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INTERPRETAÇÃO, INTEGRAÇÃO E APLICAÇÃO DAS NORMAS

CONSTITUCIONAIS.

CAPÍTULO I

(interpretação da lei em geral)

Assim como temos de interpretar uma lei qualquer, também há que interpretar a Constituição.
Com essa tarefa passamos da leitura política para a prática, da leitura ideológica ou empírica,
para a leitura jurídica da Constituição. Assim sendo, partimos da letra, mas sem parar nela,
para encontrarmos o sentido, o conteúdo e o espírito da norma.

Não é possível a aplicação da lei sem a sua interpretação prévia, antes de passarmos à
interpretação e aplicação da Constituição, devemos fazer uma abordagem da interpretação da
lei em geral. A lei de um modo geral, é feita para ser aplicada, na prática, a lei é um comando,
para isso, torna-se necessário que a lei seja clara, que tenha um só sentido e que seja coerente
com as demais leis.

Mas há leis que não são tão claras e que da sua interpretação pode resultar mais de um sentido
ou significado, relativamente à essas leis, aquele que tiver a incumbência (encargo) de as
aplicar, fica numa situação embaraçosa. Tais situações resultam do fato de, por vezes, o
legislador diz mais do que pensa e outras vezes, diz menos do que pensa, assim a letra do
texto da lei pode designar mais realidades ou menos realidades do que aquelas que realmente
era sua intenção.

O Código de Estrada, por exemplo, exige cautelas ao motorista sempre que se aproxima de
uma escola. Suponhamos que num domingo, o motorista deduz que não há aulas e passa em
alta velocidade numa escola e atropela uma criança. Ele deduziu que era domingo e que não
havia aulas, mas nessa caso havia uma festa ou uma representação teatral.

Aqui levanta-se o problema de interpretação, assim, antes de aplicar a lei, o juiz tem de ver se
a letra da lei corresponde ao espírito da lei. A interpretação da lei possui dois momentos: o
respeitante à interpretação literal ou gramatical da lei e outro respeitante à interpretação
lógica, racional ou do espírito da lei.

Na interpretação literal, leva-se em conta a construção de frases, retira-se do texto da lei o


significado das palavras, e a pontuação usada (a simples mudança de uma vírgula pode mudar
o sentido do texto da lei);
Na interpretação lógica, o intérprete e aplicador da lei procura atingir o que estava no
espírito do legislador quando ele fez a lei, o ratio legis da lei.

Nem sempre a letra da lei corresponde ao espírito da lei, ou seja, o legislador pode dizer mais
do que pensa ou menos do que pensa. No entanto, quando houver essa correspondência entre
a letra da lei e o espírito da lei, nós estamos perante aquilo que se chama de interpretação
declarativa, mostrando conforme o significado corrente da letra da lei.

Quando diz menos do que pensa, deve-se fazer um interpretação extensiva da lei. Por
exemplo, faz-se uma interpretação extensiva, quando a lei diz que os menores de 18 anos não
podem frequentar, boîtes, dancings e estabelecimentos de diversão noturna (nem todos: só os
não emancipados).

Quando diz mais do que pensa deve-se fazer uma interpretação restritiva da lei, portanto,
faz-se uma interpretação restritiva quando se diz que os pais e avós não podem vender a filhos
ou netos.

CAPÍTULO II

(Interpretação e integração da Constituição)

No que respeita à interpretação de uma Constituição, ela é tão importante para o juiz, quanto
para os cidadãos de um modo geral. Chegar à uma sociedade aberta, de intérpretes
constitucionais, sobretudo no domínio dos direitos fundamentais, pode valer como requisito
de uma rés pública. É uma sociedade que se interessa pela coisa pública e que lhe diz respeito,
mas para esse efeito depara-se desde logo com um conjunto de limitações e dificuldades.

Em primeiro lugar, por haver uma grande variedade de normas constitucionais; Em segundo
lugar pela relativa indeterminação de muitas dessas normas; Terceiro, a linguagem normativa,
assim como a proximidade de factos políticos e a pré-compreensão de cada intérprete num
contexto plural e complexo, pode também representar limitações e dificuldades na
interpretação das normas constitucionais;

Para corrigir todos esses problemas, dificuldades e limitações na interpretação da Constituição


tem se recorrido a um método interpretativo chamado tópica.

