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1. Distinga interpretação extensiva e interpretação corretiva.

Tendo em conta a distinção básica entre a “letra” e o espírito da lei, podemos chegar ao resultado onde a letra, também no seu significado natural ou mais
correto, é menos ampla do que o espírito. Esta trata-se de uma interpretação extensiva, mutatis mutandis, alarga-se o sentido natural da lei, mas dentro dos
seus significados possíveis, para obter, inversamente, a mesma coincidência. Este resultado cabe no quadro da interpretação dogmática, fosse ela de
orientação subjetivista ou objetivista.
Assim, com a acentuação da interpretação teleológica, os resultados enriqueceram-se de outros tipos de grande relevo prático, como a interpretação
corretiva, inicialmente proposta pela jurisprudência dos interesses, e depois geralmente aceite, pela qual se admite que o intérprete sacrifique o texto da lei
para realizar a intenção prática da sua norma sempre que, em virtude da alteração das circunstâncias que tivessem sido determinantes da formulação da lei,
o respeito pelo teor verbal implicasse a frustração da intenção normativa (Baptista Machado considera este como um caso de interpretação revogatória).
Analogamente se faz a redução teleológica e extensão teleológica. A primeira é reduzir ou excluir do campo de aplicação de uma norma casos que estão
abrangidos pela sua letra, com fundamento na teleologia imanente à mesma norma. A segunda é alargar o campo de aplicação normal, definido pelo texto,
com fundamento na sua imanente teleologia, a casos que por aquele texto não estariam formalmente abrangidos.
A redução e extensão teleológica não se confundem, respetivamente, com a interpretação restritiva e com a interpretação extensiva, porque o que se
verifica nas primeiras não é já a procura da adequação ou de uma final correspondência entre a letra e o espírito, entre texto e pensamento normativo, mas
sim de uma correção do texto fundada teleologicamente, prosseguindo a interpretação para além dos sentidos possíveis do texto. Abandona-se o sentido
puramente exegético da interpretação e assume-se um sentido verdadeiramente prático-normativo na Interpretação Jurídica.

2. Distinga actualismo e historicismo interpretativos.


No âmbito da metodologia do direito, o atualismo interpretativo e o historicismo interpretativo são duas abordagens distintas para a interpretação e
compreensão do direito.
O atualismo interpretativo é uma abordagem que enfatiza a importância de levar em consideração o contexto atual e as circunstâncias contemporâneas ao
interpretar o direito. De acordo com essa perspetiva, o significado e o propósito das normas jurídicas devem ser determinados levando-se em conta as
condições atuais e as necessidades da sociedade. O atualismo interpretativo busca uma interpretação flexível e adaptável do direito, com o objetivo de
torná-lo relevante e efetivo no contexto presente. Assim, os intérpretes buscam compreender as normas jurídicas à luz das preocupações atuais e aplicá-las
de maneira que atendam às necessidades contemporâneas.
Por outro lado, o historicismo interpretativo é uma abordagem que enfatiza a importância de levar em consideração o contexto histórico e as circunstâncias
históricas ao interpretar o direito. Segundo essa perspetiva, o significado e o propósito das normas jurídicas devem ser determinados levando-se em conta o
contexto em que foram criadas e o pensamento dos legisladores ou autores originais. O historicismo interpretativo busca uma interpretação mais
conservadora e estática do direito, com o objetivo de preservar a coerência e a estabilidade do sistema jurídico ao longo do tempo. Assim, os intérpretes
buscam compreender as normas jurídicas à luz do pensamento e das intenções dos seus criadores originais.
Em resumo, o atualismo interpretativo enfatiza o contexto atual e as necessidades contemporâneas na interpretação do direito, enquanto o historicismo
interpretativo enfatiza o contexto histórico e as intenções originais dos legisladores. Essas abordagens diferem em sua ênfase temporal e nas considerações
relevantes para a interpretação do direito.

