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1. Comente a seguinte afirmação: “As normas de aplicação imediata são um método autónomo de regulamentação das questões privadas-internacionais.

Todavia, apenas se
pode considerar a atribuição de efeitos a normas de aplicação imediata do foro e não a normas de aplicação imediata estrangeiras.”As normas de aplicação imediata são
materiais espacialmente autolimitadas que, pelo fim social que visam atingir e pela intensidade valorativa que revestem, reclamam a sua aplicação independentemente do âmbito
de competência da ordem jurídica a que pertencem, derrogando o sistema conflitual geral do Estado do foro. Estas normas têm uma força tal que vão poder afastar a lei
normalmente competente para resolver a questão privada internacional, daí que se diga que sejam normas à prova de conflitos, uma vez que elas afastam o próprio direito
conflitual (vão afastar a solução a que chegaríamos se aplicássemos as normas de conflitos). As NAI são normas materiais (vão dar-nos a solução material para o caso concreto em
oposição às normas de conflitos que são meramente formais, isto porque apenas indicam a lei competente para resolver o litígio); podem revestir natureza pública ou privada;
normas imperativas; normas que vão reclamar a sua aplicação ao caso concreto, explicitamente (ART. 2223.º CC) ou implicitamente (ART. 57.º CRP); a vontade de aplicação destas
ao caso concreto pode decorrer de uma norma de conflitos unilateral ou dos próprios princípios gerais do Direito Internacional Privado; refletem a intervenção do Estado,
tutelando interesses sociais que a ordem pública considera importantes e que carecem de uma proteção mais forte do que aquela que seria atingida pela mera aplicação de
normas de conflitos; variedade (encontram-se em várias áreas do direito); caráter de territorialidade (resulta da ligação íntima aos interesses nacionais dos Estados, interesses
esses que se considera que só se podem alcançar com a aplicação desta norma); relatividade espacial e temporal (o tipo de fins sociais ou valores que estas normas visam atingir
varia de Estado para Estado, em função de circunstâncias particulares e da própria conjuntura temporal), autonomia face ao sistema conflitual do Estado do foro (estas podem ser
aplicadas independentemente da solução a que chegaríamos pela aplicação da norma de conflitos); caráter excecional (normas materiais que vão atuar excecionalmente na
regulamentação das relações jurídicas privadas internacionais); além de terem a solução para o caso concreto, elas definem a própria conexão que vai demonstrar a relação entre
a situação plurilocalizada e o Estado da ordem jurídica do foro. Através dos princípios fundamentais (segurança e certeza jurídicas, conexão mais estreita, harmonia de julgados)
nós podemos retirar a vontade de aplicação de uma norma enquanto NAI. Ou esta resulta de uma norma de conflitos unilateral ou de uma regra auxiliar, etc. Efeitos das NAI – Na
relação entre a NAI e as normas materiais da lei aplicável podemos ter uma aplicação efetiva, e esta pode ser em cumulação (aplica-se a NAI juntamente com as normas BRUNA
FERNANDES | A85107 2 materiais da lei aplicável competente para resolver a situação (quando se estão a discutir várias questões e uma delas é regulada por uma NAI, enquanto
que a outra é regulada pela lege causae); primazia (as NAI atuam com primazia sobre as normas materiais da lei aplicável) ou atuação das NAI em combinação com as normas
matérias da lei aplicável. Estes efeitos vão variar consoante a NAI pertença ao ordenamento jurídico do foro (quando pertencem ao ordenamento jurídico do foro, não se levantam
muitos problemas na sua aplicação; neste caso, vai atuar com prioridade face às normas materiais da lei aplicável, face ao sistema conflitual, desde que haja a conexão para que
esta se possa aplicar) ou ao ordenamento jurídico estrangeiro (quando estão em causa NAI estrangeiras, a regra é que não há obrigação de reconhecimento de efeitos, isto é, cada
Estado é que estabelece as condições de reconhecimento ou não de efeitos, através de normas de reconhecimento). Neste último caso, quanto à lei aplicável, nós podemos ter
duas situações: pode pertencer à lei aplicável e estar dentro do âmbito de competência dessa mesma lei (vamos aplicar a NAI como qualquer outra regra material da lei
competente para resolver a questão; não faz diferença ser uma NAI ou não, aplica-se a solução material) ou pode pertencer à lei aplicável, mas está fora do seu âmbito de
competência ou então pertence a outro Estado (a regra geral é que não há a obrigação de reconhecimento, os Estados não estão obrigados a reconhecer efeitos a estas NAI; as
condições em que cada Estado está disposto a reconhecer os efeitos estão previstas em normas de reconhecimento de NAI. Contudo, nos casos em que não existam estas normas
de reconhecimento de NAI, a doutrina entende que podemos reconhecer efeitos às NAI estrangeiras com base na cooperação entre os Estados e na vocação universalista do
Direito Internacional Privado, e com base em certos princípios gerais do Direito Internacional Privado como a tutela da confiança, a harmonia de julgados ou a unidade e coerência
das normas jurídicas – neste caso, estas NAI não se aplicam porque elas se querem aplicar, mas aplicam-se porque o Estado do foro reconhece um interesse paralelo em aplicar
aquela norma; além disso, é exigida, mais uma vez, uma ligação com a norma jurídica. Aplica-se a norma estrangeira, mas as condições são estabelecidas pelo Estado do foro; no
entanto, se a NAI estrangeira colocar em causa interesses do Estado do foro e/ou valores fundamentais, não se reconhecem os seus efeitos). Há uma divergência doutrinal quanto
à questão de saber se as NAI se integram no método substancialista ou conflitualista: ANTÓNIO MARQUES DOS SANTOS (método substancialista): conceção que defende as NAI
como um método autónomo face ao sistema conflitual, ou seja, enquadra-as num método substancialista ou material (afasta-as do método conflitual e insere-as no método
substancialista); para além disso, para o autor, além do caráter de autonomia (dizem como se querem aplicar) também a própria densidade valorativa das normas, o facto de ser
uma norma material que regula diretamente a questão, aproxima-as do método substancialista; DÁRIO MOURA VICENTE (método conflitual): integra as NAI num método conflitual
pelo facto de estas terem uma conexão, dizendo que estas necessitam de uma norma de cariz conflitual; ANABELA GONÇALVES (figura híbrida): defende que as NAI são uma figura
híbrida e que estas ocupam uma posição intermédia entre o método conflitual e o método substancialista. Assim sendo, as NAI têm características dos dois métodos, logo têm de
ser encaradas como um método autónomo do conflitual e que é tendencialmente substancialista. Efetivamente, a intervenção da NAI depende da verificação no caso concreto de
uma conexão, sendo esta conexão a que vai traduzir a ligação com a ordem jurídica em causa. É uma conexão definida previamente pelo legislador (implícita ou explicitamente).