Para o método da tópica, quaisquer problemas relacionados com a interpretação e aplicação


da Constituição, têm de ser resolvidos com base em princípios gerais, decisões
jurisprudenciais, e crenças ou opiniões comuns.
A tópico baseia-se assim, num raciocínio indutivo, partindo da resolução dos problemas em
concreto, para a formulação de juízos mais abstratos e genéricos, porém, esse não seria o
melhor método da interpretação da Constituição já que a Constituição divide paredes meias
com a política. Assim, a interpretação constitucional deve ser propiciada (criada) pela
utilização de instrumentos jurídicos específicos e clássicos e estes não têm de se confundir
com pressupostos (teorias) positivistas isto é, baseados apenas no direito escrito.

Ora, isto extravasa (transborda) a formulação de argumentos para problemas específicos, que
é a base da tópica. Além disso, o Direito Constitucional, enquanto uma ordem global e
concebido como ordem de convivência, não deve ser entendido pontualmente ou
casuisticamente, a partir de um problema isolado.

De qualquer forma, a interpretação constitucional não é diferente da que se opera em outras


áreas, tal como sucede com toda a interpretação jurídica, ela está estreitamente conexa com a
aplicação do Direito, destinando-se à conformação da vida, pela norma. É certo que a
interpretação constitucional deve levar necessariamente em conta, fins e condicionalismos de
ordem política.

Por outro lado, não pode visar outra coisa que não sejam os preceitos e princípios jurídicos
que lhes correspondem. A interpretação constitucional tem de olhar para a realidade
constitucional, e saber tomar essa realidade como algo sujeito ao influxo (a influência) da
norma e não como mera realidade de facto. Tem de racionalizar, sem formalizar, tem de
estar atento aos valores, sem dissolver a lei constitucional no subjetivismo ou na emoção
política. Tem de assegurar a coerência e a subsistência do ordenamento jurídico, por
conseguinte a interpretação constitucional tem de ser objetivista e evolutiva, assim existe um
conjunto de pontos de apoio ou diretrizes que se mostram extremamente importantes.

CAPÍTULO III

(Pontos de apoio para a interpretação da Constituição)

De entre esses pontos de apoio, destacam-se o fato de que:

1.º - A Constituição deve ser apreendida como um todo, ela busca uma unidade e uma
harmonia de sentido. O elemento sistemático é chamado para procurar as implicações
recíprocas (bilaterais) de preceitos e de princípios constitucionais em que os fins se traduzem;
Deve-se também situar tais princípios e preceitos e defini-los no seu inter-relacionamento;
Por essa via, procura-se chegar a uma síntese adequada e globalizante, credível e dotada de
energia normativa;

2.º - O chamado fenómeno das contradições de princípios, relaciona-se com essa função
integradora e racionalizadora da interpretação constitucional. Essas contradições são
superadas, nuns casos, através da redução adequada do respetivo alcance e âmbito, através de
cedências de parte a parte e, noutros casos, mediante a preferência ou prioridade na efetivação
de certos princípios face aos restantes (através da coordenação ou através da subordinação);

Há que fazer um esforço de concordância prática assente no critério de proporcionalidade;


Pode assim ter de se solicitar a ponderação ou hierarquização dos valores inerentes aos
princípios constitucionais;

3.º - Há um esforço a fazer, relativamente a conceitos indeterminados, há que determiná-


los e densificá-los, estes têm de ser entendidos sempre na perspetiva dos princípios, valores e
interesses constitucionalmente relevantes. Apesar de se reconhecer ao legislador uma margem
grande de conformação, o certo é que ele não pode transfigurar o conceito de modo que cubra
dimensões essenciais e qualitativamente distintas daquelas que caracterizam a sua intenção
jurídico-normativa, o mesmo que se diz do legislador deve dizer-se também do intérprete.

4.º Conceitos pré-constitucionais ou exógenos, são alguns dos conceitos indeterminados,


provenientes de outros ramos de Direito ou de outras ciências extrajurídicas, com isso
interage largamente, a realidade constitucional. Ora, todos os elementos e conceitos, uma vez
situados em disposições da Constituição formal, têm de ser entendidos em conexão com os
demais. Além do mais, têm de ser analisados tendo em conta quer o seu sentido originário (em
princípio, recebido), quer o que lhe advém da sua colocação sistemática;

5.º Deve-se partir do princípio de que todas as normas constitucionais são verdadeiras
normas jurídicas e que cabe às mesmas desempenhar uma função útil no ordenamento.
Nenhuma norma constitucional deve ser objeto de uma interpretação que lhe retire ou diminua
a sua razão de ser, mais ainda, a uma norma constitucional deve ser atribuído um sentido
capaz de proporcionar-lhe a maior eficácia. Na interação que a norma estabelece com as
outras normas, deve a mesma ser objeto de uma interpretação que lhe confira o máximo de
capacidade de regulamentação.

