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Bibliografia:

- Cassio Scarpinella (PUC/SP)


- Alexandre Câmara
- Fredie Didier
- Daniel Assumpção (volume único)

Site:
www.frediedidier.com.br

INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL

1. O que é processo?

É uma palavra que pode assumir 3 acepções, todas corretas e que não se excluem:

a) Processo como meio de produção de uma norma jurídica


Processo é o método, o meio de se produzir norma. As normas se produzem
processualmente, após um processo.
Por isso se fala em processo legislativo, em processo administrativo, em processo
jurisdicional, em processo privado/negocial (para punir condômino; associado em
associação).

b) Processo como espécie de ato jurídico


Processo é um ato jurídico complexo.
O que é ato jurídico complexo? É um conjunto de atos jurídicos organizados para a
produção de um ato final.
1 cardume = vários peixes
1 ato jurídico complexo = vários atos jurídicos

c) Processo como feixe de relações jurídicas, como conjunto de todas as relações


jurídicas que surgem ao longo do processo
O ato jurídico complexo dá origem a diversas relações jurídicas entre os diversos
sujeitos do processo: autor e réu, juiz e MP, réu e perito, autor e MP, juiz e réu...
Quando se diz que processo é uma relação jurídica, se quer dizer que o processo é um
feixe, um conjunto de todas as relações jurídicas surgidas dos diversos atos jurídicos.

2. Os 3 vetores metodológicos para a compreensão do direito processual civil

Para compreender o direito processual civil, deve-se chegar a ele a partir de 3 vetores:

a) Direito Processual e Teoria Geral do Direito

A teoria do Direito é uma disciplina propedêutica que tem passado por profundas
transformações nos últimos anos. O modo de se conceber a teoria hoje é muito diferente
do que o modo que se via há 20 anos.
Há 6 grandes transformações na teoria do Direito nos últimos anos que produziram
um impacto substancial no estudo do processo. Essas 6 transformações podem ser
divididas em 2 grupos.

 Transformações na teoria das fontes


i. Princípios

Hoje, princípio é encarado como espécie de norma jurídica, ao lado das regras. Se é uma
espécie de norma jurídica e se o Direito é um conjunto de normas jurídicas, esse
conjunto engloba os princípios e as regras.
Normas jurídicas = princípios e regras.
Qual é a conseqüência prática de se dizer que princípio é norma jurídica?
Se é norma jurídica, eu posso formular um pedido, posso fundamentar uma sentença
com base nele. Dele eu posso extrair conseqüências jurídicas.
Problema: para extrair conseqüências jurídicas de um princípio, há uma carga
argumentativa muito maior a ser vencida. É mais difícil extrair uma conseqüência da
dignidade da pessoa humana. Requer muito mais argumentação. Na regra, a
argumentação é mais singela – passou do prazo, passou! Não tem muito o que
argumentar.
Exatamente porque o princípio é norma, não existe mais razão para sustentar a ideia de
que os princípios só podem ser aplicados quando houver lacuna.
Art. 126. O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou
obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as
havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito.
(Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1973)
Em 1973, o princípio servia para preencher lacuna. Esse dispositivo é um fóssil, é letra
morta. O projeto do novo CPC nem fala mais dele.

Erros comuns:
- “Princípios são sempre implícitos”. Não! Existem princípios escritos – devido
processo legal, dignidade da pessoa humana... Não deixam de ser princípios porque são
expressos. Segurança jurídica é implícito.
- “A Constituição é formada somente de princípios”. Não! A Constituição é, em regra,
um conjunto de regras. Existem muito mais regras do que princípios.
- “Só existem princípios constitucionais, todo princípio é norma constitucional”. Não!
Existem princípios infraconstitucionais, basta que a lei o preveja. Ex: o princípio da
menor onerosidade da execução (a execução deve ser menos onerosa possível ao
executado) não está na Constituição.
- “Princípio é toda norma muito importante”. Não! Não tem nada a ver. A motivação
das decisões é uma regra, por exemplo. Não se rebaixa a importância falando que é
regra, e não princípio.