Contudo, a definição desta conexão não obedece à lógica tradicional do método conflitual (a lógica tradicional definia as conexões em função da lei melhor localizada – procura da
sede jurídica). Neste caso, o que a define é um fundamento material, isto é, a obtenção de determinados fins objetivos considerados essenciais para o Estado em cuja ordem
jurídica se insere aquela NAI e não a lógica da procura da lei melhor localizada, daí o funcionamento da NAI ser diferente. Além disso, a NAI é uma norma mista, isto porque
contém a solução material, mas também a própria conexão. Na lógica de funcionamento das NAI nós partimos da análise do conteúdo dos fins e do interesse subjacente à norma
material para definir as condições da sua aplicação. Pelo contrário, no caso das normas de conflitos nós partimos da relação jurídica para definir qual a lei melhor localizada para
resolver em abstrato a questão. Em suma, as NAI são uma figura híbrida, dado que vão buscar algumas caraterísticas aos dois métodos. Por este motivo não podem ser
consideradas exclusivamente substancialistas, mas tendencialmente, não obstante a existência da questão da conexão que vai buscar caraterísticas ao método conflitual. As NAI
estão para o método substancialista ou material como as normas de conflitos materiais estão para o método conflitual: ambas representam uma evolução na regulamentação das
questões jurídicas privadas internacionais.

2. Explique quais os princípios gerais de interpretação e aplicação do elemento de conexão, não esquecendo de explicar as especificidades suscitadas pela interpretação e
aplicação do elemento de conexão nacionalidade. O elemento de conexão constitui o elemento que vai ligar a previsão da norma e a sua consequência jurídica, isto é, é o
elemento individualizador da norma de conflitos, aquela que vai indicar a norma jurídica potencialmente aplicável ao caso. Assim sendo, para designar esta ordem jurídica, a
norma de conflitos socorre-se de conceitos técnico-jurídicos, cujo sentido e alcance se obtém por aplicação de outras regras jurídicas. São exemplos de elementos de conexão a
nacionalidade, a residência, o lugar da prática do ato jurídico, etc. Contudo, a interpretação e aplicação do elemento de conexão suscitam três problemas: como interpretamos
este elemento de conexão?; Como concretizamos o elemento de conexão?; e, por fim, como resolver quando o elemento de conexão tem vários conteúdos ou uma ausência de
conteúdo. Em primeiro lugar, o elemento de conexão deve ser interpretado de acordo com a ordem jurídica à qual pertence a norma de conflitos. Por exemplo, ART. 25.º e 31.º CC.
Temos de interpretar de acordo com a ordem jurídica portuguesa. Para a ordem jurídica portuguesa, a nacionalidade é o vínculo jurídico-político que liga um indivíduo a um
Estado soberano. Para nós, a nacionalidade secundária não é relevante (para outros países já é relevante). Posto isto, é em função da ordem jurídica onde está a norma de
conflitos que vamos interpretar o elemento de conexão, já que o significado destes conceitos pode variar de país para país. Em segundo lugar, a interpretação deve ser feita de
acordo com a ordem jurídica designada pela norma de conflitos, de acordo com a lex causae. Por exemplo, para saber se alguém é nacional do país A, B ou C temos de perguntar à
lei de A, B ou C. Neste sentido, há dois princípios fundamentais: princípio da liberdade de cada Estado para dizer quem são os seus nacionais (este princípio integra o núcleo de
soberania de cada Estado e está previsto no ART. 3.º da Convenção Europeia sobre a nacionalidade; as normas relativas à nacionalidade não são bilateralizáveis) e princípio da
efetividade (para que a nacionalidade de um Estado possa ser invocada internacionalmente tem de corresponder a um vínculo efetivo entre a pessoa e o Estado que tem essa
pessoa como seu nacional; por exemplo, caso NOTTEBOHM). Cada Estado adota os critérios que quiser para reconhecer a nacionalidades aos seus nacionais. A atribuição da
nacionalidade baseia-se normalmente em ius sanguini (é nacional de um Estado quem for filhos de nacionais) e ius soli (é nacional de um Estado quem nasce no território desse
Estado). Em Portugal temos um critério misto, sendo que a lei da nacionalidade apresenta duas formas de aquisição: aquisição originária (os efeitos de aquisição da nacionalidade
reportamse à data do nascimento do indivíduo; pode dar-se por mero efeito de vontade – é necessária uma declaração – ART 1/1, als. a), b), e) e g), LN – ou por efeito de lei –
automático: ART. 1/1, als. c), d) e f), LN) ou aquisição derivada (os efeitos de aquisição da nacionalidade reportam-se a um momento posterior ao nascimento; esta pode ocorrer
por efeito de vontade – por ex., ART. 2.º, 3.º e 4.º LN –, por efeito da adoção – por ex., ART. 5.º LN – ou por efeito de naturalização – tem de existir uma autorização de uma
autoridade pública – por ex., ART. 6.º da LN – requisitos cumulativos). Ademais, podemos renunciar à nacionalidade portuguesa, a qualquer altura (Artigo 8.º LN), mas é preciso ter
outra nacionalidade, de modo a evitar-se apátridas. Além disso, há ainda a questão prévia da nacionalidade, isto é, saber se a relação jurídica que dá direito à nacionalidade é
válida ou não. Esta deve ser regulada pela lex causae, ou seja, pela lei do Estado cuja nacionalidade está em causa. É a esta lei que devemos perguntar se a relação jurídica é válida
ou não. Em terceiro lugar, quando o elemento de conexão tem várias nacionalidades (concurso positivo de nacionalidades), temos de dar prioridade/primazia a um desses
conteúdos, a uma dessas nacionalidades. Nos termos do ART. 27.º LN, se alguém tiver duas nacionalidades, só a nacionalidade portuguesa releva àquilo que nos interessa. Ou seja,
era à nacionalidade portuguesa que daríamos prioridade (em vários Estados isto acontece). Por seu turno, nos termos do ART. 28º LN (caso de nenhuma das duas nacionalidades

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ser a portuguesa), entre nacionalidades estrangeiras releva o princípio da efetividade e, como tal, vai prevalecer a nacionalidade efetiva, a que corresponder a um vínculo efetivo
entre a pessoa e o Estado que a tem como nacional. Nos termos do ART. 28/1, 1.ª parte, CC, presume-se que existe um vínculo real entre a pessoa e o Estado onde reside. Quando
não existe nenhum conteúdo concreto (como não ter nenhuma nacionalidade de nenhum Estado), temos de arranjar uma conexão subsidiária (ART. 32.º CC – diz qual a lei pessoal
de um apátrida – lugar onde a pessoa tem a sua residência habitual ou, caso não exista, aplica-se subsidiariamente o ART. 82/2 CC – residência ocasional, onde a pessoa esteja
naquele momento).