6.º Mesmo no que respeita às normas programáticas, com todo o seu carácter aberto, ou às
normas não exequíveis por si mesmas, deve-se dar-lhe uma interpretação que lhe confira a
maior eficácia e a máxima capacidade de regulamentação, no seu inter-relacionamento
entre as normas. Tais normas desempenham o seu papel próprio, de um lado, incorporam
objetivos e valores precisos, do outro, propiciam proporcionam ao legislador ordinário uma
margem maior ou menor de concretização e de variação, consoante as conjunturas e opções
políticas;

7.º A interpretação dos preceitos constitucionais deve levar em conta não somente o que
ostentam, explicitamente, como também, no que implicitamente deles resulta. Todavia, a
eficácia implícita de quaisquer preceitos constitucionais deve ser pensada em conjugação
com a eficácia implícita ou explícita de outros comandos. é isso que sucede, nomeadamente,
no domínio das competências dos órgãos, onde é usual falar-se em poderes implícitos.

8.º Todas as normas da Constituição devem ser tomadas como normas da Constituição
atual, isto é, da Constituição que temos e não como normas da Constituição futura.
Obviamente que a Constituição futura não vincula poderia vincular, desta ou daquela
maneira, os órgãos e o legislador ordinário, nem pode impor o impossível aos seus
destinatários.

9.º Na interpretação dos preceitos constitucionais, é legítimo e conveniente considerar o


modo como são aplicados na prática, essa aplicação na prática é efetivada através da lei e
das decisões dos tribunais. Todavia, não é o sentido decorrente dessa aplicação, que deverá ser
acolhido, não é a Constituição deve ser interpretada de acordo com a lei, mas sim, a lei é que
deve ser interpretada de acordo com a Constituição.

Há uma norma jurídica no Código Civil que pode ser considerada uma regra substancialmente
constitucional, trata-se de uma regra dotada de um valor do costume constitucional, ou se
quisermos, do costume Praeter legem. Trata-se da norma do artigo 9.º do Código Civil, que
de certo modo, condiciona o intérprete da Constituição;

A validade e a eficácia desta norma resultam do facto de traduzir uma vontade legislativa não
contrariada por nenhumas outras disposições legais, a respeito da interpretação a que diz
respeito.

Diz o artigo 9.º do Código Civil:

1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos, o
pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as
circunstâncias em que alei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é
aplicada.
2. Não pode, porém ser considerada pelo intérprete o pensamento legislativo que não
tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que,
imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador
consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos
adequados.

Interpretação autêntica da Constituição

De harmonia com os princípios, interpretação autêntica só pode ser feita por lei com força
constitucional, ou seja, tratando-se de Constituição rígida, a interpretação autêntica terá de ser
feita por lei pelo processo peculiar de revisão e não por lei ordinária, pois a lei ordinária não
tem capacidade ou força jurídica para tal. Assim ainda acontece quando a própria Constituição
prescreva o exercício de certo direito ou o tratamento de certo instituto, “nos termos da lei”,
aqui não há desconstitucionalização e, muito menos, a delegação de poder constituinte no
poder legislativo;

Essa lei deve conformar-se com os parâmetros da Constituição e estar sujeita, como qualquer
outra lei, ao juízo da constitucionalidade e à interpretação que este juízo pressupõe. Tão
pouco é interpretação autêntica, a levada pelos órgãos de fiscalização da constitucionalidade,
mesmo em sistema de concentração de competência. Por relevante que seja o entendimento
adotado, designadamente por um tribunal constitucional, ele não é, no seu plano específico,
diferente da de qualquer outra interpretação doutrinal;

Interpretação conforme com a Constituição - está relacionada com o elemento sistemático


da interpretação com referência à Constituição, com efeito cada norma terá de ser captada não
apenas no conjunto das normas da mesma lei, mas também no conjunto de toda a ordem
legislativa. De igual modo tem de ser considerada no contexto da ordem constitucional.
Efetivamente a esfera de ação da ordem constitucional funciona como centro de energias
dinamizadoras das demais normas da ordem jurídica positiva.