E quando uma regra conflitar com um princípio, qual prevalece?


No conflito entre regra e princípio, prevalece a regra, já que a regra é a solução
predeterminada pelo legislador.
Mas é claro que há situações em que talvez prevaleça o princípio, se a regra não for
razoável no caso concreto. A carga argumentativa é maior (no projeto do novo CPC, há
artigo que cuida da fundamentação através de princípio).
Havendo diferença hierárquica, prevalecerá a superior. Se uma regra infraconstitucional
conflita com um princípio constitucional, este prevalece porque é constitucional, e não
simplesmente porque é princípio.

A ponderação serve para a aplicação de qualquer norma, resolve qualquer conflito:


princípio x princípio; princípio x norma.
OBS: Sobre o tema, o livro Teoria dos Princípios, de Humberto Ávila.

ii. Papel da jurisprudência

Hoje, a jurisprudência é considerada fonte do Direito, ao lado da lei, da Constituição...


Não é mais encarada apenas como forma de compreender o Direito. A jurisprudência
produz Direito. É só olhar para as súmulas para perceber isso.
O projeto do novo CPC tem um capítulo inteiramente dedicado à jurisprudência,
dizendo como pode ser superada, quem atinge, como deve ser interpretada...

iii. Mudança na técnica legislativa

Antigamente, havia a técnica casuística. Houve uma mudança para a técnica da


legislação baseada em cláusulas gerais, que, contudo, não exclui a técnica casuística,
mas sim se associa a ela.
Hoje em dia, o Direito Processual foi “invadido” pelas cláusulas gerais.

O que é cláusula geral?


A cláusula geral é um texto aberto, não casuístico.
Cláusula geral não é uma norma, mas sim um enunciado normativo, um texto, é uma
forma de se redigir a lei.
Um enunciado normativo costuma ter uma hipótese fática e um consequente.
Ex: matar alguém é a hipótese e a conseqüência é a pena de 6 a 20 anos; perda de prazo
de 15 dias é hipótese e conseqüência é a intempestividade.
Cláusula geral é um enunciado normativo construído de maneira aberta em ambos os
extremos: tanto na hipótese quanto no consequente. Quando você lê uma cláusula geral,
você não sabe a que situações ela se refere nem sabe o que acontece quando ela incidir.

Exemplos de cláusulas gerais:

- “A todos é garantido o devido processo legal” é uma cláusula geral. Não se sabe que
hipótese é essa, já que a Constituição não diz o que é um devido processo legal, e não se
sabe a conseqüência da incidência do enunciado. Se não for garantido o devido processo
legal, o que acontece? Não é dito.
As cláusulas gerais abrem o sistema e conferem um poder muito grande ao juiz, já que
terá que concretizar a hipótese e o consequente.

- §5º do artigo 461; artigo 14, II; artigo 1.109; artigo 798.

Cláusula geral x conceito jurídico indeterminado


Cláusula geral é o enunciado todo; o conceito jurídico indeterminado compõe a cláusula
geral. A cláusula geral se vale de conceitos indeterminados.

Cuidado: Às vezes, o legislador produz um enunciado aberto na hipótese, mas fechado


no consequente. Isso acontece muito no CPP.
Exemplo no CPC: prova inequívoca e verossimilhança autorizam tutela antecipada. O
legislador abre na hipótese, já que não determina o que é prova inequívoca e
verossimilhança e fecha no consequente, que é a tutela antecipada.
Quando é assim não é cláusula geral, já que o consequente foi determinado. Para ser
cláusula geral tem que ser aberto nas duas extremidades.
Cláusula geral x princípio
Cláusula geral é enunciado, é texto; princípio é norma.

Qual é a diferença entre enunciado e norma? É a primeira das transformações na


hermenêutica jurídica, a seguir.