3. Explique o direito material como forma de regulamentação das relações privadas internacionais nas suas vertentes e respetivas características. O método substancialista ou
material. dá a solução ao caso concreto. Este pode dividir-se em direito material do Estado do foro ou direito material uniforme. Por sua vez, o direito material do Estado do foro
pode subdividir-se em direito material comum do Estado do foro e direito material especial do Estado do foro. No que diz respeito ao direito material comum do Estado do foro,
constitui uma forma de regulamentar as relações privadas internacionais, cujas relações são submetidas ao direito material comum do Estado do foro, ou seja, às normas materiais
da ordem jurídica a que pertence o órgão aplicador do direito. Isto significa que nesta técnica as relações jurídicas privadas internacionais serão tratadas como relações privadas
internas. Assim sendo, vamos aplicar as normas materiais que pertencem à ordem jurídica do foro (onde é intentada a ação ou onde se localiza o órgão), como se as relações
jurídicas privadas internacionais fossem puramente internas. Vantagens: boa administração da justiça e a solução do litígio será mais rápida, uma vez que não é necessário alegar,
indagar e provar o teor do direito estrangeiro; Desvantagens: imprevisibilidade (direito aplicável varia em função do Estado do foro), incerteza e insegurança jurídicas e afetação
das legítimas espectativas das partes, o que põe em causa o princípio da confiança das partes. Para além disso, a parte que for mais rápida poderia escolher o foro que lhe fosse
mais favorável, o que fomenta o fórum shopping, colocando em causa também o princípio da igualdade das partes. Com efeito, o método substancialista ou material comum do
Estado do foro está ultrapassado, dado que não é muito útil hoje em dia. Por estas desvantagens, não aceitamos este método hoje em dia. Relativamente ao direito material
especial do Estado do foro, constitui um conjunto de normas materiais que vão dar a solução para o caso concreto; normas materiais do Estado do foro especialmente criadas para
regulamentar diretamente as relações privadas internacionais. Estas têm na sua génese o ius gentium. Podem aplicar-se diretamente, completar normas de conflitos, etc. Entre
estas normas especiais encontram-se: normas materiais de Direito Internacional Privado (normas que se encontram no meio das normas de conflito; ajudam estabelecendo
limites, pressupostos ou complementos – por exemplo, ART. 51/3, 54/2, 27/2, 26/2, 2/2, 45/2, 51/1, 53/3 CC e ART. 3/2 CSC); normas de aplicação imediata (NAI) (delimitam o
âmbito de aplicação no espaço de forma autónoma independentemente das normas de conflitos; são normas materiais espacialmente autolimitadas (elas dizem quando se
aplicam), que pelo fim social que visam atingir e pela sua especial densidade valorativa (o nosso legislador quer proteger um valor fundamental), reclamam a sua aplicação,
explícita ou implicitamente (o seu âmbito de aplicação retira-se através dos fins que visa alcançar), independentemente do âmbito de competência da ordem jurídica a que
pertencem, derrogando o sistema conflitual do Estado do foro. Deste modo, estas normas têm um interesse relevante por parte do Estado (interesse público subjacente) e, como
tal, vão prevalecer sobre as normas de conflitos (por exemplo, ART. 2223.º e 1682.º-A/2 CC); normas que integram direito dos estrangeiros (normas que limitam a capacidade de
gozo conhecida aos cidadãos estrangeiros para serem titulares de direitos privados em comparação àquela que é atribuída aos cidadãos nacionais portugueses. Estas normas
existem em todos os ordenamentos jurídicos. Por outro lado, o direito material uniforme ou unificado tem uma origem supraestadual, isto é, a fonte deste direito não é um
Estado, mas sim uma organização internacional. O direito material uniforme aplicável tanto às relações puramente internas como às relações privadas internacionais constituem
leis materiais comuns a vários Estados que são aplicadas em certos domínios específicos do Direito Internacional Privado. Através destas normas conseguimos que em vários
Estados, que sejam membros daquela convenção, o litígio se resolva da mesma maneira. Deste modo, vários Estados aplicam a mesma lei. Por ex., Convenção de Genebra sobre
Letras e Livranças (1930). Para estas convenções serem aplicadas terão de existir normas de conflitos. Porém, por vezes, surgem dúvidas quanto à interpretação e integração das
normas de direito material uniforme ou unificado (na maior parte das vezes não existem interpretações igualitárias para todos os Estados) e, em alguns casos, surgem até mesmo
lacunas que são resolvidas pelos vários Estados de formas diferentes. Todavia, este problema não se coloca quando estamos perante uma fonte comunitária (por ex., Regulamento
da UE n.º 2027/97). O direito material uniforme especialmente criado para regular apenas as relações privadas internacionais assume, muitas vezes, a denominação de direito do
comércio internacional. Existem várias convenções feitas pelos Estados e regulamentos para regular as relações privadas internacionais. Por ex., Convenção de Varsóvia de 1929
para unificação de regras relativas ao transporte aéreo internacional e CV de 1980 sobre os contratos de compra e venda internacional de mercadorias (Portugal só aderiu em
2020). Vantagens: normas mais específicas, ajustadas e adequadas aos problemas de direito internacional privado, pensadas especialmente para este tipo de questões jurídicas; se
a situação plurilocalizada se enquadrar no âmbito do direito material uniforme e, portanto, já se sabe quais as normas que serão aplicadas, eliminamos o problema de escolha da
lei aplicável e todos os restantes problemas inerentes, tornando-se mais fácil e mais simples para o aplicador da lei resolver a questão; quantos mais Estados aderirem haverá uma