3. “A doutrina do direito natural [racionalista] e o positivismo legalista distinguem-se, é certo, do ponto de vista da ontologia subjacente, pela
conceção sobre a razão de ser, a validade do Direito [...]. Do ponto de vista teórico e metodológico, igualam-se na compreensão do processo de
determinação do direito”.
Tendo em consideração o excerto, reflita sobre a atinência metodológica, que não ontológica, da Jurisprudência dos conceitos com o positivismo
legalista.
Resposta:
A citação sugere que a doutrina do direito natural, baseada em princípios racionais e universais, e o positivismo legalista, que enfatiza a validade do direito
positivo estabelecido, diferem em termos de sua ontologia subjacente, ou seja, em relação à natureza e fundamentos do direito. No entanto, a citação
também destaca que, do ponto de vista teórico e metodológico, essas abordagens se igualam na compreensão do processo de determinação do direito.
O grande autor da jurisprudência dos conceitos é Puchta, discípulo de Savigny, que defende a construção da realidade jurídica através de regras lógicas que
permitam a interligação de vários conceitos. Quer isto dizer que a base desta teoria são, então, os conceitos.
Puchta acreditava que existem determinados conceitos que ainda não foram atingidos pela legislação e, consequentemente, pelo espírito do povo. Todavia,
estes serão descobertos pela ciência dogmática, que tem como base conceitos gerais e abstratos, havendo então um raciocínio lógico-dedutivo. Está em
causa a função construtiva da dogmática conceitual.
O pensamento de Puchta parte da ideia da configuração de uma pirâmide conceitual, onde no topo está o conceito mais geral e abstrato e na base estão os
conceitos mais específicos, ou seja, os mais gerais e abstratos. Estes conceitos que se encontram no topo da pirâmide são de direito subjetivo, ou seja, trata-
se do poder e da faculdade reconhecida pela ordem jurídica de exigir ou pretender de alguém um dado comportamento. Segundo o autor, a validade e a
legitimidade do direito estavam determinadas pelo racionalismo, pelo que uma norma só era válida se racional, o que significa que não interessa o
verdadeiro objetivo do legislador.
À medida que vamos descendo pela pirâmide encontramos conceitos mais específicos e concretos, pelo que a sua substância ética se vai diluindo. Quer isto
dizer que os conceitos que se afastam do topo acabam por ir perdendo os fundamentos lógicos, pelo que obedecem apenas a uma racionalidade que, de
certa forma, se distancia das necessidades sociais que o direito deveria responder. A jurisprudência dos conceitos dá mais importância à coerência interna
da norma e acaba por se esquecer da adequação material.
Referir ainda que a validade e a legitimidade dos conceitos encontram-se ligados pelo racionalismo, ou seja, uma norma só é verdadeiramente válida se for
racional, pelo que não interessa o objetivo que o legislador tinha aquando da sua criação.
Com o surgimento do positivismo legalista, a interpretação jurídica passou a ser centrada na interpretação da lei. Segundo essa perspetiva, a lei é vista
como o objeto principal da interpretação, e o foco recai no texto da lei em si. No entanto, essa posição já não é considerada aceitável atualmente.
O significado normativo da interpretação jurídica requer que o objeto da interpretação esteja relacionado ao significado normativo e, portanto, se traduza
no objeto intencional do problema em questão. Isso significa que o objeto da interpretação jurídica não é o objeto formalmente significativo, que é o texto
da lei em si, mas sim a norma que esse texto pretende expressar. O texto da lei é considerado um objeto intencional e não apenas formal.
No entanto, apesar dessa diferença ontológica, a atinência metodológica da Jurisprudência dos conceitos no âmbito do positivismo legalista pode ser
entendida como uma maneira de interpretar e aplicar o direito positivo de forma mais ampla e substancial. A Jurisprudência dos conceitos busca identificar
os princípios e valores subjacentes às normas jurídicas, buscando uma compreensão mais profunda e abrangente do direito, além do texto estrito das leis.
Em suma, embora o positivismo legalista e a Jurisprudência dos conceitos possam ter pressupostos ontológicos diferentes, eles podem ser considerados
complementares do ponto de vista metodológico, permitindo uma abordagem mais ampla e substancial na interpretação e compreensão do direito positivo.