No que respeita às normas do Direito internacional cabe frisar que o próprio Direito
internacional coloca problemas de interpretação, que não deverão ser opostas, no essencial,
com o que vigora no direito interno. Por outro lado, a interpretação dos Tratados e acordos
internacionais tem de ser harmonizada entre os diferentes Estados partes que subscreveram ou
ratificaram esses mesmos Tratados e Acordos.

A interpretação conforme com a Constituição não pode afetar o objeto e o fim deste ou
daquele tratado. Por outro lado, num alcance mais específica, convém realçar que a
interpretação conforme com a Constituição implica que os preceitos do Tratado ou Acordo
internacionais, não devem comportar normas inconstitucionais;

A interpretação conforme com a Constituição implica uma posição ativa e quase criadora do
controlo constitucional, também implica a autonomia dos órgãos das entidades que a
promovem em face dos órgãos legislativos. No entanto, tal tipo de interpretação implica um
mínimo de base na letra da lei. Deve-se atender, neste particular, ao facto de que o legislador
ordinário acolheu critérios e soluções opostos aos critérios e soluções do legislador
constituinte.

CAPÍTULO V

(A segurança como um dos fins do Direito)

Ao Estado interessa o seguinte:

1. Que a vida social se processe sem sobressaltos;


2. Que a sociedade possa atingir a sua própria finalidade;
3. Que as relações entre os homens se desenrolem de forma harmoniosa e pacífica;

Por isso os órgãos do Estado criam um corpo de normas jurídicas destinadas a garantir a
melhor convivência social, normas que resolvam os conflitos, quer prevenindo-os, quer
evitando-os. Normas que promovam a paz social, orientada para a máxima justiça em máxima
segurança. A expressão segurança pode ser utilizada em 4 sentidos:

1. Segurança equivalendo à paz - a segurança neste sentido propõe que as relações


entre os membros de uma sociedade devam decorrer habitualmente sem violência, em
que cada indivíduo está protegido contra a agressão dos demais; O sistema jurídica
estadual é um mecanismo de paz social; No entanto há situações em que não se
consegue alcançar completamente esse objetivo; É o que sucede por exemplo nos
conflitos entre Estados ou nações; Não foi possível até esta encontrar um meio seguro
de imposição de uma solução pacífica nos conflitos entre os Estados.
2. Segurança equivalendo à certeza nas relações jurídicas - isso quer dizer que o
Direito do Estado deve ser certo e determinar com precisão aquilo que proíbe ou
autoriza;
Deve também ser certo nas consequências legais como consequência do não
cumprimento das normas jurídicas; Assim tais normas devem ser devidamente
conhecidas pelos cidadãos; Todavia esse conhecimento não deve nem pode ser
absoluto;
Muitas pessoas poderiam invocar o desconhecimento das normas para prevaricarem;
Com efeito, a ignorância da lei não beneficia o infrator; Assim ninguém deve deixar de
cumprir as obrigações impostas por lei, sob o pretexto da ignorância da mesma.
3. Segurança equivalendo à estabilidade nas relações jurídicas - isto quer dizer que o
Direito do Estado deve ser estável e deve dar confiança às pessoas; As pessoas devem
sentir-se protegidas e seguras no seu comportamento e saberem com o que podem
contar;
Assim, por exemplo, as leis são feitas para o futuro; Não haveria estabilidade se as leis
viessem regular situações passadas.

4. Segurança equivalente à proteção contra abusos do poder - para que haja


segurança importa que o Direito do Estado proteja eficazmente os direitos
fundamentais e os interesses básicos dos cidadãos; A segurança contra os abusos do
poder deve provir da existência de tribunais eficientes e independentes do próprio
poder, aonde se possa recorrer.

Essa proteção é dirigida contra o abuso do poder seja ele proveniente do órgão
legislativo, executivo ou administrativo do Estado. Os Estados modernos atualmente
se preocupam em criar mecanismos para que essa proteção dos cidadãos seja cada vez
mais efetiva e eficiente. Cabe ao Estado garantir o bem-estar dos cidadãos e a sua
proteção nas suas condições materiais de vida, contra a doença, a miséria, contra o
trabalho excessivo etc.

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