harmonia jurídica internacional de soluções, que permite uma maior confiança das partes e uma maior previsibilidade das decisões; por fim, torna-se mais fácil, mais rápido e
menos oneroso para as partes conhecer a disciplina jurídica que será aplicada à sua relação, que se traduz numa certa segurança jurídica; desvantagens: o direito material
uniforme ou unificado só regula em determinados aspetos parcelares, em aspetos setoriais das relações privadas internacionais e é sempre necessária uma ligação com a ordem
jurídica a que pertencem; processo moroso, principalmente quando é de fonte internacional (as convenções demoram muitos anos a serem negociadas); por ex., a Convenção de
Viena demorou quase 15 anos a ser negociada e só abrange contratos de compra e venda de mercadorias; não consegue suprimir totalmente o conflito de leis – há certas áreas
em que é de todo impossível avançar estas regulamentações uniformes que abranjam diversos países (por ex., Direito da Família) – só era possível eliminar de forma absoluta o
conflito de leis se a uniformização fosse universal (todos os Estados teriam de aderir, o que não é possível); interpretação e integração de lacunas. Há determinados diplomas que
contêm determinadas normas que nos indicam como devemos interpretar as convenções. Por exemplo, o ART. 38.º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados é o
princípio geral, mas, na prática, muitas vezes os Estados vão fazendo as suas interpretações de acordo com o direito interno. Com efeito, quando existe BRUNA FERNANDES |
A85107 7 divergência jurisprudencial entre vários Estados contratantes de uma determinada convenção, tem que se recorrer à orientação jurisprudencial da ordem jurídica
competente segundo o direito conflitual do Estado do foro. O direito material, em geral, necessita sempre de uma ligação com a ordem jurídica que vai estar a resolver a questão,
para que se possa aplicar. Esta conexão está presente através de uma norma de conflitos do Estado contratante ou convencional, que remeta para um desses Estados, sendo que
funciona de forma diferente no direito material em comparação com o método conflitual. Para aplicar este direito em Portugal é necessário existir uma conexão entre o litígio e a
ordem jurídica portuguesa. Às vezes existem normas de conexão nas convenções que estabelecem o critério de conexão relevante para que determinada convenção se possa
aplicar (ex: ART. 1.º CV – é uma norma de conexão e, como tal, estabelece as condições em que aquela Convenção se vai aplicar). Se as nossas normas de conflitos disserem que a
determinada questão se aplica determinada lei e o Estado dessa lei é contratante, aplica-se, então, a Convenção. É necessária a ligação entre a situação e o Estado onde essas
normas vigoram. Assim, apesar do direito material uniforme ser uma forma de regulamentação das relações privadas internacionais, ele não é um meio independente e, portanto,
precisa destas ligações, das chamadas normas de conflitos, normas estas que necessitam de um método conflitual. Daí dizermos que existem 2 métodos de regulamentação e que,
embora diferentes, têm pontos de diálogo, não são absolutamente alternativos/ independentes. Isto posto, o método conflitual e o método material não são métodos alternativos
na regulamentação das relações privadas internacionais, mas sim complementares. Além disso, são métodos que vão buscar um ao outro características. Normalmente através de
normas de conflitos, o método material exige sempre uma ligação com o Estado contratado, caso contrário a convenção não se aplica. Contudo, apesar de o método material ser
complementado pelas normas de conflitos, o funcionamento neste método é diferente do funcionamento das normas de conflitos no método conflitual. 2 realidades específicas
que querem assumir-se como sendo duas formas substancialistas de regulamentação das questões privadas internacionais: Lex mercatoria contêm os usos e as práticas do
comércio internacional e têm uma grande importância a nível da arbitragem internacional. Não são vistas como verdadeiras normas jurídicas pelos Estados, pois são incompletas e
não tutelam certos valores jurídicos que a norma jurídica interna visa salvaguardar. Todavia, podem ser utilizadas para integrar ou interpretar a vontade das partes nos contratos
internacionais). Dentro da lex mercatoria existem dois instrumentos jurídicos muito importantes Princípios da UNIDROIT relativos aos contratos do comércio internacional
(instituto internacional para a unificação do direito privado); e Princípios do DEUROPEU dos Contratos elaborados no âmbito da UE (estes princípios pretendem transmitir um
fundo comum a todos os Estados da União Europeia, uma espécie de lex mercatoria codificada. Estes existem, essencialmente, para que os Estados possam modelar a sua ordem
jurídica àqueles princípios e para os próprios sujeitos de direito privado se servirem daqueles contratos; Direito flexível (soft law): leis modelo/ propostas/ recomendações, ou seja,
corpos de normas uniformes criados pelas organizações internacionais que são propostas aos Estados e estes, se quiserem, podem transpô-las/ adotá-las no âmbito do direito
interno. Existe uma lei modelo sobre arbitragem comercial internacional que Portugal adotou (UNCITRAL/CNUDC)

4. Comente a seguinte afirmação: “O direito estrangeiro goza na ordem jurídica portuguesa de uma natureza mista” // estatuto do direito estrangeiro Estatuto do Direito
Estrangeiro – Este problema coloca-se quando a nossa norma de conflitos remete para o direito estrangeiro. Por vezes, temos de aplicar direito estrangeiro em relações
plurilocalizadas. Quando isso acontece há dois interesses a considerar interesses processuais (temos de considerar a economia de meios na administração da justiça, celeridade