4. Aponte as notas diferenciadoras da Jurisprudência dos Interesses e do Movimento do Direito Livre, caracterizando devidamente ambas as
correntes.
Resposta:
Foi uma corrente que surgiu no século XX, tendo como principal objetivo superar a racionalidade lógica, dogmática e dedutiva que se vivia até então com a
jurisprudência dos conceitos. Esta escola foi baseada no pensamento de Ihering, sendo um dos seus autores Heck. Heck defende a necessidade da
existência de um nexo causal entre o conteúdo material das normas e os conflitos de interesses presentes na sociedade, pelo que estão em causa as
finalidades sociais, sendo estas criadoras do direito. Esta escola gira em torno dos interesses e, muitas vezes, estes interesses chocam entre si, pelo que é o
direito que tem a função de os harmonizar.
A escola em causa apresenta como principais caraterísticas metodológicas, desde logo, a substituição de uma intenção formalista e lógica por uma intenção
material e finalista. O direito passou a ser visto como um sistema autossuficiente, coerente e pleno.
Esta corrente entendia que a decisão concreta faz parte do momento de realização de direito e, subsequentemente, assume uma importância metodológica
particular. Desde logo, ordem jurídica é constituída por leis e pela sua aplicação.
A presente escola admite a existência de fatores normativos extratextuais, sejam os interesses, os fins, ou até mesmo valores, como critérios preponderantes
na determinação de sentidos jurídicos. Quer isto dizer que para determinar o sentido de uma norma é necessário deitar mão de elementos que estão para lá
da letra da lei. Por fim, referir que metodologicamente esta escola aceita a alteração dos valores do direito, devendo estes seguir os valores da justiça
material. Referir que, apesar disso, não devem nem podem ser postos de lado os valores da segurança e da certeza jurídica.
Segundo Heck, não devemos ser extremistas, tendo apenas em conta um ou outro valor, pois é necessário que haja um equilíbrio e uma concordância entre
os valores da justiça material e a segurança e certeza jurídicas. Contudo, se houvesse necessidade de se afastar de uma das intenções, para o autor seria a
adequação material.
O direito e as próprias leis devem ser perspetivados tendo em conta os interesses em causa, ou seja, os interesses na base da criação da respetiva norma. A
jurisprudência dos interesses defende que a aplicação do direito passa por um raciocínio de analogia, admitindo-se, portanto, a interpretação corretiva
sempre que a lei fosse contrária ao espírito.
Referir que esta escola tem como postulado o princípio da obediência à lei, embora esta seja uma obediência inteligente e ponderada por parte do julgador.
Contudo, importa mencionar que o julgador não pode deixar de respeitar as leis, pelo que deve encontrar a decisão judicial nas normas, e não nas normas
da decisão judicial. Está em causa a autonomia da sociedade representada pela figura do legislador.
Todavia, esta teoria foi criticada devido ás suas insuficiências, de base sociológica (não há doutrinamento sobre a noção de interesses), criteriológica
(interesses são usados ora como critérios de decisão, ora como interesses causais), sistemática (ausência de fundamentos e critérios normativos aceitáveis
pelo julgador, pelo que a consciência de sistema é posta em causa) e naturalista positivista (uma vez que nunca houve uma total separação do
juspositivismo).
Por outro lado, a Escola do Direito Livre, surge no início do século XX, recebendo uma forte influência da escola da jurisprudência dos interesses. Reflete
sobre a importância das fontes jurídicas extralegais e sobre a existência das lacunas da lei. Segundo Kantorowicz, a lei tem tantas lacunas quanto palavras.
No que concerne às lacunas, o julgador tem total liberdade para procurar no direito a solução que achasse mais pertinente para resolver a problemática das
lacunas.
Em sentido lato, o direito livre é aquele que está para além das leis positivadas, tendo, contudo, força jurídico-normativa. Tendo em conta um sentido mais
restrito, o direito livre é visto como o direito que emana da natureza das coisas, e como o direito que é produto da criação dos julgadores, quando recorrem
ao seu sentido de justiça e a critérios normativos extralegais, para resolver uma dada questão.
Esta escola tem vertentes em comum com a jurisprudência dos interesses, mas divergem em alguns pontos. Para esta Escola, o fator primordial da
formação do direito é, sem dúvida, a decisão judicial, pelo que o direito é visto como um conjunto de decisões, não de normas. Ademais, o fundamento
criador de direito não está na razão, mas sim na vontade, ou seja, o legislador deve recorrer a uma instituição axiológica emocional e ao seu sentido de
justiça. O primado metodológico está na decisão, ou seja, o juiz toma uma decisão e só posteriormente fundamenta a mesma, recorrendo às normas.
Por fim, cabe ainda mencionar que a Escola Livre do Direito reconhece as decisões contra legem em casos excecionais, nomeadamente quando existe uma
norma com consequência trágica num determinado caso, pelo que se presume que caso o legislador estivesse perante aquela situação, nunca teria legislado
daquele modo.
Esta escola não conseguiu ultrapassar a jurisprudência dos interesses, uma vez que pôs excessivamente de lado o direito legislado, dado ênfase apenas à
justiça material, chegando a um extremo.