 Transformações na hermenêutica jurídica

iv. Distinção entre texto e norma

A norma não é o enunciado, não é o texto. A norma é o que resulta da interpretação do


texto.
Não há problema de existir norma sem texto. Existem normas implícitas!
Assim como existe texto sem norma. Ex: preâmbulo da Constituição - “protegidos por
Deus” não tem conteúdo normativo.
De um mesmo texto podem ser extraídas várias normas.

Ex: Imagine que na sala de aula exista uma placa dizendo “proibido entrada de cão”.
Você tem um rinoceronte de estimação e quer levá-lo para a aula, já que só não pode
entrar com cão. Mas se nem com cão pode entrar, não pode entrar com rinoceronte! Já
um cego, pode entrar com seu cão-guia.

Ex: Imagine uma placa na praia dizendo “proibido utilização de biquíni”. Você pensa:
então a praia é de nudismo. Se pegar essa mesma placa e colocar em Ipanema na década
de 50, você vai pensar: aqui só pode usar maiô. A mesma placa, o mesmo texto, gerando
normas diversas em dois momentos históricos.

Cláusula geral é texto do qual se extraem normas, é técnica de produção de enunciados


normativos em que se indeterminam a hipótese e o consequente normativo, deixando o
sistema aberto, flexível e, portanto, mais perene, já que vai se adaptando às mudanças
históricas; princípio é norma.
Interpretando uma cláusula geral, eu tanto posso extrair um princípio como posso
extrair uma regra.
Da cláusula geral do devido processo legal, extraio a regra da motivação.

OBS: artigo sobre cláusula geral de Judith Martins-Costa, que pode ser encontrado na
internet – “O Direito Privado como um Sistema em Construção”.
Artigo de Didier: “Cláusulas Gerais Processuais”.

v. Quem interpreta, cria

A atividade interpretativa é uma atividade criativa. A interpretação não é mero


reconhecimento de sentido, mas sim atribuição de sentido.
O juiz não declara o Direito, mas reconstrói o Direito.
Por isso, a jurisprudência passou a ser fonte de Direito, já que o juiz produz algo novo.
Cuidado: Essa criatividade do juiz deve ser limitada, para não gerar abuso.

vi. Proporcionalidade e razoabilidade como postulados hermenêuticos


Hoje, não se admite qualquer interpretação. A interpretação tem que ser proporcional,
razoável, para humanizar o Direito e amenizar o formalismo, a interpretação seca.

b) Direito Processual e Direito Constitucional

O Direito Constitucional é o ramo do Direito que mais sofreu mudanças nos últimos 25
anos.
São basicamente 3 mudanças em Direito Constitucional:

i. Reconhecimento da eficácia normativa da Constituição

A Constituição passou a ser vista como um conjunto de normas, não apenas como uma
carta de intenções ou um projeto político.
Hoje, eu posso basear meu pedido só na Constituição.
A Constituição produz efeitos concretos.
Direito Constitucional era desprezado. Os livros de Processo Civil dos anos 80 não
eram pensados à luz da Constituição.
Qual é a importância de relacionar Processo com Constituição?
Para estudar Processo hoje, deve-se compreender que a Constituição tem uma série de
normas processuais de eficácia imediata e as normas infraconstitucionais (CPC) têm que
estar em conformidade com a Constituição.

ii. Reforço na jurisdição constitucional

A jurisdição constitucional foi reforçada. O controle de constitucionalidade no Brasil é


muito valorizado hoje em dia.

Até 1994, em 100 anos de STF, foram ajuizadas 250 ADIs.


20 anos depois, há mais de 7 mil ADIs, revelando flagrante fortalecimento da jurisdição
constitucional.

iii. Surgimento da Teoria dos Direitos Fundamentais

Hoje, se sabe que os direitos fundamentais possuem uma dupla dimensão:


- Dimensão objetiva: os direitos fundamentais são normas - dimensão normativa;
- Dimensão subjetiva: os direitos fundamentais são direitos.
Quando se diz que a todos é garantido o direito ao contraditório, isso é uma norma que
estrutura o ordenamento jurídico.
Mas além de ser norma, gera um direito. João tem direito ao contraditório em seu
processo.