processual e prevenção do erro judiciário. Isto leva a que em muitos países se tente minimizar a aplicação de direito estrangeiro, condicionando-se a sua aplicação à condição de

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ser invocado e provado pelas partes, tratando-o como matéria de facto); e interesse geral de justiça (respeito por um juízo de valor que esteve na escolha da lei, por um superior
interesse de justiça; este leva a que outros Estados apliquem a lei que a norma de conflitos manda aplicar e consideram este direito estrangeiro como verdadeiro direito e não
como matéria de facto). O nosso juiz quando a norma de conflitos manda aplicar direito estrangeiro, deve aplicá-lo oficiosamente ou apenas se as partes o invocarem? Vigora um
princípio de aplicação oficiosa (ART 5º CPC), isto porque o juiz não está sujeito à alegação das partes no que diz respeito ao direito a aplicar. O tribunal português deve aplicar o
direito que é indicado pelas normas de conflitos do foro, ainda que seja estrangeiro e nenhuma das partes o tenha invocado, isto porque a norma de conflitos tem natureza
imperativa (ART. 348º CC). Cabe ainda a análise de algumas normas de interesse. Há países em que existe um ónus de alegação de prova do direito estrangeiro por parte das
partes porque o direito estrangeiro é tratado como mero facto. O ART. 348.º CC resolve este problema: as partes que invocarem direito estrangeiro devem provar o seu conteúdo e
existência numa perspetiva de dever de cooperação com o tribunal (ART. 7º e 8º CPC). A sanção para o não cumprimento desde dever de cooperação é a responsabilidade por má
fé. O tribunal oficiosamente deve procurar conhecer o direito estrangeiro. Na falta de alegação do direito estrangeiro aplicável, o n.º2 do ART. 348.º CPC reitera o dever de
conhecimento oficioso pelo tribunal mesmo que as partes não tenham invocado. Concluindo, não existe em Portugal um ónus de alegação e prova do direito estrangeiro como
parte do sujeito processual a quem o direito estrangeiro aprove. Assim sendo, há apenas um dever oficioso de aplicação do direito estrangeiro pelo tribunal e um dever de
cooperação das partes. Em Portugal, o direito estrangeiro tem estatuto de verdadeiro direito. Quais os meios que quem está a resolver o litígio tem ao seu dispor para obter
informação sobre o conteúdo do direito estrangeiro? A norma do ART. 348º CPC não estabelece. Se não estabelece os meios, também não estabelece os fins (é o que entende a
doutrina). Assim, entendese que o tribunal pode recorrer a todos os meios desde que sejam de confiança, isto é, fiáveis o suficiente para formar certa posição (podem ser oficiais,
não oficiais ou trazidos pelas partes dentro do dever de cooperação). Ele pode recorrer a textos oficiais, a jurisprudência, a obras doutrinais, etc. Os Estados que são parte destas
convenções podem pedir informação a outros Estados que também sejam parte delas. E se o tribunal português não conseguir apurar informação sobre o conteúdo do direito
estrangeiro? O ART. 348.º CPC não estabelece os meios a que se pode recorrer; a doutrina entende que isto faz com que o juiz possa recorrer a meios diretos (bases de dados,
jurisprudência, textos legislativos e doutrinais, etc.) e indiretos (presunções judiciais – ART. 351.º CC –, a ideia é a de que não se conhece o teor exato, mas conhecem-se os
princípios; existem várias posições na doutrina em relação a isto). E se mesmo assim não for possível apurar a informação? O ART. 23/2, 1ª parte, CC manda aplicar a conexão
subsidiária. Em matéria de estatuto pessoal aplicamos a lei da nacionalidade e se não a conseguirmos apurar, aplicamos a lei da residência habitual. Em última análise, aplicamos o
Artigo 348/3, CC, na impossibilidade aplicamos o direito do foro. Quando o juiz está a aplicar este direito estrangeiro, a que princípios e regras deve recorrer para interpretar esse
direito estrangeiro e integrar lacunas desse direito estrangeiro? Tendo em consideração a harmonia de julgados e a tutela da confiança, a tutela das legítimas expetativas das
partes, o direito estrangeiro deve ser aplicado tal como é no país de origem, logo deve recorrer às regras de interpretação e integração de lacunas que vigoram no país de origem
desse direito. Temos que admitir todas as formas de direito que esse direito também admite. Assim, por exemplo, se o costume for fonte nesse Estado, nós também o temos de
admitir. O nosso Supremo Tribunal de Justiça pode fazer o controlo da aplicação do direito estrangeiro aplicado pelas instâncias? O erro na aplicação e interpretação do direito
estrangeiro por um tribunal inferior pode constituir fundamento de recurso de revista interposto para o Supremo Tribunal de Justiça (ART. 674º CPC). Tal como acontece com o
direito nacional. O nosso Supremo Tribunal de Justiça pode controlar a aplicação de direito estrangeiro desde que o direito estrangeiro não resulte de costume. Ou seja, sempre
que o direito estrangeiro resulte de lei e jurisprudência pode controlar, quando resultar de costume não. Isto porque em Portugal o direito estrangeiro tem estatuto de verdadeiro
direito, podendo ser controlado nessa medida. Concluindo, o direito estrangeiro é considerado por nós um verdadeiro direito, mas ainda assim não tem um estatuto idêntico ao
direito nacional porque na interpretação do direito estrangeiro os tribunais nacionais estão limitados à forma como é feita no país de origem e porque há um dever de colaboração
das partes com o tribunal que não existe quanto ao direito nacional. Para além disso, em relação ao direito nacional, o Supremo Tribunal de Justiça pode uniformizar
jurisprudência, mas não o pode fazer em relação à interpretação e aplicação do direito estrangeiro.