5. Relacione interpretação, lacunas e proibição de non liquet.


Resposta:
A interpretação jurídica reflete a conceção fundamental do direito de cada época e pressupõe o contexto cultural dos juristas. É orientada pelos imediatos
objetivos práticos da realização do direito, que estão em mutação, sendo por isso a interpretação problemática.
Em termos amplos, é a determinação do sentido normativo de uma fonte única. Em termos estritos, é o ato metodológico de determinação do sentido
jurídico normativo de uma fonte jurídica de modo a obter um critério jurídico, no âmbito de uma realização problemática do direito e enquanto momento
normativo metodológico dessa mesma realização. Assim, o critério normativo só pode ser oferecido por mediação da interpretação. O nexo entre a norma e
a interpretação é incindível – círculo metodológico.
Quanto às lacunas, consideramos lacuna uma “incompletude contrária a um plano” de direito vigente (Baptista Machado cita). Haverá uma lacuna quando,
depois de interpretação e indo mesmo ao limite desta, não existir uma resposta a uma questão numa determinada ordem ou plano do Direito vigente,
melhor dizendo.
A proibição de decisão de non liquet significa que é vedado ao juiz se recusar a decidir um caso alegando que não há norma jurídica aplicável. Essa
proibição está relacionada à ideia de que o juiz tem o dever de fornecer uma resposta jurídica para cada caso que lhe é apresentado. A proibição de decisão
de non liquet busca garantir a segurança jurídica e a previsibilidade no sistema jurídico, evitando o vácuo normativo.
Dessa forma, a interpretação desempenha um papel fundamental na abordagem das lacunas. Quando uma lacuna é identificada, os juristas recorrem aos
métodos interpretativos para preencher essa lacuna, buscando entender a intenção do legislador, os princípios gerais do direito e a lógica sistêmica do
ordenamento jurídico. A interpretação adequada pode ajudar a superar as lacunas e fornecer uma resposta legalmente válida.
A proibição de decisão de non liquet complementa essa abordagem, estabelecendo que o juiz não pode se recusar a decidir um caso alegando a inexistência
de norma aplicável. Isso significa que o juiz, ao deparar-se com uma lacuna, deve fazer uso dos métodos interpretativos e das fontes do direito disponíveis
para preencher essa lacuna e fornecer uma resposta legalmente fundamentada.

6. Explique a conceção “interpretação conforme a Constituição” segundo Larenz.


A conceção de "interpretação conforme à constituição" segundo o jurista alemão Karl Larenz está inserida na metodologia do Direito e refere-se a um
método de interpretação das normas jurídicas em conformidade com a Constituição.
De acordo com Larenz, a interpretação conforme à constituição é um princípio hermenêutico que visa garantir a máxima compatibilidade das normas
jurídicas com os princípios e as normas fundamentais estabelecidas na Constituição de um determinado país. Esse método de interpretação é especialmente
aplicável quando surge uma possível contradição entre uma norma jurídica e a Constituição.
O princípio da interpretação conforme à constituição parte do pressuposto de que a Constituição é a norma fundamental e suprema de um sistema jurídico,
possuindo um valor normativo superior em relação às demais normas. Portanto, quando há uma aparente contradição entre uma norma infraconstitucional e
a Constituição, o objetivo é interpretar a norma de modo a torná-la compatível com os princípios e as normas constitucionais.
Esse método de interpretação busca evitar a declaração de inconstitucionalidade de uma norma, que seria o resultado caso a norma fosse interpretada de
maneira incompatível com a Constituição. Em vez disso, a interpretação conforme à constituição busca encontrar uma interpretação possível da norma que
a torne compatível com a Constituição, preservando sua validade e aplicabilidade.
Para Larenz, a interpretação conforme à constituição é uma forma de harmonização entre as normas infraconstitucionais e a Constituição, garantindo a
coerência e a unidade do ordenamento jurídico. Esse método de interpretação reflete a ideia de que as normas devem ser interpretadas em conjunto,
considerando-se a hierarquia normativa e a primazia da Constituição.
Em resumo, a conceção de "interpretação conforme à constituição" segundo Larenz é um método de interpretação que visa conciliar as normas
infraconstitucionais com os princípios e as normas fundamentais estabelecidas na Constituição. Esse método busca evitar a inconstitucionalidade de
normas, interpretando-as de modo a torná-las compatíveis com a Constituição, preservando sua validade e aplicabilidade.

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