Você está na página 1de 4

QUALIFICAÇÃO

Conceito: integração de um caso singular na previsão de uma norma jurídica, isto é, na subsunção
desse caso ao conceito que delimita o objeto dessa norma jurídica.
1.
Identificar as Ordens Jurídicas potencialmente aplicáveis (ex. portuguesa vs. brasileira).
2.
Referir que se trata de uma questão que suscita problemas de qualificação (artigo 15.º do Código
Civil), pois a caracterização é diferente consoante o ordenamento jurídico potencialmente
aplicável.
3.
Identificar a norma material potencialmente aplicável (ex. 877º do CC português vs. 496º do CC
brasileiro).
4.
Caraterizar o objeto da qualificação, ou seja, a situação jurídica da vida. Assim, vamos interpretar
as normas materiais potencialmente aplicáveis ao caso à luz da lex causae, atendendo a um
critério de funcionalidade – art.º 15º CC: qual o conteúdo e a finalidade dessas normas - referência
seletiva.
→ A interpretação das normas materiais potencialmente aplicáveis tem como objetivo achar a
sua finalidade.
→ Ou seja, saber se é uma norma de direitos reais, de direito sucessório, de obrigações…
→ É a finalidade da norma que nos vai ditar qual a norma de conflitos a aplicar.
Exemplo:
• Segundo o ordenamento jurídico potencialmente aplicável brasileiro, a questão seria
regulada pelas normas comuns de Direito das obrigações brasileiras, art.º 96º do CC
brasileiro.
o Essas normas de Direito material tem um conteúdo e função meramente contratual,
no ordenamento jurídico brasileiro;
o São, assim, subsumíveis nas normas de conflitos do Regulamento Roma I.

• Segundo o ordenamento jurídico potencialmente aplicável português, a questão seria


regulada pelo artigo 877.º do Código Civil português.
o Esta norma de Direito material tem uma função, no ordenamento jurídico português,
de proteção das relações de família (se adotarmos a posição maioritária) - querela
doutrinária relativamente ao art.º 877º do CC - norma obrigacional vs. norma de
família (posição maioritária) vs. norma de direitos reais vs. norma de sucessões.
o Adotando a posição maioritária, a finalidade está relacionada com a proteção
das relações familiares, pelo que poderemos considerar esta proteção como
o conceito-quadro a ser verificado na norma de conflitos.
✓ Assim, a norma de conflitos a ser aplicada será a do art.º 57º do CC.
Inaplicável o Regulamento Roma I, por não estar preenchido o seu
âmbito de aplicação em razão da matéria (artigo 1.º/2/b) do
Regulamento Roma I)
Simão Fino – Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Nos termos do art.º 15º, a norma de conflitos, através do seu elemento de conexão, remete-nos
para a lex causae (a lei que regula a causa). Nessa lei, encontramos uma norma material, tendo de
se averiguar se é reconduzível ao conceito-quadro da nossa regra de conflitos. Tem de haver uma
correspondência entre a função desempenhada pela norma e a finalidade visada pela regra de
conflitos ao aludir ao conceito-quadro. Na decisão de existência ou não desta correspondência a
«ultima palavra» pertence à lei do foro.
Atenção: Art.º 15º é uma norma instrumental da norma de conflitos. Primeiro temos de ir à norma
de conflitos para saber qual a lei aplicável.
5.
Interpretar o conceito-quadro (conceito com uma amplitude muito vasta que serve,
potencialmente, para incorporar conteúdos de natureza muito distinta, provenientes de diferentes
ordenamentos jurídicos, através do qual a regra de conflitos delimita o seu objeto, a sua previsão).
Surgem 4 teorias:
• 1ª – interpretação segundo a lege fori – conceitos utilizados nas normas de conflitos de
um Estado tem o mesmo significado que os conceitos homólogos desse mesmo Estado.
Critica: seria negar a missão de coordenação que compete ao DIP; nunca poderíamos
chamar à revelação um direito estrangeiro que consignasse um instituto jurídico
desconhecido em Portugal. Para o DI o casamento é sempre entre pessoas vivas, pelo que
no conceito quadro do 49º não pode encaixar um conceito de casamento entre vivo e morto
• 2ª – interpretação segundo a lege cause – conceitos utilizados nas normas de conflitos do
foro devem definir-se à luz do direito competente. Significa que no conceito quadro da norma
de conflitos cabe tudo naquilo que existir no conceito do direito estrangeiro a que faz
corresponder o elemento de conexão. Crítica: seria tornar as normas de conflitos em branco,
nada significariam, não teriam uma definição definida, seria aquela do direito material
competente.
• 3ª – interpretação de acordo com o direito comparado – interpelação dos conceitos
utilizados nas normas de conflitos deve ser feita por abstração a partir de notas comuns
retiradas do direito comparado (de um dos direitos envolvidos)
• 4ª – interpretação autónoma – seguida em Portugal – parte do direito do foro, dos conceitos
homólogos, mas autonomiza-se por força a criar uma maior amplitude, de maneira que
abrange conceitos teleologicamente análogos. Nos conceitos do foro vamos encontrar as
notas essenciais, o núcleo essencial do conceito, aquilo que o conceito de foro não dispensa
de forma nenhuma, mas em relação a tudo o que é nota acessória já não caracteriza esse
conceito, sendo reconduzível conceitos que respeitem o núcleo essencial do conceito da lei
do foro.