5. Explique o problema que resulta de a ordem jurídica do foro remeter para um ordenamento jurídico plurilocalizado, de base territorial e pessoal, e respetiva resolução. Por
vezes, a nossa norma de conflitos remete para ordenamentos jurídicos em que coexistem diferentes ordens jurídicas de base pessoal e territorial (ordenamentos jurídicos
complexos – são ordenamentos jurídicos em que coexistem diferentes ordenamentos normativos de base territorial, isto é, para diferentes parcelas do território aplicam-se ordens
jurídicas locais diferentes). Existem dois tipos de ordenamentos jurídicos complexos: De base territorial: são aqueles que têm diferentes ordens jurídicas aplicáveis a diferentes
parcelas do seu território. Por exemplo, Reino Unido; De base pessoal: dentro do mesmo ordenamento jurídico temos ordens jurídicas diferentes aplicáveis a diferentes grupos ou
categorias de pessoas. São os Estados que definem essas categorias. Por exemplo, Egipto e Israel. Princípios gerais de solução: o regime vigente. Como sabemos qual a ordem
jurídica a aplicar ao caso? O ART. 20.º CC resolve o problema, isto é, foi pensado pelo legislador para as situações de remissão das normas de conflitos para os ordenamentos
plurilegislativos, mas não resolve todas as situações em que há esta remissão. O ART. 20º CC só se aplica a matérias de estatuto pessoal, ou seja, quando a remissão é feita pela lei
da nacionalidade. Como resolver? Em ordenamento de base territorial: 1) Recorrer ao direito interlocal existente nesse ordenamento jurídico (ART. 20/1 CC); 2) Se não existir este
direito interlocal unificado recorre-se às normas de conflitos de Direito Internacional Privado unificado desse ordenamento jurídico plurilegislativo (Artigo 20/2. CC). Nós
resolvemos da mesma forma que o ordenamento plurilegislativo resolve por uma razão de harmonia de julgados. Nós deixamos a este ordenamento plurilegislativo a resolução de
um problema que ele próprio criou, pois isto só é um problema para nós devido a esses ordenamentos terem muitas ordens jurídicas. 3) Caso não exista direito interlocal nem
direito internacional privado unificado devemos aplicar a lei da residência habitual do interessado como lei pessoal (Artigo 20/2, in fine, CC). No entanto, isto levanta um problema
de interpretação: será a lei da residência habitual mesmo que esta se situe fora do ordenamento plurilegislativo? A. FERRER CORREIA e BATISTA MACHADO): manda aplicar a lei da
residência habitual do interessado independentemente de onde ela se situar, mesmo que seja fora do ordenamento plurilegislativo. Isto porque foi um problema criado por esse
ordenamento plurilegislativo e ele não resolveu o problema que ele mesmo criou, logo desistimos da aplicação da lei da nacionalidade e aplicamos a lei da residência habitual.
Tudo se passa como se a pessoa fosse apátrida, isto é, como se não tivesse nacionalidade ou se esta fosse de averiguação impossível; ISABEL DE MAGALHÃES COLLAÇO – posição
adotada: só vamos aplicar a lei da residência habitual se ela se situar dentro do ordenamento plurilegislativo, porque assim estamos a individualizar a ordem jurídica e respeitamos
o juízo de valor da norma de conflitos que manda aplicar a lei da nacionalidade. Esta segunda solução respeita a preponderância no nosso ordenamento jurídico da lei da
nacionalidade sobre a lei da residência habitual. Há uma interpretação restritiva de acordo com a rácio da norma. Contudo, esta restrição teleológica faz surgir uma lacuna oculta,
uma vez que para todas aquelas situações em que a residência habitual se situa fora do ordenamento plurilegislativo não temos norma – há uma ausência de norma. Para
preencher esta lacuna temos de recorrer às regras gerais de integração de lacunas (ART. 10º CC) – analogia e norma ad hoc. Aqui como não há analogia, temos de recorrer a uma
norma ad hoc, à norma que o intérprete criaria se tivesse de legislar dentro do espírito do sistema. Em matéria de estatuto pessoal, o nosso espírito de sistema consiste em aplicar
a lei mais próxima daquele indivíduo interessado para salvaguardar as suas legítimas expetativas – princípio da confiança. Assim, vamos aplicar a ordem jurídica local, dentro do
ordenamento plurilegislativo, que tenha uma maior proximidade/conexão com o interessado. Deste modo, mantemos a aplicação da lei da nacionalidade. 4) O problema é que
quem está a resolver a questão pode não encontrar uma conexão estreita entre o interessado e nenhuma das ordens jurídicas. Assim, temos de recorrer ao ART. 23º CC. Deste
modo, recorremos a uma norma auxiliar das normas de conflitos e aplicamos a lei subsidiariamente competente em matéria de estatuto pessoal, que é a lei da residência habitual
(ART. 23/2 CC). Mas, voltamos ao mesmo... Embora tentássemos antes de mais manter a lei da BRUNA FERNANDES | A85107 11 nacionalidade, não foi de todo possível. O ART.
20/3 CC diz respeito ao ordenamento jurídico de base pessoal: 1 - Recorrer ao direito interpessoal existente nesse ordenamento jurídico; 2 - Recorrer a normas ad hoc. Se não
existir nenhuma destas, aplica-se a lei da residência habitual. Mas, como resolver as situações que não sejam situações de matéria de estatuto pessoal? Há uma divergência
doutrinal. Isto posto, nos casos em que a remissão não é feita para matérias de estatuto pessoal, ou seja, quando está em causa uma conexão de caráter territorial (por exemplo,
lex res sitiae), A. FERRER CORREIA e BAPTISTA MACHADO defendem que quando remete para a lei do lugar do delito, estes indicam logo a ordem jurídica aplicável. Esta é a forma
mais simples e rápida de resolver o problema. Há uma designação direta e imediata da ordem jurídica aplicável. Por exemplo, ART. 19/1 CV, ART. 25.º Roma II e ART. 22º Roma I.