# Relacione processo e direitos fundamentais.


Não há como se compreender o direito processual hoje ignorando o Direito
Constitucional. Uma dessas relações diz respeito aos direitos fundamentais.
De um lado, existem direitos fundamentais de conteúdo processual (contraditório,
proibição de prova ilícita); de outro lado, as normas processuais têm que estar em
conformidade com os direitos fundamentais, isto é, estar em conformidade com a
dimensão objetiva dos direitos fundamentais.
O processo deve ser adequado para bem tutelar os direitos fundamentais, isto é, deve
atender a dimensão subjetiva. Ex: HC tutela a liberdade.
--
As 9 transformações acima mencionadas são indiscutíveis, representam um consenso.
Esse conjunto de transformações, nova fase do pensamento jurídico, é denominado de
algumas formas:

 Pós-positivismo
Crítica: Segundo Didier, dizer que é pós-positivismo é só dizer que veio após o
Positivismo. É uma denominação cronológica que não indica a que se refere. É uma
designação vazia de sentido.
 Neoconstitucionalismo (denominação mais difundida)
Seria essa nova fase caracterizada por essa série de mudanças. “Fale sobre o
neoconstitucionalismo” é uma pergunta clássica.
Crítica: Restringe as mudanças ao plano constitucional, quando as mudanças são
também teóricas.
 Neopositivismo
É um novo Positivismo, um Positivismo reconstruído. Didier prefere essa designação,
embora não seja a mais utilizada.

Hoje, se desenvolve uma crítica ao neoconstitucionalismo.


Essa crítica, contudo, não invalida os 9 aspectos. Apenas serve para tentar impedir os
abusos, as incompreensões, a má aplicação das transformações.

OBS: Sobre o neoconstitucionalismo, texto de Daniel Sarmento –


“Neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades”; texto de Humberto Ávila –
“Neoconstitucionalismo”; texto de George Maurestein – “Teoria da Katchanga”.

A ciência do processo está em uma nova etapa da sua história? Qual é a fase atual na
evolução da ciência do processo?

A ciência do processo passou por 3 fases:

i. Fase do praxismo ou sincretismo


Até meados do século XIX. É a pré-história da ciência do processo. Não havia a ciência
do processo como ramo autônomo. Havia um sincretismo entre processo e direito
material. O estudo do processo era um estudo de prática. O que importava mesmo era o
direito material.

ii. Fase científica ou processualismo


Até meados do século XX. Surgimento da ciência do processo. Construção dos
conceitos fundamentais para que a ciência ganhasse a sua autonomia.
Os alemães, austríacos e italianos construíram a ciência do processo.

iii. Instrumentalismo
Preocupação com a efetividade do processo, com o acesso à justiça. A ciência já estava
construída, mas o processo serve para quê? Atende ao direito material? As pessoas têm
acesso a ele?
O processo tem que estar de acordo com o direito material.
Nesta fase, se busca adjetivar o processo. Tem que ser acessível, adequado, igualitário.
Cuidado: Muitos livros dizem que estamos vivendo ainda o instrumentalismo. Isso é
inaceitável!
Depois de toda a transformação da ciência jurídica (as 9 transformações) impõe-se uma
reconstrução da ciência do processo. É preciso reconstruir a ciência do processo.
Isso não é negar o instrumentalismo porque uma fase não nega a outra.
Estamos vivendo uma fase de reconstrução da ciência do processo.

iv. Neoprocessualismo
FASE ATUAL.
É a que parece melhor para Didier, já que neoprocessualismo remete ao
neoconstitucionalismo. É uma fase de reconstrução. Além disso, essa denominação
lembra o neoconstitucionalismo.
As 9 transformações do neoconstitucionalismo são aplicadas no neoprocessualismo.

OBS: No Rio Grande do Sul, a fase é chamada de formalismo-valorativo (designação de


Carlos Alberto Alvaro de Oliveira). É um direito processual com valor, que se preocupa
com os direitos fundamentais... Essa designação é cobrada em concurso.

c) Direito material

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