→ DMV: temos de distinguir entre as regras de conflitos de fonte interna (CC) e as regras de
fonte internacional e comunitária (Regulamentos de Roma).
• Normas de fonte interna: o legislador das regras de conflito é o mesmo das normais
matérias, logo podemos presumir que os conceitos devem significar o mesmo – união
pessoal.
o Mas não podemos cingir os conceitos-quadro das regras de conflitos àquilo
que significam no direito material. As regras de conflitos servem para
coordenar a aplicação de vários Ordenamentos Jurídicos às mesmas
situações jurídicas privadas internacionais. Autonomia em relação ao Direito
interno
Simão Fino – Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
• Normas de fonte internacional: interpretadas em função da finalidade do regulamento
em que se inserem.

6.
Concretizar o elemento de conexão. É ele que nos diz para que direito a(s) norma(s) de conflito
remete(m).
A que lei recorrer? À lei do foro ou da lege causa? Há uma distinção que a doutrina faz:
interpretação e concretização do elemento de conexão. Interpretar é ver o alcance, em que consiste
o elemento de conexão, o que é aquele elemento conexão, procura-se definir o que é
nacionalidade, por exemplo. A concretização consiste em ver onde se concretiza o elemento de
conexão, por exemplo qual a nacionalidade da pessoa; qual o lugar da residência comum. A
interpretação deve ser autónoma. Quanto à concretização há duas possibilidades: através do direito
do foro ou do direito da causa, do direito competente. Lege foro – recorre-se ao direito da ordem
jurídica a que pertence a norma de conflitos - recorre-se ao direito português para concluir que é o
lugar da residência habitual (art.º 82º/1 CC). Lege causa – perguntamos a cada uma das ordens
jurídicas em contacto com a situação se consideram a pessoa domiciliada no seu território ou não.
Inconveniente do método lege causa – mais facilmente surgem conteúdos múltiplos ou falta de
conteúdo do elemento de conexão. Há um elemento de conexão que é obrigatoriamente feito
lege causa – a nacionalidade, pois só os estados é que definem quem são os seus nacionais.

7.
Subsunção – qualificação em sentido estrito: momento em que decidimos se, em concreto, a
situação jurídica privada transnacional é abrangida pelo conceito-quadro da regra de conflitos.
Saber se é possível reconduzir o objeto caracterizado à norma interpretada. Da lei designada pela
norma de conflitos só podem considerar-se aplicáveis os preceitos correspondentes à categoria
definida e delimitada pelo respetivo Conceito-Quadro.

8.
Concretizar a conexão – saber de que forma a norma de conflitos remete para a lei a aplicar. Há
uma atribuição de competência.
→ Singular - quando, em resultado, desencadeia a aplicação de um só Direito para reger a
questão.
• Simples: a norma de conflitos designa por forma direta e imediata um único Direito
aplicável à questão;
• Subsidiária: a norma de conflitos dispõe de uma série de elementos de conexão que
operam em ordem sucessiva, por forma a que a atuação do elemento de conexão
seguinte depende da falta de conteúdo concreto do elemento de conexão anterior;
• Alternativa: a norma de conflitos contém dois ou mais elementos de conexão,
suscetíveis de designarem dois ou mais Direitos, sendo efetivamente aplicado aquele
que, no caso concreto, se mostrar mais favorável à produção de determinado efeito
jurídico;
• Optativa: a norma de conflitos também dispõe de dois ou mais elementos de conexão,
suscetíveis de designarem dois ou mais Direitos, mas é agora a vontade de uma

Simão Fino – Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa


determinada categoria de interessados que vai determinar o Direito efetivamente
aplicável.

→ Plural - quando, em resultado, desencadeia a aplicação de mais de um Direito para regular


a questão.
• Cumulativa simples: a norma de conflitos exige, para que se produza certo efeito
jurídico, a concorrência de dois ou mais Direitos; o efeito tem de ser desencadeado
ou reconhecido simultaneamente por dois ou mais Direitos.
• Cumulativa condicionante: difere da cumulativa simples porque não há uma atribuição
de competência paritária a dois ou mais Direitos. A norma de conflitos chama um
Direito como primariamente competente, mas atribui a outro sistema uma função
limitativa ou condicionante quanto à produção de certo efeito.

Simão Fino – Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Você também pode gostar