6.Explique as relações entre o Direito Internacional Privado e o Direito Constitucional nas suas várias vertentes. 1) Saber se as normas de conflitos de fonte nacional estão
sujeitas à CRP do Estado do foro: a) exclui a sujeição das normas de conflitos à CRP: o Direito Internacional Privado é um domínio estranho à CRP, sendo o Direito Internacional
Privado composto por normas de conflitos, que eram axiologicamente neutras. Consideram que o Direito Internacional Privado era meramente formal (não visava valores, mas
apenas a harmonia de julgados). Determinados autores, tal como DÖLLE e QUADRI, referiam que estas normas eram completamente estranhas à CRP, pois era impossível violar a
constituição. Para QUADRI, as normas de conflitos ocupam na ordem jurídica uma posição hierárquica superior às normas materiais e estão ao mesmo nível que as normas
constitucionais e, como tal, não se poderão submeter as normas de conflitos à CRP. Para BAPTISTA MACHADO, as normas de conflitos ou são superiores ou são, pelos menos,
paralelas à CRP; b) Sujeição à CRP: FERRER CORREIA: como a justiça do Direito Internacional Privado é essencialmente formal (e não totalmente), estão abertos critérios de justiça
material. Logo, o Direito Internacional Privado não pode ignorar os princípios consagrados na CRP; JORGE MIRANDA: as normas de Direito Internacional Privado estão sujeitas à
CRP como quaisquer outras normas estão sujeitas à CRP, dada a hierarquia que a CRP ocupa na ordem jurídica; RUI MOURA RAMOS: como os princípios do Direito Internacional

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Privado são princípios de direito privado e da ordem jurídica portuguesa, as suas normas estão sujeitas à CRP como o estão também as normas de direito privado. 2) Saber se as
normas materiais estrangeiras da lei competente têm de estar em conformidade com a CRP do Estado do foro: as normas de conflitos remetem para outros ordenamentos
jurídicos, sendo que temos normas de conflitos que mandam aplicar normas estrangeiras (por exemplo, aplicar a lei da situação da coisa). FERRER CORREIA: podemos recusar a
aplicação de uma norma estrangeira sempre que a violação da CRP se caraterize numa violação de princípios absolutamente fundamentais da ordem jurídica portuguesa. Não
basta a incompatibilidade com os princípios fundamentais, mas também uma relação entre os factos e a ordem jurídica portuguesa (juízo de incompatibilidade e conexão
espacial). Limita os casos ao problema da reserva da ordem pública internacional (ROPI). Isto posto, para a ROPI atuar têm de estar preenchidos os dois requisitos anteriormente
mencionados. Esta é uma posição muito restritiva; JORGE MIRANDA: os tribunais portugueses só podem aplicar normas estrangeiras que estejam de acordo com a CRP. A CRP
pode obstar à aplicação do direito estrangeiro independentemente do funcionamento da ROPI. Ora, nos termos do Artigo 204.o da CRP, quanto aos factos submetidos não podem
os tribunais portugueses aplicar normas estrangeiras que não estejam de acordo com a CRP ou com os princípios nela consagrados. Esta é uma posição muito expansiva (posição
ampla); RUI MOURA RAMOS: não podemos partir do princípio de que a nossa CRP abranja todas as relações jurídicas internacionais. Assim sendo, não podemos aplicar a nossa
CRP sempre que temos uma norma material que infrinja a nossa CRP, isto é, é preciso algo mais – temos de ter um caso em que as finalidades visadas pelas normas constitucionais
reclamem a sua aplicação ao caso concreto, ou seja, temos de interpretar a norma constitucional e ver as suas finalidades. Através dessas finalidades limitamos a sua aplicação
espacial. Isto posto, não podemos restringir a intervenção da CRP aos casos extremos de atuação da ROPI. Esta é uma posição intermédia. A posição adotada é a posição
intermédia. Temos de olhar para as normas constitucionais e verificar se o fim é justificável. Isto é, aplicamos a CRP só se a norma constitucional salvaguardar princípios
absolutamente fundamentais que só poderão ser salvaguardados com a aplicação daquela norma ao caso concreto. Por ex., ART. 53.º CRP: no que diz respeito a esta norma
constitucional, a doutrina, a jurisprudência e depois os tribunais entenderam que têm de estar em causa trabalhadores nacionais, contratados em Portugal por empresa com sede
em Portugal para prestar trabalho em Portugal ou no estrangeiro. 3) Problema da aplicabilidade de preceitos materiais estrangeiros incompatíveis com a CRP do Estado de onde
provêm – Ao aplicar a lei estrangeira, os tribunais têm de a aplicar exatamente como esta é aplicada no seu Estado de origem, caso contrário não existiria uma harmonia de
julgados. Duas hipóteses: Norma estrangeira foi declarada inconstitucional: se a norma foi declarada inconstitucional com força obrigatória geral no Estado de origem, nós também
não a vamos aplicar em Portugal; Norma estrangeira ainda não foi declarada inconstitucional com força obrigatória geral: se a norma não foi ainda declarada inconstitucional com
força obrigatória geral no seu Estado de origem, a solução dependerá consoante as seguintes situações: - Se os tribunais ordinários do país de origem não podem fazer controlo de
constitucionalidade das normas (há um tribunal próprio para tal), nós também não o podemos fazer; - Se noutros Estados de origem os tribunais ordinários podem fazer controlo
de constitucionalidade das normas e se já existirem decisões a declarar a inconstitucionalidade de certa norma estrangeira, nós também o podemos fazer (a ideia é a de que nós
fazemos o que se puder fazer no Estado de origem). Porém, JORGE MIRANDA afirma que têm de existir já decisões, que tem de ser uma inconstitucionalidade evidente, com
máxima cautela.

7. Identifique quais são os valores e princípios que compõem a justiça do DIP e explique a sua relevância. Princípios que exprimem valores individuais: Princípio da dignidade da
pessoa humana (encontrase previsto no ART. 1.º CRP e implica que se reconheça personalidade jurídica e um certo número de direitos de personalidade às pessoas. No Direito
Internacional Privado, este manifesta-se, desde logo, ao nível do direito dos estrangeiros (reconhecemos aos estrangeiros a suscetibilidade destes serem titulares de direitos
privados – ART. 15/1 CRP e 14/1 CC). Além disso, também o encontramos em matérias de estatuto pessoal das pessoas singulares (lei pessoal) – direito ao estado, capacidade, etc.
