulcrais do nosso sistema. Portanto, em ultima ratio, uma interpretação
extensiva prova que não existe uma lacuna e que o casamento poligâmico é, também
ele, um impedimento, com base no espírito do art.º 1601º/c) CC.

III.
Tal como em Savigny, podemos distinguir o pensamento de Ihering em duas
fases.
Ihering começa por defender, na juventude, uma jurisprudência dos conceitos,
mas depois acaba por opor-se a esta para seguir uma jurisprudência pragmática, ou seja,
a recondução ou a conceção de finalidade do direito para a vida, no sentido de obter
respostas aos problemas que se promovem diariamente para o direito. Um Direito
menos sistemático e dogmático e mais pensado na decisão. E esta mutação dá-se pelo
facto de Ihering ter desenvolvido numa primeira fase os pressupostos da jurisprudência
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dos conceitos, mas também pela perceção de que como as contingências temporais, e à
medida que as necessidades avançavam, esta conceção metodológica não conseguia dar
resposta aos problemas concretos que se colocam à sociedade. Esta alteração de
pensamentos está provada e justificada pelo próprio no excerto que analisamos. Justifica
a alteração com o contacto com a vida prática, com os casos práticos. Se numa primeira
fase Ihering tem uma procupação sistemática e pouco filosófica, numa segunda (que é a
que nos interessa) tem uma preocupação pragmática e teleológica, finalística.
Ihering abandona a jurisprudência dos conceitos por perceber que essa
jurisprudência estava ligada ao pré-estabelecido. Aqui a questão é que fim, enquanto
que Kholer já tinha uma perspetiva própria do direito, do fim imanente a si mesmo.
Ihering notou que era impossível construir direito tendo somente em conta a coerência
interna das proposições normativas, sem se preocupar com as situações sociais a que o
direito terá de responder com eficácia. É desta maneira que Ihering chega à conclusão
que o verdadeiro fundador de direito é o fim e que este é, por sua vez, produto de um
conflito de interesses que tem a obrigação de harmonizar. Mais tarde, Ihering diz que o
criador de direito não é os fins em si, mas o que cria esses fins – o legislador. Aqui o
legislador é afastado do Estado, e desloca-se para a sociedade, tornando assim num
representante da vontade geral, da sociedade. Há uma aproximação à jurisprudência dos
Interesses.
Esta visão é muito atual porque Ihering defende a importância da prática, da
perspetiva real e considera importante uma análise pragmática e finalística do Direito, já
que um direito prático é um Direito mais justo e mais focado na resolução de casos
reais. É interessante notar que se aproxima desta teoria finalística quando contacta com
a vida prática e percebe que o Direito será muito mais do que uma análise apriorística
ou um jogo de previsão. O Direito está inundado de situações reais sociais e serve para
lhes dar resposta, para responder com eficácia.
Ihering deixa algumas notas que carregamos hoje. A conceção que temos hoje é
que nos permite atentar as insuficiências do pensamento silogístico. Não é que ele não
nos continue a servir em termos formais, mas somos capazes de mostrar, em função de
uma diferente conceção de direito que entende que o direito se transforma e enriquece
no momento da sua aplicação, que verdadeiramente se realiza e concretiza no seu
momento prático-normativo.

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