Estas matérias estão sujeitas à nacionalidade, ou seja, são reconhecidas em qualquer lugar em que a pessoa esteja (ART. 25/26/27 CC), o que confere a sua dignidade. Princípio da
autonomia da vontade: as pessoas têm toda a liberdade para contratar em ou não com quem quiserem, para modificar ou extinguir as suas relações jurídicas. No Direito
Internacional Privado, este manifesta-se na medida em que se permite às partes que escolham a lei aplicável ao contrato por razões de certeza, segurança e previsibilidade
jurídicas, bem como as partes são quem sabe qual a melhor lei para salvaguardar os seus interesses da melhor forma (por exemplo, ART 34 + 41/1 CC; ART. 3º CV; ART. 3º Roma I e
ART. 14º Roma II); Princípio da tutela da confiança: assenta na permanência dos direitos adquiridos, a ideia de que as pessoas adquirem direitos e confiam legitimamente na
manutenção desses direitos, o que é condição de paz e equilíbrio social. Confere segurança, essencialmente, no tráfego jurídico. Este princípio justifica no Direito Internacional
Privado o facto de na regulamentação das matérias de estatuto pessoal (capacidade, relações familiares, sucessões, etc.) existirem alguns desvios, quer quanto às pessoas
singulares (ART. 28º, 31/2, e 47º CC, ART. 11º CV e ART. 13.º Roma I), quer quanto às pessoas coletivas (ART. 3/1, 2.ª parte CSC). Por exemplo, às matérias de estatuto pessoal
aplica-se a lei da nacionalidade. Porém, em relação a pessoas que vivem no estrangeiro é possível aceitar que se aplique a lei da residência habitual para tutelar as legítimas
expetativas das pessoas quanto a relações estabelecidas no estrangeiro (por exemplo, Artigo 31/2 CC). Todos os desvios têm uma justificação para abandonar a regra geral em
favor de regras específicas. A tutela da confiança justifica-se também face ao princípio da proximidade ou da conexão mais estreita; Princípio da proximidade ou da conexão mais
estreita: está na base do método conflitual e assenta na ideia de que as pessoas se orientam num direito com o qual estão mais ligadas, ou seja, as pessoas orientam as suas
condutas em favor do direito que lhes é mais próximo. Este princípio respeita os interesses dos Estados, as expetativas das partes e as ligações naturais que se estabelecem entre
determinadas leis e certos Estados. Quando falamos de proximidade, podemos falar de: Proximidade com o objeto do litígio (por exemplo, um português que vai de férias para
Espanha e bate com o seu carro, com culpa, no carro de um espanhol); Proximidade com as partes (por exemplo, dois portugueses enquanto conduzem batem em Espanha, um
contra o outro – ART. 45/3 CC); Proximidade com uma das partes que se quer favorecer (ART. 45º CC). Exemplos: Cláusula de conexão mais estreita ou cláusula de exceção; -
Normas de conflitos tradicionais de cariz localizador: por exemplo, lex loci deliti (ART. 45º CC) e lei da RH ou da nacionalidade comum das partes (ART. 45/3 CC ou ART. 4/2 Roma
II); Princípio da confiança: justifica as normas de conflitos de caráter alternativo (por ex., ART. 65º CC: o julgador aplica a norma que validar o testamento com o fundamento do
princípio da confiança). Este está subjacente ao sistema do reenvio (visa a estabilidade e continuidade de direitos que foram adquiridos de relações jurídicas): Conexões
alternativas: favorecem a validade do negócio (por exemplo, ART. 36/1, e 65/1, CC; ART. 9/1 e 2 CV e ART. 11/ 1 e 2 Roma I) + Autolimitações ao sistema de conflitos de leis –
Exemplos: Cláusula de exceção: permite que seja aplicada uma lei mais próxima ao caso concreto, salvaguardando as expectativas das partes (por ex, ART. 6/2, in fine, CV); Normas
de reconhecimento de atos públicos estrangeiros (por ex, ART. 1096º CPC e 32.º e ss. Bruxelas I); Reenvio (Artigos 17.º a 19.º do CC): conflito negativo de sistemas; surge quando
duas ou mais leis são chamadas para resolver o litígio e nenhuma delas é competente; tem como intuito assegurar a estabilidade/ continuidade das relações privadas
internacionais. Princípio da igualdade: designa que devemos tratar tudo de forma igual, mas na medida da desigualdade. Este diz-nos que as relações jurídicas internacionais
devem ser tratadas pela mesma lei, na medida do possível, independentemente do Estado onde forem julgadas (a harmonia de julgados é então uma concretização deste
princípio). Assim sendo, as relações plurilocalizadas devem ser apreciadas de acordo com as mesmas regras onde quer que sejam submetidas a julgamento. O legislador deve criar
condições para que exista harmonia de julgados, para evitar o fórum shopping, condições estas quer ao nível das normas de conflitos (adoção de elementos de conexão suscetíveis
de serem aceites universalmente, através de normas de conflitos bilaterais, biparidade de tratamento entre direito estrangeiro e direito do foro, aplicação dos mesmos elementos
de conexão a nacionais e a estrangeiros, igualdade de tratamento das normas de aplicação imediata, quer sejam nacionais ou estrangeiras, e eliminação de elementos
discriminatórios presentes nas normas de conflitos), quer ao nível de resolução de conflitos de sistemas; Princípio da harmonia jurídica material ou princípio da unidade:
concretização do princípio da igualdade segundo o qual se devem evitar contradições normativas dentro da mesma ordem jurídica. Com efeito, uma questão avaliada a título
principal deve ter a mesma solução se essa mesma questão for julgada a título prévio. Este princípio também implica uma redução do dépeçage, sendo uma das formas de
especializar as normas de conflitos ou regular pela mesma lei questões conexas (conexões acessórias – norma de conflitos que manda a aplicar a uma questão determinada lei que
se aplica a outra questão). Por exemplo, ART. 4/3, 10/1, e 11/1, Roma II. Em suma: Harmonia jurídica internacional (harmonia de julgados) na formulação das regras de conflitos e
na resolução dos conflitos de sistemas; Harmonia jurídica interna (ou harmonia jurídica material ou princípio da unidade ou integridade das ordens jurídicas). 2) Princípios que
exprimem valores sociais – A proteção da parte mais fraca: princípio fundamental do direito privado, uma vez que este ramo do direito parte do princípio de que as partes estão
numa posição de igualdade jurídica. Na realidade, o legislador sabe que isto não acontece e por isso intervém, nomeadamente através deste princípio (por exemplo, num dano
ambiental, o lesado é considerado a parte mais fraca e o legislador tenta protegê-lo – ART. 7.º Roma II); ART. 5.º da CR e 6.º Roma I (contratos de consumo); ART. 6.º da CR e 8.º
Roma I (contratos de trabalho); ART. 38.º do DL nº 178/86 de 3 de julho – com alteração do DL nº178/93, de 13 de abril (contrato de agência ou representação comercial, etc.); A
salvaguarda da soberania nacional: está na base da sujeição das matérias dos direitos reais à lei da situação da coisa – o Estado tem interesse em regular as coisas situadas no seu
domínio. Está na base do ART. 46º CC; A salvaguarda da paz social: está na base das normas que sujeitam a responsabilidade extracontratual à lei da conduta/ lugar onde foi
praticado o delito. O Estado tem interesse em regular a situação e repor a paz social. Por exemplo, ART. 22º, 43º e 45/1 CC; ART. 16º CR; ART. 16.º Roma II e ART. 21.º Roma I; A
preservação da identidade cultural das pessoas: este princípio está presente nas relações plurilocalizadas quando aplicamos a lei nacional de estatuto pessoal.

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